Acontece 197 - Ed. 2 - 2018 01 - turma 2D11

Page 1

JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIII - ED. 197 - MAIO / 2018

AMIGOS PARA TODAS AS HORAS - p. 12

LEIA TAMBÉM NESTA EDIÇÃO:

COMÉDIA STAND-UP GANHA ADEPTOS - p. 3 BATALHAS DE RAP AGITAM A CIDADE - p. 4

UMA FERIDA ABERTA NO CENTRO DE SÃO PAULO

Por Joice Martins e Julia Tamelini - p. 6

A CRISE CHEGOU À RUA 25 DE MARÇO - p. 9 O CRESCIMENTO DOS E-SPORTS - p. 10


Os estudantes e os Centros Acadêmicos Com medo de ficarem marcados por suas opiniões, os jovens abandonam o movimento estudantil Bruno Andrade

O

movimento estudantil começou a ter força por volta da década de 1960, na época da última ditadura militar em nosso país. Ele servia para organizar os estudantes para uma participação política que beneficiasse os mesmos. Mas, atualmente, o movimento parece não defender os ideais dos seus componentes. Isso é visível na relação entre os Centros Acadêmicos das universidades públicas e os alunos dessas instituições, e ganha mais visibilidade quando observamos as greves e ocupações nas universidades públicas. Segundo levantamento com cerca de 20 estudantes feito pela nossa equipe, a maioria dos entrevistados concorda que, em algumas dessas ocupações, o movimento estudantil colocou os interesses próprios, ou dos partidos políticos que os financiam, acima dos interesses dos estudantes. Uma desses estudantes é Mariana Oliveira, 20 anos. A estudante de Letras nos relata que o seu centro acadêmico, muitas vezes, acaba sendo autoritário, mas que na maioria dos casos é aberto, principalmente nas assembleias. Mas ela nos informa que “devido ao fato de as assembleias ocorrerem ao meio-dia e às 18h, os alunos que trabalham não conseguem participar de forma ativa do CA”. E acrescenta: “Algo de que não gosto e que é visível no CA é a questão de apoio partidário, pois o centro acadêmico acaba privilegiando algumas datas que são melhores para alguns partidos políticos do que para o próprio estudante”. Algo que também atrapalha esse relacionamento é questão do autoritarismo, o qual é visto de forma indireta. Segundo os estudantes, nenhum integrante do CA faria chacota por uma opinião lançada em uma assembleia. Porém, há a chance de uma opinião contrária ao Centro Acadêmico marcar o opinante, e a

A jovem estudante Luiza Azevedo em seu intervalo de aula na FFLCH - USP

possibilidade de que haja uma diferenciação entre ele e os outros estudantes é extremamente alta. “Essa diferenciação ocorre no dia-a-dia, de forma indireta”. É o que revela Matheus Mariano, 21 anos, estudante de letras da Universidade de São Paulo. Ele afirma: “O CAELL (Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários) é extremamente aberto para os estudantes, porém o medo do autoritarismo afasta os estudantes da militância política. Isso faz com que o CA fique cada vez mais autoritário, o que acaba gerando um ciclo vicioso”. Desse modo, alguns estudantes não participam de forma direta de seus centros acadêmicos, mas contribuem de forma indireta. É o caso do estudante de física Níckolas Alves, 19 anos. Ele afirma que mantém alguns projetos, mas não se lançaria a uma chapa para comandar o Centro Acadêmico. Pois, segundo ele, estar no comando do CA é algo meramente burocrático e pode acabar não gerando resultados positivos. Os estudantes que frequentam os Centros Acadêmicos nos embasam sobre o fato de o CA ser extremamente acolhedor. É o caso de Luiza Azevedo, 17 anos. A jovem nos

Acontece • 2

relata que o Centro Acadêmico realiza atividades que integram os estudantes e que os ajuda na montagem da grade curricular. Sendo assim, fica difícil dizer se há de fato uma exclusão ou o esquecimento dos alunos contrários ao CA, mas o que ocorre na realidade é uma desconexão provocada e aceita por ambos os lados, mas que beneficia as agremiações. Tentamos contato com os CAs de Letras, Geografia e História da USP, mas não tivemos resposta.

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: Rafael Fonseca Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editor: André Santoro

Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


A nova comédia Como aspirantes a humoristas lidam com a popularização e a nova cena do Stand-Up Comedy no Brasil Caio Borges

O

Stand-Up Comedy está consolidado no Brasil. Atualmente o movimento apresenta um grande número de artistas profissionais e aspirantes, contando com um grande público, algo completamente diferente do cenário de 10 anos atrás. São Paulo é hoje um dos grandes centros da comédia no Brasil, sendo também um lugar que oferece muitas oportunidades a comediantes amadores. Contudo, o aumento da concorrência pode gerar dificuldades para os novatos. A Vila Madalena, bairro conhecido da zona oeste paulistana, abriga um dos bares que dedicam uma noite especifica para comediantes amadores. O Season One Arts & Bar tem, nas noites de sexta-feira, uma atração chamada “The Voice do Stand-Up”, que é inspirada no reality show de sucesso mundial. A atração reúne diversos comediantes amadores e agrupa também comediantes com maior experiência para serem jurados. No fim da apresentação do inciante, os artistas mais maduros dão dicas de palco, performance e decidem escolher um dos novatos para auxiliá-los na construção do texto cômico. A noite é organizada pelo humorista Kenny Lopes, que começou a sua carreira em 2009. Segundo ele, o “The Voice” acabou surgindo por um erro, em um dia que ele agendou mais de um humorista iniciante para se apresentar. Sobre as dificuldades enfrentadas atualmente devido ao grande número de artistas, Kenny mantém uma postura neutra. “Acredito que, no final, fica elas por elas. Por ter mais oportunidade, tem muita gente que entra na onda do Stand-Up e não dá valor para o que estão fazendo, mas quem tem interesse, se dedica, procura material e busca sempre melhorar,

O humorista Eduardo Castilho após a sua performance no Naitan Show

uma hora vai acabar se destacando, e aí o grande número de oportunidades ajuda essa pessoa”, expressa. Dentro desse cenário, Bruno Alcântara Veloso, ator de 20 anos, busca seu espaço na comédia. Bruno conta que decidiu começar a fazer Stand-Up por considerar um desafio a arte de subir num palco, de frente para uma plateia, somente com um microfone e conseguir fazer com que as pessoas riam das suas ideias. Bruno acredita que atualmente existe uma dificuldade maior para os iniciantes. “A concorrência está ficando maior. As pessoas que eram famosas estão ficando muito famosas e consequentemente se distanciando demais dos iniciantes, ou seja, fica muito difícil alcançar esse pessoal. Antigamente era muito difícil de se destacar, mas as pessoas estavam mais próximas, por não existirem tantos artistas, além de possuir somente alguns lugares para se apresentar. Hoje existem diversos lugares, diversas pessoas e isso dificulta o caminho para um iniciante de chegar até alguém com um pouco mais de experiência e que consiga ajudá-lo”, opina. O comediante Eduardo Cas-

Acontece • 3

tilho, de 34 anos, começou a sua carreira em 2011 e hoje é um dos grandes humoristas presentes no cenário atual. Castilho também organiza eventos para apresentações de humoristas iniciantes e acredita no potencial desses novos artistas. “Dentro do grupo Segundas Cômicas, que eu ajudava a produzir, surgiu uma noite extra para iniciantes. Eu já trabalhava com treinamento, então a partir daí eu senti que poderia passar algo para esse pessoal, e foi então que eu comecei a me envolver com esse tipo de evento. Acho importante, acho legal o pessoal novo que quer aprender, melhorar, se profissionalizar”, conta. Com relação às dificuldades enfrentadas pelos novatos, o humorista também tem uma postura neutra. “Eu vejo o Stand-Up como algo sazonal. É difícil falar se está mais fácil ou difícil. Hoje eu vejo mais gente fazendo do que na época em que eu comecei, mas eu não acredito que seja mais fácil ou mais difícil. Do mesmo jeito que existem mais comediantes querendo ingressar na arte existem também mais cenas sendo criadas, gerando oportunidades”, relata.


Duelos sem armas

Embora as batalhas de rap sejam famosas, muitas pessoas ainda não as conhecem Daiana Rodrigues

Batalha mais antiga do mundo conta com filmagem profissional

O

estilo musical conhecido como rap foi criado jutamente com o hip hop na década de 1960, na Jamaica. Era usado para animar as pessoas dos guetos e festas, retratando assuntos polêmicos como sexo e drogas. Devido à migração de jamaicanos para os EUA, o estilo musical se popularizou em diversos grupos sociais e países, como o Brasil. Embora as vendas de músicas desse estilo tenham declinado desde 2006, ainda existem grandes MCs famosos que lutam contra a decadência do rap. Além disso, grupos presentes nas ruas rimam e debatem por meio do rap nas famosas batalhas .A batalha do Santa Cruz, considerada a mais antiga do mundo pelos participantes, já tem 12 anos e 3 meses de existência e é um exemplo. Segundo o organizador João Victor Pedrosa, 21 anos, estudante de psicologia, ator, músico e produtor cultural, mais conhecido pelo pseudônimo “Jay Luckee”, a batalha do Santa Cruz “nasceu de encontros de amigos pela Zona Sul de São Paulo e ganhou espaço nas ruas e no meio cultural na intenção de dar evidência ao elemento MC da cultura hip hop, junto com a intenção de dar vida e utilidade ao espaço público”. Ainda segundo ele, na Batalha do Santa Cruz nasceram MCs como, Projota, Emicida, Rashid, Rico Dalasam etc.

Às 8 da noite, aos sábados, em frente a estação de metrô Santa Cruz (linha azul), se inicia a coleta de nomes para a batalha de rappers com os organizadores Eduardo Correia, 20 anos, e Jay Luckee. As duplas são formadas por meio de sorteios e os vencedores são escolhidos pela plateia para participar do freestyle, modo de cantar usando rimas improvisadas. Às 9 se inicia a batalha com o grito ”Batalha boa é o que? De sangue!”. A batalha de sangue é caracterizada pela liberdade de argumentação, podendo falar ofender o adversário. A única regra é não xingar familiares e namorada(o) do adversário. Apesar das ofensas, temas polêmicos são discutidos, como racismo, preconceito e até mesmo a morte de Marielle. Segundo a estudante Giulia Rigo, frequentadora da batalha do Santa Cruz, os eventos servem como libertação. Ela diz: “Dentro de uma escola que te desmotiva, um Sistema que não quer que você suba, isso se torna oportunidade, porque isso é arte e arte liberta. O que dá vida a isso é a esperança que as pessoas têm de subir por meio disso. Porque o Criolo existe, o Emicida existe e vieram disso”. Eduardo Correia diz que uma vez se comoveu com um caso na batalha, em que um garoto venceu a batalha e não participou do Freestyle devido à emoção. “Ele falava que todo mundo não acreditava nele. Não foi uma vi-

Acontece • 4

tória só do Santa Cruz, foi uma vitória pessoal dele”, diz ele.. Além das batalhas de sangue, existem as batalhas racionais. A pioneira dessa categoria é a Sexta Free, realizada na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Ela ocorre todas as sextas às 8 da noite. Segundo o organizador Christian Harrison, 30 anos, estudante de direito e dono de loja de peças de carro, a batalha surgiu a partir do seu grupo de amigos. Eles gostavam de rimar por diversão na faculdade e decidiram que sexta-feira era dia de rimar e esquecer os negócios. Isso originou o nome “Sexta free” da batalha. Ele diz: “A batalha racional significa para mim um momento de adquirir conhecimento.” Outra batalha desse ramo é a Batalha do Brooklin, criada em 2017. Pedro Borges,18 anos, estudante de odontologia, é um dos organizadores e conta que seu interesse pelo rap já começou na escola, quando rimava com os amigos. Após se formar, descobriu a batalha de rappers e não largou mais. O que o motiva é gerar a mudança, pois o rap ainda é malvisto por haver muitos rappers que “não querem mais seguir os ideais, e sim só ganhar dinheiro”.

Pedro Borges na batalha do Brooklin


Casas acolhem pessoas com câncer Entidades abrigam pacientes e acompanhantes durante tratamento em hospitais de São Paulo Izabel Rodrigues

A

s Casas de Apoio, criadas para acolher pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), são instituições sem fins lucrativos e sem vínculos com empresas privadas, tendo serviços sociais fornecidos sem custo. A Casa Safira, na Aclimação, bairro de São Paulo, foi fundada em 2004 e desde então tem recebido pessoas de todo o Brasil que passam pelo tratamento contra o câncer. Sendo uma das poucas casas de apoio para adultos, a casa tem quartos individuais e não tem restrições quanto a acompanhantes do sexo oposto. O TFD, Tratamento Fora de Domicílio, instituído pelo Ministério da Saúde, visa a auxiliar pacientes que realizam procedimentos no SUS que não são tratáveis no município de origem, concedendo passagens e ajuda de custo para hospedagem e alimentação do paciente e do acompanhante durante o tratamento. Marlene Fernandes, 52 anos, veio do Acre para fazer tratamento contra o câncer e esteve a primeira vez na Casa em 2009. Atualmente está há dois anos e dois meses. “Daqui a uns dias vou para a minha casa, ver minha mãe, minha família, mas volto em setembro porque o tratamento continua. Eu preciso ir e alguém pre-

Ana Lethicia já morou na Casinha AMEO

Paciente se maquia em evento realizado pela Casinha para celebrar o Dia das Mães

cisa da minha vaga. Eu venho pelo TFD mas eles não mantêm a diária, somente a passagem”. Para ser acolhido por uma casa de apoio é necessário que uma assistente social do hospital encaminhe o paciente para o local e é assinado um documento com um termo de adesão às regras do espaço. Neide Andreev, 67 anos, é coordenadora e residente da Casa Safira. “Não aceito quem não tenha vindo pela assistente social aqui, porque senão vira bagunça, qualquer um que entrar vai querer ficar porque não falta nada”. A Casa depende de doações para manter-se, pois não há nenhuma fonte de renda fixa vinda da parte da coordenação ou de terceiros. A Casinha AMEO, da Associação da Medula Óssea, em Higienópolis, foi fundada em 2002 e também depende de doações. Boa parte da renda vem de notas fiscais doadas por pessoas físicas e/ou jurídicas. “Antigamente deixávamos urnas espalhadas por comércios, depositavam as notas, nós recolhíamos e cadastrávamos. Mas mudou o sistema e agora a empresa ou pessoa tem que doar as notas para nós”, relata Wagner Fernandes, 35 anos, gerente da Casa AMEO. Ana Lethicia, de 12 anos, veio de Roraima para continuar um tratamento contra a leucemia e ficou três

Acontece • 5

meses hospedada na Casa AMEO. “Fiquei aqui três meses, descobri o câncer em fevereiro de 2017, comecei o tratamento em Manaus e depois vim para São Paulo com a minha mãe. A casa foi muito boa para minha recuperação, era muito legal e tinham as tias, que sempre conversavam comigo pra me ajudar a lidar com a saudade de casa”, diz a adolescente. Sua mãe teve que alugar um apartamento para evitar que ela pegasse alguma infecção durante o tratamento, pois a imunidade de Ana tinha sido comprometida e o ambiente de convívio da Casa poderia representar um risco. “Mesmo que tivesse dinheiro para pagar hotel, a gente não ia ficar tão bem porque aqui é uma família, é um acolhimento, e por isso o paciente se recupera muito rápido, faz toda a diferença”, diz Fátima dos Reis, 50 anos, acompanhante de sua irmã, Rosana de Fátima, 46 anos, que se recupera de um transplante de medula. O fato de ambas as Casas dependerem de doações e não cobrarem o TFD dos pacientes, que varia de 60 a 70 reais por paciente e acompanhante, faz com que os administradores temam o fechamento. A Casa Safira tem uma doadora de proteína que realiza a ação semanalmente e a Casinha AMEO conta com a ajuda trimestral da Zurich Seguros e da IBAB, Igreja Batista da Água Branca.


Heróis sobre os escombros Trabalho do Corpo de Bombeiros é elogiado pelos ex-moradores do edifício Wilton Paes de Almeida Joice Martins Julia Tamelini

Claudio Rodrigues, ex-morador do 2°andar

N

a madrugada de terça-feira, 1 de maio, ocorreu um incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, localizado próximo ao Largo do Paissandu, no centro de São Paulo. Segundo investigações da polícia com moradores, o incêndio teria começado às 1h30 da manhã após um curto-circuito no 5° andar, que teria sido causado por eletrodomésticos interligados em uma mesma tomada. Logo em seguida, o prédio desabou. O prédio já foi sede do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e por último da Polícia Federal, que em 2002 deixou o local. Naquele mesmo ano as primeiras famílias chegaram e distribuíram-se até o 10° andar. A organização era responsabilidade do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), que cobrava aluguéis dos moradores, que variavam de R$ 150 até R$ 500 reais por mês. José Ulisses de Carvalho (45) vivia no 4° andar do prédio com a família há um ano e meio. Apesar de ter perdido todos os bens materiais que tinha, ele ressalta que o que mais sente é a perda dos gatos e cachorros de estimação que tinha e que não pôde

salvar porque não estava no local no momento do incêndio. José faz parte dos moradores do Wilton Paes de Almeida que se recusam a aceitar a oferta da prefeitura de ir para um albergue, e até o fechamento desta reportagem, dividia o espaço da praça com outros moradores. “O que nós queremos do governo é uma moradia, um emprego. Tanto dinheiro que a Petrobras tem, tantos milhões. Custa dar um teto pra nós morarmos? Só queremos um apartamento da CDHU para não estarmos na rua com as nossas famílias e crianças”, diz José. Abrigados na praça à espera de um novo local para servir de moradia, os ex-ocupantes do prédio improvisaram uma estrutura com barracas e cozinha. A área foi separada por uma grade de proteção do resto das pessoas, que inclui moradores de rua e curiosos. Essa infraestrutura é possibilitada, principalmente, pela ajuda da população por meio de doações. Um dos destaques desse acontecimento foi a ação do corpo de bombeiros. “A ação dos bombeiros foi boa e rápida. O bombeiro é sem palavras. Primeiramente Deus, depois são eles”, relata José. Outro ex-residente do prédio, Claudio Rodrigues (24) acrescenta que apesar de a ação ter sido boa e rápida, não foi suficiente para evitar a tragédia. “Quando chegaram o fogo já havia consumido tudo”, diz. Essa avaliação positiva não é só dos ex-moradores do Wilton Paes de Almeida, mas da maior parte

da população do estado de São Paulo. O tenente Guilherme Derrite (33) explica que “desde 2002, com uma aceitação de 90% da população, o corpo de bombeiros é a instituição de maior confiança da população do estado porque, de fato, não nos consideramos heróis. Mas arriscamos, sim, as nossas vidas para defender vidas que nem conhecemos”. O jovem Claudio morava no 2° andar com a mãe há três anos. Ele narra uma versão diferente da oferecida pela polícia sobre o começo do incêndio: “Um cara estava lá mexendo no álcool, aí ele foi pegar a garrafa de álcool e botar dentro da latinha, a garrafa explodiu e aí começou o incêndio”. O fato é que não se tem certeza de como o incêndio começou. O capitão dos bombeiros, Marcos Palumbo, 41 anos, explica: “a causa ainda será determinada pela perícia do instituto de criminalística, a qual dá o laudo falando qual foi a causa principal”. Em meados de maio, a operação estava em seu estágio mais delicado, de acordo com o capitão. “A parte mais difícil é a busca das vítimas. Remover todos os escombros, fazer acessos para buscar os locais onde essas vítimas possam estar. Até agora a gente não conseguiu acessar algum ponto que indicasse a presença de pessoas. Alguns que são localizados a gente consegue fazer uma busca. Se não tem nada, nenhuma presença de pessoas ali, os escombros são retirados”, elucida Palumbo.

Até o dia 13/5, Bombeiros trabalharam nos escombros em busca de vítimas

Acontece • 6


Diferença se aprende na escola Mesmo com falhas na educação de crianças autistas, instituições tentam mudar esse cenário Letícia Damásio

E

studantes com transtornos do espectro autista têm o direito, garantido por lei, de frequentar o ensino regular. E, apesar das dificuldades, várias escolas têm buscado transformar esse cenário. Em uma visita à escola Espaço Aberto, na região da Vila Mariana, em São Paulo, Mônica Terreiro de Souza, 57 anos, diretora, explicou: “A escola sempre esteve aberta a todo tipo de inclusão, digo para os pais que veem conhecer a escola que essa é uma questão que não está aberta à discussão”. Ela destaca ainda que, principalmente, as crianças que apresentam espectro autista ou outra deficiência intelectual acabam não acompanhando o restante dos alunos, por não conseguirem manter a devida concentração, em vista de seus diversos problemas sensoriais. “As crianças portadoras de necessidades precisam viver a pré-escola de uma forma mais ampla, geralmente ficam 1 ano a mais aqui”, diz. Entre as principais dificuldades no processo, destaca-se a relação família-escola: “Quando a escola nota que há uma dificuldade e busca se reunir com a família para dialogar, há certa resistência por parte dos familiares, como, por exemplo, justificando que tais comportamentos não acontecem no âmbito familiar, o que dificulta nossa aproximação e trabalho com a criança”, destaca Fabiana de Paula Lima, 27 anos, acompanhante terapêutica da escola Espaço Aberto e pós-graduanda em educação inclusiva e deficiência intelectual pela PUC-SP. “A Mostra de trabalhos, na qual todas as turmas expõem seus trabalhos e os familiares vêm prestigiar e o Sabadinho Cultural, atividade semestral em que a criança e familiares veem à escola em um sábado para participar de uma proposta junto com um professor específico, são

Crianças aproveitam o momento de lazer na Escola Capítulo I

eventos que permitem a integração família-criança-escola”, comenta. Já em outra escola situada na mesma região, a Capítulo 1, Tânia Brunetti, 52 anos, coordenadora pedagógica, explica que o grande princípio é a individualidade. E acrescenta: “Acho que isso faz diferença em relação às escolas mais tradicionais, tanto que trabalhamos com projetos por sala a partir dos interesses, curiosidades e necessidades da turma”. Questionada sobre a inclusão, Andréa Werner, 42 anos, mãe de um filho autista, jornalista, escritora e criadora do blog Lagarta Vira Pupa, onde compartilha suas experiências e auxilia diversos país de crianças autistas, considera o processo importante e válido, porém alerta para o fato de que a legislação existente não exige que as escolas capacitem os professores, contratem um coordenador de inclusão, adaptem os materiais pedagógicos e currículo. “O aprendizado dessas crianças é diferente, a gente que tem que se adaptar e não eles”, comenta. Por fim, ressalta um dos fatores essenciais para a inclusão: “O processo, para ser realizado de modo efetivo, demanda investimento do

Acontece • 7

Estado e das escolas”. Outro fator que ainda precisa ser revisado é a atuação dos profissionais da educação. “Eles não têm uma formação sólida que lhes garanta conhecer os direitos das pessoas com deficiência, as especificidades dos casos e formas de intervenção pedagógica”, explica Fabiana. E acrescenta que a graduação em pedagogia apresenta uma grade curricular falha em relação ao assunto. Sendo assim, há necessidade de uma mudança no curso, de modo que os futuros profissionais da área sejam preparados para atuar no cenário atual. A luta pela inclusão não apenas de crianças que apresentem espectro autista, mas também outras deficiências ou necessidades especiais, ainda tem um longo caminho a ser percorrido. “O autismo não é cor-de-rosa, não é tudo lindo e maravilhoso, mas ao mesmo tempo, é possível viver e ser feliz, explica a jornalista. Ela finaliza: “É muito bacana as pessoas falando que lendo alguns dos meus textos tiveram um pouco de conforto, vendo que a gente sobrevive a esse tipo de situação e que a vida continua”.


Das drogas à Manassés Instituição Social oferece tratamento gratuito para dependentes químicos Maíza Costa Mariana Oliveira

Sacada da instituição com vista para o bairro Jardim Jaqueline

A

Instituição Social Manassés, fundada pelo pastor Marcos Manassés (que atualmente é deputado estadual da Bahia), está presente em 31 unidades espalhadas nas grandes capitais para atender os interessados em utilizar seus serviços. A clínica, que atende viciados em álcool e drogas, localiza-se no Jardim Jaqueline, na zona oeste de São Paulo. O centro de recuperação é composto de dois andares. No primeiro os pacientes têm a oportunidade de participar de cultos de evangelização e no segundo eles dormem, alimentam-se e se distraem. É ali que ficam a piscina, o refeitório e a lavanderia. Lawrence Garcia, 40 anos, coordenador da Instituição Manassés de São Paulo, conta que “o tratamento é feito no período de 9 meses, não é cobrada mensalidade nem cesta básica, é totalmente gratuito”. Como o lugar não cobra nada dos internados, eles precisam de recursos para se manter: “Oferecemos um tratamento digno e humano em nível nacional hà 22 anos graças a doações. Muitas pessoas doam e ajudam. Os próprios viciados fazem kits para vender. Algumas unidades como a de Curitiba têm o sistema mensalista, agora aqui a gente trabalha com a evangelização nas ruas, o pessoal conversa com os

coletivos e arrecada. A arrecadação é transformada automaticamente para o aluguel, luz e água”, conta o coordenador. Com um baixo índice, ou melhor, quase nada de clínicas de reabilitação totalmente gratuitas no Brasil, essa instituição não dá remédios aos viciados em crack, cocaína, LSD, drogas em geral e álcool. O método de trabalho deles é totalmente religioso. Lawrence diz que, antes de ser coordenador, teve uma história com as drogas: “Eu cheguei aqui há 11 anos pesando 55kg, fui viciado em crack por 19 anos, morei na rua por 6 anos. O pastor Marcos Manassés me resgatou na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, quando eu era morador de rua. Faz 11 anos que estou liberto e faço parte do projeto. Hoje moro em São Paulo, sou casado e tenho três filhos. Ajudar outras pessoas a multiplicar a bênção que foi multiplicada na minha vida é o que eu realmente gosto de fazer”, diz ele. Atualmente 22 pessoas de diversas cidades estão morando na clínica da zona oeste. Eles fazem tudo por lá: limpeza, organização e pintura são algumas das tarefas. A instituição atende qualquer pessoa que queira realmente o tratamento. O interessado é submetido a uma entrevista feita com a direção e o residente (pessoa

Acontece • 8

que quer ser internada) é retirado de sua cidade assim que é aceito. A ideia é retirar a pessoa de perto da família e de más companhias que ela costuma ter, fazendo com que a vontade de desistir seja menor e facilitando o tratamento. Marcilei Silvério dos Santos, 35 anos, de Minas Gerais, é um paciente no final do tratamento. Ele conta: “Passei por várias clínicas particulares que não resolveram o problema, só aqui na instituição que veio a se resolver”. Ele, que está há 3 meses no lugar, já é o braço direito do coordenador, ajuda na recepção dos internados e com telefonemas. “Fui muito bem recebido e aceito, só tenho que agradecer”, finaliza o mineiro. Faz 17 anos que ele luta contra as drogas. O tempo todo a Manassés recebe e manda pessoas para o tratamento contra as drogas. Eder Junior, de 27 anos, chegou há 2 dias e já relata: “quando eu fui recebido foi muito bom, eles foram totalmente educados e tratam a gente muito bem”. Ele completa: “estou decidido a mudar, vim pra cá e agora tenho que correr atrás”. Ele usa cocaína há 8 anos e fuma cigarro.

Paciente em um dos dormitórios


A crise chegou à 25 de Março Empreendimentos da rua de comércio dividem espaço com funcionários jovens e camelôs Mariana Apolinario Natália Peixoto

A

Rua 25 de Março, localizada no centro da capital paulista e famosa pelos preços baixos de suas mercadorias, conta com a predominância de jovens vendedores e trabalhadores informais no comércio local. Os motivos: a crise do desemprego, a rentabilidade e a facilidade oferecida aos negociantes. Brinquedos, eletrônicos, roupas, artesanato. Um dos maiores centros comerciais da América Latina, a 25, como é apelidada, abrange os mais variados produtos e tem desde lojas fixas e barracas até camelôs. Funcionando de segunda a sábado, a rua mais movimentada de São Paulo serve como um reduto tanto para o trabalho formal quanto informal e para funcionários de diferentes idades. A renda é o estímulo dos jovens que trabalham na região. Peterson Nascimento, 18 anos, está no local há cinco meses, mas já prioriza essa questão. “Trabalho aqui de segunda a sábado. Chego às 9 horas e volto para a casa às 17 horas. O dinheiro é a minha principal motivação”. Sua barraca reúne principalmente brinquedos – com preços e embalagens que não são exatamente um atestado de

Ladeira Porto Geral: acesso à 25 de Março

Rua movimentada em dia de semana atrai compradores de todo o Brasil

originalidade dos produtos exibidos. Já Fernanda Gleice, 21 anos, deixou o seu emprego de recepcionista e agora vende roupas infantis em uma barraca. “Trabalho aqui desde fevereiro deste ano. Entro cedo, mas não tenho um horário pré-estabelecido, tudo depende do movimento. Sábado é o dia mais cheio. Geralmente, vou pra casa às 18 horas”. Alguns dos jovens optam por seguir o negócio da família e acabam gerenciando as vendas desde novos. Heloísa Pereira, 19 anos, vende lingerie e outras peças femininas no local há menos de um mês. “Minha rotina é de segunda a sábado, das 8h20 às 18h. A barraca é da minha cunhada, então decidi vir aqui ajudá-la”. Outro aspecto da 25 é a abundância de vendedores ambulantes, que caracterizam o trabalho informal ao não pagarem impostos. Augusto André, 29 anos, trabalha na área há 2 anos e diz que as vendas podem trazer lucros se tratadas com seriedade. “Estou aqui há uns dois anos e sempre vendi brinquedos. Esse é meu emprego fixo e se levar a sério dá uma boa renda, porque aqui tem muito movimento. Hoje tá tranquilo por ser segunda-feira, mas se fosse fim de semana, não daria nem para andar

Acontece • 9

direito. Tem gente que só vem fazer um bico e já consegue uns 600 rea is” Quando questionados sobre as maiores dificuldades de suas ocupações, os vendedores, em geral, apontam para a ação da polícia e ladrões. “O barulho daqui, causado pela grande quantidade de pessoas, me atrapalha muito e alguns clientes são mal-educados, porém o maior problema é o roubo. Pelo menos, ele ocorre em lugares específicos. Como eu já sei onde é, fico bem longe desses pontos perigosos. De qualquer modo, é preciso tomar cuidado.”, diz Fernanda. O camelô Augusto cita que a ação da polícia não é voltada para os furtos da região e sim para o trabalho informal. “A maior dificuldade é a questão da fiscalização, ela coloca a polícia contra nós. Todo mundo aqui já conhece os ladrões e sabe quem são ou onde agem, mas a polícia nem dá bola. É a fiscalização que pega”. Apesar dos obstáculos, os comerciantes realçam os benefícios de prestar serviço a um público variado. Peterson afirma que mesmo diante de sua principal motivação, que é a grana, “a comunicação com os clientes e com o pessoal também é legal, produtiva e traz novas experiências”.


Game é coisa séria! Essa forma de entretenimento conquista multidões e tem ficado cada vez mais popular Leonardo Simões Rai Fernandes

É

notável o crescimento dos jogos eletrônicos no Brasil. O que no passado era considerado lazer, tornou-se um esporte competitivo e popular mundialmente. O avanço tecnológico ajudou na popularização do E-Sports, tendo em vista que os jogos em sua maioria são disputados pela internet. Ainda sem obter o reconhecimento necessário pelo grande público, os jogos eletrônicos ganharam espaço no mercado, atraíram a atenção da mídia e seduziram patrocinadores que buscam exibir suas marcas. Formado em Psicologia, Gustavo Ruzza, 28 anos, atua como analista de games, questionado a sobre a popularidade do E-sports, o jovem afirmou não fazia ideia da abrangência que os Jogos eletrônicos viriam tomar, mas não se espanta com o fato, “não sabia qual proporção ia tomar, mas eu sabia que estava entrando em um lugar que iria ser importante e tinha potencial. Consegui participar desde a fase embrionária do projeto, eu tinha essa convicção que ia crescer bastante”, afirmou o jovem. Conhecido no mundo virtual

O Good Games, bar localizado na Vila Madalena dedicado aos e-sports

como Melão, o Comentarista oficial do CBLOL (Campeonato Brasileiro de League of Legends), possui em seu currículo inúmeras viajens para cobrir campeonatos mundo afora. Com vasta experiência, o comentarista enxerga o Brasil ainda atrás em relação à potências do Esporte como Coreia do Sul e China, justifica o valor econômico como uma das razões, além de pontuar que a popularidade nestes locais é elevada em relação ao Brasil. Nesses países já foram aceitos os vídeos games como esporte, criando uma aceitação ainda maior por parte da população que via aquilo só como um

Campeonato Amador de Counter Strike

Acontece • 10

“hobby. Se tornando um dos esportes mais assistido nos países asiáticos. O comentarista disse ainda que o E-Sports ainda vai crescer no Brasil, na opinião dele, o processo para acompanhar um esporte é hereditário, de pai para filho, e que os jogos eletrônicos ainda vão “roubar a cena” de grandes paixões nacionais, como Futebol. Junto com isso, ele acredita que investimentos não ligados ao games podem popularizar ainda mais o e-sports, uma das empresas que vem investindo é a rede de telefones Vivo que adquiriu diversos times de vários jogos. Com a popularização do E-sports, investidores resolveram abrir bares próprios para os fãs onde eles podem transmitir os campeonatos e reunir os todos os fanáticos pelos games. Para Bruno Eduardo, 22, funcionário do Good Game E-sports bar localizado no bairro da Vila Madalena. O bar vira o point dos fãs principalmente quando tem alguma final dos campeonatos de League of Legends e Counter Strike. Além de transmissões, o estabelecimento organiza campeonatos de diversos games e com premiações e acaba atraindo muito público geek. As mesas contam com diversos vídeo games retros e com cardápios temáticos, trazendo a nostalgia dos mais velhos apaixonados pelos jogos.


Palmeirenses por todos os lados A presença massiva de torcedores é uma das principais características da Pompeia Thais Paiva

A

Em 2015, mudaram o nome da rua para Palestrra Itália

rua hoje se chama Palestra Itália, as casas estão pintadas de verde, em qualquer prédio se vê bandeiras penduradas e em uma caminhada rápida se encontram pessoas vestindo a camisa verde do time. A Pompéia há muitos anos vem se tornando verde por conta do Palmeiras. O estádio foi construído em 1917 e a partir de então o bairro se tornou relacionado ao clube, algo que não acontece de forma tão intensa nem com Corinthians, que nunca mandou jogos no Parque São Jorge, e nem com São Paulo, que chegou ao Morumbi apenas em 1960. Anderson, 37 anos, é um frequentador do bar “Alviverde”, na esquina da Rua Palestra Itália com a Caraíbas, o local é descrito por ele como familiar, para levar “os filhos, a senhora, a família toda”. “ A emoção maior é que quando tem partida a gente chega cedo, fica aqui até a hora de ir para o jogo”. Para ele, o estádio é o melhor localizado da cidade. Tem shopping ao lado, metrô próximo, inúmeros bares e restaurantes ao redor, alguns até com tema do Palmeiras. Em 2010, o estádio Palestra Itália começou a sua mudança para Allianz Parque, concluída em 2014. Nesse ponto as opiniões divergem. Anderson comenta como vê o estádio agora como algo de primeiro mundo, “que nem o do Bayern de Munique, pique Europa”. Ricardo, dono da loja Por-

cqueria, aberta em 2013 na Rua Caraíbas, acredita que essa mudança veio com a mudança no futebol. “Foge daquilo que a gente gostava de ver, esse futebol moderno é mais teatral. Elitizou bastante, não é todo mundo que conseguia ir antes que consegue ir agora. Futebol sempre foi do povão e tá deixando de ser. A galera vai porque virou entretenimento, não é mais só futebol”. Nascido e criado na Pompéia, Ricardo frequenta o clube desde os anos 1980, assim viu a paixão pelo time crescer e se tornar seu maior prazer. Chegou a se formar em comunicação social, mas não exerceu a profissão por muito tempo. Escolheu abrir sua loja e defende sua escolha, principalmente, por acreditar que trabalhar com o que gosta não tem preço. “Você

não vem trabalhar, vem curtir cada dia, cada momento”. Conhecer a rua em dia de jogo ou não já virou tradição, quase como algo obrigatório para se tornar um torcedor. “Todos querem estar aqui em dias de jogos”, comentou Ricardo. “O dia mais emocionante com certeza foi em 2015. O Palmeiras não ganhava há muito tempo um título de expressão e ganhamos do Santos nos pênaltis. Essa rua estava lotada, parecia umas 200 mil pessoas em volta. Foi algo que marcou bastante”. Essa foi a final da Copa do Brasil. Os palmeirenses estavam nervosos, pois no mesmo ano tinham perdido o Campeonato Paulista para o santistas nos pênaltis, mas Fernando Prass se destacou pegando uma cobrança e ainda marcando o último gol da equipe alviverde. O bairro é o mais palmeirense da capital paulista. O estádio Allianz Parque se transformou em ponto turístico e as ruas viraram exposições de grafites e bandeiras. Quem mora no bairro parece não conseguir explicar como o local se tornou tão verde e nem por que as pessoas, até mesmo que não se consideram amantes de futebol, têm um carinho tão grande pelo time. Porém, a mais famosa frase dita por Joelmir Beting diz: “Explicar a emoção de ser palmeirense a um palmeirense é totalmente desnecessário. E a quem não é palmeirense, é simplesmente impossível”.

Moradores pintaram as casas de verde para tornar o bairro ainda mais palmeirense

Acontece • 11


Amigos em qualquer situação Moradores de rua cuidam de cachorros e encontram companheiros para a vida inteira Brenda Vieira Pietra Mesquita

S

egundo pesquisa realizada em 2015 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), o número de moradores em situação de rua na cidade de São Paulo é de 15.905. Fazendo parte desse número estão moradores que, mesmo com todas as dificuldades, escolheram ter um amigo para acompanhá-los nessa jornada. Esse amigo tem quatro patas e é o companheiro mais fiel que alguém pode ter. Há séculos vem sendo o melhor amigo do homem, parte da família, que enfrenta os bons e os maus momentos ao lado de seu dono, como é o caso de Nivaldo Ribeiro, 40 anos. Morador das ruas de São Paulo há cinco anos, o catador de papelão tem uma rotina puxada. Mina, uma cadelinha simpática, é quem acompanha o dono em tudo que faz. “Ela trabalha junto. A hora que eu levanto, ela levanta. E é difícil você encontrar uma cachorrinha assim, do jeito que ela é, educadinha”,

Cão de Raça e Robson posam para foto

Nivaldo leva a cachorrinha Mina para todos os lugares

relata carinhosamente. Para ele, o amor que não recebe da família, recebe de Mina. Foi ela quem passou o ano novo com Nivaldo e está sempre por perto. Por isso, é muito mais que um animal. Ela é um verdadeiro presente. “Pra mim ela é uma família. Ela se tornou minha amiga. Ela traz o carinho que eu precisava e que eu não tenho nem da minha família”, explica. “Vieram falar pra mim que foi Deus que enviou ela pra mim. Por isso que ela não tem valor, não tem preço”, acrescenta. Já Robson, 31 anos, trecheiro, viajante e vivendo sem direção pelo mundo mostra que um vira-lata pode ser um cão de raça. A história dos dois começou em Mato Grosso do Sul, há dois anos e oito meses, quando Robson avistou Cão de Raça (nome com que batizou seu companheiro) e declarou ter sido “amor à primeira vista.” Os dois andaram por todos os cantos desse Brasil a pé, até chegarem em São Paulo, e por isso Robson afirma ter uma forte conexão com o cachorro. “É paixão! Não dá para largar. Cão de Raça é sinistro. Eu nunca largaria ele para ir a lugar nenhum. Ele é a minha alma e meu espírito”, diz Robson sobre o significado dessa relação. Muitos desses moradores de rua não utilizam albergues por não

Acontece • 12

haver espaço para seus animais ficarem. Pensando nisso, a Prefeitura de São Paulo criou os Centros Temporários de Acolhimento com canis, onde os conviventes podem passar a noite, receber capacitação profissional e permanecer com seu animal de estimação. Porém, segundo Daylani Barbosa, 18 anos, orientadora socioeducativa no CTA Barra Funda, muitos moradores não sabem dessa possibilidade. “Tem muitos que têm cachorro na rua e não vêm a esses locais porque acham que não podem deixar os cachorrinhos. Acho que eles não sabem disso, porque não são todos os CTAs que têm canil”, conta. Esse é o caso do casal Deise, 27 anos, e Presley, 28 anos, que optaram por morar na rua porque os albergues não abrigam animais. Os dois, que viviam em Sergipe, afirmam que vieram andando para São Paulo puxando uma carroça, acompanhados de Sharon, uma cachorrinha protetora e aventureira que é uma grande amiga há 4 anos. “Jamais abandonaria ela. Ela protege a gente a noite toda. Se passa alguém mexendo com a gente, ela já quer morder. Ela protege a carroça. É amigona!”, explica a dona que, assim como todos, mostra que não precisa de muito para conquistar a lealdade e amor de um cão.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.