JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ED. 201 - OUTUBRO / 2018
A ROTINA DE UMA DELEGACIA DA MULHER - p. 3 LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:
ELAS TRANSFORMAM (E MELHORAM) A POLÍTICA - p. 4 A BATALHA COTIDIANA DOS IMIGRANTES NO BRASIL - p. 8
O CORUJÃO DA SAÚDE AJUDA, MAS NÃO RESOLVE
Por Pablo Próspero- p. 7
O SERVIÇO PÚBLICO COMO ALTERNATIVA À CRISE - p. 9 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA - p. 12
Salvem o rei! Recusada em plebiscito realizado em 1993, a Monarquia segue sendo desejada por muitos brasileiros a ideia de criar um site, já que não existia um porta-voz oficial da Casa Imperial. “Foi um sucesso instantâneo. Na manhã seguinte da divulgação do site, já tínhamos três mil curtidas”, diz. Gabriel Felipe Pereira, 22 anos, é seguidor da página desde 2015. Para ele, a Monarquia proporcionaria um Brasil com maior estabilidade e continuidade. “Ele vai continuar como uma democracia, porém, tendo de fato um estado de direito, com os quatro poderes bem limitados”, afirmou o jovem, que mora em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina. De acordo com a proposta monárquica, o Brasil resgataria a constituição de 1824 e traria de volta o 4º poder político, o moderador. “Essa seria a melhor solução, pois acabaria com os abusos do poder executivo e judiciário”, diz Gabriel. Guilherme é defensor da monarquia Para ele, o fato de o Rei Fem pleno século 21, ainda há lipe VI da Espanha ter destituído o grupos que torcem pela volta parlamento e convocado novas eleida monarquia e acreditam que ções naquele país é um exemplo do esse sistema de governo pode que deveria ter sido feito no caso do ajudar o Brasil. A página do Facebook Impeachment da ex-presidente Dilma Pró-Monarquia existe há três anos e Rouseff. “Seria muito menos custoso foi criada com o intuito de esclarecer e muito mais efetivo”, diz. o público sobre o movimento monarCarolina R. S., 22 anos, seguiquista e sobre a história do Brasil. Ela dora da página desde 2015, acredita foi criada por um jovem, Guilherme que o setor econômico do Brasil mede Faria Nicastro, de 23 anos, estu- lhoraria devido à diminuição de gasdante de direito da FGV. Por afinidade tos. “Manter uma família real é mais pessoal, ele frequenta a Casa Imperial viável que todos os partidos que tedo Brasil desde os 15 anos, em São mos hoje”, diz a estudante, que vive Paulo. O local, onde vivem os prínci- em São José dos Campos. Para ela, pes herdeiros de Dom Pedro II, fica a maior liberação de recursos para na rua Itápolis, 873, no Pacaembu. investimentos em educação, saúde, Segundo Guilherme, desde segurança e em outras áreas da socriança ele tem uma afinidade muito ciedade traria boas consequências. grande com o tema e sempre estu- Ela afirmou que, com a monarquia dou o assunto. “No meu colégio aqui parlamentarista instaurada no país, os em São Paulo, o Célia Fonseca, tinha índices de corrupção “passarão a ser que fazer um trabalho de conclusão absurdamente menores”. de curso ao terminar o ensino médio, Segundo Hayley Barros Roce eu queria falar sobre o plebiscito de co, assessora dos príncipes, caso a 1993”, diz. Ele sempre contou com a Monarquia voltasse, quem governaria ajuda dos príncipes, que deram a ele seria o primeiro ministro e o impelivros sobre a monarquia para que pu- rador seria o defensor perpétuo do desse fazer uma boa entrevista e es- Brasil. A assessora, que trabalha como crever o TCC. Em 2014 o jovem teve voluntária na Casa Imperial do Brasil Ana Luiza Xavier Nicoli do Céu N. P. Raveli
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há 10 anos, é professora de biologia e teve seu primeiro contato com a monarquia durante o ensino fundamental, em uma aula sobre a história de como a família imperial foi expulsa do Brasil. Rocco contou que ela e os príncipes votam normalmente. “Escolhemos o menos pior, é um sistema corrupto. Sabemos que existem pessoas que têm boa intenção, mas que não conseguem fazer nada por já ter um esquema lá dentro”, diz. Além da página do Facebook, a Casa Imperial conta com eventos mensais e anuais, como a Jornada dos Príncipes, iniciada em janeiro deste ano e com término previsto para 2022, que comemora a viagem a cavalo realizada por Dom Pedro do Rio de Janeiro à província de São Paulo. Outros eventos importantes são os encontros monárquicos realizados nos estados do Maranhão, Brasília, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e, por último, São Paulo, que teve o primeiro encontro este ano, em 8 de setembro. “Esses eventos são importantes para a população conhecer ou relembrar a verdadeira história do Brasil, pois a grande imprensa não abre as portas para a Casa Imperial”, comentou a assessora.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
A quebra do silêncio Acompanhamos a rotina de atendimentos da Delegacia da Mulher de Itaquera Thábata Bauer Fernanda Silva
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central de atendimento 180 registrou, no 1o semestre de 2018, 79.661 relatos de violência contra mulheres, dos quais a maior parte é classificada como violência física e/ou psicológica, segundo o Ministério dos Direitos Humanos. As unidades da Delegacia da Mulher da Polícia Civil de São Paulo oferecem um atendimento diferenciado às vítimas. No cotidiano da 7ª DDM, situada em Itaquera, zona leste de São Paulo, ao dar entrada na delegacia, o primeiro passo é relatar o caso à escrivã, que redige um boletim de ocorrência. Alguns fatos são considerados incondicionados, ou seja, não dependem da posterior autorização da mulher, denominada representação, para virarem inquéritos que resultarão em apurações judiciais. É o caso das agressões físicas: “assim que o médico legista responsável pelo exame de corpo de delito atesta o laudo, começa o processo. O agressor é intimado a comparecer à delegacia. Todo o material colhido é enviado ao juiz, que determinará a pena”, explica Katia Cristina Kafer, 50 anos, escrivã há um ano. As vítimas de violência física utilizam, junto a um acompanhante, o serviço Bem-Me-Quer como transporte ao Hospital Pérola Byington, onde é realizado o exame. “Nos casos de estupro, é dado o diagnóstico de violação, coquetel antiaids, pílula do dia seguinte e acompanhamento psicológico”, complementa Katia. Ela ainda cita a importância de denunciar rapidamente o agressor, pela facilidade de colher provas. Quando as mulheres não podem retornar às suas casas, são encaminhadas aos poucos abrigos públicos, onde não há como o agressor encontrá-las. Segundo a escrivã, mais da metade das agressões são atribuídas ao consumo de álcool e outras drogas. “Ouvimos casos em que os vícios do
Delegada Ercília Carvalho analisa documentos na Delegacia da Mulher de Itaquera
homem são bancados pela mulher e, se ela não os suprir, pode ser agredida”, lamenta. Ela também afirma que muitas mulheres resumem o papel da polícia em assustar os agressores e optam por não representar. “Os casos envolvem afeto. Às vezes, ela tem filhos com o agressor ou depende financeiramente dele”, disse.Alguns acham que basta a mulher se separar do parceiro, mas “cada pessoa possui seu tempo de tomar uma atitude”, enfatiza Katia. Eliane Bertoni de Souza, 53 anos, escrivã há 16 anos e chefe do setor há um ano, também fala sobre as agressões contra as mulheres. “Classificamos como violência doméstica casos ambientados no contexto familiar, incluindo agressores e vítimas que possuem vínculo afetivo e residem em diferentes locais”, explica. Ainda de acordo com a escrivã chefe, “as crianças cujos casos também atendemos aqui são as maiores vítimas de abuso sexual. Quando a violência é cometida por pessoas que deveriam cuidar da vítima e se aproveitam da função, a pena é agravada”. A dona de casa Joana D’arc, 56 anos, que não quis informar o sobrenome, fala sobre seu dilema. “Meu filho de 23 ano é usuário de maconha e cocaína desde os 13. Para obtê-las, chegou a trabalhar guardando carros.
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Agora, nos obriga a dar dinheiro a ele. Do contrário, agride a mim, ao pai e à irmã. Por isso, meu marido está em débito com o banco. Já houve comunicação à polícia, que foi várias vezes até minha casa”, desabafa. Joana explica que, no início, requisitou o tratamento oferecido pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), porém o jovem se recusou. Atualmente, ela solicita a medida protetiva. “Não acho que seja essa a solução, pois ele conhece todos os nossos horários. Para mim, o jeito seria nos mudarmos sem deixar endereço, mas meu marido prefere assim”, finaliza. A medida protetiva garante que o agressor mantenha distância da vítima. Ercília Carvalho, 49 anos, delegada há 24, atuando na DDM há um ano e meio, fala sobre o processo: “Enviamos a solicitação da medida em até um dia, e o juiz possui 48 horas para deferi-la”. Ela ressalta que o feminicídio, quando motivado pela condição de ser mulher, é qualificador do artigo 121, designador de homicídio, portanto agrava a pena do acusado. A escrivã Katia destaca a importância da Lei Maria da Penha, que completou 12 anos no dia 7 de agosto, na luta pelo fim agressão doméstica no Brasil, quarto país no ranking mundial de maior violência contra a mulher.
A ousadia além dos 30% O envolvimento direto e indireto de mulheres na política é vetor de transformação social Raquel Kie Oshio
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olítica é um assunto de que todos deveriam gostar um pouco”. Eis a declaração de Patrícia Fernandes, 44 anos, participante da ONG Grupo Mulheres do Brasil. A organização nasceu em 2013 e a política é um dos vários temas abordados por seus comitês. “Nossa filosofia geral é, por meio da perspectiva da mulher, propor soluções para mudanças efetivas”, diz Maria Augusta Pinto, 35 anos, coordenadora do comitê de política do grupo. Os diversos movimentos pelo empoderamento feminino e o trabalho de ONGs como o Grupo Mulheres do Brasil são evidências de que as mulheres estão tomando mais consciência de sua importância social e política. Porém, de acordo com uma pesquisa da Inter-Parliamentary Union – ONG que agrega representantes de vários parlamentos do mundo –, o Brasil ocupa a 154ª posição no ranking de 190 países que mede a igualdade parlamentar entre os gêneros. Mesmo que as mulheres sejam 52% do eleitorado, elas são menos de 15% das eleitas, segundo o TSE. Contra essa desigualdade, foi criada a Lei nº 12.034, que obriga os partidos a preencherem uma cota mínima de gênero de 30% das candidaturas. Isso fez surgir as candidaturas “laranja”, ou candidaturas fantasma. “Por ser uma exigência legal, os partidos correm atrás dos 30% de candidaturas femininas. Muitas delas não têm engajamento político, não têm formação e nem querem participar”, explica Jacqueline Quaresemin, cientista política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Nestas eleições, além de 30% das candidaturas, os partidos deverão destinar 30% do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda gratuita para as mulheres. A medida não resolve o problema por completo. Segundo
Jacqueline, é preciso fiscalização. O Grupo Mulheres do Brasil não quis deixar essa tarefa apenas para os órgãos públicos e criou a plataforma digital Appartidárias para, por meio de dados coletados, identificar candidaturas laranja. “Quando identificamos uma fraude, procuramos expor o partido para pressioná-lo a democratizar-se”, explica Augusta. A plataforma também planeja dar visibilidade às mulheres candidatas. Há vários empecilhos para a atuação das mulheres. “Elas querem participar, mas não se veem viáveis da maneira como a oferta de participação na política se dá”, diz Alessandra Monteiro, 32 anos, candidata a deputada estadual pela Rede. “Existem vários tipos de dificuldades. O primeiro é o estilo de vida. Se você pensar numa mulher com tripla jornada, qual horário sobra para ela fazer política?”, Alessandra questiona. Ela também fala sobre a discriminação na hora de fazer a campanha: “Você acha provável que um candidato, ao entregar um panfleto na rua, ouça a seguinte frase: ‘Pode entregar o seu material. Não significa que eu vou votar em você, mas você é bonita’?”. Carla Basson, candidata a vice-governadora de São Paulo com Paulo Skaf, é tenente-coronel licencia-
da da PM e conta como sua profissão a ajuda a enfrentar as dificuldades na política. “A missão em si se sobrepõe a qualquer situação de preconceito, que pode haver ou não. A polícia vai aonde há uma lacuna na sociedade e essa experiência só me fortaleceu para o que estou vivendo hoje”, relata, para acrescentar: “Não tem outra forma de mudar a política se não for ingressando nela, com boas ideias, princípios éticos. A mulher tem que ocupar espaço”. Já Jacqueline defende a luta pela paridade de candidaturas femininas e masculinas. “A mulher tem uma pauta específica, que só ela pode defender. Os homens não podem decidir a vida delas em todos os aspectos. Não há um motivo específico. A sociedade é composta pelos homens e mulheres, então os dois precisam ocupar o poder. Elas podem contribuir com uma visão mais ampla, mais de sustentabilidade”. “Essa diversidade de perspectiva sensitiva e muitas vezes afetuosa com certeza traz melhores resultados para as decisões sobre segurança e saúde pública”, reflete Alessandra. Patrícia, do Grupo Mulheres do Brasil, conclui: “A gente está sempre reclamando de tudo. Mas então, por que a gente não faz a mudança?”.
Candidata Alessandra Monteiro em seu comitê de política
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Tecnologia contra as fake news Softwares e inteligências artificiais ajudam a combater praga virtual, cada vez mais presente no noticiário Pedro Henrique Oliveira
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s fake news não são novidade para ninguém. O uso da tecnologia sim, tanto para combatê-las como a favor de sua disseminação. Com as eleições, elas ganharam ainda mais evidência, fato já observado durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff e nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016. A tecnologia é utilizada em contra as notícias falsas ou duvidosas. O “EZBOT”, software desenvolvido pela Aissa Tecnologia, foi lançado em sua versão preliminar em setembro. A plataforma, a princípio para candidatos a cargos públicos, mostra um acompanhamento do que é publicado sobre ele nas redes sociais. “É um algoritmo potente que faz um rastreamento em todas as redes sociais e também no Google e, além disso, vamos indexar as informações encontradas pelo nome do candidato”, explica Arlete Figueiredo, perita digital, gestora de tecnologia da informação e CEO da Aissa. Os candidatos que contratarem a empresa terão acesso a um relatório para mostrar a quais assuntos o seu nome está vinculado na web. Arlete explica que o plano é disponibilizar a compra para todos. “A gente descobriu que não são apenas os políticos que precisam disso. Uma rede de educação pode colocar o nome de um professor e descobrir o que ele está falando sobre a escola. Hoje, a difamação é um dos problemas enfrentados por elas”, exemplifica a perita. O aplicativo “dfndr security”, da empresa Psafe, que é, em sua essência, um antivírus, adicionou aos seus mecanismos um bloqueio contra notícias questionáveis compartilhadas pelo celular. Nas primeiras semanas de abril, o software impediu o acesso de 320 mil usuários a uma notícia falsa. De acordo com Emílio Simoni, diretor do laboratório especializado em cibersegurança da Psafe, o aplicativo
reconhece sites que são produtores de conteúdos duvidosos. As notícias são, então, analisadas por especialistas. “Ao confirmar-se a falsidade do conteúdo, a tecnologia passa a emitir alertas para o usuário”, observa. As iniciativas também aparecem no âmbito acadêmico. Avelino Zorzo, professor de Ciências da Computação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolveu junto aos alunos o aplicativo “NoFakeNews”. A ideia é que qualquer um possa fazer o download e ajudar na detecção. “Todas as notícias que forem divulgadas e que alguém desconfie que seja falsa, o indivíduo pode consultar o aplicativo para ver se ela já foi identificada como tal”, diz. O professor diz que os softwares não possuem o mesmo poder do ser humano. “Claro que as pessoas cometem erros e podem ter interesses próprios, mas sua análise é superior à do software. Entretanto, existe uma tendência de isso se modificar no futuro”, completa. Mesmo com as iniciativas para barrar as fake news, a tecnologia facilita a manipulação de imagens e áudios, além da disseminação de perfis
falsos, os chamados robôs ou “bots”. As propostas colocam tecnologia contra tecnologia e, segundo Matheus Mans, jornalista do jornal O Estado de S. Paulo, a educação é fundamental. “O que precisa acontecer é o uso da tecnologia para educar as pessoas, o meio jornalístico e virtual também”, diz. O jornalista cita a pesquisa do Instituto Reuters, de 2017, que aponta que o número de brasileiros que se informam pelo WhatsApp é de 46%. “O Facebook tem algumas iniciativas, o Google trouxe algumas armas, mas com essa porcentagem, isso é de valia nenhuma”, reitera. O desafio é apresentar as inovações como uma ferramenta benéfica para os conservadores. mais avessos às novidades “Para a tecnologia causar um efeito positivo é preciso que os jornalistas entendam que as inovações não são prejudiciais. Ainda existem pessoas resistentes e medo do que pode acontecer”, explica Matheus. Além disso, é essencial usar a tecnologia a favor da educação e do desenvolvimento do senso crítico, que serão de grande valia durante as eleições, momento no qual as fake news são mais criadas e divulgadas.
Arlete Figueiredo, perita digital, gestora de tecnologia da informação e CEO da Aissa
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Muito longe do pódio Ranking coloca SP como 93º cidade com as melhores condições de vida do mundo Lucas Vianna Pedro Ambrosio
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revista The Economist realizou uma pesquisa em 140 cidades para indicar as melhores para se viver. O estudo levou em conta mais de 30 critérios como estabilidade política e social, crime, educação, infraestrutura e saúde. O resultado não é exatamente positivo para o nosso país. O Brasil tem apenas duas cidades na lista: São Paulo (93ª posição) e Rio de janeiro (88ª). Nessas metrópoles o único fator em que houve evolução foi a estabilidade, que leva em consideração a prevalência de crime violento, ameaça de terror, conflito militar e distúrbios civis. Já nos outros pontos não existiu nenhum progresso, incluindo a área sthefany Pascon ,economista em frente ao seu local de trabalho política e econômica das duas cidades principalmente, das instituições de um de medo”. mais populosas do Brasil. Na economia, sofremos uma Essa falta de evolução na área Estado são pautadas pela seriedade social pode ser perigosa, principal- das eleições. Nenhum pais vai querer grande crise com a taxa desemprego mente em meio à atual crise política. investir em um país instável que pode em alta de 13,1% no primeiro trimesA cientista política Thais Ferraz ana- ter um regime de governo incapaz de tre do ano. A economista Sthefany lisa a realidade das cidades e do país se sustentar. As eleições também são Pascon, do Banco Itaú, analisa esse com base no cenário de instabilidade uma disputa por tipos de aliança com cenário: “A crise financeira, somada que vivemos: “Eu pessoalmente acre- outros países ou blocos internacio- à grande instabilidade política, fazem dito que as eleições, todo o cenário nais. Por exemplo, um governo mais com que a incerteza dos agentes se político, no caso, afeta muito a vida esquerdista vai ter alianças interna- agrave. Uma vez que o destino das das pessoas mesmo que elas não re- cionais totalmente diferentes de um eleições é incerto, tanto os investiparem. Porque gera um ambiente de governo neoliberal. Sem falar na ques- dores quanto os consumidores ficam argumentação e competição entre tão dos direitos humanos. As eleições mais receosos, o que no longo prazo ideais de sociedade. Isso afeta as re- mostram se o que está sendo priori- pode trazer malefícios à qualidade de vida da população, principalmente nas lações. Por exemplo, pessoas podem zado para a agenda do país”, afirma. Para concluir, perguntamos grandes metrópoles”. passar muito tempo convivendo junAinda nesse tema, perguntatas sem repararem que têm ideolo- sobre a crise política e seus efeitos. mos a ela o que podemos fazer para gias conflitantes. Mas em períodos de “Ela é uma crise social. Não dá para eleição isso fica mais evidente. Isso dissociar as duas coisas. O cenário melhorar nossa condição de vida ecogera uma tensão. Ainda mais nessa político é um reflexo da sociedade nômica na crise. “O mais importante, eleição em que visões de mundo mui- brasileira em que muitas questões agora, é aguardar o resultado das to extremistas e intolerantes estão foram minimizadas desde o final da eleições, para que se possa ter ideia ganhando espaço na política e conse- ditadura militar e nossa constituição das diretrizes que serão adotadas não é colocada em prática em muitos no campo econômico. Posso adianquentemente na mídia”. Sobre a importância das elei- pontos. O aumento de renda de uma tar que se faz primordial priorizar o ções em âmbito internacional, ela parcela da população não foi acom- investimento em infraestrutura e na respondeu: “Tem a importância eco- panhado de educação que sustente a saúde, se quisermos melhorar as connômica, que é evidente nas oscilações autonomia das pessoas. Afeta nossa dições de vida”. E um dia, quem sabe, da Bovespa. Mas mais do que isso a segurança, afeta nossas lutas diárias teremos Rio, São Paulo e outras cieleição tem uma importância de le- por respeito, minimiza nossas ques- dades com colocações mais honrosas gitimidade. A solidez, a estabilidade tões, que são seculares. A sensação é nos rankings internacionais.
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Corujão dos descontentes Sistema de Saúde paulistano não supre necessidades nas UPAs da cidade Pablo Próspero
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Sistema Corujão de Saúde, implantado pelo Prefeito João Dória (PSDB) na prefeitura de São Paulo, tinha como objetivo zerar as filas de espera dos postos de saúde e das UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) da capital paulista, prometendo acabar com o caos deixado pelas gestões anteriores, abrindo vagas de atendimento em grandes hospitais da cidade, como o Albert Einstein, na Zona Oeste, durante o período noturno para a população mais carente. Mas o programa de Dória não tem suprido as demandas dos moradores mais carentes. A UPA de Itaquera (o único posto ativo da Zona Leste) tem ficado no limite em relação à demanda dos usuários, com filas de espera e demora no atendimento. “Não melhorou, piorou, a estrutura é boa, mas os exames demoram demais, uma hora e meia esperando o clínico”, desabafa Erilaine Santos, 21 anos, moradora do distrito de Itaquera, quanto espera do lado de fora do posto, com a perna engessada por conta de uma torção. Questionada sobre o que poderia facilitar o atendimento, a moça diz: ”Poderia melhorar o atendimento, acabou nada com a fila”. É a mesma reclamação de Andressa Souza, 21 anos: “O atendimento é bom, o que mata é a fila, o que não resolveu”, diz a moradora de Ferraz de Vasconcellos, segurando a filha de colo. Por outro lado há aqueles que não se incomodam tanto com o sistema. “Acho bom, porque o atendimento é bom, tanto o médico e a recepcionista, e a fila não acabou porque em qualquer lugar que vamos tem fila”. Ela defende uma mãe que passou os filhos no pediatra da unidade. Em uma visão mais ampla sobre o problema, o infectologista do HC-USP e diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Gerson Salvador, diz: “A cidade de São Paulo tem
A sala de espera na UPA de Itaquera, na Zona Leste, a única ativo da região
alguns desafios, como a atenção primária à saúde, oferecida para a população nas UBSs, onde temos uma cobertura de 60%, e a necessidade de ampliação da estratégia de saúde da família com mais equipes de maneira mais difusa”. Ele completa:“hoje é uma cobertura que não chega a 30%, está estagnada há muitos anos. São poucos prontos-socorros, foram implantadas poucas UPAs, que seriam para pacientes de passagem e não para grandes emergências”. Para o especialista, o corujão de Dória não passa de “peça publicitária” e não consiste em um projeto de saúde pública. “Muitos dos hospitais parceiros do corujão sequer foram procurados pela gestão municipal, e as filas de exames e procedimentos aumentaram na cidade de São Paulo”, diz. O especialista completa: “O Estado de São Paulo também retrocedeu muito, pois tínhamos hospitais que eram ilhas de excelência, e hoje esses hospitais encontram-se com recursos humanos insuficientes – o Mandaqui, por exemplo está com leitos desativados, o Heliópolis e hospitais filantrópicos como a Santa Casa também estão em uma situação calamitosa. O governo também é respon-
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sável pela diminuição do número de serviços no município de São Paulo e, segundo Gerson, estamos passando por experiência de ‘terra arrasada’. Nas palavras do infectologista, Dória deixou a prefeitura deixando 108 unidades de saúde a menos do que quando entrou. “Outro objetivo é garantir qualidade de trabalho para profissionais da saúde, que muitas vezes são porta-vozes do sistema de saúde, a linha de frente que atende os usuários das unidades básicas de pronto atendimento”, conclui.
Longas filas nos postos da capital
O Brasil segundo os estrangeiros Imigrantes de diferentes partes do mundo relatam as dificuldades de recomeçar a vida em um país novo Maria Amaro Mariana Rodrigues
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sírio Wessam Alkourdi, 36 anos, é professor de inglês, mora no centro de São Paulo e já tem o “jeitinho brasileiro” após tantos anos morando no Brasil. Mesmo ainda não sendo fluente no português, já aprendeu muito com os brasileiros. “Principalmente a aproveitar minha vida”, diz. Veio para o Brasil de avião aos 30 anos. Esse é o perfil de Wessam e da maioria dos cerca de 880 mil imigrantes que nosso país recebeu entre 2000 e 2015, segundo o Altas Temático Observatório das Migrações, produzido pela Unicamp. Segundo a ONU, cerca de 5,6 milhões de sírios já deixaram seu país e o Brasil ainda é visto como um ótimo lugar para recomeçar. No entanto, atualmente é a Venezuela que mais pede socorro. Apenas no primeiro semestre deste ano, cerca de 10 mil venezuelanos cruzaram a fronteira, e ao todo há aproximadamente 30,8 mil vivendo no Brasil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A recepção dos imigrantes é feita pelo governo e por ONGs que facilitam a chegada ao país. Nathália Condé, 23 anos, é assessora do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e responsável pelo atendimento de imigrantes na ONG,
Mohamed no restaurante Al Janiah
O professor de inglês sírio Wessam Alkourdi na escola de idiomas Abraço Cultural
na Bela Vista. Ela conta que a maiores dificuldades dos que chegam são o idioma e a documentação, pois com a nova lei da imigração, problemas com documentos geram multas, que, acumuladas, podem chegar a 10 mil reais. Na ONG é realizada a assessoria jurídica, trabalhista e sindical, mas também há planos para fornecer assistência psicológica e social. Os voluntários em geral são poliglotas e fazem de tudo para ajudar quem veio de fora, mesmo se não souberem o idioma. “A gente trabalha com diversas nacionalidades. Eles têm muita boa vontade”, diz Nathália. A ONG oferece aulas de português aos fins de semana, pois a língua ainda é um grande problema. “Quando cheguei ao aeroporto, as coisas mais fáceis foram um desafio pra mim porque não sabia falar português”, diz Wessam. Coisas simples como pedir um táxi se tornam desafios, conta o sírio. É por isso que a ONG Atados, em Pinheiros, criou o Projeto Abraço Cultural, do qual Wessam é professor. Ele e outros refugiados dão aulas de inglês, árabe, espanhol e francês para brasileiros. Além de ser uma maneira de se adaptar ao Brasil e aprender o português, também é uma forma de ter uma renda para se manter no país. Só este ano houve um aumento de 77%, em comparação com 2017, no número de carteiras de trabalho emitidas para imigrantes, segundo dados do Obser-
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vatório de Migrações Internacionais, órgão do governo que monitora o fluxo de imigrantes. Não são apenas ONGs que estão preocupadas em empregar estrangeiros. O restaurante Al Janiah, localizado no centro de São Paulo, tem grande parte de imigrantes como funcionários. O argelino Mohamed Leksir, 31 anos, é um deles.Trabalhando como caixa, ele já fala português e outras três línguas, e decidiu vir para o Brasil porque é curioso. “Na África do Sul, um amigo de Minas Gerais me contou que o Brasil é lindo”, diz. Depois de fazer uma pesquisa, percebeu que, apesar da corrupção e da violência, há muitas características positivas no Brasil. Ele já viajou para o Egito, África do Sul, Sudão, Peru e Equador, mas de todos prefere o Brasil. “O Brasil tem uma vida simples, com alegria”, conta. Tanto Wessam quanto Mohamed relataram não sofrer preconceito e que o povo brasileiro é muito receptivo, mesmo com casos de xenofobia relatados na mídia, especialmente na fronteira com a Venezuela. “O Brasil é um país de imigrantes. Como você é descendente de imigrantes se você não gosta deles?”, diz Mohamed ao relembrar a colonização brasileira. “Eu não sou responsável pela situação [de meu país]. Está além do meu alcance o que está acontecendo e isso me força a ser um imigrante”, explica Wassam.
Vagas na crise De veteranos a iniciantes, brasileiros avaliam os benefícios do ingresso no serviço público Lucas Assumpção da Silva Leonardo Alcantara
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e um lado, a crise e o desemprego, que, de acordo com o IBGE, chegou a 13,5% no segundo trimestre de 2018; do outro, as multidões da concorrência pelas vagas disponíveis. A realidade é, para os concurseiros, intimidadora. São muitos os obstáculos e as privações, mas pouquíssimas as oportunidades, apesar do esforço para oferecê-las em maior número. A fim de atender melhor a demanda por colocações no setor público, a previsão é de que, até o fim deste ano, sejam disponibilizadas cerca de 162 mil vagas nas esferas federal, municipal e estadual, segundo levantamento feito pela Anpac (Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos). Para o superintendente comercial Gláucio Zanettin, 46 anos, a alta procura pelos concursos públicos não é tendência, e sim adaptação à realidade econômica do momento. “É consequência da baixa oferta de serviços pela iniciativa privada”, afirma. “A frágil situação econômica do país, pela falta de confiança, não permite crescimento econômico sustentável e sacrifica o setor empresarial. Nesse sentido, o concurso é uma boa alternativa para os trabalhadores. Mas, isoladamente, não é solução para a crise, nem para a retomada do país”, diz. De acordo com ele, o setor privado é, em circunstâncias estáveis, a principal fonte de riquezas do Brasil. Em um cenário de crise, no entanto, o desemprego e a redução de recursos impactam diretamente na economia. “Há menor consumo e menor apetite para investimentos (em moradias, veículos e demais bens), fato que leva a um baixo crescimento econômico e até mesmo à estagnação ou à retração”, explica. Benefícios Kleber Nelson Pires, 57 anos,
Kleber Nelson Pires, oficial de justica há 34 anos, fala sobre a importância da segurança financeira
é oficial de justiça. Afirma ter escolhido o cargo, sobretudo, pela estabilidade: só poderia perdê-lo por meio de processo administrativo, em caso de conduta indevida. Em relação aos salários, mostra-se satisfeito com a pontualidade, embora acredite que seu trabalho, assim como o de delegados e policiais, deveria ser mais reconhecido. “É muito bom ter a expectativa de que, todo mês, naquele determinado dia, seu salário será depositado. Quanto a isso, o Estado é cumpridor da lei”, afirmou. Para ele, no serviço público há, sim, segurança financeira, que reside nessa pontualidade do pagamento,. Ser aprovado no concurso “exige garra, força e determinação”, disse Antônio de Martim Grilo, 17
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anos, jovem concurseiro que sonha em ingressar na Polícia Militar de São Paulo. “É necessário se dedicar aos estudos e às atividades físicas, além de preparar o aspecto psicológico. Não basta apenas querer, o número de vagas é limitado. São cerca de 4 mil soldados e 200 oficiais formados por ano, a grande maioria por amor à profissão”. Para ele, o gosto por servir e proteger, aliado à pontualidade dos salários, é o que mantém crescente o número de aspirantes à Polícia Militar, mesmo com todos os riscos do ofício. “O que chama atenção é ganhar, inicialmente, três mil reais como soldado da polícia e ainda ter plano de carreira, com concursos públicos internos, promoções e graduações em seus postos”, argumenta.
República Velha João Pedro Faria João Victor Vianna
A representação juvenil nos cargos políticos continua baixa no Brasil
Marcos Saraiva, presidente da Juventude do PSDB, no escritório de Tripoli, candidato ao senado
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juventude cada vez mais propaga nas redes sociais suas opiniões, crenças e soluções para os problemas da sociedade, sejam eles de ordem social, financeira ou estrutural. Mas a voz juvenil tão propagada pelas redes sociais é somente um sussurro no cenário político nacional, cenário esse que permanece homogêneo desde sua criação. A média de idade dos deputados brasileiros, por exemplo, é de 51 anos, e 90,1% deles são homens, de acordo com raio x feito pelo jornal Estadão. Em contraponto, a média de idade da população brasileira, segundo dados do censo feito pelo IBGE em 2010, é de 32,2 anos, uma diferença de quase 20 anos entre os dois números, diferença essa que não exemplifica tão bem o problema quanto o fato de que no maior estado da nação (São Paulo) não há nenhum deputado estadual com menos de 30 anos e de que dos 54 vereadores da cidade de São Paulo somente dois estão abaixo dessa faixa etária. Porém existem instituições que lutam pela maior participação dos jovens na política, como a UJS (União da Juventude Socialista) e a JPSDB (Juventude do Partido da Social Democracia Brasileira), organizações que há muitos anos militam no cenário político nacional. As duas instituições têm
grandes histórias na militância juvenil. A UJS nasceu em 22 de setembro de 1984 com o lema: “Somos jovens operários, camponeses, estudantes, artistas e intelectuais. Buscamos o futuro e a liberdade, os direitos que nos são negados, a esperança banida, a vontade subjugada”, teve participação direta na conquista do direito ao voto com 16 anos e tantas outras lutas pelo direito dos jovens. A JPSDB nasceu junto com o PSDB, no dia 25 de junho de 1988, e o movimento da juventude tucana cresceu com a campanha de Mário Covas à Presidência. A JPSDB também teve ativa participação no impeachment do então presidente Fernando Collor em 1992. São duas organizações que lutam diariamente pelos direitos dos jovens e pela maior participação dos jovens na política. Tanto para Rarican Heven (Secretário de Organização Nacional da UJS) quanto para Marcos Saraiva (Presidente da JPSDB), o motivo do baixo número de jovens nos cargos políticos é o custo de de uma campanha política. “Que jovem tem 3 milhões de reais pra fazer campanha?”, questiona Marcos quando questionado sobre o motivo da baixa participação juvenil. Mas em outro ponto os dois representantes das duas instituições ideologicamente diferentes divergem.
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Trata-se da diminuição da representatividade juvenill no cenário político. Para Marcos Saraiva, o aparelhamento político enfraqueceu a representação de entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes). Já na opinião de Rarican Heven isso varia de acordo com a conjuntura política da época, fazendo com que em determinados momentos a participação seja mais vista que em outras e que a mídia muitas vezes não noticie protestos e passeatas juvenis, mas somente os transtornos causados por elas. A quantidade de jovens na política brasileira é baixa, mas existem alguns casos de jovens que conseguiram se eleger. Um deles é Fernando Holiday, eleito aos 20 anos como vereador da cidade de São Paulo (o mais jovem na história do município), outro caso é o do deputado federal Uldurico Júnior, eleito no estado da Bahia e que aos 22 anos foi o deputado mais jovem a ser eleito nas eleições de 2014. Segundo o cientista político Rafael Moreira, “a atuação na política pode se dar das mais variadas formas, como por meio de coletivos, de movimentos sociais, ciberativismo etc. E a juventude, mais do que os adultos, parece ter percebido isso e aprendido a atuar nessas esferas”. Para ele, uma série de motivos causa a pouca participação jovem na política institucional. Uma dessas razões é a própria legislação eleitoral, que impõe barreiras etárias para a disputa de certos cargos politicos. Outro motivo seria a forma de financiamento das campanhas, que faz com que muitas vezes os candidatos mais jovens recebam menos recursos. “Acho que a solução pra esse problema teria que se dar de múltiplas maneiras. Mas o ponto de partida principal seria por meio dos próprios partidos políticos. São eles que monopolizam a representação nas instituições e as mudanças passam primeiro por eles”, conclui.
O que será diferente? Crise mobiliza candidatos com discursos de renovação. E todos se valem da internet para conquistar votos João Pedro Isola
a internet e/ou as redes sociais terão muita influência na escolha do candidato a presidente. Os candidatos atestam que, especialmente para os que ainda estão lutando por um espaço na mídia tradicional, as redes sociais estão sendo fundamentais para ganhar eleitores. “A internet é uma ferramenta que democratizou as oportunidades, já que tempo de TV depende de alianças”, diz Samanta. Christian Lohbauer, que tem um canal no YouTube intitulado “Professor Christian”, com mais de 30 mil inscritos e 300 mil visualizações, acredita que “há uma nova linguagem em curso”. “Vídeos com conteúdo e certo grau de humor podem tornar a política um assunto interessante. Os vídeos têm dado muita visibilidade às ideias em que acreditamos”, completa. Alessandra também comenta esse assunto: “Mais do que um canal de propaganda, essas ferramentas são um espaço de diálogo com o eleitor. Nesse sentido, acredito que elas podem ser um avanço para a nossa democracia se os candidatos souberem usá-las. Em nossa campanha, usamos as redes sociais para conversar com as pessoas, escutar suas demandas e contar sobre como o nosso projeto pretende transformar a política”.
Candidatos e apoiadores do NOVO em evento em Ribeirão Preto
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esde o impeachment de Dilma Rousseff, o país vive uma turbulência constante no cenário político. Essa tensão gerou muita descrença por parte da população. O resultado disso foi a busca de uma nova proposta na política, diferente das antigas. A tal “renovação política” está sendo muito falada e apresentou novos rostos que prometem acabar com os privilégios e reformar o que está errado no cenário atual. Para evidenciar esse fenômeno, o Instituto Paraná Pesquisas, em novembro de 2017, a pedido da revista EXAME, fez uma pesquisa com eleitores de todo o Brasil e mais de 50% das 2.120 pessoas de 145 municípios disseram que é alta a probabilidade de votarem em um estreante na política e mais de 70% acreditam na renovação política em 2018. Conversamos com Ferraz Junior, jornalista, 55 anos, candidato a deputado federal pelo NOVO; Samanta Duarte Nogueira, 44 anos, advogada, candidata também a deputada federal pelo PSDB, e Christian Lohbauer, 51 anos, cientista político, candidato a vice-presidente pelo NOVO. Todos têm algo em comum: têm pouca ou nenhuma vida política anterior e acre-
ditam que devem sair de suas zonas de conforto para bater de frente com o cenário político atual, em prol de mudanças. “Percebemos que temos uma parcela de responsabilidade da coisa ter chegado onde chegou porque nós não agimos”, afirma Ferraz, durante evento de seu partido, em Ribeirão Preto, no dia 26 de agosto. A cientista política Alessandra Monteiro, de 32 anos, que também é candidata a deputada estadual pela Rede, reconhece que “de fato, a política se tornou sinônimo de descrença para o eleitor”. “No ano passado, a FGV divulgou uma pesquisa que conta que apenas 7% da população brasileira confia nos partidos políticos. Nessa mesma pesquisa, os partidos só perderam para o Governo Federal, que possuía 6% da confiança dos brasileiros”, complementa Alessandra. Ela ainda alerta que não basta apenas votar em um candidato jovem, mas sim em um candidato que tenha bagagem para conseguir executar suas ideias. Outro fator que diferencia essa eleição das outras são as redes rociais. Segundo uma pesquisa feita pelo Ibope Inteligência feita em maio do ano passado com mais de 2.000 pessoas em 142 municípios do país, 36% dos entrevistados acreditam que Alessandra fala sobre renovação política
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Prevenir para não remediar Gabriel Monteiro Tomaz Belluomini
A educação financeira nas escolas é uma opção para evitar endividados no futuro
cursos para os pais para que possam ajudar na didática do aluno e no próprio desenvolvimento familiar. O colégio Clara Suiter vem desenvolvendo em parceria com a DSOP, desde 2014, um projeto de educação financeira de estudantes do ensino infantil e, desde 2015, para alunos do ensino fundamental. Quem implementou o sistema foi a professora e coordenadora de projetos do colégio, Norma Mourão, 50 anos, que teve seu primeiro contato com o conceito em feiras pedagógicas e achou o tema importantíssimo. Desde então, a escola vem apoiando projetos quem envolvam o empreendedorismo para ilustrar e incentivar os alunos a pouparem e lidar com o dinheiro. Gisele Muniz, 34 anos, é mãe Aluna e professora de educação financeira do Colégio Clara Suiter de aluno e professora da escola. Ela diz que desde que a proposta foi apreão é novidade que grande crianças. Ela explica que a matéria sentada aos pais, eles reconheceram a parte dos brasileiros não lida especificamente com o compor- importância da implementação da dismantém uma boa relação tamento das pessoas e é necessário ciplina na vida das crianças. “Acredito com suas finanças. Olhan- aproveitar a fase inicial da infância, que, se a minha geração tivesse essas do para os dados, percebemos que o quando se absorve muito mais infor- aulas quando éramos menores, a crise problema pode ser muito maior do mação e o programa tem mais efeito. que vivemos hoje poderia ser menos que aparenta. O número de inadimNo programa de ensino da grave”, diz. Mas ela também sabe que plentes, ou seja, aqueles que atrasam DSOP, o aluno aprende, sempre de a disciplina deve ser levada para deno pagamento de suas dívidas, ultrapas- forma lúdica, a real importância do tro de casa e, por isso, sempre busca sou a marca de 61 milhões brasileiros dinheiro na vida dele, de seus colegas alertar o filho quando está saindo um em julho deste ano segundo dados do e de sua família. Os alunos são ensi- pouco da linha. “No começo, ele queSPC (Serviço de Proteção ao Crédi- nados a organizar os seus gastos para ria gastar tudo que tinha, era muito to) e, destes, 46% não acreditam que que consigam aquilo que almejam e imediatista, mas nós aprendemos em conseguirão pagar a dívida nos próxi- fazer isso de forma que não estourem palestras como reagir. Foi interessanmos três meses. seus orçamentos. Este que é indica- te quando ele percebeu que poderia Para remediar essa situação, do como um dos grandes fatores que comprar muito mais coisas se ele se será incluída na BNCC (base nacional complicam a vida financeira do brasi- controlasse”. comum curricular) a disciplina de edu- leiro, como mostram alguns dados do A aluna Camila Pires de Ancação financeira. Que pretende ensi- SPC que indicam que 14% daqueles drade, de nove anos, está no quarto nar crianças de 3 a 17 anos a melhor que atrasam suas contas compram ano do ensino fundamental e descoentender e lidar com o dinheiro. A mesmo não sabendo se vão conseguir briu uma maneira de comprar a boobrigatoriedade ainda não é definitiva, pagar por aquilo. neca que tanto queria. Começou a mas já há projetos que implementam Robéria ainda acrescenta que, vender seus próprios desenhos para essa metodologia em algumas escolas para um bom desenvolvimento do amigos e família. Para os interessado Brasil. aluno, a participação dos pais é funda- dos, o desenho colorido sai por R$1 Segundo a assessora pedagó- mental. “Tudo que as crianças apren- e o preto e branco R$0,50. “Eu acho gica do programa pedagógico DSOP dem em sala de aula é levado para muito legal que a gente vai juntando (sigla para “Diagnosticar, Sonhar, Or- dentro de casa e, em contrapartida, dinheiro pra depois fazer alguma coiçar e Poupar”), Robéria Moreira, 36 tudo que elas aprendem em casa com sa que a gente quer muito. A minha anos, a disciplina deve ser implemen- os pais é, de certa forma levado para a sala tá juntando pra gente ir para um tada o mais cedo possível na vida das escola”. Por isso são disponibilizados sítio”.
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Crianças protegidas, pais produtivos Acompanhamos a rotina da creche Aconchego, no centro de São Paulo, que recebe diariamente 84 alunos Caio Meneghello Pedro Carrijo
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aprendizado e o cuidado são muito importantes para as crianças e seus familiares em sua formação. No Brasil e no mundo, as creches públicas têm uma grande responsabilidade sobre essa questão. Porém, como nós sabemos, nem todas as crianças tem esse direito: de acordo com uma matéria da Folha de SP publicada em 20 de abril deste ano, a prefeitura registrou que 312 mil crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas e mais de 58 mil estão sem vagas. Ana Paula Soares dos Santos, 34 anos, deixa seu filho, Pedro Henrique Soares, de 5 anos, na creche pública de seu bairro de segunda a sexta-feira. “A creche é muito importante, pois eu trabalho o dia inteiro, não teria tempo de ficar com ele. Lá tem uma merenda boa, os amigos, os professores. Gosto que ele tenha uma relação social e não fique só com as pessoas que tem dentro de casa. Ele aprende e se diverte ao mesmo tempo”, ressalta Ana. Perguntamos a ela sobre os profissionais da creche: “Gosto muito de todos, todo ano trocam os professores, o que acaba sendo ótimo pois ele (Pedro) não se apega a um só. Eles têm uma maneira bem legal de ensiná-los. Eu não conseguiria ensinar daquele jeito. Por conta deles confio muito na creche, estou tranquila”, diz. Para levantar algumas questões, fomos até a creche Aconchego, unidade pública, localizada na rua Avanhandava, Bela Vista, que recebe diariamente 84 crianças em 17 salas de ensino bem estruturadas e conta com um total de 20 funcionários. “A creche entra com um papel não somente de educar, mas também de formar bons cidadãos, ter caráter e respeito”, diz a coordenadora Rosicleide Pirer Saluiano. Ela completa: “A base das crianças começa aqui. Nós da Aconchego trabalhamos em
Coordenadora Rosicleide ao lado da Mostra de arte na Creche Aconchego
período integral para também ajudar as famílias que trabalham o dia inteiro e acabam tendo pouco contato com os filhos”. Rosicleide ainda nos contou um pouco sobre o auxílio que a prefeitura manda para a creche: “Vamos entrar num assunto um pouco complicado agora. Graças a Deus nossa creche recebe doações de colaboradores, se não fosse essa ajuda, ficaríamos na mão apenas da prefeitura, o que deixa a desejar principalmente na parte alimentícia. Hoje, por exemplo, recebemos três cachos de bananas para 84 crianças. Não é suficiente.” Em setembro, a partir das informações do Ministério da Educação, o governo federal pretendia dobrar os recursos para a alimentação nas creches públicas, o que antes era de R$0,22 por aluno, passará a ser R$0,44. Percebemos o descontentamento da coordenadora ao falar do apoio da prefeitura, então perguntamos sua opinião sobre o sistema público de ensino no Brasill: “Na minha opinião, o ensino está em decadência. Os assuntos que deveriam ser abordados na escola, como política ou economia, são retirados, então quanto mais eles (governantes) tira-
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rem melhor, pois quanto menos gente souber sobre política e finanças, mais votos eles terão. Além disso, quando tem que investir em alguma coisa, eles sempre acabam tirando da educação e da saúde. Já é pouco, assim fica quase nada. Infelizmente o ensino não está fazendo com que os alunos cresçam”. Quando fomos visitar a creche, algumas atividades baseadas em pintores famosos feitas pelas crianças estavam em uma mostra no pátio: “Essa mostra nós temos todo ano, sempre no início de setembro. Trabalhamos com elas com base nos artistas, assim, fazemos arte e passamos conhecimento para as crianças”, conta Rosicleide. Os pais que quiserem colocar seus filhos na creche Aconchego devem seguir algumas instruções: “Primeiro devem trazer um cadastro, geralmente é solicitado comprovante de residência com CEP, certidão de nascimento da criança, RG e CPF dos pais. Assim, inserimos esses dados no sistema da prefeitura e eles montam e distribuem as crianças nas duas unidades das creches Aconchego de acordo com o número de vagas. A fila de espera aqui é realmente grande”, diz Rosicleide.