Acontece - ed. 209 - turma 2U11 - abril de 2019

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIX - ED. 209 - ABRIL / 2019

OPORTUNIDADES DESIGUAIS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:

A CRISE DA PORTUGUESA PARECE NÃO TER FIM - p. 6 A LUTA DOS SERVIDORES MUNICIPAIS - p. 4 O PÚBLICO DAS FEIRAS VEGANAS SÓ AUMENTA - p. 5

AS MULHERES CONQUISTAM ESPAÇO NA ARTE DE RUA Por Layane Queiroz - p. 7

O COTIDIANO DE UM VENDEDOR CADEIRANTE - p. 3 RACISMO NO MERCADO DE TRABALHO - p. 2


A realidade do negro no Brasil O racismo ainda persiste na sociedade brasileira contemporânea. E tem reflexos no mercado de trabalho Ana Roxo Mariana Vasconcelos

César Silva fala sobre sua experiência profissional

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egros e brancos ainda têm condições e oportunidades muito distintas na sociedade brasileira. Apesar de serem 54% da população, os autodeclarados negros e pardos têm taxa de analfabetismo de 11,1%, segundo o último levantamento do IBGE. Entre os brancos, o número é de 5%. E a renda familiar média de negros é de 753,98 reais, enquanto a dos brancos é de 1.334,30 reais. Isso tem impacto, é claro, nas oportunidades profissionais. César Silva tem 31 anos e trabalha há 4 na Johnson & Johnson. Começou a carreira profissional como estagiário no INSS, passando pela Lenovo e pela PNG, onde também entrou como estagiário e saiu como gerente em apenas nove meses. Hoje ele é responsável por uma equipe de 16 pessoas. De mãe solteira e empregada doméstica, morou na casa dos patrões dela. E ele conta que foi isso que o fez querer “crescer na vida”, já que estava tendo acesso a outra referência de vida. César acredita que a desigualdade maior não

é a cor de pele, mas sim a condição financeira. Ele saiu do ensino médio direto para faculdade, que só conseguiu terminar após fazer empréstimos. Atualmente, tem em seu currículo uma pós-graduação e um MBA. E quer seguir no doutorado/mestrado. “A cor da pele nunca foi um limitador pra mim. Nunca me senti menor porque eu era negro, eu me sentia menor porque eu era pobre”, ele conta. “E como negro e pobre tenho que trabalhar duas vezes mais para ser reconhecido como uma pessoa que tem pele branca”, diz. Ele, que ganhou por 3 anos consecutivos o prêmio de melhor consultor de vendas da América Latina em sua empresa, completa: “antes de discutir preconceito racial, eu tenho que falar de desigualdade social, pois esse é o problema”. Pedro Gabriel, de 48 anos, atualmente trabalha no prédio Edifício Mari na rua Maria Antônia como faxineiro. Ele relata que sofre diversos preconceitos, não no meio de trabalho, com outros funcionários, mas das pessoas que passam por ele. No prédio, segundo sua estimativa, só 5% o cum-

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primentam e o restante não diz nem “bom dia”. Pedro relata “Muito triste que em pleno 2019 as pessoas com poder aquisitivo não reconhecem os valores de alguém que faz função para eles mesmo”. Conversamos também com Wellington de Simões Prispo, 20 anos, assistente social do CRAS - Centro de Referência de Assistência Social. Ele tem o ensino médio completo e diz que está estudando para ser ator. Sua infância, segundo ele, foi boa, pois recebeu muito carinho e presentes dos pais e avós. Mas na parte escolar nem tanto, pois ele fala que sempre sofreu muito Bullying por ser o único negro da sala de aula. Quando perguntamos sobre as dificuldades sofridas durante a vida, ele comenta: “dificuldades eu acho que vou ter até quando eu morrer, porque uma pessoa negra e LGBT não tem vida fácil”. Após um episódio de discriminação por parte de um professor, ele acabou sendo reprovado. O fato foi marcante em sua vida. “E nesse tempo todo eu conheci mais pessoas que fazem essas pequenas agressões e geram um questionamento sobre a minha capacidade e a minha inteligência”, conclui.

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro

Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


Empreendedor sobre rodas A rotina e as histórias de Edvaldo, cadeirante e vendedor de doces no Pacaembu Álvaro Guilhermino Pedro Xavier

Edvaldo indo vender seus doces na Av. Pacaembu (foto: Pedro Xavier)

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dvaldo Bernardino da Silva, de 55 anos, já é uma personalidade conhecida pelas ruas do bairro do Pacaembu. Há 25 anos vendendo doces no farol, mesmo com dificuldades, Edvaldo se desdobra por cinco conduções diárias para chegar ao seu ponto de venda: um cruzamento na avenida Pacaembu, onde, entre um carro e outro, é saudado com alguma brincadeira e sempre bem recebido pelos moradores da região. “Fico em média 5 horas por dia aqui”, diz Edvaldo. Morador do município de Diadema há cinco anos, leva cerca de duas horas para chegar ao Pacaembu, sempre no período da tarde. “De manhã preciso descansar, né?”, explica, sorrindo, a escolha de seu horário. Mesmo com quatro horas de viagem diárias (ida e volta), Edvaldo não desanima, e conta com alegria a sua rotina e sobre as pessoas que o ajudam. Natural de Alagoas, ele veio com 11 anos a São Paulo para tratar

uma poliomielite, doença que acabou acarretando na paralisia de sua perna direita, empecilho esse que não o impediu de trabalhar. Quando mais novo trabalhava em uma empresa que revelava fotos, na qual ele era o responsável pelo tratamento das imagens antes de elas serem reveladas, porém no ano de 1994 Edvaldo foi demitido de seu emprego e desde então vem trabalhando como vendedor de doces com o auxílio de uma cadeira de rodas para se locomover entre os carros. Durante toda a conversa Edvaldo demonstra que a principal motivação para buscar dinheiro foram seus dois filhos, um menino de 28 anos e uma menina de 26, filhos dos quais ele fala com muito orgulho. “Eu fico feliz, mesmo eu não conseguido ter dado muitas coisas a eles, hoje estão aí vivendo a vidinha deles e ganhando seu dinheirinho”, diz. ”Meu filho sempre me incentiva a arrumar outro emprego, diz que já estou velho e que me-

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reço descansar, mas eu gosto do que faço”. Ele prossegue: “Eu sei que podia arrumar um emprego mais estável do que este, e mais bem remunerado, mas eu gosto do que faço, gosto do convívio e das amizades que fiz nesses 25 anos aqui”. Amizades que pudemos perceber nas horas que passamos com ele, nos momentos em que ele brincava com seus clientes e com alguns moradores que passavam por ali naquela tarde. “Claro, tem gente que me trata mal aqui também, mas depois de tanto tempo já percebo antes mesmo de falar com a pessoa se ela vai ser grossa ou não”. Perguntamos sobre as dificuldades que ele já havia enfrentado ali no seu dia a dia de trabalho, e sua primeira resposta foi em relação aos motoristas irresponsáveis. “Aqui é muito perigoso, já fui atropelado uma vez, sempre tenho que ficar atento, vira e mexe alguém entra na contramão”, diz. Outra reclamação feita por ele foi em relação aos dias em que acontecem jogos no estádio do Pacaembu: “em dia de jogo é muito ruim, caem demais as vendas”. Perguntamos o porquê e ele explicou: “o público que passa por aqui em dia de jogo é diferente, preferem outras coisas, como cerveja”. E completa: “acho que é só isso que eu tenho para reclamar”. Mesmo passando o tempo inteiro vendendo seus doces em cima de uma cadeira de rodas, Edvaldo consegue andar. Com a ajuda de uma bengala, ele se locomove de sua casa até o local onde deixa sua cadeira de rodas no final do expediente do dia anterior, um clube da região do Pacaembu. Questionamos, então, o uso da cadeira mesmo ele conseguindo andar, ainda que com auxílio. “Passo em média cinco horas por dia aqui, já tenho 55 anos, se eu usasse minha muleta, além de dificultar minha locomoção, o desgaste seria muito maior, por isso a cadeira”, explicou.


Categoria unida Servidores públicos municipais de São Paulo lutam para garantir seus direitos Carol Duarte e Sofia Kioko

Manifestação dos servidores contra a reforma da previdência municipal

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ducação: nossa maior rebeldia.” A frase estava estampada em diversas camisetas de professores e servidores públicos na manifestação que ocorreu no dia 19 de fevereiro de 2019. O movimento tinha como justificativa a reforma previdenciária municipal (Lei N° 17.020) de São Paulo, que aumentou de 11% para 14% a contribuição dos servidores. Em 2016, o ex-prefeito Fernando Haddad instituiu o que era antes o projeto 621, retirando logo em seguida de pauta. No final de 2017, Dória voltou com o projeto, que foi aprovado na Câmara dos Vereadores em 2018. E o atual prefeito Bruno Covas deu prosseguimento à iniciativa. Como justificativa, a Prefeitura alega o déficit na previdência municipal (Iprem). Para Ismael Neri Palhado Jr., presidente do sindicato dos professores (Aprofem), “a previdência municipal está deficitária, mas por má gestão, nós sempre recolhemos em ordem os 11% que são

comuns pra tanta gente, mas não conseguimos segurar, pois a lei foi aprovada na câmara municipal. Isso aí na verdade representa um confisco, essa é a nossa leitura de 3% nos nossos salários”. Além disso, a iniciativa faz parecer que os servidores públicos são os culpados por questões econômicas. Entretanto, na constituição os servidores têm direitos que não podem ser reduzidos mesmo por conta do “rombo da previdência”. Segundo o Art. 7° da constituição federal são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais: direitos de propriedade, adquiridos, impossibilidade de redução dos vencimentos e de tributação de acordo com a capacidade de contribuição, entre outros. Fábio Godoy, chefe de gabinete do vereador Fabio Riva (PSDB), diz: “é necessário uma série de reformas, utilizar o gasto público, melhorar os gastos públicos em diversas áreas, ninguém nega isso, mas não é porque outras ações são necessárias que não

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vai se fazer nada na previdência, então são questões complementares, é importante também buscar eficiência no gasto público além da previdência”. Ele diz que em casos como o do Rio de Janeiro há gente passando fome e em outros estados ficando sem aposentadoria e com salários atrasados. “Essa é uma reforma justa, pois garante aposentadoria no futuro de quem está trabalhando agora”. Para compreender melhor o projeto, é preciso conhecer o Sampaprev, que é uma entidade privada responsável por administrar e efetuar planos de benefícios de caráter previdenciário complementar. E o que é isso? Ismael explica: “pra simplificar, a maioria ainda tem o direito quando se aposenta da integralidade do seus vencimentos, diferentemente do INSS, onde o trabalhador pode ter trabalhado, por exemplo, uma jornalista ganhando 20, 30, 40 mil reais e na aposentadoria ganha 5 mil. É pouco, né? E isso está sendo implantado agora para o servidor municipal de uma maneira irreversível”. O Sampaprev seria uma forma de aumentar o benefício mediante uma contribuição maior quando o trabalhador está na ativa. Fábio faz o contraponto dizendo que os servidores têm uma aposentadoria maior que os aposentados do INSS, a previdência é um direito do funcionário que contribuiu durante a vida em que trabalhou e que deveria se aposentar de acordo com sua contribuição, mas que infelizmente antes do Iprem e da criação da caixa e do banco do funcionário público, que acaba os financiando, como por exemplo ajudando a comprar uma casa, foi criado um rombo que impossibilita a cidade de investir, por esse motivo acaba sendo necessária a reforma. Mas o outro lado alega que a Câmara dos Vereadores escancara de fato de que lado está favorecendo, banqueiros, empresários e seus próprios interesses.


Consumo consciente Feiras veganas fazem sucesso entre aqueles que buscam uma vida mais sustentável

Feira vegana Vegan Park na Vila Mariana atrai público jovem Elisa Maria Laura Donini

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os dias 23 e 24 de fevereiro, aconteceu mais um evento vegano em São Paulo, na Vila Mariana. A feira Vegan Park contou com barraquinhas de comidas veganas, estacionamento, doação de animais, além de espaço com mesas, redes, brinquedos e uma tenda de massagem. O público não se restringe apenas aos veganos e vegetarianos. Há famílias e crianças em geral que desfrutam desse passeio dos fins de semana. Essa é somente uma das feiras que a cidade tem recebido ao longo dos últimos anos, com cada vez mais frequentadores. As barracas ofereciam produtos e alimentos voltados preferencialmente para o público vegano, com alternativas sustentáveis e naturais. Algumas das opções eram o Dom Vegano, que tem um restaurante em São José dos Campos, a Veggie Soul, empresa com um projeto de conscientização social e cardápio criativo e variado, e o The Boinas, especializado em churros veganos. Havia também estandes de cosméticos de origem

natural e caseira da loja Alecrim Dourado e outros que vendiam bijuterias e suculentas. Além disso, havia uma tenda de massagem “reiki”, que é uma técnica japonesa de cura baseada na canalização de energia universal através das mãos com o objetivo de restabelecer o equilíbrio energético vital. Essa técnica é considerada uma terapia alternativa complementar a outros tratamentos. A feira também contava com uma barraca de doação de cães e gatos, para que as pessoas tenham o incentivo de adotar animais em vez de comprá-los, e assim garantir um lar para os bichinhos mais necessitados. Habituado a visitar as feiras, Ricardo Furlani, de 21 anos, é estudante de direito e vegano há quase dois anos e conta que essa mudança ocorreu devido à conscientização dos maus tratos contra os animais, desde a concepção até o abate. “Acredito que o mundo evoluiu muito, oferecendo alternativas ao consumo de derivados animais, alternativas mais saudáveis e humanas”, disse em entrevista. Ricardo considera que as feiras são positivas, pois reúnem mais possibilidades tanto de alimentos

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quanto produtos. Ele afirma que “as feiras são opções mais sustentáveis de mercado, e auxiliam os pequenos vendedores e produtores”. Ricardo admite que as feiras poderiam ser mais acessíveis financeiramente, mas entende que os preços são mais altos por se tratarem de produtos artesanais. E completa que quanto à localidade, as feiras que ele frequenta são de fácil acesso. Em contrapartida, a nutricionista e vegana Cristiana Maymone de 33 anos, formada há 11 na Universidade Federal de Pernambuco, tem uma opinião desfavorável às feiras. Ela considera que esses eventos são voltados para uma parcela da população exclusiva, e não acessíveis àqueles que não tenham uma condição de vida tão favorável. Ela afirma: “Eu acho que fortalece um consumismo vegano, porque faz parte de uma gourmetização da alimentação. E eu não acho que o veganismo tenha que ser consumista”. Cristiana conta que para se tornar vegana passou por um processo de conscientização sobre a exploração dos animais e dos trabalhadores da indústria. “Eu acho que é um processo de aprendizagem e decisões de vida que a gente vai tomando, e porque faz sentido pra vida que eu estou buscando”, diz. Ela tem preferência pelos pacientes veganos e vegetarianos, pois não lida com carne há um bom tempo e relata que escolhe esse público por conta da sua afinidade com esse estilo de vida. O veganismo, segundo a The Vegan Society - entidade vegana mais antiga do mundo – é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível, todas as formas de exploração e de crueldade contra animais. Diferente do vegetarianismo, definido como uma dieta alimentar baseada no consumo de alimentos de origem vegetal, o veganismo abrange mais do que somente a alimentação, embora os dois estilos tenham as mesmas raízes.


O triste presente da Lusa A Portuguesa, tradicional clube paulista de futebol, amarga a mais profunda crise de sua história Igor Lima

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undada em 1920 por integrantes da comunidade portuguesa em São Paulo, a Associação Portuguesa de Desportos se tornou ao decorrer das décadas um tradicional clube paulista. É tricampeã paulista, bicampeã do extinto torneio Rio-São Paulo e campeã da série B em 2011, além de um notório vice-campeonato da principal série do futebol brasileiro em 1996. Mas o presente da Lusa é distante de todos esses momentos de glórias. A equipe está sem série no campeonato nacional e atualmente briga contra o rebaixamento na série A2 do campeonato paulista. Para retornar à série D, o clube precisa ganhar a Copa Paulista de Futebol, que teve sua última edição finalizada em agosto de 2018. Mas os resultados ruins sofridos dentro de campo refletem uma crise que afeta todos os setores da Lusa, como é chamada pelos torcedores. Nos últimos anos, a Portuguesa acumulou uma dívida superior a 350 milhões de reais, principalmente em virtude de dívidas trabalhistas. Para José Alfredo Lopes, comerciante de 66 anos e torcedor da Portuguesa durante toda a vida, a presidência tem uma grande parcela de culpa nessa situação: “A crise que a Portuguesa passa é devido ao atual presidente, que nunca prestou contas e tudo que acontece no clube está atrás dos panos. Dificilmente algum presidente terá coragem de assumir a dívida”. Mas qual foi o exato ponto do estopim do nublado presente que o clube vive? Segundo Luiz Nascimento, jornalista na CBN, colunista no Globo Esporte e torcedor do clube, diversos fatores corroboram para essa crise. “Financeiramente e administrativamente, foi na virada dos anos 2000, com a criação da Lei Pelé. A Portuguesa não se adaptou a essa lei porque a gestão é completamente amadora e dívidas trabalhistas começaram naquela virada do século. Jogadores da base pas-

O estádio do Canindé, em São Paulo, chegou a ser leiloado em 2017

saram a sair e os demais começaram a processar o clube por conta de salários atrasados. A partir dali, foi uma bola de neve”, afirma Luiz. Sancionada em março de 1998, a Lei Pelé pretendia trazer mais transparência e profissionalização aos clubes brasileiros, como a criação de associações, federações e o investimento nos esportes olímpicos, por exemplo. No entanto, apesar de ter possibilitado uma maior independência dos jogadores, as atuações dos empresários se tornaram mais evidentes no cenário brasileiro e os clubes passaram a ter dificuldades para manter suas promessas. Dívidas trabalhistas e problemas administrativos atingiram, então, o futebol brasileiro. Outro fator explícito na instabilidade do clube é o caso do jogador Heverton, em 2013. Na época, o clube conseguiu a pontuação necessária para escapar da série B na última rodada, porém, graças a uma escalação irregular do meio-campista Heverton no jogo contra o Grêmio, o clube foi julgado pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) e perdeu qua-

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tro pontos, resultando numa queda à segunda divisão do campeonato nacional. Segundo Luiz, a polêmica envolvendo o jogador foi essencial nessa derrocada sofrida pelo clube. “A ‘Barcelusa’, em 2011, tinha uma grande chance de se reerguer por conta da cota da televisão, mas em 2013 caiu para a série B nos tribunais no caso Heverton e isso foi o ponto de virada da derrocada do clube”, afirma o jornalista. Em 2014, caso se mantivesse na série A, o clube receberia em cotas de televisão uma quantia entre 15 a 20 milhões de reais. Na série B, o clube recebeu apenas cerca de 3 milhões de reais. O clube também teve seus cinco principais troféus penhorados pela justiça e briga nas últimas posições na série A2 do Campeonato Paulista. Em 2017, o estádio do Canindé foi a leilão em um valor de 157 milhões de reais, correspondente a 44% da dívida total. A diretoria do clube não havia se posicionado sobre as questões levantadas nesta reportagem até a data de fechamento do texto.


A luta feminina por trás da arte

O protagonismo das mulheres ganha força no cenário do grafite por meio da batalha pela igualdade Layane Queiroz

Artista Jessica Maria finalizando painel na estação Brás da CPTM

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grafite hoje é reconhecido como expressão artística e é admirado desde as periferias até os grandes centros. Embora geralmente seja protagonizado pelos homens, as mulheres vêm encontrando formas de se tornarem mais visíveis e também mais seguras dentro do universo da chamada “street art”. Para a maioria delas, essa arte ultrapassa os muros. É sobre o ato revolucionário de uma mulher tomando todas as decisões sobre ela mesma. “Essa é uma das coisas que eu mais gosto no grafite, a liberdade de fazer o que eu quero, na hora que eu quero, como eu quero”, diz Katia Suzue, artista de 38 anos. Essa forma de viver está ligada à defesa da própria identidade, dos direitos, opiniões, desejos e de como elas querem ser vistas e enten-

Karen Fidelis criando painel em S. Paulo

didas pelo mundo ao redor. A artista Débora Seiva (ela prefere o nome artístico Auni), de 32 anos, tem uma trajetória que confirma essa mudança de rumo de algumas mulheres ligadas ao grafite. “Foi um caminho natural chegar aonde estou. Abri mão de carteira assinada em 2015, pois meu trabalho me deixava em depressão e eu não fazia o que deveria”, diz. Uma grande visibilidade foi alcançada pela artista Luna Buschinelli, paulistana que entrou para o Guinness Book com o maior grafite feminino do mundo, e repetiu a fórmula de sucesso fazendo outros grandes grafites, como a obra interativa, de 70 metros de altura, que pode ser vista do vão livre do Masp, em São Paulo. A representatividade no meio se torna um grande incentivo: “quanto mais meninas estiverem ocupando esses espaços, mais outras se sentirão capazes de fazer isso também”, diz Aline da Silva, conhecida como Badu, artesã de 23 anos. A formação de grupos integralmente femininos, onde elas podem trabalhar juntas e fortalecerem umas às outras, é uma prática que se mostrou eficiente e ganhou o Brasil. Esses grupos já existem em diversas partes do país, como o coletivo Minas de Minas de Belo Horizonte, que atua desde 2012, ou o Risofloras, de Brasília, criado em 2014. Na cidade de São Paulo, a rede

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Efêmmera se destaca. Trabalhando atualmente com mais de 30 mulheres, o grupo percorre diversas formas de arte, tanto em projetos físicos como em audiovisuais, incentivando a liberdade de atuação feminina. “Quando descobri o universo do grafite, não tinha muita noção dos riscos que a rua oferecia. Fui descobrindo os desafios na pele, e foram esses mesmos desafios como a violência urbana, o machismo, a sensação de desconforto nas ruas, entre outros, que me fizeram pensar num projeto focado nas mulheres”, diz Bela Gregório, produtora cultural e fundadora da rede. Auni também comenta a questão da segurança: “estamos em perigo sempre, mas nunca achei que fosse um empecilho para deixar de fazer o que faço”. O grafite surgiu como uma forma de se rebelar contra a opressão e para a exposição dos problemas sociais. O olhar feminino nesse contexto diz muito sobre a discriminação de gênero, a violência conta a mulher e o machismo. “Ocupar a cidade é uma missão de resistência por si só, a cultura de rua nasceu com a missão de se fazer existir num lugar onde essencialmente não era bem-vinda. A mulher enfrenta esse mesmo obstáculo porque, historicamente, foi criada para estar em casa e não nas ruas, muito menos protagonizando o que quer que seja. Sem dúvida, estar na rua, ficar na rua, deixar uma marca na rua e se impor na rua já é um desafio bem grande para as mulheres”, diz a produtora. Sobre o preconceito, Katia Suzue comenta: “ele existe em qualquer área, principalmente se a mulher for ativista. E se for ‘artivista’, pior ainda”. A jornada feminina em direção à igualdade pode ainda não ter acabado, mas elas estão descobrindo o poder que têm por meio da união. “Nós realmente somos mais fortes juntas”, afirma Bela, e acrescenta: “Quando essa informação tocar a mulherada toda por aí, de dentro pra fora, o mundo vai ser feminista sim e muito mais sensitivo”.


Oportunidades desiguais A maratona para entrar na universidade varia conforme a classe, a cor e o gênero Camila da Silva

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pós 9 horas de trabalho como auxiliar de administração e duas horas de transporte público, o silêncio da madrugada, em conjunto com o percurso do transporte, é o tempo de estudo para o vestibular de Mayara Conceição, 24 anos, moradora do Pimentas, região periférica de Guarulhos. Assim como o estudante Amilcar Júnior, 19 anos, que mora em Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, ela sonha cursar medicina. Embora tenham o mesmo sonho, as condições sociais, de gênero e raça criam um abismo entre eles para entrar no curso mais concorrido do país. Mayara, irmã mais velha dentre os três irmãos, desde de cedo dividia sua rotina entre as tarefas de casa com a mãe, cuidar dos irmãos e estudar. A escola, além do estudo, a ajudava na renda da família vendendo seus doces aos 9 anos. Apesar das necessidades financeiras, seus pais sempre cobraram o esforço nos estudos. “Eles sempre foram muito realistas comigo. Eles falavam: essa é nossa realidade, se você quiser mudar de vida, vai ter que estudar’’, conta. Entretanto, com o crescimento, a pressão para ter um emprego também foi uma questão de necessidade na vida de Mayara. Para tentar adiar a entrada no mercado de trabalho e conseguir continuar estudando, ela encontrou cursos gratuitos que fazia no centro da cidade e em São Paulo. Foi onde ouviu falar pela primeira vez do vestibular e cursinhos no primeiro ano do ensino médio, mas as mensalidades eram incompatíveis com sua renda. No segundo ano conseguiu entrar no cursinho comunitário Pimentas. Mas nesse momento veio o choque da realidade de ensino das escolas públicas que Mayara sempre estudou. “Quando eu entrei no cursinho eu vi quão chocante é a falta de conhecimento. Eu vi que na escola

Mayara, estudando após o trabalho para o vestibular de Medicina

eu passei 11 anos, praticamente, perdendo tempo. Eu não sabia resolver cálculos básicos, nem o básico do português”, diz. A trajetória de Júnior foi diferente. Seus pais também o inspiraram nos estudos. “Meu pai é médico e minha mãe é enfermeira. Eu sempre o via lendo, estudando horas e horas e isso me incentivou muito”, conta. A música e a fotografia também estão atreladas à sua rotina para ajudar a melhorar seu desempenho e concentração nos estudos. Ele, assim como os irmãos, sempre estudou em colégios particulares, mas a mudança para ter mais foco nos estudos veio com a morte do pai, que sempre foi sua base de apoio. Após o Ensino Médio, hoje ele está no segundo ano de cursinho no Etapa, no centro de São Paulo, que fica a 40 minutos da sua casa. O estudo sempre foi sua prioridade como tarefa. Na semana, acumulaentre 10 a 12 horas por dia. “A universidade é um marco importante que você conseguiu com o estudo, tempo que você escolheu estar ali, em vez de fazer outras coisas que são mais prazerosas”, conta. Essa disparidade é a realidade de mais de 4 milhões de estudantes que prestam o vestibular. Segundo o Instituto de Pesquisa

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Econômica Aplicada (IPEA), em média, a renda familiar per capita de jovens que frequentam universidades públicas é duas vezes maior do que a daqueles jovens que não frequentam universidade O peso dos fatores socioeconômicos afeta em 85% na nota do estudante. Além de tudo, os estudantes pobres têm só 0,16% de chance de estar entre os melhores do Enem, um dos principais portais de acesso para o ensino superior público e privado, segundo pesquisadores da Universidade Federal de Brasília (UNB). Contrariando todas as estatísticas, os irmãos de Mayara entraram para Universidade Federal do Rio de Janeiro para cursar Engenharia e ela no último ano ficou por um décimo da nota para cursar medicina na Unicamp. Ela completa, agora, 7 anos de estudo. “Para mim desistir nunca foi uma opção, é importante saber lidar com o não, principalmente quando você é pobre e tudo é uma luta. Para quem já tem acesso ao ensino desde sempre a universidade é uma continuidade, para a gente é uma decisão para mudar de vida. Essas dificuldades que a gente enfrenta para entrar resultam da falta de investimento no ensino público, que quer nos colocar só como mão de obra”, relata.


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