UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS Publicação dos alunos do 2º semestre de Jornalismo - N. 180 - Ano XII - Setembro de 2017
O castelinho está de volta
Após uma longa reforma, a construção foi reinaugurada. A ONG que funciona no local aceita doações. Página 5 Acontece • 1
Depressão não é frescura
É cada vez mais comum jovens terem depressão no Brasil. O país lidera o ranking de casos da América Latina Ana Julia Campoy
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série “13 Reasons Why”, produzida pela Netflix, fez sucesso entre os espectadores. E os assuntos abordados, como abuso sexual, bullying, suicídio e depressão trouxeram uma repercussão sobre esse tabu que é pouco falado na sociedade. Mesmo com tantos jovens passando por essas situações, a trama pode finalmente mostrar para as pessoas a dimensão do problema. A depressão é uma das doenças mais comuns e difíceis de serem diagnosticadas. Cerca de 11,5 milhões de casos já foram registrados no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), liderando o ranking com o maior índice da América Latina. A adolescência é marcada por várias mudanças, e nesse moemto os familiares podem confundir comportamentos que são considerados apenas uma “fase” com a depressão. A psicóloga Edna Muniz explica que os pais têm que acompanhar seus filhos de perto: “Por ser uma fase de mudanças, é possível confundir a depressão com esse momento por que o jovem passa, porém é de responsabilidade dos pais ou cuidadores que se mantenham em alerta. Em meninos com depressão é comum a presença de comportamentos agressivos e violentos, uso de substâncias proibidas e atitude de
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Psiquiatra Sergio K. Tenengan em seu escritório
desafio. Já nas meninas, é alta a presença de sentimentos de tristeza, ansiedade, tédio, raiva e baixa autoestima”. Para o psiquiatra Sergio K. Tengan, há motivos desencadeadores da doença em jovens. “A questão familiar é importante, pois há fatores genéticos que predispõem à depressão”. O melhor método na percepção do médico é o acompanhamento psicoterápico. “Existe uma controvérsia sobre se há uma melhor resposta ao medicamento ou não. Prescreve-se antidepressivos, mas em caso de criança e adolescentes a psicoterapia oferece uma resposta muito boa”, diz. O designer Leonardo Fabregat, 23 anos, ficou depressivo quando tinha 12 anos. “Comecei a entenProfessores responsáveis: André Santoro (Pauta e Apuração); José Alves Trigo (Editoração e Design).
Jornal-Laboratório dos alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo. Centro de Comunicação e Letras - Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Equipe: Ana Gonçalves, Ana Julia Campoy, André Chojniak, Bruno Castro, Caio Vasconcelos, Frederico Colucci, Letícia Ferro, Pedro Witzel, Thiessa Sickert
Foto de capa: Bruno Castro.
Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Marcos N. Duarte Coordenador do curso: Rafael F. Santos Supervisor de Publicações: José A. Trigo
der como a vida funcionava e até onde eu iria conseguir chegar, ao mesmo tempo em que lidava com as mudanças da vida”. Seu limite foi quando tentou suicídio: “Me vi em calamidade e minha família me levou ao médico”. Após muita terapia e remédios, conseguiu dominar suas tristezas. Ao ser perguntado sobre cura, deixa a seguinte mensagem: “Não existe uma cura para a depressão. Aguente firme, o mundo não vai melhorar a vida não vai ser fácil, mas você vai aprender a sair dessa, vai aprender a enxergar outras coisas nessa realidade que só você entende e uma hora o mundo volta a ter cor. Não tenha medo em procurar ajuda, depressão é uma doença e tem tratamento”.
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Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.
Gravidez durante a faculdade
Universitárias encontram desafios ao conciliar a vida de mãe com a de estudante Ana Gonçalves Thiessa Sickert
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oje em dia é cada vez mais comum as mulheres optarem por engravidar em torno dos 30 anos de idade. Muito diferente de uma geração atrás, quando nossas mães costumavam se casar com 20 anos e antes dos 24 já esperavam o primeiro filho. Isso acontece devido a alguns fatores: mulheres cada vez mais ativas no mercado de trabalho, crise no país e o alto custo de vida atualmente. Mesmo sendo cada vez mais incomum de acontecer, ainda existem jovens gestantes pelos corredores das universidades, mas este número é gradativamente menor devido às dificuldades que as jovens encontram em conciliar os estudos com a gestação. Ana Beatriz Lobo, 25 anos, estudante de jornalismo, conta que já era para estar formada se não tivesse engravidado aos 23 anos e trancado o seu curso. “Eu estava faltando muito, e estava muito emotiva, só voltei agora quando minha filha fez 1 ano e 4 meses”. Questionada se cogitou não ter o bebê, Ana disse que ela sempre quis ser mãe, e que mesmo com todas as dificuldades nunca pensou em não ter, apesar de o pai da criança ter tentado convencê-la sobre isso. É importante lembrar que o aborto é proibido no Brasil. “Ele é permitido apenas nos casos de estupro, quando o bebê é anencéfalo (nasce sem o cérebro) ou quando a mãe corre risco de vida”, afirma a clinica geral Mayra de Souza Pasin. A maioria dos abortos que são realizados no país são clandestinos, feitos de forma inadequada e com material inapropriado. Complicações
Julia Taschetto, 18 anos, universitária, grávida de 8 meses.
como hemorragia, perfuração uterina e infecção são comuns nesse procedimento. “A infecção após o procedimento que foi realizado com o material não estéril pode levar até a morte por sepse, que é a infecção generalizada”, alega Mayra. Segundo o IBGE, 92% das mulheres conhecem algum método contraceptivo. Existem vários anticoncepcionais no mercado, mas muitas mulheres não consultam um médico e medicam-se de forma incorreta, tornando o mesmo ineficaz. Patricia Hovsepian, 24 anos, estudante de direito, está grávida de 6 meses e afirmou tomar anticoncepcional há 7 anos. “Eu nunca errei nenhum dia do remédio, tomava sempre no mesmo horário para nao ter erro de eficácia”. Ela revelou que fez uma cirurgia e tomou um antibiótico que interrompeu o efeito de sua pílula. Além dos antibióticos, medicamentos como antidepressivos e
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anticonvulsivantes também interferem no efeito da pílula anticoncepcional. A lei 6202/75 garante que a gestante universitária a partir do seu 8º mês de gravidez seja assistida pelo regime de exercícios domiciliares durante 3 meses através de um atestado médico apresentado à universidade. O período pode ser prolongado de acordo com as indicações médicas. Conciliar os estudos e cuidar de uma criança requer tempo, e entre as dificuldades de ser mãe e universitária é que no primeiro ano, principalmente nos primeiros meses, o bebê é completamente dependente da figura materna, porém mesmo diante de todas as dificuldades, Camila Prata, 22 anos, estudante de psicologia, deixou claro seu sentimento: “a felicidade prevaleceu, e quanto mais a barriga crescia, mais o amor triplicava e a ansiedade para ele nascer também”.
A vida nas repúblicas A escolha de um curso não é tão simples para aqueles que pretendem cursar o ensino superior em outra cidade André Chojniak Pedro Witzel
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pública, Rafael admite que fez a escolha certa: “No começo você fica inseguro de chegar em uma cidade grande como São Paulo sozinho, de não ter nenhum um familiar ou amigo por perto, mas compensa porque você cursa uma ótima universidade, tem mais oportunidades de trabalho e a república te acolhe, se tornando uma nova família”, diz. Sofia, que é um caso fora do comum, de sair da cidade grande para uma do interior, também aprova a experiência. “É estranho você morar 18 anos em uma cidade como São Paulo e vir morar no interior, tudo parece muito calmo, muito devagar. Em cidade grande a agitação é na rua e a calmaria em casa, já no interior, pra quem mora em república principalmente, a calmaria é na cidade e em casa é festa o dia inteiro, isso que é gostoso de morar entre amigos”. Sofia Vlachos
cada ano que passa aumenta cada vez mais o número de estudantes que vivem em repúblicas estudantis. O fato de esses jovens não poderem fazer uma faculdade em sua cidade, seja pela falta de universidades em localidades próximas, pela falta de opção de cursos, ou até mesmo pela qualidade de ensino das universidades, faz com que eles optem por viver longe do conforto de suas casas para conseguir realizar seus sonhos. Mesmo distante de família e amigos, alguns moradores de repúblicas estudantis conseguem enxergar vantagens, como é o caso da estudante Sofia Vlachos, 19 anos. “Uma vantagem é que você integra com a faculdade mais do que o normal, facilitando a formação de novas amizades e de tudo que acontece na faculdade em si”. Sofia é paulistana, mas atualmente vive em uma república na cidade de Ribeirão Preto, chamada República Dazoito. Cursando Administração na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ela diz que a maior dificuldade de morar sozinha é ter que se virar para tudo. “A maior dificuldade é não ter seus pais ali do lado para te dar todo apoio. Lógico que eles tentam dar o suporte necessário, mas é diferente já que você não tem sua mãe para organizar seu quarto, para te lembrar dos compromissos, para cozinhar, não tem seu pai para te dar o dinheiro para sair no fim de semana, são responsabilidades que parecem pequenas mas fazem muita falta”. Segundo ela, viver em uma república demanda educação, bom
senso e organização para que a convivência com o próximo seja agradável. Isso reflete na hora de os estudantes da República Dazoito dividirem os gastos. “Nós somamos todos os gastos do mês, como conta de luz, água, internet etc. e dividimos pelo número de moradoras. Apenas em relação à alimentação e produtos de limpeza, cada uma é responsável pelos seus próprios gastos”, relata Sofia. Já a parte de alimentação, limpeza e organização da República Viver Bem, onde vive o estudante de Engenharia Civil Rafael Martins, 20 anos, natural de Marília, é feita de forma bem simples e prática. “A responsabilidade é individual, mas a consciência é coletiva. Cada um pode fazer o que bem entender, desde que isso não prejudique o bem-estar coletivo. Se sujou, limpa, se comprou, arque”. Após dois anos vivendo em re-
Garotas da República Dazoito
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Castelinho da Rua Apa é reinaugurado
Após décadas de abandono, construção do centro reabre suas portas sob administração de ONG Bruno Castro
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Castelinho da Rua Apa, no centro da cidade de São Paulo, foi reinaugurado no dia 06 de abril após 35 anos de abandono. O restauro do imóvel proveio de um convênio do Fundo Social de Interesses Difusos (FID), administrado pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado, que disponibilizou R$ 2,8 milhões para a recuperação do edifício. “Foram muitos desafios, pois o Castelinho estava em ruínas”, conta Milton Nishida, arquiteto responsável pelo restauro do edifício. A obra de recuperação foi iniciada em 2015 e atraiu a atenção dos pedestres que passavam por lá. “Durante as obras, muitas pessoas sempre demonstraram grande interesse em saber o que estava Castelinho da Rua Apa já reformado ocorrendo dentro dos tapumes. Nos finais de semana, de cima do sombrado. Após a tragédia fami- a reinserção no mercado de trabaElevado, parecia uma arquibanca- liar, o imóvel ficou sem herdeiros e lho. “Vê-lo (o Castelinho) resgatada de pessoas para vê-lo”, lembra foi entregue para o patrimônio do do, íntegro, seguro e belo, é saber Milton. Governo Federal. O processo de que a atividade que se desenvolO imóvel de 180 metros qua- tombamento do imóvel foi aberto verá no seu interior será a grande drados foi originalmente proje- em 1991 pelo CONPRESP, órgão responsável por conservá-lo daqui tado por arquitetos franceses e de proteção ao patrimônio da Ca- para frente e, melhor ainda, saconstruído como réplica de um pital, e seu trâmite só foi concluído bendo que será tocado pelas mãos castelo medieval para refletir a em 2004. de Maria Eulina e sua equipe de belle époque paulistana do século Desde 1996 o Clube de Mães do ouro”, pontua Milton Nishida. XX. Inaugurada em 1912, a obra Brasil tem a concessão para utiliApesar do reconhecimento pela fez parte das primeiras ocupações zar o edifício. “O Castelinho é um reinauguração do Castelinho, a urbanas do bairro de Santa Cecília símbolo. Foi uma luta muito gran- fundadora do Clube de Mães do e pertenceu à família Guimarães de para devolvê-lo para a cidade”, Brasil ressalta as dificuldades Reis até 1937, ano do famoso “Cri- afirma Maria Eulina, 66 anos, fun- diante da falta de doações. “Seria me do Castelinho da Rua Apa” – dadora da ONG e ex-moradora de humanitário que as pessoas se macomo ficou conhecido o misterioso rua. “Ali terá atendimento social e nifestassem dentro das instituiepisódio que marcou a história do psicológico. Nós vamos desenvol- ções que atendem aos moradores edifício: o assassinato de Maria ver reuniões com os moradores. de rua. Não temos ninguém para Cândida Guimarães dos Reis e Vai ser um espaço livre”, frisou. ajudar nem nas contas de água”, seus dois filhos, Álvaro e Armando A organização promove ativi- afirma Maria Eulina. Cézar dos Reis, no dia 12 de maio dades socioculturais para crianA organização do Clube de de 1937. Até hoje não se sabe quem ças, pessoas em situação de rua, Mães aceita doações de qualfoi o responsável pela morte dos dependentes químicos e catado- quer valor em sua conta bancária proprietários, o que deu ao Caste- res de recicláveis da região, além (Bradesco, agência 00096, conta linho fama de misterioso e mal as- de oferecer cursos e oficinas para 0070180-7).
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Pacaembu não é só futebol
Alvo de projeto de privatização, espaço também abriga um complexo esportivo
Entrada do Complexo Esportivo Pacaembu, localizado na Rua Capivari, portão 23
Caio Vasconcelos
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uitas pessoas ainda não conhecem ou nem sabem da existência de um clube atrás do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. Inaugurado em 1940, ele é uma opção para pessoas que gostam de esportes e querem se exercitar, principalmente para moradores da região e de bairros próximos, como Higienópolis e Santa Cecília. A entrada do clube se encontra na Rua Capivari, portão 23, e basta associar-se na secretaria para usá-lo, pois é gratuito. O espaço é ocupado por piscina olímpica aquecida com arquibancada para 2.500 pessoas, ginásio poliesportivo coberto com capacidade para abrigar 2500 espectadores, ginásio de saibro coberto para tênis com assento para 800 pessoas, quadra externa de tênis com arquibancada para 1.500 pessoas, quadra poliesportiva externa com iluminação, três pistas de Cooper, duas salas de ginástica e posto médico. Além disso, possui diversos banheiros e vestiários. A aposentada Rosângela Lima da Silva,
60 anos, adora usar as pistas de Cooper. “Eu sempre venho aqui para fazer minha caminhada, gosto de andar em volta do campo, é revigorante. Depois dou um pulo na piscina”. Através do Clube Escola acontecem aulas grátis de diversas modalidades, entre elas estão futsal, handebol, natação, tai chi chuan, tae kwon do, judô, atividade recreativa e cultural, dança de salão, tênis, condicionamento físico, avaliação física, pilates, yoga, circuito funcional, alongamento, treinamento resistido e treinamento aeróbico. O estudante de Direito Mariano Ortega Lippelt, 19 anos, trabalha como assistente de professor de tênis, mas também aproveita o resto do local. “Já usei a quadra de futebol, corro em volta do campo e jogo tênis toda semana. Eu sou suspeito para falar sobre o clube porque eu amo o Pacaembu”. Para participar das aulas é preciso inscrição e avaliação médica. O complexo tem defeitos, Segundo Rosângela, “poderia abrir mais cedo, acordo bem de manhãzinha e seria ótimo vir às 6 horas da manhã”. Para Mariano “o clube é perfeito, só a quadra rápida (ex-
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terna) de tênis que já está meio deteriorada”. A quadra poliesportiva externa possui buracos e o ginásio poliesportivo, ginásio de saibro coberto, quadras de tênis descoberta e o campo de futebol têm preço público para utilização. João Doria, atual prefeito da cidade de São Paulo, pretende passar a gestão do Pacaembu para empresas privadas, a partir de um regime de concessão. A Prefeitura de São Paulo está disposta a permitir alterações no projeto arquitetônico do estádio, com exceção da fachada, para fazer shows, eventos e torná-lo mais rentável. Ainda não há informações concretas sobre mudanças no clube. Para fazer a carteirinha e participar das atividades oferecidas basta ir à secretaria, que fica aberta de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 16h45. É necessário levar uma cópia da Carteira de Identidade (RG), comprovante de residência e uma foto 2x2 colorida. Menores de idade devem levar também uma autorização dos pais ou responsáveis. Qualquer paulistano pode associar-se para utilizar o complexo esportivo.
Doutrinação: ela existe?
Para professora, Programa Escola Sem Partido irá coibir abusos que ocorrem em sala de aula Frederico Colucci
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Programa Escola sem Partido é um “conjunto de medidas previsto num anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido, que tem por objetivo inibir a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos”, nas palavras do advogado Miguel Nagib, idealizador do ESP. A discussão a respeito do projeto voltou à tona depois que o vereador Fernando Holiday (DEM-SP) decidiu visitar algumas escolas da cidade de São Paulo para fiscalizar o conteúdo que está sendo transmitido aos alunos. Sua decisão gerou muita polêmica; vereadores da oposição e estudantes criticaram a postura de Holiday. “Para mim, essa é uma forma de silenciar e censurar o conteúdo exposto em sala de aula”, diz a estudante de Design de Interiores Mariana Medeiros, 21 anos. Ela ainda diz que já existem leis que proíbem professores de influenciarem seus alunos e que, por isso, vê o Programa como uma “ameaça aos professores que estão exercendo seu trabalho”. Miguel Nagib diz que o Programa existe “para informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não serem doutrinados e manipulados por seus professores. Uma vez informados, os estudantes - que são as supostas vítimas da doutrinação -aprenderão a se defender das condutas abusivas eventualmente praticadas por seus professores militantes. Vale ressaltar que, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Sensus em 2008, 80% dos pro-
fessores reconhecem que o seu discurso em sala de aula é “politicamente engajado”. A professora da rede pública de ensino Ana Caroline Campagnolo, 26 anos, processou sua então professora e orientadora de pós-graduação por perseguição e discriminação religiosa e ideológica. Ana havia decidido pesquisar sobre o feminismo, mas, devido à sua opinião contrária ao movimento e a sua religiosidade cristã, ela passou a ser perseguida e humilhada nas aulas, em sua versão. Ana, como professora, diz que sempre procura “tratar dos conteúdos mais objetivos, detalhando acontecimentos históricos - sob suas várias perspectivas de igual maneira - e deixando as subjetividades e questões ideológicas para os adolescentes conversarem entre si”. Ela ainda fala que, mesmo em assuntos que abarcam
diversas perspectivas ideológicas, o professor deve buscar a neutralidade. Em seu canal no youtube (Vlogoteca), a professora faz questão de ressaltar o livro “Maquiavel Pedagogo”, de Pascal Bernardin. Segundo ela, o livro traz documentos que comprovam a intenção da ONU (e de organizações derivadas) em promover um “controle de comportamento”, um “aparelhamento ideológico da escola” e uma “reforma pedagógica-psicológica”. O Projeto de Lei baseado no Programa Escola Sem Partido, de autoria do deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF), segue tramitando no Congresso Nacional. Vereadores de todo o Brasil têm levado a proposta para seus municípios por entenderem que é difícil conseguir aprovar o projeto no âmbito nacional, ou então por darem um caráter de urgência à sua aprovação. O debate parece estar longe do fim.
Mariana Medeiros lendo Maquiavel Pedagogo
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Uma ajuda nas horas difíceis
Descobrindo o trabalho do Centro de Valorização à Vida Letícia Ferro
O
lá, como vai você hoje?” respondeu, alegremente, a voz que me atendeu no número 141, telefone do Centro de Valorização à Vida (CVV) na cidade de São Paulo. “Nossa chave mestra é acolher e compreender. O voluntário tem que passar isso até no tom de voz, na forma de se expressar, para que a pessoa se sinta à vontade para falar”, explicou o voluntário do CVV Antônio Batista, de 64 anos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em nosso país, a depressão afeta 11.5 milhões de habitantes, ou seja, 5.8% da população, sendo esse o maior índice da doença entre países da América Latina. Quando não tratada, a depressão pode levar ao suicídio. O CVV, que surgiu no dia 1º de março de 1962, teve início com um grupo de jovens que percebeu que havia um grande percentual de suicídios na cidade de São Paulo. “Eles notaram que não havia um trabalho específico para isso”, disse Antônio. Hoje, de acordo com o voluntário, o CVV tem 67 unidades e em torno de 1.200 voluntários espalhados por todo o território nacional. “O sistema de saúde mental no Brasil é hoje focado nos CAPS, e eles dão conta somente dos casos mais graves, normalmente de pacientes com doenças crônicas”, alegou o psiquiatra Ary Gadelha Neto. “Obviamente um jovem com um quadro mais leve não se identifica com esse tipo de serviço”, continuou Ary. “O CVV acaba sendo uma oportunidade para as pessoas se abrirem de uma forma mais anônima e protegida, e essa proteção pode facilitar a comunicação”, elogiou. Para facilitar
Voluntária Vera Portella atendendo ligação do Centro
o contato, o Centro decidiu criar outras formas de alcançar quem busca ajuda. Além do telefone, hoje, é possível entrar em contato por chat, Skype, e-mail, carta e pessoalmente nos postos de atendimento – todos possuem plantões que funcionam 24 horas. Somente no estado de São Paulo, estão presentes vinte e cinco postos. Com um treinamento de 8 semanas, os voluntários do Centro de Valorização à Vida estão preparados para qualquer situação. “Trabalhar no CVV é você atuar antes que a pessoa chegue a um estado extremo. Às vezes, se ela receber um apoio emocional, uma ajuda do sistema de saúde, pode reverter todo o processo”, alegou Antônio. O Centro oferece treinamentos gratuitos para quem se interessar em ouvir o outro e quiser saber mais sobre o trabalho. A carga horária de plantão dos voluntários do Centro é de quatro horas por semana. “Há uma necessidade muito grande de voluntários porque há uma
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fila de espera significativa de pessoas que precisam conversar com alguém”, explicou Antônio Batista. Os voluntários realizam, para arrecadar dinheiro, eventos, viagens, e em alguns momentos, contribuem eles mesmos com a manutenção dos espaços, algumas vezes cedidos pelo governo. Em 2015, o Centro começou a implementar, com apoio do governo, um número gratuito - 188, que, por enquanto, só funciona no estado do Rio Grande do Sul, e está em fase de teste para ser levado a todo território nacional. O trabalho, que começou a ser mais reconhecido depois do lançamento da série “13 reasons why”, do Netflix, que aborda temas como depressão e suicídio, não parece pesado aos olhos de quem o exerce. “Esse lugar é mágico. Você senta aqui, se esvazia e o importante é só a outra pessoa”, disse a voluntária Vera Portella, de 73 anos. “Quando você está aqui, muitas vezes começa a refletir sobre a própria vida e encontra formas de se melhorar também”, concluiu Vera.