UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS
Publicação dos alunos do segundo semestre de Jornalismo - Ano XII - Ed. 188 - Novembro 2017
A Paulista é das crianças
Público infantil aproveita a avenida, fechada ao trânsito aos domingos e feriados, para passear e conhecer os espaços culturais. Página 3 Acontece • 1
Vida, morte, história e arte Cemitério da Consolação abriga personagens importantes da história brasileira Gabriel Pellegrine Larissa Yaemi
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ma opção cutural alternativa em São Paulo é o Cemitério da Consolação, um grande museu a céu aberto onde é possível apreciar a arte tumular e aprender mais sobre a História brasileira. Inaugurado em 1858, ele foi a única necrópole da cidade até o final do século XIX. Já foi dividido entre uma ala rica e outra pobre. O espaço era disputado entre a elite: seus mausoléus representam o status que eles tinham em vida. Não existem mais terrenos livres, por isso só membros de famílias donas de jazigos já existentes são enterrados ali. Nomes como Mário de Andrade, Anália Franco, Monteiro Lobato e Tarsila do Amaral despertam curiosidade. Para quem quer saber mais sobre eles, há uma visitação guiada que ocorre às terças e sextas-feiras às 14h. Francivaldo Gomes, 50 anos, conhecido como Popó, começou trabalhando como sepultador no cemitério em 2000. Assim conheceu o então administrador, Délio Freire dos Santos, que realizava as visitações e exposições itinerantes pela cidade. Popó ouvia as histórias contadas por Santos. “Essa foi a oportunidade de conhecer melhor a história do cemitério”, diz. Emocionado,
revela que era o visitante número um. Santos faleceu em 2002 e foi enterrado ali mesmo. E Popó assumiu como guia, tendo “recebido o bastão” de seu professor. Quem gosta de arte vai se impressionar com as esculturas de artistas como Victor Becheret, Nicola Rolo e Luigi Brizzolara. As peças eram encomendadas pelas famílias, que buscavam dar uma visão da vida e ideologia que carregavam. “Era um jeito de manter o status da família depois da morte”, explica Popó. A aposentada Maria do Carmo Andrade, 73 anos, visitou o lugar e ficou impressionada com a beleza dos túmulos. “Nem sabia que era arte”, comentou. Quem quiser visitar o cemité-
Peças de arte tumular do Cemitério da Consolação Professor responsável: André Santoro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos N. Duarte Coordenador do curso: Rafael F. Santos Supervisor de Publicações: José A. Trigo
rio em outros horários também pode aprender com a ajuda do aplicativo “Guia Cemitério Consolação” (apenas para celulares com o sistema Android) criado em parceria entre o Serviço Funerário Municipal e a PUC de São Paulo. Para David de Oliveira Lemes, responsável pela ferramenta, os cemitérios podem ser considerados como museus de patrimônio cultural, uma vez que são plenos de valores ligados aos bens materiais e aos bens imateriais que os representam. “Alguns passam a ser lugares de memória e vida”, diz. O cemitério fica na Rua da Consolação, 1660, e abre todos os dias, das 7h às 18h.
Equipe: Brenda Sarmanho, Camilla Jarouche, Caroline Piovani, Caroline Sargologos, Caroline Vaz, Enrico Bertagnoli, Fábio Ribeiro, Gabriel Nunes, Gabriel Pellegrine, Gabriel Sabatini, Gustavo Iglezias, Larissa Mora, Larissa Yaemi, Mariana Freitas, Nina Gattis, Renata Cerdeiras
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Jornal-Laboratório dos alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo. Centro de Comunicação e Letras - Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foto de capa: Caroline Sargologos e Gabriel Nunes Impressão: Gráfica Mackenzie
Brincando na Paulista Os 2.800 metros de extensão da avenida recebem crianças para a realização de diversas atividades Caroline Sargologos Gabriel Nunes
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Avenida Paulista passou a ter a circulação de veículos proibida aos domingos e feriados há dois anos, em outubro de 2015, na gestão do então prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, criando mais um espaço de lazer e apropriação da cidade. “Eu moro em apartamento, como muitas pessoas aqui. E a gente passa o tempo todo dentro do carro, dentro do prédio, dentro do elevador. Trabalha o dia inteiro. Ele fica o dia inteiro na escola. Então é importante conhecer a cidade, sair de casa”. Patrícia Rosas, 42 anos, é mãe de Nicolas e acredita que a Avenida Paulista seja democrática e cheia de misturas, do artista que canta pop nacional ao rock, dentre tantas outras artes. Além das inúmeras possibilidades culturais, ela ressalta a importância da acessibilidade da avenida: “aqui você pode vir de metrô. Em outros lugares, às vezes, você tem que ir de carro e
pagar estacionamento”. No dia 28 de junho de 2015, foi inaugurada a ciclovia da Avenida, que hoje é tão querida por crianças como Nicolas Santos, de 7 anos. “O que eu mais gosto é de ficar andando de bicicleta”, diz. A Federação Paulista de Ciclismo estima que cerca de 40.000 pessoas utilizem a ciclovia durante os dias de fechamento da avenida. Assim como Nicolas, Izabel, também de 7 anos, tem a bicicleta como sua atividade preferida. Sua mãe, Elizabeth, afirma que para quem não consegue viajar, a Paulista é uma ótima opção. Andar de bicicleta, embora seja uma atividade popular entre as crianças, não é a única forma de diversão na Avenida Paulista. “Eu gosto de vir ao Masp”, conta Luis Eduardo, de 12 anos. O menino, que conheceu o museu pela primeira vez, gostou de “passear e conhecer coisas novas”. O Museu de Arte de São Paulo, famoso pelo seu grande vão livre, criado pela arquitetura erguida sobre quatro pilares
vermelhos, é considerado hoje o mais importante museu de arte do Hemisfério Sul, por possuir o mais rico e abrangente acervo. Além de cartão-postal da cidade, palco de embates, protestos, abrigo de uma das maiores paradas LGBTs do mundo, do capital financeiro e de instituições culturais, a avenida recebe o comércio informal, multiplicado aos domingos e feriados. “Porque tudo é diversão para gente, mas é comércio para outros”, comenta Patrícia. Em 2013, foi assinada a norma municipal que liberou apresentações de artistas de rua, que tomam vários pontos da avenida, espalhando música, teatro, dança e sendo fonte de renda de muitas pessoas. Além disso, artesãos expõem os trabalhos na calçada, fazendo da avenida um shopping a céu aberto. “Ela gosta principalmente de comprar, o que vê pela frente quer comprar”, comenta Eliana Rodrigues sobre a filha Mariana, de 5 anos, que, tímida, se esconde atrás da mãe com um sorriso.
Nicolas Santos, de sete anos, gosta de andar de bicicleta na Avenida Paulista
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Travessia subterrânea incentiva leitura Muito mais do que apenas uma passagem comum, o lugar promove arte e cultura em contraste com a rotina agitada da cidade Brenda Sarmanho Mariana Freitas
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uitos entram pensando ser apenas um acesso para o metrô, mas a pintura da entrada já avisa: “não é metrô porque é grátis e te leva mais longe!”. A passagem subterrânea que dá acesso à Rua da Consolação foi construída em 1970 com o objetivo de facilitar a travessia dos pedestres, mas hoje se tornou muito mais do que uma simples forma de cruzar a rua. Localizado na esquina com a Avenida Paulista, o espaço que antes era desocupado e malcuidado se tornou uma área para troca de conhecimento, cultura e arte, contando com exposições de diversos artistas, pinturas, fotografias e venda de livros de diversos temas por um preço mais em conta. A ideia surgiu há 10 anos, quando um grupo que vendia livros nas ruas da região foi obrigado a parar com o seu trabalho e teve que
procurar um novo local para continuar desenvolvendo suas atividades. Até então a passagem era apenas um espaço desativado e desocupado. O projeto iniciou com o apoio de Andreas Matarazzo, que na época era subprefeito da Sé. “Hoje ela não é só uma passagem, ela também recebe a parte de pintura, livros, tem exposições aos finais de semana, sempre tem alguma coisa acontecendo como shows de música experimental e poesia”, diz Odete Machado, responsável pela criação e manutenção da Passagem Literária. Segundo ela, o projeto pode ter sido construído por causa do grupo de vendedores de livro, mas agora é da cidade, recebendo colaborações de artistas plásticos, grafiteiros, entre outros, que procuram fazer a arte conversar com o espaço urbano. O espaço é administrado pela Associação Via Libris de Livreiros, com divisão em turnos para, além de cuidar da parte da venda dos livros, também manter o espaço limpo e com material novo de vários artistas. Apesar de existir
Entrada da Passagem Literária na Rua da Consolação
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essa equipe para cuidar do lugar, a passagem ainda possui problemas com pessoas que a deterioram, sendo considerado por Odete como “um pedaço que reflete a sociedade de verdade”. Mulher de opinião formada, Odete disse que a divulgação do local “foi apenas indo de boca a boca”, e que não acredita nas redes sociais por serem “uma mídia de massa cheia de mediocridade”. Ela também revela que o espaço mudou totalmente a sua vida, sua relação e forma como vê a cidade e a sociedade. A passagem recebe centenas de pessoas por dia, algumas delas apenas para cruzar a rua, porém muitos vão também por já conhecerem o lugar e acharem interessante a ideia do projeto. “Nós estávamos passando por aqui, vimos o lugar e achamos interessante, acabamos até fazendo um trabalho para a faculdade sobre ele”, disse Amanda Souza, 22 anos, estudante de produção audiovisual da FAM. Ela estava acompanhada de uma colega de curso, Bárbara Moreira, 30 anos, que completou dizendo que acha legal a proposta e a variedade de livros. “É importante para a cidade e é um lugar acessível, uma pena que a galera mesmo assim não aproveite tanto”. Além dos visitantes da própria região, a passagem também recebe muitos estrangeiros interessados em interagir com um local bem urbano que reflete a arte de rua. “A forma como o espaço é usado também chama as pessoas, já veio gente fazer trabalho de conclusão de curso da faculdade, tese de mestrado, gente da FAU. Então é saber usar o espaço de várias formas, não só esses, mas todos aqueles que estão abandonados ou trancados pela cidade”, disse Odete. O lugar tem ganhado mais visibilidade com eventos culturais.
Diversão para quem? Como o machismo, o desrespeito e a injustiça afetam as mulheres no momento de denunciar o assédio Caroline Vaz Nina Gattis
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á uma linha tênue que separa o assédio do elogio, mas para nós, mulheres, não é difícil diferenciá-los, basta haver constrangimento por parte da vítima para que se torne um ataque. Quando há marcas físicas, elas somem com o passar do tempo, mas a lembrança de um momento tão desagradável e problemático ficará para sempre, assim como as consequências psicológicas. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular, 78% das mulheres de todas as idades, classes sociais e raças já sofreram algum tipo de assédio. 56% já sofreram assédio sexual tanto dentro da própria universidade quanto em festas realizadas pela mesma, e 28% já foram violentadas sexualmente, principalmente sob efeito de álcool e por veteranos. Porém, apenas 25% dos homens admitiram que já cometeram o crime do assédio sexual. Isso reflete com clareza a sociedade machista e misógina na qual vivemos, onde o assédio é um tabu a ser discutido, uma vez que as universidades abafam centenas de casos para que não haja uma especulação negativa sobre a mesma, além do processo ser dificultado pela ausência da confissão dos agressores, fazendo com que a mulher seja vista não como vítima, mas sim como culpada. É isso o que conta Thalia Kelle dos Santos Sousa, 20 anos, estudante de Ciências Sociais da Unesp de Marília, que sofreu assédio durante uma festa de sua universidade. “Ele simplesmente disse ‘você estava dançando até o chão, então queria beijar na boca’, o que me fez pensar que talvez eu estivesse dançando da forma errada, mas depois vi que definitivamente não”, diz
Thalia. Na hora de procurar ajuda, a construção de uma ideia machista que inocenta os homens veio à tona novamente. “Depois que o assédio aconteceu, eu fui falar com a galera da organização da festa, com uma mulher, não foi nem com um cara, e ela disse que os homens são assim mesmo e não dá para controlar”, lamenta ela, que ficou muito decepcionada por saber que ninguém forneceria ajuda. Larissa Paiva Ferreira, 18 anos, ex-estudante da PUC-Campinas e atual aluna da Universidade Anhembi Morumbi, cursa Arquitetura e Urbanismo e está habituada a festas. Ela afirma também perceber essa impunidade, tanto que, quando assédios aconteceram, ela não os denunciou, porque sabia que dificilmente algo seria feito. “Eles [a polícia] iam falar ‘você estava numa balada, você estava de roupa curta, estava de vestido, de saia, de short e você estava pedindo pra isso, então resolva você o que aconteceu”, conta Larissa, que completa: “por incrível que pareça, as pessoas já estão acostumadas com esse tipo de situação, então é como se fosse normal”. A sensação de ser assediada, apesar de corriqueira para as mu-
lheres, nunca deixa de ser traumática. “Você está num lugar para curtir com os seus amigos e aí, quando acontece esse tipo de situação, você fica sem graça”, diz Larissa ao lembrar de como se sente nesses episódios. E já que nem as universidades, nem a organização, nem a segurança das festas costumam ajudar expondo os casos, para assim alertar e ensinar, o Coletivo de Mulheres CAASO/UFSCAR organizou uma campanha. O vídeo chamado “Minas no Tusca: Respeita!”, apesar de direcionado para os mais de 75 mil participantes do Tusca (Taça Universitária de São Carlos), visa conscientizar o público geral de festas e jogos universitários. Segundo Raquel González Sterman, 18 anos, estudante de Ciências Físicas e Biomoleculares da USP e participante do vídeo, o mesmo trouxe boas reações. Enquanto algumas pessoas se esforçam para melhorar o ambiente universitário, outras debocham dessa atitude tão importante. “As pessoas que fazem pouco caso não têm culpa. A ação delas é um resultado da sociedade machista, por isso mesmo que a conscientização é extremamente importante”, explica Raquel.
Larissa Paiva é mais uma das vítimas de assédio
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Jardins suspensos invadem a cidade Projeto da Prefeitura leva vegetação a paredes externas de prédios na região central Enrico Bertagnoli Fábio Ribeiro
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os últimos tempos, quem passa pelo Minhocão percebeu uma mudança em alguns dos prédios vizinhos: jardins verticais espalhados em suas laterais. Os jardins são uma iniciativa do projeto Movimento90º, o primeiro corredor verde do mundo, idealizado pelo paisagista Guil Blanche. “A prefeitura estabeleceu regiões prioritárias para receber jardins verticais de acordo com a necessidade ambiental, como é o caso do Corredor Verde do Minhocão e da 23 de Maio”, conta Verônica Deviá, coordenadora de comunicação do projeto. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda uma área verde de no mínimo 12,8 m2 por habitante. Entretanto, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo constatou uma área verde de 2,6 m2/habitante. Na região do centro expandido da cidade o Movimento90° mapeou cerca de 500 empenas cegas (paredes externas sem aberturas) nos prédios, que correspondem a 258 mil m2 de área ociosa. “Imagine: e se todas essas paredes pudessem virar áreas verdes? Acreditamos que esse espaço ocioso poderia ser transformado em jardins verticais para melhorar a qualidade de vida da cidade”, propõe a coordenadora. Ainda de acordo com a coordenadora, a empresa responsável pela implementação do jardim é encarregada pela sua manutenção nos primeiros seis meses. Depois disso, de acordo com o Decreto 56.630, a iniciativa privada adota os jardins para mantê-los. Ao ser questionada sobre como é feita a escolha dos prédios, conta que “os Termos de Compromisso Ambiental são específicos para alguns corredores da cidade que já foram mapeados – por exemplo o
Jardim vertical na região do Minhocão
Minhocão e a Av. 9 de julho. Sendo assim, qualquer projeto desse contexto pode ser incluído, contanto que tenha condições de acessibilidade que viabilize a instalação de um jardim vertical e atenda a todas as exigências legais e da própria aprovação do condomínio.” Rua Augusta, Avenida 9 de Julho, Avenida Brigadeiro Luis Antonio e a Avenida Radial Leste são outras localidades da capital que serão abrangidas em seguida, com destaque para a Avenida 23 de Maio, que receberá o projeto em um período de até quatro anos. João Roque, 37 anos, zelador há um ano e meio de um prédio na Avenida São João, conta como foi a implantação: “eles procuraram o síndico e ele levou para o conselho, que aprovou”. Os jardins, que em dezembro completam um ano,
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não valorizaram o imóvel, mas chamam a atenção de quem passa pela região, que registra o momento com fotos e vídeos. João também afirma que melhorou a vida no prédio: “o apartamento ficou fresquinho no verão, pois o prédio não pega tanto sol”. A respeito do projeto que prevê transformar o Minhocão em jardim suspenso, acha que tem que pensar as coisas antes de fazê-las, depois não adianta. “Vai tirar o trânsito daí de cima e vai por onde?”, questiona o zelador. Entretanto, ele vê com bons olhos o surgimento da área de lazer, e ressalva: “mas desde que tenha segurança. Não adianta nada ter um jardim com uma área legal aí em cima e não ter segurança, com assaltos e mais assaltos como está tendo aí em cima”.
Masp recebe feira de antiguidades Antiquários despertam a curiosidade do público aos domingos na Avenida Paulista Gabriel Sabatini Gustavo Iglezias
As diversas antiguidades da barraca de Sérgio Longo
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esde 1979, no vão livre do MASP, é realizada das 10h às 17h, todos os domingos, a Feira de Antiguidades que reúne cerca de cem expositores e uma média de cinco mil visitantes a cada domingo. A feira, gratuita para visitação, é um paraíso para colecionadores e pessoas que se interessam por objetos antigos, que se apresentam em grande variedade, desde moedas e pequenas esculturas do século XIX até câmeras fotográficas de 1950. Para ter o direito de comercialização, basta ser membro da Associação de Antiquários do Estado de São Paulo (AAESP), como fez Sérgio Longo, 72 anos, aposentado e antiquário desde 1980. Sérgio recebe uma baixa aposentadoria, o que faz com que seu trabalho na feira seja ainda mais importante para sua renda. Em sua barraca há diversas antiguidades, como pequenas esculturas japonesas e russas, câmeras fotográficas, colares, artesanatos, entre outros.
Segundo ele, esses objetos chegam ao Brasil por meio de imigrantes, como os japoneses que traziam o marfim e os russos a prata. “Eles vão passando de mão e mão, agora estão comigo, mas em breve irei vendê-los, assim como o próximo comprador fará. Dessa forma, normalmente retornam ao país de origem”, afirma. Devido à sua localização e popularidade, muitos famosos e estrangeiros frequentam o espaço e procuram conhecer as barracas, como a de Carlos Augusto de Lima, 81 anos, aposentado e antiquário, e sua filha Fernanda de Lima, 47 anos, publicitária. Segundo eles, por ela já passaram o ex-ministro José Carlos Dias, o juiz Gilmar Mendes e o cineasta alemão Wim Wenders. Membro da feira desde o primeiro ano, Carlos comenta que não tinha nenhuma atração por isso, mas uma vez, em Montevidéu, no Uruguai, sua mulher comprou um lustre Galle, e como frequentavam leilões, ela decidiu
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vendê-lo e conseguiu um bom dinheiro. Depois disso decidiram abrir uma barraca no MASP. “A iniciativa deu certo, começou a entrar capital e nós decidimos abrir uma loja em Pinheiros, sem abandonar nossa barraca, e estamos aqui até hoje vendendo bengalas e fotografias”. Para quem é colecionador e se interessa por antiguidades, assim como Henrique Maia, 18 anos, desempregado, a feira é uma ótima opção de entretenimento para os finais de semana. Henrique coleciona moedas e cédulas antigas, e em sua primeira visita à feira seu foco não poderia ser outro. “Estou gostando muito, sua peculiaridade é algo que me atrai e estou ainda mais atraído por encontrar os objetos de meu interesse, as moedas”, diz. Ele começou a colecionar moedas na infância, quando tinha por volta de oito anos. Seus avós deram algumas e ele resolveu guardar e juntar com o tempo. “O que mais me fascina nessas antiguidades é que elas são objetos teoricamente ordinários, que quando guardadas trazem certas lembranças. Quando meu professor de história me contou sobre a existência da feira, vim assim que pude”, completou. A Feira de Antiguidades do MASP atrai pessoas de todas as idades e nacionalidades. É um ponto turístico que recebe muitos estrangeiros, ainda mais por estar localizada na Avenida Paulista. As coleções são compostas por antiguidades, mas também por objetos recentes valiosos, como por exemplo as moedas temáticas dos Jogos Olímpicos Rio 2016. O marfim japonês de Sérgio pode ser adquirido por 2.800 reais e sua câmera fotográfica de 1950 por 1.800 reais. Já as fotografias de Carlos variam de 50 a 100 reais dependendo de seu valor histórico.
O Outubro Rosa também é masculino Pouco recorrente, mas muito agressivo, o câncer de mama dos homens ainda é pouco debatido na sociedade Larissa Mora Renata Cerdeiras
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o Outubro Rosa, discute-se muito sobre o já conhecido câncer de mama, considerado um dos tipos mais recorrentes da doença em mulheres. No entanto, o que muitos não sabem é que ele também pode ocorrer em homens, e em cinco tipos diferentes. O câncer de mama consiste em um tumor maligno, ou células cancerígenas que invadem outros órgãos, iniciado no tecido mamário, sendo menos comum em homens devido aos baixos níveis de hormônios femininos que eles têm no organismo, os quais afetam o crescimento das glândulas mamárias. O aumento do nível desses hormônios, juntamente com o uso de remédios para tratamento do câncer de próstata, de antidepressivos e a obesidade também podem estar envolvidos no aparecimento da doença. Embora seja mais fácil para o homem perceber fisicamente o nódulo do câncer, há um atraso significativamente maior para iniciar o tratamento. A demora que geralmente ocorre no diagnóstico
do câncer de mama masculino faz com que 72% dos casos sejam identificados nos estágios dois e três da doença, diminuindo a porcentagem de homens que sobrevivem nos cinco anos após o início do tratamento. “O câncer de mama masculino é um pouco mais agressivo do que o câncer de mama feminino, porque a mama do homem é menor e a probabilidade de espalhar o câncer, ou seja, de obter metástase, é muito maior e ocorre de forma muito mais rápida do que nas mulheres”, disse Jorge Gennari, 82 anos, médico mastologista. O desconhecimento e as dificuldades de tratar essa doença também são derivados de outros motivos, como sua baixa incidência. De acordo com o também mastologista Afonso Nazari, 57 anos, a cada 100 casos do câncer de mama feminino há um do masculino. Ainda existe o fator do preconceito e insegurança por parte dos homens em realizar exames de checagem periódica, e a baixa frequência em consultas com médicos especializados na área. A grande falta de informação, debate e divulgação sobre a existência do câncer de mama masculino entre a própria comunidade médica é
Mastologista Jorge Gennari em seu consultório
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outro fator que contribui para esse obscurantismo. Segundo Gennari, a pouca preocupação em realizar consultas de rotina acaba por prejudicar o paciente, que poderia ter uma qualidade de vida muito melhor e, caso diagnosticado com a doença, uma maior chance de um tratamento adequado e eficiente. Para os mastologistas, a maior dificuldade de tratar tal doença, além do diagnóstico avançado, é o formato da mama masculina. De acordo com Gennari, o contato que a mama tem com a parede torácica e os músculos faz com que esses tecidos sejam alterados rapidamente com relação às células malignas, o que é problemático por facilitar a propagação do câncer. O tratamento é igual ao feminino, por intervenção cirúrgica. Ocorre a remoção parcial ou integral da mama, dependendo de seu tamanho, acompanhada de mastectomia, ou seja, a limpeza da região mamária em conjunto com a da região axilar. Após todo o processo, se for necessário, há o encaminhamento do paciente para tratamentos com radioterapia ou quimioterapia. Já o autoexame consiste no apalpamento e observação das mamas. Ao se deparar com alguma alteração, o paciente deve procurar um médico mastologista antes de tirar conclusões próprias. “95% dos nódulos que ocorrem, tanto no homem como na mulher, são benignos, mas tem que se verificar o que é”, enfatizou Gennari. Esse é mais um motivo para que exames de checagem sejam feitos anualmente, como é recomendado pelos médicos. Apesar da quantidade de homens afetados pela doença ser menor se comparada às mulheres, o câncer de mama ainda assim atinge muitos e seu tratamento é comprometido pela falta de debate na sociedade.
Arte sem fins lucrativos Saraus da região de São Paulo recebem público periodicamente para compartilhar e apreciar suas produções Camilla Jarouche Caroline Piovani
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arau é uma palavra derivada do latim, seranus, que fazia referência ao entardecer e ao pôr do sol. Atualmente, a palavra faz referência à arte, ao conhecimento e ao ato de dar voz a quem não tem. Realizado geralmente à tarde ou à noite, o sarau é um ambiente aberto para qualquer um que queira subir ao palco, pegar o microfone e compartilhar o seu talento. Pode ser uma poesia, uma música, uma dança ou qualquer outro tipo de manifestação artística que a pessoa queira mostrar. “Todo mundo está ali para se ouvir e para se conhecer pela arte”, diz Matheus Ramos Migliacci, 18 anos, estudante de publicidade e propaganda. Frequentador do sarau Pense Já, em Poá, Matheus diz que passou três anos escrevendo poesias que não mostrava para ninguém, até que foi a um sarau a convite de um amigo e leu sua poesia para o público. O garoto diz admirar esse momento de exposição, conta que cada pessoa é singular e expõe seus sentimentos de um jeito, e que sempre tem um resultado positivo: “Você se sente muito abraçado por pessoas que você conheceu na hora”. As poesias recitadas nos saraus também podem ir para campeonatos. É o que acontece no Slam, um evento de batalha de versos em que cada poesia é avaliada com uma nota. O participante tem em média três minutos para fazer a performance de sua composição, e a cada mês se escolhe um ganhador. No final do ano, os vencedores de cada mês disputam a final
nacional, e o melhor deles representa o Brasil na Copa do Mundo de Poesia Falada, na França. Muitos saraus de São Paulo adotam a competição, principalmente na periferia, em que se propaga o movimento de Literatura Marginal, que predomina um público jovem. As poesias tendem a tratar de temas sociais como preconceito, miséria e desigualdade, mas também falam de sentimentos, como o amor. É o caso da maioria das poesias de Matheus, que falam com subjetividade sobre seu ponto de vista no mundo, e que renderam a publicação de “Mais um Passarinho”, o primeiro livro do jovem. Como os saraus recebem um público variado, nem todo mundo quer apresentar poesia. Como por exemplo no sarau D’Alma, no Ipiranga, há desde apresentações musicais e dança do ventre até palestra de organização do lar e entrevista com participantes do dia. “Já veio de tudo, a gente teve de streap tease a orações. É um dos Saraus mais ecléticos que já vi”,
conta Vinicius Rastrello, 32 anos, diretor do evento. E, para ajudar nos gastos, eles possuem uma feirinha dentro do espaço, que tem artesanatos, suportes de vela decorados, filtros dos sonhos e até cartomantes e leituras de mão. O Sarau D’Alma existe desde o começo da casa, que também é uma escola de teatro, há oito anos. O evento acontece mensalmente, no terceiro domingo do mês. Qualquer um que queira mostrar sua arte pode ganhar seus minutinhos no palco. “Existe uma falta de lugar para as pessoas se apresentarem, quem tem um trabalho artístico de qualquer função, de qualquer lado, sente necessidade de apresentar aquilo”, diz Rastrello. O diretor conta que não é necessário ter dinheiro para frequentar o sarau. E, o regulamento que restringe a criatividade do artista é flexível, ele pode ser livre no seu conteúdo, contanto que não pratique o nu, por ser um ambiente familiar e que respeita a todos.
Palco do Sarau D’Alma é acessível para todos os artistas
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