Universidade Presbiteriana Mackenzie - Centro de Comunicação e Letras
Publicação feita pelos alunos do segundo semestre de Jornalismo - Ano XII - Ed. 185 - Outubro 2017
Arte e cultura na Consolação
Casa que ficou abandonada por 13 anos oferece cursos e atividades na região central de São Paulo. Página 5 Acontece • 1
Rumo à informalidade Forte recessão no mercado de trabalho faz com que pessoas busquem fontes de renda alternativas
Letícia Moura Nicole Kloeble
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s trabalhadores afetados pela crise vêm procurando alternativas para sobreviver. O auge do desemprego foi constatado em março de 2017, quando o Brasil contava com 13 milhões de desempregados, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de informalidade caiu muito nos anos 2000, a partir de 2013 a queda foi interrompida, aumentou um pouco em 2014 e manteve praticamente o mesmo índice em 2015. Uma das soluções mais buscadas pela população foi a produção de mercadorias caseiras, tais como doces e lanches, vendidos em locais públicos. “Eu trabalhava no ramo administrativo, mas não consegui seguir carreira. Decidi então, junto à minha esposa, vender doces na porta do Mackenzie”, afirma Ricardo Kirsken, 59 anos, que vende brigadeiros na Rua Maria Antônia. Há três anos no ramo, ele vende em média 100 brigadeiros por dia, totalizando no final do mês aproximadamente 6 mil reais de produção. “Considero o meu projeto uma enorme conquista”, disse Ricardo. O economista Alexandre Saes, 43 anos, diz que o trabalho informal sempre foi muito presente na sociedade brasileira. Porém é negativo pensando nas pessoas
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Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos N. Duarte Coordenador do curso: Rafael F. Santos Supervisor de Publicações: José A. Trigo
Carro do Dog do Kbelo, localizado na Rua Piauí
que perdem todos os seus direitos trabalhistas, além do fato de que o governo perde a sua capacidade de regular a relação entre patrão e empregado. “Frente à crise, é uma opção de curto prazo, mas que dificilmente irá trazer ascensão financeira e também pouco irá agregar ao currículo do funcionário”, diz o economista. Vivian Gomes, 30 anos, funcionária do Dog do Kbelo, carro que vende cachorro-quente na Rua Piauí, afirma: “Todo semestre a gente aumenta 50 centavos, porque aumenta também o preço da salsicha, do cheddar… então nós temos que aumentar também e com a crise está pior ainda”. E isso afeta os hábitos de consumo: “Neste ano as vendas diminuíram
porque os alunos começaram a trazer comida de casa, por isso tivemos que aumentar o preço também”, disse Vivian. Outro desafio que os trabalhadores informais enfrentam é a competição. “Outro dia apareceu um rapaz aqui no meu ponto tentando vender brigadeiro também, a competição é grande, temos que estar preparados. Mas graças aos meus três anos de trabalho aqui, já adquiri a confiança de muita gente”, diz Ricardo. Embora haja tantos desafios no mercado, os informais vêm se destacando. “Nosso dog é um sucesso, é bem melhor ter seu próprio negócio, ainda mais quando somos reconhecidos por isso. Os alunos já nos conhecem e fizeram até o rap do Kbelo”, conclui Vivian.
Professor responsável: André Santoro
Jornal-Laboratório dos alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo. Centro de Comunicação e Letras - Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Equipe: Ana Beatriz Truran, Bruno Roque, Clara Valdiviezo, Flávia Gonçalves, Gabriela Catan, Guilherme Annis, Helena Lima, José Ricardo Jardim, Julia Alves, Letícia Moura, Maithe Martins, Maria Luiza Penteado, Matheus Paes, Nicole Kloeble, Nicolle Boscariol, Ricardo Marangoni, Ritha Contarelli, Taisa Lira Cavalcante
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Foto de capa: Clara Valdiviezo e Guilherme Annis Impressão: Gráfica Mackenzie
De malas prontas
No último ano a procura por estudos no exterior teve um aumento de 14% entre os jovens brasileiros
Escritório da agência Experimento na Avenida Paulista
Bruno Roque Maria Luiza Penteado
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número de estudantes que se interessam por cursar o ensino superior fora do Brasil em busca de universidades de melhor qualidade vem aumentando. Mas o início da vida acadêmica se dá em um momento em que os jovens ainda são muito inexperientes, trazendo muitas dúvidas e inseguranças na hora de decidir deixar o país. Segundo dados recentes divulgados pela Belta (Brazilian Educational & Language Travel Association) no III Fórum Brasil de Educação Internacional, o mercado de intercâmbio enviou 247 mil estudantes para fora do país em 2016, tendo um acréscimo de 14% em relação ao ano anterior. A busca por graduação no exterior teve um aumento de 6,7%. Os destinos mais procurados são: Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Irlanda e Austrália. “Normalmente as pessoas procuram fazer a graduação fora em busca de qualidade”, diz Daniela Carderelli, consultora da agên-
cia de intercâmbio Experimento. “Muitas vezes, tem alunos que estão aqui (Brasil) fazendo algum curso e decidem viver outra experiência no exterior. Por exemplo, faz direito e quer fazer um curso de Business”, explica. Rafaela Carazzai, 19 anos, concluiu o ensino médio recentemente e já está com tudo pronto para estudar Fashion Business no Instituto Marongani de Milão, mas mesmo assim mostra sua ansiedade. “Tenho medo de não me adaptar, de não conseguir ir bem nas provas e matérias, mas meu maior medo é ficar sozinha todo esse tempo”. Mas, além da apreensão, os jovens também têm consciência das vantagens da experiência no exterior, como conta a estudante Sophia de Maio, 18 anos, que embarca rumo à Boston University, “Me sinto sortuda por ter a oportunidade de ter uma educação de primeira, e além disso, acho que essa experiência toda vai ser muito boa para meu amadurecimento”, diz. Daniela conta que, devido aos modelos de ensino no Brasil, existe uma necessidade de adaptar os estudantes para as universidades dos outros países e por isso o
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processo de preparação para o intercambio pode demorar até seis meses. Por isso a ideia de estudar em outro país requer muito planejamento e dedicação. Embora seja uma grande oportunidade para o crescimento profissional, o que guia a decisão de muitos estudantes ainda é o desejo de viver no exterior. “Sempre foi meu sonho ir para a Europa, desde pequena, então na primeira oportunidade que eu tive, fui, não importava muito o país”, revela Fernanda Sant’Anna, 22 anos, que foi finalizar seu último semestre de Direito em Portugal. “Além disso, ganhei uma bolsa e não tive que pagar a faculdade”. Outro fator que também direciona a hora de decidir para onde ir é o reconhecimento das universidades, como explica Sophia. “Minha preferência foi pelos Estados Unidos e não a Europa por causa do maior reconhecimento no mercado de trabalho. Além disso, morei em Boston quando era mais nova e lá é um lugar muito importante para mim”. A relação afetiva e emocional também é muito relevante, como disse Fernanda: “Fiquei com muito medo de perder meu namorado, mas nós demos um jeito e continuamos juntos mesmo eu longe, no final, ele foi me visitar e nós viajamos pela Europa juntos”. Grande parte desses estudantes voltam para o Brasil depois do intercâmbio, mas não deixam de lado a possibilidade de seguir a carreira profissional no exterior, tendo em vista as oportunidades que podem aparecer. Rafaela conta que não descarta o país como um grande mercado de trabalho, mas diz que o ideal seria ficar na Europa e que tudo depende dos contatos que fizer e das possíveis propostas que possam surgir.
Cobrador surpreende a todos Nivaldo dos Santos, que trabalha na linha 6042-21, conta sobre amizade com passageiros Gabriela Catan José Ricardo Jardim
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s passageiros que pegam o Terminal Capelinha por volta das seis da tarde cruzam todos os dias com Nivaldo. Cobrador há sete anos, trabalha nessa linha há apenas três. Nivaldo surpreende a todos com uma conversa muito gostosa. Ama o que faz e é quase impossível não notá-lo. Grande parte das pessoas que pegam o ônibus nesse mesmo horário são conhecidas dele, e algumas até se tornaram amigas. Lúcia Godoy de Oliveira, 36 anos, diarista, desce da sua casa até o Terminal Capelinha todo dia já há seis anos, e por isso conheceu Nivaldo. A mulher não se conforma com os que insistem em não notar o seu amigo e os outros cobradores que nos acompanham nas viagens. “Os cobradores fazem a viagem bem mais divertida, as pessoas deveriam pensar mais nisso, muitas ignoram a presença deles. Eu vejo o Nivaldo todo dia, nós conversamos muito”, afirma Lúcia. Nivaldo Dos Santos Ferreira, 57 anos, é reconhecido pelo seu bom humor durante o trabalho. “Eu não posso reclamar, estou trabalhando. Gosto de conhecer as pessoas, e elas gostam de mim, eu acho. Alguns fingem que eu não existo até precisarem de ajuda para localizarem seu ponto”, comenta o profissional. Hoje, por mas inacreditável que pareça, Lúcia e Nivaldo são bem mais do que velhos conhecidos. A convivência diária e o bom humor do moço conseguiram firmar um grande laço de amizade entre os dois. O cobrador fica muito feliz ao contar a história deles, lembrando que sempre acreditou que das pequenas coisas surgem
Cobrador Nivaldo em mais um dia de trabalho
as grandes surpresas. “Um dia ela sentou aqui e conversamos sobre o tempo. Agora somos grandes amigos”, diz ele. A diarista diz que muitos a estranham, mas que ela não vê nenhum motivo para não se aproximar daquelas pessoas que realmente fazem parte do seu dia-a-dia. E se surpreendeu quando soube da possibilidade de extinção dos cobradores. “Eu acho isso muito triste, mas fico feliz porque sempre os notei, acho que algumas pessoas deveriam ser como eu”, completa Lúcia. E encerra a sua entrevista mostrando o contato de Nivaldo em seu celular, com um sorriso no rosto. Os transportes públicos são usados diariamente por todos os tipos de pessoas: estudantes, comerciantes, trabalhadores, crianças, idosos. Porém a grande maioria deles prefere ignorar os cobradores, segundo o relato de alguns. Édson Pereira, 31 anos, cobrador do Terminal Bandeira há um ano e meio, acredita que muitos dos passageiros não acreditam no seu mérito. E vários dos que passam pelo seu ônibus não ligam para o seu trabalho. ”Parece que os cobradores não são importantes para ninguem”, diz Édson. É fato que os funcionários tendem
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a se sentir desvalorizados. Diversos deles acabam não gostando do que fazem justamente por conta disso. O prefeito da cidade de São Paulo, João Doria, afirmou em abril deste ano que irá acabar com o cargo dos cobradores de ônibus até 2020 (final de seu mandato como prefeito). Segundo ele, apenas 6% da população da capital paga as tarifas com dinheiro, o que sugere a pequena importância desses profissionais. Em março deste ano, 5 de 17 veículos que fazem a linha 576C-10 suspenderam os cobradores, aceitando como pagamento da tarifa apenas o bilhete único. O motivo do desaparecimento desses trabalhodores, segundo o prefeito, é a redução do preço das passagens -- algo que poderia ocorrer com a maior automatização do processo de pagamento das passagens. A opinião dos excluídos varia entre aqueles que parecem não dar muita importância para a mudança proposta pela Prefeitura e aqueles que se sentem injustiçados, pois acreditam no seu valor como trabalhadores e como pessoas. Um exemplo deles é Nivaldo. “Eu ajudo as pessoas e me sinto bem com isso”, disse.
Casarão se transforma em arte viva Artistas ocupam casa na rua da Consolação da década de 20 clamando por espaços culturais públicos no centro de São Paulo Clara Valdiviezo Guilherme Annis
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organização Casa Amarela Quilombo Afroguarany, mais conhecida como “Casa Amarela”, é uma ocupação artística que se formou em fevereiro de 2014. A casa foi construída nos anos 20 na Rua da Consolação e, mesmo sendo tombada como patrimônio da cidade, foi abandonada por 13 anos antes de os atuais ocupantes tomarem posse. O projeto é transformar a casa em um espaço público banhado em arte, que abrigue todas as tribos que compõem a sociedade paulistana. Atualmente o projeto oferece ateliês de serigrafia, aulas de canto, de capoeira, entre muitas mais. Nenhuma das atividades realizadas no estabelecimento tem retorno financeiro: eles utilizam um sistema de troca que serve para manter a casa em bom estado. Quem usufrui do espaço fornece mantimentos e materiais de limpeza, que permitem que a casa se mantenha. O espaço possui em média 20 habitantes, e todo artista que tenha algum projeto que mantenha a casa em constante rotatividade e reciclagem de seu nicho artístico tem espaço garantido. Alex Assunção, 26, morador da Casa Amarela desde outubro de 2014, é responsável pela parte da comunicação através de redes sociais e do site da casa. Natural do estado do Pará, se mudou para a capital paulista em 2010. Decidiu tentar a vida mas enfrentou uma realidade distante da esperada. Se graduou em Marketing, mas, sem visão profissional futura, decidiu se dedicar totalmente à arte. Em 2013, conheceu o coletivo Anhagabahoots, engajado na ocupação de espaços públicos. “Hoje, há mais imóveis vazios na capital
do que moradores de rua”, diz o artista. Segundo ele, a finalidade dessas ocupações é mostrar ao governo que esses prédios podem ter finalidades sociais. “A casa é um organismo vivo”, completa Alex. Ele se refere à casa como reciclável e imprevisível, já que mora com personalidades artísticas e não possui um dia a dia convencional. Nelson Natalino, 53 anos, mestre capoeirista e artesão, mais conhecido como Mestre Alegria, é uma das luzes da casa. Nascido na cidade de São Paulo e criado no interior de Minas Gerais, vive sempre sorrindo. Mestre Alegria não tem tempo ruim, essa é sua característica mais peculiar e atrativa. Comenta que seu trabalho é o artesanato: faz chapéus, monta cadeiras e até manequins. Caçula de 3 irmãos, ele relata lembranças das visitas à fazenda de sua família em Minas exalando felicidade. Hoje não mantém mais contato com sua família. “Eles têm problemas que eu não tenho”, conta o artista. Ele diz viver a vida por encontros, gosta de não ter planos e deixou de contar o
tempo. “Eu sei lá há quanto tempo estou aqui, vivo um dia de cada vez conversando com Deus”, cita ao ser questionado sobre seu tempo de ocupação. Muito religioso, ele conta que sua inspiração artística é um presente de Deus. “Eu pedi um dom e ele me deu”, relata. Aline de Almeida, 20 anos, poetisa e viajante, é Curitibana. Deixou sua casa em busca de renovação para sua arte. Chegou a São Paulo há 2 meses. Antes de conhecer a casa, ocupou um espaço no centro de São Paulo chamado Ocupação do Alvidor, onde os habitantes falam, em sua maioria, castelhano, o que tornou impossível a comunicação entre ela e os demais. Participa do Slam RUA (Resistência Urbana Afroguarany), cujo intuito é proporcionar batalhas de poesia em espaços abertos. “A interação com outros artistas agrega conhecimentos necessários à minha arte”, comenta Aline. Ela diz que sua vontade é renovar sua inspiração. E comenta que o contato com os artistas a proporciona experiências e um crescimento pessoal gigantescos.
Artistas residentes da Casa Amarela
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É preciso falar sobre assédio O número de casos nas linhas metroviárias de São Paulo se mostra cada vez maior Ritha Contarelli Taisa Lira Cavalcante
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os subterrâneos da cidade de São Paulo, o assédio tem se mostrado ainda mais presente na vida dos passageiros. Só em 2016, o problema se agravou em 353%, segundo dados obtidos pela UOL por meio da Lei de Acesso à Informação. O metrô é um dos meios de locomoção mais usados da capital. Diariamente, 3,7 milhões de pessoas fazem uso do transporte que, em 2008, foi considerado o mais lotado do mundo pela CoMet, comitê que reúne os maiores metrôs do planeta. No meio disso tudo, um problema se esconde entre as tantas pessoas que todos os dias por ali circulam: o assédio sexual. Todos os dias, centenas de pessoas se tornam vítimas desse mal. “É horrível viver com medo. Ser chamada de algum adjetivo pejorativo no metrô é quase uma rotina. É difícil saber que a nossa única opção é o transporte público e não nos sentimos seguras fazendo o uso dele”, conta a estudante Gabrielle Azevedo, 21 anos. Segundo uma pesquisa realizada por nós através da internet, 87,5% das 203 pessoas entrevistadas afirmaram já terem sido vítimas de assédio em transportes públicos. Destas, cerca de 47,4% afirmaram que os casos ocorreram no metrô, o que ilustra a abrangência do problema. Podendo ser de origem moral, mas em sua maioria sexual, o assédio perturba as idas e vindas dos passageiros nas linhas metroviárias. O medo em lidar com a situação e a falta de instrução sobre o assunto levam cerca de 81,3% das vítimas a optarem pelo silêncio, segundo a mesma pesquisa. “Eu sabia que não fariam nada
Estação Santana, linha azul do metrô
a respeito do ocorrido. Eu travei e não consegui gritar por ajuda. Levo a frustração comigo e ainda me culpo por não ter feito nada”, conta a estudante Milena Ferreira, 17 anos (14 anos no ocorrido). Ainda com base em dados obtidos através da pesquisa, se torna relevante dizer que em 94,4% das vezes que a vítima procura ajuda no local ou presta queixa, o agressor sai impune. Foi o que houve com a estudante Jéssica Toledo, 19 anos, que conta que, ao ser assediada, saiu do vagão e se dirigiu a um funcionário do metrô, mas recebeu a informação de que eles não poderiam fazer nada. Segundo a psicóloga Andréa Gambarini, 43 anos, o agressor, muitas vezes, usa do comportamento, roupas e outros fatores como pretexto para seus atos, o que constrange mais ainda as vítimas, que se sentem envergonhadas perante a sociedade. “Mas em hipótese alguma a vítima deve ser vista ou tratada como culpada, pelo contrário, deve a ela ser prestado apoio moral e psicológico”, completa a profissional. Seja por manifestações físicas ou por redes sociais, a sociedade
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mostra estar tomando consciência da seriedade quando o assunto é assédio. A campanha “Juntos podemos parar o abuso sexual nos transportes”, lançada dia 29 de agosto, confirma isso e conta com a participação de empresas como a CPTM, o Metrô e a EMTU. Com o intuito de incentivar vítimas a denunciarem seus agressores, a campanha une instituições públicas e privadas para combater a violência sexual nos transportes públicos. Além disso, mulheres de todo o Brasil têm se unido em busca de maior segurança nos transportes públicos e/ou privados, buscando opções mais viáveis e confortáveis, como é o caso do Lady Driver, primeiro aplicativo de transporte exclusivo para o público feminino, fundado em março deste ano, após a fundadora Gabriela Correa, 35 anos, ter sofrido assédio por um motorista de táxi. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, saiu a autorização da prefeitura de São Paulo para o funcionamento da Lady Driver, que hoje também circula por Guarulhos e, segundo a fundadora, chegará em breve ao Rio de Janeiro e outras capitais.
Cresce a insegurança na cidade Aumenta o número de furtos e roubos dentro dos principais meios de transporte de São Paulo Helena Lima Julia Alves
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odos os dias, milhões de pessoas utilizam o transporte público para se locomover dentro da cidade de São Paulo. Grande parte delas opta pelo metrô, um sistema que interliga todas as regiões da capital paulista. Em 2016, 3,7 milhões de pessoas foram transportadas nos dias uteis. Se tratando de um grande fluxo de pessoas, a segurança do local deve ser garantida pela empresa que administra o transporte, no entanto, ela possui falhas recorrentes. Segundo dados fornecidos pelo portal de transparência do Metrô, a faixa etária que mais utiliza esse tipo de transporte são os jovens entre 18 e 34 anos. É nessa idade também que eles costumam se sentir mais inseguros. Eduarda Araújo, estudante, 19 anos, já presenciou duas situações de furto dentro desse tipo de transporte. Uma delas em que abriram sua mochila e levaram apenas seus óculos e a outra em que furtaram uma carteira com documentos e dinheiro, além do celular de sua mãe. Apesar dessas duas experiências ela continua utilizando o Metrô, no entanto toma o cuidado de levar apenas o necessário e sempre carregar a mochila junto ao corpo. Pedro Ivo Minozzi, estudante, 19 anos, também vivenciou essa insegurança. “Eu estava em pé, próximo da saída do vagão, quando uma mulher entrou e me empurrou. (...) quando saí, notei que o bolso da frente da minha mochila estava aberto, e nem o meu celular nem o meu fone de ouvido estavam lá”, conta. Os dois jovens realizaram o Boletim de Ocorrência que está disponível pelo site ou pelo telefone. Segundo os policiais, esse é
Linha 178-L/10 (Hospital das Clínicas / Lauzane Paulista)
o primeiro passo após constatar que algo foi roubado. Mesmo assim, Eduarda, que realizou o B.O. apenas por causa da documentação perdida, ainda não teve retorno dos seus pertences. Ambos continuam utilizando o transporte público, pois é o único meio de transporte possível para eles, entretanto, temem que a situação se repita. Furtos semelhantes têm ocorrido em ônibus pela cidade. Entre janeiro e março de 2017, 99 roubos ocorreram e foram relatados, contra 64 na mesma época do ano passado. Esses dados fornecidos pela SPTrans evidenciam que esse transporte também não tem segurança. A estratégia adotada pelos assaltantes é a mesma: eles se aproximam de pessoas mais desatentas, preferencialmente em veículos lotados, abrem a bolsa ou mochila e procuram por celulares e carteiras. Os casos acima retratam apenas pequenas ocorrências. Existem também os assaltos a mão armada, onde os bandidos fazem os passageiros de reféns e recolhem objetos pessoais, além de peças
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mecânicas dos próprios ônibus. Posteriormente esse material é vendido para serralheiras clandestinas. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSPSP) divulgou o perfil dos roubos e as ocorrências envolvendo documentos, telefones celulares, e as ocorrências correspondem a 67,36% de todos os desfalques do mês de julho. Esses valores alarmantes refletem a necessidade da adoção de medidas de segurança dentro e fora dos transportes, como aumento de policiais nas ruas e fiscais dentro das conduções. Em maio deste ano, a SSP emitiu uma nota informando que a Polícia Militar mantém um contato frequente com a operadora de ônibus (SPTrans), para que juntas possam identificar as zonas com maior incidência de assaltos e, assim, reforçar o policiamento. De acordo com o ex secretário-chefe da Casa Militar, Marco Aurélio Alves Pinto, o melhor a se fazer para evitar essas situações é procurar não chamar atenção para os seus pertences, mantê-los perto do corpo e evitar aglomerações.
Galerias subterrâneas Esculturas e murais estão expostos em diversas estações da cidade para serem vistos pela população Ana Beatriz Truran Maithe Martins
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metrô de São Paulo, desde 1978, abriga obras de arte dentro de diversas estações da cidade. Essas obras fazem parte de projetos como o Arte no Metrô, Linha da Cultura e Poesia no metrô. O projeto Arte no Metrô surgiu no fim da década de 70 como uma forma de aproximação entre as pessoas, a arte e o próprio metrô em si. Marcelo Cunha, especialista do departamento de marketing do metrô, conta que essa concepção de “museu subterrâneo” começou em 1978 com a inauguração da estação Sé. Atualmente o acervo é constituído por mais de 90 obras de diversos artistas brasileiros, como: Maria Bonomi, Mário Gruber e Aldemir Martins, dispostas em 37 estações. Uma das mais conhecidas é a da estação Sumaré, de Alex Flemming. A obra é de 1998, consiste em 22 fotografias e poemas feitos para cada uma delas estampados em painéis de vidro. Após certo período, os artistas retornam para realizar ma-
nutenção e restauração. Inclusive alguns já enviaram propostas para a Comissão Consultiva de Artes, a qual é formada por representantes do MASP, MAM, Pinacoteca, Instituto de Arquitetos do Brasil e da Associação Paulista de Belas Artes, a fim de expor seu trabalho de forma permanente nas estações que serão inauguradas em breve. É possível consultar quais estações fazem parte do projeto através do site do metrô ou em painéis presentes em algumas delas. O projeto Linha da Cultura está relacionado a exposições temporárias e apresentações de música ou teatro. Marcelo também informou que os artistas interessados em expor seu trabalho enviam sua proposta pelo site do metrô, seguindo um regulamento. Geralmente o período dessas obras em uma estação é de 22 a 25 dias, mas dependendo da repercussão do público ela pode se repetir em diferentes estações, como foi o caso da mostra fotográfica “Mulheres no Metrô”, que retratava funcionárias de diversos setores. A divulgação da programação mensal é feita pelo próprio departamento de imprensa do metrô através de cartazes e painéis dentro das estações e pela
Obra de Alex Flemming na estação Sumaré
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TV Minuto. O projeto Poesia no Metrô teve início em 2009 na linha verde e em 2010 já fazia parte de todas as linhas do metrô. O projeto tem como objetivo apresentar poemas da língua portuguesa. As paredes das estações abrigam parte do trabalho de escritores como Camões, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e Olavo Bilac. No momento não há expansão desse projeto, mas existe a intenção de que isso aconteça. Os usuários podem ver as manifestações artísticas tanto na área livre das estações quanto na área paga, algumas inclusive na plataforma, como é o caso da estação Sumaré. Muitas vezes a arte no metrô atrai a curiosidade dos próprios paulistas, como é o caso de Cindy Kawabe, 18 anos, estudante que repara nas obras apesar da pressa do dia a dia e inclusive citou as que viu na Chácara Klabin e Consolação. E também de turistas como Raquel dos Santos, de 31 anos. Ela veio de Belém e disse que observou exposições em diversas estações que conheceu. De acordo com Marcelo, a presença de manifestações culturais ajuda no alívio do estresse dos usuários, que muitas vezes passam pelo metrô todos os dias indo para o trabalho ou estudar. As pessoas podem observar quadros e fotografias, interagir com músicos e atores em um local acessível tanto pela praticidade de ser um lugar pelo qual elas passam quanto pelo valor, o preço de uma passagem. A importância da integração da arte em um local público pode ser resumida nessa citação de Yo Kaminagai, responsável pela unidade de Design e Projetos Culturais da RATP: “Você não pode fazer um bom trabalho sem oferecer o espaço adequado para instalar as obras em espaços públicos e mexer com o imaginário destas pessoas”.
Osesp abre possibilidades para iniciantes Sala São Paulo disponibiliza cursos para alunos e professores através do Programa “Descubra a Orquestra” Flávia Gonçalves Ricardo Marangoni
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ealizado com o intento de proporcionar acesso à música clássica, o Programa Descubra a Orquestra, desenvolvido pela Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), consiste em apresentar aos alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio como funciona uma Orquestra. As inscrições para o Projeto na Sala São Paulo são efetuadas no site da Osesp e ocorrem semestralmente. Para participar, o professor deve se inscrever em um dos cursos oferecidos pela Formação de Professores e também escolher um dos eventos da Formação de Público para trazer um grupo de até 90 participantes. As atividades são vinculadas e não podem ser realizadas separadamente. O evento oferece concertos didáticos e ensaios abertos destinados a alunos e professores, com ou sem conhecimento musical, de escolas públicas, particulares e, também, de instituições beneficentes. A divisão dos cursos é feita conforme o conteúdo abordado, grau de conhecimento musical do professor e faixa etária das turmas. São três aulas presenciais, aos sábados, e por 30 horas de educação a distância, via internet. O objetivo é fornecer subsídios teórico-práticos para realização de atividades musicais nas escolas. Nos cursos oferecidos, busca-se capacitar os professores. O curso é de percepção, onde o docente não aprende a grafia musical ou a execução de instrumentos, mas aprende a perceber música e adquire elementos necessários para lecionar, passando adiante o conhecimento. “Os professores experimentam a música em ativida-
Ensaio de quinta-feira na Sala São Paulo
des de educação musical e podem, posteriormente, aplicar as vivências com os alunos. A proposta é aproximá-los da música sinfônica, entender um pouco a estrutura da música, vivenciar e ouvir a música com outros ouvidos, com prazer”, afirma Milena Miotto, 46, formada em música e profissional responsável pelo curso. Em algumas exibições, o repertório exposto pela orquestra conta com obras de grandes sucessos como Mozart, Bach e Chopin, havendo entre uma composição e outra a aparição isolada de cada instrumento. E os instrumentos são organizados por suas famílias: cordas, madeiras, metais e percussão. Cada músico apresenta o seu para a plateia, executando um trecho de alguma composição, que em muitos casos é relacionada ao universo infantil. A iniciativa visa difundir a música clássica para formação de público. “Formar público deve atingir, sobretudo, as crianças ainda em idade escolar que possuem a opção e a possibilidade de presenciar um concerto pela primeira vez”, diz Marcelo Oliveira, 52, diretor executivo da Osesp. Ao fim do curso, os aprovados recebem um certificado de conclusão validado pela Coordenadoria de Ges-
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tão da Educação Básica (CGEB), da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Em parceria com o Programa, a Série TUCCA Aprendiz de Maestro integra-se na elaboração dos concertos. A série de espetáculos infantis “Aprendiz de Maestro” é uma ação inovadora que utiliza recursos de teatro, ópera, balé e circo para inserir a criança no universo musical, com repertório sob a batuta do Maestro João Maurício Galindo e de outros maestros convidados. Foram recebidos mais de 120 mil estudantes da rede de ensino público no ano anterior, sendo totalizada uma estimativa de 720 mil pessoas em 14 anos de existência do Projeto. Segundo Marcelo, esse ano o número não se encontra tão alto, ainda que tenha atingido mais de 26 mil estudantes. É positivo o efeito no aumento de público resultante do Programa. “O Descubra a Orquestra já incentivou professores, sem nenhum conhecimento musical, no aprendizado de um instrumento musical e a buscar graduação e pós-graduação em música”, relata Milena. “Alunos de escolas estaduais encantam-se com a orquestra e procuram projetos sociais para estudar um instrumento”, finaliza.
Põe a arte na rua Governo municipal deflagra discussão sobre grafites e pichações espalhados pela cidade
Colagem ao lado do SESC- Santana, na zona norte
Matheus Paes Nicolle Boscariol
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o início deste ano, o prefeito eleito João Dória estabeleceu o programa ‘Cidade Linda’, uma variação do programa ‘Cidade Limpa’ do ex-prefeito Gilberto Kassab, onde funcionários da prefeitura, juntamente com o próprio prefeito, em certas ocasiões, fariam a zeladoria de algumas ruas e avenidas mais importantes da cidade. Porém uma das iniciativas do programa era a remoção de pichações que, segundo o prefeito, ‘enfeiavam’ a cidade. Um dos pontos com maior controvérsia foi a falta de critério entre pichação e grafite. Segundo Bruno Kawagoe, 25 anos, produtor cultural e bacharel em turismo pela UFScar, “Os artistas veem o programa de forma negativa, pois não ocorre nenhum tipo de curadoria ao apagar os gra-
fites”. Os grafites presentes nos muros dessa grande selva de pedra dão vida ao cinza que domina a capital. Apesar das cores terem grande importância cultural e darem graça à cidade, existe certa repreensão por parte da prefeitura. O programa tem intenção de conservar a cidade, atuando na limpeza das ruas, troca de lixeiras, manutenção dos canteiros, retirada de cartazes e outros atos que visam reparar a cidade. Entretanto, além de grande parte das pichações serem cobertas, grande parte dos grafites também foram. Bruno completa: “O grafite veio do picho, a maioria dos artistas visuais da Street Art que realizam grandes murais, até reconhecidos pela mídia, não separam o grafite da pichação, e também até picham em diversas ocasiões”. Segundo a BBC, as primeiras formas de grafite em são Paulo tinham influências da cultura negra e latina e possuíam traços marginais, que vinham da parte periférica da capital. Durante a ditadura
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militar o movimento sofreu muita repressão devido à forte censura e ao isolamento cultural brasileiro, e isso levou alguns grafiteiros a ocuparem as ruas na década de 1980, onde grupos marcavam posição na arte urbana paulista contra os militares. Enquanto a prefeitura divulga que 67% da população paulistana aprova o programa, alguns jovens discutem se realmente é necessária a remoção de grafites históricos como na 23 de Maio. Vale lembrar que o prefeito, junto com iniciativa privada, trocou o grafite pelo chamado ‘muro verde’: em alguns locais, como na própria via de ligação entre as regiões norte e sul da cidade, as plantas já cresceram e, de fato, se apresentam como uma obra viva interessante para motoristas e pedestres. Algumas áreas de arte, no entanto, foram enaltecidas, como o MAAU (Museu Aberto de Arte Urbana), localizado na Zona Norte de São Paulo, que possui grafite em todas as vigas de sustentação do metrô que corta a avenida Cruzeiro do Sul. O MAAU é uma forma de colorir esse ponto da cidade e também incentiva a reflexão sobre a importância do grafite em São Paulo e sua escassez. As várias formas de manifestações artísticas que existem em São Paulo representam a multiplicidade cultural presente aqui. No Brasil, até março de 2009, qualquer forma de street art era vista como crime ambiental e crime de vandalismo. Porém o governo aprovou a lei 706/07 que descriminaliza as artes urbanas. Além de grafites e pichações são considerados artes urbanas também: estátuas vivas, músicos, qualquer forma de projeção de vídeos em paredes (que transformam qualquer lugar cotidiano em arte temporária), malabaristas, cartazes lambe-lambe e palhaços.