Jornal do MAB | Nº 28 | Julho de 2016

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Nº 28 | Julho de 2016

Atingidos por barragens lutam por direitos e contra o Golpe

Foto: Leandro Taques

O impeachment da presidente Dilma Rousseff representa um golpe contra a democracia brasileira. Saiba quais os interesses e os atores que estão por trás dessa farsa. Leia mais nas páginas 6 e 7

PEC do Licenciamento Ambiental representa atraso histórico

Tragédia Anunciada: O crime da Samarco no Rio Doce

O plano de Temer é privatizar a Petrobras

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Páginas 8 e 9

Páginas 12 e 13


EDITORIAL

As raposas voltam a cuidar do galinheiro

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golpe ocorrido no Brasil, no dia 17 de abril de 2016, recolocou “as raposas para cuidar do galinheiro”. Sim, foi um golpe, não se trata de impeachment (impedimento), já que não ocorreu crime de responsabilidade fiscal. Mas o que é isso? O crime de responsabilidade fiscal se dá de diversas formas, mas a acusação que sofre a presidenta Dilma Rousseff é da execução de “pedalada fiscal”. Segundo as “raposas”, a presidenta pegou empréstimos dos bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa e BNDES) para pagar os programas sociais e créditos rurais, o que por lei é proibido. No entanto, o que ocorreu de fato foi um atraso no repasse do recurso da União (governo) para esses bancos, responsáveis pelos pagamentos aos beneficiados dos programas sociais. E foi com base nessa mentira que deputados e senadores votaram a favor do impedimento, dando um golpe que conduziu ao governo interino antigos grupos políticos com histórico de privatização, liderados por Michel Temer (PMDB) e José Serra (PSDB). Mas o pior ainda está por vir. Em pouco mais de um mês de governo Temer, diversas medidas contra nós estão em curso. O plano geral é reduzir as conquistas dos trabalhadores e repassar esses recursos para o capital internacional. O Plano Temer pretende acabar com a obrigatoriedade constitucional de se gastar 18% da receita resultante da arrecadação de impostos com a Educação e deixar de aplicar 15% de sua receita corrente líquida na Saúde. Na Previdência, o golpe será aumentar a idade mínima para aposentadoria e desvincular o reajuste das aposentadorias e pensões ao aumento do salário mínimo. Ataques podem significar o fim da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de

EXPEDIENTE Jornal do MAB Uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens Produção: Setor de Comunicação do MAB Foto de capa: Leandro Taques Projeto Gráfico: MDA Comunicação Integrada Tiragem: 12.000 exemplares

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direitos trabalhistas como férias, 13º salário, licença-maternidade, descanso semanal remunerado, jornada regulada, entre outros. Como se não bastasse, os golpistas querem privatizar a Petrobrás e o restante do sistema Eletrobrás. Está previsto ainda um aumento na conta de luz, e as construções de grandes barragens para produzir energia serão retomadas. As “raposas estão retalhando o Brasil”. O governo interino, que se dizia contra a corrupção, começou com sete ministros citados na Operação Lava Jato e três deles já caíram. Um governo ilegítimo, corrupto e entreguista não pode continuar no poder. Cabe a nós, atingidos e atingidas, unir forças junto aos demais trabalhadores brasileiros e ocupar as ruas, disputar mentes e corações na construção de um projeto energético popular. Vamos à luta!

VISITE O SITE DO MAB Em www.mabnacional.org.br é possível ler notícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras! Jornal do MAB | Julho de 2016


Porque não queremos revisão do licenciamento ambiental A PEC do licenciamento ambiental retira qualquer oportunidade de questionamento das indenizações e dos impactos sociais, culturais e ambientais nas comunidades afetadas

No Brasil, os grandes empreendimentos vêm historicamente deixando um passivo socioambiental, justamente por desconsiderarem premissas ambientais e de direitos humanos. A falta de participação popular nos processos decisórios leva ao questionamento da legitimidade das decisões tomadas, em todas as fases do processo: planejamento, implantação e operação. O resultado são decisões sem motivação e dissociadas de conteúdo técnico.

Por Coletivo de Direitos Humanos do MAB

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m 2015, antes do golpe realizado pelo Congresso Nacional, a bancada do PMDB já apresentava um pacote de mudanças legislativas, a “Agenda Brasil”. Com a justificativa de retomada do crescimento do Brasil, esse plano escancara o desejo pelas privatizações e propõe uma série de mudanças à legislação ambiental. Os ataques ao licenciamento ambiental são antigos. A lentidão, complexidade e a centralização em apenas um órgão são as principais críticas das construtoras e são utilizadas, também, como explicação para o atraso em obras e incrementos ao orçamento original. Todas essas tentativas buscam fragilizar a legislação, Jornal do MAB | Julho de 2016

atribuindo-lhe muitos dos problemas que são decorrentes da incompetência técnica e da política. A proposta da PEC nº 65/2012 prevê que a mera apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) implicará em autorização para execução do empreendimento que, a partir deste momento, não poderá ser suspenso ou cancelado. Assim, a PEC esvazia, na prática, o papel dos órgãos ambientais brasileiros no processo de licenciamento ambiental, uma vez que o EIA não estaria mais sujeito à revisão por parte da Administração Pública. Sem a avaliação dos relatórios prévios e a imposição de condicionantes aos projetos, a capacidade de evitar e atenuar eventuais danos às populações e aos ecossistemas afetados ficará seriamente comprometida.

Há tempos estamos afirmando que essas obras são um complexo processo de mudança social, que impactam sobre o meio ambiente, mas também impõe deslocamentos físicos e graves alterações no modo de vida. Por isso, precisamos compreender essas intervenções como geradoras de conflitos socioambientais que só se resolvem na compreensão da indivisibilidade e interdependência entre bio e sociodiversidade. Desta forma, mais eficaz que alterações legislativas seriam investimentos em corpo técnico especializado para lidar com os conflitos, e políticas contrárias à precarização dos órgãos ambientais. Para os atingidos, esta mudança representa um atraso à medida que acelerar o procedimento ambiental significa prejudicar o já prejudicado acesso à informação e, com isso, enfraquece a capacidade organizativa das famílias. Essa PEC retira qualquer oportunidade de questionamento das indenizações e dos impactos sociais, culturais e ambientais nas comunidades afetadas. 3


Atingidos por Belo Monte sofrem com alagamento e falta d’água Após o fechamento do reservatório de Belo Monte, a água virou o principal problema dos atingidos: para alguns, ela falta, e para outros, alaga. E a concessionária da barragem foge da responsabilidade

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pós mais de um ano de atraso, a hidrelétrica de Belo Monte começou a gerar energia em abril deste ano. Terceira maior hidrelétrica do mundo, ela vai acrescentar 11.232 MW à matriz energética do país. No entanto, os atingidos na região do Xingu têm muito pouco a comemorar. Consideradas as condicionantes mais importantes, o abastecimento de água e a coleta e tratamento de esgoto na cidade de Altamira deveriam estar prontos antes do fechamento do lago da hidrelétrica, por um motivo quase óbvio: não dá para despejar o esgoto de uma cidade de 150 mil habitantes no lago represado de uma hidrelétrica. No entanto, é isso que acontece em Altamira no momento, pois o projeto de saneamento não saiu do papel. O fornecimento de água é um dos problemas que mais atormenta os atingidos, principalmente os que foram morar nos chamados “reassentamentos urbanos coletivos” (que na verdade são loteamentos de casas de concreto de má qualidade, na periferia de Altamira). Moradores de diversos reassentamentos, desde o mais antigo, o Jatobá, até o mais recente, o Laranjeiras, reclamam da falta de água praticamente todo fim de semana. O fornecimento de água nesses locais ainda é de responsabilidade da Norte Energia. “Agora todos os finais de semana falta água, não dá para aguentar. As pessoas que trabalham fora fazem faxina nos finais de semana e quem tem comércio também é quando mais usa”, afirmou Bárbara Oliveira, moradora do Jatobá. 4

Casa do Bairro Independente 1, alagada após o início de funcionamento de Belo Monte

O serviço de abastecimento de água no município era de responsabilidade da companhia estadual (Cosampa), mas a prefeitura de Altamira decidiu municipalizar o serviço no ano passado, sob muitos protestos dos movimentos populares, que preveem uma tentativa de privatizar o saneamento, como vem acontecendo em outros municípios do Pará, como Tucuruí e Marabá. Agora, o setor virou um alvo de empurra-empurra entre a Norte Energia e a prefeitura de Altamira: cada uma colocando a culpa na outra pelos incalculáveis problemas. “Estou estarrecida com essa situação. Hoje acredito que a população tem um sentimento de estelionato”, chegou a afirmar a procuradora do Ministério Público Estadual, Grace Kanemitsu, durante audiência

pública sobre o tema realizada em junho pela câmara dos vereadores. Quem também sofre são as famílias atingidas pela elevação do lençol freático. Após o fechamento do reservatório, há diversas casas permanentemente alagadas no bairro Independente 1. O Consórcio Norte Energia não considera os moradores do local (cerca de 500 famílias) como atingidos, pois estão acima da cota 100 (100 metros acima do nível do mar), limite estabelecido pela própria empresa para cadastramento e remoção dos atingidos. Após mobilização da comunidade, o Ibama obrigou a Norte Energia a fazer um levantamento no local e apontar se o alagamento tem relação com o reservatório da barragem. Jornal do MAB | Julho de 2016


O que querem as empresas de energia elétrica? Recentemente, empresários de energia elétrica organizados em 18 associações nacionais estiveram reunidos em um encontro nacional durante dois dias na cidade do Rio de Janeiro Por Gilberto Cervinski

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Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) fez um estudo do documento elaborado pelas empresas, “uma agenda propositiva para o setor elétrico brasileiro – 2016”, que foi entregue ao governo golpista de Michel Temer. Numa análise criteriosa, é possível identificar o desejo das empresas privadas do setor. Resumimos em cinco pontos. A conclusão que chegamos é que as propostas tem um único objetivo: elevar cada vez a taxa de lucro. Confira nossa avaliação:

O objetivo é manter o atual modelo elétrico privatizado, controlado pelas transnacionais O modelo privado transformou a eletricidade em seu principal negócio, com tarifas altas para o povo e “preço de custo” para os grandes consumidores (livres), gerando lucros extraordinários ao capital. O documento aponta que querem aprofundar ainda mais este modelo, garantindo mais “segurança e estabilidade jurídica”. As distribuidoras têm 15% de energia sobrando (“sobrecontratação”). Mesmo não vendendo, querem que a população pague através de novos aumentos nas contas de luz, para “preservar a segurança dos contratos já estabelecidos”.

Querem aumentar os preços/ tarifas e retirar as políticas públicas de subsídios na energia elétrica Jornal do MAB | Julho de 2016

O principal objetivo é aumentar o “preço teto” para leilão de usinas, alegando que precisa incluir “outros custos” (riscos futuros) e “regular por incentivo” e não pelo menor preço do leilão. Isso significa aumento final na conta de luz. Também querem retirar todas as “políticas públicas” e “subsídios” que estão nas tarifas, como Luz Para Todos, desconto para “baixa renda” e agricultores.

Querem mais privatização e menor participação de empresas estatais Alegam que o “intervencionismo de estado” afugenta investidores. A proposta de fundo é privatizar tudo e reduzir a participação do Estado. Querem que sejam priorizados os “players”, ou seja, as grandes empresas transnacionais de energia.

Querem facilitar o licenciamento ambiental e retomar a construção de grandes lagos

Querem priorizar o “pleno desenvolvimento do mercado livre”

A proposta é adotar “regime especial de licenciamento ambiental” para obras de interesse público, “Licença Prévia Única” e não permitir paralisações das obras, além de tentar impedir custos socioambientais. Sugerem criar o “balcão único virtual” de licenciamento. Querem retomar a construção de usinas com grandes lagos de acumulação, maiores do que as que já vêm sendo construídas.

A proposta é prioridade e liberdade total para desenvolver o mercado livre de energia. Significa que os grandes consumidores de energia recebam energia a preço de custo e ao mesmo tempo fazer com que a população pague cada vez mais caro. Além disso, também reivindicam que sejam repassadas “cotas” da energia mais barata aos grandes consumidores. 5


Raio-X do Go

O que está por trás do processo de impeachment re

Foto: Lidyane Ponciano

“Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”: foram essas as palavras ditas pelo escolhido de Michel Temer para assumir o Ministério do Planejamento.

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om o vazamento desse áudio pela Folha de S. Paulo no final de maio, o peemedebista Romero Jucá foi obrigado a se licenciar do cargo, apenas doze dias após tomar posse da pasta. Essa declaração de Jucá foi realizada em conversa gravada com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em março desse ano. Durante a ligação telefônica, o senador eleito por Roraima propõe um ‘pacto’ para interromper a ‘sangria’ causada pela Operação Lava Jato. Menos de um mês após esse diálogo, a Câmara Federal aprovou a abertura do impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, por 367 votos favoráveis contra 146 contrários. Para o prosseguimento do processo de afastamento de Dilma era necessário a aprovação de 2/3 dos deputados, ou seja, 342 votos.

Como justificativa para a abertura do afastamento da presidente, os deputados federais consideraram como crime de responsabilidade as chamadas ‘pedaladas fiscais’, que são manobras contábeis cometidas, inclusive, por governos anteriores e por administrações estaduais. O que ocorre nessas ações é o atraso no repasse de dinheiro do governo aos bancos públicos que são os responsáveis pelo pagamento dos gastos sociais (Bolsa Família, Luz para Todos, etc.) - por alguns dias. Todavia, no dia 17 de abril, dia da votação do impeachment na Câmara Federal, muitos deputados justificaram seus votos pela suposta conivência ou envolvimento 6

Movimentos populares marcham em Brasília contra a votação de impeachment na Câmara Federal

da presidente e do Partido dos Trabalhadores (PT) com o esquema de corrupção que desviou dinheiro da Petrobras para financiar partidos políticos. Dos 70 deputados que justificaram seus votos pelo combate à corrupção, 34 estão envolvidos em processos na Justiça ou no Tribunal de Contas. Para Dilma, entretanto, esta declaração de Jucá, vazada apenas depois da votação do Senado, é a prova que este processo de afastamento é um golpe contra a democracia. “Se alguém ainda não tinha certeza de que há um golpe em curso, baseado no desvio de poder, na fraude, as declarações fortemente incriminadoras do Jucá sobre os reais motivos do impeachment e sobre quem está por trás dele eliminam qualquer dúvida. Repito: a gravação escancara o desvio de poder, a fraude e a conspiração do processo de impeachment promovido contra uma pessoa inocente, sem nenhum crime de responsabilidade”, afirmou a presidente durante o 4º Congresso Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores da Agricultura Familiar.

Quem está por trás do golpe? A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é uma das entidades que mais se empenharam na campanha pela derrubada da presidenta Dilma Rousseff. Com sede na Avenida Paulista, a federação é presidida por Paulo Skaf, filiado ao PMDB, o mesmo partido do deputado federal e presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, e do presidente interino, Michel Temer. Desde outubro do ano passado, a Fiesp mantém a campanha “Não vou pagar o pato” e tem gastado milhões de reais em propagandas veiculadas em jornais, revistas, outdoors e redes sociais para divulgar a mensagem favorável ao impeachment. De acordo com Douglas Martins Izzo, professor da rede pública estadual e presidente da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT-SP), a Fiesp “é fiadora e financiadora do golpe”. Para ele, o objetivo de fundo do impeachment é impor uma agenda de ataque ao conjunto da classe trabalhadora, como “a terceirização, a flexibilização das leis trabalhistas, a reforma da previdência, as privatizações e a submissão do país aos interesses dos Estados Unidos”. Jornal do MAB | Julho de 2016


olpe no Brasil

ealizado contra a presidente eleita Dilma Rousseff?

Na conferência, um dos conselheiros da Fiesp e ex-ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, apontou a legislação trabalhista como “um dos grandes problemas do Brasil há 30 anos”. Em matéria publicada no site da entidade, consta a avaliação de que “os dez primeiros artigos da CLT, intocados desde 1942, são a raiz do problema”.

Projeção confirmada Logo após assumir a presidência do Brasil, Michel Temer mostrou que grande parte das previsões realizadas por movimentos populares ao seu possível governo foi acertada. Nos primeiros dias de sua gestão, o presidente interino anunciou o fechamento de nove ministérios, incluindo o Ministério da Cultura, Ministério das Comunicações, Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Dos 23 ministros nomeados, todos eram homens e brancos, o que gerou notas de repúdio de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, dos nomes que iniciaram o comando das pastas de Temer, sete são citados ou investigados pela Operação Lava Jato. Jornal do MAB | Julho de 2016

Foto: Mídia Ninja

A projeção do sindicalista vai de encontro ao conteúdo da reunião do Conselho Superior de Relações do Trabalho da Fiesp, realizada no dia 5 de abril, em São Paulo, que deliberou “a formação de um grupo para estudar questões urgentes a reformar na legislação trabalhista”.

Levante Popular da Juventude escracha casa do presidente interino Michel Temer, em São Paulo

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partir dessa equipe, o governo Temer anunciou diversas medidas que contrariam as pautas defendidas por setores populares:

• Temer mandou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 727/16, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para acelerar a privatização. Focada principalmente na área de transporte, a medida pretende lucrar R$ 110 bilhões com aproximadamente uma centena de concessões. • Nomeado novo presidente da Petrobras, Pedro Parente anunciou ser contrário a Lei de Partilha, que determina a participação da estatal em qualquer consórcio envolvendo campos do pré-sal. • O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que levará adiante a Reforma da Previdência, com o aumento da idade fixa para aposentadoria de homens e mulheres. Centrais sindicais, contrárias à medida, apontam que o governo pretende aumentar para 66 anos a idade mínima para acessar o benefício. • Temer revogou medidas, anunciadas anteriormente por Dilma Rousseff, de demarcação de terras indígenas, destinação de áreas para reforma agrária e construção de 11.250 moradias do Minha Casa, Minha Vida. Posteriormente, Temer revogou sua revogação desta última medida. • A primeira medida aprovada pelo Congresso Nacional, com o aval do presidente interino, foi o reajuste dos salários do Judiciário, o que causará um aumento de R$ 58 bilhões de reais aos cofres públicos. • Nomeado líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB) foi à Washington um dia após a votação do impeachment na Câmara Federal para se encontrar com diversas lideranças políticas norte-americanas. 7


O crime da Samarco n MAB avalia o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão como uma tragédia anunciada; apesar do desastre, organização dos atingidos cresce em toda a região

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m 5 de novembro de 2015 o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Vale e da BHP Billinton, deixou o Brasil triste e indignado. Foram mais de 62 milhões de m³ de rejeito misturados com água da Barragem de Santarém que devastaram os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo e fez muitos estragos em várias localidades de Mariana (MG); destruíram o centro da cidade de Barra Longa (MG), além de atingir a totalidade do Rio Doce causando danos de toda ordem até as águas do mar.

“Sabemos que não foi acidente. Foi um crime. Todas as investigações apontam que as empresas sabiam do risco. Tanto que a Vale e a Samarco fraudaram documentos, apresentaram relatórios falsos, burlaram leis de licenciamento e fiscalização ambiental, tudo para garantir o lucro em tempo de crise”, lembra Letícia Oliveira, integrante da coordenação do MAB em Minas Gerais. No município de Barra Longa, centro urbano mais atingido em todo o trajeto da lama, Serginho Papagaio observa a destruição. Ele entrou para o MAB depois que viu sua cidade ter casas, praças, comércios, igrejas, parque de exposição e escolas devastadas. “A lama chegou aqui 12 horas depois do rompimento e não fomos avisados. Ficamos esperando em meio ao susto daquelas cenas inacreditáveis de destruição. Muita gente perdeu até as fotos dos entes queridos. E, agora, estamos juntos fazendo movimento em nossa cidade para garantir os direitos”, afirma Serginho. O rio Doce manchado atinge cidades que, muito distantes de Mariana, sentiram

na pele a tragédia. “Foram dias de caos e tristeza aqui em Governador Valadares. Nas primeiras semanas ficamos sem água para beber. As pessoas brigavam nas ruas por causa de litros d´agua, manifestavam-se, enfrentavam a polícia. E a Samarco custou a aparecer. Um dos planos era esvaziar a cidade que tem 280 mil habitantes. Sete meses se passaram, mas ainda não confiamos no que bebemos”, conta Talita Silva, também da coordenação estadual do MAB. E nos pequenos vilarejos já atingidos pela mineração, as coisas pioraram. Em Mascarenhas, distrito de Baixo Guandu, no Espírito Santo, a população que já enfrentava os problemas com a linha da Vale que corta a comunidade, agora não tem mais peixe e o garimpo tradicional não é mais possível. “Vamos viver de que? A Samarco manipula a comunidade e nega os direitos. Mas nossa esperança é ficarmos organizados porque a luta vai ser grande, para nós e para os atingidos em toda a bacia”, afirma Regiane Silva, moradora de Baixo Guandu (ES). “Nunca tivemos voz para nada e agora com o MAB já ocupamos a linha da Vale 5 vezes. Com esta força vamos vencer”, conclui.

Foto: Guilherme Weimann

Produtores rurais, ribeirinhos, pescadores, garimpeiros, comerciantes, multidões que moram em cidades que se viram sem

água de qualidade para viver: todos atingidos pela ganância das maiores mineradores do mundo.

Distrito de Bento Rodrigues no aniversário de um mês do rompimento da barragem de Fundão

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Jornal do MAB ||Julho Junho 2016 Jornal dede 2016 Jornaldo doMAB Julho 2016


Foto: Pablo Vergara

na bacia do Rio Doce

No dia 8 de março, atingidos realizaram ato na sede da Vale, no Rio de Janeiro

Em cada região, atingidos pela Samarco têm uma pauta específica de reivindicação. No entanto, em toda a bacia do rio Doce, muitas famílias continuam sem atendimento, não receberam nenhum tipo de reparação e sequer foram consideradas atingidas pela Samarco. Durante esses sete meses, os atingidos organizados, apesar de estarem sofrendo com a negligência da empresa, não cansam de lutar pelos seus direitos. De Mariana, em Minas Gerais, até a foz do rio Doce, no Espírito Santo, as mobilizações não cessaram. Em fevereiro, cerca de 60 atingidos ocuparam o escritório da Samarco, no centro de Mariana, para reivindicar seus direitos. A empresa, em uma das suas contradições, não reconhecia como atingidos alguns moradores dos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Pedras e Ponte do Gama. Também foi questionada a demora na entrega dos cartões de subsistência e no adiantamento da indenização. A mineradora só começou a atender as reivindicações no mês de abril, sempre Jornal do MAB | Julho de 2016

fazendo a promessa de que daria respostas no prazo de uma semana. Em março deste ano, centenas de pessoas ocuparam a linha férrea da Vale no distrito de Cachoeira Escura, município de Belo Oriente (MG). O MAB denunciou o crime da Samarco e cobrou punição aos

Moradores de Governador Valadares (MG) enfrentam filas, vigiadas pelo Exército, para terem acesso à água potável

Foto: Leandro Taques

Atingidos em luta

culpados. Na ocasião, as principais pautas dos atingidos era o acesso à água, a participação nas negociações e reparação integral de todos os danos. Em maio, na cidade de Barra Longa (MG), dentre as inúmeras manifestações, os moradores resolveram paralisar as obras da mineradora depois que a empresa descumpriu acordo feito em reuniões com a comunidade. “Fizemos um ato organizado, sem confusão, mas deixamos o nosso recado. A empresa se comprometeu a fazer o muro gabião para garantir a segurança dos quintais em toda a extensão do rio dentro da cidade. E descumpriu.”, conta indignada Odete Cassiano (58), militante do MAB na cidade. No Espírito Santo, a Samarco nega aprovar o cartão com a verba de manutenção para 127 famílias por não se encaixarem nos critérios exigidos pela Samarco. Durante o mês de maio, os trilhos foram tomados por moradores cinco vezes, quando atearam fogo e fixaram cartazes exigindo respostas da empresa. “Não vamos parar enquanto tudo não estiver resolvido”, afirma Mateus Faria, membro da coordenação do MAB no estado.

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Foto: Frente Brasil Popular

Frente Brasil Popular: a saída pela esquerda Nesse momento de ataques diários às conquistas e direitos dos movimentos sociais, a construção de uma ferramenta unitária é a principal tarefa da esquerda

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esde setembro do ano passado, diversos movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e personalidades, num esforço conjunto, buscam consolidar a Frente Brasil Popular (FBP) em torno de pautas que os unifiquem e respondam à conjuntura política, econômica e social no Brasil. Essa unidade representa, acima de tudo, uma tentativa da esquerda em responder à ofensiva conservadora em curso no país. A Frente, portanto, luta simultaneamente contra o golpismo, representado pelos setores mais conservadores, e os interesses do capital financeiro. De acordo com Ricardo Gebrim, da Consulta Popular e membro da Frente Brasil Popular, essa ferramenta vem se mostrando uma das maiores organizações social, política e partidária no nosso país. Segundo ele, como contrapartida ao poderoso cerco das forças de direita, gerou-se essa possibilidade de integração política. “A unidade está sendo forjada nos momentos de luta, como os que estamos vivenciando agora. Uma luta difícil e complexa na qual romper com esse golpe possibilitaria a volta da presidenta Dilma que será, sem dúvida, alicerçada nas forças populares e nos setores mais avançados que têm interesse em transformação em nosso país”, opinou Gebrim. 10

Criada no ano passado, a Frente Brasil Popular já tem organização em todos os estados brasileiros

Apesar do recrudescimento da conjuntura detectada no início da construção da FBP, as pautas inicialmente propostas continuam atuais: ampliação e aprofundamento da democracia, defesa da Petrobrás, defesa dos direitos trabalhistas e construção de avanços como redução da jornada de trabalho, reformas de base (tributária, agrária, política) que promovam justiça social e distribuição de renda.

“Talvez o grande desafio que deva ser enfrentado agora é a construção da Frente Brasil Popular cada vez mais pela base, chegando a cada pequena cidade, bairro, sindicato, local de trabalho”, explicou Gebrim.

De acordo com o advogado, “cada trabalhador e trabalhadora precisa entender a importância da luta, da prática coleFoto: Elisa Estronioli tiva e do protagonismo popular em prol da manutenção dos nossos direitos, dignidade e humanidade, nesse momento histórico que é crucial para o futuro do Brasil e do mundo”.

Atingidos protestam em Brasília durante votação do impeachment

O dirigente ressalta ainda que o processo de resistência contra o golpe será longo e continuará exigindo um alto nível de unidade e organização em torno daquilo que é mais essencial para os trabalhadores e trabalhadoras.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a organização em torno da Frente Brasil Popular tem sido de extrema importância na construção da resistência do povo brasileiro. Estamos respondendo com manifestações nas ruas, ocupações, e todas as formas possíveis de denúncia do golpe em nível nacional e internacional que, se não estivessem ocorrendo de forma unificada, não seriam possíveis. Cumpre destacar que a FBP tem sido importante não só na articulação entre os movimentos que a compõem, mas inclusive com outras frentes, como a Povo Sem Medo. Jornal do MAB | Julho de 2016


O fantasma das privatizações das estatais Foto: Douglas Mansur

O novo governo adotou a Medida Provisória 727, com força de lei, que dá as coordenadas para “privatizar tudo o que for possível” das privatizações do governo FHC. Além disso, o novo governo adotou a Medida Provisória 727, com força de lei, que dá as coordenadas para “privatizar tudo o que for possível”. Se não bastasse, tramita na Câmara dos Deputados o PL 4918, que abre portas à privatização das empresas públicas.

Plataforma Operária e Camponesa protesta na Avenida Paulista contra privatização do Pré-sal

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a década de 90, o Brasil sofreu o avanço do neoliberalismo. Através do Plano Nacional de Desestatização, os governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso colocaram na ordem do dia a entrega do patrimônio público ao capital internacional, sob o pretexto de que não servia mais para o nosso país. Empresas de telecomunicação, grande parte do setor elétrico e a então Vale do Rio Doce estão entre as mais de 150 empresas públicas que acabaram sendo entregues a grandes corporações transnacionais a preços irrisórios. Não é a toa que todo este processo foi chamado de PRIVATARIA. Desde 2003, o governo voltou a investir nas empresas estatais e brecou a onda privatizante dos governos anteriores. Mas com o golpe em curso no país, o governo interino de Michel Temer rapidamente colocou em prática o que expressou no documento “Uma ponte para o futuro”, ainda Jornal do MAB | Julho de 2016

em outubro de 2015. Entre as propostas antipopulares do programa golpista está o fantasma das privatizações das estatais brasileiras.

Agenda neoliberal O plano de Temer é privatizar as empresas públicas como a Petrobras, a Eletrobras e suas subsidiárias, como a Chesf, os Correios, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES, entre outras. Além disso, está na agenda neoliberal do governo repassar o controle e exploração dos recursos naturais estratégicos como o pré-sal, por exemplo. Por fim, também é proposta deste governo privatizar os serviços públicos como o Sistema Único de Saúde (SUS), o saneamento e a educação. Ou seja, a proposta de Temer é entregar as estatais. Não é à toa que escolheu Maria Sílvia Bastos Marques para ser a presidente do BNDES: ela foi uma das comandantes

Durante o ato organizado no início de junho no Rio de Janeiro pelo Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, o ex-diretor da Petrobras, Guilherme Estrela, fez menção ao ataque que o país vem sofrendo. “Este governo já anunciou e vai entregar um dos maiores patrimônios do Brasil e do povo brasileiro”, disse ao se referir aos ataques que a Petrobras e o pré-sal vêm sofrendo e às ameaças do que chamou de governo colaboracionista, fazendo menção ao papel que o governo Temer assume internacionalmente. “Este governo que está aí é um exército civil de ocupação estrangeira”, apontou Estrela.

Soberania Diante dessas ameaças, o que não nos deve faltar é coragem! Coragem de participar de todas as manifestações contra as privatizações e em defesa das empresas estatais para que o país continue tendo soberania sobre suas riquezas naturais estratégicas e sobre o seu patrimônio, construído com o esforço dos trabalhadores e trabalhadoras! 11


Temer avança sobre pré-sal e Fim da exclusividade da Petrobras para explorar o Présal está entre as medidas anunciadas pelo novo governo

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Em 2013, a presidenta Dilma Rousseff sancionou uma lei que destina 75 % dos royalties do petróleo para a educação e 25 % para a saúde. Além disso, o texto prevê que 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal sejam destinados para os dois setores. Todavia, a lei de autoria do senador José Serra (PSDB) e atual ministro das Relações Exteriores, não altera a destina-

ção e nem os valores dos royalties, mas deve diminuir os recursos destinados ao Fundo Social. São destinados a ele as parcelas do bônus de assinatura pelos contratos de partilha de produção; dos royalties que cabe à União; da receita a partir da comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União e os resultados de aplicações financeiras sobre suas disponibilidades e os recursos do fundo por lei. Como a Petrobras não teria mais exclusividade na exploração dos campos do pré-sal, tanto os royalties quanto o dinheiro destinado ao Fundo Social serão bem menores, já que outras empresas estrangeiras poderão comandar a exploração do pré-sal.

Foto: Lidyane Ponciano

o dia 24 de maio, o presidente interino Michel Temer (PMDB) anunciou medidas que podem fazer com que a saúde e a educação percam até R$ 360 bilhões nos próximos 15 anos.

O presidente interino também afirmou que priorizará o projeto que desobriga a Petrobras de ser a operadora única e de ter participação mínima de 30% nos grupos formados para explorar petróleo na camada pré-sal. Na prática, essa medida afeta diretamente a saúde e a educação do povo brasileiro.

Plataforma Operária e Camponesa da Energia protesta em Brasília contra tentativas de privatização da Petrobras e do pré-sal

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Jornal dodo MAB dede 2016 Jornal MAB| |Julho Julho 2016


e prejudica saúde e educação Estima-se que a educação poderá perder até R$ 360 bilhões nos próximos 15 anos caso o pré-sal seja privatizado. O prejuízo na saúde é estimado em R$ 120 bilhões. Além destas medidas, Temer indicou Pedro Parente para a presidência da Petrobrás. Parente foi protagonista dos dois mandados do governo tucano, como secretário-executivo do Ministério da Fazenda (1995 e 1999) e como ministro-chefe da Casa Civil (1999-2002).

O geógrafo Guilherme Estrella denuncia o avanço neoliberal que está em curso no Brasil após o golpe e fala que “perdemos o Brasil”. “Esta afirmação é definitiva no sentido da perda de parte da nossa soberania pelas privatizações, mas não é definitiva no tempo”, declarou Estrella. “Com a eleição de Lula, retomamos o Brasil para nossas mãos com a hegemonia da Petrobras no setor de petróleo no Brasil. Esta foi uma decisão de governo e que incomodou a muitos”, opinou. Guilherme aponta que há dificuldades na retomada da

Ficou conhecido como o “ministro do apagão”, por não ter conseguido gerenciar a crise de energia durante o governo de FHC, submetendo a população a cortes de luz e aumentos sucessivos nas contas de energia. Segundo João Antônio de Moraes, coordenador Geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), é inadmissível a sua indicação ao cargo. Parente obrigou a Petrobras a assinar, entre 2000 e 2003, contratos de parceria com o setor privado para construção de usinas termoelétricas. “A chamada contribuição de contingência provocou prejuízos de mais de US$ 1 bilhão à Petrobras”, denuncia. Atualmente, Parente é objeto de ações reabertas no Superior Tribunal Federal na qual responde por improbidade administrativa. Ainda segundo Moraes, com a forte influência neoliberal de Parente à frente da Petrobrás, há uma grande chance de que haja a venda de ativos da empresa, ou seja, que se abra um caminho para a retomada da tentativa de privatização da empresa ocorrida nos anos 90. Jornal do MAB | Julho de 2016

soberania devido a grande força do imperialismo. Estrella trabalhou na Petrobras por mais de 40 anos e exercia o cargo de diretor de exploração e produção da estatal quando se descobriu as grandiosas reservas do pré-sal, o que lhe rendeu a designação de “descobridor do pré-sal” ou “pai do pré-sal”.

ATAQUES À PETROBRAS O Brasil despertou interesses internacionais sobre o petróleo descoberto no pré-sal há alguns anos. Enquanto as três grandes empresas multinacionais Shell, Chevron e Exxon apresentaram seus balan-

ços que atestavam queda em seus lucros de 2010 a 2014, a Petrobras, no mesmo período, aumentava seu lucro descobrindo mais campos de petróleo e com um alto grau de investimento. “Isso claramente indica que essas grandes vão querer se apoderar dessas riquezas produzidas aqui no Brasil. É óbvio isso”, declara Luiz Dalla Costa, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Essas suspeitas se confirmaram quando em 2009, de acordo com o site Wikileaks, José Serra teria prometido a uma representante da americana Chevron que, caso vencesse as eleições em 2010, mudaria a legislação que rege as regras do pré-sal. O texto divulgado revela telegramas do consulado norte-americano no Brasil falando sobre como petroleiras estrangeiras estavam preocupadas com a lei de partilha do pré-sal, que dava à Petrobras a condição de operadora única da reserva, e como contavam com políticos e grupos empresariais brasileiros para reverter a situação, como José Serra e a Fiesp, não coincidentemente os principais articuladores do golpe. José Serra se opunha à lei de partilha, mas não demonstrava “ senso de urgência”. “Deixa esses caras (do PT) fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, teria dito o pré-candidato tucano. Não por coincidência, os mesmos personagens que estão conspirando contra a Petrobras há anos são os que se colocaram como protagonistas do golpe contra a presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff. 13


A tentativa de criminalização da luta popular

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luta popular surge do anseio da classe oprimida melhorar suas condições de vida e se colocar contra toda forma de opressão e exploração. No entanto, qualquer mobilização do povo que contrarie os interesses da classe dominante ou que questione a propriedade privada é criminalizada e reprimida. No Paraná, durante os dois últimos anos, fortes repressões sobre as manifestações da classe trabalhadora estão se tornando cada vez mais constantes. O massacre dos professores, em abril de 2015, e o assassinato de dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no acampamento Dom Tomás Balduíno, na região de Quedas do Iguaçu, são casos exemplares do tratamento comandado pela Polícia Militar. O coordenador do MST no Paraná, Roberto Baggio, analisa que o aumento da repressão aos movimentos populares é uma estratégia da burguesia nacional e internacional para se apropriar das riquezas nacionais. 14

Foto: Joka Madruga

Desde o acirramento da disputa política, a repressão contra movimentos populares tem aumentado progressivamente. No Paraná, a morte de dois militantes do MST e a detenção de atingidos por barragens escancaram tentativas de criminalização de pautas legítimas Em Quedas do Iguaçu (PR), movimentos realizam ato em solidariedade aos integrantes do MST assassinados no estado

“Este é o objetivo do golpe da elite brasileira aliada às multinacionais, principalmente dos EUA: apropriar-se da riqueza dos brasileiros como o pré-sal, a água e a terra. Para isso, estão controlando todas as reações da sociedade, através da força das armas, da grande mídia e das instituições jurídicas”, afirmou Baggio. O dirigente sem-terra também defende que a única maneira de se contrapor a essa violência institucionalizada é fortalecer a luta popular. “Vivemos um período de violência política e, por isso, vão utilizar todos os meios para desarticular e desestimular a luta do povo. Eles criminalizam, processam e até assassinam a militância dos movimentos organizados. A única linguagem que eles entendem como resposta é ocupar as ruas e unificar as lutas da classe trabalhadora”, opinou Baggio.

Recentemente, no dia 13 de maio, no Sudoeste do Paraná, ocorreu mais uma ação para criminalizar a luta popular, com a apreensão de doze atingidos na ocupação do canteiro de obra da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu, no município de Capanema. “A polícia simplesmente chegou abordando os militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que estavam pedindo licença aos funcionários da empresa para paralisarem as obras. Humilhou, mandou se ajoelharem, com vários xingamentos e eles só estavam lutando pelo direito coletivo dos atingidos”, recordou Judithe Antonello, atingida pela UHE Baixo Iguaçu. O MAB, em conjunto com outros movimentos populares da classe trabalhadora, tem o papel fundamental de continuar lutando por uma sociedade sem exploração, resistindo a esta conjuntura de criminalização, retrocessos e retirada de direitos. Jornal do MAB | Julho de 2016


Quem matou Nicinha? sensação que dá é que ninguém está fazendo nada. Até onde a condenação vale? Até onde isso pode ser chamado de justiça? Doí, doí muito, eu me sinto impotente diante da injustiça”, afirmou Diva. Recentemente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão independente ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), soltou uma nota condenando o assassinato de Nicinha.

Nilce de Souza Magalhães foi assassinada há cerca de seis meses e até hoje não houve nenhum esclarecimento concreto sobre o caso

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ilce de Souza Magalhães, mais conhecida como “Nicinha”, mãe de três filhas, vó de sete netos, pescadora e liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Rondônia, havia desaparecido no dia 7 de janeiro desse ano. Quase seis meses após o ocorrido, o corpo de Nicinha foi encontrado no lago da barragem da Usina Hidrelétrica Jirau, próximo do local onde morava com seu companheiro, Nei, em um acampamento com outras famílias de pescadores, na localidade chamada de “Velha Mutum Paraná”. Descoberto por trabalhadores da hidrelétrica, o corpo estava com as mãos e pés amarrados por uma corda e ligado a uma pedra. Jornal do MAB | Julho de 2016

No entanto, os verdadeiros mandantes do caso não foram revelados e o crime não foi esclarecido. Até o momento, as investigações que vem sendo conduzidas pela Polícia Civil não tem sido claras, apresentando inúmeras lacunas legais na realização do inquérito. Durante as buscas, que se iniciaram somente uma semana após o ocorrido, foi encontrado no chão, a correntinha que sempre usava em seu pescoço, o que pode indicar ter sido levada a força do local. Além disso, os documentos pessoais e uma câmera, que continha materiais de denúncia, também sumiram da residência. Há cerca de dois meses, Edione Pessoa da Silva, preso dias depois do seu desaparecimento, que chegou a confessar o assassinato da militante, fugiu da Penitenciária Estadual “Edvan Mariano Rosendo”, localizada em Porto Velho (RO), onde estava detido. Sobre a demora por respostas em relação ao caso, Diva, filha mais velha de Nicinha, desabafou: “O estado tem um inquérito aberto, um réu foragido e um corpo encontrado, e a

Nicinha era conhecida na região pela luta em defesa das populações atingidas, denunciando as violações de direitos humanos cometidas pelo consórcio responsável pela Usina de Jirau, o Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Filha de seringueiros que vieram do Acre para Abunã (Porto Velho) em Rondônia, onde vivia há quase cinquenta anos, foi obrigada a se deslocar para “Velha Mutum” junto a outros pescadores. No local, não tinham acesso à água potável ou energia elétrica. Nilce realizou diversas denúncias ao longo desses anos, participando de audiências e manifestações públicas, entre as quais, apontou os graves impactos gerados à atividade pesqueira no rio Madeira. As denúncias geraram dois inquéritos civis que estão sendo realizados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual sobre a não realização do Programa de Apoio à Atividade Pesqueira e outro, de caráter criminal, em função de manipulações de dados em relatórios de monitoramento. Afirmamos que a criminalização dos atingidos por barragens é uma mancha na história do processo democrático brasileiro e que há anos nossas lideranças vêm sendo deslegitimadas e assassinadas. Prestamos nossa solidariedade à família de Nicinha e reafirmamos a importância da luta por justiça. Companheira Nicinha: presente! 15


MAB lança documentário sobre Jirau e Santo Antônio em Rondônia O filme trás depoimentos sobre violações de direitos humanos sofridas nas construções das hidrelétricas no rio Madeira

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documentário “Jirau e Santo Antônio: relatos de uma guerra amazônica”, de 60 minutos de duração, reúne depoimentos de homens e, principalmente, mulheres que contém denúncias sobre prostituição infantil, violência contra a mulher, contaminação da água, desmatamento, desemprego e desalojamento forçado e sem indenização das famílias atingi-

das pelas Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Entre as entrevistadas está Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, uma das lideranças da região que lutava frequentemente contra as violações sofridas pelas usinas construídas no rio Madeira e que recentemente foi assassinada. O longa-metragem foi produzido pelo Coletivo de Comunicação do Movimen-

to dos Atingidos por Barragens (MAB) em parceria com a Brigada Audiovisual “Eduardo Coutinho”, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As exibições nas comunidades estão programadas para ocorrer durante o mês de junho e julho. Em breve, o filme também estará disponível online na plataforma Youtube.

MAB cria site sobre crime em Mariana A plataforma virtual reúne materiais fotográficos, vídeos, reportagens e artigos sobre a tragédia ocorrida na bacia do Rio Doce

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o início deste ano, o Coletivo de Comunicação do MAB lançou uma nova ferramenta virtual. O site “Tragédia Anunciada” reúne conteúdos específicos sobre o crime ocorrido na bacia do Rio Doce, através de reportagens especiais, artigos e galerias multimídia.

rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, mineradora controlada pela Vale e BHP Billiton, que se rompeu no dia 5 de novembro de 2015 em Mariana (MG). Além disso, o site se propõe a dar visibilidade à organização dos milhares de atingidos ao longo de toda a bacia do Rio Doce.

A nova plataforma pretende denunciar as contradições do

Acesse: www.tragedianunciada. mabnacional.org.br

Coletivo de comunicação do MAB ganha prêmio do Ministério da Cultura

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O coletivo agora passa a ser considerado um “Ponto de Mídia Livre” reconhecido pelo Minc

través de um edital do Minc (Ministério da Cultura), lançado no final do ano passado, o Coletivo de Comunicação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) recebeu

o selo de “Ponto de Mídia Livre”. Assim como ocorre com os Pontos de Cultura, o coletivo passa a fazer parte de uma rede nacional de “pontões”, voltados à mídia independente.

Há anos, o coletivo tem se desenvolvido como um importante espaço de comunicação alternativa às grandes mídias, com a apresentação de pautas dos atin-

gidos em nível nacional e das comunidades campesinas locais. Além disso, corrobora a luta unitária pela democratização da comunicação no país.


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