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AUSÊNCIA DO ESTADO E CULTURA PERIFÉRICA
Para especialistas e artistas da quebrada, a arte dos moradores periféricos ou é apropriada pela elite ou têm sua riqueza pouco valorizada
Bruna Maleh Clara Giamellaro Fernanda Falcon
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De acordo com um levantamento de 2008 do Data.Rio, portal vinculado à Prefeitura do Rio de Janeiro, que reúne informações estatísticas, mapas, estudos e pesquisas sobre o município, 82% dos equipamentos culturais da cidade (entre museus, bibliotecas, escolas de música, centros culturais, galerias de arte e salas de espetáculos) estão concentrados no centro e na zona sul.
Uma reportagem publicada na BBB Brasil em 24 de outubro de 2012, escrita pelas jornalistas Lívia Lima, moradora de Ermelino Matarazzo, e Jéssica Moreira, moradora de Perus, na Grande São Paulo, ambas representantes da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, mostrou que quanto mais distante do centro da cidade de São Paulo a pessoa mora menos acesso aos aparelhos culturais ela tem. E o quadro se repete em outros lugares do Brasil.
Como as chamadas “quebradas” são ignoradas pelo Estado no que se refere ao acesso de diferentes direitos, inclusive os culturais, seus moradores acabam criando suas próprias iniciativas artísticas.
“As periferias produzem uma arte muito rica, mas que não costuma ter muita visibilidade”, destaca Mara Rovida, que é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e autora do livro “Jornalismo das Periferias: o diálogo social solidário nas bordas urbanas”, lançado em 2020.
Para Mara, que estudou durante anos as diferentes formas de comunicação dos moradores periféricos de São Paulo, a cultura produzida pelas elites (aquela que está na região central da cidade) é ofertada a valores abusivos, que deixam as pessoas com menos renda cada vez mais impedidas de acessá-la. “É claro que existem museus e bibliotecas na periferia, mas não com o mesmo cuidado e verba que aqueles que ficam na parte rica da cidade”, destaca Luiz Lucas, jornalista que defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade Cruzeiro do Sul sobre a cultura das periferias e que é colaborador da Agência Mural (já citada), Mesmo sem apoio financeiro e estrutural, Luiz ressalta que há muitos coletivos artísticos que acabam usando praças, entre outros locais públicos, para se expressar. “Mas sabemos que essa cultura periférica só ganha visibilidade, quando a elite a aprova e se apropria dela”, pontua.
O cantor de rap Konai, que concedeu entrevista para esta reportagem ao lado do também rapper Yumee, critica algumas iniciativas que hoje usam a arte das periferias quase que como uma estratégia mercadológica, mas sem ter raízes, de fato, com a quebrada. “Não é só sair por aí vestindo a camisa, pra aparecer bonito. Tem que trazer consigo a história daqueles que batalharam muito para chegar aonde chegaram”, reforça.
Ele pontua que os reais criadores de iniciativas orginalmente pensadas na periferia, e que hoje são apropriadas pela elite, “estão muitas vezes passando fome”.
O rapper afirma que os artistas periféricos que escolhem a música como forma de expressão muitas vezes não contam com infraestrutura e estímulo necessários para começar. “Muitos deles não têm nem mesmo um celular para gravar suas canções.”
Konai e Yumee comentaram que, em função da ausência do Estado, dentro das comunidades o jovem acaba tendo apenas três opções de sonhos possíveis: ser jogador de futebol, tornar-se MC ou trabalhar em uma facção criminosa. “E assim, como eu, muitos acabam escolhendo a música, para expressar essa marginalização”, encerra.
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