JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XXI - ED. 240 - DEZEMBRO / 2021
MACKENZISTAS CRIAM APPS INCLUSIVOS
TUDO O QUE ENVOLVE A POBREZA MENSTRUAL - 5
Tecnologias desenvolvidas por estudantes são voltadas a pessoas com deficiência e idosos - 4
TALENTO QUE VEM DAS RUAS
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS EMPRESAS - 3 LEIA TAMBÉM:
Polêmica no uso dos algoritmos - 2 Evento discute racismo na cobertura esportiva - 6 Desafios dos intercambistas na pandemia- 8 Exposição reúne poesias, crônicas e músicas de sem-teto - 7
Algoritmos: ajudantes ou vilões? Para especialistas, se bem programadas, as tecnologias de big data auxiliam usuários e empresas Pixabay
André Abreu Amadei Bruna Marotta Costa
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m 2012 um pai, bastante zangado, adentrou uma loja da rede varejista Target, nos EUA, em Minneapolis, querendo saber por que a sua filha adolescente estava recebendo pela internet cupons de desconto da loja em produtos relacionados à gravidez. Ele alegou que a filha era muito nova para receber aquelas ofertas, que poderiam influenciá-la negativamente. Usando de algoritmos, a Target estava enviando ofertas para “potenciais mamães”. Dias depois, o mesmo pai ligou para a rede varejista pedindo desculpas. Sua filha estava mesmo grávida e a loja descobriu antes mesmo da família. O caso foi amplamente divulgado pela imprensa americana. De lá pra cá as tecnologias de big data, que trabalham com grande quantidade de dados de compras, registros de vendas e características dos clientes, identificando padrões de consumo, só avançaram. É comum comentarmos uma necessidade de compra com um familiar e minutos depois o produto estar sendo sugerido em nossas redes sociais. Segundo o tecnólogo Victor Cangelosi, programador da C6 Bank, os algoritmos nada mais são do que uma forma de se resolver algo, de atender nossas necessidades. ”Eles se assemelham a uma receita de bolo. Os ingredientes da receita são as variantes responsáveis pelas diversas respostas que acabam chegando aos mesmos resultados”, complementa Cangelosi. Trata-se de uma tecnologia que funciona de forma inteligente e rápida, usando métodos que sejam eficazes e funcionais. Os algoritmos usam como base fotos, arquivos, conversas enviadas de uma pessoa para outra e até mesmo o áudio do celular. “É como uma ‘escuta’ que obtém informações sobre o usuário, formando, assim, um apanhado de dados mais precisos e detalhados so-
“A culpa não é dos algoritmos, mas do uso que é feito deles”, afirma Victor Cangelosi.
bre o consumidor”, explica. Muitos críticos alegam que os algoritmos, além de invasivos, geram uma polarização, fazendo com que a pessoa só receba informações com as quais concorda, o que reforça sua resistência a ideias opostas. Cangelosi explica que a culpa, nesse caso, não é propriamente do algoritmo, mas do uso que é feito dele. “Infelizmente utilizar o algoritmo para que o usuário possa ter acesso a todos os posicionamentos não gera engajamento”, diz. Mesmo sendo voltado a facilitar o acesso às informações, o algoritmo depende de um bom operador já que, programado de forma errada, tende a cometer erros. “O chatbot da Microsoft é um ótimo exemplo disso, pois ele tentava interagir com as pessoas e acabou aprendendo comentários racistas e xenófobos”, lembra Cangelosi. O funcionário de marketing da Sheik Agência, Alexandre Bovo, destaca que a função do algoritmo é ajudar. “Eles são desenvolvidos para que os esforços de quem desenvolve conteúdo seja facilitado e a realidade de quem consome possa ser mais voltada para sua própria ótica e interesses pessoais.” O trabalho dos algoritmos é impor-
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tante, pois se reflete no aumento considerável das vendas nos comércios, por meio do uso adequado dos estímulos, o que é essencial ao marketing. “O papel do setor de marketing é converter possibilidades e não somente vender. A responsabilidade é 100% do comercial de realmente consolidar e proporcionar a compra”, argumenta.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Rafael Fonseca Santos Coordenador do Curso de Jornalismo: André Santoro Editora: Patrícia Paixão Fotos da capa: Adriel Gadelha de Alencar e Gabriel David de Mesquita Lopes (Aplicativos inclusivos), Mônica Zanon (Talento que vem das ruas), Fernanda Aranha e Júlia Wasko (Pobreza Menstrual) e Pixabay (IA nas empresas) Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
Vantagens da IA no mundo empresarial Apesar de ser destaque no uso da tecnologia, Brasil tem pouca projeção no campo das pesquisas Beatriz Figueiredo Guilherme Oseliero Luiz Fernando Peres
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Pixabay
Inteligência Artificial (IA) é uma das principais inovações das últimas décadas e possui a capacidade de fazer máquinas simularem a inteligência humana, tomando decisões em determinada situação. No mundo empresarial essa inteligência tem gerado aumento da eficiência operacional e da produtividade. Em um levantamento organizado em 2021 pela IBM e implementado pela Morning Consult 40% dos profissionais de TI brasileiros informaram que as organizações para as quais trabalham já implementaram Inteligência Artificial (IA) em algum processo em seus negócios, com o objetivo de otimizá-los. De acordo com Roberto Celestino, líder e especialista em Inteligência Artificial da IBM, estamos vivendo cada vez mais em um mundo digital, impacto pela IA. “A cada dia ge-
ramos mais dados e, para que uma empresa consiga tomar decisões eficientes, é importante que ela use e análise esses dados, e é aí que entra a Inteligência Artificial”, pontua. Para que a IA possa trabalhar de forma eficiente e justa a médio e longo prazo é necessário que ela foque em como a sociedade controla, monitora e regulamenta qualquer uso de máquinas em processos de decisão. Isso porque essa inteligência reproduz padrões, ou seja, se em uma análise a máquina entrever que uma determinada empresa havia contratado somente homens brancos nos últimos tempos, ela continuará reproduzindo esses padrões, pois assumirá que é o certo. Para que isso não ocorra, Conrado Nogueira, gerente de desenvolvimento de negócios da Sonda, destaca que é importante que haja uma regulamentação ética da forma como a tecnologia é usada pelas pessoas. “Assim as pessoas passarão seu conhecimento para as máquinas, sem ferir os princípios da sociedade”, diz Nogueira.
Tecnologias de Inteligência Artificial aumentam eficiência operacional e produtividade.
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A Inteligência Artificial tem grande importância para o desenvolvimento do Brasil. No relatório Global AI Adoption Index 2021 da IBM foram ressaltadas alguns benefícios dessas tecnologias, como softwares que são usados em 68% dos negócios. Ademais, no estudo conduzido pela Morning Consult, com a organização da IBM, foi constatado que o uso de IA no Brasil é melhor do que em outros países da América Latina. “Estamos bem avançados. Somos um expoente na região, tanto que entregamos projetos para o mundo inteiro”, ressalta David Dias, diretor associado de Inteligência Artificial na Accenture. Mas se por um lado conseguimos usar mais a tecnologia que nossos vizinhos, não temos, por outro lado, um bom desempenho no campo das pesquisas. “Nesse ponto não estamos tão avançados, pois há países que estão investindo muito forte em estudos de IA.” Apesar de o país não ser muito desenvolvido em relação a pesquisas, não se pode esquecer do Centro de Inteligência Artificial (C4AI), uma parceria da IBM com a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com o objetivo de criar um centro de IA focado em fazer pesquisas básicas e aplicadas sobre essa área. “Não é uma proposta de inovação e de pesquisa aberta, estamos lá para fomentar a tecnologia no mercado”, explica Claudio Pinhanez, pesquisador do IBM Research. Para Celestino, as empresas precisam se atualizar de forma que essa tecnologia se torne parte de seu cotidiano. “Uma empresa sem Inteligência Artificial é como uma pessoa em pleno século XXI sem smartphone. Ou seja, dá para sobreviver, porém se deixa de aproveitar diversas oportunidades existentes na atualidade.”
Aplicativos empáticos Estudantes mackenzistas criam apps voltados ao público negligenciado no ambiente digital
Adriel Gadelha e Gabriel David de Mesquita Lopes
Adriel Gadelha de Alencar, Gabriel David de Mesquita Lopes e Larrani Ferreira Guariente Oliveira
Estudantes mackenzistas que desenvolveram o game “Sussurros”, para deficientes visuais.
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era digital é marcada, dentre outras coisas, pelo uso de diversos aplicativos, sejam eles de entretenimento ou voltados a resolver diferentes questões do cotidiano. No entanto, muitos desses apps não são acessíveis para parte da sociedade, como pessoas com deficiência audiovisual e idosos. Por isso estudantes de variados cursos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que fazem parte do projeto Apple Developper Academy, desenvolveram aplicativos inclusivos. Rebecca Mello, Celso Muza, Vitor Grechi, Gabriel Baptista e João Victor Pimenta produziram um jogo de detetive para divertir aqueles que possuem algum tipo de deficiência visual, desde cegos a daltônicos. Como o setor de entretenimento é muito escasso para essas pessoas, o game garante uma experiência única. “Nosso maior objetivo com ‘Sussurros’ (nome do app) é entreter o público de uma maneira interativa, mas, principalmente, ser um jogo acessível para os deficientes visuais”, conta Muza.
Segundo Pimenta, o grupo de alunos buscou mostrar que um aplicativo não necessita de imagens para o alcance de uma imersão completa. É possível obter esse resultado apenas com sons. “Passamos dias produzindo a dublagem, queríamos que o jogador sentisse a história”, acrescenta Rebecca. O jogo utiliza de uma tecnologia com sistema de áudio 3D, que proporciona aos usuários uma imersão de áudio espacial. “Quando você joga, o som é calibrado entre seus fones, possibilitando perceber a direção em que ele está vindo”, explica Vitor. Já Thais Bras, Nathalia Papst, Francielly Ortiz, Mariana Abraão e Luca Hummel desenvolveram o “Soundbook”, um aplicativo utilitário que visa auxiliar deficientes auditivos em seu dia a dia. Através do app, o usuário grava o som de um objeto específico, medindo sua intensidade e armazenando-a em uma galeria de áudios. Além disso, o aplicativo fornece os horários permitidos de uso daquele determinado objeto, de acordo com seu barulho. “Antes, quando um
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deficiente auditivo fosse cozinhar à noite, poderia ficar com medo de ligar o liquidificador por não saber a intensidade do barulho que faz. Agora ele não precisa mais passar por isso”, destaca Thais. Para Francielly, o aplicativo fornece muito mais que um “auxílio”. Ele proporciona independência. “O SoundBook é uma forma de dar mais autonomia aos deficientes auditivos. O que seria a gente sem autonomia?”, reflete. O aplicativo “Legado: Álbum da Vida”, desenvolvido por Caroline Taus, Raphael Alkamim, Talita Santos, Débora Kassardjian e Felipe Leite, possibilita a montagem de um álbum de fotos acompanhado de áudios gravados pelo usuário, que são divididos em linha do tempo e seções (viagens, pessoas, eventos e outros). “É o nosso pequeno podcast”, diz Talita sobre o aplicativo. Além de preservar momentos, o programa incentiva o exercício da memória, contribuindo com a prevenção e ajuda às pessoas que sofrem de problemas que causam a perda dela, como o mal de Alzheimer. “A gente queria que o ‘Legado’ fosse mais do que um álbum de fotos, mas um lugar para guardar memórias e sentimentos”, ressalta Caroline. O app foi pensado para fazer com que os idosos se sintam mais próximos dos jovens, que estão sempre conectados. Para isso, Caroline, Raphael, Talita, Débora e Felipe desenvolveram um design simples, com botões grandes, legendas, tutoriais e VoiceOver, para melhor condição de uso do idoso. A quantidade de aplicativos para esses grupos de pessoas ainda é muito baixa, causando a exclusão no ambiente digital. Há a necessidade do desenvolvimento de novos softwares acessíveis a esses públicos, como relata Luca, programador do Soundbook. “Com esse projeto queremos mostrar que a tecnologia também pode ser um meio de inclusão.”
Pobreza menstrual: uma questão humanitária Para especialistas, problema impacta em diversos aspectos, inclusive no trabalho e na vida escolar Fernanda Aranha Júlia Wasko
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Para a ativista Camila Jara, a situação de pobreza menstrual é a ponta do iceberg de um problema bem mais amplo: a desigualdade social do país. Segundo ela, uma pessoa vítima da pobreza menstrual acaba excluída de vários contextos, tanto sociais, quanto do mercado de trabalho. Camila lembra do atraso social que o veto ao programa que distribuiria absorventes gratuitos nas escolas representa. O veto foi feito pelo presidente Jair Bolsonaro, em outubro de 2021. “Quando não há predisposição do Executivo para apoiar um programa, isso acarreta uma série de dificuldades na hora de executar.” Camila, que é vereadora em Campo Grande (MS), afirma que os trâmites legais para recorrer dessa decisão atrasarão, e muito, o processo, e quem sofre é a população: “O processo vai se tornar muito mais lento e quem vai sofrer vão ser as pessoas que precisam dos absorventes para sair dessa situação de vulnerabilidade e desigualdade social”. Em 17 de dezembro de 2021 os líderes partidários no Congresso Nacional, em Brasília, decidiram adiar para fevereiro de 2022 a análise de 14 vetos presidenciais, entre eles o veto feito à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e detidas. Fernanda Aranha e Júlia Wasko
pobreza menstrual é uma forma de pobreza relacionada ao ato biológico de menstruar e envolve um conjunto de deficiências e privações, como falta d’água, de produtos de higiene, de saneamento e de acesso à educação menstrual. Como destacam o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, de maio de 2021, o conceito vai além da falta de condições financeiras e estruturais. É um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, que impacta, inclusive, no desenvolvimento escolar. Profissionais de diferentes especialidades e ativistas de coletivos feministas mostram grande preocupação com o problema. Segundo a psicóloga Anna Brito, a pobreza menstrual tem total relação com o cenário brasileiro atual. “É necessário entender que a questão vai muito além de não ter dinheiro para comprar e manter a higiene menstrual. A falta de informação sobre todo o processo da menstruação tem 70% da culpa de vivermos essa pobreza hoje”, complementa Anna. A psicóloga destaca que não apenas as mulheres são prejudicadas. “É imprescindível lembrar que os homens trans também menstruam. Por isso que a sigla LGBTQIA+ é tão importante. Pessoas trans existem, apesar das tentativas de invisibilizá-las. Elas precisam ter seus problemas considerados.” Anna ressalta a importância da educação sexual nas escolas, principalmente entre os adolescentes que passam por uma fase difícil de autoconhecimento, transformação e desenvolvimento. “Muitos desses problemas se resolveriam, se o governo incluísse no currículo escolar a aula de educação sexual e aprovasse a lei de Dignidade Menstrual, que está aguardando sanção presidencial.” Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas mostra que o número de
pessoas em extrema pobreza passou de 9 milhões para 27 milhões em fevereiro de 2021. Assim, como podemos esperar que pessoas em vulnerabilidade social que não têm acesso à manutenção da higiene menstrual e que frequentem ambientes escolares precários almejem um futuro? A ginecologista Mariana Vaz acredita que o agravamento da pobreza menstrual é mais uma das formas de omissão à saúde, da qual estamos todos submetidos enquanto nação. A respeito do impacto da pobreza menstrual sobre os corpos, Mariana diz que “essas pessoas [que menstruam] terão a saúde precária por muitos anos, se não forem adotadas medidas e ações sociais de emergência”. Negar as condições básicas de saúde menstrual é tornar um coletivo gigantesco de mulheres exposto a infecções graves por falta de higiene. “Desse modo, todas as faltas em relação à saúde sexual, emocional e alimentar comprometem os nossos corpos profundamente”, pontua a ginecologista. Por conta dessa e de outras formas de violência, muitas meninas rejeitam o seu sangue, ao menstruarem pela primeira vez. “Rejeitar o que é parte da nossa natureza, aquilo que possibilita a vida, é uma forma simbólica de mostrar que a vida feminina não tem valor”, salienta Mariana.
Para ginecologista, negar condições de higiene às mulheres é condená-las por gerações.
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Racismo e cobertura esportiva Mesa com o ginasta Ângelo Assumpção fez parte do I Seminário da Consciência Negra do CCL Giovanni Conti Levi Júnior
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YouTube/Captura de tela
os dias 11, 12 e 16 de novembro de 2021 o Centro de Comunicação e Letras (CCL) da Universidade Presbiteriana Mackenzie promoveu, de forma virtual, o I Seminário da Consciência Negra, intitulado “Muito além de novembro – Práticas antirracistas na comunicação”. Organizado pela professora Vanessa Oliveira, com a ajuda das docentes Mirtes Moraes e Patrícia Paixão, o evento contou com diferentes mesas, dentre elas uma intitulada “Questões raciais e os desafios na cobertura esportiva”, com a participação de Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol; Breiller Pires, comentarista da ESPN e editor-chefe do The Players’ Tribune, no Brasil; Angelo Assumpção, atleta brasileiro de ginástica artística; e Júlia Belas, jornalista e mestre em jornalismo esportivo pela St. Mary’s University. O debate foi mediado pelo professor Anderson Gurgel, que leciona Jornalismo Esportivo no Mackenzie, e pelo aluno Gustavo Honório, estudante do curso de jornalismo da instituição. De forma geral, os palestrantes destacaram a baixa presença de pessoas negras no ambiente esportivo e como essa falta de representatividade acaba prejudicando a cobertura jornalística e área esportiva, como um todo. “O jornalismo depende da diversidade, de olhares diferentes, de vivências diversas, para alcançar novos públicos que muitas vezes são silenciados”, destacou Breiller Pires, ao longo de sua exposição. Júlia Belas pontuou sobre a forma racista como os atletas negros são abordados em muitas coberturas. “Quando vão falar sobre um atleta negro exaltam sua condição física, já quando vão falar sobre um branco exaltam seu intelecto.” Júlia lembrou também do machismo que ainda afeta a área. Ela criticou o fato de as mulheres só serem escala-
Para palestrantes, falta de representatividade prejudica a cobertura e o esporte como um todo
das para transmissões de jogos femininos. Ângelo Assumpção, atleta brasileiro da ginástica artística, que sofreu racismo por parte do também ginasta Arthur Nory em 2015, depois de ganhar a medalha de ouro na Copa do Mundo da ginástica artística (ocorrida naquele ano), lembrou das dificuldades comumente enfrentadas pelos atletas negros. Ele falou dos empecilhos que teve pelo seu caminho desde a infância. Seu local de treinamento ficava a duas horas de casa e ele sofreu muito preconceito por causa de sua cor. Ângelo completou que “quando os atletas se pronunciam sobre um assunto delicado, como o racismo, as instituições maiores do Esporte precisam apoiá-los, pois muitas vezes as vítimas acabam sendo silenciadas”. Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, salientou que, embora seja notório o crescimento do debate antirracista no Brasil nos últimos anos, é preciso avançar na discussão, para além do âmbito jornalístico. Ele lembrou que é necessário cobrar a presença do negro em outros cargos, como treinadores, diretores, conselheiros e presidentes dos clubes. Carvalho destacou que os atletas no Brasil não têm as mesmas atitudes
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que os atletas estrangeiros no que concerne à luta antirracista, por falta de apoio das instituições esportivas brasileiras. Ele citou os protestos e manifestações do movimento Black Lives Matter, em 2020, após o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis, nos EUA. “Foi um movimento que foi muito puxado pela NBA, que entendeu a necessidade de um posicionamento firme sobre o assunto. O movimento comoveu uma grande parte do mundo. Já os atletas brasileiros fizeram manifestações isoladas, porque a gente não teve um posicionamento por parte da principal entidade que comanda o futebol aqui”, argumentou. Para Carvalho, isso diz muito sobre as pessoas que estão à frente do esporte no Brasil e do quanto elas se importam com aqueles que sofrem com o racismo. O diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol refutou o argumento daqueles que consideram desnecessários o “Dia da Consciência Negra” e a existência de políticas específicas contra o racismo no Brasil, alegando que “todos são iguais”. “É preciso entender que pessoas negras morrem em nosso país simplesmente por serem negras. É preciso deixar de olhar o mundo sob a perspectiva do próprio umbigo.”
Poetas em situação de rua Sem-teto têm textos expostos em livro e nas estações do metrô de São Paulo Julia Miranda Gazola
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ara compensar toda a dificuldade que as pessoas em situação de rua enfrentaram desde o início da pandemia da Covid-19, o Arsenal da Esperança, instituição localizada no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, que abriga mais de 1200 sem-tetos, organizou um concurso cultural em que os abrigados produziram poemas, crônicas e até letras de músicas. Os textos foram reunidos em um livro digital e estão sendo visibilizados em uma exposição no metrô. “Mais de 100 pessoas se inscreveram. Fizemos tudo certinho, premiamos os dez primeiros colocados, fizemos uma bancada de jurados, foi um sucesso”, destaca Patrícia Strebinger, uma das curadoras da exposição. O concurso que originou o livro e a exposição existe desde 2007, mas, com a Covid, foi intitulado “Os desafios de uma pandemia: história que ninguém conta”. Padre Simone, diretor da Arsenal da Esperança, explica como a entidade conseguiu patrocínio para o projeto. “Em 2020, fomos contata-
dos por uma comunidade judaica de São Paulo. Eles estavam interessados em ajudar uma instituição, mas estávamos no auge da pandemia e as portas da Arsenal estavam fechadas para visitantes. Então falei que seria muito bom se patrocinassem o concurso, já que não tínhamos esse recurso. E eles toparam.” O foco na pandemia, de acordo com o religioso, “foi uma forma de pensar que um problema pode virar uma oportunidade”. Uma maneira de os sem-teto “conseguirem colocar para fora o que estavam sentindo, em um momento tão difícil”. Os textos selecionados puderam ser lidos em dezembro de 2021 em algumas estações do metrô de São Paulo, como a da Paulista, da Linha Amarela. Em janeiro, eles estarão disponíveis na estação Santa Cruz e em fevereiro no Largo Treze. O livro digital está disponível para venda na sede da Arsenal da Esperança. O dinheiro arrecadado será revertido para as atividades promovidas pela instituição e para construção de trailers de banho itinerantes, para moradores em situação de rua. “Foi muito importante que esse projeto tenha ido além do concur-
so esse ano, pois estimula os moradores de rua a lerem e escreverem. Faz com que eles se sintam parte da sociedade, sem serem pressionados, porque é uma coisa que eles querem fazer”, ressalta Mônica Zanon, fotógrafa da exposição. Ela também fala que foi muito importante a possibilidade de os textos serem escritos de forma anônima, pois muitos autores tinham vergonha de aparecer. “Em nenhuma fotografia aparece o rosto deles por inteiro e em nenhuma obra aparece o sobrenome de quem escreveu o texto”, complementa Mônica. A curadora Patrícia Strebinger salienta que foi um projeto maravilhoso, porém desafiador. “Nunca tínhamos feito nada assim, nem livro e nem exposição. Claro que foi muito emocionante, ainda mais agora, ver tudo isso se realizando. Ficou tudo tão lindo! É muito gratificante.” Patrícia pensa em fazer novos concursos envolvendo os sem-teto. “Quem sabe de teatro ou desenho... Precisamos aproveitar o talento dessas pessoas. Elas ainda têm muito a mostrar para o mundo e pouco a pouco vamos levando isso para a sociedade.” Mônica Zanon
Iniciativa foi organizada pela instituição Arsenal da Esperança, que abriga mais de 1200 pessoas em situação de rua.
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Intercambistas na pandemia Diversos estudantes tiveram que adiar o sonho de adquirir experiências em outro país
Pixabay
Giovanna Linkeives e Katharina Brito
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intercâmbio oferece a oportunidade de estudantes vivenciarem o cotidiano de outro país, adquirindo diversas experiências, sejam elas educacionais, comerciais ou culturais. Geralmente, o intercambista passa muito tempo planejando sua viagem, para que tudo ocorra conforme o esperado. Mas e quando uma pandemia aparece no meio do caminho? Uma pesquisa feita em 2021 pela Belta (Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio) com 374 respondentes mostrou que a maioria dos estudantes que tinha planos de realizar o intercâmbio acabou adiando o sonho por questões financeiras ou preocupação sanitária, apesar de 82% deles esperarem realizar a viagem nos próximos anos. Além disso, muitos intercambistas e agências de intercâmbio acabaram sendo afetados pela situação estabelecida por outros países, no aceite a estrangeiros, com a liberação de emissão de vistos, por
exemplo. A aluna Luana Missoni, que estava apreensiva de ter que adiar sua viagem para a Espanha, conta que estudantes brasileiros tiveram que criar uma página na rede social Instagram, para pressionar as autoridades espanholas. O país só liberou a chegada de voos vindos do Brasil em 3 de agosto de 2021. Antes disso, os intercambistas que pretendiam ir para a Espanha não vinham tendo sucesso. As agências de intercâmbio aumentaram suas responsabilidades com o início da pandemia, pois precisaram ajudar diversos intercambistas que estavam retidos em seus respectivos países de viagem. A aluna Ingrid Fischer passou por momentos de sufoco na Espanha. Ela pegou o auge da pandemia e teve que se mudar para a casa de conhecidos por um tempo indeterminado, já que não podia mais ficar no alojamento da universidade na cidade de Valladolid, no noroeste espanhol. Em casos semelhantes ao de Ingrid, todos tiveram a opção de voltar para o país de origem logo no começo da pandemia, em
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março de 2020, porém como restrição só podiam retornar com uma bagagem, por não saberem quanto tempo ia durar aquela situação. Uma outra estudante que passou por um transtorno foi Clara Drummond. Ela veio de Boston (EUA) para ficar duas semanas de férias no Brasil até estabilizar a situação, e acabou perdendo suas coisas, por não ter condições de trazê-las pelo valor que foi estabelecido pela empresa aérea. As agências tiveram impacto negativo na média das vendas. Algumas tiveram que estabelecer condições flexíveis, para que ninguém fosse prejudicado, remarcando as viagens sem custo para o intercambista, já que cada país tinha sua exigência. A maioria dos países ainda exige a comprovação das duas doses da vacina 14 dias antes do embarque e PCR negativo por segurança. É fundamental que aqueles que desejem fazer intercâmbio procurem uma agência de confiança, que possa orientar sobre as exigências de cada país e as condições ideais para segurança e comodidade.