Acontece - ed. 226 - abril 2020

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XX - ED. 226 - ABRIL/2020

O UNIVERSO DAS AVÓS NO LIVRO DE JEAN GALVÃO - p.3 LEIA TAMBÉM: TRANSPLANTE E MEDALHAS: A HISTÓRIA DE EDSON ARAKAKI - p. 5 “VAR DO MENGÃO” OU, PARA OS ÍNTIMOS, “JOINHA” - p.7 UM PODCAST QUE AJUDA O OUVINTE A LIDAR COM O LUTO - p.2

FLORES PARA QUEM PRECISA DE ACOLHIMENTO Por Maria Eduarda Paiva e Rafael Sant’ Ana - pág. 4

APLICATIVO REÚNE JOGADORES, RESGATANDO AS PELADAS- p.6 UNIVERSIDADE PARA TODOS, INCLUSIVE REFUGIADOS - p.8


Podcasterapia Episódios do Finitude Podcast ajudam os ouvintes a lidarem com temas ligados à terminalidade Arquivo pessoal/Juliana Kunc Dantas

Augusto Macedo Isabela Matos

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magine estar preso dentro de um ônibus em um congestionamento ou ter uma pilha de louças para lavar? Como tornar essas situações menos incômodas, já que elas são inevitáveis? Colocar o fone de ouvido e acompanhar um podcast sobre um tema do seu interesse, para que o tempo possa passar mais rápido, pode ser uma excelente alternativa. E muitas pessoas já se deram conta disso. Segundo o serviço de streaming de música e áudio Spotify, entre 2017 e 2018 o número médio de ouvintes de podcasts diários no mundo inteiro cresceu 330%. Um estudo de 2019 do Ibope Inteligência mostra que 40% dos brasileiros já ouviram um podcast. Os homens representam 45% daqueles que já escutaram ao menos uma vez e as mulheres 36%. Outro levantamento feito pela Associação Brasileira de Podcasters (Abpod), de 2018 a 2019, aponta que existem mais de 2.000 podcasts ativos no país. A Abpod entende como “ativos” aqueles que são exibidos com regularidade (em geral, semanais) e que podem ser acessados por meio de diferentes plataformas. “Se nos basearmos na tendência de outros países (como os EUA, onde essa mídia faz muito sucesso), vemos um grande potencial”, destacou Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, ao comentar a pesquisa feita pelo Ibope, na “Maratona Piauí CBN de Podcast”, realizada em 11 de maio de 2019. Apesar de existirem podcasts com temáticas mais generalistas, como o “Café da Manhã”, do jornal Folha de S.Paulo, que aborda assuntos quentes do dia, a segmentação é uma marca da mídia podcast, que combina perfeitamente com o estilo on demand: ouvir o que se quer no momento em que se quer. Juliana Kunc Dantas, 31, é jornalista e atuou em diversos veículos

Juliana Kunc Dantas, apresentadora do Finitude: “Me enviam mensagens agradecendo”.

da grande imprensa. Hoje apresenta o Finitude, um podcast segmentado que traz olhares sobre o fim da vida, especificamente sobre o luto. Ela aponta o podcast como uma mídia que não tem um tempo específico de duração (pode variar de acordo com o objetivo do tema e do produto planejado) e é focada no entretenimento individual, podendo ter até um efeito terapêutico. “Alguns ouvintes me enviam mensagens agradecendo pelo conteúdo abordado em determinado episódio, mostrando como ele impactou em suas vidas”, destaca. Os episódios do Finitude procuram defender que pessoas doentes em estágio terminal tenham direito a cuidados paliativos enquanto estejam em um hospital, ou seja, os indivíduos merecem ser tratados com mais humanidade e menos invasão aos seus corpos, precisam que suas vidas sejam tratadas com dignidade. “Muitas vezes as pessoas são vistas pela doença em si. O paciente, como pessoa, é deixado de lado. Médicos e às vezes até familiares buscam uma cura custe o que custar, mesmo sabendo que a morte

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é algo natural. Assim, muitos morrem sofrendo por não terem conhecimento desses cuidados”, complementa Juliana. O Finitude pode ser encontrado no Spotify, iTunes e Google.

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: André Santoro Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editora: Patrícia Paixão Fotos da capa: Carina Gonçalves (imagem de Jean Galvão) e Maria Eduarda Paiva (imagem da idosa Dionilde Petta) Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


Identidade de Vó Carina Gonçalves

Cartunista Jean Galvão lança livro com charges de personagem que é sucesso no Instagram Carina Gonçalves João Pedro Pilecco

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ean Galvão, 47 anos, é cartunista, desenhista, chargista e vencedor de três prêmios Vladimir Herzog de Direitos Humanos (em 1994, 1995 e 1997). Sua personagem “Vó”, criada há alguns anos e com primeiras aparições no Jornal do Brasil, faz sucesso no Instagram de Jean, gerando identificação no público. O último episódio da novelinha do resgate do Galo Daniel emocionou os leitores com mais de 900 comentários. Todas as histórias da personagem estão presentes no novo livro do cartunista, com o mesmo nome da personagem. A obra está sendo lançada por meio de uma vaquinha no site Cartase. “Vó é um jeito de ser, habita um imaginário coletivo repleto de detalhes afetuosos receitas, aconchego, mimos... Por isso a personagem sequer tem nome. Ela é Vó e pronto”, explica Jean, no prefácio da obra. Quase todo mundo guarda lembranças carinhosas de sua avó e a protagonista de Jean contempla esse imaginário. Durante a sua infância, o desenhista conviveu mais com a avó materna (Ana) que com a paterna (Teresinha), que morreu antes da primeira. A personagem inicialmente surgiu com as características presentes nas avós dele. Jean percebia nelas traços de melancolia de uma vida inteira sofrida, as marcas da solidão e os remédios presentes nas avós mais antigas. “Uma vez estabelecido o que é o papel de uma avó e como elas são, fui criando as tirinhas”, relata o cartunista. Jean foi convidado por Ziraldo, que era diretor de arte do Jornal Brasil e estava à procura de autores nacionais para a página de tirinhas do jornal. E foi lá que a Vó estreou. Com o tempo, o cartunista mudou sua personagem. “Ela foi fi-

Jean Galvao e o seu novo livro: “Vó é um jeito de ser. Habita o imaginário coletivo” .

cando um pouco mais perceptiva, fui deixando de lado essa parte da fé, da tristeza e comecei a focar nas coisas que a personagem gostava na vida dela: as galinhas, a vaca, o jardim (a personagem fala com as plantas). Comecei a fazer algo mais bem-humorado e gostei do resultado”, conta. O formato das tirinhas foi adaptado para o Instagram. Foi usada uma forma quadrada e os balões ficaram um pouco maiores, facilitando a leitura na tela do celular. Jean também começou a ter contato direto com os leitores. “Foi um grande aprendizado conseguir lidar diretamente com o leitor. Você não tem esse feedback quando é só jornal impresso”, comenta Jean. Ele toma alguns cuidados muitas vezes só percebidos por ele. Seus balões são grafados com letra cursiva, como nas cartas escritas antigamente, quando havia caligrafia na escola. “Eu treinei um pouco de caligrafia para fazer a letra da Vó, porque no começo estava usando uma letra dessas que eu utilizo para os outros personagens”, conta o cartunista. Jean percebeu estar conse-

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guindo, ainda que de forma não intencional, atingir cada vez mais mulheres. Elas se identificaram com a personagem. Ele dará um tempo para a Vó, pois está se dedicando à sua campanha no Catarse. Entretanto, os fãs não precisam se preocupar com o fim da personagem, pois ele ainda pretende explorar a narrativa. Serviço Instagram: @jeangalvao


“Amor por onde flor” Maria Eduarda Paiva

Instituto Flor Gentil reaproveita flores para distribuição em hospitais e abrigos de idosos

Dionilde Petta, 85, uma das moradoras do residencial “Lareira”: “me floresce a vida”. Maria Eduarda Paiva Rafael Sant’ Ana

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mor por onde flor. A frase que estampa um dos mobiliários da sede do Instituto Flor Gentil reflete o espírito do projeto. Criada em 2010, a iniciativa localizada na Vila Madalena (zona oeste) recolhe flores de casamentos que seriam descartadas e distribui para moradores de 70 casas de repousos cadastradas. Há também igrejas e hospitais que recebem os arranjos, além de uma padaria da região. Ana Maria Delduque, 60, é uma das coordenadoras do instituto. Ela explica que todo o processo visa a sustentabilidade e cada voluntário é designado a uma função mais adequada a suas habilidades. “Essa forma de trabalhar fez com que em-

presas se interessassem e pedissem por workshops para entender como funciona a coletividade existente no Flor Gentil”, complementa. Lorilei Marcolin, 58, também é coordenadora e relata que a limpeza do espaço é muito importante, pois, para realizar todo o processo de receber as flores dos eventos, separá-las e fazer os arranjos, é preciso um local organizado e limpo. O projeto abre de domingo a terça, e Lorilei explica que o número de arranjos recebidos é o que determina os dias de funcionamento: “Na quinta, fazemos uma estimativa de quantos arranjos vamos receber e, assim, decidimos em quais dias poderemos abrir.” A ideia veio de uma florista e artista chamada Helena Lunardelli,

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que ficava indignada de ver as flores sendo desperdiçadas. Helena tinha uma afeição especial por idosos, devido à proximidade e ao afeto com seus avós, por isso começou a coletar flores e fazer pequenos buquês para entregar em casas de repouso, de maneira informal. Ela juntou um pequeno grupo de pessoas que a ajudou a desenvolver o projeto. Em 2014, Helena deixou o projeto e Cecília Maia assumiu seu lugar como diretora geral, cargo que ocupa até hoje. Além das casas de repouso, um projeto paralelo (chamado “Fundo Gentil”) é beneficiado. Hospitais que realizam eventos em datas comemorativas também entram em contato com o Flor Gentil para receber seus arranjos e alegrar suas festas. Durante a visita às casas de repouso, os entregadores gentis vestem aventais para se identificarem como voluntários do projeto, e, ao chegarem ao local, oferecem os arranjos de flores às senhoras. “A senhora aceita uma flor?”, pergunta Ana Maria. Muitas idosas aceitam, mas outras recusam. A atitude é respeitada. “O importante é não levar apenas a flor, mas energia positiva”, declara a coordenadora. Dionilde Petta, 85, uma das moradoras do residencial “Lareira”, localizado na Vila Madalena, opina sobre a influência das flores em sua vida: “Olha, mudar tudo não muda, mas que me floresce a vida, floresce. Sempre coloco o arranjo no meu quarto, fica mais aconchegante, me dá mais força. ” Embora seja um projeto sem muitos apoiadores, o que o torna bem-sucedido é a disposição e a força de vontade dos voluntários e das coordenadoras. Hoje, o instituto conta com 3.010 voluntários e simpatizantes. Mais de 125 mil arranjos foram entregues e 79 instituições foram atendidas. Diversas outras iniciativas semelhantes no Brasil foram inspiradas pelo Flor Gentil, buscando espalhar gentileza e amor.


Transplantado e atleta Arquivo pessoal/Edson Arakaki

Medalhista na Suécia e na África do Sul, o médico Edson Arakaki recebeu um rim de sua irmã em 2001 Ana Paula Vitória Mariana Vieira Magalhães

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dson Arakaki, 52 anos, é um atleta com muitas vitórias no currículo. Foi medalhista em competições em diferentes países e dedica boa parte de seus dias a estimular outras pessoas a terem uma vida saudável. Quem não conhece a história de Edson e olha para a foto do médico (ele é gastroenterologista) em uma de suas competições, com semblante bem disposto e porte atlético, não consegue imaginar que ele é transplantado. O fato é que os transplantados podem ter uma vida normal e em plena conexão com as atividades físicas. Existem muitas ideias equivocadas e desconhecimento em relação a isso. A trajetória de Edson desmistifica essas questões. Em meados da década de 80, quando fazia faculdade de Medicina, começou a passar mal durante uma aula de anamnese (procedimento feito para conseguir diagnosticar o paciente). O colega que aplicava a anamnese em Edson (um estudante fazia o procedimento no outro) percebeu que ele estava com a pressão alta. Edson acabou sendo encaminhado ao ambulatório da própria universidade para realizar exames e ficou sabendo que precisaria de um transplante de rim. Suas duas irmãs se prontificaram a fazer a doação e, em 2001, ele recebeu o rim de uma delas. Feita a cirurgia, sua vida se transformou. Edson sentiu a necessidade de mostrar para as pessoas a possibilidade de um transplantado viver normalmente e com qualidade. Passou a incluir a atividade física em sua vida, tornando-se atleta. Em 2017, ajudou a criar a Associação Brasileira dos Transplantados (ABTx), trabalhando com o incentivo à prática esportiva, que é primordial na recuperação de quem recebe um órgão. A fundação da entidade também teve o objetivo de chamar a atenção da mídia para a importância da doação de órgãos.

Em 2017 Edson Arakaki criou a ABTx (Associação Brasileira dos Transplantados).

Antes do transplante, os dias do médico eram marcados pelo cansaço e pelo desempenho comprometido no trabalho. “Eu estava com anemia, emagreci muito. Estava um caco, um pó”, lembra. Após o transplante, sua vitalidade mudou. Com um mês estava de volta a quase todas as suas atividades, inclusive exercícios físicos. “É uma mágica que acontece. Parece que te dão uma carga de bateria. Eu lembro que acordei do transplante com uma fome louca, coisa que não tinha há muito tempo. Você renasce”, diz Edson. Ele destaca que a única mudança incômoda que ocorre na vida de quem recebe um órgão são os medicamentos incluídos na rotina para o resto da vida, com o intuito de evitar a rejeição. “Fora isso, vida normal”, afirma. O empenho de Edson às atividades esportivas foi tão grande que ele foi medalhista das Olímpiadas dos Transplantados na Suécia, em 2011, e na África do Sul, em 2013. Além de Edson, participaram da fundação da ABTx outras pessoas transplantadas que praticam esportes. Juntos, eles lutam por outras causas importantes. Denunciam, por exemplo, a falta de medicamentos e as políticas de saúde voltadas à doação e aos transplantados, que são deficientes. Hoje a associação conta com

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mais de 2000 cadastrados e simboliza uma rede solidária a quem está nessa condição. O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo (cerca de 96% dos transplantes de órgão no país são feitos pelo SUS - Sistema Único de Saúde) e é o segundo país que mais transplanta (depois dos EUA), em números absolutos. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), até setembro de 2019 foram realizados 6.719 transplantes de órgãos sólidos no país. Se incluídos os transplantes de córnea, o número salta para 17.714. No entanto, ainda temos muito o que avançar quando consideramos a taxa de transplantes por milhão de pessoas (pmp). Nesse caso, ocupamos o 23º lugar, com 16,6 doadores por milhão de habitantes, de acordo com dados de 2017 do Registro Internacional de Transplantes e Doações de Órgãos. Os Estados Unidos estão em quinto lugar, com 32 doadores por milhão de habitantes, e a Espanha, em primeiro, com 48,3 doadores por milhão de habitantes. A falta de investimento em saúde e em equipes preparadas para preservar os corpos e órgãos, bem como para realizar procedimentos complexos, é um dos fatores que nos colocam nesse posicionamento indesejado.


O inimigo agora joga junto Lálio Carvalho

Aplicativo tenta reunir praticantes de futebol através do que os afastava, a tecnologia

Sede do aplicativo Appito, na Vila Leopoldina (zona oeste): local oferece quadra, videogames e área para churrascos. Lálio Carvalho Luca Boni

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vontade é de jogar uma pelada. Mas como, se os amigos não estão disponíveis? E se você até tem um grupo que quer jogar contigo, mas não conta com um lugar para isso? Foi pensando em solucionar problemas como este que surgiu o aplicativo Appito. Com mais de 1 milhão de downloads feitos, o app ajuda o usuário a organizar partidas de futebol, criando grupos e alugando quadras. A ferramenta trabalha da seguinte forma: o jogador faz um cadastro no aplicativo, colocando seus dados básicos e a região onde mora. Assim, pode encontrar a partida mais próxima da sua casa. Se sua equipe estiver precisando de um jogador, você pode divulgar sua partida, possibilitando que outras pessoas ocupem aquela posição. O usuário também pode alugar um local para a realização do jogo. Nesse caso, deverá informar o tipo de quadra que procura, a data e o horário em que deseja realizar a partida. O app mostra, então, quais são os locais próximos e os valores para a locação. São mais de 5.000 quadras cadastradas. A ferramenta proporciona uma experiência de videogame no futebol da vida real. Assim como nos games, os jo-

gadores possuem uma pontuação, que é feita com base na avaliação de outros peladeiros. “Usamos um sistema de ranking para todos os jogadores, gerando uma competição maior entre os amadores. Nós pensamos em um jeito de fazer com que o usuário ficasse mais integrado. Usamos uma ‘gameficação’, que, na prática, é o cadastro de uma série de estatísticas, para gerar algo parecido com os videogames”, explica Guilherme Baldacini, gerente de Marketing do Appito. Idealizado pelo francês Rodolphe Timsit, o app vem sendo sucesso no mundo todo. “A adoção do Appito por parte dos jogadores amadores é algo que nos orgulha muito. O aplicativo vem crescendo e vemos ser completamente possível revolucionarmos, juntos com a nossa comunidade de jogadores, o futebol amador no Brasil e no mundo”, disse Rodolphe em 2018, em texto divulgado pelo Appito. Como era de se esperar, no país do futebol o app também tem chamado bastante atenção. O comprador em empresas, Carlos da Silva, 55, é um dos fãs do aplicativo. “Gosto muito das estatísticas do jogo e dos jogadores. Elas nos dão um feedback da partida e fazem com que os jogadores ‘se matem’ pra ficar com uma posição melhor no ranking”, comenta.

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Em São Paulo, o Appito não existe apenas no mundo virtual. Conta com uma sede própria, localizada na Vila Leopoldina (zona oeste). O local possui quadra e outros benefícios, atraindo jogadores de toda cidade. Carlos conhece a sede do Appito e faz elogios: “A infraestrutura que eles montaram é incrível, totalmente moderna e tematizada. O campo é bom, além de contar com uma área de churrasco e videogame. O único problema é que fica longe da minha casa”. Segundo Baldacini, o aplicativo foi criado para resgatar o espírito da boa e velha pelada, levando os jogadores a trocar o sedentarismo das redes sociais, pelas partidas presenciais. A mesma tecnologia que leva ao distanciamento social (a internet) pode voltar a aproximar as pessoas. “Nós percebemos que a rede social era um meio que estava afastando as pessoas, muitas ‘peladas’ estavam morrendo por conta disso. A gente viu no esporte um meio de conectar essas pessoas novamente, e usamos a tecnologia para fazer isso”, afirma Guilherme. Com mais de 150 mil jogadores cadastrados e 120 mil partidas organizadas, o app está disponível de maneira gratuita para celulares (Android e IOS) e oferece versões em cinco idiomas (português, inglês, espanhol, italiano e francês).


O personagem por trás do meme “VAR do Mengão” já foi motorista de coletivo escolar, feirante e vendedor de lanches Arthur Machado Pedro França

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Joinha quis desbravar seu lado artístico, então foi fazer aulas de teatro e tirou seu DRT para que pudesse exercer a profissão. Fez diversas peças, atuou como figurante e chegou a fazer parte do elenco de apoio de alguns trabalhos da TV Globo. Até já atuou no famoso filme “Cidade dos Homens”, de Paulo Morelli. A jornada do artista que interpreta o VAR da Galera rendeu também diversos convites para a participação em programas de TV, inclusive na maior emissora do país. Foi chamado para o Encontro com Fátima Bernardes e ganhou uma matéria especial no Globo Esporte. Instigou a curiosidade de figuras grandes do futebol brasileiro, como Galvão Bueno e Walter Casagrande. Enquanto trabalhava como ator e animador de festas, Joinha se vestia com algumas fantasias e foi quando teve a ideia para seu trunfo: o VAR do Mengão. “Pensei assim: Por que não? Vou por uma roupa de juiz e ir lá pra torcida. Foi assim que surgiu o VAR”. A casa de Joinha é próxima ao Maracanã. O torcedor do Mengo pode ficar tranquilo. Se não tem VAR no estádio, pode chamar de lá mesmo que Joinha vem!

Gilvan Souza/Agência O Dia

obson Mafalda é conhecido desde a infância como “Joinha”, no bairro de Santo Cristo, na zona portuária do Rio de Janeiro. Até os 44 do primeiro tempo, permanecia em anonimato para o Brasil. Em 2019 a história mudou. O Flamengo deslanchou, foi campeão de diversas competições e Joinha foi na onda. Começou a aparecer na arquibancada da torcida flamenguista vestido de árbitro e chamando o VAR (árbitro assistente de vídeo, do inglês Video Assistant Referee). Acabou ganhando destaque na boca de narradores e comentaristas, transformando-se em talismã da torcida e meme nas redes sociais. Esse ano o Senhor Meme, assim chamado pelo narrador Galvão Bueno, completa 46 anos. O “VAR do Mengão” surgiu de mais uma oportunidade que o empreendedor do ramo da vida viu e abraçou. Foram muitos os personagens encarnados por Joinha, mas o mais famoso até então foi a interpretação do homem VAR que alegra a torcida do estádio e de casa, pois quando o Flamengo joga tem o VAR para ve-

rificar o VAPO (forma como são chamados os gols do Mengo pelos torcedores) e, assim, confirmar a vitória do rubro-negro. Hoje não há comentarista esportivo que não chame o VAR da galera na hora do lance decisivo para consagrar a vitória do time carioca. O homem geralmente acerta na sua decisão, já que o time obteve 73,2% de aproveitamento dos pontos no ano, o maior da história do futebol brasileiro. Sua infância foi alegre, mas desde jovem tinha responsabilidades. Começou a trabalhar cedo visando empreender e ganhar o seu dinheiro. Seu sonho de criança era ser jogador de futebol. “Quando eu era pequeno, minha casa sempre tinha gente pelo fato de meu pai ser muito receptivo. Um rapaz me levou pra jogar no Bom Sucesso pra ser goleiro. Fiz até teste no Flamengo”, conta. Robson foi motorista e proprietário de coletivo escolar, feirante e até vendedor ambulante de lanches. Passou a maior parte da sua carreira como animador de festas e aí se encontrou como profissional. Trabalhou alguns anos com eventos e, por fim, abriu um espaço para que pudesse receber propostas de negócio de forma mais independente.

Joinha participou de diversos trabalhos como figurante. Chegou a atuar no filme “Cidade dos Homens”, de Paulo Morelli.

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Universidades em prol dos refugiados Moriarty Parsec

Unifesp está entre os 22 centros universitários que oferecem vagas para estudantes em situação de refúgio, em parceria com a ACNUR Carina Gonçalves

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difícil decisão de deixar o país de origem quase sempre envolve o sonho de ter uma vida melhor. Para isso, ao chegarem em uma nova pátria, os imigrantes precisam contar com apoio e com iniciativas que lhes oportunizem crescimento e progresso. Uma dessas ações é promovida pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello, implementada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Desde 2003, a cátedra, em cooperação com 22 centros universitários de todo o país, oferece vagas em graduação para que refugiados possam se qualificar, além de promover a pesquisa e extensão acadêmica voltada a essa população. A Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) faz parte do rol de centros universitários que abraçaram a iniciativa. Em fevereiro de 2020, a instituição realizou o primeiro vestibular para refugiados, apátridas e visto humanitário, oferecendo 37 vagas para os cursos de graduação, resultando em 167 inscrições. Na prova, com duração de quatro horas, havia 25 questões de múltipla escolha e a necessidade de produzir uma redação de, no mínimo, 12 linhas. O objetivo não foi facilitar o exame, e sim realizar um processo seletivo que atendesse as peculiaridades da realidade dos vestibulandos. João Amorim, professor de Relações Internacionais da Unifesp e coordenador da cátedra na instituição, considera o ingresso dos refugiados como algo bastante positivo. “A função da universidade não é só oferecer conhecimento, mas melhorar a vida da sociedade a partir do conhecimento”, destaca. Entre os estudantes aprovados, o haitiano Carlile Max Dominique, que tem visto humanitário, foi aprovado no curso de Psicologia. No seu país, Carlile publicou um livro de poesias e hoje é colunista no portal Parágrafo 2. Ele mora com os dois irmãos e a irmã em Pinhais, município do Paraná. Após ser aprovado no vestibular, mudou-se para Santos, litoral paulista. “Às vezes tenho a impressão de ser uma pessoa que vive em fuga. Por mais de dois anos minha vida seguiu em

Universidade realizou em fevereiro de 2020 seu primeiro vestibular para refugiados.

todas as direções e parece que não vai parar”, afirma. O haitiano Jean Rockson Catule, também com visto humanitário, conseguiu uma vaga na graduação de Engenharia Química. Ele estava cursando Ciências da Computação no seu país numa instituição particular, com ajuda do seu primo no Canadá, mas com a possibilidade não alcançada de uma bolsa no México, saiu do curso. Em 2014, veio ao Brasil, onde o irmão estava morando há um ano. Aprendeu o português em seis meses, graças a uma ação da Prefeitura de Santo André, no ABC paulista que, na época, oferecia cursos de idioma para estrangeiros. Jean diz que o Brasil fez demais por ele, oportunizando trabalho e estudo. “Há mais de 10 anos o meu sonho é ter um diploma e entrar no mercado de trabalho normal, trabalhar como um cidadão e ter uma família como tenho agora”, conta. Segundo ele, no Haiti há algumas dificuldades para quem deseja estudar, por exemplo, a luz não funciona por 24h, então, se a pessoa trabalha durante o dia, ela não consegue estudar à noite. Apesar dos problemas, Jean diz que os estudantes de escolas públicas têm melhor resultado que os de escolas particulares, pois são mais esforçados. “Competência não tem a ver com condição social ou raça. Todos são iguais. Não importa se é negro ou branco, tem que estudar e fazer uma prova igual”, afirma o estudante. Por isso, ele desaprova a existência de cotas e não vê problema em fazer o Enem

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(Exame Nacional do Ensino Médio), inclusive fez três vezes. O professor João Amorim discorda da visão de Jean. Na opinião dele, existem dois gargalos no Brasil ligados à inclusão dos imigrantes: a revalidação do diploma de estrangeiros e o gargalo da continuidade dos estudos, seja no nível de graduação ou no de pós-graduação. É preciso que haja um aperfeiçoamento e diversidade das instituições de ensino, públicas ou privadas, nesse sentido. “Essas instituições podem auxiliar na redução e até na extinção desse gargalo, oferecendo processos seletivos e vagas específicas para refugiados”. E complementa: “Não há problema dele fazer a prova e ingressar na universidade via Sisu (Sistema de Seleção Unificada), mas o Enem não é uma prova que qualquer refugiado vai conseguir fazer, devido às próprias características do exame”. Um relatório divulgado pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello em 2019 mostrou que apenas 3% dos refugiados em idade acadêmica estão matriculados em universidades brasileiras. Para a reitora da Unifesp, Soraya Soubhi Smaili, a inclusão de um programa específico para os refugiados, apátridas e portadores de visto humanitário no vestibular da instituição oferece diversos benefícios: “Podemos destacar a pluralidade de cultura e de valores, mas também trará novas demandas acadêmicas, pedagógicas e de acolhimento para os cursos, docentes e para estruturas de apoio ao estudante”.


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