Nº 22 16-30 ABR 2022
JORNAL DOS CARTUNISTAS DA GRAFAR
ENTREVISTA JOSÉ GENOINO
Os militares têm que voltar aos quartéis PÁGINA 3
Nem Viagra mete medo PÁGINA 3
MILITARES
Míssil perdido matou 12 pés de milho PÁGINA 2
QUADRANTE
Pandemia, quadrinhos de Alemão Guazzelli PÁGINA 28
Desordeiros
m dia desses alguém publicou nas redes algo assim: quem é que está querendo fiscalizar a eleição? Aqueles mesmos que gastaram R$ 33,5 milhões de recursos públicos em compras de Viagra, R$ 3,5 milhões em próteses penianas, R$ 546 mil em botox?! Na live em que anunciou que contratará uma empresa privada para auditar o sistema eleitoral brasileiro, o destrambelhado Bolsonaro trazia a tiracolo o chefe da “Segurança” Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno, o mesmo que não descobriu que um dos aviões da comitiva presidencial, sob seu comando, carregava 39 quilos de cocaína. Não são qualificados para fiscais de eleição, provaram que não entendem nada de saúde, nem de educação. Então, que se atenham aos deveres estritamente militares. Se bem que depois de terem abatido uma dúzia de pés de milho com um míssil desgovernado, parece que nem disso entendem. Desde o final da ditadura de 1964-85, ninguém se atreveu tanto contra um dos fundamentos das democracias, o voto livre. Desde que a Escola Superior de Guerra contratou o desordeiro Olavo de Carvalho como professor de oficiais de alto coturno, seria previsível que ele formaria discípulos à sua imagem e semelhança. Os veteranos de guerras nunca lutadas tomaram uma overdose de Viagra, compraram paus novos e agora tratam de gastar a energia inútil buscando algo pra f*. Até aqui só conseguiram “estrumpar” foi sua própria imagem.
O GRIFO do Schöder
Grifo, jornal de humor Desde outubro de 2020. Eletrônico, quinzenal e gratuito. Editores: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Editor gráfico: Caco Bisol Mídias sociais: Lu Vieira Participam desta edição: Bahia: Bruno Aziz. Ceará: Rafael Limaverde. Rio de Janeiro: Aroeira, Lafa, Miguel Paiva, Nando Motta, Roberto Neto. Rio Grande do Sul: Alisson Affonso, Bier, Carlos Roberto Winckler, Edgar Vasques, Graça Craidy, José Weis, Kayser, Lu Vieira, Marco Vargas, Moisés Mendes, Rodrigo Schuster, Santiago, Schröder, Tarso, TunikoK, Uberti, Wagner Passos. Santa Catarina: Celso Vicenzi, Eloar Guazzelli, Frank Maia. São Paulo: Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Castelo, Céllus, Gilmar Machado, Jota Camelo, Luiz Hespanha, Mouzar Benedito.
Expediente
U
editorial
grafar.hq@gmail.com
2
E MAIS: Canadá: Julie Doucet. Colômbia: Elena Ospina. Cuba: Brady Izquierdo. Espanha: Nani - Adriana Mosquera. Estados Unidos: Liza Donnelly. Irã: Mahnaz Yazdani, Marzieh Khanizadeh. Itália: Leoni, Marghe Allegri.
Receba o Grifo grátis e em primeira mão Basta entrar em um dos grupos de WhatsApp para receber sua edição em pdf!
CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 1 CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 2 CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 3
3
golpeagalope
entrevista josé genoino*
O objetivo é garantir as eleições
Os militares têm que voltar aos quartéis. Há dias, o ex-deputado federal, ex-assessor do Ministério da Defesa, ex-presidente nacional do PT José Genoino conversou com editores do Grifo sobre ameaças ao processo eleitoral brasileiro. Naquele momento, apenas assopradas através dos canais sabujos da imprensa. Mas, poucos dias depois, o próprio presidente da República e seu ministro da Defesa rasgaram o véu a partiram pra cima do Tribunal Superior Eleitoral e da própria democracia. Grifo - Novamente, através da imprensa, governo, direita e imprensa começam a falar em golpe. Isto é uma possibilidade material? Ou essa ameaça já é, em si mesma, o efeito buscado: assustar as oposições, acovardá-las? Genoino - É tudo isso. A força coercitiva do Estado procura manter o comando, seja através da violência aberta, da dissimulação, para que as pessoas tenham medo do medo, seja através da dispersão. Esse movimento tem vários objetivos: o primeiro é ganhar a eleição sem golpe, mas tá difícil; o segundo objetivo é criar confusão no campo das esquerdas; o terceiro é criar um abstencionismo, principalmente do eleitorado jovem; e o quarto, se nada disso der certo, usar provocações, violência, tipo [a invasão do] Capitólio nos Estados Unidos. Eles podem fazer provocações com milicianos em supermercado, na rua. As forças populares e de esquerda têm que ter muito cuidado com a provocação, não dar pretexto, mas manter a mobilização. Não aceitar provocação não é cair na covardia política, é fazer a coisa organizada, de cabeça erguida porque o que está em jogo é o futuro do país. Grifo - O presidente parece provocar conflitos que podem chegar às ruas. Caso ocorram distúrbios graves, ele poderá solicitar, legalmente, intervenção federal ou intervenção militar. Neste caso, qual seria a resposta da esquerda? Genoino - Ele pode usar dois artigos da constituição: o 136, mais leve, que é o Estado de Defesa, e pode ser decretado localmente ou nacionalmente, ou ele pode usar o artigo 142 [intervenção das Forças Armadas], uma intervenção federal, como aconteceu no Rio de Janeiro, em 2018, cujo interventor foi o Braga Neto,
que agora é candidato a vice-presidente da República, ou o Estado de Sítio. A partir daí ele aprofunda uma crise institucional. Só com bom mocismo nós não derrotaremos uma direita que não tem limite, porque ela tem a milícia, tem as PMs, tem uma parte das Forças Armadas que militalizaram o Estado, militarizaram o governo e querem continuar tutelando. O Congresso Nacional está submisso, avassalado, humilhado, as presidências da Câmara e do Senado baixaram a cabeça. Nós temos que fazer uma unidade política de esquerda, fazer as alianças pontuais e chamar a resistência. Eles estão testando o limite, a capacidade de unidade, a repercussão no andar de cima - da chamada burguesia gourmet, que está envergonhada por ter apoiado esse cidadão inominável. Diante de uma situação como essa, nós temos que, primeiro, construir uma força no Congresso Nacional e obstruir. Criar um enfrentamento constitucional dentro do Parlamento. Segundo, nós temos que fazer essa denúncia e resistir. Veja os exemplos do Chile e da Colômbia. O caminho é a gente fazer a resistência de rua. É fundamental criar um movimento de rebeldia cívica, de aglutinação de forças. Se a esquerda não mostrar a sua força, ela será engolida. A gente tem que fazer uma campanha política. O PT, a candidatura do Lula, os partidos de esquerda, setores que topam defender as liberdades têm que chamar uma aliança pontual pra garantir a realização de eleições. Eu acho que esse é o caminho. Grifo - Estão testando o STE e o Supremo. Isso já não é o limite? Genoino - Eu acho que é o início do limite. O Supremo não é protagonista da política. Quem é protagonista da política é a soberania popular e lamentavelmente a Câmara e o Senado estão de cócoras, esse é o problema. O Supremo iniciou uma caminhada, mas
”
Os militares produziram o caminho do desastre.
seus ministros não são líderes políticos, não são protagonistas. Então é necessário que esse enfrentamento seja feito pelas oposições no Congresso e nas ruas, pela comunidade científica, pelos intelectuais, pela mídia. Chamar a atenção da opinião pública internacional. Qual é o papel dessa burguesia brasileira que não se sacrifica para viabilizar o país? Eles levaram o país a esse caos e agora querem tirar o corpo fora. Vejam os comentaristas da mídia corporativa! Nós temos que desmontar esse discurso, com base num programa, porque se a gente não denunciar o neoliberalismo e o estrago que está fazendo no Brasil e no mundo… não adianta só pegar a figura do Inominável. É o Inominável mais as suas políticas e a base material que produziu o desastre social, sanitário e econômico do país. Grifo - Por que não disputamos as Forças Armadas com o fascismo, que cresceu nesses últimos tempos? Não precisamos de Forças Armadas democráticas, para garantir a República? Genoino - Não adianta a gente passar a mão na cabeça deles, não adianta a gente fazer como fizeram em 1979, na transição, na Constituinte, quando aprovamos os artigos 136 e 142, não adianta fazer o que nós fizemos no governo Lula, não estabelecendo que o poder civil comanda o poder militar. Existe uma tradição nas Forças Armadas de Poder Moderador, que vem da Constituição republicana de 91. Nós temos que submeter o aparelho militar ao poder civil que emana da soberania popular. Segunda coisa, eles não podem ter o monopólio do nacionalismo, nem do patriotismo. Terceiro, o que é uma política de defesa? É diminuir vulnerabilidades, é acesso à tecnologia sensível, é integração no subcontinente sul americano, é protagonismo diante
4
golpeagalope
de uma política externa ativa e altiva, é submeter o aparato militar à soberania das instituições civis do Estado. Em vez deles estarem acima, eles têm que estar subordinados. Essa questão precisa ser resolvida. Nós nunca a enfrentamos. Ou a gente tinha a ilusão no militar nacionalista e legalista, ou tinha ilusão no militar revolucionário, como o Prestes, Lamarca, ou tinha medo. Nenhuma das alternativas serve. Portanto, tá na hora de se estabelecer o que é uma política de defesa para o país. A missão importante [dos militares] não é ir para o Ministério da Saúde, Ibama, Amazônia, para oito mil cargos. O que eles estão fazendo é uma destruição do protagonismo das Forças Armadas brasileiras, que estão humilhadas. Eles têm que voltar aos quartéis e ficar calados. Grifo - Tu não achas que isso é um comportamento pós vitória? Pra chegar lá, nós temos um país que está se encaminhando pro controle das milícias, que é a degradação completa do aparato militar, assim como no México e na Colômbia. Tu não achas que é um perigo novo e grande e começa a exigir uma resposta das Forças Armadas? Genoino - Eles deram o golpe em 2014, quando deixaram o Inominável fazer sua campanha dentro da Academia Militar das Agulhas Negras; eles deram o golpe quando colocaram dois generais dentro do gabinete do presidente do Supremo. Portanto, eles produziram esse caminho do desastre. Qual é a tarefa central agora? É a realização de eleições livres, limpas e aceitarmos o resultado. Aí sim nós podemos discutir uma política de Defesa. Mas achar que eles vão ser garantidores…! Todas as vezes que eles foram colocados como garantidores, exerceram tutela. Eu prefiro deixar claro que nosso objetivo central é garantir as eleições; o segundo objetivo é respeitar a soberania popular, que é produto do voto. E, evidentemente, denunciar e combater por meios jurídicos e parlamentares, através da disputa política, as milícias, no caso das PMs. Os governadores têm um papel importante nisso e, evidentemente, enfrentar a tal “família militar”, que é o pessoal da ativa e da reserva que se articula com alguns milhões de pessoas que via rede social, via fake news. Essa é a luta que nós temos que fazer. Eles têm oito mil cargos, eles militarizaram o Estado e o governo. Isso quem vai decidir é o próximo presidente da República, mas na disputa política nós temos de dizer para que servem as Forças Armadas num projeto nacional, democrático e soberano. Eles criaram um conceito, preconceituoso, de guerra interna, de que a esquerda é inimiga, os movimentos sociais são inimigos, pra justificar a unidade em torno de seus privilégios. Eu acho que podem acontecer duas coisas: uma aventura -, e o custo será muito alto para eles e para nós - ou eles podem estar usando uma tática de dispersão. Na estratégia militar você usa a tática de dispersão de foco e vão testando [a reação]. Esse cara que preside o Brasil tem uma característica: ele não paga pra ver; ele vai no limite e depois recua um pouco. Ele testa. Portanto, nós temos que ter o nosso próprio caminho. Nós não podemos ser prisioneiros de uma armação política institucional para nos causar pavor e medo. Nós temos que ter muita clareza pra não criar a paranoia. Os civis tiveram sempre temor de tratar a questão militar. Ou obedecem ou têm medo. O Congresso Nacional também falhou em não enfrentar essa questão de maneira contundente. Portanto, estamos diante desse problema. E qual é a força do Inominável? Especular com as Forças Armadas o risco de ruptura. Eu acho que não podemos negar isso, mas também não podemos dar 100% de aval. A questão democrática do país não está resolvida. A democracia foi interrompida pelo golpe de 2016. Quando se dá um cavalo de pau numa democracia, pra reconstituí-la só através do princípio universal da soberania popular, em que o Poder emana do povo. Sem esse princípio, qualquer conchavo por cima é frágil, mole e não resolve o problema. Nós estamos nessa encruzilhada.
5
golpeagalope
6
golpeagalope
7
Governicho
D
epois de ter chegado a sexta economia do mundo, em 2011, o Brasil continua a ser enterrado pelos incompetentes Bolsonaro & Guedes. A inflação está em 11,3%, os juros em 12,75%, o desemprego em 11,10%. Já são 12 milhões de desempregados no país. E pensar que o Brasil já viveu o pleno emprego! Entre 2003 e 2015, Lula criou mais de 22 milhões de empregos “com carteira”. E, ao final do primeiro mandato de Dilma, o desemprego era de apenas 4,3%.
inflaçãoagalope
8
inflaçãoagalope
9
mundo
A velha Ordem perde força. Outra, vem brotando
Carlos Roberto Winckler
P
arecia o melhor dos mundos para os países europeus: queda do muro de Berlim, dissolução da União Soviética e do bloco sob sua influência, a Rússia parecia ingressar na modernidade capitalista liberalizante no início dos anos 90. Na Europa Ocidental abriam-se fissuras no edifício social erguido após a Segunda Guerra graças ao esforço dos trabalhadores ocidentais, mas também pelo efeito da presença do Estado Soviético. Concessões foram feitas e montaram as bases do Estado de Bem Estar Social. A China dava seus primeiros passos para se tornar a maior potência econômica do mundo. Parte desse edifício ainda resiste, apesar das concessões dos partidos socialistas europeus ao neoliberalismo. Foram fraudadas promessas feitas em1992, na instituição da União Europeia, como ficou evidente na crise de 2008, que possibilitou o crescimento eleitoral de partidos de extrema direita, críticos da União. Apesar das vozes minoritárias, não foi posta em dúvida a Organização do Tratado do Atlântico Norte, contraposição militar da Europa Ocidental e dos EUA ao poder de Moscou. Pelo contrário, a OTAN expandiu-se aos países integrantes do antigo bloco soviético. A guerra por procuração dos EUA e de estados europeus vassalos em curso na Ucrânia ceva uma nova Guerra Fria, conduzida pelos interesses geopolíticos e geoeconômicos estadunidenses em declínio. É um momento de ascensão do bloco eurasiano, cujo núcleo é o poder militar da Rússia, reorganizada por Putin, e o poder econômico em expansão da China, após as reformas dos anos 80.
A invasão da Ucrânia pelos russos, diante da possibilidade real da instalação da OTAN em território ucraniano, mostra a encruzilhada em que se encontra a Europa. Ou se entrega definitivamente à defesa dos interesses dos EUA, com risco de fragmentação da União, ou se redefine como um bloco autônomo. A primeira alternativa parece ter sido a escolhida, o que fica claro na aceitação das sanções, sequestro de bens e depósitos bancários russos por pagamentos pelo gás exportado da Rússia em bancos europeus. Apesar da maior parte dos países terem condenado a ingerência militar russa, as sanções foram vistas por boa parte do mundo como ineficazes e aceleradoras da crise econômica que vinha já antes da pandemia, pois provoca intensa competição na busca de fontes alternativas de gás e petróleo, promove aumento dos custos industriais, transporte, fretes e alimentos. Os efeitos se sentirão dramaticamente na Europa em poucos meses. A resposta russa foi imediata: antes do conflito reforçou acordos de cooperação com a China, busca clientes na Ásia Central e exige que o pagamento do petróleo e gás se realize em instituição financeira russa em moeda a ser convertida em rublos, dependendo da cotação local. Bulgária e Polônia tiveram o fluxo de gás cortado, ao se recusarem a aceitar a regra. Inúmeras empresas europeias procuram se adequar, sem maior alarde, e mesmo a Polônia compra gás russo via Alemanha. EUA e países europeus optaram pelo fornecimento de equipamentos militares e empréstimos à Ucrânia. Em meio a corpos e destroços, ao sibilo das balas e mísseis, um mundo fenece e outro emerge.
10
mundo
11
brasil
A jornada de heróis instantâneos rumo a Ostracism City Luiz Hespanha
A
mídia, parte do Judiciário&CIA criaram o Conto do Moro. Milhões caíram. Os fatos desmontaram o conto. Aí viram que era impossível salvar um enredo ruim com meio, começo e fim criminosos. Resultado pós-decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU: todos enredados e desmoralizados pelo conto que criaram onde também foram personagens. A trajetória de Sérgio Moro rumo ao anonimato político (ou cela) é das mais incríveis. Ele foi juiz-herói, quase-presidente, senador, deputado, conferencista e, dizem, até agente da CIA, sem nunca (sabe-se lá?) ter sido. Quem? Quem no Brasil, quiçá na galáxia, conseguiu ser e não ser isso tudo ao mesmo tempo? O baronato da mídia empresarial, colunistas amestrados e próceres do jornalismo “realease’gativo” acusaram, julgaram e condenaram Lula. Mas, não sejamos injustos: a decisão do Comitê de DH da ONU obrigará os ta-ta-ta-ta-ta-ra netos de Marinhos, Frias, Civitas, Saads, Macedos, Mesquitas, Camarotis e Mervais a fazerem autocríticas elegantes e sinceras. Sentemos, brindemos, oremos e aguardemos. A “graça” concedida ao deputado Daniel Silveira teve decreto emoldurado e comparação com Tiradentes. Foi uma homenagem entre iguais para um acusado de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, incitação à violência contra os ministros do STF e à animosidade entre as Forças Armadas; envolvimento em
fraude na produção de atestados médicos e 90 prisões por insubordinação como PM no RJ. Ainda assim, Bolsonaro foi injusto ao não ordenar à Casa da Moeda a criação da nota de R$ 38,00 com o rosto e bíceps do nobre deputado estampados. Ainda dá tempo de criar o “Silveirão” e incluí-la no Auxílio Brasil. A graça feita, digo concedida, a Silveira tem várias versões. Dizem que foi por amizade pois, como diria o profeta Paulo Preto, não se abandona um amigo ferido. Outros dizem que foi por medo. Silveira poderia ligar o ventilador e acertar a Casa de Vidro e o Condomínio Vivendas da Barra. Mas, a versão verdadeira é que Bolsonaro temia a entrada de Silveira na clandestinidade e que ele passasse a comandar a Guerrilha de Rio das Pedras, formada por revolucionários seguidores do Guia Genial das Milícias, o heróico capitão Adriano da Nóbrega. Armas e Bíblia têm tudo a ver. Os apóstolos sempre andaram armados. Pedro tinha um FAL, Paulo uma Beretta 9mm, Tiago e André, espingardas e Matheus, um sabre. Bartholomeu não saia sem seu AR 15. João e Felipe tinham metrancas Uzis; Tomé, Tadeu e Simão tinham Glocks e Judas Iscariotes, um canivete. Vocês não entendem nada de fé, muito menos do amor à morte do próximo, cambada de hereges e fariseus. O pessoal da 3ª Via continua vacilando. Sobram nomes para derrotar Lula e Bolsonaro. José Maria Eymael, por exemplo? Já foi testado e tem um jingle histórico. Tem também o Marcelo Pires de Oliveira, conhecido como Belo, cheio de capilaridade musical e popularidade judicial. Imagine um deles com a Joelma Calypso ou a Ana Paula do Vôley de vice? Será que só eu enxergo essas coisas?
12
riograndedosul
Gaúchos: os nossos e os deles Mouzar Benedito
S
empre tive uma certa admiração pelos gaúchos, um povo guerreiro e, com aquele jeitão sério, muito afável. Pelo menos quase todos os que conheci e se tornaram meus amigos. E há os presentes na História do Brasil. O primeiro gaúcho que ganhou minha admiração foi um guarani, Sepé Tiaraju, líder na guerra contra portugueses e espanhóis. Depois vieram muitos, os que ensinaram a Garibaldi – o unificador da Itália – a guerra de guerrilhas, o Barão de Itararé com seu humor escrachado... Na minha infância, admirei o Leonel Brizola quando ele liderou a resistência à tentativa de golpe, depois da renúncia de Jânio. E depois, me lembro de Paulo Schilling, intelectual ativo e coerente exilado do Brasil, depois do Uruguai; sua filha Flávia, militante presa pela ditadura uruguaia; Marcos Faerman e uma turma de jornalistas excelentes que ele trouxe do Sul quando fundamos o Versus, como Caco Barcelos, Omar de Barros Filho, Avani Stein, Licínio Azevedo... Em seguida vieram o competente e ético Caco Bisol, companheiro de aventuras jornalísticas; meu amigo Renato Modernell, jornalista e escritor... Sem desmerecer a torcida do Grêmio, admiro muito o Internacional, que teve a ousadia de colocar como mascote o nosso mito mais brincalhão, o Saci. Bom, são muitos gaúchos ótimos. Não é à toa que Porto Alegre foi o berço do Fórum Social Mundial. Mas estes são os “nossos” gaúchos. Há os “deles”, quer dizer, os do outro lado, como em qualquer povo. Estive em Roraima no começo de 2007 e não gostei quando um pesquisador me disse que comparava os gaúchos que se mudaram para Roraima a cupins, com um certo prejuízo para os cupins, pois eles arejam o solo, coisa que aqueles gaúchos de lá não faziam. “Só derrubam mata e plantam soja. Avan-
çam num processo que pode terminar com a desertificação de uma boa área.” Respondi que existem gaúchos “nossos” e “deles”. Todo lugar tem gente boa e gente ruim. Se tem gaúchos predadores, tem também um pessoal muito sério e correto do MST. Os gaúchos “deles” vão dos generais presidentes da ditadura, além do idealizador e criador do SNI, Golbery do Couto e Silva, aos anônimos, como esses “cupins”. Quando eu fazia o curso ginasial, dizia-se que o Brasil era um país privilegiado, sem desertos. Pois hoje existe lá o deserto de Alegrete, criado por fazendeiros que destruíram a terra com monocultura, agrotóxicos e máquinas pesadas. E parece que adeptos deles se espalharam pelo Brasil. Há gente desse tipo tomando conta de diversos biomas brasileiros. Desmatam tudo e implantam a monocultura da soja, com máquinas, agrotóxicos... Imagino fruto disso: o Brasil do futuro com desertos por todo lado. Sim muitos são gaúchos, mas não todos, e há migrantes gaúchos que não fazem isso. Às vezes me lembro dos grileiros que infestaram o Acre durante a ditadura, todos chamados de “paulistas”, mesmo que fossem de outros estados, e acho que está acontecendo o mesmo agora em relação aos gaúchos. E torço para que o Rio Grande do Sul espalhe pelo país um monte de gaúchos “nossos”, que retomem a boa fama gaúcha. Tomara!
13
querquedesenhe?
schröder
Luiz Inácio Falou P
ode ser, afinal, que a racionalidade sobreviva nos escombros da mentira sistêmica, da mistificação estratégica e do individualismo criminoso. Pode ser que sobre restos de bom senso junto com os pedaços de nação e de república que herdaremos. Talvez tenhamos lá no fim os cacos com os quais conseguiremos recompor o país a vida. Os sinais não estão nos jornais ou mesmo na TV.
A possibilidade da nossa recomposição moral e física foi anunciada por Lula e por Alckmin em discursos separados, mas numa sintonia alentadora. As falas não foram bombásticas ou utópicas, o próprio Lula se conteve numa leitura cuidadosa e precisa. Alckmin se esforçou para cumprir seu papel de avalista e hipotecou lealdade e a Lula, visivelmente numa estocada no traidor Temer. O resultado, mais do que um programa político a ser implementado por prováveis candidatos vencedores, foi uma especie de oração compartilhada que ao invés do céus, acenou com a retomada da razão, como disse Alckmin, e um país realista, fraterno e trabalhador. Exatamente o contrário do Brasil egoísta, delirante e criminoso colocado em prática pelo presidente que propõe o modelo miliciano como padrão nacional.
querqueescreva?
Pixs “Especialista”, no novo jornalismo de autoajuda, é a pessoa escolhida pelo jornalista para dizer exatamente o que o jornalista pensa. Leite é um tucano de rapina. Comedor da mesma espécie. Lula transformou chuchu em picles. Não deixa de ser irônico o fato da Globo News transmitir ao vivo e na totalidade o lançamento das candidaturas Lula/Alckmin. Quero ver vinhetas diárias como fizeram de maneira pusilânime com a Lava Jato e suas comprovadas mentiras.” Ao tratar o bolsonarismo como possibilidade legítima, a imprensa brinca com o fogo que talvez não consiga apagar e que a consumirá. Meter medo é a palavra de ordem dos quartéis, nos encorajarmos mutuamente deve ser a nossa. Pelo menos uma boa notícia: Pazuello será o coordenador da campanha do miliciano. Militares dementes com milicianos sociopatas regados a pastores delirantes é uma mistura louca.
14
cartum
Nani - Adriana Mosquera é colombiana, vive na Espanha. Participa do movimento Cartunistas pela Paz.
“Você está me contratando porque sou barata, sou qualificada, ou sou barata e qualificada?”
15
cartum
16
cartum
O Grifo incorporou ao seu time a cartunista, caricaturista e ilustradora iraniana, Marzieh Khanizade Abyane. Ela vive em Teerã, onde formou-se em design gráfico. Com seu traço delicado e frequência a temas como pacifismo e feminismo, Marzieh já foi premiada em salões de humor na Itália, Polônia, Noruega e Sérvia.
marzieh khanizadeh
17 COLARINHO, PÃO E VINHO João Bosco
BIOMA PAMPA Celso Schröder
Lu Vieira
Wagner Passos
tiras
18 Carlos Castelo e Bier
Frank Maia
MORGANA, A BRUXINHA Celso Schröder
RANGO Edgar Vasques
tiras
19
diaborosa
bier
PALAVRAS DA SALVAÇÃO Todo corrupto é muito higiênico. Tem sempre o dinheiro bem lavadinho. E os generais aqueles? Se brochas eles já tavam fodendo o país, imagine agora... Sim, há vida depois da morte. Estamos na morte agora. Fui o artilheiro do campeonato dos cartunistas. Fiz 14 gols. 12 contra. Não chegue sozinho à velhice. Aprenda a conversar com os seus ácaros. - Como se dividem os Três Poderes? - Dor de cabeça, tronco e membros! A FUNAI não consegue fazer contato com a tribo dos Pés-Molhados. Os índios saem da taba e não acham o caminho de volta. Não adianta me mandar beijinhos de luz, porque eu logo lembro da conta de energia.
Antes da faculdade, eu pensava que estudar os anais da metalinguagem tinha a ver com sexo oral. Vende-se imóvel com tudo dentro. Tratar no Cemitério da Santa Casa. Alguém sempre acaba comendo a mãe da gente. Antigamente era o pai... - O miliciano fugiu pro interior de Ohio! - Bem feito! Foi pro Ohio que o parta! Não sei pra que tanto luxo na roupa se o bom do casamento é a hora de ficar pelado. Aquela galinha tava inconsolável. Tinha velado sete maridos na mesma encruzilhada. Fios de cobre: a coisa tá tão feia, que a polícia já prende ladrão de cabo roubando soldado.
POEMINHA HAIR Mais engraçado Que o penteado do Tarzan É encontrar Medusa Lavando o cabelo No Instituto Butantã
POEMINHA DE SANTA MARIA Roguei por tua volta Aos meus braços Na igrejinha Do Itararé Nossa Senhora Negou a demanda Por piedade Sabe cumé Vixe Maria Trocou minha ilusão Pelo imenso prazer Dum picolé
20
causídico
paulo de tarso riccordi
Estudioso
N
o início do século 20, os jovens amigos José Lewgoy e Mário Quintana trabalhavam como tradutores na Editora Globo, de Porto Alegre, à época, já uma (ou a) das principais editoras literárias do continente. O proprietário, José Bertaso, integrava um grupo de empresários (o Rubem Berta, da Varig, era outro), que investiam em estudos e capacitação profissional de seus funcionários. Quando soube de um programa de bolsas de estudos do governo americano, Bertaso chamou o Lewgoy e o incentivou a fazer um alto curso de Artes Gráficas nos Estados Unidos, ajudado pela editora. Mensalmente a Globo enviava aos States os dólares da moradia e manutenção do funcionário e seu salário. Finalmente, dois anos depois, José Lewgoy retornou a Porto Alegre e apresentou a Bertaso seu diploma. Não de Artes Gráficas, mas de... Arte Dramática, pela Universidade de Yale.
Baita dívida
M
eu pai veio transferido para o quartel general da 3a Região Militar do Exército, em Porto Alegre, designado para a 1a Seção, o setor administrativo. Uma das rotinas era organizar o pagamentos dos soldos. Em papel quadriculado, máquina de calcular e máquina datilográfica, a Seção montava as folhas de pagamentos, seus extras e eventuais descontos e o recibo. Já na chegada, recebeu um pedido estranho de colegas do setor: Não deixar de registrar, na 1a via do holerite de um determinado sargento, o “desconto do canhão”. Mas somente na 1a via, que era a que levava para casa. - Que negócio é esse? Tá cheirando a tramóia. Eu não vou fazer nada irregular, não. - Tranquilo, não tem nada errado. Ele vai receber o dinheiro certo e as cópias do Exército estão corretas. É só na via dele que vai essa anotação. - Mas por que isso? - É pra ele mostrar pra esposa. A mulher é muito braba e mandona. Chega o final foi mês, ele tem que entregar todo o salário pra ela, que, diariamente, lhe entrega o dinheiro do transporte. E só. Ela administra todo o salário. Então ele inventou a história de que quebrou um canhão do Exército, coisa muito cara, passará toda a vida pagando. O “desconto do canhão” é o dinheirinho dele pra cerveja e o cigarro.
Ouvi a bordo
N
o voo, ouvi a conversa entre duas mulheres na fileira de trás: - ... nessa época eu “pegava” o Ricardinho. Uma loucura! Todos os dias! Até no Centro Acadêmico. - Qual dos Ricardinhos? - O “Ricardinho da Engenharia”. - Que ano isso? - Ah, 1988. - Não seria antes? - Nãããão, eu me formei em dezembro de 88 e ainda rolava. Por que? - Porque esse Ricardo aí casou comigo em 87. O silêncio acomodou-se na fileira de trás, até o final do voo.
21
causídico
marco vargas
O momento inesquecível
N
ormalmente a vida de um homem tem um notável ponto de inflexão, que de um modo geral, fica ali pelos 40 anos. O cara ainda não é velho, mas também não é mais guri, e então chega o momento de enfrentar o primeiro de uma série de toques. Falo do tal toque retal, que a gente faz todas as curvas possíveis para evitar. Bom, eis que chega o grande dia. A dica foi dada pelo meu irmão Baíto, que acertou em cheio ao escolher o médico urologista, o Dr. Cutin – sobrenome mais do que explicativo. Uma ida ao consultório transportava a gente para aqueles filmes americanos da década de 30. Móveis pesados, quadros austeros na parede, uma secretária simpática que regulava em idade com ele – que depois fiquei sabendo que era sua simpática esposa – e o próprio médico,
que dava os ares de um Boris Karloff. O clima retrô continuou na hora da conversa preliminar, com o doutor anotando tudo em uma folha de papel almaço, algo que mesmo naquela época eu achava que nem existia mais. E com um detalhe: o velhinho era daqueles que não escrevia, ele desenhava as letras. À medida que a entrevista ia acabando, o nervosismo aumentava pois o gran finale aproximava-se, até que chegou. Calça baixada fui convidado a me transformar num franguinho assado, só faltando para completar o prato fritarem uma polentinha também. Como era meu debut, a inexperiência associada ao pavor levou-me à uma pergunta até razoável para o momento que chegava: “Mas doutor, não teria que botar um óleo, vaselina, gel, sei lá, algo do gênero?” Me tranquilizei ao mesmo tempo que me frustrei. Explico: não sei por qual razão, sempre tive a ideia de que os recipientes que guardavam estes óleos eram metálicos e modernos Qual foi o meu espanto ao ver, em meio àqueles dedos avantajados e ameaçadores, um tubo de mostarda Hemmer. O espanto traduziu-se em uma declaração que surpreendeu o médico: “Mas doutor, o senhor tá achando que meu rabo é cachorro-quente?” Bem, se achava ou não, o certo é que a salsicha entrou inteira e começou a dar um interminável passeio pelos rincões mais internos da minha existência. Parecia uma procissão, dando a volta na praça. Acabada a consulta, saí de lá muito pensativo, questionando a santidade do ato. Vai ver que qualquer dia viro devoto mesmo, afinal depois da primeira, vieram mais umas 20 até hoje. Todas nervosas, mas nunca como a primeira, a que a gente nunca esquece.
22
texto&traço
rodrigo schuster e lu vieira
Três coisas
D
emocracia, filosofia e teatro: desde que eu era criança, e provavelmente desde muito antes, se fala nas coisas que herdamos dos gregos. Seja em aula ou em programas de TV, me deparei com a questão: cite três coisas que herdamos dos gregos. Existem algumas variações que colocam racionalismo, poesia, os ideais arquitetônicos, etc. Mas há muito mais na atual sociedade ocidental que herdamos da sociedade helênica. Os seres mitológicos da Grécia antiga ainda são conhecidos e representados nas obras contemporâneas. Um desses seres amplamente conhecidos é Medusa, uma górgona, com cabelo de serpentes, que transformava em pedra quem a olhasse diretamente e que acabou sendo morta por Perseu, um semideus que foi ajudado por Atena, Hades e Hermes. Conhecemos essa Medusa através do Mito de Perseu, porém existe o Mito da Medusa, que fala mais sobre a origem desse ser bestial. Ela era uma sacerdotisa do templo de Atena. Homens de toda a Grécia iam ao templo para admirar sua beleza, porém ela se mantinha virgem para poder seguir como sacerdotisa de Atena, era exigência da deusa. Poseidon, deus dos mares, foi rejeitado diversas vezes, até que entrou no templo e a estuprou em frente à estátua de Atena, que, revoltada com a profanação de seu templo, puniu a sacerdotisa transformando-a em um monstro horrendo que não podia ser olhado diretamente. A história de Medusa é uma história de culpabilização da vítima, uma história de como a moralidade helênica lidava com o estupro e como nossa moralidade lida até hoje. Após ser amaldiçoada por sua deusa, Medusa foi morar em uma caverna remota, tentando se isolar da
sociedade, mas foi sistematicamente atacada por guerreiros em busca de fama e glória. Esses fundamentos morais da Grécia antiga se espalharam com o macedônico Alexandre, se estabeleceram na Europa com os romanos, e foram impostos ao mundo inteiro durante as invasões européias do século 15 em diante. A nossa moralidade, ainda que tenha passado por algumas evoluções, mantém em seus alicerces fundamentais a moralidade helênica. Por isso não foi de se espantar que um grupo de assassinos sádicos tentasse evitar o aborto em uma criança de 10 anos, vítima de estupro. Gera tristeza, desânimo, vontade de manter a quarentena mesmo depois da vacina, mas não espanto. Eles são, assim como Bolsonaro, um problema. Mas individualmente são apenas isso, um problema que seria até irrelevante, se não fossem muitos. Então a questão que precisamos resolver é o motivo pelo qual eles são tantos. E para isso temos que repensar todos os nossos fundamentos morais, todo os mitos que fundam nossa sociedade. É importante baixar a febre do paciente, porém é fundamental curar a doença que a está causando. Jair Bolsonaro e seu séquito de boçais conservadores truculentos são um sintoma gravíssimo de uma doença terrível que nos acomete há milhares de anos e continuará trazendo à tona os mesmos sintomas, periodicamente, até que seja tratada e curada. Culpabilização da vítima, papéis de gênero, naturalização de relacionamento abusivo.
23
fez-senews
moisés mendes
A Confraria dos Tornozelados
B
olsonaro queria a alegria de volta ao Planalto. Pediu ideias para fazer uma grande festa em seu gabinete e alguém sugeriu que criasse a Confraria dos Tornozelados. Naquela tarde, no meio do expediente, haveria o primeiro encontro. Sim, no meio da tarde, porque ninguém fazia nada mesmo. Foram chegando os convidados. Chegou Eduardo Cunha, sempre sorridente. Um tornozelado do primeiro time. Informou que também estava representando o Geddel. Depois, chegou Sergio Cabral, que ganhou licença especial, conseguida por Bolsonaro, para sair por um dia da cadeia de Bangu 1. Chegavam na entrada e mostravam a canela. Só entrava quem tivesse tornozeleira. Daniel Silveira, que jogou fora a sua há muito tempo, quase não entrou. Mas Bolsonaro gritou de longe: esse pode, é anistiado. E foram chegando. Estavam ali no gabinete as mais belas tornozeleiras da República. Algumas raríssimas. Bolsonaro pediu para olhar a tornozeleira do Queiroz e fez um epa, quando viu que estava quebrada e tinha uma rachadinha. Alguns ainda estavam tímidos. Bolsonaro ordenou: – Vamos parar com essa frescura e mostrar as tornozeleiras. É parte da nossa vida, pô. Os garotos, todos ainda sem tornozeleira, se sentiam meio deslocados. Mas estavam se acostumando. Era uma exibição de tornozeleiras, como se fossem guris mostrando seus brinquedos. Até que alguém sugeriu que Bolsonaro experimentasse a tornozeleira que será usada por Allan dos Santos quando o blogueiro for extraditado dos Estados Unidos. – Mas é do meu tamanho? – perguntou Bolsonaro. – É tamanho único – esclareceu Queiroz. Ricardo Barros (outro que entrou sem ter tornozeleira) disse que, se não ficasse ajustada no tornozelo, poderia usar um pouco acima, na canela, e que o aparelho deveria na verdade se chamar caneleira.
E colocaram a tornozeleira em Bolsonaro. Ajustaram, abotoaram e fez um clac. Pronto. Ficou linda, como se tivesse sido feita sob medida. Bolsonaro erguia a perna, sentado na poltrona, e ria aquela risada que sai junto com um arroto. E aí aconteceu o problema. Bolsonaro tentou tirar a tornozeleira e a coisa estava entalada. – Quem me ajuda a tirar essa porra? Um grupo saltou na direção do chefe, um pegou a perna, o outro o braço, o outro segurou a cabeça, e passaram a forçar a tornozeleira. E nada. Chamaram um chaveiro do palácio. O chaveiro quis saber da chave. Disseram que não tinha chave nenhuma. O chaveiro avisou que tentaria tirar o aparelho com uma chave ninja. Se não desse certo, teria de serrar a tornozeleira. Se serrasse, o alarme poderia disparar e alguém da Justiça apareceria no gabinete pra ver o que estava acontecendo. – Vai e serra logo – ordenou Bolsonaro. O chaveiro pegou uma serra elétrica barulhenta e começou o serviço. Ao redor, todo mundo de olho arregalado, porque é uma turma que está quase sempre assustada com o que pode acontecer. E aconteceu. O alarme disparou, como se um carro da polícia estivesse dentro do gabinete. – Desliga essa porra – gritou Bolsonaro. Em minutos, chegaram as autoridades acionadas pelo alarme. Alexandre de Moraes à frente de uma equipe de cinco policiais. – Pega e leva – ordenou Moraes, apontando para Bolsonaro. Bolsonaro gritou que a tornozeleira era do Allan dos Santos, mas mesmo assim foi pego pelas pernas e pelos braços e erguido da poltrona. – Esse é a questão data venia, ninguém pode usar a tornozeleira do outro – disse Moraes. Arrastaram Bolsonaro para fora. O alarme era abafado pelos berros de Bolsonaro. No fim do corredor, o sujeito deu um pulo e Carluxo gritou: – Levou um choque. E largaram Bolsonaro, que desceu a rampa pulando e levando choques, enquanto Queiroz corria atrás disparando jatos de um extintor de incêndio em direção à tornozeleira.
24 Quando um boi chega ao palácio, ele não vira rei. O palácio é que vira um curral. Ditado turco
entrevero
Bruno Aziz é cartunista e ilustrador de imprensa em Salvador-BA.
Ah, que saudade dos tempos em que os déspotas eram esclarecidos! Mouzar Benedito Viagra e próteses mantêm o moral da tropa elevado. Ou, pelo menos, inflado. Celso Vicenzi Quantas divisões, comprimidos de Viagra e Ciallis mensais e implantes penianos têm os nobres guerreiros de pijamas e pantufas do Clube Militar? Luiz Hespanha Depois de abandonar o palácio Piratini, Leite cogita concorrer ao palácio Piratini? Caco Bisol O que falta ao governo não é caráter. Isso ele tem até demais. Só que péssimo. Mouzar Benedito Essa compra dos militares vai entrar para os anais da história Celso Vicenzi No broxante a isso daí, temos Viagras, Ciallis, implantes penianos, mas esquecemos de comprar as bonecas infláveis, talkey? Jair Marônio, capitão operado, digo reformado, e macho Sygma. Luiz Hespanha Em flagrantes de corrupção, quem é vivo nunca aparece. Mouzar Benedito Corretor ortográfico é maravilhoso: quantas palavras novas que a gente nem conhecia!... Caco Bisol Podemos dizer que os donos das próteses de 25cm pertencem a um pelotão avançado? Celso Vicenzi
Quando certos políticos se dão as mãos, forma-se um círculo vicioso. Mouzar Benedito
Em breve, novo livro na praça: 50 tons de verde-oliva. Celso Vicenzi Os milicos fazem a festa. Mas nós é que pagamos o Viagra deles. Caco Bisol
O cara que abandonou cargo eleito para vagabundear não cometeu estelionato eleitoral?” Schröder A farmacinha sexual das Forças Armadas é de causar inveja a Oscar Maroni. Luiz Hespanha
25
entrevero Jornais e revistas jornalísticas são muito importantes para denunciar as mutretas que são feitas fora das suas respectivas empresas. Mouzar Benedito Dória diz respeitar Lula e não respeitar Bolsonaro. Em 2018 Dória tinha respeito, abraço e camiseta por Bolsonaro e o oposto por Lula. Os ventos mudam, o oportunismo jamais. Luiz Hespanha Tá parecendo um bordel, mas os militares garantem: “a nossa luz jamais será vermelha!” Celso Vicenzi
O criminoso continua cometendo crimes, fornece indícios de outros e não acontece absolutamente nada. É o que podemos chamar de “Omissão acima de tudo, cumplicidade acima de todos” Luiz Hespanha Músico clássico bêbado só toca Bach, Chopin e Brahms. Mouzar Benedito Gente, vocês não entendem. A compra do botox é para alisar a cara de pau dos milicos. Celso Vicenzi Mario Vargas Llosa declara que prefere o inominável. Declaro que, também sem ter lido, prefiro José Carlos Mariátegui. Caco Bisol Drummond reclamava de uma pedra no meio do caminho porque não tinha uma no rim. Mouzar Benedito No sincerante a isso daí quero dizer que eu minto, talquei? (Jailço Porcoraro). Luiz Hespanha O glossário de termos militares tem assalto aeromóvel, assalto aeroterrestre e assalto anfíbio. Celso Vicenzi
O gel lubrificante é para introduzir desculpas oficiais com menos desconforto. Celso Vicenzi
O que a gente pensava ser o fundo do poço era só um patamar. Temos muito a afundar. Mouzar Benedito
26
entrevero A praça é do automóvel, como o céu é da poluição. Mouzar Benedito “No executante a isso daí quero dizer que não matei nem mandei matar Marielle, digo Joana D’Arc. Jamir Torquemada, temente a Deus e metido a Deus de vez em quando.” (Jailço Porcoraro). Luiz Hespanha Melo entrou em surto de especulação privatista, doença sem cura que ataca salafrários. Schröder Algoritmos vivem de vender coisas que nem semana passada me interessavam. Caco Bisol
Os animais camelídeos mostram que até a distribuição de corcovas é desigual e injusta: o camelo tem duas, o dromedário tem uma e a lhama não tem nenhuma. Mouzar Benedito A zona de ação dos militares inclui os sex shops? Celso Vicenzi
Generais do inominável ganham até R$ 350 mil além da teta, digo teto... Hummm... têto? Caco Bisol
E não é que teve colunista amestrado que comparou Daniel Silveira, o Robocop de Rio das Pedras, ao ex-deputado Márcio Moreira Alves? É muito conhecimento da política e da História, né não? Luiz Hespanha Mario Vargas Llosa declara que prefere o inominável a Lula. Declaro que, mesmo sem ter lido, prefiro José Carlos Mariátegui Caco Bisol Pátria amada, lubrificada, salve, salve!!! Celso Vicenzi Pergunta que não para de se mexer dentro do sarcófago: quem ressuscita politicamente primeiro, Aécio Temer ou Michel Neves? Luiz Hespanha Faltou incluir o assalto ao bolso do contribuinte. Celso Vicenzi
Walter Leoni é cartunista e quadrinista italiano. A quarentena imposta pela pandemia lhe impulsionou a produção de líricas tiras sobre situações familiares.
Semana com exames médicos, dentista, e ajudei atrasar (um pouco) a edição do Grifo. De minha parte, devo confessar: estou em obras. Caco Bisol
27
cultura
Ói Nóis Aqui Traveiz, 44 anos dos atuadores
José Weis
S
ão 44 anos de resistência, da Ditadura até o governo atual. Paulo Flores, fundador da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, por e-mail, conta tudo: “o grupo sempre participou das organizações dos artistas locais (associações e sindicatos). Entendendo que apesar das diferenças estéticas de concepção cênica existe uma luta mais geral da categoria teatral. Impulsionado por princípios libertários, o Ói Nóis Aqui Traveiz tem desenvolvido a sua trajetória até hoje. A ideia do teatro como força de transformação tem sido o pólo aglutinador da Tribo, que faz com que novas pessoas se interessem e se envolvam pela proposta do grupo”. O atuador faz uma análise do presente momento: “ontem como ditadura civil-militar e hoje como neoliberalismo e aqui com o governo fascista do Bolsonaro. A miséria e a fome que se espalha
pelo nosso país e pela maior parte do planeta, o analfabetismo, as epidemias, as guerras, o racismo, a xenofobia, a violência, a falta de liberdade, as injustiças sociais, e a degradação do planeta são frutos do capitalismo. Em tempos de retomada, segue a batalha da Tribo, “no mês de junho, nas segundas e terças-feiras, a Tribo estará apresentando a encenação “Quase Corpos: Episódio 1 – A Última Gravação”, e em julho apresenta “Violeta Parra: Uma Atuadora”, marcando a reabertura da Terreira da Tribo para o público. ‘Quase Corpos’ foi criada no ano passado, em meio a pandemia, como audiovisual para ser transmitido em plataforma virtual. A encenação agora ganha a forma presencial. ‘Quase Corpos’ é um estudo do teatro de Samuel Beckett que revela a fragmentação do corpo físico, psíquico e das relações sociais. Temas como solidão, sofrimento, fracasso, angústia, absurdo da condição humana e morte são
abordados a partir da pesquisa de linguagem e do trabalho autoral que os atuadores desenvolvem, performance dele, Paulo Flores. Outro espetáculo em cartaz é “Violeta Parra: Uma Atuadora” , um espetáculo cênico musical que apresenta canções desta grande compositora e cantora latino americana, numa mistura do andino com os ritmos brasileiros. Em cena Tânia Farias e Mario Falcão. Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz Rua Santos Dumont, 1186 Bairro São Geraldo Porto Alegre - RS As primeiras peças que assisti em Porto Alegre foram do Ói Nóis Aqui Traveiz. Ficava em estado de encantamento. Depois veio Fausto, Antígona, Ostal e outras obras maravilhosas. Ói Nóis é um dos ícones do teatro gaúcho. Zé Adão Barbosa
28
notas
Canadense vence maior prêmio de HQ da Europa
A quadrinista Julie Doucet venceu o Grand Prix do 49º Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, França, o maior festival do gênero da Europa. Pela primeira vez, concorriam ao Grande Prêmio três mulheres. Além da vencedora, foram selecionadas Pénélope Bagieu, autora de premiada série em HQ sobre mulheres excepcionais esquecidas da História, e Catherine Meurisse, chargista e cartunista do Charlie Hebdo antes de dedicar-se aos quadrinhos. Julie Doucet é uma figura importante dos quadrinhos underground, com enorme reputação entre os criadores. Tem um fanzine autobiográfico, Dirty plotte, publicado no Canadá sob o nome Fantastic Plotte, e na França, como Maxiplotte. Ela é considerada precursora de um novo feminismo nas HQ. O quadrinista brasileiro Marcello Quintanilha recebeu o troféu Fauve d’or de Melhor Álbum por seu trabalho em Escuta, Formosa Márcia, publicado no Brasil no ano passado pela Editora Veneta e pela editora Ça et Là, na França. (PTR)
Diz que
Me contaram que ao final do último dos três shows do Caetano Veloso em Porto Alegre, a massa gritava o tradicional volta-volta, com as convencionais palmas ritmadas. Parecia que não voltaria ao palco. Lá pelas tantas, o público emendou um “fo-ra-Bol-so-na-ro”, que derivou para um “olê-olê-olá, lu-lá, lu-lá”, ao que o Caetano disse “se é assim, eu volto”. (PTR)
Come tudo
Nosso colaborador Brady Izquierdo, de Cuba, papou cinco prêmios no Salão de Humor La Humoranga, um dos mais importantes de seu país: Gran Premio pelo conjunto da obra, primeiro prêmio em quadrinhos e em charge política, menção honrosa em humor geral e em caricatura.
Anistia para Delgatti Irritado com a perseguição de um promotor, Walter Delgatti hackeou seu celular. No meio de milhares de mensagens, encontrou as que o juiz Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol combinavam ações ilícitas nos processos contra o ex-presidente Lula. Impressionado, Delgatti tratou de repassar as gravações ao jornalista Glenn Greenwald, que as divulgou no site Intercept Brasil. Com base nesse conteúdo, todas as acusações contra Luís Inácio Lula da Silva foram desfeitas e o STF concluiu que Moro e Dallagnol são culpados de manipulação judicial - “o maior escândalo judicial da nossa história”, segundo o ministro Gilmar Mendes, do STF. Sem as revelações de Delgatti Lula estaria preso e os quadrilheiros Sérgio Moro, Dallagnol e os Curitiba’s Boys ainda seriam incensados. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) está com um projeto para anistiar Delgatti, que está em prisão domiciliar. Ele mudou a história do país. Desmascarou as armações “judiciais” de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e sua turma. Walter Delgatti precisa ser anistiado.
29
quadrante
Eloar Guazzelli Filho (Vacaria/RS, 1962), é hoje uma das referências da ilustração, da animação e do quadrinho nacional (como roteirista e/ou ilustrador), multipremiado no Brasil e no exterior. Comparece neste Quadrante com uma história publicada em 2007, no livro “O Primeiro Dia”, coletânea editada pela Editora Casa 21 (RJ). O título é “Pandemia”, mas é só uma coincidência... Nela estão presentes algumas das características do seu grafismo (apenas algumas, é um autor inquieto e experimentador). Guazzelli viceja aqui numa contradição: o desenho é bidimensional, “chapado” numa linha de caneta que não varia, e no entanto, consegue explorar profundidade e planos, via o uso preciso das dimensões das figuras, dos enquadramentos cinematográficos e dos meios tons. Tudo construído com a fluência de quem liga sem ruptura imaginação e imagem. Qto ao roteiro, a hq fala por si (ou por nós). Edgar Vasques
30
quadrante
31
quadrante
32
quadrante
33
causídico
34
artesdrásticas
Rafael Limaverde
Rafael Limaverde Cabral de Lima nasceu em Belém/PA, naturalizado cearense, ilustrador, curador, pesquisador, documentarista, grafiteiro, chargista, cartunista e xilogravurista.