JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ED. 203 - OUTUBRO / 2018
IDOSOS QUE FOGEM DAS ELEIÇÕES - p. 8 LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:
A VOZ POLÍTICA DOS MORADORES DE RUA - p. 5 A CULTURA DA “QUEBRADA” ESTÁ VIVA - p. 9
12,7 MILHÕES QUEREM UM EMPREGO
Por Patrícia Vilas Boas - p. 14
OS JOVENS TAMBÉM BUSCAM O PODER - p. 10 A DURA VIDA DOS VENDEDORES AMBULANTES - p. 11
Adolescentes escolhem não votar Quem são os jovens de 16 e 17 anos que, mesmo tendo o direito, decidem não tirar o título de eleitor boa clareza das coisas. É claro que não plenamente, mas há, sim, condições”. Apesar disso, tanto Marcela quanto Izabele destacam que esses adolescentes estão, sim, aptos a votar e que essa aptidão está relacionada a uma questão socioeconômica. “Eles têm maturidade, principalmente aqueles, na classe média/alta, que têm total acesso às coisas e podem se informar de uma maneira muito mais fácil do que as pessoas de classe mais baixa”, diz Marcela. Grande parte desses mesmos jovens não tem o costume de acompanhar notícias por meio de jornais, televisão ou sites da internet. Marcela e Thiago, por exemplo, só seguem os acontecimentos diários por meio da família ou de suas redes sociais. “O pouco que eu acompanho Paulo Silvino Ribeiro, da FESPSP, diz haver um sentimento de deserença entre a juventude é com a minha família, do que eles conversam na hora do jantar ou em Camila Zanetti não vejo em quem votar e isso acaalguma reunião familiar”, diz Thiago. bou influenciando na minha escolha”. Luisa Cury Por outro lado, para Izabele, é imporA falta de esperança de que o tualmente, há no Brasil 3,8 tante se informar no mínimo sobre a milhões de menores de 18 Brasil evolua também faz com que josituação política atual do nosso país. anos aptos a votar. Segundo vens como Thiago Barragan, 16 anos, “Acompanho notícias a respeito das o Tribunal Superior Eleito- estudante do terceiro ano da Escola eleições ou sobre política por achar ral (TSE), contudo, apenas 2 milhões Nossa Senhora das Graças, não queiimportante esse conhecimento”. destes fazem parte das estatísticas ram fazer parte do eleitorado enquanAlém dos jovens com 16 e 17 do eleitorado. Em 1989, primeiro ano to a votação não é obrigatória. “Não anos, pessoas de 70 anos ou mais e em que os adolescentes com 16 ou tem mais volta para o que a gente era. analfabetos também não são obriga17 anos puderam participar das elei- Um país certinho, com as contas em dos a votar e não precisam justificar ções brasileiras, eles contabilizavam dia. Acho difícil um candidato mudar as respectivas ausências nas eleições. 3,1 milhões, ou 2,9% do eleitorado. tudo para o normal de novo”. O sociólogo Paulo Silvino RiEm 2008, esse grupo de adolescentes de 16 e 17 anos representava 2,1% beiro, da Fundação Escola de Sociodo eleitorado. Hoje, dez anos depois, logia e Política de São Paulo, acredita Jornal-Laboratório dos alunos do que os jovens não só se sentem descorresponde a somente 1,3%. 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Muitos jovens optam por não motivados com a política hoje, o que Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. tirar o título de eleitor antes de atin- faz com que não queriam votar, mas As reportagens não representam a opinião do girem a maioridade. Eles alegam não que há também um fator geracional. Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e saber quem eleger e, por isso, preferi- “Cada vez mais, lamentavelmente, entrevistados. ram não votar esse ano. Marcela Sar- o individualismo se torna uma coisa mento, 17 anos, estudante do terceiro muito mais orientadora da vida do Universidade Presbiteriana Mackenzie ano do ensino médio da Escola da Vila, que o espírito público”, diz o profesCentro de Comunicação e Letras coloca que acabou “meio naquilo de sor. Em meio a tudo isso, Thiago faz a Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno achar que eu não ia saber em quem seguinte afirmação sobre o perfil de Coordenador do Curso de Jornalismo: votar. Quando fossem as eleições ia sua faixa etária “Acho que a maturiRafael Fonseca dade não está bem desenvolvida para acabar votando em branco”. Supervisor de Publicações: A instabilidade atual da políti- escolher um governante”. Paulo, ao José Alves Trigo Editor: André Santoro ca brasileira também é um fator que contrário do estudante, acredita que pesa na hora de escolher tirar ou não esses jovens são maduros o bastante Impressão: Gráfica Mackenzie o título, como diz Izabele Liberato, 17 para adentrarem a vida política. “Aos Tiragem: 100 exemplares. anos, estudante da mesma escola. “Eu 15, 16, 17 [anos] a gente já tem uma
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O centro (ainda não foi) revitalizado As últimas gestões municipais não avançaram nos projetos de requalificação da região Caroline Priami
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centro de São Paulo agrega muitos pontos históricos, como o Mosteiro de São Bento, o Pátio do Colégio e a Praça da Sé. A região é de fácil acesso, pois conta com estações de metrô, trens e pontos de ônibus. Foi pensando nisso que vários prefeitos que estiveram no poder tentaram criar projetos de revitalização do centro, porém todos foram engavetados ou pararam no meio do caminho. Em 2011, o ex-prefeito Gilberto Kassab apresentou o Projeto Nova Luz, que a princípio previa a requalificação de 45 quadras e duas praças do centro da cidade. Em 2013, Fernando Haddad, atualmente candidato à presidência pelo PT, assumiu o poder e engavetou o Projeto Nova Luz, alegando que o plano de Kassab era economicamente inviável. Em seu mandato, Haddad apostou em projetos de PPP (parcerias público-privadas) e o ponto alto nesse quesito foi a reforma do Anhangabaú, que tinha o objetivo de melhorar o fluxo de pedestres e promover atividades na região. O projeto previa a construção de cafés, pista de dança e um espelho d’água. No final do ano passado, João Doria, atualmente candidato a governador do estado pelo PSDB, acolheu um projeto de revitalização do centro com a ajuda da iniciativa privada. O projeto ganhou o nome Novo Centro e previa a criação de bulevares, verticalização de áreas, construção de edifícios “icônicos” e a criação de uma linha que funcionaria como uma rota entre locais como a Pinacoteca, galerias comerciais, Sala São Paulo e Teatro Municipal. Uma das marcas do projeto seria a criação de áreas de convívio no entorno de estações de metrô e, pensando nisso, foi inaugurado, em junho, o Pátio Metrô São Bento. Situado no centro da cidade, o shopping está localizado aos pés do
O Largo de São Bento é um dos locais que passam pelo processo de revitalização
mosteiro de mesmo nome, um dos principais cartões postais paulistanos. Isabella Parron, gerente de marketing e ações culturais do local, conta que o maior obstáculo do projeto é mudar a visão que as pessoas têm do centro de São Paulo, normalmente associada à ideia de sujeira, insegurança e degradação. A gerente conta que o objetivo do “open mall”, é modernizar o espaço, oferecendo conforto e segurança em um local bonito e agradável, que tem o privilégio de contar com o fácil acesso ao metrô. “A cultura é uma das melhores maneiras de dialogar com a cidade e com os paulistanos, por isso contamos com uma vasta programação cultural oferecida de forma gratuita, como o concurso de música de rua Toca Aí” diz Isabella. Odivaldo Sousa da Silva, responsável pelo planejamento e desenvolvimento do shopping, diz que o Pátio Metrô São Bento reconhece a vocação cultural do empreendimento. “Conseguimos uma concessão pública do metrô e o local passou por uma grande reforma, mas o principal objetivo não é colocar apenas lojas”, diz. Ele ainda conta que, para ele, a maior
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falha dos projetos dos ex-prefeitos foi eles terem sido pensados no “macro”, deixando passar alguns detalhes. “Eles tiveram ideias incríveis para o centro, mas tinham que ter pensado que, antes de revitalizar o centro, de dar moradia para as populações carentes, tinham que ter dado trabalho e condições para essas pessoas viverem, além de uma boa educação”, diz. Segundo a arquiteta Simone Gatti, que também é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o direcionamento das políticas públicas municipais atende a interesses das ambições eleitorais, pactua com acordos políticos importantes, beneficia-se com alta lucratividade os interesses e atores privados e acaba por transformar lugares degradados em áreas enobrecidas e higienizadas, transformando a cidade “feia” na cidade “bonita”. Com isso, os moradores de rua ocuparão áreas distantes ou voltarão a ocupar novas áreas precárias do centro a serem demolidas em um futuro próximo. “Isso se transforma em uma bola de neve que é jogada para longe ou para os cantos, mas que parece invisível, mesmo crescendo a cada dia” diz.
As redes sociais na berlinda Às vésperas das eleições, notícias falsas estimulam discurso de ódio na internet Geovani Bucci
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ecentemente, na ânsia de difamar ou sustentar ideologias políticas, têm se criado e compartilhado cada vez mais fake news em redes sociais como Facebook e Whatsapp, o que incita cada vez mais comentários agressivos e discursos de ódio. Há menos de um mês, o deputado federal Carlos Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República, fez uma publicação em sua página oficial do Facebook e no seu Twitter alegando que a letra “P” de “Pedofilia” havia sido adicionada à sigla LGBTQ+. A mensagem vinha seguida de um print de tela de uma publicação de 13 de julho de uma página de “É necessária uma maior educação sobre o consumo de notícias”, diz Victor, da FGV Instagram chamada “Opinião Conservadora”. O autor da página, por sua uma relação direta entre as notícias peito disso”. Quando indagado se tem vez, se define como “um zoeiro sem falsas e os discursos de ódio, segundo o hábito de verificar as informações limites que ama o politicamente incor- ele. “Está sendo debatido um conceito que recebe, ele não respondeu. O comentário do internauta reto”. Logo depois, a informação falsa jurídico de discurso de ódio. O discurcontinuou sendo reverberada por Jair so tem que estar ligado a uma minoria na publicação era: “primeiramente eles Bolsonaro e até Danilo Gentili, que vulnerável para ser considerado ódio querem desconstruir os parâmetros compartilharam matérias tendencio- no sentido técnico-jurídico, como con- de certo e errado e de família, depois sas e com fontes duvidosas a respeito tra os LGBTs, por exemplo”, afirma o disso vão nos dividir, invadindo o nosso espaço e colocando uns contra os do assunto. Entretanto, a Comunidade pesquisador. Anderson Fonseca, que não outros”. Em julho deste ano, segundo a LGBTQ+ nega qualquer possível associação com a pedofilia, visto que a letra tem fotos nem maiores informações Agência Reuters, o Facebook afirmou P, na verdade, se refere aos pansexuais. a respeito de si, aparentando ser mais em um comunicado que desativou 196 Nos milhares de comentários, um robô do que um perfil verdadeiro, páginas e 87 contas no Brasil por sua compartilhamentos e retweets da pos- comentou no post citado anterior- participação em “uma rede coordenatagem do filho de Bolsonaro, em sua mente: “passou da hora de começar a da que se ocultava com o uso de conmaioria, há ódio contra os gays. Co- fazer a limpa”. Weslley Marcio Lopes tas falsas no Facebook, e escondia das mentários comparando-os a vermes e escreveu: “Solução simples: execução pessoas a natureza e a origem de seu acusados de serem criaturas do infer- sumária!”. Rodrigo Carvalho, que tinha conteúdo com o propósito de gerar no enviadas para destruir a família de comentado “tudo o que vem da es- divisão e espalhar desinformação”. querda é lixo, querem destruir a família O pesquisador da FGV tem bem. um pouco de receio desta medida: Para Victor Nóbrega Luccas, tradicional”, Ao ser questionado sobre “Às vezes, o que você faz para impedir advogado e professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV), um dos motivos sua opinião a respeito do assunto, o que algo se propague acaba gerando o pelos quais as pessoas fazem isso por- internauta Victor Gomes, que se ofe- efeito contrário, pode virar notícia só que é por ser um modo fácil de conse- receu para responder, disse que “não porque foi ocultado”, diz. Para evitar a guir votos para o candidato de seu in- podemos aceitar a pedofilia, se já é pe- sua divulgação é necessária uma maior teresse. “Além disso, há pesquisas que sado para um adulto, imagina um ser educação sobre o consumo de notíindicam que as fake news acabam por inocente que não tem nem como se cias e verificar a fonte das informações. ser compartilhadas mais rapidamente defender!”. Estava tudo bem até reve- “A maioria das pessoas não tem esse pelo estímulo emocional que causam larmos que era uma fake news:“eu não hábito, e isso é o maior problema”, em quem lê”, diz. Entretanto, não há sabia não, vi em mais de um lugar a res- conclui Victor Luccas.
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Política para quem não tem voz Ouvimos a opinião de moradores em situação de rua sobre as eleições de 2018 Bruna Rios Laura Quadros
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o país da “pátria amada”, em 2015, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 101.854 pessoas ocupavam as ruas do Brasil como suas casas. Invisíveis aos olhos da sociedade, sofrem com o preconceito e são negligenciadas pelo poder público. Em ano de eleições, excluídos também das urnas, os moradores de rua seguem sob o estereótipo de que são ignorantes e não se importam com esse assunto. Numa terça-feira de agosto, na estação Marechal Deodoro, nos deparamos com um grupo de moradores de rua e entre eles tivemos a oportunidade de conversar com Cícero e Leandro, que nos provam o contrário. Ambos têm título de eleitor e opiniões concretas sobre política. Quando questionado sobre quem seria seu candidato, Cícero, 38 anos, sem hesitar, responde: “Eu voto no Doria, porque ele sempre ajudou o morador de rua, tem morador de rua que acha que não está sendo ajudado, mas esse CTA que existe é tudo por causa dele”. Os CTA são os Centros Temporários de Acolhimento criados em 2017, durante a gestão de João Doria (PSDB). As 19 unidades espalhadas pela cidade oferecem mais de 4.000 vagas para moradores de rua. Leandro, 40 anos, interrompe-o: “Grande coisa! A classe que tem que ser ajudada não é só o morador de rua, é o Brasil inteiro. Se o cara ajuda uma classe e não ajuda a outra, ele é ruim do mesmo jeito. Se ele ajuda você e você vota nele, ele está sendo corrupto, comprado”. Cícero insiste: “Eu sou Doria”. Ao falar em quem pretende votar, Leandro afirma não estar totalmente decidido, mas diz que procura fazer a melhor escolha, procurando alguém que olhe as classes como um todo. Ele afirma: “Tem que dividir”. Ao ser questionado sobre as principais melhorias que o ano de 2019 precisa, Leandro não conse-
gue responder. “É tanta coisa que eu tô com dificuldade de resumir”. Dentre os principais motivos que levam tantas pessoas à situação de rua, segundo uma pesquisa nacional realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social entre os anos de 2007 e 2008, encontram-se o alcoolismo e/ou o uso de drogas (35,5%), desemprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%).O último censo, feito em 2015, apontou que 15.905 pessoas vivem em situação de rua na cidade de São Paulo. No ano seguinte, a gestão da capital disponibilizou 79 centros de acolhida (que não são temporários), atendendo cerca de 10.000 pessoas. Entre os moradores de rua, 16,7% são analfabetos e, por isso, muitos não sabem utilizar a urna. A voz do que parece ser um outro Brasil segue escondida, já que muitos não podem votar e outros tantos não conseguem exercer esse direito por estarem sem a documentação adequada. Para Leandro, entretanto, essa realidade parece distante. Quando o assunto é política, ele está bem informado e aproveita
para fazer uma crítica à corrupção. Diz que muitas vezes o erro não está no governo e que a falta de honestidade começa desde “pequenininho”. Quando o assunto “esperança” vem à tona, Leandro desabafa: “Não tem nada a ver com política. Tem a ver com o amor, as pessoas ajudarem umas às outras, bondade, solidariedade”. Mais uma vez, a ideia de que a falta de perspectiva não gera expectativa é quebrada. A Constituição prevê a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Mas os dados provam o contrário, pois existe uma grande parte da população escondida em esquinas, becos, embaixo de pontes e há quem troque o voto por comida. Porém, atrás dos cabelos desgrenhados e olhos cansados, há um povo preocupado, indignado, mas com esperança. No fim, Leandro suplica: “Gente, melhora, muda, porque eu sou religioso e eu creio que Jesus está voltando”. Cícero, por sua vez, não quis virar o disco: “Doria vai ganhar de novo”.
Cícero Felix e Leandro Sanfer, moradores de rua da cidade de São Paulo
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Com ou sem partido? Projeto que combate suposta doutrinação ideológica no ensino gera polêmica entre políticos e educadores Ana Paula Lino Julia Carmona
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bordar política em escolas é um assunto que divide a opinião pública, o que faz com que seja um tema de debate no Congresso. Um dos principais itens dessa discussão é o Programa Escola Sem Partido (ESP), discutido desde 2015, que defende que professores devem se abster de expressar opiniões políticas, chamando-as de doutrinação. Até 2017, a maioria dos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional eram anteprojetos inspirados no Programa original. O intuito era colocar limites na atuação dos professores e determinar a afixação de cartazes em salas de aula para mostrar aos alunos os seus direitos de não serem influenciados por ideologias. No estado de Alagoas, em abril de 2016, um anteprojeto intitulado “Escola Livre” foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Mas a decisão foi suspensa pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, após a Corregedoria-Geral da União alegar que o projeto era inconstitucional, pois o estado não poderia legislar em um assunto da Federação. Em entrevistas para outros veículos de comunicação, Miguel Nagib, fundador e líder do movimento Escola Sem Partido, já falou que sua preocupação em 2018 eram as eleições e como elas afetariam o ensino no Brasil. Ele diz que muitos professores poderiam se aproveitar do momento para fazer campanhas políticas a favor de certos partidos. Para Diego Blanco, 28, professor de Filosofia na rede pública estadual de São Paulo, “discutir política é exercer sua cidadania”. Ele é contra o Programa Escola Sem Partido e realiza debates políticos com seus alunos, além de, quando necessário, deixar clara suas preferências partidárias, ressaltando que “ninguém é obrigado a concordar”. Para Diego, a escola é
Diego Blanco, professor de Filosofia na rede pública de São Paulo
um espaço aberto para o diálogo plural onde todos podem ter base para sua formação política. Já Eliane Mello, diretora de Ensino Médio da escola Nossa Senhora das Graças, comenta que dá liberdade aos seus professores para abordarem política com os alunos, mas com “a orientação de que o professor não passe a sua ideologia e fale somente do aspecto geral”. Existe uma certa confusão quanto à abordagem política nas escolas. O que seria isso? Apontar partidos e nomear candidatos? O professor Diego define da seguinte maneira: a formação política é dar ao aluno a possibilidade da discussão, já a educação ideológica, é colocar uma ideia única e fechada como a certa. Tanto ele quanto Eliane defendem a formação política, que para Eliane é “educar bem para eles [os alunos] terem argumentos que provem porque pensam de forma diferente”. Além das opiniões de ambos como cidadãos, eles também analisam as questões práticas. Dar aulas de Ciências Humanas sem abordar política é algo pouco plausível para Diego Blanco. “Geografia tem geopolítica; em história você precisa entender a
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política para conseguir entender o contexto histórico daquele momento; e sociologia é pura política”. Eliane Mello tem uma opinião parecida sobre o assunto alegando que é preciso mostrar aos alunos o que está acontecendo no Brasil para eles entenderem o que é falado na escola. Outro ponto em comum é a da descrença em relação ao artigo 5o do cartaz do Projeto ESP, que diz que o professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. Ambos argumentam que escola e família devem andar juntas, mas “não dá para comparar a moral da escola com a da família, são diferentes”, diz Diego, para em seguida explicar que a escola tem pessoas diferentes interagindo no mesmo ambiente. Ainda segundo ele, certos princípios já são seguidos por qualquer professor com bom senso e, afinal, as escolas precisam ter a liberdade de formar um cidadão. Apesar de tudo idealizadores do projeto afirmam que defendem algo que consta na Constituição Federal e na Convenção Americana dos Direitos Humanos, embora esta última alegue que o projeto a viola.
Vamos falar de suicídio? A cidade de São Paulo possui órgãos que ajudam na prevenção Bárbara Souza
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revenção ao suicídio é um assunto que deve ser discutido com a população. Cerca de 30 países do mundo têm programas de prevenção, mas mesmo assim 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos, de acordo com a OMS. Ainda segundo a Organização, 5,8% da população brasileira sofre de depressão, ou seja, pouco mais de 12 milhões de habitantes. Além disso, o Brasil é o 8º país com mais números de suicídio no mundo. Em São Paulo, os programas de prevenção ao suicídio vêm ganhando visibilidade, e há órgãos que trabalham em parceria com a prefeitura da cidade e de localidades próximas, como a ASEC (Associação pela Saúde EmocioMarcelo Caro, coordenador do CAPS Infantil, que ajuda na construção do convívio social nal das Crianças), o CVV (Centro de Valorização da Vida) e o CAPS Infan- Santo André e Antônio (ele não quis de seu vínculo com a prefeitura, tratil (Centro de Atenção Psicossocial). revelar o sobrenome), responsável balhando juntamente com Unidades Além deles, o Corpo de Bombeiros do pela divulgação, explicam: a ajuda não é Básicas de Saúde (UBS), o SAMU e Estado de São Paulo também tem sua dada como um tratamento psicológico, com os Serviços de Assistência Social. mas sim com uma conversa, e sempre Marcelo diz que o CAPS é uma “ponparcela de ajuda nessa questão. A ASEC surgiu em novembro “visa com seriedade o sigilo”, como te” para a cidade, pois há um diálogo de 2004, fundada por Tânia Paris, com disse Antônio, estabelecendo uma re- com ela e ele trabalha com convívio o objetivo de desenvolver as habilida- lação de confiança. Ele também diz que social. Todo o trabalho é feito por fundes emocionais e sociais das crianças. “quando a pessoa procura a gente ela cionários de diversas áreas, da saúde Tânia explica a importância de ensiná- tem que sentir que o clima é de sigilo ou não. Uma das propostas do Centro é construir uma cultura que abrace a -las a lidar com as emoções, para que e de tranquilidade” O presidente do CVV, Robert expressão de sentimentos poucos vaevitem atos impulsivos e aprendam a lidar com a dor. A fundadora também Paris, explica que o suicídio é um pro- lorizados, de maneira que as pessoas explica que trabalham a importância cesso e que deve ajudar sem julga- se sintam seguras para desabafar, evida criança, melhorando sua autoesti- mento. Ele explica quais são os sinais tando assim algumas situações. Outra ajuda vem do Corpo ma, sua confiança, seu autocontrole e de alerta que precedem a tentativa de suicídio, como mudanças de comporde Bombeiros do Estado de São Pauas habilidades de criar soluções positivas. As ensinam a valorizar a vida, en- tamento, desfazer-se de pertences e lo, que tem um treinamento específico frentando-a e a fazer escolhas certas, e ameaças diretas sobre suicídio. O CVV para atender pessoas que tentam o para isso criaram o “Passaporte”, que promove o Setembro Amarelo, mês da suicídio, criado pelo Capitão Diógenes é um programa de educação emocio- prevenção ao suicídio, e a Prefeitura Munhoz em 2016. Ele explica que foi nal, dividido em 18 aulas, que ensina os de Santo André abriu os braços para a necessário desenvolver uma nova tácampanha eforneceu palestras e rodas tica para esses atendimentos, pois a jovens a lidar com dificuldades. distração do tentante (palavra que ele Já o CVV é uma ONG de apoio de conversa à população. Na cidade de São Paulo e arre- mesmo usa) pode causar um trauma emocional e prevenção ao suicídio. Foi fundada em São Paulo em 1962 e hoje dores, também existe o CAPS Infantil, maior ainda. Já são formados 187 aborpossui 90 postos de atendimento. A que atende crianças com sofrimento dadores no Estado de São Paulo. Para ONG conta com uma equipe de 2600 psíquico. O coordenador do CAPS, realizar o curso, o Capitão trabalhou voluntários, que atendem via Skype, Marcelo Caro, explica que eles têm com psicólogos, psiquiatras e teve ajuchat, e-mail e pelo Disque 188. Milton o objetivo de ajudar na construção da do CVV para aprender como lidar Kagohara, coordenador do CVV de da autonomia e convívio social. Fala com a situação.
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Idosos que fogem da urna Em tempo de polarização política, alguns eleitores mais velhos preferem não votar Edward Pepe
Lourdes com seu título de eleitor em sua casa, na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo
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m 2018, o Brasil se encaminha para uma eleição presidencial muito disputada, com os setores da sociedade divididos. No entanto, alguns idosos preferem ficar distantes da polarização que se instaurou no Brasil e não comparecer às zonas eleitorais para votar. Esses senhores e senhoras têm como garantia o artigo 14 da Constituição Federal, que diz que o voto é facultativo para maiores de 70 anos. De acordo com dados do TSE, houve um aumento de 11,12% no número de eleitores maiores de 70 anos para as eleições de 2018. Em 2014, foram 10,8 milhões contra os 12 milhões deste ano. Isso ocorre devido ao envelhecimento da população, fenômeno semelhante ao que acontece em países europeus. Com isso, a ausência desses votos pode se tornar ainda mais significante. E esse aumento vem atrelado a outro problema: o desinteresse da população em votar. De acordo com dados da pesquisa Ibope do dia 02/08/2018, 61% dos entrevistados se dizem com “nenhum interesse” ou “pouco interesse” nas eleições de outubro. Áureo Agulha tem 79 anos e é proprietário de lojas no Mercado Municipal da Lapa. Durante seu trabalho no Mercadão, ele conta que é muito
comum os políticos irem no local às vésperas das eleições: “Estou nesse ambiente há 50 anos. Recebemos muitos políticos antes das eleições, mas depois eles desaparecem”. Nas últimas eleições presidenciais, ele e a esposa resolveram não votar por conta do descontentamento com a classe política e irão seguir essa linha em 2018. “Há algum tempo já venho pensando (em não votar). Não creio nos políticos, eu até tenho pena dos jovens. Aqui no Brasil, o sinônimo de político é roubar. É ladrão”, afirma o proprietário. Entretanto, ele acredita que, na verdade, o problema da corrupção não é exclusivo dos políticos. No Brasil, segundo ele, prevalece “a Lei de Gérson, com todos sempre querendo levar vantagem em tudo”. “O político chega em mim, aperto a mão dele. ‘Você vai votar?’, pergunta o político. Digo que voto para todos, mas não voto em nenhum. É só para dar uma satisfação, não ser mal-educado. Teve o aniversário do mercado agora, e o dia do aniversário foi o dia dos políticos. Eu nem estava nesse dia. Graças a Deus”, diz. Maria de Lourdes Faustino de Melo, de 82 anos, é aposentada e diz que nessas eleições também não irá votar. “Não tenho mais idade para ser obrigada a votar. Tenho 82 anos. Não
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estou interessada em nenhum desses candidatos”, afirma. No passado, a senhora explica que não tinha partido político, o seu voto era pelo candidato: “Eu votava mais por simpatia, na pessoa que eu já escutava, que já era conhecida. ”. Hoje, Lourdes acredita que a classe política está bastante deteriorada, além de crer que seu voto não irá fazer diferença nenhuma. Assim como Áureo, ela se diz desacreditada com a classe política: “Não dá para a gente acreditar no que eles falam e, quando eles são eleitos, não fazem nada do que prometeram”. Quando questionada sobre como chegou a essa decisão de não votar, ela afirma: “Acho que é da idade. Não acredito mais nesse povo”. Paulo Silvino Ribeiro, 36 anos, é professor de Sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) e diz que a palavra que explica o fato dos idosos perderem o interesse no voto é a frustração. Segundo ele, assim como os jovens, os mais velhos estão descrentes e descontentes com as instituições democráticas. “Os mais idosos viram várias fases da política brasileira. Eles estão cansados de lutar por mudanças”, diz.
Áureo Agulha na sua casa, em Perdizes
Quebrando barreiras, unindo quebradas Como a ONG “A Banca Juvenil” traz protagonismo ao jovem periférico por meio da cultura hip-hop Julia Beraldi
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ão Paulo, uma das maiores cidades do mundo, abriga cerca de 12 milhões de habitantes. E tem uma variedade de culturas proporcional ao seu tamanho. Uma delas é o hip-hop, composto por quatro manifestações artísticas: DJ, MC, grafite e beboy. Mas isso é uma representação rasa, pois o hip-hop é, na verdade, um estilo de vida. E ajuda a romper os ciclos de violência, por meio da arte, para resolver os conflitos e gerar respeito entre os moradores das regiões periféricas, onde essa cultura se mostra mais forte. Entender o contexto da cultura hip-hop é o primeiro passo para compreender o trabalho da ONG “A Banca Juvenil” e como ela ajuda a superar a violência de um dos bairros mais perigosos do mundo de acordo com a ONU, o Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, que tem intenso tráfico de drogas, conflitos de gangues e violência generalizada. A região continua sendo perigosa, mas o índice de criminalidade tem caído graças a alguns projetos que nascem na própria periferia. O projeto da banca, que começou dentro de uma garagem, tinha a finalidade de organizar shows de rap dentro do próprio bairro, e com isso se tornou um precursor de melhoria dos índices de violência da região, além de fortalecer a identidade do jovem marginalizado, a inclusão e o empreendedorismo pessoal. Os protagonistas desse projeto são Marcelo Rocha (DJ Bola), Daniel Bruno, Fabiana Ivo, Evellyn Gomes e outras figuras que administram áreas diferentes da Banca, na parte administrativa, financeira, educacional, mas todas sempre voltadas para aquilo que mais move a organização, que é a própria cultura hip-hop. No espaço da organização ocorrem aulas de alguns instrumen-
Equipe da Banca junto ao artista Curumin, arrumando os equipamentos musicais
tos (guitarra, violão, bateria), palestras, rodas de conversa e atividades culturais, todas gratuitas. Um dos objetivos é influenciar os jovens a acharem uma vocação para suas vidas, e os ensinar como empreender para que todos possam ser bem-sucedidos profissionalmente, rompendo com os ciclos viciosos de acesso à cidade e desconstruindo uma cultura que mais divide do que une São Paulo. Os jovens que fazem parte da Banca encontram uma sensação de pertencimento, de acolhimento e de auxílio na descoberta de identidades. Além disso, a Banca tem como seu objetivo principal mostrar a voz da periferia, apresentando seu trabalho para uma cidade dividida em bairros e tribos que parecem não fazer questão de se interligar. Então, para que boa parte de seu projeto fosse realizado, foi necessário que a equipe da Banca quebrasse barreiras pessoais, interagindo com a “galera do outro lado da ponte”, como eles dizem, e ouvindo o que eles tinham a dizer. “A gente chegava na escola particular, para realizar um trabalho, e nosso primeiro contato era com o segurança que barrava a gente, nem
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dava bom dia e já falava ‘a entrega é lá atrás’”, disse Daniel Bruno, vice-presidente da Banca. A conquista do incentivo da Lei Rouanet, segundo eles, também foi bastante difícil. Nas palavras dos integrantes do projeto, aquilo, “não era para nós”, pois só artistas de grande porte (e que não fossem das “quebradas”) pareciam conseguir financiamento pela Lei. Depois de muita batalha, em 2011 a Banca conseguiu emplacar um projeto. E nos quatro anos seguintes eles se dedicaram a estudar e captar recursos, até que, em 2015, conseguiram realizar o evento “hip-hop conectando quebradas”. Hoje em dia, a produtora de impacto positivo “A Banca Juvenil” é uma pessoa jurídica que tem seu próprio processo de aceleração para projetos sociais que nascem na periferia. E tudo isso, segundo Marcelo Rocha, criador do projeto, com muito estudo e força de vontade. “Para crescer de onde a gente veio não tem que só querer, tem que querer muito mesmo”, disse. Em um dos bairros onde mais morrem jovens em São Paulo, a vontade, segundo eles, “foi sair da quebrada e olhar para ela, para que a gente possa viver o sonho”.
Os jovens querem o poder A trajetória, as dificuldades e o pensamento daqueles que militam e buscam ocupar o cenário político
Rafael Auad, candidato a deputado estadual de São Paulo pelo PSD
na direita: lutar pelos princípios de sua ideologia e mudar o cenário. A diferença se encontra tanto na ideoo desgastado e polariza- logia como na forma de fazer, trazer do cenário político atual, ideias e colocá-las em prática, seguna juventude anseia por do Rafael Auad, 26 anos, candidato a mudança. De acordo com deputado estadual de São Paulo pelo a consultoria Consumoteca, 58% dos PSD. “Não há nada de errado com jovens entre 17 e 21 anos militam por alguma causa, mas apenas 1,74% dos aqueles que não gostam de política, candidatos nas eleições de 2018 têm o único problema é que eles serão entre 21 e 24 anos e apenas 3,59% governados pelos que gostam”. Satêm entre 25 e 29 anos. O gigante muel Oliveira, 21 anos, candidato a pode ter acordado em 2013, com as deputado estadual de São Paulo pelo reivindicações e protestos. O jovem PCdoB, cita Platão ao comentar as percebeu que pode e deve participar. dificuldades que encontra para atrair É nesse contexto em que ele é intro- militantes. Falta, porém, que o partiduzido à militância política, geralmen- do chame essas pessoas. Os 58% que te nas escolas e nas faculdades, onde militam representam um contingente começa a incomodar-se com o que importante, mas isso não é o bastante. A mudança é feita, principalmente, está acontecendo. É o caso de Rafael Auad e Sa- por meio da filiação partidária e das muel Oliveira. Jovens, candidatos ao candidaturas. Para Rafael, a pessoa cargo de deputado estadual, começa- tem que sentir a vocação. “O jovem ram na militância com um desejo em que participa da política e tem vocacomum: a vontade de mudar o mun- ção para a coisa pública é aquele que do. Samuel foi apresentado à política vai ser um militante partidário de fato, pelo Movimento Estudantil do seu ou que vai atuar no terceiro setor, colégio e Rafael pelo Grêmio Estu- como numa ONG social, movimento dantil da POLI-USP. De perto, viram estudantil, entidade civil, ele se dedica as mudanças da participação jovem mais. Ele tem maior intensidade. Acho nas manifestações de 2013 e, por es- que os partidos políticos deveriam tarem desenvolvendo suas militâncias cativar os jovens que têm vocação. e candidaturas, sentiram uma abertu- Pois é no partido que se disputa uma ra e aceitação maior para se engaja- eleição para ocupar um espaço de poder e mudar a vida das pessoas”. rem na política. Para eles, a juventude deveria A militância tem, tecnicamente, o mesmo princípio na esquerda e ocupar mais a política. Atualmente o Giulia Alecrim Isabella França
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jovem deixa de participar pois não se vê incluído em medidas e discursos e não é representado por ideias ultrapassadas. Para Samuel, o anseio da sociedade pela juventude se deu (sic) “depois do golpe de 2016, porque de repente começou uma crise política e tudo virou um absurdo, e aí começou a se discutir mais. E a visão que ficou é que a política estava destruída e o que vai salvar é o jovem”. Para atrair jovens, Samuel os leva em atividades, congressos, e tenta apresentá-los ao seu sonho, participa da União da Juventude Socialista e, atrelada à candidatura, também participa de movimentos sociais de ONGs. Rafael tem um programa chamado “Juventude do PSD”, no qual realiza encontros entre jovens e chama lideranças para promover debates voltados para a qualificação do jovem. “É algo que precisa acontecer para você ter vida partidária e militância, pois você precisa ter uma agenda no partido que motive o militante a participar”. Os partidos diferem. Samuel é mais ligado a causas sociais, como a educação, maior reivindicação de sua candidatura. Rafael é liberal e reivindica mudanças que ajudem o micro e novo empreendedor. Sua militância atual é, principalmente, a mudança no voto distrital e na conscientização do eleitor.
Samuel Oliveira, candidato pelo PCdoB
Sobrevivendo no improviso Os ambulantes que buscam alternativas ao desemprego precisam lidar com a ilegalidade Gustavo Begue Urtzi Luppi
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m dos maiores problemas do Brasil é o alto índice de desemprego. Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), atualmente existem 27,6 milhões de brasileiros sem trabalho. Muitas pessoas nessa situação tentam a vida tornando-se vendedores ambulantes na expectativa de conseguir sustento para suas famílias, apesar de a atividade ser ilegal na maioria dos casos. Em São Paulo é muito comum encontrar ambulantes em vagões de trem ou de metrô, nos ônibus e nos espaços públicos em geral. Um dos segmentos que mais buscam o trabalho informal é o dos imigrantes. Quando não encontram emprego, começam a vender nas ruas. É o caso de Joshua, um peruano de 24 anos que arma sua barraca na região do Vale do Anhangabaú para vender produtos de artesanato. “Há quatro anos me mudei para o Brasil para cuidar da minha mulher e minhas filhas, que nasceram no Brasil. Fiquei algum tempo à procura de emprego, mas não consegui encontrar, então comecei a fazer minhas artes e vender nas ruas”, diz. Joshua não tem a licença necessária para vender na rua. “Já perdi minha mercadoria algumas vezes, é muito estressante sempre ficar de olho para ver se a polícia está por perto”, diz o peruano. Mas ele garante que essa é a única forma de sustentar a sua família no momento, já que não recebe oportunidades de trabalhar com carteira assinada. Questionamos o que acontecia quando ele tinha a mercadoria apreendida. “Eu basicamente recomeço do zero, preciso comprar tudo com o dinheiro do meu bolso”, diz. Além dos imigrantes, muitos brasileiros também tentam a sorte com as vendas nas ruas. Encontramos Nicolas, de 28 anos, vendendo fones de ouvido, carregadores, capas e películas para celulares, entre outros
Joshua, peruano de 24 anos, ao lado de suas mercadorias no Anhangabaú
produtos, no Viaduto do Chá, também na região central, quase em frente ao prédio da Prefeitura. Ele afirma que acabou de entrar nesse ramo, mas já garante que é “uma guerra diária com os policias”. Em menos de seis meses trabalhando, já teve suas mercadorias apreendidas duas vezes, mas nunca sofreu nenhuma agressão. “Graças a Deus não aconteceu isso comigo ainda”, diz. A realidade nos mostra desavenças entre as duas partes, policiais e ambulantes. Em uma madrugada de agosto, Francinaldo, ambulante há dois anos em São Paulo, foi agredido por policiais militares com cassetete, socos, chutes e xingamentos. Disse ter tido prejuízo com 16 carrinhos apreendidos, mas essa, segundo ele, foi a primeira vez que sentiu a repressão na própria pele. “Já haviam levado minhas coisas, já haviam me ameaçado, mas eu nunca tinha apanhado daquele jeito, foi traumatizante”, afirma. o vendedor. A prefeitura não autoriza esse tipo de comércio sem antes uma formalização. E uma lei federal proíbe a atuação dos ambulantes em áreas não autorizadas. Para entender o outro lado da história, abordamos um policial militar (que preferiu não se identificar) e perguntamos como era o protocolo: “Nós apenas seguimos o sistema judicial, não fazemos nada que
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não esteja dentro da lei”. Outra dúvida que fica na cabeça das pessoas é quem são as pessoas que chamam os policiais. Segundo o policial, “a maioria das vezes são as próprias lojas que têm em sua frente ambulantes” que ficam revoltadas por eles não pagarem impostos. Mesmo tendo que agir, ele afirma: “não concordo com a ideia do ilegal, não acredito que o cidadão esteja fazendo algo de fato errado. Em um país com o índice de desemprego tão alto, um cidadão de bem, que procura uma alternativa para dar sustento, mesmo que seja para si só, não deveria ser tratado como uma pessoa ruim, porém estão fora da lei e, nesse caso, tenho que intervir”. É comum a venda ambulante em grandes ruas da cidade de São Paulo, como na 25 de Março, onde trabalha Luiz Eduardo, 42 anos, dono de uma loja de eletrônicos que vende videogames, carregadores, capinhas de celular, películas etc. Ele se diz “indignado” com essa situação, não concorda com esse trabalho. “Além de ser ilegal, eles não pagam impostos como nós”, diz. Ele completa: “querendo ou não, eles vendem alguns produtos que eu também vendo, e mais baratos, abrindo uma concorrência injusta”. Luiz já ligou algumas vezes para a polícia para que retirassem os vendedores, mas foram poucas as vezes em que isso de fato aconteceu.
Público ou privado ? Quando for concluída, concessão do Pacamebu poderá afetar a vocação comunitária do clube Lucas Berretta
nada. Nós somos carentes de esporte para a população, de local desportivo, e o complexo do Pacaembu está pronto, é só reformar”. Ele complementa que a associação acredita que é necessário modernizar e arrumar, mas depois abri-lo para a população para algo desportivo”. O TCM (Tribunal de Contas do Município), que fiscaliza as ações e as contas do poder executivo municipal, suspendeu em agosto a concessão e não abriu os quatro envelopes com as ofertas para ganhar o direito, em mais um revés para a prefeitura. Procurada, a gestão atual não se pronunciou sobre a derrota, que impediu o aporte de ao 37 milhões de reais com a concessão. Tentamos contato com três construtoras, mas a única que respondeu – e explicou que não poderia comentar o assunto por conta das questões jurídicas envolvidas no processo – foi a CONSTRUCAP, empreiteira responsável pela construção do Templo de Salomão, sede da Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo.
Quadra de saibro do complexo esportivo do Pacaembu
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complexo esportivo do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, é sede de um clube com ginásios, piscinas e quadras que são abertas para a população associada, além de contar com o histórico Estádio Paulo Machado de Carvalho, também conhecido pelo nome do bairro. A Prefeitura de São Paulo há mais de sete gestões busca uma concessão ou uma privatização do local, o que, de acordo com vários especialistas, pode colocar em risco todo o complexo, o tombamento do bairro e a história da cidade, apesar de aliviar os custos municipais. O estádio já foi palco de partidas da Copa do Mundo de 1950 e de diversos títulos de clubes paulistas, dentre eles a Libertadores do Santos e a do Corinthians, clube que mais sediou jogos no Pacaembu, totalizando 1 690 jogos. O Palmeiras foi o mais
vitorioso, com 13 títulos conquistados no local. Conversamos com o atual Presidente do Conselho Deliberativo, Rodrigo Mauro, que explicou como funciona a entidade e contou sua história, além de falar sobre a ação judicial movida pela associação para questionar a forma da concessão e seu edital. O documento enviado à justiça listava oito principais itens, como a falta de participação popular no processo, o não cumprimento da promessa de uma cadeira no conselho gestor da concessão para a associação e a sentença judicial não transitada vencida em 2017 pelo “Viva Pacaembu”, que promete ao bairro sossego, saúde e segurança. Rodrigo questiona: “Por que não fazer o estádio um local de esporte? A cidade está cheia de shoppings, cinema, hotel, só que não tem nada de esporte para a população, Piscina com raias olímpicas atrás do Tobogã
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A reforma da discórdia Alterações do ensino médio dividem professores e especialistas em educação Marina Fusco
Professor Guilherme Gomes analisando as questões a serem abordadas na entrevista
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m fevereiro de 2017, o plenário do Senado aprovou a Medida Provisória que trata da Reforma do Ensino Médio. O texto foi aprovado por 43 votos favoráveis e 13 contrários e foi sancionado pelo presidente Michel Temer. Essa reforma tem vários pontos, mas os principais são: a intenção de fazer com que o aluno direcione seus estudos à área de maior interesse, a aproximação com o mercado de trabalho e a implantação de período integral em todas as escolas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio terá apenas três disciplinas obrigatórias: Língua Portuguesa, Matemática e Inglês. As demais entrarão nas áreas eletivas, ou seja, essas matérias se tornarão optativas. Quarenta por cento da carga horária será de aprofundamento em áreas específicas optativas e os outros 60% nas áreas obrigatórias. Como em toda reforma, há prós e contras. E para falar sobre essa mudança, entrevistamos Guilherme
Gomes, professor de filosofia no Colégio Ofélia Fonseca, uma instituição de ensino privada em Higienópolis, e na Faculdade Belas Artes, na Vila Mariana, e a pedagoga Solange Souza, que é coordenadora no mesmo colégio em que Guilherme leciona. Segundo Guilherme, existem aspectos interessantes e outros “perigosos” na reforma. Para ele, a retirada de algumas disciplinas pode gerar desequilíbrios. Ele vê a questão do período integral de forma positiva, mas no Brasil existem escolas que não têm muitos professores e muito menos banheiros e comida para oferecer. Nessas instituições, portanto, seria inviável oferecer o ensino integral. “As boas escolas particulares assimilam isso com mais facilidade do que as públicas. Em escolas privilegiadas, se pedirem para tirar a matéria filosofia, a escola não vai tirar, então os alunos não serão prejudicados como os de escolas da periferia”, diz. E completa: “Tudo vai influenciar a maneira pela qual o estu-
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dante se deixa a afetar pela escola”. Ele conclui afirmando que vê a reforma com cautela, pois as boas medidas vão ser implementadas de forma diferente nas escolas. Solange Souza diz que concorda com as mudanças propostas pela reforma, mas não com o modo de implantação. Ela diz que para todas as escolas receberem essas mudanças são necessários profissionais preparados, e não é essa a realidade do Brasil, pois há uma desigualdade que não permite isso. Em sua opinião, existem bons profissionais na área pública, mas são “5%, não 95%”, e para uma mudança dessas ser implantada é necessário que a maioria seja engajada. Ela também afirma que uma reforma precisa ser “de dentro para fora e não de fora para dentro”. Segundo ela, quem será beneficiado é quem está no poder, pois o dinheiro gasto e investido em materiais vai para as editoras, e os alunos (até os das escolas particulares) serão prejudicados. “A escola particular também é uma empresa que faz da educação uma mercadoria e não uma responsabilidade”. A questão do período integral já é uma realidade em muitas escolas particulares, mas nas escolas públicas “o aluno não fica nem o tempo necessário em apenas um turno, pois muitos têm que trabalhar, cuidar do irmão, limpar a casa...”. Ela conclui a entrevista falando que a reforma foi planejada de forma desregulada, sem pensar na maioria. A reforma gerou muita polêmica, pois foi apresentada e aprovada rapidamente sem aprovação e participação direta dos sindicatos de professores e organizações estudantis, além de não ter passado por um debate mais aprofundado. As mudanças decorrentes da reforma do ensino médio ainda não deverão ser colocadas em prática em 2018. A previsão do Ministério da Educação (MEC) é de que esse novo formato comece a ser implantado nas escolas a partir de 2019.
Todos querem trabalhar Desemprego no país já atinge mais de 12 milhões de pessoas e impõe desafios ao próximo presidente Patrícia Vilas Boas
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uem for eleito este ano terá um grande desafio pela frente para reajustar os níveis de empregabilidade no país. A taxa de desocupação de 2018 em comparação a 2014 mais que dobrou, de 4,8% para 12,1% até agosto deste ano. Segundo IBGE, mais de 12 milhões de pessoas encontram-se desempregadas. A pesquisa leva em consideração somente o número de desocupados, isto é, pessoas que não trabalham e estavam procurando trabalho até os 30 dias anteriores à pesquisa. No primeiro trimestre de 2018, a taxa de subutilização da força de trabalho foi de 24,7%, também segundo o IBGE. Esse percentual abrange, além dos desocupados, os subocupados e a força de trabalho potencial, ou seja, pessoas que trabalham menos de 40 horas semanais e gostariam de trabalhar mais, além de pessoas que queriam trabalhar, mas não procuraram, desistiram de procurar ou não estavam disponíveis para trabalhar no período solicitado. Essa porcentagem corresponde a 27,7 milhões de cidadãos brasileiros e foi divulgada como a maior taxa de subutilização desde o início das pesquisas, em 2012. O número de pessoas com carteira assinada também diminuiu cerca de 1,2%, em contraposição ao trabalho informal, que cresceu 5,7%, desconsiderando os que trabalham por conta própria e empregadores, que correspondem a 2,5% e 5,6%, respectivamente. Esses dados negativos trazem preocupações à população e aos futuros governantes. Para a economista Leila Harfuch, 38 anos, retomar a confiança dos investidores e setores produtivos na economia nacional será o maior desafio a ser enfrentado. “Somente com a melhora no cenário macroeconômico brasileiro será possível reduzir o patamar de 12 milhões de desempregados.Vale ressaltar que ainda existem trabalhadores que não estão procu-
Fila em frente ao Posto de Atendimento ao Trabalhador no Brás
rando emprego. Isso mostra que esses trabalhadores perderam a confiança na economia e no mercado de trabalho”, afirma. Quanto às ações que deverão ser tomadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a partir de 2019, Leila finaliza: “A reforma da previdência, a consolidação da reforma trabalhista, a reforma tributária e a redução da participação do estado na economia serão pautas duras para o próximo governo, mas inevitáveis e essenciais para a redução do desemprego no país”. Os chamados PATs (Postos de Atendimento ao Trabalhador) funcionam como estabelecimentos que oferecem Intermediação de Mão de Obra entre empresas e a população. Reflexo do alto índice de desemprego, longas filas são formadas diariamente em frente a esses postos por pessoas que estão à procura de uma oportunidade de emprego e orientação profissional. Em uma unidade localizada na estação de metrô Brás, a fila já se formava antes mesmo do início do atendimento. Francisco Sérgio Costa, 43 anos, foi o primeiro a chegar no estabelecimento, às 4h40. Os PATs começam a atender às 8h. Há oito meses atrás de emprego, o auxiliar de manutenção agora procura se realocar no mercado de trabalho. Quando questionado sobre outros
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processos seletivos, Sérgio afirma que ainda não obteve retorno por parte das empresas e que segue, como uma segunda opção, com o trabalho informal.“Já fiz, só que [a empresa] mandou aguardar e eu por enquanto vou fazendo bico”, diz. Valdeir Paes, 60 anos, também estava na fila, e pela terceira vez. Saiu do serviço por conta de cortes dentro da firma “A empresa que mandou [embora], foi corte que teve, por conta da crise”. Ele diz que não é o único na família a estar desempregado “Onde eu moro tem disparado. Da família tem bastante, tem meu genro que está parado, meu neto de 18 anos. Meu genro, no caso, está fazendo bico, né? Em obra, mas nada assim, registrado”, afirma. Ao todo já são 256 unidades do PAT espalhadas pelo estado. Elas também oferecem serviços como emissão de carteira de trabalho, habilitação ao seguro-desemprego e a possibilidade de inscrição ao PEQ (Programa Estadual de Qualificação Profissional). Para a população, fica a expectativa de melhora e a oportunidade de reverter esse cenário por meio do voto. Seja quem for assumir os cargos no Executivo e Legislativo nacional em 2019, terá um longo trabalho pela frente para diminuir o déficit de emprego e gerar mais oportunidades a todos.