JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ed. 205 - DEZEMBRO / 2018
O ISLÃ MANTÉM OS SEUS VALORES NO BRASIL - p. 14 LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:
O RACISMO NA UNIVERSIDADE E NO MERCADO - p. 6 / p. 7 AS BIBLIOTECAS RESISTEM À TECNOLOGIA - p. 8
AS ESCOLAS DE SAMBA ESQUENTAM OS TAMBORES
Por Fernando Polacchini - p. 3
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA AINDA É UM DESAFIO - p. 9 MÚSICA “UNDERGROUND”: OS ARTISTAS DO METRÔ - p. 11
Saúde e educação para idosos Prefeitura investe em projetos sociais voltados à terceira idade no Parque da Água Branca Jéssica Barreto
Alunas na oficina de bordado do Espaço de convivência do idoso
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e acordo com dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, são 4,3 milhões de idosos vivendo no Estado de São Paulo, o que representa 11,9% da população. Em 2020, serão 7,1 milhões. De olho nessas estatísticas, o Governo do Estado de São Paulo tem financiado projetos sociais destinados à população idosa residente na capital e em regiões mais afastadas do centro. Um desses espaços, que costuma ser bastante frequentado por quem já passou dos 60 anos, é o Espaço de Convivência do Idoso, projeto do Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo localizado no Parque da Água Branca, perto da região central de São Paulo. A iniciativa existe há mais de 10 anos e oferece cursos livres e gratuitos para pessoas a partir de 55 anos. São 17 cursos com encontros semanais e duração de até quatro meses. Em entrevista, o atual coordenador do projeto, Rodrigo Nonato, 31 anos, afirma que os cursos oferecidos pelo espaço promovem integração social entre os idosos participantes. “O objetivo é promover a ressocialização dos idosos, gerando a interação entre eles, além da prevenção ao isolamento,
à depressão, à perda de mobilidade e até mesmo ao suicídio”, diz. Ele também conta que o projeto passou por reformas estruturais em 2014 e passou a integrar mais cursos à sua grade, sendo estes em quatro áreas de atuação: Corpo - aulas de alongamento e dança popular brasileira, Música – aulas de violão e percussão, Artes e artesanato – aulas de bordado básico, intermediário e artesanato, e os de Tecnologia – informática básica, intermediária e oficinas para aprender a mexer no celular, além de ter parcerias com a Fatec Ipiranga e a Uninove, que promovem projetos ocasionalmente entre os universitários e os frequentadores do espaço. O lugar funciona das 8:30 às 16:30h de segunda a sexta-feira, e tem um limite de 290 inscritos por semestre, que são selecionados através de sorteio. Outros espaços que também são destinados aos idosos no parque são a Praça do Idoso e o Espaço Melhor Idade, inaugurados em outubro de 2008. Ambos também são promovidos pelo Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo. A Praça do Idoso disponibiliza 21 aparelhos de exercícios e tem por objetivo promover a prática de ati-
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vidades físicas na terceira idade, principalmente para idosos com problemas de mobilidade, que podem utilizar os aparelhos para fortalecer a musculatura e o equilíbrio. Para Elenice (ela não quis dizer o sobrenome), 63 anos,“o segredo para estar bem na nossa idade é fazer exercícios com alguma frequência e não comer comida na rua, principalmente lanches, e quanto mais alimentos orgânicos se consumir melhor, ainda mais para a gente, que já passou dos 60. Aderi ao hábito há dez anos e tenho notado a diferença, já sofri um AVC e graças a Deus não tenho nenhuma sequela”. O local é bastante frequentado, principalmente no período da manhã, e tem contribuído para a saúde de idosos de forma gratuita e interativa. O espaço fica aberto das 5h30 às 22h nos dias de funcionamento do parque. No espaço Melhor Idade são realizados bailes da terceira idade que reúnem cerca de 500 pessoas, às terças, quintas e aos sábados com música ao vivo, venda de petiscos e bebidas sem álcool. Ali também acontecem oficinas de Tai Chi Chuan, artesanato e atividades que são programadas pela coordenação do lugar. O local é de uso exclusivo da terceira idade e requer que os usuários tenham cadastro e carteirinha para frequentá-lo.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
Não deixe o samba morrer As escolas de São Paulo estão a todo o vapor para preparar o Carnaval de 2019 Fernando Polacchini
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ara muitos, o carnaval só ocorre no início do ano. Mas não é isso que acontece nos barracões das escolas de samba. Todas começaram a pensar o evento de 2019 há muitos meses, escolhendo o enredo, confecionando as fantasias e iniciando a montagem dos carros alegóricos, entre muitas outras providências. Além disso, no segundo semestre começam os ensaios das apresentações que irão para avenida. Faltando poucos meses para o carnaval, nós acompanhamos os bastidores da escola de samba Mocidade Unida da Mooca, do grupo de acesso. O carnaval paulistano teve origem no período colonial, lá pelo século XVII, em Bom Jesus de Pirapora, no qual ocorria uma procissão e uma festa religiosa com os senhores. Os escravos só iam para carregar os pertences dos donos e ficavam em barracões no entorno da igreja da cidade. Nesse momento, os negros celebravam o encontro, praticando rituais de matriz africana, como contou o Presidente da Mocidade Unida da Mooca, Rafael Falanga: “Isso daria origem ao que hoje a gente tem aqui em São Paulo. Criou-se o hábito de os blocos, grupos que foram fundados posteriormente, subirem a Pirapora na época de agosto (época da festa de São Jesus de Pirapora)”. Ele completa: “Esta forma de os negros cultivarem a sua cultura se manteve por muito tempo, até que fundaram os primeiros cordões carnavalescos em São Paulo, como o Cordão da Barra Funda, que deu origem à Camisa Verde e Branco, o Cordão Cai-Cai, que depois daria origem à Vai-vai, o Fio de Ouro, Galvão Bueno, entre outros. E esses cordões deram origem a grandes escolas de samba”. Essa história, segundo ele, é contada pelos Baluartes do Samba, lideranças importantes para o carnaval que,
Presidente Rafael Falanga saudando o pavilhão da Mocidade Unida da Mooca
hoje, são personagens da velha guarda das escolas. O processo de preparação na Mocidade Unida da Mooca acontece da seguinte forma, de acordo com o presidente: “tentamos trabalhar com dois carnavais, um no planejamento (do ano seguinte) e o outro na confecção (carnaval daquele ano)”. Primeiro definem uma espécie de resumo do tema que já está pré-definido, pois na Mooca não ocorre o concurso de enredo. Atualmente estão trabalhando na produção do carnaval de 2019, mas já estão pensando em 2020. “Isso constrói uma sinopse em
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cima do tema (que seria o enredo), e deste enredo desenvolvemos o samba e os figurinos, depois partimos para confecção plástica, que seria o piloto das fantasias, e a partir desses pilotos começamos a reprodução das alas, fazemos as maquetes dos carros para depois conseguirmos fazer a concepção sob escala da parte de solda, depois madeiramento e escultura. Essa é a sequência de nosso projeto”. Nos barracões ocorre um processo um pouco diferente do restante da escola, pois no final do desfile os carros voltam para lá, Na
chegada, todos são desmontados e limpos, e as peças retiradas são usadas no ano seguinte. “As estruturas utilizamos quase tudo, só não reutilizamos a parte das artes”, diz Antonio Ianzzi, soldador da escola. Depois desse processo, a equipe de barracão, composta por soldador, escultor, equipe de madeiramento e forragem, junto dos diretores, tiram no máximo um mês de férias, como conta Heverton Tonani, um dos diretores de barracão: “Temos um mês de descanso, isso é uma tradição entre as escolas, ficamos com a escola parada sem processo nenhum de carnaval. Terminando essa quarentena, temos uma reunião de diretoria, e após essa reunião e de ter definido o enredo, começa o processo com o carnavalesco de desenhos e trazemos os soldadores e escultores de Parintins para fazer o trabalho”.
O processo do barracão funciona da seguinte forma: primeiro chega a equipe de escultores e os soldadores. Assim que o soldador chega são apresentados os projetos, começando assim a montagem e soldagem dos carros. Com os escultores ocorre o mesmo processo: eles recebem os projetos e começam a fazer os bonecos, entre outras artes que irão no carro, como conta o escultor Kennedy Fuster: “Quando o carnavalesco chega, vemos o desenho e elaboramos o projeto apresentado, fazemos a maquete e, em seguida, fazemos as esculturas”. Quando finalizam o carro abre-alas, contratam uma equipe de madeiramento. Esse período começa em outubro e costuma terminar em dezembro, quando então trazem uma equipe que começa a forrar os carros. Em janeiro tem início a decoração, e perto do
carnaval começam a levar as peças dos carros para um local próximo ao Anhembi. Na semana do carnaval os carros são levados para um terreno para receberem os retoques finais. Na organização do evento como um todo o processo é um pouco mais burocrático, como conta Kaxitu Campos, presidente da FENASAMBA (Federação Nacional das Escolas de Samba). “Na primeira etapa ocorre uma avaliação do que foi o carnaval e dos jurados, o processo de contratos para o carnaval e prestação de contas. A estrutura não para. Nos primeiros dois meses há reuniões com as escolas, para avaliar o processo, no terceiro e quarto mês já começam a ser definidos os regulamentos, que é formalizado no meio do ano, e esses processos seguem vão até o carnaval”, diz.
Dona Dalva é baluarte da Mocidade Unida da Mooca e representa aqueles que dedicaram suas vidas à luta pelo samba
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Feminismo didático O estudo da igualdade de gênero e a luta por ações afirmativas fazem parte do cotidiano de universidades Giovana Faillace Renata Silva
Unidade do CVV em São Judas
Estudantes protestando em prol do feminismo no vão do Masp
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feminismo é definido como um movimento que defende em primeira instância a igualdade de direitos entre homens e mulheres. De acordo com as antropólogas Thais Henriques Tiriba, 31 anos e Fernanda Kalianny, 27, a participação de mulheres e homens dentro de espaços em que a conversa sobre a igualdade de gênero se faz presente tem o poder de ultrapassar as barreiras físicas. Thais, integrante de um grupo que estuda o feminismo, desigualdade de gênero, raça e classe na Universidade de São Paulo, conta que dentro da universidade, ao se estudar as relações sociais entre os homens e as mulheres, é necessário analisar os grupos de maneira não unitária, localizando as diferentes opressões que marcam a história de cada um. Algumas cor-
rentes podem ser contraditórias, mas é por meio dessa complexidade que é possível reconhecer no outro características e lutas pessoais. “As pessoas ficam assustadas com o feminismo porque ele tem uma potência de mudar e ressignificar o modo que as pessoas se veem e veem o mundo”, diz Fernanda, ex-militante da Marcha Mundial das Mulheres. A partir daí, criam-se leis, políticas assistencialistas, cotas, e o discurso ganha uma hegemonia social que permite alcançar grupos que normalmente seriam deixados para trás. Dentro das escolas por exemplo, a ressignificação de espaços que o feminismo traz se torna mais evidente: “Quando a gente fala sobre os papéis de gênero e os comportamentos normativos dentro das salas de aula, é preciso enfatizar que se trata de explorar os potenciais
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de todos de forma maior do que a sociedade impõe. As meninas entendem mais rapidamente e os meninos têm outra escuta”, complementam. Quando o assunto se expande para as salas de aula, tanto de escolas como de universidades é comum que ele leve a decisões maiores, como a reunião de alunas e professoras em coletivos feministas. Um exemplo é o movimento “Coletiva” da Universidade Federal do ABC: de acordo com a estudante de Relações Internacionais Thaina Silveira, 23 anos, o feminismo fez com que as alunas reconhecessem casos de assédio, o que gerou uma mobilização geral. O grupo, que existe desde 2017, realiza debates sobre diversos temas, como o feminicídio e a legalização do aborto. “Na UFABC também temos um núcleo do coletivo Olga Benário, que representa o feminismo classista em 17 estados. É através da faculdade que ele se espalha e mostra a importância de organizarmos as mulheres não só teoricamente, mas na prática”, diz Thaina. Na Universidade Anhembi Morumbi, a gestão segue uma dinâmica parecida: “conversamos sobre tudo. Sobre os projetos colocados em prática, sobre os problemas no grupo do Facebook que surgem no cotidiano, sobre problemas externos. Todas podem falar abertamente, é um espaço de troca de experiências e aprendizado”, diz Laryssa Bastos, integrante do coletivo “Salto”. Segundo ela, o público cresce a cada evento e os encontros acontecem dentro ou fora do campus, em espaços físicos ou pela internet. Dentro dos espaços acadêmicos, os coletivos se tornam um lugar de acolhimento seguro para o compartilhamento de vivências e ideias de alunas e professoras, mostrando que é fundamental que as mulheres ocupem lugares de visibilidade, contra o sexismo e qualquer discriminação à condição da mulher que acontece nesses meios.
Resistir para transformar Giovanna Arantes Luiza Brilhante
Grupos combatem o preconceito racial e lutam pela inclusão nas universidades
Alunos protestam na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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m 2016, de acordo com o último censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil tinha 8.052.254 estudantes universitários. Desse total, 45,5%são negros. Esse número mostra a distância da universalização do ensino, porém, em contraponto, também se percebe que esse é o caminho para a igualdade de acesso ao ensino superior. Na contramão da tendência (e da necessidade) de inclusão de negros e minorias no ensino superior, alguns indivíduos ainda insistem em propagar o ódio. E a sociedade, obviamente, reage. No fim de outubro deste ano, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, ocorreram dois atos, um durante o período da manhã e o outro no da noite, ambos liderados pelo grupo Afromack, que luta pela igualdade racial e contra o preconceito. Os protestos aconteceram devido a um vídeo divul-
gado nas redes sociais que incitava o racismo. Os alunos saíram das salas de aula e foram protestar sobre o ocorrido, e o ato foi noticiado em grandes veículos de comunicação do país. Os movimentos sociais dentro das universidades, além de proporcionarem um suporte aos alunos e possibilitarem que os mesmos participem de diversas ações, permitem que os participantes adquiram um olhar crítico sobre os assuntos que estão debatendo. Um dos participantes do grupo contra o racismo da PUC, que não quis se identificar, conta: “As pessoas que entendem a história dos negros te respeitam. Quantas vezes nós temos que brigar para que os alunos respeitem os professores negros, do mesmo jeito que têm respeito pelos professores brancos”. Esses grupos mostram que ainda existem diferenças e preconceitos dentro dos campi universitários.A existência desses já evidencia o quão delica-
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do é falar sobre esse assunto. Segundo o Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, é importante que existam esses coletivos para que haja “um olhar mais crítico inclusive em relação à própria universidade”. Ele completa falando do que é necessário para que esses movimentos sigam crescendo. Na sua opinião, eles precisam “se fortalecer pelos próprios canais de comunicação, para garantir a participação desses coletivos dentro dos espaços colegiados das universidades”. O estudante da PUC disse que esses colegiados existem porque muitos alunos têm medo do que ainda possa acontecer e que, quando todos estão unidos, a força é maior. “Na verdade, todos os alunos que entraram no movimento entraram sabendo das mazelas por que passam. A gente tenta fazer isso para mostrar e trazer para nós mesmos a perspectiva científica e acadêmica disso. E conseguir passar esse conhecimento para todas as outras pessoas”, diz. A estudante de Direito do Mackenzie Nathalia Araújo, integrante do Afromack, falou sobre o papel dos alunos. “Em um primeiro momento, nosso papel é de aluno, e todos temos um papel de transformação, não só na universidade, mas também na sociedade. Porém, dentro da instituição e sendo alunos negros, procuramos levar a nossa pauta, e conseguir ocupar os lugares de poder do mesmo jeito que os brancos ocupam.A nossa capacidade é igualitária em todos os momentos”, afirma. Ela completa: “Dar voz aos movimentos é muito importante, porque pelo que eu passo sendo mulher negra, não é possível as pessoas brancas entenderem, porque elas não estão nesse meio, isso não as atinge. Mas, a partir do momento que param para me ouvir e tomar conhecimento e ciência disso, as atitudes mudam”. Ela conclui: “o nosso trabalho como coletivo é unirmos forças, trocarmos conhecimento e vivência para que juntos possamos transformar a realidade em que a gente vive”.
O mercado que não sai do tom Após 130 anos do fim da escravidão no Brasil, o racismo ainda é um problema no ambiente profissional Júlia Silva Sabrina Damas
Vice-presidente do FECAFRO, Viktor Gabriel
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oje a gente tem uma base de 22% de funcionários que são negros dentro da empresa, o que é um número muito pequeno”, declara uma especialista em gestão de pessoas de um dos maiores bancos do Brasil. A declaração da profissional, que não quis se identificar, ainda é, infelizmente, uma realidade do nosso mercado de trabalho. De acordo com o Instituo Ethos, apenas 4,7% dos afrodescendentes participam do quadro executivo das 500 maiores empresas do Brasil, e apenas 6,3% em nível de gerência. A situação é ainda pior quando se trata das mulheres negras, que ocupam 0,4% e 1,6% nos mesmos níveis, respectivamente. A especialista afirma que essa disparidade é provocada pela baixa qualificação originada da falta de oportunidades, um ciclo vicioso difícil de romper em nosso país. “Quando a gente vai buscar pessoas no mercado, geralmente buscamos com formação acadêmica, e infelizmente não temos um público negro com tanta oportunidade como uma pessoa branca”, diz ela, ao comentar o acesso da população afrodescendentes a uma boa
educação. Projetos como o “Incluir direito”, da Universidade Presbiteriana Mackenzie junto ao CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), que estimula a capacitação de estudantes negros, e o Pacto pela Inclusão Racial no Mercado do Distrito Federal, são algumas das medidas que foram colocadas em prática para um caminho de oportunidades igualitárias. “Não existe nenhuma lei específica para empresas privadas, o que nós temos em relação ao poder público é que, desde a década 90, existe uma norma do governo para contratação de serviços de empresas que tenham negros como empregados, além da Lei do Servidor Público, que determina cotas raciais no processo de seleção”, explica o cientista social Otair Fernandes, 57 anos, coordenador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), que também agrega pesquisas sobre populações indígenas. As políticas de diversidade são cada vez mais presentes nas empresas. Por isso, consultorias de re-
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cursos humanos especializadas em diversidade étnico-racial são cada vez mais procuradas por empresas como Natura e Bayer, por exemplo. Carla Andrade, gestora de comunicação da consultoria EmpregueAfro, explicou como a iniciativa funciona: “O serviço é totalmente gratuito, basta fazer um cadastro a partir de um formulário no site e você será avisado sobre as vagas que combinarem com seu perfil a partir de uma entrevista”. A entrevista é realizada com a CEO & Founder da EmpregueAfro, Patrícia Santos, que ajuda a desenvolver a postura do candidato, que muitas vezes não se sente confiante ao tentar uma vaga em empresas tão grandes, além de tentar impulsionar o currículo do entrevistado. Assim como as empresas que implementam políticas afirmativas, muitas universidades adotam coletivos negros em busca da igualdade. Segundo Viktor Gabriel C. Santos, 23 anos, vice-presidente do FECAFRO, coletivo negro Maria Leal da FECAP (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), o principal intuito do programa é “exaltar a voz negra em uma faculdade elitista e quase toda branca”. No FECAFRO, assuntos como a dificuldade que o negro tem para entrar no mercado de trabalho são discutidos em pautas gerais, e ele afirma que só conseguiu um emprego em uma empresa grande devido a um novo modelo de currículo no qual os campos de raça e gênero não existem, assim o candidato é avaliado apenas por suas qualificações. Após 130 anos do fim da escravidão no Brasil, as profundas marcas deixadas por esse passado talvez não estejam tão distantes assim. Otair aponta a luta contra a pobreza, a desigualdade escolar e o estímulo de ações afirmativas como possíveis soluções. “As formas de combate são variadas e não existe mágica nem varinha de condão que diga: ‘faça isso que a desigualdade acaba’”, conclui o professor.
As bibliotecas sobrevivem Com acervos diversificados e oferta de serviços, instituições seguem relevantes para a sociedade
Frequentador da Biblioteca de São Paulo em momento de leitura diária Maria Luisa Domingues Mariana Carvalho
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s bibliotecas são responsáveis por atividades muito além dos habituais empréstimos de livros. De forma estereotipada, esses lugares são retratados como ambientes que perderam sua força diante do advento da tecnologia e, atualmente, precisam se reinventar para sobreviver no cenário contemporâneo. A estudante de teatro Jacqueline Pereira, de 20 anos, afirma: “não gosto muito de comprar livro porque fico triste por deixá-los jogados em casa depois da leitura, então prefiro bibliotecas pela circulação que elas têm, desde sempre penso assim”. Desde pequena a jovem possui gosto para leitura por morar próximo a uma biblioteca e com o passar dos anos esse amor aumentou. Quando chegou a época de vestibulares, o Centro Cultural São Paulo (CCSP) se tornou um aliado dos seus estudos por conta do grande acervo de livros. Aos paulistanos que adquiriram o gosto pela leitura desde a infância
a ida às bibliotecas é algo comum e a internet não os transformou. A localização de cada um desses ambientes, públicos ou não, interfere diretamente no público e no que precisa ser feito para cativá-lo e para manter o espaço ativo. Entender o perfil de quem frequenta esses locais ajuda na criação das atividades que serão oferecidas. A biblioteca infanto-juvenil Monteiro Lobato, localizada na Vila Buarque, oferece diariamente visitas monitoradas para escolas, além da programação normal que engloba várias atividades. Com um passeio pelas dependências do espaço e uma contação de história finalizando a visita, mostra-se preocupada em cativar seu público-alvo com atividades diversas. Lúcia Maciel, diretora do centro universitário Maria Antonia, da USP, afirma: “É fundamental que as bibliotecas estejam sensíveis e porosas, cada vez mais, à abertura e participação da sociedade e da comunidade do entorno que frequenta esses espaços”. Ela também enfatiza a necessidade de os sujeitos frequentadores de cada um desses lugares serem protagonistas desses polos de criação,
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aglutinação e diálogo. Situada no antigo Complexo do Carandiru, atual Parque da Juventude, a Biblioteca de São Paulo (BSP) tem uma proposta inovadora em relação aos tradicionais modos de “fazer bibliotecário”. Foi inaugurada em 2010 e sua estrutura oferece conforto, autonomia e atenção aos frequentadores que acabaram transformando-a em um local de inclusão social. “A biblioteca se tornou minha casa”, afirma João Batista, 30 anos, morador de um albergue da região de Santana. Por conta da proximidade de onde ele mora, a BSP se tornou uma alternativa mais viável para acompanhar seus estudos para ingressar em uma faculdade. Mas, apesar da diversidade de materiais encontrados, como audiolivros e livros em braile, o acervo não é suficiente quando comparado com a biblioteca do CCSP, por exemplo. Muitos frequentadores da biblioteca vêm do Conjunto Habitacional Cingapura Zaki Narchi, também localizado na região. Quando não estão na escola, diversas crianças permanecem no ambiente usando a internet e os computadores fornecidos gratuitamente. A poucos metros de onde eles moram, um mundo diferente permeia a infância, deixando-os mais perto da cultura, internet, leitura, arte e mais afastados da realidade que cerca a comunidade. “Eu venho até aqui para usar o computador, jogar e não ficar sem fazer nada em casa, porque eu não tenho um (computador) em casa”, diz Rodrigo Lima, 11 anos. Em relação à internet, é necessário ter cuidado ao afirmar que esta é uma barreira para as bibliotecas nos dias de hoje. “A biblioteca faz parte da cultura brasileira, assim como a música” disse Carlos Alberto, 38 anos, morador de um albergue próximo e frequentador de bibliotecas públicas. Alinhar a ideia de que esses locais fazem parte da cultura e podem oferecer conhecimento tanto quanto a internet é fundamental para a compreensão desses espaços.
Inclusão não tão inclusiva Apesar da legislação, ainda é grande o desafio de acolher alunos com necessidades especiais Maria Júlia F. Camargos
SAAI (Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão) na escola
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inclusão social e educacional, determinada principalmente pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que entrou em vigor em 2016, garante igualdade e direito ao ensino entre os portadores de deficiência intelectual ou física. Mas essa lei ainda gera vários questionamentos, especialmente quanto à viabilidade de aplicação nas escolas. A lei indica que “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem” (Art. 27).
A dificuldade surge a partir da falta de condições adequadas para a inclusão de alunos com deficiência, como infraestrutura e métodos de ensino, além da falta de verba, de melhor formação dos professores e insuficiência de profissionais especializados na área de inclusão. Efrosini Barros, de 51 anos, vice-diretora da Escola Estadual Professor Wolny Carvalho Ramos, explica: “escola pública não tem dinheiro nem verba para contratar esses profissionais”. A apreensão dos professores em relação à inclusão é nítida. As escolas se propõem a atender todos os alunos da mesma maneira, como se todos tivessem a mesma capacidade intelectual, mas a presença de um deficiente muda essa realidade. Efrosini questiona: “médico tem a sua especialidade, ortopedista cuida do pé, outro de mão, outro de coluna. Professores, nas escolas, estão sendo obrigados Acontece • 9
a tratar de todos os problemas (autismo, hiperatividade, déficit de atenção, down) que as crianças têm em uma sala de aula com 35 ou 40 alunos. Apenas um professor para todos os alunos. Como ele consegue dar aula e passar conteúdo e ainda dar atenção para os que necessitam do diferencial? É praticamente impossível”. Por motivos como esse, as famílias acabam por colocar seus filhos em lugares que eles se sintam seguros e onde sejam aceitos por suas diferenças. Fátima Cristina A. da Graça, de 51 anos, servidora pública federal, presidente da Associação Amigos da Criança Autista (AUMA) e mãe de Heitor A., de 24 anos, autista, diz: “eu sempre busquei um lugar que aceitasse meu filho como ele é e identificasse e estimulasse as suas potencialidades, para que ele adquirisse condições de ter independência”. Efrosini acredita que a inclusão acontece na sala de aula, mas com os serviços adequados. “O professor com conteúdo unificado precisaria da ajuda de um ou dois auxiliares com atenção focada nesses alunos, para que assim todos da sala recebam o conhecimento”, diz a vice-diretora. Fátima, por sua vez, acredita que a inclusão funciona melhor nas instituições especializadas para os portadores de deficiência e defende: “poderíamos ter um modelo misto (instituições educacionais e associações especializadas em deficientes) talvez, ou repensar a inclusão escolar na idealização das políticas públicas. A educação especializada alcança o deficiente de uma forma mais eficaz. A inclusão tem que ser feita socialmente, o indivíduo precisa estar incluso em vários segmentos da sociedade”.
Música fora do circuito O cenário de artistas independentes ganha força com a internet, mas ainda precisa evoluir muito no Brasil Tiago Durães
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esde o auge do disco de vinil, todo músico sonha em ter suas músicas gravadas. Por décadas, uma gravação era extremamente cara, e os artistas precisavam ou investir muito dinheiro ou chegar até as grandes gravadoras para terem suas canções gravadas em uma qualidade de áudio decente. Mas o cenário mudou bastante com a internet e as facilidades da rede. Por conta disso, hoje temos diversos artistas independentes que, apesar de não estarem na grande mídia, têm um bom público e chegam até a fazer turnês internacionais, como “Boogarins” e “Francisco, El Hombre”. A primeira tocou no Rock In Rio, um dos maiores festivais do país. Outro indicativo de mudança do cenário musical é o crescimento de selos independentes. Um deles é o Cavaca Records, criado por Cainan Willy e Yasmin Kalaf Lopes. A internet é citada pelo os dois como o principal meio de divulgação, mas a produção também é um meio importante. “A gente tenta não se prender muito ao mundo da internet, não ser um net label. Tentamos pelo menos uma vez por mês fazer um evento com uma banda nossa e uma de fora, e a gente tenta tornar aquela noite especial por algum motivo, seja um lançamento de um single, um disco ou uma participação especial, alguma coisa que chame o público da internet para viver aquilo no mundo real com a gente”, diz Cainan. Para escolher quem lançar no selo, investem em artistas nos quais enxergam uma conexão. “São bandas em que a gente acredita, que a gente gosta do som, que a gente vê que tem potencial, que vamos correr junto com a banda, que a gente vai poder ter uma troca de amizade. Isso é o básico para escolhermos pro nosso casting”, afirma Yasmin. Apesar de os artistas do selo serem diferentes entre si, todos caem
A banda Meyot se apresenta no Estúdio Aurora, em Pinheiros
na categoria “alternativo”. Para Cainan, o potencial de crescimento do público é gigantesco: “no dia que a gente conseguir sair um pouco da experimentação e flertar mais com o pop, acho que o alternativo vai começar a crescer mercadologicamente, não só culturalmente”. Ele vê o cenário independente paulistano como burguês demais. “Sinto falta da descentralização da cena. Queria que houvesse mais artistas de bairro, pessoas com outras visões, que não conhecessem já todo mundo, aí talvez conseguíssemos uma pluralidade maior. Sinto muita dificuldade em juntar artistas da periferia, que na maioria das vezes chegam para a gente com uma imagem de rap, e nem sempre é isso”. Já Arthur Montenegro, guitarrista e vocalista da banda Meyot, diz ter uma visão menos inserida por ser natural de Belém, porém é mais positivo do que Cainan. “São Paulo não tem uma cena que você pode falar como Goiânia, que tem o rock psicodélico, ou a cena das bandas revival dos anos 60 no Rio Grande do Sul. Eu acho a cena de São Paulo muito plural e isso faz dela única”. Ele acredita
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que a internet criou um espaço mais justo para todo mundo, mas isso não é o bastante. “As bandas têm que saber usar as mídias a seu favor. A gente tem tentando fazer isso, mas ainda estamos tateando. O som tem consumo, mas você cria identificação com as pessoas quando você se projeta e as pessoas se identificam”, diz. Para Arthur, falta um pouco de adesão na música independente brasileira. “Confesso que frequento uma camada da cena que é um pouco menos acessível. Não digo nem pelo som, mas até os lugares que a gente toca, que comportam poucas pessoas. Todo mundo é muito profissional, o que falta é a gente encontrar o discurso que faça captar as pessoas para o show. Talvez esse momento político que a gente vive agora, de tensão, acabe contribuindo para que as bandas comecem a alinhar um discurso que seja mais chamativo para as pessoas que se identificam com isso. O que já aconteceu no Brasil antes, na época da ditadura, que acabou fazendo aflorar muito a criatividade dos músicos, com a a tropicália e tudo mais, talvez aconteça isso aqui”, conclui.
The Voice Vagão Quem são e como trabalham os músicos que se apresentam no metrô Júlia Marto Sâmara Morales
O músico Pedro Leoname se apresentando em um carro da linha vermelha do metrô
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o entrar no vagão do metrô, Pedro Leoname chama a atenção dos passageiros colocando a mão em um ponto eletrônico imaginário. “É isso aí, produção, tá lotado aqui. Pode fechar”, diz ele, esperando o sinal sonoro que indica o fechamento iminente das portas. Com abordagem cômica, Leoname (“Emanoel” de trás para frente, como ele próprio explica) conquista a simpatia dos passageiros em um número de voz com ukulele. “Em São Paulo, a única maneira de dar certo mesmo é você ser um pouco palhaço. Quando você quebra esse gelo, a pessoa fica muito mais receptiva ao som”, diz o músico. De fato, quando pede que os passageiros cantem junto, se ouvem algumas vozes tímidas. Mesmo quando há silêncio, o cantor arranca risadas, brincando: “que coro lindo!” Natural de Recife, Leoname mora em um hostel onde trabalha à noite, deixando os dias livres para percorrer várias linhas do metrô e da CPTM mostrando seu talento. Segundo ele, o dinheiro recebido é suficiente para se manter, e a população é geralmente receptiva aos músicos. Outros artistas e vendedores evitam entrar no mesmo carro, para não se
atrapalhar. O único empecilho, portanto, são os seguranças. “Se (eles) nos veem tocando é game over. É bem incomum eles não te retirarem da estação”, lamenta. Também nordestino e músico, Evangelista Amarante toca no metrô de São Paulo há vinte anos e raramente sofreu abordagem mais violenta. Segundo ele, lidar com os seguranças é simples: “Eles chegam, tiram a gente, a gente respeita o trabalho deles, depois a gente volta”, confessa. Procurado pela reportagem, o Metrô, por meio de sua assessoria, informou que a empresa não se disponibilizaria para entrevistas. Mas se posicionou em nota: “A Companhia do Metrô de São Paulo é a favor da liberdade de expressão, manifestação cultural e artística em suas dependências (...). Programas de incentivo, como a Linha da Cultura, promovem diversas ações para que os artistas possam divulgar seus trabalhos, como mostras de artes visuais, performances, apresentações musicais e teatrais, em instalações organizadas para visitação pública pré-determinada nas estações. Os espaços para as apresentações gratuitas são cedidos sem custo, mediante cadastro e autorização prévia, de modo a não interferir na
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operação do transporte bem como na circulação, comodidade e segurança dos passageiros”. Sobre as apresentações nos trens, o posicionamento é o seguinte: “Para não interferir na operação do sistema metroviário, bem como na circulação, comodidade e segurança dos passageiros, a apresentação de músicos dentro dos trens do metrô de São Paulo é vedada pela legislação que regula o transporte metroviário em São Paulo”. Por fim, a empresa informa que implantou, “junto à Secretaria de Estado da Cultura, o projeto `Músicos de Rua` para profissionais e amadores que desejam se apresentar em estações do Metrô”. Entre os passageiros, é raro encontrar quem reclame dos músicos. O estudante Gustavo Gimenez, 19 anos, é um deles: “Penso que músicas do metrô podem ser inconvenientes para alguns, e eu me ponho no lugar do outro que talvez não goste. Sabendo também que a pessoa só quer ganhar a vida, penso que metrô não é lugar certo para isso”. Ele diz também que a situação do músico de rua é diferente, já que ele “não está obrigando ninguém a ouvir”. Desde julho deste ano, porém, Gustavo é obrigado a ouvir seleções musicais da própria empresa dentro dos trens. As playlists incluem bossa nova, jazz, MPB e reagge, e são organizadas pela empresa CC&P pelo custo de 39 mil reais por mês. Apesar disso, toca com irregularidade e não faz sucesso entre os passageiros. Entre eles, é comum a impressão de que o barulho só serve para atrapalhar ambulantes, pedintes e artistas. Evangelista Amarante comenta: “Acredito que foi para tirar os músicos”. Se funciona? “Funciona... é difícil ter um vagão que não tenha música, até o pessoal reclama porque colocam muito alto”. Leoname apoia essa visão: “Por aí você tem uma ideia do poder que a música tem: eles tentaram combater música com a própria música”.
Islamismo tropical Em um país miscigenado como o Brasil, os muçulmanos mantêm vivos os seus valores Ana Beatriz Dias Zeinab Karnib
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e acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil abriga mais de 1 milhão de estrangeiros, sem contar seus filhos, netos etc. Só de libaneses e descendentes são quase 10 milhões. Ainda de acordo com os dados do censo demográfico de 2010 do IBGE, há 35.167 praticantes do islamismo por aqui. Mas o número, de acordo com a própria comunidade, é muito subestimado. Os imigrantes, em sua maioria sírio-libaneses, estão presentes em solo brasileiro há mais de 300 anos. A chegada teve início no século 19, após uma visita do Imperador Dom Pedro II ao Líbano que estimulou a imigra-
vência entre diversas religiões e, com isso, os centros têm cultos abertos para brasileiros convertidos ao Islamismo. O sociólogo Rafael Schüler, 36 anos, afirma: “A incorporação do islamismo à cultura brasileira é um processo que precisa acima de tudo enfrentar o preconceito e a intolerância religiosa oriunda da falta de conhecimento de grande parte da população”. José Batista dos Santos, 57 anos, é natural da Bahia e começou a seguir o islamismo em 1996, mas se converteu à religião só em 2000. “A conversão se deu por uma questão de lógica. É uma religião de disciplina, que você pode trazer para sua família, para a criação dos seus filhos e se torna também a religião da obrigação
Encontro de mulheres árabes com o Sheikh Bilal Wehbi
ção para o Brasil. O número de muçulmanos – religião seguida pela grande maioria das pessoas que imigraram – é relativamente pequeno. Isso se deve à iniciativa tardia da Sociedade Beneficente Muçulmana em construir a primeira mesquita no país em 1942. Ahmad Aaref Abdul Latif, de 69 anos, chegou no Brasil há mais de 50 anos e conta: “Eu morava no Paraná e a presença do islamismo era bem escassa, tinha pouca influência, em Londrina havia somente uma mesquita”. Ele continua dizendo que sente de escolas. “Isso é fundamental na vida de qualquer cultura, povo”, afirma. O Brasil possibilita a convi-
perante Deus”. Ele continua dizendo que sentiu sua vida mudar ao conhecer as regras islâmicas. Hassan Gharib, presidente da Associação Religiosa Beneficente Islâmica do Brasil, explica: “A religião está em constante evolução e a islâmica é dividida em duas etapas: a primeira é representada pelas crenças, fundamentos, pilares, e a outra etapa consiste nos afazeres, obrigações”. Mas em um país com tamanha diversidade de crenças como o Brasil, como fazer para conservar os costumes tradicionais da religião? “Será possível somente através da língua. A língua árabe está bem preservada
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Interior da mesquita visto de cima
no Brasil e, apesar dos seus altos e baixos, sempre teve nível bem diferenciado. É graças ao conhecimento da língua que é possível conhecer os costumes e cultura desse povo”, diz Hassan ao nos mostrar a Mesquita do Brás. Em contrapartida, Ahmad diz que ainda não considera a religião islâmica bem representada no Brasil. “Tentamos pregar o básico da religião com os filhos, representantes da próxima geração, mas eles têm uma formação diferente”. Sobre isso, o teórico Schüler diz: “A religião sofre influências devido à modernização e ao contato com outras culturas, portanto devemos estar atentos para que sua essência não se perca”. Ali Awada, 19 anos, brasileiro e descendente de pai e avós árabes, diz: “é por meio de ensinamentos que me passaram durante a infância que me tornei uma pessoa certa no aspecto religioso”. Ele ainda cita que todas as lições estão sendo colocadas em prática e que deseja manter a tradição passando o que aprendeu para as próximas gerações. Para o estudante, a herança cultural que é passada de geração em geração é o melhor modelo para se manter as tradições. “Dentro das tradições muçulmanas, ela é ainda mais forte pois as relações familiares são muito valorizadas”, completa.