JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ed. 206 - DEZEMBRO / 2018
A ROTINA DE UMA GARI EM SÃO PAULO - p. 12 LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:
VISITAMOS UM ACELERADOR DE PARTÍCULAS - p. 2 A AIDS AMEAÇA OS JOVENS BRASILEIROS - p. 3
A MAGIA DO CIRCO SOBREVIVE ALÉM DA TENDA Por Raquel Oshio e Thábata Bauer - p. 13
A IMPORTÂNCIA DO INCENTIVO PARA O CINEMA NACIONAL - p. 5 EVENTO SIMULA REUNIÕES DA ONU NO BRASIL - p. 9
Uma luz na ciência brasileira Acelerador de partículas Sírius, em Campinas, promete avanços em várias áreas da pesquisa nacional Tomaz Belluomini Gabriel Monteiro
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scondido em Campinas e desconhecido do público, há um grande tesouro da ciência e pesquisa nacionais. O CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) é uma organização privada sem fins lucrativos destinada à pesquisa e inovação nos setores de Nanotecnologia, Bioetanol, Biociência e Luz Síncrotron. Uma das iniciativas do centro, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), receberá uma das maiores e mais complexas infraestruturas de pesquisa já construídas no país, o Sírius. O projeto com nome de constelação é um gerador de Luz Síncrotron (um tipo especial de onda eletromagnética) formado por três aceleradores de partículas integrados entre si. Os aceleradores têm as funções de acelerar o elétron, aumentar sua velocidade e gerar a luz síncrotron. Essa luz é uma radiação que tem amplo espectro radiomagnético composto por luz infravermelha, ultravioleta e Raios-X e o pesquisador pode selecionar com qual destas quer trabalhar dependendo do que quer estudar e do material de análise. Parece delírio de cientista maluco, mas a verdade é que o Sírius terá um grande impacto na sociedade, a começar pelo desenvolvimento de tecnologia em nosso país. É o que diz o analista do departamento de ímãs do laboratório, Vitor Soares, de 27 anos: “Como tudo é produzido nacionalmente, desde os projetos até os componentes, o Sírius acabou movimentando e aperfeiçoando a tecnologia até daqueles que prestam serviços ao projeto”. Ele completa: “O Brasil acaba produzindo tecnologia, não só importando”. O país já possui um acelerador de partículas desde 1997, o UVX, também em Campinas. Como o Sírius, ele é um gerador de luz, porém, suas especificações são muito inferiores ao novo projeto. A física Ingrid Barcelos, de 32 anos, diz que o novo projeto
Antigo gerador UVX, que será desativado com a inauguração do Sírius
é um salto do mundo microscópico para o nanoscópico (um micrômetro equivale a um milionésimo do metro, e um nanômetro é mil vezes menor do que isso) . “É como se iluminássemos uma bola de baseball com uma lanterna e agora, com o Sirius, passássemos a iluminá-la com um laser, muito mais focado e com muito mais penetração”. Douglas Galante, de 36 anos, faz pesquisas paleontológicas no laboratório desde 2010 e afirma: “Hoje nós estudamos fósseis de milhões de anos atrás, como insetos. Aqui no Sirius, poderemos retroceder no tempo bilhões de anos, quando só havia seres unicelulares em nosso planeta, podendo saber a composição desses seres vivos e até a origem da vida”. O pesquisador também ressalta que a velocidade dos estudos será muito maior, uma vez que, hoje, utilizamos cerca de 30 minutos para analisar uma amostra, o que pode ser reduzido a segundos. Isso, para Douglas, incentivará a pesquisa do ramo e a exploração de um dos locais com maior concentração de fósseis inexplorados no mundo, a Chapada do Araripe. O acelerador, quando inaugurado, poderá receber projetos externos de universidades, empresas, pesquisadores independentes etc. Estes serão submetidos à análise por uma equipe sem vínculo com o laboratório e, se aprovadas, serão subsidiadas pelo governo. Em contrapartida, todos os artigos publicados com o auxílio do Sirius devem creditar o laboratório. Se algu-
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ma empresa privada tiver a intenção de patentear algum estudo, será feito um acordo entre a empresa e o LNLS. A construção do Sirius tem orçamento de R$ 1,8 bilhão ve deverá ser concluída até 2021, quando o equipamento estará totalmente operacional e poderá abrigar até 40 linhas de luz. Mas a operação da fase inicial está prevista para ter início no segundo semestre de 2020 com seis dessas linhas. O Sírius já foi inaugurado e passará por testes nos próximos meses. Para todos os pesquisadores entrevistados, ele representa um avanço incalculável na ciência brasileira. Com ele, o Brasil deixa de ser coadjuvante e assume o protagonismo mundial.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
A Aids ressurge entre os jovens Índice de jovens contaminados cresce no país e gera debate sobre políticas de prevenção Francesca Ferraracio Bellelli Pedro Henrique Oliveira
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“Dezembro Vermelho”, que promove a conscientização e prevenção contra a Aids, chega no momento certo, pois o país assiste a um ressurgimento da doença que preocupa médicos e o governo. Os jovens são o principal grupo atingido, fato que não ocorre apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. O Boletim Epidemiológico HIV / AIDS 2017 do Ministério da Saúde apresenta um dado preocupante em relação aos jovens, principalmente do sexo masculino. Em 2006, a taxa de detecção do vírus em homens de 20 a 24 anos era de 16% a cada 100 mil habitantes. Em 2016, essa taxa passou para 33,9%. Entre 15 a 19 anos, a taxa era de 2,4% em 2006 e passou para 6,7% em 2016. Essa estatística mostra que cada vez mais os jovens têm contraído o HIV. E existem alguns motivos para isso. Francisco Ivanildo de Oliveira Jr., supervisor do ambulatório do Instituto Emílio Ribas, acredita que o aumento se deva ao comportamento dos jovens e ao avanço do tratamento. “As pessoas estão mais liberadas no comportamento sexual, com mais parceiros, além do início precoce da vida sexual”, diz. Ele complementa: “hoje as pessoas, eventualmente, têm relacionamentos com pessoas do mesmo sexo mesmo sem se considerarem homossexuais”. Essa mudança de comportamento, de acordo com o especialista, aumenta a possibilidade de exposição à doença. No tratamento, Francisco afirma que os remédios se tornaram menos invasivos e mais fáceis de serem administrados. “Antigamente, um diagnóstico de HIV era como um atestado de óbito sem data, mas hoje o impacto é menor, embora exista. Antes, para você convencer uma pessoa a usar preservativo era mais fácil porque não havia alternativa. Nos últimos 20 anos, com avanço do tratamento, ocorreu uma desmistificação da AIDS”, afirma. Paulo Abrão Ferreira, chefe do
ambulatório de infectologia da Universidade Federal de São Paulo, diz que os remédios ficaram melhores e os pacientes têm uma boa qualidade de vida, apesar de tomarem os remédios para sempre. Em paralelo, foi feito um esforço para diminuir o preconceito e a discriminação, e a nova geração nasceu em uma época que a doença não é mais fatal. “Isso gerou uma banalização”, diz. Hoje, os medicamentos contra o HIV são as chamadas profilaxias pré-exposição (PrEP) e a pós-exposição (PEP), com drogas disponíveis na rede pública de saúde. O medicamento de PrEP mais conhecido é o Truvada. Segundo o médico da Unifesp, o remédio deve ser tomado todos os dias. Para que a proteção seja máxima, o homem deve tomar 7 dias e a mulher 21, já que ele demora mais para chegar nas mucosas vaginais. A PrEP deve ser seguida por pessoas que têm alto risco, como homens que fazem sexo com homens e têm relações sexuais sem preservativo com múltiplos parceiros, transexuais, trabalhadores do sexo e parceiros que são sorodiferentes, ou seja, quando um tem HIV e o parceiro não. Em parceria com a Organização Mundial da Saúde, o Ministério advogou que o preservativo deve ser divulgado e oferecido, mas, segundo Paulo, não adianta falar sobre isso, pois até agora a medida não foi suficiente. A estratégia de ambos os órgãos é oferecer várias formas de prevenção, como preservativo masculino e feminino, vacinas, lubrificante, PrEP e PEP. Além disso, os serviços de saúde tentam facilitar o acesso das pessoas a informações, como a disponibilização de autotestes, que podem ser comprados em farmácias, pela campanha “A Hora é Agora”, do estado de São Paulo, que consiste em pedir um kit de diagnóstico ou testes gratuitos nas unidades de saúde. Ângela Freitas, do serviço de extensão ao atendimento de pacientes com HIV/AIDS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (SEAP
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HIV/AIDS), diz que é fundamental a disseminação das outras formas de proteção. “É difícil utilizar camisinha todas as vezes, até por isso outras estratégias são importantes e todos precisam saber que existe a PEP e a PrEP”, diz. Fora isso, ela apresenta outro panorama para os números. “Um subgrupo em especial tem levado essa estatística para cima, o dos homens que fazem sexo com homens. Mesmo assim, não acho que seja banalização, mas falta de entendimento’, diz. O SEAP HIV/AIDS também conta com uma equipe voltada ao atendimento psicológico. Daniela Aparecida Cardoso da Silva, psicóloga que trabalha com pacientes portadores do HIV, conta como é o processo. “Depende de como foi a transmissão. Quando vou dar o diagnóstico para jovens há o impacto, mas a pessoa tem outros aspectos que devem ser considerados, como trabalho, estudo e suas relações”, diz. Ela também relata que um problema comum ocorre na hora de contar para o parceiro ou de se relacionar. “A sensação é de que a pessoa perde valor na dinâmica relacional, ela não escolhe o parceiro, mas se deixa escolher. Ela usa preservativo não para se proteger, mas para proteger o outro, como se ela fosse um perigo para o parceiro”, diz.
Paulo Ferreira com as profilaxias
O frio e a fome são reais Projetos sociais beneficiam pessoas que precisam de agasalhos e alimentos em São Paulo projeto “Cabide Solidário”. “Vou tivesse a ver com esse projeto lindo. confeccionar novas placas e espero Arrecadamos comida, cobertores e ma campanha diferente que o projeto chegue a outros esta- às vezes agasalhos”, explica. busca aquecer as pessoas dos”, explica ele. As entregas são feitas nas durante o frio do inverno Outra iniciativa realizada des- ruas de toda a região do centro de paulistano desde 2016. As de 2015, entre os meses de fevereiro São Paulo. Os alimentos são prepabaixas temperaturas despertam a so- a dezembro, a campanha “Anjos da rados pela dona de casa Maria Elialidariedade da maioria da população, noite”, é um apoio a muitas pessoas ne Mesquita, 46 anos. “Quando fiquei pois muita gente se preocupa com de comunidades vulneráveis que so- sabendo do projeto, logo me ofereci quem não tem uma roupa adequada frem com a fome nas ruas de São para ser a cozinheira. Eu amo cozipara vestir. Diante dessa situação, o Paulo. A iniciativa tem como objetivo nhar, agora cozinho com mais amor”, empresário Eduardo Gandra, 42 anos, a arrecadação de mantimentos como afirma. criou o projeto “Cabide Solidário”. bolachas, leite e, principalmente, arOs locais de entrega são semA ideia é do próprio Eduardo roz, feijão e tipos variados de carnes, pre os mesmos. Os carros chegam e e surgiu a partir das necessidades dos além de cobertores em bom estado, os moradores de rua já estão à espemoradores de rua presenciadas por que são doados às famílias necessita- ra. “Eu sempre estou nos locais marele. A ação é simples: consiste em co- das. cados para pegar comida, toda semalocar uma placa com apenas dois aviAs arrecadações começam no na fico preparado porque sei que eles sos fáceis de entender em locais de mês de janeiro, quando moradores de virão”, relata o morador de rua José grande movimentação, como avenidas. toda região doam mantimentos e co- da Costa, 56 anos, que estava na Praça “Se a pessoa estiver passando e pre- bertores para que o grupo “Anjos da da Sé quando o grupo se aproximou. cisar de uma roupa de frio, ela pode noite” comece os preparativos para A ideia de Vanessa é continuar com o pegar uma peça. Caso ela não preci- as doaçõesw, que são realizadas uma projeto. “Eu adoro a tia Vanessa, quanse, mas tenha algo que não use, pode vez por semana durante todo o ano. do ela vem eu sei que vou ganhar codeixar no cabide para que o próximo A ideia surgiu atrás de Vanessa Jordão, mida quentinha e cobertor para dorque passar utilize”, diz Isabela Olivei- 37 anos, dentista. “A campanha sem- mir com meus pais e meus irmãos”, ra, 27 anos, recepcionista da academia pre foi meu desejo. Eu parei para pen- diz Gustavo Barbosa, 9 anos, morador Ecofit, na Aclimação, há três anos. sar em um nome para esse grupo que de rua que também esperava as doaAo todo são 10 placas espa- criei, e teria que ser um nome que ções na Sé. lhadas por postes no bairro Aclimação. A ideia chama a atenção de quem passa por esses locais diariamente. “Achei o projeto interessante. Muitas pessoas estão passando frio e todo mundo pode ajudar deixando uma peça de roupa pendurada no cabide”, diz a dona de casa Sonia Oliveira, 48 anos. A atitude simples ajuda moradores de rua e pessoas carentes nas épocas frias do ano, principalmente no inverno. “Muitos moradores de rua, como eu, se aquecem no frio com os agasalhos deixados nos cabides. Sentimos o amor das pessoas”, diz a ex-moradora de rua Zelia Maria Salamanca, 55 anos, que conseguiu alugar um quarto perto dos locais em que a campanha está ativa. O objetivo de Eduardo, proprietário da academia Ecofit, é espalhar a ideia por toda a região e conquistar outros adeptos para o Gustavo e Diego alimentando-se das doaçōes Fernanda Silva
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A força da indústria cinematográfica Produções audiovisuais continuam crescendo e atraindo grande públicos mesmo diante da crise João Pedro Isola
dá muita importância para a prática: “A AIC dá apoio fazendo empréstimos de equipamentos, facilitamos as produções acontecerem”. E complementa: “Eu, como coordenadora de produção, ajudo a encontrar as locações, ajudo com as documentações necessárias, no caso de projetos com crianças, por exemplo”. Esse crescimento na área se deve muito ao setor público. Órgãos oficiais, como a Agência Nacional do Cinema (ANCINE), decretos e leis de incentivo, como o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), Programa de Ação Cultural (ProAC) e a Lei Rouanet, todos têm uma coisa em comum: foram Juliana Salazar enfatiza a importância de incentivos à cultura para a economia decretados há menos de 20 anos, e m meio à crise econômica dos mais de 160 mil empregos diretos nesse período alcançou um crescido país, o brasileiro continua e mais de 327 mil empregos indiretos mento vital para a cultura, e princiindo ao cinema. O Observa- no país no mesmo ano. Esses são nú- palmente para a indústria cinematotório Brasileiro do Cinema e meros do Relatório de Contribuição gráfica. Mesmo com este histórico do Audiovisual (OCA) constatou que, Econômica co-patrocinado pela Mo- ainda são muito vulneráveis sujeitos em 2017, o público foi mais de 180 tion Picture Association Brasil (MPA) à política. Em 2016, por exemplo, o mil pagantes, arrecadando mais de R$ e do Sindicato Interestadual da Indús- presidente Michel Temer extinguiu o Ministério da Cultura e o reincorpo2,5 bilhões. Em 2009, a renda foi de tria Audiovisual (SICAV). Um bom exemplo do êxi- rou no Ministério da Educação, mas, um pouco mais de R$ 900 milhões. A quantidade de salas de exibição no to do novo cinema brasileiro é Tato depois de protestos da classe artístipaís aumentou 52%, principalmente Siansi, fundador, juntamente com Sa- ca, a decisão foi revista e o ministério em cidades que possuem entre 20 mil muel Galli e Victor Molin, da Kauza- voltou a existir. Tato e Juliana pensam que o re Filmes, da produtora audiovisual e 100 mil habitantes. As produções nacionais tam- situada em Ribeirão Preto, interior próximo presidente, Jair Bolsonaro, bém cresceram. Ano passado, 160 de São Paulo, criada em 2009. Tato pode tomar medidas parecidas com a filmes brasileiros estrearam nas salas trabalhou como Produtor Executivo de Michel Temer. Entre suas propostas de cinema. Em 2009, apenas 84. Com e Assistente de Câmera no longa- está a extinção do Ministério da Culisso, vieram recordes de bilheterias, -metragem de terror “Mal Nosso”, da tura para rebaixá-lo para uma Secrecomo o caso de “Os Dez Mandamen- produtora paulista, filme selecionado tária. “Ainda no Brasil os filmes são tos” (2016), filme para o qual foram para muitos festivais internacionais: feitos na sua maioria com leis de invendidos mais de 11 milhões de in- Rússia, México, Inglaterra, Espanha e centivos, projetos cultuarias e fundos. gressos, com bilheteria de mais de R$ Estados Unidos. “Foi um sonho rea- Algo que pode ser constantemente 145 milhões. Os longas-metragens, lizado. Nosso único objetivo sempre mudado de acordo com o governo documentários e animações brasilei- foi fazer, não importava onde iria che- que está eleito no Brasil”, diz Tato. “Esse crescimento que a genros tiveram mais participação em fes- gar, só queríamos produzir um longa tivais internacionais, sendo aclamados que agradasse o maior número de te teve nos últimos tempos, que se pela crítica. Stephen Holden, crítico pessoas. Não imaginávamos que ele deu exatamente por conta dessas políticas públicas, dessas leis de incentido The New York Times, selecionou poderia chegar tão longe”, diz Tato. Juliana Salazar é produtora vo, como o Fundo Setorial, a ProAC e “Boi Neon” e “Aquarius” como um audiovisual há 18 anos, e há quase 4 tudo mais, talvez acabe. Então vai ser dos 10 melhores filmes de 2016. Segundo o IBGE, em 2014, as anos é coordenadora dos cursos da mais difícil produzir cinema no Brasil, atividades econômicas do setor au- Academia Internacional de Cinema, mas a gente não vai deixar de lutar, diovisual foram responsáveis por R$ AIC, em São Paulo. A escola de cine- a gente vai continuar tentando via24,5 bilhões da economia brasileira, ma, com sedes em São Paulo e no Rio bilizar, possibilitar, ajudar. Mas vai ser 0,46% do PIB brasileiro. Foram cria- de Janeiro, segundo a coordenadora, mais difícil”, complementa Juliana.
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Paixão em quadrinhos Apesar da internet, o mercado de revistas e gibis segue em alta no Brasil João Victor Vianna João Pedro Salles
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paixão pelos quadrinhos costuma nascer graças ao incentivo da família. Esse é o caso de Thiago Brizzi, 33 anos, colecionador de quadrinhos desde a sua infância. Segundo ele, os pais sempre incentivaram a leitura e as histórias em quadrinhos foram as que mais o encantaram. A paixão continua até hoje, mesmo depois de tantos anos. Em sua coleção, Thiago tem mais de 400 gibis e revistas. Thiago não faz parte de um grupo muito seleto de leitores, afinal, são milhões de pessoas ao redor do mundo que leem as mais variadas histórias em quadrinhos. Em agosto de 2016, segundo o site especializado Comichron, foram vendidas mais de 10 milhões de revistas e gibis nos Estados Unidos, movimentando mais de 1 bilhão de dólares. Em 2017 houve uma queda de 6,5% no mercado, mas os números ainda são muito expressivos. Ao que tudo indica, o brasileiro é tão apaixonado quanto o americano pelas histórias em quadrinhos. Prova disso é o sebo Rika Comic Shop, localizado na Rua Augusta, no coração de São Paulo. Somente nesse sebo existem 100 mil títulos de histórias em quadrinhos à venda. Nem todos os títulos estão disponíveis nas prateleiras e, nesses casos, a
Thiago Brizzi, colecionador de HQs
Fachada da loja Rika Comic Shop, na Rua Augusta, em São Paulo
venda é realizada após consulta aos estoques da loja. Para Flávio, funcionário da loja, o avanço da internet não atrapalha as vendas de quadrinhos porque o leitor é fiel e, em geral, gosta de colecionar as histórias que lê. “Existem dois tipos de compradores que vêm até a loja, os leitores e os colecionadores”, diz Flávio (ele não quis revelar o sobrenome), vendedor da Rika. Ainda de acordo com ele, existem compradores de quadrinhos que muitas vezes nem abrem o gibi para ler, pois compram somente para ter e guardar em sua coleção. Para tais compradores as histórias mais raras são as mais interessantes. Na loja em que Flávio trabalha, por exemplo, há gibis de todos os valores, de 3 a 700 reais, mas o vendedor diz que o gibi mais caro que já viu entrar na loja foi um mix de histórias da Disney que foi avaliado em 5 mil reais. Os filmes que são baseados em super-heróis ajudam a alavancar as vendas. Flávio argumenta que, com os filmes, as pessoas ficam curiosas e passam a querer procurar pelas histórias, fazendo com que todo o tipo de cliente vá até a loja. Segundo ele, os filmes também ajudam a desmistificar os leitores. Antes do sucesso dos filmes, os leitores de quadrinhos eram vistos como “crian-
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ções que não tinham crescido ainda” e hoje essa visão dos amantes dos gibis já não é mais tão propagada. São justamente os famosos heróis de cinema que mais venderam quadrinhos até hoje, segundo o site Collectors Room: Capitão América (210 milhões de cópias), X-Men (270 milhões de cópias), Homem-Aranha (360 milhões de cópias), Batman (460 milhões de cópias) e o maior sucesso dos quadrinhos, Super-Man, que vendeu 600 milhões de cópias. Mas não são somente os quadrinhos produzidos nos Estados Unidos que fazem sucesso por aqui. O gibi Turma da Mônica é sucesso no Brasil desde a década de 1960, quando começou no jornal. Passando pela década de 70, quando ganhou a vida nas revistas em quadrinhos, já são 58 anos de Turma da Mônica e ela parece mais atual do que nunca. Geralmente, a paixão por quadrinhos se cria no leitor já crescido por meio das leituras feitas em sua infância, e os números quanto a isso são muito expressivos. Dados da revista Meio & Mensagem mostram que, no ano de 2014, em algumas das grandes metrópoles do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, 79% das crianças na faixa etária de 6 a 11 anos leem ou já leram HQS.
Atletas do asfalto Cada vez mais populares, as corridas de rua atraem adeptos em todo o país Leonardo Alcantara Lucas Assumpção
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s corridas de rua têm crescido, em popularidade, cada vez mais nas últimas décadas. De acordo com a Federação Paulista de Atletismo, o número de eventos subiu, entre 2004 e 2017, de 107 para 436 corridas anuais. Hoje elas formam comunidades, motivam viagens e movimentam grandes eventos por todo o Brasil. Carmen Cipolla, de 47 anos, inspirada pelos grupos de corrida de sua academia, decidiu adotar a rotina de treinos. “Fiquei curiosa. Era um povo tão animado”, afirma, sobre os colegas que se reuniam semanalmente para correr. “O problema era que, na minha cabeça, eu tinha outra ideia do que era a corrida. Achava que precisava ser um Usain Bolt, e só mais tarde descobri que não era nada disso”, diz. “Eu podia correr devagar, pelo tempo que fosse necessário. E foi assim que comecei: sem fôlego, mal aguentando 500 metros sem pausa, mas insistindo”, relembra. A transição para as ruas não foi fácil. Como descrito por Carmen, o praticante sente diferença no percurso, cujo terreno tem desníveis e buracos que em nada se assemelham às esteiras. “Nas ruas, por causa do esforço, cheguei a lesionar a panturrilha”, conta. “Isso foi o que me deu mais problemas. Hoje eu foco muito na musculação para fortalecer os membros para as ruas e, claro, para evitar futuras lesões”, afirma. Quando começou, corria cinco quilômetros. Hoje dobrou a distância e pretende atingir quinze. Na esteira, treina duas vezes por semana, intercalando com musculação. Costuma ir às ruas 14 ou 15 vezes por ano. “Já cheguei a fazer três corridas num só mês. É ótimo”, recomenda. Embora não consulte um professor, ela atenta muito à prática segura e correta da corrida. Além disso, alerta para os riscos da falta de orientação, especialmente para quem está começando. Segundo ela, a pes-
Carmen Cipolla, 47, exibe suas medalhas de provas de corridas de rua. soa deve, pelo menos, se informar sobre os percursos mais fáceis e os mais difíceis e avaliar qual se adequa melhor a seu nível. A estrutura do evento também é muito importante, argumenta ela, pois já chegou a participar de alguns que não dispunham nem de água. “É melhor se prevenir para ser bem assessorado, senão o risco é maior que os benefícios”, diz. Ela também explica o aspecto psicológico, que considera fundamental. “A corrida não é só corpo; é mente também. Aprendi que a gente acaba se conhecendo melhor quando traça um objetivo e quer aumentar os quilômetros. Portanto, quanto maior a corrida, mais precisam estar em dia a introspecção, a conversa consigo mesmo e o controle psicológico. Isso me desafiou, me trouxe um autocontrole que eu não tinha. Eu era muito impulsiva, e a corrida me trouxe concentração e disciplina. Ainda correrei por mais muitos quilômetros”. Júlia Cadete, por sua vez, inspirou-se no relato de seu primo, que chegou a emagrecer 20kg com a prática da corrida. Suas maiores dificuldades foram relacionadas ao fôlego e
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à resistência, que a obrigavam a parar diversas vezes no caminho. Júlia, ao contrário de Carmen, nunca sofreu lesões ou experiências negativas. Para ela, as maiores vantagens da corrida são o baixo custo e a acessibilidade. O grupo de que participa, “Vem com nóis”, encontra-se todas as semanas para correr 3km. “Tem gente de todas as idades, a gente escuta música na corrida e, às vezes, dança nas paradas dos semáforos. Prefiro correr em grupo”, diz. Os aspectos emocionais e sociais são, para Júlia, tão importantes quanto as mudanças físicas. “Já fui para lá triste e voltei para casa me sentindo muito melhor”, descreve. Por ter feito várias amizades “com a mesma paixão”, Júlia enxerga a corrida como “o esporte individual mais coletivo que existe”. Sua maior lembrança foi quando, ao fraquejar diante de 6km, as pessoas a seu redor começaram a incentivá-la, até que Júlia obtivesse o resultado desejado. “Faz toda a diferença. Consegui os 6km que eu queria e, mais do que isso, uma nova e verdadeira paixão”, finaliza.
O vinil não acabou O mercado dos LPs movimenta fábricas, lojas e ainda empolga os colecionadores Lucas Vianna Pedro Carrijo
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s discos de vinil são relíquias valiosas para determinadas pessoas, desde aquelas que colecionam até as que vendem e os fabricam. No Brasil, a Polysom, fundada em 1999, é a única fábrica que ainda produz novos discos de vinil. A planta de produção fica em Belford Roxo, munício da chamada Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com Luciano Barreira, 42 anos, atendente comercial da empresa, são fabricadas aproximadamente cem mil unidades por ano. Nada que se compare aos tempos áureos da era pré-Spotify, em que os discos de vinil eram a principal mídia para quem gosta de música, ao lado da também pré-histórica e quase extinta fita cassete. Em meados da década de 1980, por exemplo, alguns LPs, como o “Rádio Pirata ao vivo”, da banca RPM, chegavam a vender mais de 3 milhões de unidades. Luciano deixa claro que não há mercado suficiente no momento para abrirem mais alguma fábrica no país e conta que, para as vendas melhorarem, o ideal seria conseguir uma baixa de preços, mas infelizmente não há como fazer isso pois os insumos são extremamente caros. Para completar, a crise econômica por que passa o país não ajuda nos negócios. Para sairmos do contexto da produção dos discos de vinil e entrarmos na questão das vendas, fomos até o terceiro andar da Galeria do Rock, em São Paulo, para conversar com o dono da loja Baratos e Afins, Sebastião Calanca, 61 anos. Ele diz que neste ano de 2018 houve um aumento, não muito significativo, em relação aos anteriores. “Na nossa loja, a venda de discos nunca foi ruim, graças a Deus”. Assim como Luciano, da Polysom, o dono da Baratos e Afins há 40 anos acha que para melhorar de vez as vendas é necessário melhorar a situação econômica do país.
Sebastiao Calanca, dono da loja de discos de vinil
Perguntamos para ele quais discos de vinil eram os mais procurados na sua loja: “Os internacionais são Iron Maiden, Metallica e Rolling Stones. Já entre os nacionais, eu vendo bastante Tim Maia, Mutantes e Nação Zumbi”, diz Sebastião. Os preços dos discos podem variar de acordo com a alta do dólar e da sua procura. “Os nacionais saem em torno de 90 a 100 reais, já os importados, por conta do dólar, saem em torno de 120 a 190 reais. Mas também temos uns raros, que muitos procuram, que deixamos mais caros. Teve um caso que um cliente pagou 7.000 reais em um disco”, conta o dono da loja. Em relação às compras na internet, isso não preocupa Sebastião. Ele conta que a maioria do público de rock prefere ir à loja, sentir o disco nas mãos. E muitas vezes, os clientes chegam para comprar determinado disco ou CD e acabam levando outro por se encantarem. “Querem saber um fato curioso? Os meus clientes em geral nunca vêm para comprar algo que já assistem ou escutam, eles sempre acabam se interessando por bandas que não tem nada a ver”. E os colecionadores? Francisco José Felice, de 73 anos, começou a colecionar devido ao seu gosto pela música há muito tempo e já tem por volta de 200 “bolachas”, como também são chamados os vinis. Fran-
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cisco conta que é bastante eclético em relação à sua coleção. “Tenho de tudo, Bossa Nova, Jazz e outros, mas acho que meu preferido é realmente o Jazz”, diz. O cantor de quem Francisco tem mais discos é o clássico da música italiana Fred Bongusto. Mas com todos esses discos, será que Francisco ainda os escuta? “Eu escuto muito e, quando aparece alguma coisa interessante no mundo dos discos de vinil, eu compro”. Quando questionado sobre o motivo de os jovens não se interessarem tanto pelos discos de vinil, Francisco responde que eles (e elas) não tiveram essa cultura. Além disso, o aposentado ressalta que a qualidade do som do LP é melhor do que qualquer outra das tecnologias atuais e acredita que os discos serão fabricados por muito tempo.
Vitrine da loja Baratos e Afins
A ONU pode ser aqui Jovens simulam o ambiente das Nações Unidas e debatem questões mundiais Mariana Rodrigues
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eninas usando salto alto, camisas sociais e blazers e meninos com ternos e gravatas. Esse não o típico visual de estudantes universitários que saíram do ensino médio há pouco tempo, mas dentro de uma simulação estilo ONU é um dos requisitos necessários. Criada em 1927, nos EUA, as MUNs, sigla em inglês para “Modelo Nações Unidas”, têm como objetivo simular o ambiente da ONU, com comitês que debatem questões atuais mundiais, em que os delegados representam países e defendem seus pontos de vista. A primeira MUN foi feita por estudantes da Universidade de Harvard que queriam simular o ambiente da Liga das Nações, organização semelhante à atual ONU, após a Primeira Guerra Mundial. Mas foi somente depois da criação da ONU, em 1945, que a simulação recebeu o nome MUN e o modelo se popularizou pelo mundo. “A gente meio que brinca de ser ONU. Vai ter lugares fechados onde os delegados vão agir como se eles tivessem representando pessoas que existem, debatendo assuntos reais que são relevantes hoje”, conta Luana Gotardo, 18 anos, estudante de jornalismo na Cásper Líbero. Ela faz parte da equipe que organizou o USPMUN 2018, a simulação da Universidade de São Paulo, evento que reuniu mais de 150 jovens durante quatro dias no mês de outubro deste ano. A primeira simulação brasileira foi a AMUN, criada pelos estudantes de relações internacionais da Universidade de Brasília. Hoje são mais de 50 simulações no Brasil e cerca de 400 ao redor do mundo. Cada simulação acontece com seus próprios comitês. Alguns exemplos são o Conselho de Segurança, o Conselho Europeu, a Organização dos Estados Americanos e a Imprensa. Dentro de cada comitê são debatidos assuntos específicos e cada delegado tem sua representação, que pode ser de um país, um departamen-
Debate do comitê Periodic Review Board no USPMUN 2018
to, uma pessoa ou um jornal. “Representar um país diante da ONU. Eu sempre tive um interesse muito grande em saber o que era isso”, diz Sarah Vasconcelos, 18 anos. A estudante de relações internacionais da UNIP foi membro da OEA durante a USPMUN 2018. “Eu acho bastante interessante principalmente o meu comitê, porque é um comitê para auxiliar outros países, isso é fantástico”, conta. Assim como ela, diversos estudante de vários cursos, como direito, engenharia, sociologia, jornalismo e até mesmo medicina participaram do evento, por mais que a predominância seja de estudantes de relações internacionais. Para ela era a primeira vez, mas para alguns aquilo já era parte da rotina. A maioria dos delegados já tiveram algum contato com simulações ainda no ensino médio e a ideia de criar o USPMUN deste ano nasceu da necessidade de uma simulação grande para universitários na cidade de São Paulo. Os preparativos começaram mais de um ano antes e tudo foi organizado predominantemente pelos próprios alunos, com auxílio dos professores apenas para pesquisas e dúvidas. “As faculdades estão aderindo mais. Querendo ou não você junta vários estudantes inteligentes, que estão propagando a faculdade deles”, conta Rafaela Figueiredo, 20 anos, so-
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bre a dificuldade de achar um lugar para a realização do evento. A estudante de relações internacionais da Universidade de Brasília já participou de 10 simulações, foi diretora acadêmica de um comitê no USPMUN e fez parte do secretariado que organiza o evento, em outras simulações. “A simulação é um momento de você refletir sobre seu próprio cotidiano, sobre a própria realidade. E você tem que interagir e aprender a trabalhar com os outros”, descreve Rafaela. “É a completa integração, você começa a perceber o outro. É a mesma coisa quando você representa um país. Você não está debatendo temas, você está debatendo seres humanos”, conta. O comitê de Rafaela era o “Periodic Review Board”, dedicado a debater casos relacionados à prisão de Guantânamo, mantida pelos Estados Unidos em Cuba. Durante os quatro dias de reunião, o tema foi o caso de Mohamedou Ould Slahi, da Mauritânia, que, em 2016, após deliberação, foi libertado. A ideia era replicar, em 2018, o que havia ocorrido dois anos antes. No evento da USP, as opiniões foram divergentes: enquanto alguns optaram por mantê-lo na prisão, outros se manifestaram a favor da libertação. No fim, após um difícil consenso, a decisão final foi tirá-lo de Guantânamo, e enviá-lo de volta para a Mauritânia, onde ele seria julgado.
A importância de não esquecer Eventos como o Holocausto entram no currículo escolar com visitas a espaços dedicados ao tema Maria Mariana Amaro Nicoli do Céu N. P. Raveli
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ma maneira de tornar mais fáceis e dinâmicas as aulas com conteúdos mais complexos é a visita a museus ou instituições temáticas. Um exemplo é o Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto, no Bom Retiro, em São Paulo, que trata de dois assuntos comumente fora do entendimento de vários estudantes: a cultura judaica e o maior genocídio da história. Em 2017, o Memorial recebeu cerca de 170 grupos – os estudantes são recebidos em apenas três dias por semana. Professor Reuven explicando aos alunos sobre o holocausto Fernando Galhardo, 36 anos, é vente. “É triste saber tudo por que anos, falou sobre sua impressão após coordenador de esportes há 15 anos. aquelas pessoas passaram e o quanto a visita. “Foi muito chocante, porque Ele trabalha como profissional de sofreram”. Ela diz que já ouviu falar é um assunto que as pessoas normaleducação física na Unibes, União Bra- algumas vezes na escola sobre o Ho- mente não pesquisam a fundo. Nunca sileira Israelita do Bem-Estar Social, e locausto e sempre se interessou pelo paramos para pensar sobre o que o estava acompanhando alunos de 16 a assunto, dizendo que é algo chocante ser humano é capaz de fazer com o 19 anos em visita ao museu. Segundo e inexplicável, e somente quem viveu outro”. Segundo ele, a maldade do ele, a visita ao local, para os alunos, naquela época sabe o que realmente homem é algo em que ninguém pode é algo novo, que permite o acesso a sentiu. “A visita é muito importante colocar um limite. Com 61 anos, Reuven conta uma nova religião e à história. “Muitos para nós, jovens, e para todos, para não sabiam o que significava a palavra sabermos o que os judeus passaram que 40 foram dedicados a pesquisas sobre a cultura judaica e o holocaus‘holocausto’. É algo muito importante naquela época”, comenta Érica. O que mais chamou a atento. Por ser quem guia e organiza as vique aconteceu e os alunos têm que ção de Giovanna Caetano do Nasci- sitas ao Memorial, ele explica como a saber sobre o assunto”, afirma. Ele diz que, pelo fato de os mento, 16 anos, também estudante da procura por mais informações sobre jovens estudarem em uma instituição Unibes, foi o fato de que as pessoas esses assuntos aumentou e até mesjudaica, não há nada melhor do que nunca param para pensar no ocorri- mo superou as expectativas da equieles entenderem um pouco da histó- do e sua falta de empatia diante da pe. No próximo ano, Reuven revela ria dos judeus desde o genocídio até situação. Para ela, a visita ao museu e que a meta é que as visitas fiquem como eles se reergueram. A parte do a apresentação do professor Reuven entre 280 e 300 grupos por ano. O Memorial focada no holocausto com- Faingold, historiador e diretor educa- historiador finaliza enfatizando a impletou um ano em novembro.A estru- cional do museu, foram muito como- portância da preservação da memória tura do museu se divide em três an- ventes, pois a fizeram sentir tudo o do genocídio: “uma visita a esse lugar dares: no primeiro, há a sinagoga mais que os judeus viveram no Holocausto. tira os preconceitos das pessoas”. antiga do estado; no segundo, artigos Ela também explica que a importânhistóricos da cultura judaica em uma cia da visita faz com que as pessoas exposição interativa com o visitante, tenham um ponto de vista diferenciae no terceiro, um acervo vasto com a do, não só relacionado ao holocausto história da perseguição aos judeus e ou a Hitler, mas inclusive em relação recriação de vestimentas e ambientes à forma como vemos nossa própria dos campos de concentração nazistas. vida. “O modo de pensar e o cotiAo final da visita, o professor afirma diano podem mudar após essa visita, que, apesar de já ter visto filmes e lido porque vemos hoje o quanto somos livros sobre o assunto, o Memorial foi livres. Eles não tinham, naquela época, muito da liberdade que temos hoje”. onde o assunto mais o tocou. O também estudante da UniPara a estudante Érica Xavier bes Matheus Henrique Miranda, 18 Lucas deixou uma mensagem ao final da visita de Souza, 16 anos, a visita é como-
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Diversão perigosa Quais são os riscos do excesso de consumo de álcool para os jovens Pedro Ambrosio
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Vários jovens e adolescentes brasileiros tratam o consumo de bebida alcoólica como um simples meio de entretenimento e lazer. Além do fato de que a venda de bebidas para menores de 18 anos é crime, o problema é o exagero do uso dessa substância, que pode causar dependência e muitos danos à saúde. Segundo um levantamento feito pelo IBGE em 2016, o Brasil tem registrado um aumento na utilização do álcool na faixa etária entre 15 e 19 anos de 55% em relação aos últimos dois anos. Ainda de acordo com essa pesquisa, pouco mais da metade dos alunos do 9º ano já experimentaram bebida alcoólica. Esse número é equivalente a 1,5 milhão de adolescentes entre 13 ou 14 anos. Para podermos nos aprofundar mais sobre esse assunto entrevistamos Nara Bighetti, psicóloga formada e atuante na área. Começamos perguntando como o uso abusivo de álcool pode afetar a vida de um jovem. “O álcool é uma substância altamente consumida pelos jovens, já que é facilmente obtido, e seu uso está associado a comportamentos de risco, como a diminuição de freios sociais, maior envolvimento em acidentes (principalmente automobilísticos), envolvimento em atividades sexuais sem proteção com maior exposição às doenças sexualmente transmissíveis, além da possibilidade de uma gravidez indesejada”, diz. Ela complementa: “os prejuízos decorrentes do uso de álcool em um adolescente são diferentes dos prejuízos em adultos, principalmente devido a especificidades relativas a este momento do amadurecimento cerebral, em que algumas áreas cerebrais ainda estão em desenvolvimento. São observados prejuízos como perda da memó-
Sthefany Pascon, economista, em frente ao seu local de trabalho (arquivo pessoal)
ria, alterações comportamentais e emocionais. Além disso, por ser uma etapa em que a identidade adulta está sendo construída, o impacto do alcoolismo no jovem pode comprometer significativamente a saúde mental do indivíduo ao longo de toda a vida, com pior ajustamento social e autoestima comprometida”. E ainda Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o álcool é o principal responsável pela morte de adolescentes brasileiros que estudam no ensino fundamental, seja em acidentes ou por parada cardíaca. Do mesmo modo, a organização afirma que o Brasil está em 3° lugar no ranking de consumo de álcool por adolescentes. Isso comprova a fala de Bighetti. E mais, uma pesquisa realizada pela Microcamp, uma empresa de tecnologia, realizada com 2.788 jovens na faixa etária de 11 a 24 anos, aponta que 63,3% deles já fizeram uso de bebidas alcoólicas. Outros 71,3% consideram o álcool uma bebida perigosa. Esse estudo foi feito em cidades das regiões de Campinas e Piracicaba e em outros municípios do interior paulista.
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Nara complementa: “devido às próprias características psicológicas dessa etapa do desenvolvimento, como onipotência, desafio às regras, necessidade de autoafirmação, identificação e aceitação dentro do grupo social, busca de identidade, atitude social reivindicatória, entre outras, os adolescentes tornam-se ainda mais vulneráveis aos riscos do abuso de substâncias. Conforme demonstram alguns estudos, o uso de álcool por menores de idade está mais associado à morte do que todas as drogas ilícitas juntas. A alta incidência de comportamentos de risco, como os que resultam em acidentes automobilísticos, respondem por altos índices de morte de adolescentes”. Nara também afirma que o uso cada vez mais precoce do álcool aumenta o risco de dependência no futuro. Atualmente, ainda segundo ela, esse é um comportamento frequente entre os jovens. E como o problema pode ser evitado? “Deve-se ter uma preocupação com o tema dentro das famílias e nas escolas assim como nos sistemas e serviços de assistência à saúde”, diz a psicóloga.
Gari, sim, e com muito orgulho! Profissional de limpeza urbana fala sobre o cotidiano e garante que nunca sofreu preconceito Pablo Próspero
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ocê gostaria de trabalhar como gari? Maria Isabel Barbosa Gonzaga, de 60 anos, dois filhos (um é policial, o outro é gerente de loja), gosta. E tem orgulho de sua profissão. “É maravilhoso! Deveria ter conhecido muito tempo antes, esse serviço é um GPS”, diz ela, fazendo referência ao fato de que, graças ao seu trabalho, acabou aprendendo a se localizar em todas as ruas da cidade. Ela mora no Itaim Paulista, na Zona Leste de São Paulo, e trabalha das 13h às 21h de segunda a sábado no Viaduto do Chá, no centro da cidade. Além de elogiar os deslocamentos decorrentes da profissão, que permitem que ela desbrave muitos lugares de São Paulo, ela se diz grata pela possibilidade de conhecer “o lado bom e ruim” das pessoas com quem esbarra em seu cotidiano. Seu equipamento de trabalho há sete anos: vassoura, pá e uma lixeira de rodas. O material é fornecido pela terceirizada INOVA, responsável por parte dos serviços de limpeza da cidade. Controlada por três acionistas – Revita, Vital e Paulitec –, ela conta com 29 ecopontos na capital, em bairros como Butantã, Sé, Mooca, Pinheiros, Lapa, Pirituba e Perus. É nesses locais que o lixo da varrição vai para o processo de reciclagem. Os garis têm a função de recolher cerca de 20 mil toneladas de lixo (entre resíduos domiciliares, resíduos de saúde, restos de feiras livres, podas de árvores, entulho etc.). Só de resíduos domiciliares são coletadas cerca de 12 mil toneladas por dia na capital paulista conforme mostra a nota das prefeituras regionais de São Paulo. De acordo com um site de buscas de vagas de trabalho, o “Vagas Emprego”, para um bom profissional da limpeza é necessário ter certas competências profissionais, como demonstrar senso de responsabilidade, controle emocional, bom trato com as pes-
Viaduto do chá é o ponto de trabalho de Dona Maria Isabel
soas, equilíbrio físico, saber contornar situações adversas e estar disposto a oferecer seus serviços à sociedade. Sem contar com os riscos que esse serviço traz aos profissionais. Segundo a AMLURB – Autoridade Municipal de Limpeza Urbana, responsável pela gestão da coleta de lixo da cidade de São Paulo e com sede no bairro do Canindé, em dados de setembro deste ano havia cerca de 3,2 mil pessoas trabalhando no recolhimento dos resíduos, contando com mais de 500 veículos, como caminhões compactadores e outros específicos para o recolhimento dos resíduos de serviços de saúde. Vale ressaltar que os mesmos trabalham expostos a riscos como cacos de vidros ou outros objetos cortantes ou até mesmo seringas mal descartadas em lixo hospitalar, que podem trazer sérios riscos aos garis. O salário médio é de R$ 1.400 reais mensais, mas esse não parece ser um grande problema para Maria Isabel, que cuidava de idosos antes de ser gari. Questionada sobre quais são as maiores dificuldades da
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profissão, ela desabafa: “são as pessoas sem futuro e mal-educadas que tentam baixar o nosso nível, mas que estão numa situação pior do que a nossa”. Apesar da reclamação, a profissional deixa claro que nunca sofreu preconceito diretamente. “Sempre fui bem elogiada até hoje, se tem algumas pessoas ruins eu as ponho no lugar”, diz. Quanto aos patrões, ela responde com firmeza: “Tá ótimo, me pagam direito, é boa nossa situação, só acho que poderia melhorar os sapatos para a época de chuva”. Nascida na Bahia e criada no centro de São Paulo, Maria Isabel se distancia da expressão “sexo frágil”, muitas vezes usada para fazer referência às mulheres. “Seu eu arranjar um serviço à noite eu não tenho preguiça de nada. Tem que vencer, não tem? Se for esperar coisa fácil ninguém consegue seus objetivos. Eu queria trabalhar mesmo era na coleta de lixo, acho tão lindo pegar o lixo e subir no caminhão. Também queria trabalhar de pedreiro, fazer o curso, para mim não tem tempo ruim, eu sou homem e mulher”, diz, com firmeza.
Na corda bamba da memória A luta dos circos pela sobrevivência criou diferentes vertentes dessa arte milenar baixos”, reflete Korina Palma, de 17 anos. Usando um traje fluorescente, a jovem equatoriana impressiona ao surgir por trás da cortina vermelha equilibrando com habilidade até uma dúzia de bambolês, isso quando não está encolhida em um caldeirão de mágica cravado de espadas. Ela é a sexta geração de artistas circenses e foi apenas aos seis anos de idade que aprendeu seus números com uma tia boliviana. Quando perguntamos sobre as diferenças entre os circos equatoriano e brasileiro, Korina explica que, apesar de a falta de público ser uma dificuldade enfrentada pelo circo no mundo inteiro, os brasileiros costumam ser mais entusiasmados com as artes circenses. Porém, mesmo no Brasil a situação não é a mesma dos anos de ouro do Circo. “Tivemos períodos complicados. Podemos citar como um dos fatores causadores disso a urbanização paulista, que acabou restringindo o espaço do circo. Ele se afasta e passa a se fixar em cidades interioranas e nas periferias. Esse processo dura até os dias de hoje”, explica Camila MonRodolfo Burbano, palhaço do circo Mosocou, antes de sua performance tefuso, 21 anos, pesquisadora do Cencirco parece não ter pre substituir um artista que faltasse”, tro de Memória do Circo, localizado onde antes era o coração da vida cirmais o glamour de anti- explica. gamente. A tenda per“A vida no circo é como uma cense até mais ou menos a década de manece lá, assim como montanha-russa: tem seus altos e 1960: o Largo do Paiçandu. Ali eram a dedicação e paixão dos artistas. O que sumiu? A plateia e o incentivo do governo. “Quando os espetáculos não são muito frequentados, os artistas aceitam receber menos dinheiro. Sobrevivemos por conta da união, pois a maioria dos circos fechou. Às vezes é necessário migrarmos por conta do movimento fraco. Preenchemos um exagero de documentos e a prefeitura demora para responder. A falta de apoio do governo é nosso maior desafio”, diz Jeorge Fumegaly, 70 anos, dono do circo Moscou, atualmente localizado na Av. Ricardo Jafet, 1730. Não apenas dono, mas também um guardião da memória circense. “Nasci no circo e aprendi a fazer um pouco de tudo. Assim, poderia sem- Acróbata do Circo Moscou durante espetáculo Raquel Oshio Thábata Bauer
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armados os grandes circos, como o Alcebíades, do famoso palhaço Piolin. Às segundas, quando não havia espetáculos, a rua lotava em frente ao que ficou conhecido como Café dos Artistas, onde todos se reuniam para conversar, procurar emprego e contratar. A estudante de História também explica como a proibição de animais em 2002 contribuiu para o declínio do circo tradicional: “A arte nasce com acrobacias em cavalos. Os menores não foram tão prejudicados quanto os grandes, como o Garcia, cujo diferencial eram apresentações com chimpanzés”, diz. Ainda de acordo com Camila, o circo Garcia fechou um ano após a proibição. Dessa forma, a arte precisou se reinventar. Atualmente, muitos dividem seus espetáculos em duas partes: a primeira, com a apresentação de números tradicionais, e a segunda, com narrativas, que muitas vezes contam com a participação de famosos do momento e encenações de animações infantis. Guilherme Figueiredo, educador do Centro de Memória do Circo, diz que “a linguagem circense se difundiu e está presente em outras artes, como o teatro, a música e o cinema. Falar do circo como se ele se resumisse ao picadeiro anula sua existência diversificada”. Victor Souza, também pesquisador do Centro de Memória, complementa: “Quando você entende
Korina Palmas em seu número de malabarismo
Rodolfo Burbano e seu filho, Rodolfo Palmas, durante apresentação
que o circo não é apenas a lona, mas também as artes em geral, percebe que ele não está morrendo, mas se adequando e espalhando. Convivemos o tempo inteiro com o circo”. Segundo Mariana Duarte, aerialista (especialista em acrobacias aéreas) e professora no Galpão do Circo, localizado na Vila Madalena, hoje vemos a ascensão de outra vertente: o circo contemporâneo. Ele é ensinado em escolas e não passado de geração em geração, como no circo tradicional. “A escola mantém a arte circense viva”, diz. Embora a prática seja preservada, o mesmo não pode ser dito da vivência circense. O orgulho artístico, nas falas do senhor Fumegaly e de Korina, não pode ser ensinado em escolas. “Continuo com o circo mesmo com os desafios. É minha vida e não me imagino parando e vivendo apenas como aposentado ou fazendo outra coisa”, afirma o dono do circo Moscou. “A situação está difícil. Manter os funcionários custa muito. Em nível mundial, todos os artistas estão preocupados. Nós sempre tivemos medo, pois não temos nenhum tipo de seguro. Vivemos com nossos próprios méritos. O governo precisa entender que não somos um
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peso econômico. Nenhuma autoridade pergunta do que precisamos”, lamenta Rodolfo Burbano, 42 anos, pai de Korina e palhaço no Moscou. “Existem projetos visando à criação de praças de circos. A luta pelo direito de existência é travada pela classe de artistas há tempos”, diz Camila sobre uma das maiores dificuldades do circo: a conquista do espaço. A negligência com relação a essa arte milenar já custou a queda de grandes circos brasileiros e o sucateamento dos remanescentes tradicionais. Por enquanto, as vertentes convivem e garantem a sobrevivência da atividade. Quanto aos que já sucumbiram, o Centro de Memória do Circo faz questão de não deixar que sejam soterrados pelo esquecimento e mantém a história viva em seus acervos e pesquisas. “Os artistas que contribuem com nosso acervo reconhecem a importância do espaço na preservação da arte. A relação entre o Centro de Memória do Circo e os circenses é essencial”, Camila explica, antes de concluir: “Somos parte desse movimento de afirmar o circo como uma expressão artística importante para a história da cultura brasileira”.