JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ED. 208 - DEZEMBRO / 2018
FALTA MANUTENÇÃO NOS CENTROS ESPORTIVOS - p. 4
LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:
SANTA CECÍLIA SOFRE COM A SUJEIRA - p. 2 DOE SANGUE. HEMOCENTROS E PACIENTES AGRADECEM - p. 5
O COTIDIANO DE QUEM VIVE (E SOBREVIVE) NA RUA Por Luiz Baptista Neto e João Paulo Perini - p. 6
MOBILIDADE REDUZIDA AINDA É DESAFIO EM SÃO PAULO - p. 7 FREGUESIA DO Ó: UM BAIRRO DE NOVELA! - p. 8
Santa sujeira! Lixo e entulho são depositados nas ruas do bairro Santa Cecília e moradores contam sua indignação
Mesmo com placas sobre multas, o depósito de entulho acontece toda semana no bairro Giulia Giaffredo e Tiago Henrique
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ão é de hoje que o lixo tem sido um problema para moradores da região da Santa Cecília. E isso tem causado a proliferação de doenças, insetos e, claro, muita sujeira. Esses resíduos, são em sua maior parte, lixo orgânico como cascas de laranja, restos de comida, fezes, frutas podres, entulho, móveis e muito mais. Ao que tudo indica, restaurantes e bares da região são os principais responsáveis pela maior parte da poluição das ruas e calçadas do bairro, fora a quantidade de entulho depositada em frente ao metrô de forma indevida. A multa para quem é pego descartando entulho de forma irregular é de R$ 15.520,00, segundo o Decreto 16.871/2018, que estabelece mecanismos de denúncia sobre o descarte irregular de resíduos e respectivas sanções no município de São Paulo. É estritamente proibido o depósito de lixo ali. Mas as placas de advertência e o prejuízo causado pela sujeira não parecem inibir o descarte ilegal. A moradora Joyce Meyre, 61 anos, que mora na região há 40, conta que a maioria dos restaurantes e bares fecha de madrugada, então não é possível que os moradores vejam quem deposita, como deposita e se são sempre as mesmas pessoas e estabelecimentos. “De vez em quando esse lixo
todo é recolhido, mas a gente nunca sabe quando vai acontecer. Em dia de feira aqui na rua, eles lavam e deixam tudo limpinho, mas essa limpeza nunca é regular, o que seria bem melhor para a gente que mora aqui, né”. A feira citada pela moradora acontece aos domingos na Rua Sebastião Pereira. “Nós mesmos, moradores, jogamos o lixo nas ruas. Por mais que a gente nunca saiba quando ele vai ser recolhido, não tem como deixá-lo dentro das nossas casas também”, diz Rosenilda Souza, 55 anos, dona de um salão de cabeleireiro em frente à estação do Metrô Santa Cecília. A operação Cata-Bagulho, que tem como objetivo realizar a coleta de móveis das ruas uma vez por semana, funcionava bem até 2011 na região, mas hoje em dia, segundo moradores, não há uma regularidade na coleta e limpeza da região, apenas em dias de feira, mas mesmo aos domingos os sacos de entulho, pedaços de madeira e até móveis são abandonados nas calçadas. Procuramos a Subprefeitura da Sé, responsável pelo bairro, para obter um posicionamento sobre o problema. Rodrigo Fabretti, da assessoria de comunicação, a Operação Cata-Bagulho acontece toda sexta-feira na região da Santa Cecília. “Ao contrário das outras subprefeituras, a Subprefeitura da Sé é a única que conta com a operação de forma diária. Entre segunda e sábado, todos os distritos da região central são
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atendidos”. Ao andar pelas ruas e conversar com moradores, o compromisso da subprefeitura não é confirmado. Não existe a necessidade de esse entulho estar nas ruas, uma vez que existe o Ecoponto Glicério, designado justamente para a coleta de entulhos de construções, que muitas vezes, depositados nas ruas, têm colaborado para o aumento de problemas ambientais e para a população. O local fica aberto de segunda à sexta das 8h às 17h e recebe todo tipo de entulho. Com a aproximação da época de chuvas, que começou em outubro e vai até março, todo esse lixo e entulho nas ruas do centro da cidade de São Paulo é preocupante uma vez que as bocas de lobo correm o risco de ficar entupidas. Lara Lima, 34 anos, diz que se mudou recentemente para o bairro, mas que a grande quantidade de lixo foi a primeira coisa que reparou ao se mudar. “Santa Cecília é um bairro lindo e extremamente bem localizado, eu gosto muito de morar aqui mas a impressão que eu tenho, é que o bairro está um pouco largado e que as responsabilidades da prefeitura com a limpeza das ruas precisa de uma regularização e de mais compromisso com os moradores.”
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
Do sonho à realização Cresce a participação de pessoas entre 18 e 34 anos no total de empreendedores em fase inicial Fernanda Cavalcanti Tainah Pires
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jovem empreendedor brasileiro é conhecido por sua determinação e a criatividade. Homens e mulheres ganham atenção no mercado, mas segundo o levantamento da Confederação Nacional de Jovens Empresários (CONAJE,) 65% dos jovens empreendedores são do sexo masculino, enquanto apenas 35% são do sexo feminino. A área de serviços predomina com 57,9% das iniciativas a de comércio conta com 30,1% de atuação. A faixa etária predominante, de acordo com a mesma pesquisa, é entre 26 e 35 anos. Dos jovens de 18 a 20 anos, apenas 3% são empresários. As microempresas são a maioria no país, faturam até R$ 360 mil por ano e empregam até nove funcionários, como é o caso da Maria Eduarda Santos. Dona da marca de roupa Madada, a jovem de apenas 17 anos começou com uma sócia aos 15, mas comprou a parte dela e hoje toma conta da empresa com a ajuda da mãe. Maria Eduarda conta que gosta de moda desde pequena, e com incentivo de sua mãe e avó, que já tiveram confecção, ela começou criando peças para uso próprio. Com o tempo, as roupas chamaram atenção de suas amigas. “Comecei sem site nem nada, só usava uma roupa e mandava foto para as minhas amigas. Se elas gostassem eu mandava fazer, até que as amigas das minhas amigas começaram a pedir, então decidi cria um instagram e depois veio o site”, diz. Hoje sua página, a @shopmadada, tem mais de 13.400 seguidores e é a sua principal plataforma de divulgação. Dentre as dificuldades que a empreendedora enfrentou, está a parte financeira. “Nunca administrei meu dinheiro assim, e comecei com 15 anos, então não tinha noção do que estava fazendo”, diz. Ela ainda conta que teve dificuldades com pra-
Quiosque da OakBerry no Shopping Pátio Higienópolis
zo de entrega da mão de obra, e também que muitas costureiras passaram a perna e entregaram tudo errado. “Eles achavam que eu não iria cobrar ou me entregavam tudo errado por eu não ter experiência”, completa. A pesquisa da CONAJE revela que os jovens empresários consideram a burocracia do país e a alta carga tributária como principais impeditivos de expansão e continuidade do negócio, e apenas 10% atuam no mercado internacional. Georgios Frangulis tem 30 anos, é fundador e CEO da OakBerry e já expandiu seu negócio para o âmbito internacional. Uma rede de açaí “bowls” que se autodenomina um fast-food saudável, a marca tem como intenção mudar a maneira como esse segmento é visto e pensado. Com 80 pontos já abertos, a marca teve início em 2016, mas a ideia já estava em mente um ano antes. “Eu desenvolvi a ideia em 2015. Eu estava em Miami antes, mexendo com imóvel, o dólar deu aquela subida, então eu vendi o que eu tinha lá. Aí voltei para São Paulo e depois fui para a Califórnia tentando encontrar alguma coisa para fazer nos Estados Unidos que não precisasse de tanto investimento como o mercado imobiliário”, diz o empresário. “Comecei a visualizar o mercado para entender alguma oportunidade e eu ia todo dia para o mesmo lugar para ver o que
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a galera estava fazendo, o que estavam comendo, que horas iam. Vi que tinha no lugar onde eu estava, um espaço de salada que ficava muito cheio no almoço, tinha bowl de várias coisas, inclusive de açaí, mas era muito demorado, caro e sem padrão. Um em cada três clientes saía com um bowl de açaí na mão, pensei que teria demanda para isso, e foi aí que comecei a desenvolver a ideia”, completa. O empreendedor ainda deu dicas para os jovens que querem começar: “O principal é não ficar pensando que estamos num período difícil de crise, porque é justamente isso que todas as outras pessoas e competidores estão pensando. Esquecer o ego e não ficar se perguntando coisas como “e se eu falir?” ou “e se as pessoas não gostarem do meu negócio?”, pois qualquer negócio começa pequeno. Vai ter um monte de gente achando ruim, mas é um bom sinal, porque se acham ruim é porque ninguém está pensando em fazer. Tem que tomar esse risco, claro que de maneira calculada, empreender na crise é um baita de um negócio. Se todos estivessem falando “sim”, não teria espaço pra você no mercado”, conclui. Até o fim do ano são esperadas 90 lojas no Brasil, a marca já conta com duas nos EUA e em outubro abriu a primeira na Austrália.
Esporte sem incentivo Os centros esportivos oferecem atividade física para a população. Mas a infraestrutura deixa a desejar – Servidor começaram, já que com isso perdemos quadras”, afirmam. Diante do problema, elas e o restante dos amigos que frequentam o local se uniram e tornaram-se “acionistas”: todos contribuem todo mês com 50 reais para o centro esportivo. “Ajudamos com 300 reais para fazer as novas quadras. Somos um grupo grande e, mais que fazer esporte, a gente vem para encontrar os amigos”, dizem. Elas também criticam a falta de investimento da prefeitura no local. “Mesmo com a ajuda dos visitantes o centro precisa de melhorias, Tudo que tem é doado, então precisa de mais investimento para manter e Reforma das piscinas do Centro Olímpico Mané Garrincha foi abandonada cuidar do local porque se não fosFernanda Gasel Entretanto, atualmente a pro- se pela turma toda, o espaço estaria cura dos jovens não é grande. Rai- abandonado”, dizem as amigas. “Sete Luisa Scavone mundo André, secretário do Centro milhões serão investidos em 22 centros para a melhora da infraestrutura, cidade de São Paulo conta Esportivo Mané Garrincha, na zona manutenção de quadras, questão de com 47 centros esportivos sul de São Paulo, conta que os jovens acessibilidade e compra de material (CEs) municipais. São es- frequentam mais pelas piscinas, agora esportivo”, conta Juscelino sobre a truturas públicas que ofe- que foram inauguradas novamente. verba aprovada. “Os centros estão recem diversas atividades esportivas “A divulgação acontece por meio de sendo adequados para os deficientes e estruturas para a prática de espor- sites, mas seria necessário que mais físicos, pretendendo acabar com qualte, como playgrounds, quadras, salas pessoas procurassem e decidissem quer barreira”, diz. de ginástica, salão de jogos, piscinas, frequentar mais os centros; a procura “É importante o incentivo do entre outras. Sua função é disponibi- é pequena”, afirma Raimundo. esporte na cidade. Em outros países, Clara Tsuruda e Marta Tomilizar atividades de lazer e esportes, como Estados Unidos e Japão, os luproporcionando assim melhor quali- zawo frequentam o Mané Garrincha gares públicos para esporte são muidade de vida e promovendo a intera- desde que se aposentaram, há 10 to mais frequentados. É preciso ter ção entre os membros da sociedade. anos, e contam que decidiram ir ao mais desses centros em São Paulo Todas as aulas e atividades local pela saúde, para não ficarem porque é muito bom para a saúde, e dos Centros Esportivos são gratuitas, paradas. “Desde que começamos a quanto mais pessoas frequentarem pois o objetivo é atender a todos os frequentar o local percebemos uma mais serão divulgados e conhecidos”, jovens de todas as classes sociais, fa- piora na infraestrutura, principalmencompleta Marta. zendo parte da formação da cidada- te quando as obras do Metro AACD nia. “Os centros não tratam somente do esporte, mas também da interação entre as pessoas, principalmente na terceira idade”, diz Juscelino Pereira Junior, da assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação. “O local tem muita procura da terceira idade, com variação entre os diferentes centro esportivos. Ha muitas vagas, mas depende muito da atividade física. As que mais têm filas de espera são atividades como ginástica, dança e pilates para idosos”, diz.
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As quadras de tênis recém-construídas com a ajuda dos visitantes são muito utilizadas
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Eles querem o nosso sangue Os estoques estão baixos, mas a burocracia faz com que doadores deixem o ato para uma “próxima vez” “Muitas vezes pedimos para o doador voltar em outro dia por não termos capacidade de manter as bolsas aqui”, diz ela. Isso torna ainda mais difícil o processo da doação de sangue para a população. No banco de sangue do Santa Marcelina, uma organização filantrópica, são recebidos por dia 140 a 150 doações, o que totaliza 3 mil a 4 mil doadores por mês. A partir de uma bolsa de sangue (450 ml) colhida são produzidos de três a quatro hemocomponentes (hemácias, plasma, Aparelhos de doação do banco de sangue Santa Marcelina plaquetas e crioprecipitado), que são Joyce Oliveira transfundidos em pacientes com diVictor Giacomini versos tipos de doenças. Porém, com e acordo com dados do o maior volume em termos absolutos um índice de doações tão preocupanMinistério da Saúde, atual- na América Latina, o país doa propor- te, eventos como o dia do doador, no mente, 1,6% da população cionalmente menos do que vizinhos fim de novembro, servem para que o brasileira doa sangue regu- como Argentina, Uruguai ou Cuba. hospital tenhauma quantidade mínima larmente, o que significa um índice de Vinculadas ao doador pelo necessária nas festas de fim de ano, 16 doadores para cada grupo de mil número de cadastro, as bolsas de san- quando o número de doadores dimihabitantes. É muito pouco. Para a Or- gue, junto a uma amostra com a mes- nui significativamente. Curiosidade: as ganização Mundial da Saúde (OMS), o ma numeração, tornando possível o bolsas de sangue têm validade média número ideal deve ficar em torno de rastreamento da origem do material de 35 a 42 dias. 3%, quase o dobro do que temos por doado, podem ser doadas para algum Aparecida da Silva, 60 anos, aqui. destinatário desejado. Isso acontece, funcionária da copa do banco de sanPara ser capaz de doar san- por exemplo, quando algum amigo ou gue, relata que trabalha lá desde margue, o doador deve pesar no mínimo familiar está hospitalizado e precisa de ço deste ano, mas, apesar de estar há 50kg e ter entre 16 e 69 anos, além sangue. É o caso de Enael Rodrigues pouco tempo no hospital, já viu todos de não tomar nenhuma medicação de Souza, 37 anos, que doa para um os tipos de pessoas doarem, de todas como aspirina na semana, razão pela colega acha o serviço muito precário as idades, seja por motivos familiares, qual fomos impedidos de concluir a e demorado. Aquela seria sua última esperando que um ente querido se doação quando fomos ao hemocen- doação permitida no ano. Motivo: a recupere, ou apenas por altruísmo. Ela tro da Santa Casa. Após fazermos o determinação de 60 dias de intervalo ressalta que está feliz por fazer o que cadastro com todas as informações para homens poderem se apresen- faz e ajudar com o que pode. “Mesmo pessoais e passarmos pelo teste de tar novamente em um hemocentro. que não seja um trabalho grandioso, anemia, cujo resultado sai com rapidez, Admilson da Silva Rodriges, 51 anos, cada ajuda é o suficiente para valer a foi nos dito pelo questionário de 60 uniu-se ao coro dos descontentes: “É pena”, diz. perguntas relacionadas a medicação, uma pena ver o tamanho descomprohábitos alimentares, parceiro sexual, misso, tanto do povo quanto do goveruso de drogas, que são determinadas no, com essa causa hoje em dia”. Ele por normas técnicas do Ministério da doa para o Hospital Santa Marcelina há Saúde, que a doação não seria possível anos apenas por altruísmo. naquele momento visando à proteção A enfermeira-chefe, Deborah ao doador e a segurança de quem vai Maria da Silva, 55 anos, que trabalha na receber o sangue. profissão há 30 anos e no banco de Tais condições que acabam sangue do Santa Marcelina há 12, copor confirmar o levantamento de que menta que há uma grande repartição uma a cada cinco pessoas que vão doar de funções entre o doador e o paciensangue em hemocentros da rede pú- te, além da falta de uma boa estrutura blica são consideradas inaptas. Segun- oferecida pelo governo, que leva, por do a ONU, apesar de o Brasil coletar exemplo, à falta de aparelhos melhores. Teste de anemia do hemocentro da Santa Casa
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A realidade dos ‘‘invisíveis’’ Os moradores de rua que vivem embaixo do Minhocão falam de suas batalhas diárias Luiz Baptista Neto João Paulo Perini
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a capital paulistana há mais de 20 mil pessoas morando nas ruas, segundo estimativa da Prefeitura de São Paulo. São quase 5 mil a mais do que o registrado no censo de 2015 e o dobro do computado em 2000, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). O perfil mudou pouco se comparado à pesquisa de 2000: a maioria é homem e tem entre 31 e 49 anos. Há 505 crianças e adolescentes, 72 a mais do que em 2011. A população sem-teto é formada, aproximadamente, por 40% de ex-presidiários. No último mês de maio, dois moradores de rua morreram na capital. Um na Avenida do Rio Pequeno, na Moradores de rua usam o lado de fora da estação Marechal Deodoro de metrô para dormir zona oeste, e outro na Rua General Jardim, no centro, próximo ao Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. depois de um tempo, para tentar es- na rua. Na visão de Valdir Batista, 67 O elevado foi construído com o in- conder um pouco a dor que às vezes anos, analista que trabalha na estação, tuito de desafogar o trânsito de vias bate”, afirma. os moradores não são considerados Quando perguntado sobre um problema, já que apenas usam a que, por cortarem regiões centrais da cidade, não poderiam ser alargadas. como faz para se alimentar todos os calçada para dormir. “Existe um comSob a via, vemos diversas pessoas im- dias, e se chega a passar fome, res- binado nosso com os moradores, que pondeu: “Fome eu passo só de vez em são mais ou menos uns 25 por noite. provisando um lar. Oscar Carmelo tem 38 anos quando. Consigo comer quase qua- A gente deixa eles usarem aqui para e vive há 15 anos nas ruas. Para ele, tro vezes por dia. Eu almoço no Bom dormir à noite, mas eles têm que ir que nasceu em Belo Horizonte, Minas Prato, pois como custa só um real eu embora depois que acordarem”, diz. Gerais, a capital paulista é, dentro do consigo ir todo dia. Para as outras Falamos também com o expossível, um bom lugar para se viver. refeições eu conto com a ajuda das -vigilante César Henrique Nascimen“Saí jovem de casa e decidi vir para pessoas que passam e, principalmente, to, de 45 anos, que mora na rua há cá atrás de alguma oportunidade que com a do pessoal da igreja”. Ele conta apenas dois meses. Ele conta que tamnão teria se ficasse em BH. Aqui tem que também tenta se virar sozinho, bém foi uma briga em sua família que muito mais gente, e quanto mais gente recolhendo materiais que encontra o levou às ruas. “Me separei de minha tem, mais ajuda nós recebemos. Fica e leva para reciclagem. “Quando não esposa depois de muitas brigas e vim consigo ajuda eu tenho que ir atrás para a rua. Às vezes me arrependo”, mais fácil para sobreviver”, diz. Para Oscar, o principal moti- sozinho, e para isso eu tento catar o diz. Para ele, que também usa a calvo que leva as pessoas a morar nas máximo de papelão e de latinhas que çada em frente da estação de metrô ruas não são as drogas, mas os pro- eu consigo, para trocar por dinheiro”. para dormir, o maior problema que A estação de metrô Marechal os moradores de rua enfrentam é o blemas familiares. “Sempre tive um relacionamento complicado com o Deodoro, que fica embaixo do Minho- preconceito. “Para dormir e comer a pessoal lá de casa, e chegou uma hora cão, é um dos lugares da região onde gente dá um jeito. O que nos deixa que achei que tinha de ir embora.Tem mais vemos moradores de rua. A cal- mais tristes é a maneira que somos muita gente que acha que estamos çada ao lado do acesso da estação é tratados por muitos. Ou nos olham aqui só por causa de droga, mas não é. usada como dormitório. Pela noite, como animais, ou passam por nós Quando eu vim morar aqui eu ainda quem passa por ali pode até se espan- como se não existíssemos. Às vezes não usava nada. O crack só apareceu tar com o grande número de pessoas me sinto invisível”, diz César.
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O direito de ir e vir Como o cidadão com mobilidade reduzida vive em São Paulo Mateus Ferreira Matheus Queiroz
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falta de acessibilidade é um problema comum e recorrente em muitas cidades brasileiras, inclusive em São Paulo. O direito de ir e vir é defasado, principalmente nas regiões mais periféricas. Há falta de rampas, pisos táteis, elevadores nos ônibus, sinalizações específicas etc. As calçadas não são uniformes e vários sinais não têm indicação sonora para cegos. Segundo o último censo demográfico feito pelo IBGE em 2010, o total de pessoas que declararam possuir pelo menos uma deficiência severa no país foi de 12.777.207, representando 6,7% Suzilene, mäe de matheus, ajudando o filho a subir a ladeira do bairro em que moram da população total. Em São Paulo, 2.759.004 pessoas declararam ter alguma deficiên- eu já perdi quatro oportunidades de gar o ônibus, ele está com o elevador cia. Dessas pessoas, 2.274.466 afir- ir à faculdade, não participei de vários quebrado e tem que esperar o próximaram ter deficiência visual, 516.663 cursos. Vontade tem em mim, só que mo. Às vezes a gente prefere ir a pé a deficiência auditiva, 674.409 deficiên- precisa de menos burocracia nes- ir de ônibus. Não é sempre que aconcia motora e a população residente se país, porque nós, sim, reconhece- tece, é no final de semana e feriado”. com deficiência mental/intelectual é mos os nossos direitos. Por exemplo, A arquiteta e urbanista Rode 127.549 pessoas. quando fui fazer ENEM ano passado, sangela Gaibina, 60 anos, fala um Quase um a cada quatro pau- tive que pegar 3 ônibus para chegar pouco sobre acessibilidade e como o listas tem alguma deficiência e isso ao local da prova, só que muitas ve- trabalho dela de tornar lugares mais reflete a importância da acessibili- zes eu tive que descer fora ponto por acessíveis acontece. Rosangela disse dade nas cidades do Brasil. Segundo conta da falta de acessibilidade nos que a legislação criada em 2004 foi Matheus Pece Cordeiro Evangelista pontos”, diz. um grande passo para alcançarmos de Sousa, 20 anos, deficiente físico, O cadeirante, por fim, falou uma acessibilidade maior. “A norma a “acessibilidade, para mim, não é só sobre o bairro em que mora, Vila 9050 da ABNT é muito abrangente e nas ruas, ônibus ou em outro lugar. Dorna, na zona norte, sobre as difi- dá todos os parâmetros para tornar Acessibilidade está muito além disso, culdades que encontra para se mover acessível. Ela tem parâmetros para e as pessoas têm que entender que dentro da vizinhança e o que deveria escola, hospital, edifício comercial, ené algo que precisamos ter. Se eu ti- ser melhorado. “Primeiramente, de- tão é só colocar em execução”, diz a vesse algum vínculo político, a minha veria ter uma manutenção no asfalto, profissional. Ela diz que as edificações bandeira seria mais acessibilidade no porque as ruas são horríveis e tem têm que ficar acessíveis em todos os coração”. um monte de ladeiras. Eu, sozinho, aspectos e para todas as deficiências, Matheus ainda disse que a bu- não sairia. Só quem é cadeirante sabe não apenas para aquelas mais comuns, rocracia para conseguir um transpor- da dificuldade, diz. A mãe de Matheus, em um projeto mais amplo conhecido te para se locomover pela cidade é Suzilene Silva Cordeiro, 38 anos, de- como “desenho universal”. Ela diz que muito grande e acaba com oportuni- sempregada, falou também sobre o há muitos discursos da classe política, dades que pessoas com menos mobili- que precisa melhorar em relação aos mas poucas ações efetivas para tornar dade recebem. “Existe um transporte transportes para deixar a vida de seu a cidade mais acessível. Mas frisa que muito conhecido chamado ATENDE, filho mais acessível. “Tem muitas ruas a situação já melhorou se comparada só que a burocracia desse transporte com subidas, com descidas, lotações, a alguns anos atrás. “Você já vê vários é muito grande, porque você tem que ônibus com elevador quebrado e eles lugares passando por adequações, já ficar atualizando os seus dados. Devi- não fazem manutenção com frequên- caminhou bastante, mas precisa camido a isso, eu não comecei a faculdade, cia. Então, toda vez que você for pe- nhar mais”, conclui.
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Um passeio pela Freguesia do Ó O bairro, que hoje é cenário de novela da Globo, tem uma história de quase cinco séculos nagem a Salvador Ligabue, um habitante notável da Freguesia do Ó. Ele nasceu em Itatiba em 1905 e tinha como paixão a arte, tendo colaborado na decoração de inúmeras igrejas, entre elas a Igreja da Matriz. Depois do trabalho, se apaixonou pelo bairro e resolveu se mudar para a Freguesia. “Ele era meu vizinho, uma das filhas dele deu aula para as minhas filhas ali no Nóbrega”, recorda a aposentada Conceição Lourdes, 78 anos, que morou a vida inteira no bairro, fazendo referência a um colégio do bairro. Outro local tradicional é a pizzaria do Bruno, fundada em 1939 pelos pai e filho Bruno e João Siqueira. Mesmo após quase oito décadas de sua inauguração, o local continua aberto diariamente e tem sua fiel clientela. “Nos finais de semana, durante o dia, eu passo lá em frente (ao Bruno) e sempre vejo alguns amigos, às vezes sento junto, jogo conversa fora, até tomo uma cervejinha”, afirA Igreja da Matriz: um dos pontos mais tradicionais do bairro ma Tereza de Luca. Em 1992, o CONPRESP Vitor Diniz “É um bairro relativamente (Conselho Municipal de Preservação Freguesia do Ó é um pequeno, então aqui parece que todo do Patrimônio Histórico, Cultural e dos bairros mais an- mundo se conhece. Eu saio para dar Ambiental da Cidade de São Paulo) tigos e tradicionais uma volta e sempre encontro com definiu inúmeros pontos da Freguede São Paulo. Sua fundação data de conhecidos, pessoas que eu conhe- sia do Ó como bens culturais. Alguns 1580, quando o bandeirante Manuel ço”, afirma a aposentada Tereza de deles: Largo da Matriz Velha; Largo da Preto tomou posse do lugar junto Luca, de 72 anos, moradora do bairro Matriz de Nossa Senhora do Ó; Avenida Itaberaba; Rua Piqueri; Rua da com sua família e alguns escravos. Sua há 50 anos. O ponto de encontro mais Bica; a Igreja de Nossa Senhora do Ó, estrutura remete a uma cidadezinha interiorana: há a praça, a igreja e uma tradicional é a Igreja de Nossa Senho- dentre tantos outros. Tereza prossegue contando população relativamente pequena ra da Matriz. Anteriormente batizada no entorno (mas muito volumosa na de Igreja de Nossa Senhora da Espe- sua história e sua relação com o bairsubprefeitura homônima, que agrega rança ou da Expectação, foi concebida ro. “Eu conheci meu marido quando vários bairros da zona norte da cida- apenas como uma capela por Manuel eu era muito moça, na época eu moPreto e sua esposa Águeda Rodrigues rava na Penha e ele na Freguesia, ende). Ali, no núcleo da Freguesia, é no ano de 1615. “Pelo menos uma vez tão quando a gente foi casar, a família comum esbarrar com conhecidos. Se- por mês gosto de passar lá e fazer dele, que tinha mais dinheiro que a gundo a Arquidiocese de São Paulo, o uma oração para os meus filhos, so- minha, deu para a gente uma casinha nome do bairro deve-se “à festa em brinhos, netos, meu marido”, afirma em uma travessa da Rua da Bica, e lá nos instalamos, mas hoje meu marido que se recitavam as antífonas inicia- Tereza. Ainda no Largo da Matriz, há a já faleceu e meus filhos se casaram e das com o vocativo ‘Ó’, de vésperas, no breviário romano, na proximidade casa de Cultura Salvador Ligabue, fun- não moram mais no bairro, então a do natal”. Atualmente, o bairro ga- dada em 1993. O espaço oferece atra- casa ficou só para mim”. Ela conclui: nhou celebridade devido à novela “O ções, oficinas, cursos, palestras, shows, “A Freguesia do Ó é muito importantempo não para”, da Rede Globo, que exposições, apresentações teatrais e te para mim, foi aqui que criei meus utiliza o local como pano de fundo da eventos culturais, e quase todos de filhos, vivo aqui faz muitos anos, fui forma gratuita. O nome é uma home- muito feliz”. trama.
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As tintas do protesto Artistas como Iaco Viana estão ganhando notoriedade em seus grafites que criticam a política Giulia Giaffredo Tiago Henrique
Grafite no centro de SP (foto: Giulia Giaffredo)
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esde o seu início, os grafites na cidade de São Paulo são alvo de estigma de parte da sociedade. A rejeição ficou evidente principalmente durante gestão de João Doria à frente da Prefeitura, quando foi colocado em prática o projeto “Cidade Linda”, responsável por apagar muitas obras de arte de muros da cidade. Segundo Bertoneto Alves de Souza, professor de artes visuais do Centro Universitário Belas Artes, quando o artista ataca uma esfera pública como o governo, “suas manifestações se tornam políticas também, despertando um atrito justificado”. Isso mostra que arte e política caminham juntas, mas que nem sempre serão companheiras. Em janeiro de 2017, Doria cobriu muros da cidade de São Paulo com a cor cinza, apagando grafites na Avenida 23 de Maio. As manifestações negativas geraram tantos protestos que o secretário
da Cultura, André Sturm, chegou a cogitar um Festival do Grafite, com artistas recrutados pela prefeitura e materiais cedidos pelo poder público, alegando que a cidade ficou “muito cinza”. Bertoneto reflete sobre o episódio: “A arte é o que dá especificidade para aquele ambiente. De que maneira eu posso chamar a atenção para as coisas que acontecem naquele lugar? Eu posso fazer esse trabalho distante e ninguém nem ver esse trabalho que eu fiz. Mas tenho outras formas de falar desta minha intervenção. A coisa mais importante tem que ser o gesto, que vai vir junto das frases que aproximam a população da arte, do que eles vivem. Mas o que que vai ficar? Vai ficar que eu fiz. Então essa questão da legitimidade é o verdadeiro protesto”. Neste período, um nome emerge nos jornais e no meio de jovens envolvidos com grafite: Iaco Viana. Mais conhecido apenas por “Iaco”, o artista que usa sua tipografia e as suas redes sociais, como
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o Instagram, para registrar e denunciar falhas do governo e da prefeitura pela cidade de São Paulo, já foi pego em flagrante grafitando, mas não tem medo de expor sua opinião e se fazer entender. por isso, tem ganhado notoriedade. Em entrevista, Iaco nos conta que sua arte não é apenas algo estético na cidade, como muitos pensam. Sua arte, segundo ele, se comunica com o cidadão. “Para eles foi fácil apagar porque o grafite e a tipografia ainda não são vistos como elementos da nossa cidade, eles ainda são algo que você julga apenas se é bonito ou feio”, diz. Atualmente seu trabalho tem como foco a região da saída do metrô Santa Cecília, no centro da cidade, onde sinaliza a respeito do depósito ilegal de entulho e moradores de rua. “Todos os dias dois ou três caminhões passam e tiram o entulho, mas no outro dia, menos de 12 horas depois, muito entulho já está lá novamente”, diz. Iaco nos contou que faz sua arte justamente com base nesses materiais, logo antes do caminhão passar, já que, quando fazia mais cedo, moradores da região que conhecem o seu trabalho roubavam os painéis onde pintava para levarem para casa. “Algumas pessoas passavam, pegavam o pedaço de porta em que eu tinha escrito e levavam pra casa. O objetivo do artista é fazer o povo pensar. Algo bem recorrente em sua fala é a sua preocupação principalmente com a educação e infraestrutura de diversos locais no Brasil. Iaco mostra que existem elementos negativos no nosso cotidiano que passam despercebidos, porque encaramos como coisas normais. “Na implantação de governos ditatoriais a arte sempre foi a primeira coisa a ser eliminada, e quando a voz da arte fala mais alto, assusta, porque o poder emana das mãos do povo, mas o povo parece não entender o poder que tem”.