Jornal Acontece - ed. 212 - turma 2U12 - maio de 2019

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIX - ED. 212 - MAIO / 2019

MUSEU AFRO BRASIL SOFRE COM CORTE DE VERBAS - p. 10 LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:

A VIDA DOS JOVENS QUE SAEM DO BRASIL - p. 2 TAÇA DAS FAVELAS CHEGA A SÃO PAULO - p. 3 INSALUBRIDADE MOBILIZA TRABALHADORES DA SAÚDE - p. 7

A INCLUSÃO POR MEIO DO ESPORTE Por Caíque Diniz e Leonadro Rinaldi - p. 10

HIV: A IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO - p. 8 ONG ACOLHE MULHERES EM SITUAÇÃO VULNERÁVEL - p. 9


Vidas além da fronteira Por que os jovens brasileiros preferem estudar e se estabelecer em outros países? e chances de sucesso”, conta Gabriel Vasconcellos, de 19, que mora nos Estados Unidos há mais de dois e cursa ada vez mais, jovens bus- nutrição na Georgia State Univercam a experiência de sity. Segundo ele, um dos fatores que estudar e trabalhar em o atraem nos EUA é a praticidade. outro país. Segundo da- “Existem pequenas coisas que tordos do Instituto Datafolha, em 2018 nam o dia mais prático, algo que eu cerca de 62% dos brasileiros de 16 não sentia quando morava no Brasil. a 26 anos tinham o desejo de morar Até mesmo para quem está estudanno exterior. A pesquisa aponta os do, pois eles fornecem um horário Estados Unidos como destino que flexível de acordo com a sua rotina”. mais atrai brasileiros, em seguida esIsabella Ronki, 20 anos, não tão Portugal e Canadá. estava feliz com o curso de Rádio e Maria Cade, 19 anos, está TV no Brasil e optou por aprimorar de malas prontas para ir a Portugal seu inglês e ganhar mais independêncursar ciências biomédicas na Uni- cia e maturidade em outro país. Está versidade de Aveiro. “Meu sonho há seis meses em Dublin, na Irlanda, sempre foi fazer esse curso, quero onde trabalha como garçonete no ser pesquisadora e tenho noção da Fitzwilliam Hotel e pretende ficar desvalorização e falta de investi- para fazer faculdade. “Vejo que teatro mentos nessa área no nosso país”, e cultura no Brasil não têm o devidiz. do reconhecimento, deixando de ser Ela acredita que estudar fora um atrativo na área em que busco me trará maiores oportunidades. “Além formar e trabalhar. Eu não faria faculde Portugal ser a porta de entrada dade de artes cênicas no Brasil, e aqui para países como a Inglaterra, terei terei mais oportunidades”, diz. Sobre diploma europeu e validado pelo a experiência de estar morando em governo brasileiro”, diz. Maria está outro país, ela conta que uma das animada para a nova etapa na sua maiores vantagens é “sair da bolha” e vida e afirma: “espero conhecer uma acrescenta: “não tem como pedir ajunova cultura e com certeza amadu- da para os seus pais. É você por você recerei muito. Como irei morar em mesmo, num país em que você não uma cidade pequena, Aveiro, espero domina a língua, não conhece nada poder focar exclusivamente nos es- e nem ninguém. É maravilhoso para tudos, para fazer um bom mestrado amadurecer”. e aproveitar as oportunidades de inJá Beatriz Nicola, 17 anos, estercâmbio na Europa com o progra- colheu um destino que não é comum ma Erasmus”. entre brasileiros. Ela cursa língua chiParte dos jovens que já estão nesa na National Chung Hsing Unimorando fora não pretendem voltar versity, em Taichung City, Taiwan, e diz para ficar no Brasil. Uma pesquisa que estranharam sua escolha. “Quanda Brazilian Undergraduate Student do contei que ia para Taiwan diversas Conference (BRASA) realizada com pessoas me questionaram: ‘onde fica?’ estudantes brasileiros no exterior ‘lá você vai comer carne de cachorro, aponta que 18% não querem voltar e certeza’. No início esses comentários outros 34% não sabem se voltam, ten- me deixaram com medo, mas foi o do como motivos as melhores opor- melhor lugar que eu poderia ter estunidades de trabalho e qualidade de colhido. Aqui eu vivo muito tranquila vida no exterior. “Muitos não veem e feliz. É um país seguro, com ótimos um futuro sólido dentro do Brasil e meios de transporte e com baixo preferem arriscar fora do país, onde custo de vida”, afirma. existem de fato mais oportunidades Estar imerso em outra cultura

Júlia Siqueira Lucy Matos

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Beatriz Nicola fazendo um copo de argila

é uma grande experiência. “Taiwan é um país incrível e rico em cultura. A língua é muito difícil, no começo foi muito complicado, me sentia como uma criança aprendendo a falar de novo”, conta. Beatriz acredita que vale a pena buscar novas oportunidades em outro país. “Hoje estou com a cabeça totalmente diferente de um ano atrás. Taiwan é só o começo de uma nova vida, de uma nova Beatriz”, afirma.

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Comunicação e Letras

Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro

Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


Taça dos sonhos O campeonato de futebol mais famoso das favelas estreia na maior cidade do Brasil Rafael Hideki Tito Campos

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riada em 2012, a Taça das Favelas passou por 12 capitais brasileiras e agora chega à maior delas, São Paulo. O campeonato, organizado pela CUFA (Central Única das Favelas), teve início no dia 6 de abril com 32 times masculinos e 16 femininos, compostos por jovens de 14 a 17 anos, que foram selecionados em peneiras realizadas em suas comunidades. “A competição visa contribuir para a promoção da inclusão social através do esporte, influenciando positivamente a realidade de crianças e jovens brasileiros. Uma oportunidade de promover a integração das comunidades, a ressignificação do território e o fortalecimento da autoestima da juventude das favelas”, afirma a assessoria de imprensa do torneio. Com uma das maiores peneiras para a seleção dos atletas, o Complexo Jardim da Conquista, na zona oeste de São Paulo, contou com mais de 350 meninos no processo. A comissão, formada por 10 pessoas, selecionou 30 para fazer parte do time. Hoje a equipe conta com 23 jogadores. Robert da Silva, servidor público, 36 anos, é o principal responsável pelo time do Jardim da Conquista. Ele conta que o trabalho foi realizado em curto prazo, mas muito bem alinhado, desde a definição da comissão até a convocação dos jogadores e os treinos do time. “Eu lembro de um jogo da Taça das Favelas no Rio de Janeiro, entre 2011 e 2012, que foi Complexo do Alemão x Complexo do Caju. A favela do Caju, durante muito tempo dominada por milicianos, ex-policiais em atividade, e o Complexo do Alemão, que, como todo mundo já sabe, tem uma facção que domina aquele lado. Durante

Jogo treino da equipe Jardim da Conquista, zona leste de São Paulo

aquele jogo tinha mais de duas mil pessoas no campo assistindo. Não foi só o Pelé que parou uma guerra, a Taça das Favelas também”, afirma Robert sobre a missão da taça em unir as favelas. Em sua estreia, o time do Jardim da Conquista, após empate em 1 a 1 no tempo normal, ganhou de 3 x 2 nos pênaltis do time da favela de Heliópolis, maior e mais famosa favela do estado de São Paulo. Robert falou sobre o grande impacto que a vitória trouxe para o time. Mas também ressaltou a importância de manter o foco no campeonato e nunca jogar com arrogância: “O time se encontrou em campo. Agora nós temos um tempo melhor para trabalhar. A gente percebeu (depois do jogo), no grupo dos meninos que tava muito “oba oba”, eu fui e já falei ‘olha gente, até agora não ganhamos nada’. Sensatez! Eu já vi muito time perder campeonato por achar que estava ganho”. Herói da partida, o goleiro Rian Santos contou do sonho

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em conquistar o título: “Para nós, trazer essa conquista para a nossa comunidade seria incrível, é a nossa motivação”, conta o garoto em êxtase logo após o fim das penalidades. Já para o jogador Augusto César da Silva Miranda, 17 anos, do Jardim Santo André, é a paixão pelo futebol desde criança que o inspira. “Meu sonho é chegar no estádio lotado, a torcida gritando meu nome, me empurrando com aquela força, levantar troféu, ser ídolo de um grande time aqui no Brasil, jogar na Europa. É o sonho de todo menino que começa aqui na várzea. É sonho grande!”, diz Augusto. O Jardim da Conquista jogou no dia 27 de abril contra a Favela da Colina. Em partida disputada, a equipe da Conquista perdeu pelo placar de 4 a 2 e consequentemente foi eliminada da competição. A final da Taça das Favelas acontece no dia 1 de junho no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (Pacaembu) e dá 5 mil reais de premiação ao campeão, 3 mil ao segundo colocado e 2 mil ao terceiro.


RAP para quem? A rápida evolução do estilo trouxe consequências para o cenário nacional Gustavo Coutinho Thomas Fernandez

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esde seu início nos EUA, com sua popularidade basicamente reduzida a guetos e populações menos favorecidas, a chegada do RAP ao Brasil não foi diferente. Com Sabotage e Racionais, este segundo que antes da popularização da internet chegou a vender cerca de 500 mil cópias de seu disco, o RAP brasileiro viveu sua época de ouro na década de 1990, tendo oscilações em sua popularidade nos anos seguintes. No meio da década de 2000, voltou a entrar em evidência. Lucas Martins de Pinho, apresentador e sócio do Podcast PodFalah (sobre o RAP nacional e seus artistas), diz que graças ao RAP entrar de cabeça na internet, ele ganhou destaque em diversas parcelas da população. “Além de tocar em todos os lugares, existem tipos de RAP que se enquadram em todo lugar. Poesia Acústica, por exemplo, é um projeto que agrada até quem não gosta de RAP”, diz. Porém, muitos acham que o RAP perdeu parte da essência que originalmente tinha, e deveria carregar ate hoje. Luís Gustavo Sena dos Santos, conhecido como Sena, 25 anos, acredita que a popularização do RAP nas camadas mais ricas moldou seu estilo e conteúdo. “Quando o RAP chega agora na quebrada, chega com muita rima inteligente, saca? Os moleques não têm esse conhecimento, eles querem ouvir a realidade deles”, afirma. A adequação do RAP aos gostos mais elitistas para maior venda ou mesmo apenas por uma métrica ou visão diferenciada afastaram o estilo de seu berço, agora dominado pelo funk. “A meta dos moleques hoje é comprar tênis e ter uma 1125 (moto), não falar sobre a política ou os problemas com uma

Lucas “DWB” Fossa trabalhando na produção dos beats do rapper Sena

rima cabulosa e inteligente. Eles não entendem, não viveram essas rimas inteligentes. Outro dia um menino me parou no shopping pra perguntar se eu era o cara do vídeo que tinha acabado de ver com o pai dele, um vídeo da Gaviões em que fiz umas rimas sobre minha paixão pelo time. Na hora fiquei todo arrepiado. Gerou identificação. A maioria dos artistas que estoura hoje não gera essa identificação”, diz Sena. Um cara que conseguiu repetir o que os Racionais, em seu final, como Marcelo D2 e Mano Brown fizeram posteriormente – atingir e ser ouvido pela elite e pela periferia – é o Djonga. Pinho diz: “Ele consegue lotar shows na comunidade carente de BH e na casa de show em SP sem perder o teor e importância das letras, enquanto é bem remunerado e dá entrevistas na TV. O RAP, ao se tonar rentável, se profissionalizou, dando mais oportunidade para os novos artistas”. Sena reforça: “O Djonga chegou com umas letras fortes, impactantes, reais. Quando lançou seu último álbum e ouvi a faixa “Vó”, nos primeiros segundos já caiu uma lágrima do meu olho. É

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essa identificação que acho que falta no RAP atual”. O crescimento do RAP popularizou o gênero pelo país todo, mas tal crescimento trouxe desdobramentos. É possível que o gênero tenha perdido suas raízes e temas? Lucas “DWB” Fossa, 25 anos, produtor iniciante, diz: “O RAP, por mais que seja uma voz negra, de representatividade negra, quem tá consumindo é o branco”. Sena concorda e adiciona: “O branco elitizado, que tem condição de pegar o conteúdo de rima inteligente, ou que curte os sons de gastação. Nas quebradas o pessoal tá escutando ‘old school’, tá ouvindo Racionais, Mob Deep, esses grupos”. O RAP surgiu como um jeito de inserir na sociedade um pensamento sobre a diferente realidade das periferias em relação ao restante da sociedade. “Se você ouve RAP e não pensa na mensagem, você ouviu o gênero errado”, diz DWB. O RAP acabou virando um mercado e, com isso, o que vende é o que é visto, a mensagem acaba se perdendo no meio. Felizmente, alguns nomes novos na cena estão conseguindo mudar e trazer a discussão de volta para a mesa.


Resistência em forma de cultura A Casa Amarela Quilombo Afroguarany organiza diversas atividades no centro de São Paulo Guilherme Alves Pedro Braga

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construção com estrutura clássica, localizada na esquina da Rua da Consolação com a Visconde de Ouro Preto, não é apenas um grande casarão abandonado. Desde o início dos anos 2000, quando o INSS se mudou dali, o local ficou muitos anos desocupado. Mas essa não é a realidade atual. O espaço já foi chamado de Ateliê Compartilhado, durante o período em que foi administrado pelo Movimento de Ocupação de Espaços Públicos Ociosos, e Espaço Comum, após a primeira tentativa de reintegração de posse. Hoje denominada Quilombo Afroguarany, a Casa Amarela, como explica um dos moradores mais antigos do local, Alex Assunção, 27 anos, carrega em seu nome uma homenagem ao povo preto (afro) e indígena (guarany), mas seu significado vai além. “Quilombo é um lugar que acolhe todas as culturas. Precisamos conhecer nossas origens para saber quem realmente somos”, diz, deixando claro que o quilombo não e um lugar onde apenas afrodescendentes são bem-vindos, mas onde todos se encontram para compartilhar culturas. Reduto de artistas e produtores de arte das periferias da cidade de São Paulo, a Casa surgiu como um importante difusor de cultura popular na cidade. Tombada em 2006 pelo Patrimônio Histórico municipal devido ao seu valor arquitetônico, o intuito da ocupação é agregar diversidade ao espaço. “Aqui temos artistas plásticos, dançarinos, músicos, poetas, eu sou atriz. No total são vinte pessoas que moram na casa, mas são 239 coletivos da cidade que utilizam o espaço. Fora as faculdades e os empresários que fazem reuniões aqui. E agora a gente ganhou o reconhecimento como Ponto de Cultura do governo do estado”, explica Wanessa Sabbath, 38 anos, integrante do Laboratório

Alex Assunção conta a história da Casa Amarela Compartilhado TM13, coletivo que administra a Casa. A gestão do lugar prioriza a permuta para a manutenção. O espaço é cedido, por exemplo, em troca de alimentos e produtos de higiene. A limpeza da casa e a vigilância na portaria são feitas pelos próprios moradores, em turnos organizados. Um ponto que chama a atenção na relação entre os integrantes da casa é a horizontalidade. Quando contatamos Wanessa para esta reportagem, ela preferiu não dar entrevista sem que antes visitássemos a assembleia geral da casa, na qual todos os artistas, os moradores, participam. A história da Casa Amarela como ambiente cultural está intimamente ligada a uma resistência organizada e pacífica. Foram três tentativas de reintegração de posse nesses cinco anos e em todas a função social da propriedade prevaleceu sobre a especulação imobiliária, segundo Assunção. Certa vez, ele conta, foi organizado um baile de reggae com mais de mil pessoas que gostam da casa

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para que elas fossem retiradas juntas, se preciso. Ao falar sobre as reintegrações, Assunção relembra também um episódio inusitado ocorrido alguns anos atrás. “A última reintegração que teve foi até engraçada. A CET fechou a rua, a imprensa chegou e cadê a polícia? Os órgãos não foram notificados do cancelamento e vieram sozinhos (risos)”, relata. Ao projetar o futuro, Wanessa revela a intenção de transformar o Quilombo Afroguarany em uma fundação e de solicitar formalmente a concessão do espaço ao governo estadual. Para isso, ela ressalta o trabalho que é realizado. “Tem atividades praticamente todo dia: teatro e ensaios, durante a semana, e, durante o fim de semana, a gente abre e apresenta pro pessoal que vem aqui”, salienta. A Casa Amarela funciona das 14h às 22h para a visitação do público e tem apresentações de teatro, música, dança e diversas atividades culturais nos fins de semana.


Violência silenciosa Estudo mostra que 1 em 4 mulheres sofrerá violência obstétrica no Brasil

Guilherme Porrino Isabella Scala

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violência obstétrica se caracteriza quando no momento pré-natal, no parto ou no pós-parto, a mulher gestante sofra procedimentos médicos desnecessários, agressões verbais e recusa de atendimento. O estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado em 2010 pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), afirma que 1 em cada 4 mulheres brasileiras ainda serão vítimas de violência obstétrica. Alguns tipos de violência obstétrica são: negligência, quando o atendimento é negado ou são impostas dificuldades para que a mulher grávida receba serviços que deveriam ser seus por direito; verbal, quando membros da equipe médica fazem comentários constrangedores, ofensivos ou humilhantes à mulher grávida, ou ridicularizam as escolhas da paciente para o parto; psicológica, quando há ações verbais ou comportamentais que causem sentimentos de inferioridade, abandono, medo e vulnerabilidade na mulher; e física, quando são feitas práticas e intervenções desnecessárias sem o consentimento da mulher, como a lavagem intestinal (que aumenta os riscos de infecção, além de ser dolorosa e constrangedora), aplicação de soro com ocitocina, privação de ingestão de líquidos e alimentos, raspagem dos pelos pubianos, não oferecer alívio para a dor, episiotomia sem prescrição médica, “ponto do marido” (quando alguns pontos a mais são feitos no períneo da mulher para deixar o canal vaginal mais estreito e, assim, dar mais prazer ao marido na hora do ato sexual), imobiliza-

ção de braços e pernas, e a manobra de Keller (o procedimento foi banido pela OMS em 2017). Ana Carolina Talzi, empresária de 29 anos, sofreu violência obstétrica durante o parto. Já em trabalho de parto, no hospital, uma médica, que não iria realizar seu parto, iniciou o atendimento. Ela sentia muitas dores e gritava muito, e a médica ordenava que ela parasse de gritar. Quando Ana entrou na sala com a equipe, seu marido, Danilo, não entrou junto. Ela queria que o marido entrasse na sala para estar presente e acompanhar o nascimento do bebê, porém a médica se recusava a deixá-lo entrar. Conhecendo seus direitos, Ana começou a discutir com a médica. Após um tempo, Danilo foi autorizado a entrar. Quando o parto foi finalizado e a médica começou a dar os pontos na região, foi feita a intervenção cirúrgica, sem anestesia. Ela pediu que a anestesia fosse aplicada para não sentir mais dores. Após a aplicação, o médico que originalmente iria fazer seu parto chegou e finalizou a intervenção de maneira correta. “Eu percebi que sofri uma violência, que mudou completamente a visão que eu tenho sobre o meu parto. Para o meu marido é o dia mais feliz da vida dele, para mim também é, até eu entrar na sala de parto”, diz. Um dos procedimentos feitos durante o parto que mais causam polêmica é a episiotomia, que é quando uma incisão é feita no períneo para ampliar o canal do parto. O procedimento é realizado quando há risco de dilaceração na área, e pode trazer consequências como dores fortes, risco de infecção e má recuperação cirúrgica. Um estudo feito pelo obstetra Mario Dias Corrêa Junior, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, aponta que o principal fa-

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tor de risco de lacerações graves é quando o bebê nasce muito grande. Para que o procedimento seja efetuado, os médicos devem fazer os exames necessários durante o período gestacional, e também devem avisar e instruir as pacientes para que elas estejam cientes das possibilidades dessa ação, para que não haja a violência obstétrica. Violência obstétrica foi o objeto de pesquisa do TCC de Michelle Guiducci Gomes, 23 anos, formada em Serviço Social pela PUC-SP. Quando questionada sobre como a violência afeta a mulher, a pesquisadora responde: “Afeta o aspecto psicológico de várias formas, porque a gente coloca os médicos como os deuses do saber universal, e ficamos numa situação subalterna ao médico. É difícil saber se aquelas intervenções que eles estão fazendo são necessárias. Por isso é importante que a mulher, quando engravida, tenha, já na UBS, um processo de educação sobre isso”.

Grávidas devem conhecer seus direitos


A revolta do jaleco Trabalhadores da área de saúde pública processam Prefeitura por adicional de insalubridade Texto e fotos: Fernando Claure

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adicional de insalubridade é uma porcentagem concedida ao servidor que se expõe a agentes nocivos à saúde, seja pelo local ou pela atividade, acima dos limites de tolerância permitidos. O adicional só poderá ser concedido mediante avaliação e laudo técnico, expedido pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME, nos termos da Lei complementar nº 432/85. Atualmente, para cálculo do grau de insalubridade, utiliza-se como base de cálculo o salário mínimo. Este grau estabelecido determinará o recebimento do adicional em grau máximo (40%), médio (20%) ou mínimo (10%) e normalmente o reajuste ocorre anualmente, no mês de março, com base no Índice de preços no Consumidor (IPC), apurado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). Médicos de diversos prontos-socorros da prefeitura se juntaram em Janeiro deste ano ao Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Municipio de São Paulo (SINDSEP), que havia iniciado um processo judicial com o intuito de mudar a base de cálculo do adicional de insalubridade. Entre janeiro e fevereiro, o sindicato fez quatro visitas ao Pronto-Socorro Municipal Dr. Lauro Ribas Braga (PS de Santana). Rubens Castro, 59 anos, médico cardiologista dos prontos-socorros de Santana e Julio Tupy, em Guaianases, extremo da zona-leste, conta um pouco sobre o processo. “Quando nós eramos parte da autarquia, nós recebíamos uma porcentagem equivalente a 380 reais de insalubridade, mas quando fomos para a Prefeitura, passamos a receber 41 reais. O processo é para recuperar esse dinheiro, sendo atualizado e incorporado ao salário”, afirma Castro. O cardiologista ressalta tam-

Pronto-Socorro Júlio Tupy, na zona leste

bém o papel do sindicato na ação judicial: “O sindicato é uma representação dos funcionarios publicos, que já englobaram todos os postos da prefeitura nas quatro zonas. Eles entraram com esses processos porque teve muitos funcionarios que perderam estatutarios que estão representados pelo sindicato. Hoje, o sindicato representa a prefeitura tanto quanto a autarquia e como nós passamos a fazer parte da prefeitura, o sindicato dos funcionários públicos está dando apoio para nós que éramos da autarquia.” “Todos os serviços públicos que eram regidos pela autarquia entraram com processo. Esses são: Hospital do Planalto, Hospital Benedicto Montenegro, Hospital Municipal da Mooca, Pronto Socorro Julio Tupy, Pronto Socorro da Freguesia do Ó, Pronto Socorro da Barra Funda e o Pronto Socorro de Santana.” O enfermeiro Elton Ribeiro Campos, 56 anos, conta sobre sua experiência no processo. “Nós queriamos saber de onde que sai o cálculo da nossa insalubridade, porque há algum tempo nós estamos perguntando isso e, na minha opinião, isso deveria ser calculado sobre o salário mínimo. Hoje, nós recebe-

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mos 47 reais de insalubridade, sendo que nós lidamos com pacientes com tuberculose, meningite e outras doenças infecto-contagiosas”, relata Campos. Não apenas os profissionais da saúde fazem parte dessa ação. Pessoas do departamento de Recursos Humanos também estão nessa, como Sueli da Silva, 62 anos, que é Assistente de Gestão de Políticas Públicas (AGPP). “Mesmo nós, que somos de outro departamento e não possuimos contato direto com pacientes, estamos nessa ação por conta do lugar. Os médicos falaram das patologias comuns aqui no pronto-socorro, mas o local em si também é insalubre. Os médicos vem às nossas salas, encontramos pacientes nos corredores. Até mesmo na saída estamos expostos também”, afirma da Silva. A Secretaria de Saúde foi contatada por e-mail e por telefone, porém, não respondeu a nenhuma das tentativas de contato e, portanto, permanece sem posição definida diante da ação judicial.

Enfermeiro Elton Campos, da UPA de Santana


A informação é a cura Gabriel Belic

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egundo dados do Ministério da Saúde, entre 2004 e 2014, o número de novos casos de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) entre jovens aumentou em 35,3%. Em consequência, gerou-se um debate sobre o possível motivo desse aumento. O avanço da medicina pode ter relaxado a população mais jovem? Ou falta uma educação sexual de qualidade que discuta abertamente prevenções e diversidade sexual? Para Murilo Moura Sarno, 44 anos, médico da família e comunidade – atuante principalmente em temas como ISTs, sexualidade e gênero e direitos sexuais e reprodutivos –, a desatenção relacionada aos preservativos não atinge apenas dos jovens. Ele também explica que a ideia que as pessoas têm sobre esse avanço na medicina é, em parte, equivocada. “A medicina não avançou tanto assim, o que na verdade avançou foram os tratamentos antirretrovirais para pessoas com HIV. Mas a medicina também tem relação com oferta de serviços, redes de saúde, linha de cuidado, informação e formação da comunidade, gestão de recursos, oferta de insumos, negociação com a educação... Nessa questão, nós retrocedemos. É muito difícil tratar disso sem polarizar”, explica. Apesar do número de jovens que desenvolvem depressão depois de um diagnóstico de IST, Murilo diz que, entre casos e casos, a partir do momento que uma pessoa descobre, de forma bem abordada e bem trabalhada, um diagnóstico de uma IST, ela se torna uma pessoa mais responsável com sua saúde. É o caso, por exemplo, de David Oliveira dos Santos, 27 anos, que vive com HIV (PVHIV). Ele participa da Rede de Jovens São Paulo Positivo e é militante na questão dos direitos da PVHIV, lutando também pela disseminação de informações para contribuir com a quebra de es-

Gabriel Belic

Casos de HIV/Aids em jovens de 15 a 24 anos crescem em 85% entre 2007 e 2017

David Oliveira dos Santos com o livro “5 anos comigo”, que fala sobre o diagnóstico de HIV

tigmas sociais. “Eu imagino que estou em um relacionamento sério há dois anos com o HIV. A gente tem nossas discussões às vezes, mas às vezes também é uma delícia estar junto com ele”, diz., para completar em seguida: “O HIV te permite voltar a sonhar, é como se tivesse uma chance de uma nova vida. Eu tenho que viver e tenho que viver já, hoje e agora, sem deixar nada pra depois”. Uma das questões mais relevantes ao lidar com esse tema é a vulnerabilidade social. “Já que a sociedade não discute de forma aberta as questões de sexualidade, do corpo, de gênero e de reprodução, em que espaço as pessoas vão discutir e tirar dúvidas? Em conversinhas de bar com pessoas cheias de achismos? Nas escolas? Eu já fui fazer atividade educacional em escolas públicas em São Paulo, que os pais precisavam assinar uma lista, autorizando o filho a assistir a aula. E aí? E se não quiser? Quem vai dialogar com esse filho? Como a gente dialoga a sexualidade?”, diz Murilo. Nesse aspecto, entra a discussão da educação sexual no país, que ainda é limitada. “As histórias se repetem. Famílias conservadoras e jovens que, em sua maioria, estudaram em escolas públicas, que não falam sobre educação sexual. Sendo essa informação censurada, você fica vulnerável à violência e ao risco. Existem muitas vítimas de abuso sexual e pedofilia

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juntamente ao descaso do governo e da família. Além disso, também ainda existe aquele preconceito de que se você é gay, o HIV é apenas uma consequência disso”, relata David. É importante ressaltar que houve uma mudança na nomenclatura de DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) para IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). “As Doenças Sexualmente Transmissíveis têm períodos de latência, nos quais elas não manifestam nada. Então, convertemos para Infecções Sexualmente Transmissíveis, para que dê a entender que mesmo sem sinais, precisa ser rastreada”, explica Murilo sobre a mudança técnica decidida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para David, a pessoa que vive com HIV e tem essa informação tem uma carga simbólica importante. “Eu não estou doente. Se você faz o tratamento, você tem uma vida normal. O que realmente fere é o estigma da sociedade”. Murilo completa que é importante que a população jovem, principalmente, tenha curiosidade sobre o assunto e se informe. “Existe conteúdo de qualidade sobre educação sexual, prevenção de ISTs, direitos e deveres sexuais e reprodutivos e sobre vida sexual na adolescência, vida adulta e terceira idade. Dá pra discutir com clareza e solidariedade”. David arremata: “Se preconceito é doença, a informação é a cura”.


Elas têm a força Casa Sofia presta atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade Eleonora Marques e Nicolly Alves

A psicóloga Cristiane Godinho, que atua na Casa Sofia

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m 30 anos de história, a organização não-governamental Sociedade Santos Mártires vem desenvolvendo ações no território do Jardim Ângela com o objetivo de garantir os direitos de crianças, jovens e adultos em seus 22 projetos, dentre os quais está o Centro de Defesa e Convivência da Mulher Casa Sofia, mais conhecido como Casa Sofia. O CDCM presta vários serviços gratuitos, como atendimento telefônico, orientações jurídicas, apoio psicológico, atendimento serviço social, grupos psicossociais, oficinas e orientações técnicas e externas. Em 2001, foi firmado um convênio com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, que mantém financeiramente as despesas de RH, alimentação, materiais pedagógicos, entre outras.

Panfleto da Casa Sofia

A equipe da ONG é formada por uma coordenadora, três psicólogas, duas assistentes sociais, uma advogada, duas educadoras e um profissional administrativo. Conta também com o apoio da rede de saúde, de educação e socioassistencial nos atendimentos. A técnica de psicologia Stephanie de Oliveira Cunha, 28 anos, trabalha no projeto social há um ano e explicou que, segundo a Lei Maria da Penha, os tipos de violência doméstica atendidos são: violência psicológica, violência física, violência patrimonial, violência sexual, negligência e privação de liberdade. “O serviço tem por caracterização o atendimento a mulheres da faixa etária entre 18 a 89 anos. Hoje contamos com um grupo expressivo de mulheres entre 30 e 50 anos, contudo, esses números são dinâmicos”, afirma a técnica. De acordo com Stephanie, a atuação do serviço ao promover atividades em grupo, como o espaço de reflexão, é buscar um novo significado para cada mulher, assim como oficinas diversificadas para promover e ampliar habilidades das vítimas. “Os atendimentos individuais pontuais promovem orientações especializadas para proporcionar empoderamento, autonomia e fortalecimento emocional”, diz ela. A psicóloga Cristiane Godinho, 39 anos, já atuou na Casa Sofia e afirma que muitas vezes a mulher

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em situação de violência doméstica permanece por muitos anos nessa condição, sem se dar conta da dinâmica violenta em que vive, por ser essa a única referência de matrimônio. Segundo o Datafolha, em 2018 foram agredidas fisicamente 536 mulheres por hora no Brasil. Esse dado ajuda a entender como a violência está presente na sociedade e pode permear o modo como mulheres enxergam suas relações, inclusive normalizando essas atitudes. “Em muitos casos atendidos, percebemos que a violência faz parte do contexto familiar, é transgeracional, sendo utilizada como ferramenta de comunicação. Quando as agressões ocorrem, provocam um comprometimento emocional, que podem acarretar em baixa autoestima, influenciando diretamente em seus relacionamentos sociais e sua integridade psíquica”, diz a psicóloga. Quando perguntada sobre as maiores dificuldades nos atendimentos com as vítimas, Cristiane revela que a dependência emocional e financeira da vítima em relação ao agressor é muito comum, e também no que diz respeito à política pública, que, apesar de existir para a defesa dessas mulheres, ainda não é suficiente para assegurar total proteção. “O governo não consegue garantir 100% a segurança dessas mulheres. Por mais que hoje exista uma lei específica para resguardar e proteger a mulher, ainda percebemos que temos muito o que avançar nesse processo de defesa, uma vez que o índice de feminicídio tem crescido e muitas mulheres têm perdido sua vida de maneira cruel”. O CDCM Casa Sofia está localizado na Rua Dr. Luiz Fernando Ferreira, 6, Jardim Dionísio, zona sul de São Paulo. Seu horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira das 8h às 17h. Telefone: (11) 5831 - 3053 / 5831 - 5387 e E-mail: casasofia@ santosmartires.org.br


Esporte é inclusão O futsal para portadores de síndrome de Down evoluiu muito nos últimos anos Caíque Diniz e Leonardo Rinaldi

Equipe Corinthians/Jr em comemoração ao título da Copa Down de futsal.

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o Brasil, embora não haja dados oficiais, estima-se que existam cerca de 300 mil pessoas com síndrome de Down. O esporte é uma forma importante de inclusão e o futsal cresce cada vez mais para os indivíduos que vivem com essa síndrome. Todos os anos, instituições se unem para realizar jogos amistosos e campeonatos oficiais, como o campeonato paulista, campeonato brasileiro de futsal e também mundial de futsal de Down. Porém, a falta de apoio de instituições importantes, como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), faz com que a prática do esporte se torne muito complicada. Em entrevista, o ex-atleta profissional, hoje treinador da seleção brasileira de futsal para síndrome de Down e também treinador da equipe de futsal do Corinthians/JR e da seleção brasileira, Cleiton Monteiro, 45 anos, formado em educação física e gestão esportiva, ficou 11 anos invicto com sua equipe. Conta suas primeiras impressões com o esporte e fala sobre como é ser treinador de um time de futsal com atletas com síndrome de Down. “Quando eu recebi o convite para treinar esses atletas, a primeira pergunta que eu me fiz foi qual tipo de trabalho eu poderia passar para eles, e cheguei à conclusão que para eles evoluírem, teriam

que aprender realmente como é ser um atleta de futsal. Então eles são tratados realmente como profissionais, geralmente na parte de treinos táticos, técnicas que desenvolvemos, na disciplina e o mais importante, na parte de interação social”. Cleiton descreve a evolução dessa modalidade: “É um segmento que vêm crescendo, as equipes estão cada vez mais evoluindo tecnicamente. Nossa equipe foi pioneira e logo em seguida surgiram outras que entenderam nossa filosofia de treinamento. Antigamente viam como uma diversão, hoje em dia temos mais disciplina, treinamentos físicos e táticos. Está crescendo tanto que conseguimos trazer o campeonato mundial para o nosso país, que será disputado ainda em 2019”. Quanto aos apoios e patrocínios, o treinador descreveu a situação deste esporte: “Agora estamos tendo apoio dos clubes de futebol. Hoje a equipe do Corinthians tem uma parceria com a associação paradesportiva JR e patrocínio da Magnus, que é uma grande empresa do ramo do futsal. Claro que está muito longe do que precisamos, mas foi aberta a primeira porta. A própria seleção brasileira que irá disputar o mundial em dois meses não tem material de treino, nem de jogo, estamos correndo atrás de tudo para conseguir apoio. Já

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falamos com o pessoal da CBF e até hoje não deram retorno. O importante é batalhar sempre para melhorar”. Os pais do atleta Marcos Vinícius, de 26 anos, da equipe Corinthians/JR, relatam o sentimento o esporte lhes traz: “Nos sentimos muito felizes por eles estarem fazendo o que mais gostam, o esporte pode proporcionar muitas alegrias a todos e principalmente aos nossos atletas. O professor Cleiton faz de tudo para que os alunos se encaixem na nossa sociedade, ele faz os alunos esquecerem as dificuldades e os motiva a ultrapassar todas as barreiras no caminho. O Marcos e todos os outros atletas sabem do que são capazes”. Leila Larm, 36 anos, é terapeuta ocupacional desde 2014 e trabalha com autonomia e funcionalidade de pessoas portadoras ou não da síndrome. Segundo ela em entrevista, a prática do futsal, para o portador da Síndrome de Down, é importante tanto no aspecto da saúde tanto quanto no social, já que a pessoa com a síndrome tem dificuldades de inclusão e assim de entendimentos de regras de convívio. “A prática desse esporte, além de ajudar com a saúde, colabora com a inclusão. Porque essa pessoa tem dificuldade de experiências e, como é um jogo de regras, isso ajuda no entendimento de regras sociais”.


Corte no conhecimento O museu Afro Brasil é um exemplo de como ações governamentais podem prejudicar a cultura Andrezza Ferrigno

Andrezza Ferrigno Camille Santos

O

Museu Afro Brasil (MAB), localizado no Parque Ibirapuera, é uma instituição pública subordinada à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. O local reúne mais de 6 mil obras – pinturas, fotografias, esculturas, documentos e peças etnológicas nacionais e internacionais são as principais peças do acervo. O MAB procura registrar por meio das obras a trajetória e a influência africana na construção da sociedade brasileira abordando temas como escravidão, religião, trabalho e arte. Por ano recebe cerca de 180 mil visitantes, dentre eles 40 mil estudantes. Joice Farias, pesquisadora do MAB, conta que a missão do museu vai muito além de mostrar aspectos ligados à escravidão. “Ele foi criado com a ideia de ‘história, arte e memória’, que possibilitasse retratar esse fenômeno que é a história da cultura brasileira e seus participantes na área da música, da literatura, da culturas que muitas vezes são excluídos e não são incluídos nos nossos livros de história”, diz. Ela completa: “quando se fala em negro, logo vem a associação com a escravidão, mas esquecem dos pintores do século 19, do primeiro psiquiatra brasileiro, que era um negro, assim como o primeiro editor brasileiro, Francisco de Paula Brito, e o primeiro escultor brasileiro, que era o Aleijadinho”. Recentemente o museu se pronunciou sobre o possível corte na verba da cultura que seria feito pelo governador João Doria, diminuindo os gastos da pasta de 0,63% para 0,26% do orçamento estadual, e apresentou os impactos diretos que isso causaria no museu, sendo um deles o fechamento da instituição. Ao ser questionado sobre o corte, Emanoel Araújo, fundador do Museu Afro Brasil, conta que isso já

Alunos durante visita monitorada no museu Afro Brasil

ocorreu antes. “Já houve um impacto anterior em 2015, que gerou uma redução de 12% do total de verba e que nos fez perder 25 funcionários. Hoje trabalhamos com uma equipe muito reduzida e algumas áreas acabaram sendo terceirizadas, como é o caso da segurança e limpeza. Desde então passamos a policiar cada gasto na ponta no lápis para assim manter o funcionamento do museu. Esse novo corte seria o causador do nosso fechamento, o fim”, diz. Ele também explica que, a partir disso, a sociedade e a Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura (Abraosc) viram a necessidade de se mobilizar e se manifestar para que o governador voltasse atrás e não realizasse nenhum contingenciamento na verba repassada para o museu. Para a pedagoga Lúcia Cristina, 40 anos, que estava visitando o museu para cumprir as horas completares da faculdade, o investimento que o governo reserva pra essa área é muito baixo. “E alguns dos maiores prejudicados por esse descaso são os alunos de escolas públicas, que não estão saindo mais para conhecer museus e exposições, sendo que muitos deles nunca foram em um museu, por conta tanto de acesso quanto de possibilidade, e acabam dependendo da escola para um consumo mínimo

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de cultura fora das salas de aula”, diz. Claudicéia Santos, 30 anos, estudante de relações públicas e que visita o museu sempre que pode, acredita que o governo não está interessado em investir e dar acesso à cultura. “Com esse possível corte pode-se entender que não é interessante para o governo investir na cultura, principalmente quando se trata do Museu Afro Brasil. Não é interessante apoiar o acesso do povo, em especial a classe baixa, ao saber, ao conhecimento, a novas vertentes. Cultura não é só música, não é só dança. E esse corte não causaria impactos apenas na cultura, mas também no acesso”, diz. Para ela, o governo não está empenhado em apoiar e influenciar a população a ter interesse pela sua história: “Eles não querem que você se interesse por assuntos culturais e políticos que nos levem a conhecer a história do país, o que aconteceu lá trás para assim compreender o que pode acontecer lá na frente. Então o corte da verba é muito mais do que um simples corte, é corte no conhecimento, é corte da possibilidade de o cidadão exercer seu direito à cultura”, completa. Uma das formas de minimizar o problema é a contribuição voluntária que os visitantes podem oferecer ao próprio museu.


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