Acontece - Ed. 227 - turma 2U12

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XIX - ED. 227 - MAIO-JUN / 2020

EDI Ç Ã O ESPECIAL

impactados pelo novo coronavírus Alunos, professores e profissionais de diferentes ramos contam, nesta edição especial (toda produzida a distância), como suas vidas têm sido transformadas pela pandemia da Covid-19


Plataformas e apps contra o coronavírus Tecnologias oferecem consulta médica a distância, evitando deslocamento de pessoas com sintomas Augusto Macedo

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número de casos de brasileiros contaminados com o novo coronavírus e mortos pela Covid-19 (doença causada pelo vírus) não para de crescer. Como o processo para fabricação de uma vacina que seja eficiente no combate à enfermidade é lento, resta à população seguir as medidas de higienização e isolamento social, indicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para evitar uma velocidade de contágio ainda maior. Pensando nisso, alguns profissionais vêm desenvolvendo plataformas e aplicativos para evitar que pessoas que estão em dúvida se contraíram ou não a doença se desloquem até hospitais ou postos de saúde, que podem ser grande foco do vírus. Entre esses projetos está a Missão Covid, uma plataforma que oferece atendimento médico ao usuário por intermédio de videoconferência. O usuário responde a um questionário informando sobre os sintomas que está sentindo e deixa um e-mail para contato. Assim que acessa a plataforma novamente, ele tem um parecer sobre seu estado de saúde e, se necessário, contará com o atendimento de um dos 900 médicos cadastrados no

projeto, que irá apontar quais medidas ele deve tomar, inclusive quando há a necessidade de procurar um hospital. O cardiologista Leandro Rubio, 34, é um dos fundadores da Missão Covid ao lado de outros colegas. Ele fala sobre as vantagens da iniciativa. “O paciente recebe de maneira remota um atendimento 100% personalizado”, explica Rubio. Os médicos que participam do projeto são voluntários, assim a pessoa não tem custo nenhum com a consulta. “A telemedicina é uma realidade e veio para ajudar médicos e pacientes”, defende Rubio. No campo dos aplicativos destaca-se o Dados do Bem, criado em conjunto pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e pela empresa de tecnologia Zoox Smart Data. O app permite ao usuário saber se seus sintomas têm chance de configurar um diagnóstico da Covid-19. A pessoa preenche alguns dados, informa o que está sentindo e se teve contato com algum infectado. Essas respostas geram um resultado e, dependendo dele, é possível agendar uma consulta presencial. O exame é gratuito e marcado em dia e horário específicos. Por enquanto, o Dados do Bem só disponibiliza atendimentos presenciais na cidade do Rio de Janeiro, porém os desenvolvedores pensam em ampliar

o serviço para outros locais. O aplicativo pode ser encontrado na Google Play e na Apple Store. Outra plataforma que oferece atendimento médico a distância é a Telecovid, criada pela empresa de telemedicina w3.care. Os profissionais cadastrados nela trabalham de segunda a sexta, das 7h às 19h, num calendário e agenda propostos por eles mesmos. Quando o usuário acessa o app, ele fornece alguns dados pessoais (mantidos em sigilo) e informa os sintomas e medicações que está tomando. O app classifica se a pessoa tem um risco alto para a doença e se, portanto, precisa procurar um hospital para atendimento presencial. Segundo Ricardo Contesini, 43, cardiologista do Instituto Dante Panzzanese e do Instituto Reaction, a criação dessas tecnologias é muito importante para ajudar a população a obter informação de maneira mais rápida, prática e segura. “Acredito que essas ferramentas terão uso futuro na medicina, mesmo depois que controlarmos a Covid, pois o poder de alcance delas mostrou eficiência. A consulta presencial ainda terá um papel fundamental, mas a telemedicina tem sido bastante útil”, opina Contesini.

Augusto Macedo

Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados. Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras

Oferecendo consultas gratuitas, Missão Covid conta com 900 médicos cadastrados.

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Diretor do CCL: Marcos Nepomuceno Coordenador do Curso de Jornalismo: André Santoro Supervisor de Publicações: José Alves Trigo Editores: André Santoro e Patrícia Paixão Fotos da capa: Augusto Macedo, Luca Boni e imagens do arquivo pessoal dos entrevistados Impressão: Gráfica Mackenzie Tiragem: 100 exemplares.


Uma família marcada pela Covid-19 Virna, o marido e os sogros contraíram o novo coronavírus em Londres; o sogro não resistiu Arquivo Pessoal/Virna Teixeira

Virna (de vermelho) em pé ao lado do esposo; no banco, o sogro que faleceu. Carina Gonçalves Isabela Matos

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cearense Virna Teixeira, 49, mora com a família em Londres, na Inglaterra, na região de Wimbledon desde 2014. Médica pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ela passou por momentos angustiantes por conta do novo coronavírus. Depois que seus sogros se contaminaram durante a festa de 90 anos dos sobreviventes do Holocausto, no bairro da comunidade, Virna apresentou os sintomas da Covid-19 e fez o autodiagnóstico da doença, sem sair de casa, seguindo as recomendações do sistema britânico de saúde, que pedia para o paciente só ir até o hospital após uma semana de sintomas. O sogro de Virna acabou falecendo e ela passou o vírus para o marido. Felizmente, a médica e o esposo se curaram da doença. Virna criou o blog “Escritos de Pandemia” onde relata toda essa experiência. Virna se especializou no Brasil em neurologia na área de dependência química e, quando mudou de país, migrou para o ramo da psiquiatria. Hoje trabalha na enfermaria de uma clínica de distúrbio alimentar, que interna mulheres com anorexia severa num programa multidisciplinar que envolve nutrição, psicologia, terapia ocupacional e medicamentos. Além de

médica, é autora dos livros de poesia Visita (2000) e Distância (2005), ambos publicados pela editora Sette Letras. Apesar de os sogros terem contraído a Covid antes dela, Virna acredita ter se contaminado ao cuidar de uma interna da clínica onde trabalha. A mulher estava passando mal, com alguns sintomas da doença. Pode ter sido também com o ar da própria enfermaria, já que, segundo ela, o vírus estava espalhado pelo local. “Eu fui de bicicleta para o trabalho e no fim da tarde senti um mal-estar. Como o dia estava tranquilo, fui pra casa uma hora mais cedo e vim meio cansada pedalando”, conta a médica sobre como percebeu os primeiros sintomas. Quando chegou em sua residência, Virna foi se deitar. Um tempo depois notou que estava com febre, acima de 38 graus. Durante dois ou três dias as reações foram evoluindo. Sentiu um pouco de conjuntivite, o rosto ficou avermelhado, teve náusea, muito cansaço, dor de garganta, uma tosse seca e falta de ar. Virna também apresentou perda do olfato e do paladar. “Eu pegava o frasco de acetona para aspirar e não sentia o cheiro”, conta. A médica ainda teve alterações estranhas em sua frequência cardíaca, que caía e subia. Um colega recomendou que ela usasse um oxímetro (aparelho que mede a frequência cardíaca e a oxigenação) para mo-

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nitorar os sintomas. Esse instrumento foi importante. Baixos níveis de oxigenação indicam o comprometimento do pulmão, que ocorre muitas vezes com os pacientes da Covid-19. Uma amiga virologista também ajudou a identificar o que ela estava sentindo como traços da doença. “Na Inglaterra fomos orientados a não ir ao hospital e nem ao posto de saúde. Você precisa ficar em casa isolado por sete dias antes de ir”, comenta a médica que em junho conseguiu realizar o exame para detecção do novo coronavírus, confirmando que foi mesmo infectada. Virna leu muito a respeito do novo coronavírus e conversou com colegas médicos brasileiros por um grupo que tem no WhatsApp. A médica se isolou no quarto. O marido entrava para deixar a comida no canto e lavava as mãos com muita frequência, chegando a ficar com dermatite. Apesar de todo o cuidado, ele se contaminou. Quando seu sogro estava internado, Virna ligava para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), dando suporte à família, usando seu conhecimento como médica e pegando informações com seus colegas do grupo de WhatsApp. O quadro clínico do sogro infelizmente foi piorando. Na manhã em que o avô morreu, a filha de Virna, Ana, 8, pegou o trompete e tocou profundamente. Depois disse para o pai que queria ver TV. Esse foi o jeito da menina lidar com a situação. Ela é reservada e não quer falar sobre a morte do avô. A família não pôde ir ao velório, no qual estavam o rabino, os dois irmãos do esposo de Virna e a mãe. O casal e a filha assistiram à cerimônia via plataforma Zoom. Hoje a médica vem procurando se fortalecer emocionalmente. Ela tem feito atividades online, como um curso de costura, e foge do grupo de médicos brasileiros no WhatsApp, onde o assunto é sempre coronavírus. Tudo isso tem contribuido para que ela se sinta melhor


Vida acadêmica na quarentena Estudantes e professores tentam se adaptar ao ensino online, driblando efeitos do isolamento Arquivo Pessoal/Maira Mariano

Ana Paula Vitória João Pedro Pilecco Mariana Vieira Magalhães

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ão tem sido fácil a readaptação das atividades no mundo acadêmico durante o período de isolamento imposto pelo novo coronavírus. As universidades optaram pelo método online para dar continuidade ao aprendizado dos alunos. Estudantes e professores têm se desdobrado para seguir cumprindo os objetivos do semestre. Maira Mariano, docente de Língua Portuguesa na rede pública estadual e na Universidade São Judas, teve que se adequar à nova rotina. Cuidar da casa, das filhas (é mães de duas meninas pequenas), da área profissional e seguir fazendo sua pós-graduação foi um encaixe difícil. O maior desafio, no entanto, é trazer para perto alunos que não possuem computadores e celulares, especialmente na rede pública. “É uma realidade muito difícil. Nós professores devemos estar disponíveis o tempo todo”, comenta. Paola Magalhães de Almeida, 19, aluna de Odontologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), sente-se desanimada. Ela conta que a faculdade ainda está aprendendo a oferecer o ensino na forma online. “Os professores dão a assistência que está ao alcance deles, mas mesmo assim está difícil”,

Maira Mariano, docente nas redes pública e privada: “É uma realidade muito difícil”.

desabafa. A estudante se sente preocupada com relação a seu futuro profissional, por estar tendo suas disciplinas sem conseguir visualizar na prática como elas se concretizariam. “Eu, sinceramente, pararia agora. Acho que está acumulando muita matéria e lá na frente vou precisar disso e não vou ter uma qualidade de ensino boa na parte prática”, afirma. Taís Ottoboni, acadêmica de Medicina Veterinária no Centro Universitário Unisalesiano, avaliza a opinião de Paola: “De 80% que eu poderia estar aprendendo, estou aprendendo de

Arquivo PessoalPaola Magalhães e Taís Ottoboni

Paola Magalhães (à esq.) e Taís Ottoboni: alunas se preocupam com as disciplinas práticas.

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30% a 40%”. Ela também se preocupa com a falta das aulas práticas. “Trocar o laboratório pela nossa casa é estranho”, diz. A estudante afirma que seu rendimento não está sendo satisfatório. Ela não conseguiu organizar uma rotina de estudos e sente falta das aulas presenciais, principalmente porque nelas consegue ter um foco melhor e absorver os conteúdos com mais qualidade. A ausência de uma rotina e o excesso de informações negativas sobre o vírus também impactam na saúde mental dos estudantes e professores na quarentena. É o que aponta a neuropsicóloga Lilian Grecu Serra. O cansaço psicológico também pode ser causado por um alto nível de cobrança, por isso Lilian ressalta a importância de o estudante não estabelecer metas altas para serem cumpridas. “É importante planejar uma rotina de estudos, separar um tempo para lazer, ter uma boa noite de sono, evitar excesso de informações negativas e realizar exercícios físicos”, aconselha a neuropsicóloga. Lilian também recomenda que alunos e professores comemorem pequenas conquistas e aproveitem para desfrutar da companhia de pessoas queridas que estão com eles isolados.


Atividade física é aliada contra Covid Especialistas ressaltam a necessidade de manter exercícios no período de isolamento social Arquivo Pessoal/Fabio Xavier

Arthur Machado Pedro França

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distanciamento social interrompeu a rotina da maioria das pessoas ao redor do mundo. Profissionais de diferentes áreas, idades e classes sociais viram-se trancados boa parte do tempo em casa, saindo apenas para tarefas essenciais, como uma ida à farmácia ou ao supermercado. Mas a necessidade de manter o corpo e a mente saudáveis continua. Principalmente em meio a uma pandemia. No dia 31 de março de 2020, a reportagem do Acontece conversou com profissionais da área de saúde corporal para discutir a importância da atividade física nesse momento em que academias e parques estão fechados e que o psicológico de muitas pessoas está abalado. A entrevista com o professor Fábio Xavier, 42, sócio-proprietário de um estúdio de pilates, e o personal trainer e pós-graduando pela Faculdade Inspirar Rodrigo Ferreira, 23, aconteceu por intermédio da internet, exatamente por conta das normas de isolamento social. Segundo Fábio, realizar exercícios físicos nesse momento é importante mais pelo equilíbrio mental e saúde corporal do que pelo aspecto estético. “A atividade física regula hormonalmente o corpo, interferindo diretamente no humor”, explica o professor de pilates. Rodrigo completa que um bom relacionamento com quem está isolado com você é consequência de uma manutenção saudável do corpo: “O bem estar com você mesmo e com os outros depende disso”. Se por um lado há pessoas que não costumam fazer atividades físicas com muita frequência, por outro há aquelas que treinam toda semana, em especial atletas que se preparam para competições ou que se exercitam sempre para manter o condicionamento físico. Esse segundo

Fábio orienta a aluna Eliete em aula a distância, realizada por videoconferência.

grupo de pessoas acabou sendo mais impactado pela quarentena. “Aqueles que vinham para a academia sempre e nela encontravam os amigos agora lidam mais intensamente com a ansiedade”, conta Rodrigo. O método de trabalho de Rodrigo é mais voltado ao exercício aeróbico. Ele explica que essa modalidade de exercício ajuda na prevenção contra o novo coronavírus e na recuperação de quem já o contraiu. “Grande parte das pessoas que faleceu em decorrência de alguma condição causada pelo vírus não praticava nenhuma atividade física e poderia ter tido um melhor resultado, se praticasse”, alerta. Fábio ressalta que o trabalho feito com o pilates prioriza o exercício tanto muscular quanto pulmonar

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e lembra que o pulmão é o principal órgão afetado pela doença. “O músculo do diafragma é intensamente trabalhado no exercício do pilates”, ressalta o professor. Houve também alunos dele que se recuperaram da Covid-19 e relataram que praticavam exercícios respiratórios regularmente. Nos últimos anos, as academias tiveram um crescimento considerável no setor econômico, movimentando US$ 2 bilhões em 2018, segundo o levantamento da IHRSA (Associação Internacional de Saúde e Esportes). Com a pandemia, os profissionais tiveram que se adaptar às recomendações sanitárias e suspenderam algumas atividades. Fábio, agora, leciona suas aulas via videoconferência e Rodrigo orienta seus alunos pelas redes sociais.


Entregadores na linha de frente Durante a pandemia, esses profissionais têm se arriscado para garantir o sustento Luca Boni

Lálio Carvalho Luca Boni

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esde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, o governo e a Organização Mundial da Saúde (OMS) orientam a população a permanecer em casa, em isolamento social. Por conta disso, uma das mais cobiçadas opções de lazer do paulistano foi interrompida: frequentar os diversos bares e restaurantes da cidade, seja para se confraternizar com amigos ou para provar um prato diferente do que se está acostumado a comer no dia a dia. Com o surto da Covid-19, esses estabelecimentos não puderam mais operar como de costume. Tiveram que se adaptar para conseguirem sobreviver e não fechar as portas. Muitos passaram a atender o cliente a distância, por intermédio da entrega em domicílio. Rodrigo dos Santos, entregador pelo aplicativo Rappi, fala sobre o aumento na demanda nesse período: “Durante a pandemia o nosso serviço foi mais procurado por diversas empresas, não só na área de restaurantes. Estamos trabalhando bastante”. Ele conta que fazer entregas acabou virando uma alternativa de sobrevivência nesse momento de crise e, com a entrada no setor de novas pessoas, a renda de quem já trabalhava no ramo caiu. “Muitas pessoas que ficaram desempregadas começaram a fazer serviços de entrega e o número de motoboys trabalhando nas ruas cresceu. Aí o dinheiro que a gente tira no final do mês não aumentou. Às vezes até ganhamos menos”, diz. Além da questão financeira, existe a preocupação com os riscos de se contaminar com o novo coronavírus, uma vez que esses trabalhadores acabam ficando mais expostos. Felipe Souza, que trabalha para o aplicativo iFood, explica como está agindo para se prevenir, com a ajuda da empresa. “A iFood criou uma nova forma de entrega para evitarmos o contato com o cliente. A gente combina um local

Serviços de entrega viraram alternativa para a sobrevivência.

para deixarmos a encomenda. O pagamento é feito online”, conta Felipe. Ele explica como o app está tratando os motoboys que vieram a contrair o vírus: “Eles criaram um fundo para dar suporte aos entregadores que estão com a Covid e não podem trabalhar”. A adaptação para se proteger contra o vírus não ocorre só com os motoboys. Quem pede comida por aplicativo também tem agido de forma mais cautelosa. É o caso da astróloga Patrícia da Silva: “Eu vou protegida, com máscara, e evito contatos desnecessários que antes eram comuns. Quando entro em casa, limpo e higienizo a embalagem com álcool 70%”.

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Dados divulgados pelo governo de São Paulo mostram que as mortes de motoboys quase dobraram no mês de março de 2020 em relação ao mesmo mês nos últimos dois anos. Foram 39 mortes contra 21 (em 2019) e 22 (em 2018). O presidente da AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), Edgar Francisco de Silva, afirmou em entrevista ao portal UOL, publicada no último dia 9 de junho, que o aumento está relacionado ao maior número de entregadores na rua e ao crescimento expressivo das entregas nos últimos meses, devido à pandemia.


Uma ameaça aos microempreendedores Proprietários de pequenos negócios sofrem com os efeitos da pandemia Arquivo Pessoal/ Kátia Costa

Maria Eduarda Paiva Rafael Sant’Ana

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pandemia do novo coronavírus impactou fortemente a economia mundial, diminuindo a demanda por produtos, fechando comércios e indústrias. Apenas estabelecimentos essenciais, como farmácias e supermercados, estão funcionando livremente. Todos os outros precisam manter as portas fechadas ou atuar com restrições. Os proprietários de pequenos negócios, em especial, foram os mais afetados. No início de 2020, o Brasil contava com um total de mais de 9,4 milhões de microempreendedores. São brasileiros que estabeleceram seus próprios negócios para escapar do desemprego. Para possuir o registro de MEI (Microempreendedor individual), criado pelo Governo Federal, é necessário, faturar no máximo R$ 81 mil por ano e não ter nenhuma participação em outra empresa como administrador ou sócio. No caso da receita ultrapassar R$ 360 mil ao ano, a empresa deve se encaixar em outra classificação: a de ME (Microempresa). Kátia Costa, 47, dona da Doce Festa, faz bolos, doces e salgados para celebrações. Ela conta que sofreu uma queda brusca nas vendas, mesmo trabalhando em casa e sem ter despesas com funcionários. “Os prejuízos foram inúmeros, os clientes quase não procuram mais meus trabalhos”, lamenta. Apesar das dificuldades, a microempreendedora está inovando para driblar a crise. Passou a impulsionar a divulgação de seu trabalho pelas redes sociais, anunciando que agora entrega seus produtos em domicílio, com seu próprio veículo. “Num primeiro momento faltou chão, mas tive que buscar uma solução, não tinha como simplesmente cruzar os braços e parar”. Na falta de entregas para buffets (que não estão realizando comemorações

Kátia precisou encontrar um jeito de continuar a vender seus produtos.

nessa fase), ela afirma que procura uma maneira de oferecer algo diferente, atendendo o cliente em casa. Sobre o isolamento social, Kátia opina que é uma medida necessária, mas ressalta que o choque de informações causa pavor na sociedade. Ela diz que, no Brasil, não há união para vencer a crise. “Fazemos parte de uma sociedade em que tudo vira política, independentemente de quantas vidas irão perecer”, conclui. No ramo de segurança e manutenção em condomínios a situação não é muito diferente. Marcos Yogulis, 45, sócio-proprietário da Simysat, empresa localizada na Baixada Santista, relata que o faturamento da empresa caiu em torno de 70% devido ao isolamento social, que o impede de acessar os prédios. Por esse motivo, foi necessário criar um acordo com os síndicos sobre as mensalidades de manutenção. Marcos afirma que manter os funcionários, os compromissos com os fornecedores e negociar dívidas com os bancos são as principais dificuldades. No momento, apenas visitas emergenciais em alguns condomínios podem ser agendadas. O sócio-proprietário considera importante o isolamento, porém lembra que tem muita gente depen-

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dendo dele para poder sustentar a família. “Pode chegar uma hora em que teremos que demitir funcionários ou até fechar a empresa”, diz. Para evitar isso, Yogulis defende a reabertura dos serviços, desde que as prevenções contra o novo coronavírus sejam tomadas. Postergar o pagamento de impostos, discutir renegociação de dívidas e receber ajuda do governo são caminhos para os empreendedores lidarem com a crise, afirma Fernando Rodrigues, 50, especialista no mercado financeiro. Para ele, é necessário priorizar a saúde desde que se ajude os empreendedores. “A normalidade ainda vai demorar para voltar. Mesmo com a reabertura do comércio, pequenas empresas terão que estar preparadas para viver um período de menos produção e vendas”, salienta. O governo do estado de São Paulo tomou algumas medidas direcionadas aos microempreededores, como a liberação de R$ 150 milhões através do programa Empreenda Rápido. Durante o período de pandemia, a ajuda do estado já totalizou R$ 600 milhões. Enquanto isso, o Congresso aprovou o auxílio emergencial de R$600, com duração de três meses.


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