Ponto de Vista: Augusto de Paula e Joviniano Neto falam sobre a Anistia no Brasil
ERGA Revista OMNES Escola de Magistrados da Bahia
“Tortura é um crime inafiançável e imprescritível. Discordo dos que dizem que a Lei da Anistia é válida também para os torturadores”. Nelson Pellegrino conta como foi viver na época da ditadura.
ERGA Revista OMNES Escola de Magistrados da Bahia
Ano I Nº 2 Março 2009 Salvador/BA
www.emab.com.br/ergaomnes Escola dos Magistrados (EMAB) Diretor: Rosalvo Augusto Vieira da Silva Coordenadores: Icaro Almeida Matos Márcio Reinaldo Miranda Braga Graça Marina Vieira da Silva Associação dos Magistrados da Bahia Gestão - 2008/2009 Presidente: Ubiratã Mariniello Pizzani
Conselho Editorial:
Revista Erga Omnes
Aurelino Otacílio P. Neto
Diretora Executiva: Graça Marina Vieira da Silva
Edson Pereira Filho
Articulistas convidados:
Graça Marina Vieira da Silva
Antônio Pessoa Cardoso
Walter Américo Caldas
Eduardo Augusto Leopoldino Santana
Ficha Técnica
Ely Christianne Esperon de Miranda Rosa
Jornalista Responsável: Vânia Lima (DRT 2170)
Indira Fábia dos Santos
Textos: Ana Rosa Passos (DRT3197), Jan Penalva
Gabriel de Moraes Gomes
Revisão de Textos: Rita Canário
Jonny Maycon dos Santos
Fotos: Jorge Riter e Jucelino Pacheco
Marcos Adriano da Silva Ledo
Acervo do Tribunal de Justiça e Acervo da AMAB
Nicia Olga Andrade Souza Dantas
Direção de Arte: Aline Cerqueira, Juliana Lima e Laís Vitoria-Regis
PatrÍcia Didier de Morais Pereira
Capa: Rafael Faria Lima
Rosemunda Souza Barreto
Projeto: Lima Comunicação
Zandra Anunciação Alvarez Parada
Pauta e Sugestões: Ana Rosa Passos imprensa@emab.com.br / 71 3321-1541 Atendimento: Lomanto Prazeres (71) 9118-1291 Lima Comunicação (71) 3240-6344 / 3240-6366
Esta revista é uma publicação educativa realizada pela Escola dos Magistrados da Bahia, com tiragem de 3.000 exemplares. Os artigos e reportagens assinados não expressam necessariamente a opinião da EMAB e são de responsabilidade de seus autores.
Rua Arquimedes Gonçalves, nº212, Jardim Baiano CEP. 40.050-300 - Salvador - BA - www.emab.com.br 2
Nesta edição
Coluna Olho Vivo - 5 Artigo: “Licitação Verde”. Des. Antônio Pessoa Cardoso - 6 Augusto de Paula
Ponto de Vista - 8 Após 30 anos a anistia continua em pauta Joviniano Neto e Augusto de Paula
Joviniano Neto
Sentença: “Ação de reintegração de posse” Juíza Ely Christiane Esperon de Miranda Rosa - 11
Artigo: “Relativização obrigatória do Contrato. A cobertura da inseminação artificial”. Juíza Nícia Olga Andrade Souza Dantas - 14
Sentença: “Defesa do Consumidor.” Juiz Eduardo Augusto Leopoldino Santana - 24
Artigo: “As medidas protetivas de urgência e a prisão preventiva em sede de violência doméstica
Nelson Pelegrino
e familiar contra mulher”. Juíza Zandra Anunciação Alvarez Parada - 28
Artigo: “A litigância de má-fé em sede de ações
Justiça.com - 35
coletivas: um assombro ao direito fundamental à
Sentença: “Ação de cobrança.” Juíza Indira Fábia dos Santos Meireles - 36
Noticias - 40
efetividade da tutela jurisdicional”. Juiz Marcos Adriano Silva Ledo - 55
Sentença: “Ação Civil Pública” Juiz Gabriel de Moraes Gomes - 66
Especial - 41 Entrevista: O Deputado Federal Nelson Pelegrino conta como foi viver na época da ditadura - 42
Sentença: “Eleitoral: Registro de candidatura às
Cultura - 71 Sentença: “Criminal-Tráfico de Drogas” Juíza Rosemunda Souza Barreto - 72
Noticias - 79
eleições majoritárias”
Artigo: “O perigo de irreversibilidade do provimento
Juíza Patrícia Didier de Morais Pereira - 44
antecipatório e o contraditório” Juiz Jonny Maycon dos Santos - 80
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Editorial
É com imensa satisfação que gestamos a mais recente edição da revista ERGA OMNES. Importante ressaltar que o exemplar aqui em suas mãos já é de uma nova revista. Uma ERGA OMNES com abordagem muito mais ampla e aprofundada, trazendo artigos científicos, acórdãos, sentenças e notícias atualizadas sobre a atividade da EMAB junto à magistratura na Bahia.
Neste ano em que comemoramos os 400 anos da Justiça Baiana, ficamos felizes por iniciar, através da nossa Escola, um processo importantíssimo de requalificação dos nossos magistrados, viabilizado a partir da assinatura de um convênio com o Tribunal de Justiça para a realização de cursos de Pós-graduação e do curso de Conciliação e Arbitragem.
Em uma de nossas principais matérias, abordamos o seminário “20 anos da Constituição Cidadã”, evento que reuniu os Três Poderes, com o objetivo de discutir temas fundamentais para a nossa sociedade, desde as liberdades individuais até o papel da Constituição do Estado Brasileiro. ERGA OMNES: acompanhe e comemore nossa Carta Magna! E se o nosso tema central é a Constituição, não podemos deixar de abordar a questão da anistia no mundo, especificamente no Brasil.
Desde quando Nelson Mandela assumiu o governo da África do Sul e imaginou uma nação com anistia plena, este tema tornou-se relevante para qualquer discussão acerca das liberdades individuais, ou seja, da própria democracia. Em coerentes e emotivos relatos, Joviniano Neto e Augusto de Paula, que vivenciaram ativamente esse processo, passam a limpo os bastidores dos acontecimentos marcantes que os envolveram e ao próprio País, ao final do governo militar e paralelamente à dissolução da maior ditadura já vivida, quando começou o governo civil no Brasil e instaurou-se a nossa anistia ampla. Anistia como uma tentativa de esquecer o passado. Porém, é justamente quando estamos livres que mais questionamos. ERGA OMNES. informe-se e tome partido.
Rosalvo Augusto Vieira da Silva Diretor - EMAB
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COLUNA Olho Vivo
Consumidor pode escolher livremente quem contratar para serviço de telefonia.
Consumidor não conhece os seus direitos.
fabricante. Outra garantia pouco observada é a garantia estendida, embutida no preço. Conhecida por poucos, ela é um seguro
A portabilidade numérica, possibilidade de o consumidor manter seu número de telefone quando mudar de operadora ou
fornecido pela loja, que amplia o
PROCON Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor
de endereço, vem crescendo em
Telecomunicações (ABRT) divulgou que aproximadamente 180.144 usuários já solicitaram a troca de operadora, desde o início da sua implantação. Válida para a telefonia fixa e a móvel, o usuário que quiser solicitar a portabilidade poderá fazer o pedido à operadora atual, à empresa que deseja contratar ou diretamente à ABRT, entidade que faz a ponte entre as duas empresas. O prazo para conclusão do pedido é de até cinco dias no primeiro ano
de
vigência
da
portabilidade. O custo para o consumidor
não
pode
ultrapassar R$ 4,00. Fique de olho!
se o bem adquirido apresentar algum problema, o conserto passa a ser de responsabilidade
todo o País. A Associação Brasileira de Recursos em
período de proteção do produto e,
Quem é que já teve problemas
da loja. Abra o olho!
com aparelhos eletroeletrônicos e não soube o que fazer? Pois bem, a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor da Bahia
Portabilidade de Carência dos Planos de Saúde foi Regulamentada
(Procon) esclarece que, ao adquirir um aparelho que
Muitas pessoas se prendem a um
apresente problemas de
plano de saúde, mesmo sem
funcionamento, o cliente deve
estar satisfeitas, por causa da
encaminhá-lo o mais breve
famosa “carência” (período em
possível à assistência técnica,
que o consumidor paga as
que tem 30 dias para solucionar o
mensalidades, mas não tem
problema. Isto não ocorrendo, o
direito de usufruir de todos os
consumidor deve exigir a troca do
benefícios contratados), só que
produto por um similar em perfeito
isso agora acabou! Em abril entra
estado ou solicitar desconto, caso
em vigor a mobilidade com
queira adquirir um produto com
portabilidade de carência, que
valor diferente. Outra opção é
proporciona mais facilidade ao
solicitar a devolução do valor
beneficiário, caso deseje trocar
pago, corrigido monetariamente.
de plano. Para saber como
O Procon também alerta que o
proceder fique de olho nas regras
consumidor deve observar as
que podem ser encontradas na
informações que acompanham os
resolução normativa RN nº. 186
produtos na loja própria, como as
de 14 de janeiro de 2009.
garantias, pois o prazo legal para qualquer produto é de 90 dias e só depois deste prazo vencido é que entra em vigor a garantia contratual estipulada pelo
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Artigo LICITAÇÃO VERDE
Antonio Pessoa Cardoso Desembargador Tribunal de Justiça
J
á dissemos e não comporta polêmica a afirmação de que a produção é
“Licitação é o procedimento
conseqüência do consumo, daí porque os
administrativo no qual a
dois juntos, produção e consumo, formam
Administração Pública convoca,
a origem de toda a degradação do meio ambiente. O consumidor, os órgãos públicos e privados, no
através de edital, empresas para apresentarem propostas para
ato da compra de qualquer produto, afetam, com
aquisição de produtos ou
maior ou menor impacto, a própria vida na terra;
serviços;”
aquela simples aquisição de um imóvel, de alimento outro qualquer bem deixa de ser ação de interesse imediato e individual para se tornar uma escolha com responsabilidade social e política.
oportunidade a todos e vantagens ao poder público.
Os cuidados primários com a natureza podem
Sustentáveis são produtos ou serviços que se
significar golpe para os empresários gananciosos e
mostram como eficientes, incluindo aspectos
descompromissados com o futuro da vida humana no
ambientais, a exemplo dos bens que se servem de
planeta; as sadias providências ambientais
menos recursos naturais: a água e energia; materiais
contribuem para evitar a destruição das matas e das
menos tóxicos; recicláveis; com maior vida útil e que
águas, a poluição desenfreada do ar que respiramos,
geram menos resíduos.
e confere às gerações futuras vida saudável.
As licitações sustentáveis não estão
Licitação é o procedimento administrativo no qual
regulamentadas pela Lei n. 8.666, nem por outra
a Administração Pública convoca, através de edital,
norma qualquer, mas mostra-se possível exigências
empresas para apresentarem propostas para
de proteção à natureza, na aquisição do produto ou
aquisição de produtos ou serviços; obriga-se o
serviço, pela sua discriminação.
Estado a contratar somente quem reúne condições
O Estado possui grande poder de compra, daí
para atendimento do interesse público, considerando
porque necessária a conscientização das
capacidade técnica do licitante, qualidade e valor do
autoridades para incrementar este tipo de cuidado
produto. É exigência constitucional para oferecer
com o ambiente.
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A Consumers International, entidade reconhecida
consta a exigência no edital, por falta de empresas
como a voz dos movimentos de consumidores de
com condições de atendimento, usa-se a
todo o mundo, conceituou consumo sustentável
recomendação para adquirir máquinas livres de
como sendo a opção por aquele produto que deve
chumbo, com componentes recicláveis e com baixo
“satisfazer às necessidades e aspirações da geração
consumo de energia.
atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras”.
No I Fórum de Contratações Públicas, realizado em Brasília, no ano passado, enfrentou-se essa polêmica
A certificação com o selo verde inserido em certos produtos presta-se para situar os limites ecológicos
questão, consistente na criação de padrões de consumo sustentáveis na Administração Pública.
da terra e mostra que são fabricados ou construídos em obediência às normas legais, causando menor impacto ambiental na produção e no consumo. O consumo verde, o prédio verde, a licitação verde retratam a preocupação de todo o povo com o processo acelerado de destruição do planeta. Até mesmo as edificações submetem-se à construção sustentável, através do selo conferido pela Leadership in Energy & Environmental Design (Leed). O Centro de Computação Eletrônica fornece o
“ O consumo verde, o prédio verde, a licitação verde retratam a preocupação de todo o povo com o processo acelerado de destruição do planeta.”
selo verde para as empresas que se preocupam com a preservação do ambiente, evitando o uso de substância tóxica na fabricação de equipamentos.
A Universidade de São Paulo inseriu o selo verde nas suas licitações para compra de computadores e outros produtos. Enquanto não
O Judiciário começa a enveredar pelo caminho verde, que implica certas medidas, como a limitação do uso do papel. O STJ e alguns tribunais de justiça dos estados já decretaram o fim do papel, através, do Diário de Justiça Eletrônico ou da economia no uso de
“satisfazer às necessidades e aspirações da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras”.
frente e verso do papel para impressão; o recarregamento do toner, mensagens via e-mail, o uso de ferramentas de gerenciamento de energia, os escritórios virtuais, o home Office via VPN, a audioconferência, a desnecessidade da presença física diária do profissional no local de trabalho, a diminuição das viagens são outras providências que contribuem para minorar danos ao meio ambiente.
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Ponto de vista ANISTIA CONTINUA EM PAUTA Em 2009, dois eventos comemoram 30 anos a aprovação, em 28 de agosto, da Lei da Anistia, e o II Congresso Nacional da Anistia, realizado em Salvador, de 15 a 18 de novembro, que denunciou a anistia como parcial e deliberou pelo prosseguimento da luta. A anistia permanece incompleta, gerando debates políticos, processos administrativos e judiciais. A campanha pela anistia, maximizada em 1978/79, foi instrumento de mobilização e unificação dos que lutavam pela redemocratização e pelo fim da Ditadura Militar. Forçou o General João Batista Figueiredo a conceder mais do que inicialmente aventara − a revisão dos processos. Pelo sucesso da pressão da sociedade, a maioria dos exilados pôde voltar; os presos políticos (pela lei ou pela revisão das penas) saíram das prisões; os cassados readquiriram direitos políticos, militantes saíram da clandestinidade. Lei aprovada, dentro de limites impostos por uma ditadura que pretendia uma transição tranqüila, ela foi, desde o início, denunciada. Assim, a campanha não resultou, conforme o significado etimológico da palavra, em “esquecimento”, mas prosseguiu pela ampliação da anistia e construção da memória e julgamento do Regime Militar. A EC 26 de 1985 e a Constituição de 1988 ampliaram o prazo (18/09/1946 até 05/10/1988) e os beneficiários (funcionários, dirigentes estudantis e sindicais). A Lei 9140/96 concedeu indenização a algumas famílias de mortos e desaparecidos. A Lei 0559/2002 concede reparação econômica a ser solicitada à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, aos perseguidos políticos. Cerca de 60 mil pessoas requereram a condição de anistiadas e/ou indenização, restando 25 mil processos a julgar. Outras pendências permanecem. Quanto aos mortos e
Joviniano Neto
desaparecidos políticos, a União reconheceu a sua responsabilidade e editou publicação na qual divulga o apurado sobre as circunstâncias das mortes. Mas a localização dos corpos é objeto de luta política e judicial. Sentença obriga a União a fornecer informações dos arquivos militares, mas o Min. da Defesa alega sua inexistência. Milhares de ossadas esperam exames de DNA para identificar militantes enterrados como indigentes. O tema mais polêmico é a extensão da anistia aos torturadores. A lei anistiou crimes políticos e conexos. Ao incluir o termo “conexo”, os militares lançaram a interpretação de que cobria todas as suas ações de repressão política. Significaria a anistia de pessoas não identificadas, nem punidas, por crimes que não admitem ter cometido. O processo aberto em São Paulo, a pedido do Ministério Público, pedindo a responsabilização, por tortura, de comandantes do DOI-CODI, na década de 1970, deflagrou, no fim de 2008, polêmica entre Ministério da Justiça e AGU, que alega ser a Lei da Anistia anterior à Constituição que torna a tortura imprescritível. A questão pende de decisão do STF. Por tudo isto, a luta pela anistia continua, pois a reconciliação do Brasil com sua história precisa se basear na verdade e na justiça.
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Joviniano S. de Carvalho Neto Cientista Político, Ex-presidente do Comitê Brasileiro Pela Anistia-BA, membro do Tortura Nunca Mais-BA
ANISTIA, 30 ANOS DEPOIS Que anistia temos e a que sempre desejamos e lutamos. O movimento da anistia surgiu na segunda metade dos anos 70, inicialmente de forma tímida e com alguma resistência por parte mesmo de alguns segmentos da esquerda. A luta pela anistia nasce com o Movimento Feminista Brasileiro, tendo à frente Tereza Zerbini, líder e fundadora do Movimento Feminino pela Anistia no Brasil. Só alguns anos depois, isto é, em 1978, é que são criados os Comitês Brasileiros pela Anistia em todo o Brasil. É importante buscar entender a anistia dentro de suas limitações, alias, elas são grandes, mas no primeiro momento não foram percebidas. A anistia, que em princípio significa perdão concedido pelo poder público em nome da harmonia social, teve, contudo, entre nós, outro significado: na época, os militares ainda detentores do poder − poder usurpado do povo com o golpe de 64 −, buscou muito mais encontrar um ponto comum entre os perseguidos políticos e seus torturadores, nas perspectivas da entrega do poder aos civis, porque já que era impossível continuar a governar o País com a ditadura. Enquanto os movimentos populares e organizados lutavam por uma anistia ampla e irrestrita, o governo, com seus aliados, restringiam o seu alcance, excluindo os militantes oposicionistas da ditadura militar que pegaram em armas, e incluíam de forma sórdida seus algozes, os verdadeiros terroristas que o Brasil conheceu: os TORTURADORES.
Augusto de Paula
Essa situação torna-se muito mais evidente depois de quase 30 anos da anistia, quando ainda se discute se é possível ou não processar e julgar os torturadores. E
toda essa discussão chegou, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal − STF. Outra coisa importante para se compreender verdadeiramente a anistia no Brasil é retornar às discussões travadas no fim dos anos 79, quando foi promulgada a Lei da Anistia, sob força de toda a mobilização nacional em torno da bandeira da ANISTIAAMPLA, GERAL E IRRESTRITA. Aqui vale um parêntese − Theodomiro Romeiro dos Santos foi o primeiro brasileiro condenado à morte naquele período, com base na famigerada Lei de Segurança Nacional. Sua pena tinha sido comutada por prisão perpétua e, mais tarde, reduzida para trinta anos. Ele vinha depois de nove anos de cumprimento de pena, mais as reduções e, por conta da nova Lei, foi requerida a liberdade condicional. O juiz auditor, em conversa com os advogados e familiares, inicialmente, afirmou que tudo que fosse requerido e estivesse dentro da Lei seria concedido, só que, depois, em despacho, ele afirmou: “se o governo não vai conceder anistia ampla e geral, não irei soltar Theodomiro”.
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Ponto de Vista
A decisão do juiz auditor, bem como suas declarações, fizeram com que a busca da liberdade, como dizíamos na época, se tornasse realidade e Theo, como era chamado pelos amigos, saiu da Lemos Brito buscando exílio na Nunciatura Apostólica − representação diplomática do Vaticano, indo posteriormente para o México, terminando na França, onde ficou exilado até poder retornar ao Brasil, na segunda metade dos anos 80, o que prova a limitação e o alcance da anistia no nosso país. Logo após o retorno do exílio, Thedomiro Romeiro dos Santos fez vestibular para Direito e hoje é juiz do Trabalho em Recife, no estado de Pernambuco. A anistia, da forma mesquinha como foi aprovada pelo Congresso Nacional, atingiu apenas os militantes presos ou exilados condenados apenas por um dos artigos da Lei de Segurança Nacional, era o artigo 43, que considerava crime organizar ou tentar reorganizar partidos ou organizações postas na clandestinidade. A pena prevista era de 2 a 5 anos de reclusão. Isso, na prática, significava que apenas uns poucos militantes presos seriam postos em liberdade, e todos os demais continuariam presos; mas como o governo militar resolveu fazer política e não apenas reprimir matando e torturando, criou uma nova Lei de Segurança Nacional, reduzindo significativamente as penas previstas na lei anterior. Com as reduções e adequação das penas, com base na nova lei, a grande maioria dos presos políticos pode requerer a liberdade condicional na medida em que também esta mesma maioria já estava presa há mais de nove anos. Só assim, efetivamente, os cárceres da ditadura começaram a se esvaziar, passando a imagem da conquista da anistia tão buscada pelo povo brasileiro naquele tempo. E é justo, por isso, que até hoje, trinta anos depois, ainda estejamos discutindo o verdadeiro alcance da Lei da Anistia. Hoje são os torturadores que buscam ser alcançados pela Lei da Anistia, esquecendo e tentando enganar a todos, principalmente as suas vítimas, mas não podem minimizar o fato de que a tortura é crime hediondo, imprescritível e considerado de lesa-humanidade.
Augusto de Paula Advogado e militante na luta pelos direitos humanos, Lei da Anistia − Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1978.
é um dos fundadores do
Decreto-Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969 (Lei de Segurança Nacional). Lei n. 6.620, de 17 de dezembro de 1978 (Nova Lei de Segurança Nacional).
Comitê Brasileiro pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita na Bahia.
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Sentença AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
Ely Christianne Esperon de Miranda Rosa Juíza de Direito Juízo de Direito da 6ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Feira de Santana - Bahia
Cuida-se de ação possessória, com pedidos
No mérito, pugna pela improcedência da pretensão
de manutenção na posse e fixação de multa em caso
autoral, ao argumento de que a relação contratual
de renovação da turbação, bem como a condenação
locatícia entre as partes teria se findado em
da ré em custas, despesas processuais e honorários
02/12/2002 e que, pelo fato de não ter sido o imóvel
advocatícios.
entregue no prazo, haveria sido proposta ação de
Como causa de pedir, afirma a parte autora que é locatária da unidade imobiliária situada na em logradouro determinado, e que vinha pagando regularmente os aluguéis do imóvel quando fora informada de que deveria desocupá-lo, em face de ter sido o bem alienado a terceiro. Assim, pretende a manutenção da posse do
despejo contra a Requerente, cujos pedidos foram exitosos. Acompanham a resposta os documentos de fls. 37/51 Réplica às fls. 55/65, em que são rebatidas as questões prévias levantadas e ratificada a argumentação já manifestada na petição inicial.
imóvel descrito na petição inicial, além da fixação de multa em caso de renovação da turbação.
É o Relatório. Decido.
Instruem a petição inicial os documentos de fls. 06-16. Deferimento da liminar requerida pela autora às fls. 17. Auto de efetivação da manutenção de posse (fl. 19)
A questão em análise comporta julgamento no estado em que se encontra, considerando o que prevê o artigo 330, I, do CPC. Constatamos, da análise dos documentos apresentados pelos litigantes, que a matéria
Citação regular, ex vi da certidão de fls. 27.
ventilada na presente ação possessória já foi objeto
Em contestação escrita (fls. 29/36), a parte ré
de duas decisões judiciais, as quais vieram a transitar
alega, preliminarmente, não ter havido pagamento
em julgado.
das custas processuais, haver coisa julgada, ser
Conforme certidão acostada nos autos (fl. 38), a
inepta a petição inicial, além da falta de interesse de
ora Ré propôs perante o Juizado Especial Cível de
agir.
Causas Comuns desta Comarca ação de despejo,
11
Ação de reintegração de posse
em face de a então autora ter seu pedido sido julgado
especificamente, a sua parte dispositiva, a partir do
procedente. Tal decisão, repita-se, transitou em
seu trânsito em julgado, tornando-a imutável e
julgado, sendo, então, determinada a imissão da ora
indiscutível.
requerida na posse do respectivo bem.
A coisa julgada é prevista na Constituição
Os documentos que instruem a contestação
Federal como sendo um direito fundamental (art. 5º,
da Ré noticiam, ainda, o fato de terem sido opostos
XXXVI), o qual assegura o valor segurança dos atos
Embargos de Terceiros pela agora Autora, sendo a
jurisdicionais. Tal bem jurídico, diga-se, está também
ação rejeitada liminarmente, em razão de terem sido
propagado no Preâmbulo da Carta Constitucional de
propostos pela mesma pessoa que figurou revel nos
1988 que, axiologicamente, pretendeu instituir um
autos da ação principal (despejo).
Estado Democrático destinado a garantir o exercício
Infere-se, ademais, da narrativa da
da segurança (lato sensu) aos cidadãos.
Requerida, confirmada pelos documentos já
O grande mestre processualista BARBOSA
destacados, que após terem sido prolatadas as
MOREIRA² nos traz uma lição que é de grande valia
decisões acima mencionadas, a Autora propôs,
para a compreensão do tema. Vejamos:
também, ação idêntica à presente (manutenção de a
“A segurança das relações sociais exige que a
posse), que foi distribuída para a 2 Vara Cível desta
autoridade da coisa julgada, uma vez estabelecida,
Comarca.
não fique demoradamente sujeita à possibilidade de
Importante destacar que o processo acima
remoção. Ainda quanto às sentenças eivadas de
referido foi julgado extinto, sem resolução do mérito,
vícios muito graves, a subsistência indefinida da
uma vez que o Magistrado sentenciante reconheceu
impugnabilidade, incompatível com a necessidade de
a inexistência de interesse de agir por parte da autora
certeza jurídica, não constituiria solução aceitável no
daquela ação que, diga-se, é a mesma da demanda
plano da política legislativa, por mais que em seu
presente.
favor se pretendesse argumentar com o mal que
Evidenciada está, desta forma, a ocorrência
decerto representa a eventualidade de um
de coisa julgada, a impedir a análise da questão por
prevalecimento definitivo do erro. O legislador dos
este Juízo.
tempos modernos, aqui e alhures, tem visto nesse o
Os artigos 467 e seguintes do Código de
mal menor. Daí a fixação de prazo para a
Processo Civil são esclarecedores da questão, dando ao intérprete da lei a necessária orientação acerca do tema. Diz-se, conceituando a coisa julgada material, que ela é a imutabilidade decorrente da sentença de mérito, que impede sua discussão posteriormente, em caráter extraprocessual, ou seja, tem seus efeitos operados inclusive fora do processo. Em verdade, tem-se que a coisa julgada é uma qualidade que adere ao conteúdo ¹ da sentença ou, mais
“A coisa julgada é prevista na Constituição Federal como sendo um direito fundamental (art. 5º, XXXVI), o qual assegura o valor segurança dos atos jurisdicionais.”
1 - Essa qualidade, diga-se, refere-se ao conteúdo e não aos efeitos da sentença, já que esses se projetam no mundo dos fatos e podem sofrer alterações. 2 - BARBOSAMOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 214.
12
impugnação; decorrido certo lapso de tempo, a sentença torna-se imune a qualquer ataque. É o que acontece na generalidade dos ordenamentos contemporâneos” A jurisprudência corrobora tal entendimento, nos seguintes termos: “a eficácia da coisa julgada não se limita a impedir a renovação de demanda idêntica à anterior, mas, fundamentalmente, impede que o desfecho do segundo processo entre as mesmas
“O esbulho é a mais grave das ofensas, porque despoja da posse o esbulhado, retirando-lhe por inteiro o poder de fato que exercia sobre a coisa”
partes contradiga o resultado prático do primeiro.” (RJTJRGS 254-173, acórdão relatado pelo Des. Araken de Assis.) Com efeito, verificamos não ser o caso de esbulho a justificar o cabimento da presente medida possessória. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, in Direito Civil Brasileiro, v. V, 2ª ed., p. 133: “O esbulho consiste no ato pelo qual o possuidor
aos meios previstos no ordenamento pátrio para defender seus interesses. Conclui-se, desta forma, ser impossível discutirse nesta via os fundamentos da sentença proferida na
se vê privado da posse mediante violência,
ação de despejo já referida.
clandestinidade ou abuso de confiança. Acarreta,
Por tais fundamentos, Julgo extinto o processo sem o exame do mérito, com fundamento no art. 267, V, do Código de Processo Civil. Considerando que a Autora alterou a verdade dos fatos, bem como procedeu de modo temerário (artigo 17, II e V, do CPC), atentando contra o princípio da lealdade processual que se impõe às partes litigantes, incidindo, assim, na prática de conduta caracterizada como litigância de má-fé, condeno-o a pagar multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, em favor da Requerida.
pois, a perda da posse contra a vontade do possuidor. O esbulho é a mais grave das ofensas, porque despoja da posse o esbulhado, retirando-lhe por inteiro o poder de fato que exercia sobre a coisa e tornando, assim, impossível a continuação do respectivo exercício. Em suma: o esbulhado perde a posse. A ação de reintegração de posse objetiva restaurar o desapossado na situação fática anterior, desfeita pelo esbulho.” (Grifos no original.) Por oportuno, vale transcrever as palavras do Eminente magistrado prolator da sentença apresentada no documento de fls. 44-45, senão vejamos: “A sentença referida pela parte autora não pode ser considerada ilegal, capaz de gerar turbação ou esbulho possessório, afinal, goza de legitimidade, até que se demonstre eventual irregularidade do
Condeno a Autora, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), a teor do disposto no parágrafo 4º do art. 20 do Código de Processo Civil.
decisum. A parte que sofrer os efeitos da sentença proferida em autos de que não foi parte deve recorrer”
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Artigo RELATIVIZAÇÃO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DO CONTRATO. A COBERTURA DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL.
Nicia Olga Andrade Souza Dantas Juíza de Direito 10ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais da Comarca de Salvador
A superação do “Pacta Sunt Servanda” na sociedade onde proliferam as relações contratuais de massa.
deve ser encarada como vontade livre e transparente no ambiente contratual, de maneira que a vontade e sua autonomia expressiva como fonte de legitimação do contrato, a vontade, não deixou de existir. O que
s duas grandes guerras mundiais
inexiste é a liberdade de contratar como dogma de
trouxeram para o mundo crises políticas,
única força criadora do contrato.
sociais e econômicas, levando os juristas
Como é cediço, na sociedade de consumo,
da época a refletirem sobre as
massificada, o individuo não mais é livre para
conseqüências humanas e sociais decorrentes da
contratar e discutir o conteúdo de seu contrato, sendo
intangibilidade dos efeitos do contrato, nas relações
livre para decidir, apenas, se vai aderir ou não ao
negociais, também denominada de princípio do pacta
contrato que lhe é oferecido.
sunt servanda, mandamento doutrinário baseado na
Em tal seara, o Dirigismo Contratual se instala.
igualdade contratual formal, criado para orientar a
Sua utilização se perfectibiliza nos contratos pré-
condução dos contratos paritários, que, todavia,
redigidos pelas empresas mediante Condições
perdeu sua força após a promulgação da
Gerais
Constituição Federal de 1988.
contratos discutidos individualmente pelas partes.
CONDGs, que são os substitutivos dos
A Carta Magna em vigor definiu uma tábua
Portanto, na declaração se quer ou não contratar, a
axiológica que condiciona todos os microssistemas à
regulação legal vem depois da vontade, de modo que
nova ordem constitucional, sob a premissa maior de
a vontade que cria o contrato e regula o ato jurídico
que a irretratabilidade das convenções contratuais,
negocial torna-se um ato de adesão.
consagradas nos mais diversos modelos sistêmicos
No ambiente de contratação em massa,
jurídicos e que se travestiram de injustiça e ruína para
proliferado no atual Mercado de grandes ofertas de
uma das partes quando era constatada a
bens de consumo, o Consumidor perdeu o direito de
impossibilidade material de cumprimento do
definir o conteúdo de seu contrato. A limitação da
contratado por força maior, caso fortuito ou
liberdade de contratar afasta a escolha de seu
circunstância imprevista no momento da contratação,
conteúdo, minimizada, somente, pela Teoria da
não mais podia prevalecer.
Relativização da força obrigatória do contrato, daí a
É certo que a vontade que regula o ato negocial
14
imperiosa intervenção do Poder Judiciário para fazer
do justo uma constante nas relações negociais.
empréstimo bancário, financiamento de bens e
Esta relativização não é fato novo, eis que vem de
valores, reajustamento econômico das dívidas
muitos anos. No passado, outros contratos de similar
agrícolas, contratos de seguro de saúde, todos
teor e que dependiam do futuro podiam ter seus
envolvendo questões importantíssimas para a
efeitos extintos ante a inequívoca impossibilidade de
preservação do Princípio da Dignidade da Pessoa
cumprimento sem prejuízo para uma das partes.
Humana, fundamento de nossa Constituição Federal.
Sob a total influência dos tribunais eclesiásticos e
A referência ao desuso doutrinário e interpretativo do
dos pós-glosadores ou bartolistas introduziu-se a
pacta sunt servanda, a sua decadência, pode ser
cláusula “contractus qui habent tractum sucessivum
constatada porque desde a promulgação da
et dependentiam de futuro rebus sic stantibus
Constituição Federal o contrato passou a ter função
interlliguntur”
ou seja, os contratos de trato
social e a definição de seu conteúdo tem limites
sucessivo, ou a termo, tinham vinculo obrigatório
legais. O Código de Defesa do Consumidor, nesse
estendido e subordinado ao ambiente de fato vigente
passo, regulou as relações de consumo,
à época da estipulação. Assim, a lógica da revisão e
influenciando as mudanças no projeto do atual
da relativização da força
Código Civil que, em seu artigo 421,
obrigatória do contrato ante o
também limitou a liberdade de
tempo e a influência de acontecimentos mutantes, já era prevista em outro quadro negocial das relações paritárias. Na época de sua aplicação, a teoria da imprevisão ficou adormecida por muito tempo,
“a formação do vínculo contratual com a simples regulação da vontade das partes, sem a observação das determinantes constitucionais e legais, é ilegítima”
contratar nos limites da função social do contrato. Assim, a formação do vínculo contratual com a simples regulação da vontade das partes, sem a observação das determinantes constitucionais e legais, é ilegítima, da
desse
mesma forma que na aplicação do
esquecimento, apenas, os Juízes
CDC, constatado qualquer abuso do
excluindo-se
italianos que continuaram a utilizá-la em
rol exemplificativo do seu art. 51, resta permitido ao
determinadas situações. Posteriormente, o assunto
juiz o controle judicial das cláusulas contratuais
voltou a despertar interesse, crescendo sobremodo
abusivas e desvantajosas (art. 6º, incisos IV e V). O
depois das grandes guerras mundiais. Com a
conteúdo dos contratos está regulado pelo poder
chegada da economia de massa, ocorreram sérios
estatal.
reflexos na doutrina e na teoria contratual, a principal delas limitando a liberdade de definir o conteúdo do
Mudanças da teoria contratual no código civil. O
contratar.
fim social do contrato.
A importância da mencionada Teoria reside na regulação do equilíbrio econômico-financeiro do
É importante, aqui e de logo, registrar a influência
contrato, equação que procura manter o sinalágma e
constitucional e consumerista na norma
a comutatividade, ante situações extraordinárias
infraconstitucional, eis que o CC 2002 trouxe muitas
muito comuns nos contratos de trato sucessivo e
inovações no particular, a maior delas retratada na
efeitos transcendentes, ou nos cativos de longa
referência expressa à boa-fé objetiva, entendida
duração, a exemplo dos contratos de locação,
como cláusula geral.
15
Relativização da força obrigatória do contrato. A cobertura de inseminação artificial.
Nos dizeres de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
contratual. Seguindo tal entendimento cita-se o
de Andrade Nery, cláusulas gerais são “normas
Enunciado n° 25 do Conselho Superior da Justiça
orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas
Federal, no sentido de que o art. 422 do Código Civil
precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo
não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio
tempo em que lhe dão liberdade para decidir.”¹ O art
da boa-fé nas fases pré e pós-contratual.
113 do CC é outra evidência da influência da
Diante da adoção, pelo CC 2002, de princípios
realidade socioeconômica no contrato. O legislador
constantes do CDC, da pluralidade de normas
incluiu neste artigo a boa-fé subjetiva, pois a norma
convergentes envolvendo os mesmos interesses
em comento possui natureza jurídica de interpretação
coletivos, difusos, individuais homogêneos ou até
do negócio jurídico e, nesse diapasão, o juiz deve
mesmo simplesmente individuais pode-se se aplicar
buscar a intenção das partes, consoante comando
as duas normas em colaboração, no denominado
inserto no artigo 112 do mesmo codex.
diálogo de fontes ( expressão do Professor Erick
Nesta singela análise, verifica-se que o pacta
Jaime³ ).
sunt servanda perde sua força, uma vez que o escrito no contrato deixa de ser lei entre as partes, a lei tornase fonte condutora contratual. O doutrinador Flávio Tartuce², em análise ao dispositivo ora comentado, afirma que nele já está consagrada a boa-fé objetiva como cláusula geral, apresentando como justificativa o fato de que boa-fé objetiva é composta pela boa-fé subjetiva (boa intenção) e probidade, mesmo que nele a expressão boa-fé apareça isoladamente. Também nesta linha de regulação, o art. 187 do Código Civil, que estabelece a boa-fé como limite ao exercício regular de direito. A regra jurídica em destaque trata da boa-fé objetiva, pois é classificada como regra de conduta, ou seja, impõe aos contratantes um agir de acordo com os princípios de boa-fé e probidade, que, como já exposto, podem ser traduzidos em agir com colaboração mútua, lealdade, razão, ética, conforme os bons usos e costumes, baseados na confiança recíproca. É cláusula geral, porque abstrata e genérica. Decorrente disso, a boa-fé objetiva deve ser observada na fase pré-contratual, durante a execução do contrato e também na fase pós-
A Teoria da Relativização da força obrigatória do contrato e o princípio da autonomia da vontade e da intervenção estatal. A autonomia da vontade continua sendo elemento formador do negócio contratual. A expressão da vontade sempre será elemento nuclear do contrato, visto que sua manifestação é indispensável à própria existência desse ato jurídico. Todavia, na sociedade onde proliferam os negócios em massa, esta vontade resulta limitada à declaração de dizer se quer ou não contratar, o que pode resultar em abusos de direitos. Perdeu o Consumidor o direito de redigir seu contrato, de poder discutir suas cláusulas e o conteúdo da avença. As longas discussões negociações, destarte, dão lugar ao “dirigismo contratual”, importando esta mudança na aceitação do contrato ditado por quem tem o poder de impor suas cláusulas, o contrato de adesão, que com suas condições gerais substitui o negócio jurídico bilateral, antes concluído individualmente. A contratação adesiva, dirigida pelo Fornecedor, não tem conteúdo ditado ou examinado pelo Consumidor, de maneira que os contratos de
1- NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 3. ed., Ed. Revista dos Tribunais. 2- TARTUCE, Flávio. A Função Social dos Contratos. São Paulo: Método, 2005. p. 168. 3- JAIME, ERICK. Course página 259, citado por Claudia Lima Marques “in” Contratos, o novo regime das relações contratuais, 4ª edição, revista, atualizada, incluindo mais de 1000 decisões jurisprudenciais, Biblioteca de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: p. 505.
16
massa, na nova ordem constitucional exigem o
verificação das imposições unilaterais abusivas, se
emprego de novas técnicas de contratação.
atropelam a segurança da boa-fé, do equilíbrio e da
A Constituição Federal “cuidou analiticamente
equidade contratual. Os microssistemas delimitam os
de diversos institutos do direito privado, embora
poderes da liberdade de expressão proibindo a
tenha tido o cuidado de fixar, em seus quatro
desigualdade no contrato.
primeiros artigos, os fundamentos e os princípios da
Estas limitações mexeram não só com a Teoria
República, de modo a vincular o legislador
Contratual, mas, também, com a Teoria da Oferta. Por
infraconstitucional e o intérprete a uma reunificação
exemplo, esta nova interpretação contratual vai
axiológica que independa da regulamentação
impedir que o Fornecedor se negue contratar com
específica de cada um dos setores do ordenamento.
determinadas pessoas que receberam suas ofertas,
(...). No que toca a Teoria Contratual, tal operação só
uma vez que as ofertas são vinculantes, vetores
se faz possível se os civilistas lograrem superar
informativos difusos, é um “quasi-contrato”. A recusa
vetusto preconceito, caracterizado pelo apego
do conteúdo da oferta tem prevista punição no art. 35
desmesurado à técnica da norma regulamentar.
do CDC, com desvantagens de ordem econômica. Claudia Lima Marques ressalta a lição
Parece que nós não conseguimos nos sentir destinatários da norma regulamentar.”
4
As novas técnicas levam em consideração o declínio da liberdade de definição do conteúdo contratual. A difusão das cláusulas gerais elege a importância dos tipos contratuais mitigando a teoria geral do
“Os efeitos contratuais vêm sofrendo mitigações diante da nova sistemática contratual do direito brasileiro, enormemente influenciada pelo fenômeno da constitucionalização do Direito Privado.”
de Jhering dizendo que “a tese é indiscutível. Relembre-se aqui que, desde Jhering e sua idéia de “culpa in contrahendo”, mesmo não nascendo o contrato, poderiam nascer obrigações de indenizar prejuízos para aquele que frustra a conclusão de um contrato com condutas reprováveis. Assim, no caso em exame, não haverá obrigação de
negócio jurídico para, assim, sem ser exaustivo, facilitar a atuação do intérprete. Esta
contratar “stricto sensu”, mas, uma punição,
alteração na metodologia de interpretação comprova
equivalente aos eventuais direitos oriundos do
que a Constituição Federal não é conjunto de
contrato, se for recusada a oferta. O surgimento das
princípios, mas um conjunto de normas jurídicas
cláusulas contratuais gerais com fins sociais e
aplicáveis ao caso concreto.
protetivos tem base na autonomia racional padrão, a
Tais mudanças, aliás, foram precedidas por uma Carta Política que ditou um novo modelo de agir
partir do direito de informação que leva o consumidor à reflexão.
social: o Direito do Consumidor. Da mesma forma o
Os efeitos contratuais vêm sofrendo
Direito Civil, cada um na sua especialidade e
mitigações diante da nova sistemática contratual do
amplitude de competência, cria um sistema para
direito brasileiro, enormemente influenciada pelo
minimizar os efeitos da limitação da liberdade de
fenômeno da constitucionalização do Direito Privado.
contratar: 1) verificação dos limites constitucionais; 2)
A relativização da força obrigatória importa em
4 - TEPEDINO, GUSTAVO. Temas de Direito Civil, 3ª edição, revista e atualizada, Renovar, Rio de Janeiro: 2004, p. 224. 5 - LIMA MARQUES, CLAUDIA. Contratos, o novo regime das relações contratuais, 4ª edição, revista, atualizada, incluindo mais de 1000 decisões jurisprudenciais, Biblioteca de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 225.
17
Relativização da força obrigatória do contrato. A cobertura de inseminação artificial.
destacar o papel da lei, “é a lei que reserva espaço
transparência de informação, um dos elementos do
para a autonomia da vontade, “para a auto-
Princípio da boa-fé objetiva, até e porque as cláusulas
6
regulamentação dos interesses privados”. ( artigos
acertadas individualmente prevalecem e derrogam
30, 34, 46, 48 e 52, do CDC).
as padronizadas.
No Contrato de Seguro de Saúde, por sua
Neste aspecto, não haverá problemas nem
natureza e objeto, aleatória e indivisível, veda a
motivo para argumentação de que não consta do
criação de cláusulas exclusivas de tratamentos ou de
“sistema administrativo do plano” a contratação
procedimentos curativos, mesmo que bem
individualizada porque quem alimenta o sistema é o
negritadas e bem informadas. São nulas estas
gestor, e este deve obediência à normatização
cláusulas, mesmo que delas tenha ciência o
imposta. Acrescente-se que os contratos de seguro
consumidor, porque o coloca em desvantagem
de saúde, além de aleatórios e comutativos, são
exagerada frente ao objeto especialíssimo do
contratos relacionais que travam com o consumidor
contrato: saúde. O juiz irá sempre afastar os seus
uma íntima dependência que se torna importante com
efeitos sem estar “quebrando o contrato ou a avença”
o protrair do tempo devido à vinculatividade. Esta
como se contra-argumenta. O contrato que fere o seu fim social, aviltando princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, não pode ser quebrado porque esta limitação é inexistente, não é ato jurídico válido. O juiz irá apenas formalizar a sua exclusão ou declaração de nulidade.
representa o interesse, uma
“A autorização constitucional da participação da assistência à saúde à iniciativa privada, art. 196, de forma complementar, não autoriza a transformação da saúde em “mercadoria”.”
Se, por exemplo, for feito o
contratação reflexiva, ampla, irrestrita, que alcance o sinistro doença. “Os contratos relacionais tendem, ao contrario, a fundir passado, presente e futuro num continuum, no qual, todavia, o presente, não importa quão aguda seja a consciência que dele se tem, é parte tanto do passado como do futuro, e eles, por sua vez, partem do
exame pré-admissional do Paciente na Apólice, este
mesmo presente (...). Os contratos descontínuos não
não serve de base para legitimar a exclusão, mas de
são imaginados para terem problemas.
respaldo técnico-médico para uma celebração de
expectativa que se tem sobre eles é a de que sejam
contrato personalíssimo e especial, sempre visando à
cumpridos ou, caso não o sejam, que tenham os
cobertura. Para isso, valer-se-á a seguradora de
efeitos do descumprimento completamente previstos
cálculos atuariais e sistemas de probabilidades para
pelo próprio contrato e pelo direito contratual que lhe
ampliar a cobertura e chegar a um prêmio razoável,
serve de referência.”
8
A
9
lembrando que a razoabilidade e a proporcionalidade
A autorização constitucional da participação da
não são princípios, são técnicas de interpretação. A
assistência à saúde à iniciativa privada, art. 196, de
Operadora tem superioridade econômica para criar
forma complementar, não autoriza a transformação
Grupos de Apólices com riscos especiais, sempre
da saúde em “mercadoria”. Saúde é direito
demonstrando os custos para não desprezar a
fundamental, exemplo clássico de dever-poder. É
6 - Op. Cit, Claudia Lima Marques, p. 227. 7 - PORTO MACEDO JUNIOR, RONALDO. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor, Max Limonad, São Paulo: 1998. 8 - Cf. decisão minha sobre Adimplemento Substancial nos Contratos Relacionais, processo 53554-0-2006, Juizado de Defesa do Consumidor, Faculdade Jorge Amado, Tribunal de Justiça da Bahia, Sistema de Juizados Especiais. 9 - Cf. op. Cit, Ronaldo Porto Macedo Junior, p. 209.
18
objetivo a ser alcançado, é serviço especialíssimo.
de uma declaração de gozo de saúde, para, em
Os serviços de saúde, públicos ou particulares, são
seguida, excluir sinistros inesperados até pelo próprio
de relevância pública. Há entre a saúde e os
consumidor. Se o consumidor concordar com o
princípios
exame, vale repetir, este dever servir de base para
constitucionais
conexão
e
intersetorialidade, daí não haver qualquer
uma contratação individualizada.
legitimidade para respaldos na exclusão por
O altíssimo número de demandas judiciais
imprevisão contratual ou engessamento de cláusulas
demonstram a inobservância pelos Fornecedores da
exclusivas de coberturas.
nova teoria contratual e pacificam a necessidade de
O segurado-paciente, ao celebrar o contrato,
aplicação do princípio do intervencionismo estatal
tem em mente não as exclusões, mas, as coberturas,
para relativização da noção de força obrigatória e
as curas que elas representam. A saúde como objeto
intangibilidade do contrato, sem o que a lei não será
de contrato privado não se desvincula do Princípio da
cumprida. “Assim, o princípio clássico de que o
Boa-fé e da Dignidade da Pessoa Humana. O seguro
contrato não poder ser modificado ou suprimido
de saúde traz uma promessa de qualidade, portanto,
senão através de uma nova manifestação volitiva das mesmas partes contratantes sofrerá
deve ser a sua execução fiel com o objeto especialíssimo do contrato: garantir a saúde do paciente. O que se constata atualmente é uma conduta inversa por parte das seguradoras: a praxe de glosas, contratação sob imposição de exclusões, privando o segurado de alcançar a
“O que se constata atualmente é uma conduta inversa por parte das seguradoras: a praxe de glosas, contratação sob imposição de exclusões, privando o segurado de alcançar a cobertura com preços melhores”
cobertura com preços melhores,
limitações (veja nesse sentido os incisos IV e V do art. 6º, do CDC). Aos juízes é agora permitido um controle de conteúdo do contrato, como no próprio Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, devendo ser suprimidas as clásulas abusivas e substituídas pela norma legal supletiva (art. 51 do CDC). É o intervencionismo estatal que, ao
uma vez que a Operadora tem condições de negociar
editar leis específicas, ode, por exemplo, inserir no
preços mais baixos por se encontrar no Mercado,
quadro das relações contratuais novas obrigações
adquirindo serviços em escala.
com base no Princípio da Boa-fé (dever de informar,
Muito comum, também, a limitação ou exclusão
obrigação de substituir peça, renovação automática,
de procedimentos científico e terapeuticamente
da locação etc), mesmo que as partes não as
modernos, responsáveis pela solução da cura e da
queiram, não as tenham previsto ou as tenham
vida saudável. Estas contratações abusivas levam o
expressamente excluído no instrumento contratual.
consumidor a buscar a intervenção judicial. A
Relembre-se, aqui, também, o enfraquecimento da
constante intervenção judicial reflete o humor abusivo
força vinculativa dos contratos através da possível
do Mercado de Seguros Privados de Saúde, que
aceitação da teoria da imprevisão.”
10
insistem em atropelar a Constituição Federal. Outro
A visão do autor português Menezes Cordeiro,
abuso comum é contratar sem conhecer o real estado
para as situações de impossibilidade superveniente,
de saúde do consumidor, impondo-lhe a subscrição
aplica-se para várias situações posteriores
10 - LIMA MARQUES, CLAUDIA. Contratos, o novo regime das relações contratuais, 4ª edição, revista, atualizada, incluindo mais de 1000 decisões jurisprudenciais, Biblioteca de Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2002, p. 227.
19
Relativização da força obrigatória do contrato. A cobertura de inseminação artificial.
satisfazendo bem o princípio da equidade e da
“ Não se trata de mera
confiança nos contratos. O mestre português expõe
faculdade do cidadão a de
uma dogmática que é tendência mundial. Diz ele que
procriar, a reprodução
a teoria do risco serve para duas definições
constitui-se em verdadeiro
importantes:
Direito Subjetivo, o qual sempre impõe um dever-ser
a) afasta a invocação de fato superveniente, pois o
correlato, que no caso
negócio tem seu risco natural, inerente, e, em
vertente gera efeitos erga
especial, nos contratos de seguros de saúde e; b)
omne”
prevê a repartição de custos somente quando não incidir a responsabilidade objetiva. Recomenda o manuseio do instituto do erro, do risco, do
outro é uma das vias mestras da constituição do
enriquecimento sem causa, função social do contrato
núcleo familiar. Desta forma, o Direito à Procriação
e boa-fé objetiva. Até o Princípio venire contra factum
decorre do Princípio da Dignidade da Pessoa
proprium serve para explicar que a modificação final
Humana.
ou durante a execução do contrato. No Direito
Não se trata de mera faculdade do cidadão a de
Brasileiro esta interpretação se ajusta quando a falha
procriar, a reprodução constitui-se em verdadeiro
for provocada no momento da contratação, pelo
Direito Subjetivo, o qual sempre impõe um dever-ser
Fornecedor, que aviltando a informação ou agindo em
correlato, que no caso vertente gera efeitos erga
detrimento da proteção dos interesses do
omne. Esses efeitos possuem dimensões negativas,
consumidor, não cumpriu sua parte na exploração de
atrelados ao dever de respeitar a escolha de ser
seguro de saúde, tratando-a como mercadoria,
genitor, como, também, dimensões positivas, que
legiferando contra os ditames constitucionais.
11
Fertilização in vitro. A concepção como direito
implicam em medidas concretas e hábeis a conferir a real chance de exercer o direito de procriar.
subjetivo interligado ao princípio da dignidade da
Nesse sentido, como dimensão positiva há as
pessoa humana. Procriação como direito à saúde
técnicas da medicina, que auxiliam a reprodução
física. Um exemplo de relativização dos limites do
humana e que constituem eficaz avanço no sentido
contrato pelo juiz.
de garantir o Direito Subjetivo à Procriação, por
O ciclo natural da vida impõe o nascimento, a reprodução e a morte, garantindo com isto a
atender o desejo de quem não pode conceber filhos de forma natural.
renovação e a perpetuação de toda a espécie. O ser
Poder-se-ia dizer que o direito de ser mãe está
humano só se sente saudável, a desfrutar de todas as
consubstanciado ao direito à liberdade, contudo o
experiências da vida, se estiver com suas funções
direito à liberdade de procriar, de ser pai, de ser mãe
vitais em plena aptidão de exercício. Inexistente a
está condicionado à capacidade reprodutiva, ao
possibilidade de procriar, os meios necessários a
funcionamento integral do aparelho reprodutivo. A
permitir a reprodução humana são deveres a serem
normalidade se caracteriza pela possibilidade de
concretizados pelo Estado como um Direito
reproduzir, sendo a infertilidade, portanto, uma
Fundamental, que de um lado garantirá a citada e do
alteração anormal da saúde humana, porque retira
11 - MENEZES CORDEIRO, ANTÔNIO MANUEL DA ROCHA, Da Boa-fè no Direito Civil, Editora Almedina, Coleções Teses, Coimbra, 2001, p. 1051 a 1097.
20
Do corpo uma de suas capacidades inerentes. Desta
Na perspectiva dos contratos securitários firmados
forma, se não preenchida as condições para o
antes ou após a vigência da Lei 9.656/98, a
exercício do direito à procriação, o direito à saúde que
Fornecedora tem que cobrir todos os tipos de
garante a proteção à integridade física e psicológica
doenças apresentadas pelo consumidor na
torna imperioso ser resolvido o problema da
modalidade contratada (hospitalar, ambulatorial,
infertilidade, para que se possa concretizar em ato o
obstétrica ou ambas), vedada a alegação de doença
pleno exercício da autonomia da vontade.
pré-existente. Se houver, ainda, declaração do
Não quer isto dizer que este direito pode ser
consumidor sobre doença pré-existente, esta não
exercido de forma absoluta, pois “A elevação da
será coberta nos primeiros 24 meses; decorrido este
liberdade de procriar à esfera de um direito subjetivo,
prazo, a cobertura será ampla. Deve, neste aspecto,
personalíssimo, implicaria no surgimento de
o preço do plano acompanhar tanto a inclusão como a
inúmeras questões, aparentemente, sem solução
exclusão dos dois primeiros anos, pois nestes há
adequada” . Cita Fernando Araújo os seguintes
diminuição dos riscos da empresa.
problemas que poderiam surgir dessa defesa: a
partes chegar a um consenso de aumento do prêmio
possibilidade de a mulher casada procriar,
eis que aumentados os custos das coberturas e os
independentemente da oposição do marido; direito
riscos da Seguradora com a inclusão das áleas, o que
de portadores de graves doenças genéticas e
a Resolução CONSU 2 denomina de agravo do
hereditárias de procriar ou de incapazes por defeito
contrato.
de idade ou mental, de ter acesso às técnicas de
14
Poderão as
A Resolução Normativa 167/2008, em seu artigo
12
reprodução assistida etc.” Conclui-se, assim, que o
13, parágrafo único, inciso III, exclui cobertura para
direito a procriar, assim como os demais, encontra
inseminação artificial. Não há duvida de que o Plano
limites na dignidade dos demais seres humanos,
pode excluir tratamentos, mas, com a edição da
razão pela qual, na medida em que o seu exercício
Medida Provisória de nº 1685, as exclusões da Lei
implicar lesão ou desrespeito aos demais, deverá ser
9.656/98 não podem alcançar o Rol da Classificação
revisto, ou até mesmo tolhido. Há o direito a procriar
Estatística Internacional de Doenças e Problemas
nas hipóteses em que o ato não configurar patentes
Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial
riscos à saúde ou à vida.
de Saúde, todavia esta exclusão está submissa ao
De mais a mais, o legislador brasileiro tem
controle legal do CDC, norma de tronco constitucional
demonstrado preocupação com o desenvolvimento
cuja antinomia é resolvida com sua superioridade,
de técnicas de procriação assistida, como o
afastando esta perturbação de interpretações.
tratamento para a infertilidade, e tomam esta como 13
critério legitimador ao direito à procriação. Pode-se afirmar, destarte, que sendo a fertilização in vitro um tratamento, esta deve ser incluída no rol das coberturas securitárias. 12 - AGUIR, MÔNICA. Direito à Filiação e Bioética, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2005, pág. 91. 13 - FERRAZ, SERGIO. Manipulações Biológicas e Princípios Constitucionais: uma introdução, Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, p. 45. 14 - FERREIRA ROCHA, SILVIO LUIZ. SAÚDE E RESPONSABILIDADE. Coordenação de Claudia Lima Marques, José Reinaldo de Lima Lopes, Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Editora Revista dos Tribunais, 1ª tiragem, agosto 1999 São Paulo. 15 - Texto do artigo 13, parágrafo único, inciso III, da Resolução Normativa 167/2008: técnica de reprodução assistida que inclui a manipulação de oócitos e esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de oócitos, indução da ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou transferência intratubária do zigoto, entre outras técnicas. Disponível em www.ans.gov.br.
21
Artigo
BREVES NOTAS ACERCA DA DISCIPLINA DAS TARIFAS DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA* A Constituição da República atribuiu à União a titularidade da prestação dos serviços de energia elétrica (art. 21, XII, “b”), tornando-os “serviços públicos” e instituindo um dever estatal de prestá-los. Como um típico dever constitucional de promover prestações positivas de caráter material, a disponibilização dos serviços de energia elétrica está sujeita à “reserva do financeiramente possível” tópico já amplamente invocado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e correspondente à viabilidade econômico-financeira e/ou fiscal da extensão e magnitude de uma determinada prestação estatal. Vislumbrando a conveniência de fazer frente a eventuais restrições fiscais, de financiabilidade, gerenciamento ou eficiência, o constituinte autorizou ainda que a prestação direta e material de tais serviços fosse delegada a agentes privados por meio de concessões ou permissões de serviço público. Tais concessões estruturam-se mediante um ordenamento jurídico particular ou microssistema instaurado, fundamentalmente, por meio da reserva legal constante do parágrafo único do art. 175 da Carta Magna (plasmado na forma clássica: “A lei disporá sobre: ...”). Tal reserva legal (vide, a respeito, a decisão do STF na ADC nº 9, DJU de 23.4.2004) delegou ao legislador a exclusividade na fixação de normas originais ou constitutivas nas matérias relativas (i) ao regime jurídico das concessionárias, (ii) aos direitos dos usuários, (iii) à política tarifária e (iv) à obrigação de prestar serviço adequado (nos termos dos quatro incisos do parágrafo único do mencionado art. 175) devendo as normas secundárias sobre tais matérias possuir fundamento em normas legais. Em breve síntese, as normas originais da “política tarifária” restaram reservadas à lei, que, por sua vez, introduziu um complexo institucional assim caracterizado: o serviço é prestado mediante contraprestação tarifária sob o regime do denominado “serviço pelo preço”, segundo o qual a tarifa inicial será fixada quando da licitação para a outorga do serviço (conforme a garantia constitucional de “manutenção das condições efetivas da proposta” oferecida em licitação, nos termos do inciso XXI do art. 37 da Constituição) e preservada segundo as regras de (i) revisão previstas no contrato de concessão (arts. 14, I, da Lei nº 9.427/96 e 9º da Lei nº 8.987/95); (ii)
o equilíbrio econômico-financeiro da concessão é fixado pelo contrato de concessão, de modo que o
cumprimento dos termos desse mesmo contrato constitui o critério último de preservação desse equilíbrio (art. 10 da Lei nº 8.987/95, em nova projeção do mencionado dever constitucional de “manutenção das condições efetivas da proposta” oferecida em licitação); (iii)
o regime econômico-financeiro das concessões incentiva e assegura aos concessionários a “apropriação de
ganhos de eficiência empresarial e da competitividade” (nos termos do inciso IV do art. 14 da Lei nº 9.427/96); e (iv)
as tarifas dos serviços públicos de energia elétrica são passíveis de reajuste e revisão pela Agência Nacional de
Energia Elétrica ANEEL “nas condições do respectivo contrato” (art. 15, IV, da Lei nº 9.427/96), restando, nos processos administrativos de revisão e reajuste de tarifas, “vedada a formulação de exigências que não se limitem à comprovação dos fatos alegados para a revisão ou reajuste, ou dos índices utilizados” (§ 1º do art. 15 da Lei nº 9.427/96). Resta evidente, destarte, que a revisão e o reajuste de tarifas pela ANEEL constituem atos vinculados,
22
Informe
Cujos parâmetros normativos decorrem direta e imediatamente da política tarifária fixada em lei e da disciplina prevista nos contratos de concessão (cujo cumprimento constitui, como visto, o próprio paradigma do equilíbrio econômico-financeiro da concessão), restando, reitere-se, “vedada a formulação de exigências que não se limitem à comprovação dos fatos alegados para a revisão ou reajuste, ou dos índices utilizados” (§ 1º do art. 15 da Lei nº 9.427/96). Se é estritamente factual a atividade de verificação da “comprovação dos fatos alegados para a revisão ou reajuste, ou dos índices utilizados” e se é vinculado o ato de fixação de tarifas, não há lugar, em tais matérias, para uma atuação discricionária da ANEEL, sob pena de violação à política tarifária fixada em lei e ao contrato de concessão. Do mesmo modo, inexistiria razão para que também o eventual controle judicial dos atos de fixação de reajustes e revisões tarifárias presumisse ou promovesse uma revisão de uma inexistente atuação discricionária que, se existente, seria, de resto, insuscetível de controle judicial. Assim, desde que a atuação da ANEEL paute-se pela observância das regras de reajuste e revisão constantes do contrato de concessão, nenhuma outra conduta ou intervenção pode ser-lhe exigida. Nem se argumente com o atributo de modicidade tarifária que, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.987/95, caracteriza o serviço adequado. Com efeito, a realização do escopo de modicidade tarifária jamais poderá ser invocada para uma juridicamente inviável pretensão eventual de inobservância do contrato de concessão e, conseqüentemente, de violação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. O escopo de modicidade tarifária e de inclusão dos consumidores cuja renda é incompatível com o pagamento integral da contraprestação pelo serviço deve ser buscado, sobretudo, por meio de mecanismos que, cuidando dos componentes estranhos aos custos do serviço e às garantias do contrato de concessão, introduzam subvenções aos consumidores de baixa renda (a exemplo do disposto no art. 5º da Lei nº 10.604/02) e/ou reduzam ônus tributários incidentes sobre as faturas dos referidos consumidores. Assim, restabelecer-se-á a perspectiva adequada sobre a modicidade tarifária: reporta-se ela a um conjunto de políticas públicas destinadas a minimizar os ônus alheios aos custos do serviço público e que devem ser instituídas diretamente pela União (e não pela ANEEL), sendo juridicamente inviável opô-la ao dever constitucional, legal e contratual de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Finalmente, para ilustrar tal compreensão do microssistema relativo às concessões de serviços públicos de energia elétrica e da política tarifária nele inserta, atente-se para o que recentemente ficou decidido pelo STF ao suspender liminar que proibira a concessão de novos reajustes ou revisões tarifárias enquanto se discutia a sua legitimidade: “A possibilidade de quebra reiterada do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sem possibilidade de correção das distorções, por decisão judicial, impõe elevado ônus não só à concessionária e ao Poder Concedente (ANEEL), mas também aos consumidores, pois coloca em risco a adequada prestação de serviços públicos, determinada pela Constituição Federal no artigo 37, caput e inciso XXI, e no artigo 175. Ao mesmo tempo, a decisão impugnada impede o regular exercício da competência reguladora da ANEEL no setor elétrico, para determinação de atos de revisão e reajuste tarifários (art. 3º e art. 15, IV, da Lei nº 9.427/96 c/c art. 4º, inciso X do Anexo I do Decreto nº 2.335/97).” (SL nº 251/SP, divulgação no DJU-e de 1º/08/2008). Tal decisão, em uma palavra, reafirma tanto a vinculação ao dever constitucional de preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão quanto ao dever legal da ANEEL de promover, em ato vinculado, tais reajustes e revisões tarifárias nos termos dos contratos de concessão.
*André Serrão Borges de Sampaio, mestre em Direito e Estado, ex-consultor-geral da União e membro do Núcleo Executivo e Coordenador do Comitê de Assessoramento Jurídico da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (2001-2002), é advogado.
23
Sentença DEFESA DO CONSUMIDOR
Eduardo Augusto Leopoldino Santana. Juiz de Direito Juizado Especial Cível da Comarca de Brumado
A solicitante, qualificada nos autos, ingressou com QUEIXA em face da empresa em questão.
requerido, mas, sim, pela forma como tratada pelo representante do mesmo, postura que exigiu da
Consta da petição inicial que a demandante
Autora um gasto razoável de tempo na busca
adquiriu junto à Concessionária em questão
reiterada de respostas, bem como do
estabelecida em Brumado, um automóvel, modelo
encaminhamento da cópia do contrato solicitada,
Gol, ano 2004/2005, na cor cinza, placa policial JOX
causando-lhe aborrecimentos sucessivos e
8108.
transtornos no trabalho, com elevação de sua Narra a autora que o pagamento daquele
pressão arterial, vez que é hipertensa, consoante
veículo automotor se deu da seguinte forma: “uma
prova o atestado médico incluso, assim provocando
entrada de R$ 10.000,00, à vista, e o restante do
um desgaste emocional, com prejuízos à sua saúde,
preço mediante financiamento, junto ao Requerido,
A demandante conta, ainda, que, valendo-se
o que poderia, sem dúvida, ter sido evitado”. A demandante, depois de examinar os comprovantes mensais de pagamento, verificou que lhe foi cobrada uma taxa de R$ 3,00, referente ao custo de cada folha do boleto de cobrança bancária, o que, segundo o seu entendimento, é totalmente inadmissível, consoante jurisprudência do STJ.
do disposto no CDC, deliberou efetuar a quitação
Pede indenização, por danos morais, em valor
antecipada do preço, quando restavam quatro
correspondente a pelo menos 15 vezes o montante
prestações a vencerem, tendo sido surpreendida com
de uma prestação mensal, e a condenação do réu a
a cobrança de “tarifa de quitação antecipada”, no
restituir à demandante, em dobro, a quantia cobrada
valor de R$ 64,73.
a título de tarifa de antecipação de quitação das
em trinta e seis parcelas fixas e mensais, conforme disposto no contrato nº 0011537881, do qual jamais foi entregue cópia à Autora, apesar dos seus insistentes apelos”.
Diz a autora que “a dor moral, passível de
parcelas devidas, bem como do valor indevidamente
indenização, resulta, não do seu aborrecimento em
exigido pela emissão de cada boleto de cobrança das
face da abusividade da cobrança efetuada pelo
parcelas mensais, num montante de R$ 345,46. O réu, em sua contestação, defende a legalidade
Requerido, mas, sim, pela forma como tratada pelo
24
da cobrança das tarifas de quitação antecipada de
-a, como consumidora, e, quando não anulou o
dívida e de emissão de boleto, eis que autorizadas
disposto no art. 52, § 2°, do CDC, pelo menos
pela Resolução 2878, do Banco Central do Brasil, e
diminuiu substancialmente o seu alcance.
previstas na Carta Circular 3176/2005.
Esse proceder claramente fere a boa-fé objetiva,
Alega, ainda, que seus prepostos não tratam
que deve pautar todos os contratos, sobretudo os de
ninguém de forma descortês, daí por que não é
consumo. Os bancos, em regra, deduzem os juros
verdade que a autora tenha sido maltratada. Diz,
futuros e encargos, como determina a lei, para, em
ainda, que a demandante, na realidade, quer se
seguida, acrescerem ao débito do consumidor outras
locupletar ilicitamente, quando almeja indenização,
quantias sob a rubrica da malfadada tarifa.
por danos morais.
No inciso III do art.4º do CDC, está previsto que a boa-fé deve, sempre, permear as “relações
É o relatório.
entre consumidores e fornecedores”. Incontestavelmente, não pode ser tomada por
O documento de fl.11, autenticado
prática comercial de boa-fé aquela que,
mecanicamente, dá conta de que
artificiosamente, dissimula sob o título
a demandante pagou R$64,73, a
de uma tarifa qualquer abrandamento indevido de direito, de ordem pública,
antecipada é manifestamente
“Está previsto que a boa-fé deve, sempre, permear as “relações entre consumidores e
abusiva e, pois, ilegal, ferindo os
fornecedores”.
geral, e impôs à demandante, em
título de tarifa de quitação antecipada de dívida. Dúvida não tenho de que a cobrança da tarifa de quitação
direitos do consumidor. E assim o é porque o Código de Defesa do Consumidor
assegurado ao consumidor pela letra da lei. Sob outra ótica, a prática do banco réu impõe ao consumidor em particular, desvantagem demasiada, assegurando, a si, correlata vantagem demasiada.
(Lei 8.078/90, art.52, §2º), textualmente, garante a
Considero que o exagero do proveito é
todo consumidor, quando se cuide de “outorga de
presumido legalmente (CDC, art.51, I, II e III), porque
crédito ou concessão de financiamento”, o direito à
malfere, como dito acima, o princípio da boa-fé, onera
“liquidação antecipada” de seu débito, “total ou
excessivamente o consumidor e lhe restringe direito
parcialmente, mediante redução proporcional dos
que, nos termos do art. 52, §2°, do CDC, é inerente
juros e demais acréscimos”.
aos contratos de outorga de crédito e financiamento:
Cláusula contratual que autorize a banco ou
Recentemente, sobreveio decisão do Tribunal
outra instituição similar cobrar a tarifa de quitação
de Justiça de São Paulo entendendo que a cobrança
antecipada é abusiva, nos exatos termos inciso IV do
de remuneração por pagamento antecipado de dívida
art.51 do CDC:
é abusiva. Adiante são transcritos alguns trechos do
Ao impor à demandante, a título de tarifa de
enfático e esclarecedor julgado:
quitação antecipada de dívida, o pagamento de valor que não seja o do saldo devedor, o banco réu se
“A Resolução 2.747 do banco Central do Brasil (cf. fls.
utilizou de estratagema que claramente onerou-
96/99), em seu art. 2, que alterou Resolução anterior,
25
DEFESA DO CONSUMIDOR
estabelece, taxativamente, as operações bancárias não sujeitas à remuneração. Isto quer dizer que, não estando proibida expressamente, a remuneração
“Um critério prático para se saber que a remuneração é ou não devida é indagar se o que se pede vai acarretar um trabalho a mais ou não,”
pode ser cobrada. É o caso da remuneração objeto da ação, consubstanciada em cobrança de encargos para a operação de pagamento antecipado. Pode haver cobrança por não estar incluída na relação do dispositivo acima referido. Não basta, porém, seja permitida. É necessário que não seja abusiva. Um critério prático para se saber que a remuneração é ou não devida é indagar se o que se pede vai acarretar um trabalho a mais ou não, relativamente àquilo que foi contratado ou ao que
Público
resulta do império da Lei. Pois bem, na hipótese
3.10.2007).
Rel. Desembargador Silveira Paulilo
j.
houve contratação expressa da possibilidade do pagamento antecipado que, de resto, também é
Igualmente abusiva é a cobrança de tarifa por
previsto em Lei. Se se trata de um direito assegurado
emissão de boleto de cobrança bancária, como já
no contrato, não pode o Banco cobrar nada pelo
reconhecido pela jurisprudência:
exercício desse direito. (...) É um abuso, portanto,
Apelações cíveis ação revisional contrato bancário
cobrar por algo que já era condição do contrato. (...)
juros remuneratórios contrato pactuado
Agora, pagar o que deve − e de forma antecipada − só
posteriormente à emenda constitucional nº 40/2003,
ocorre uma vez, pelo que não faz sentido cobrar pela
que revogou o § 3º do art. 192 da carta política
feitura de simples cálculos computadorizados e pela
limitados ao percentual de 12% ao ano, nos termos
emissão de uma guia ou boleto de pagamento, que
dos arts. 591 e 406 do código civil de 2002, c.c o § 1º
terá o mesmo processamento do pagamento de uma
do art. 161 do código tributário nacional capitalização
prestação qualquer, com algum adminículo de
mensal vedada impossibilidade de incidência da
anotação de quitação geral, o que seria feito mesmo
comissão de permanência substituição pelo igpm/fgv
ao final, caso não houvesse antecipação do
cobranças de taxas de abertura de crédito e emissão
pagamento.
de boleto abusividade recurso da autora provido e
Em suma, a cobrança de remuneração em
apelo da instituição financeira improvido.
tais condições é abusiva, pelo que violenta não só o
Nos contratos de mútuo feneratício formalizados
CDC, mas também todo o Direito posto, que não
após a Emenda Constitucional nº 40, de 20 de maio
compactua com qualquer tipo de cláusula contratual
de 2003, que revogou o § 3º do art. 192 da Carta
abusiva. Eis porque bem acolhida a ação neste
Magna, os juros remuneratórios não podem ser
aspecto. (...)
superiores ao percentual de 12% (doze por cento) ao
Agora, devolver a remuneração cobrada para
ano, tendo em vista que a taxa legal, atualmente
o pagamento antecipado, e devolver o que cobrou a
fixada pelos arts. 591 e 406 do novel Código Civil, c.c
este título, é obrigação do Banco.” (TJSP - Apelação
O § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, é de
Cível n° 7.123.452-1, Banco BMG S/A x Ministério
1% (um por cento) ao mês. Salvo em cédula de
26
crédito rural ou industrial, a capitalização dos juros deve ser anual, nos termos da parte final do art. 591 do Código Civil de 2002. É incabível a cobrança da comissão de permanência como fator de correção monetária, devendo ser utilizado o igpm/fgv, o qual melhor reflete a variação inflacionária do País. As cobranças de taxas de abertura de crédito e emissão de boleto bancário pela instituição financeira são consideradas abusivas. (TJMS 5/0000-00
Campo Grande
AC 2008.001566-
“É incabível a cobrança da comissão de permanência como fator de correção monetária, devendo ser utilizado o igpm/fgv, o qual melhor reflete a variação inflacionária do País”
Rel. Des. Paschoal
Carmello Leandro J. 18.03.2008) Impende salientar que o réu não negou que
hipertensas, como a autora confessou ser, daí por
cobrou a taxa de R$3,00 pelas 36 folhas de boletos
que não se pode dizer que a situação atestada no
bancários emitidas para que a autora quitasse,
documento de fl.13 decorreu dos alegados
mensalmente, a sua dívida, limitando-se a dizer que a
aborrecimentos/transtornos, em relação aos quais
respectiva cobrança se deu com respaldo em normas
ela sequer disse o dia em que supostamente
do Banco Central do Brasil. É dizer: admitiu que a
aconteceram.
cobrou.
Em face do exposto, julgo procedente o
Por causa disso, tenho como incontroverso o
pedido de restituição de indébito, motivo pelo qual
fato de ter a autora pago R$108,00 pelas folhas de
condeno a empresa me questão a restituir à
boletos bancários que lhe foram enviadas, para
solicitante a quantia de R$ 345, 46, equivalente ao
pagamento do seu débito.
dobro do que pagou indevidamente pelas taxas de
Sendo abusivas as tarifas de quitação
quitação antecipada de dívida e de emissão de boleto
antecipada de dívida (R$ 64,73) e emissão de boleto
bancário, acrescida de juros de mora de 01% ao mês
bancário (R$108,00), que foram pagas pela autora,
e correção monetária, incidentes desde a citação.
tem ela o “direito à repetição do indébito [R$172,73], por valor igual ao dobro do que pagou em excesso [perfazendo R$345,46], acrescido de correção monetária e juros legais” (art.42, parágrafo único).
Julgo improcedente o pedido de indenização, por danos morais. Sem custas e honorários, por conta do que dispõe o art.55, da Lei 9.099/95.
Quanto aos danos morais, necessário reconhecer-se que a demandante não provou que foi
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
destinatária de tratamento descortês ou desrespeitoso por prepostos do demandado, que tenha lhe exigido gasto razoável de tempo e lhe causado aborrecimentos sucessivos e transtornos no trabalho. E diferente não poderia ser, já que ela não produziu prova testemunhal. Impende dizer, ainda, que a elevação da pressão arterial é sintoma próprio das pessoas
27
Artigo AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E A PRISÃO PREVENTIVA EM SEDE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Zandra Anunciação Alvarez Parada Juíza de Direito Vara Criminal, Júri de Execuções Penais e Infância e Juventude da Comarca de Cícero Dantas
atribui-se à Constituição Federal de 1988 as
doméstica.
primeiras medidas de proteção jurídica à
Ademais, não é requisito para configuração da
mulher. A consolidação dessas medidas,
violência doméstica que agressor e agredida sejam
todavia, tornou-se efetiva com a
marido e mulher, porquanto a interpretação da lei leva
promulgação da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de
a concluir que pode ser sujeito ativo da violência
2006, denominada “Lei Maria da Penha”, que no art.
doméstica até mesmo outra mulher, desde que reste
1º cria “mecanismos para coibir e prevenir a violência
comprovado o vínculo de relação doméstica, de
doméstica e familiar contra a mulher”.
relação familiar ou de afetividade.
A abordagem da referida lei busca evidenciar a
Não importa quem figure no pólo ativo da violência
aplicação dos instrumentos cautelares previstos no
doméstica, entretanto, é requisito para configuração
referido diploma legal, como as medidas protetoras
desta violência que figure no pólo passivo uma
de urgência e prisão preventiva, no momento que o
mulher, não devendo com isto concluir que toda e
aparelho estatal toma conhecimento da prática de
qualquer violência contra a mulher seja considerada
violência doméstica e familiar cometida contra a
como doméstica, mas somente aquela decorrente do
mulher.
convívio familiar ou afetivo. Outrossim, a Lei Maria da Penha, expressamente
Conceito de violência doméstica No primeiro momento, a Lei Maria da Penha tratou de definir a violência doméstica; posteriormente, estabeleceu o âmbito em que ela se configura, ou seja, pode ocorrer no âmbito da unidade doméstica,
no art. 5º, parágrafo único, dispõe que as relações pessoais tratadas neste artigo independem da orientação sexual, de forma que a violência doméstica pode se perpetrar nas uniões homoafetivas.
no âmbito da família ou mesmo em qualquer relação íntima de afeto.
Das formas de violência contra a mulher
Vale observar a ressalva feita pela lei, de forma
Quando se fala em violência doméstica contra a
expressa, no inciso III, no que tange à
mulher, a primeira idéia que surge é referente à
desnecessidade de vítima e agressor viverem sob o
violência física, a vis corporalis, comumente
mesmo teto para que se configure violência
chamada de vias de fato, daí a importância da Lei
28
chamada de vias de fato, daí a importância da Lei ter mencionado expressamente outros tipos de violência
“A Lei Maria da Penha somente alterou a pena de 6 meses a um ano, passando para 3 meses a 3 anos.”
doméstica que se pode perpetrar contra a mulher, verificando-se, assim, que a violência física não é apenas a única forma de violência doméstica contra a mulher. Ocorre que a violência doméstica, antes do advento da Lei Maria da Penha, configurava hipótese de lesão corporal qualificada, inserida no Código Penal no ano de 2004, acrescentando o §9º ao art. ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”.
companheiro, ou com quem conviva ou tenha
Entretanto, diante do descuido da lei, a violência
convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das
sexual cometida no âmbito doméstico dará ensejo ao
relações domésticas, de coabitação ou de
aumento de pena em face da agravante genérica do
hospitalidade”. A Lei Maria da Penha somente alterou
art. 61, II, f, do CP, e não da majorante dos crimes
a pena de 6 meses a um ano, passando para 3 meses
sexuais, inserida no art. 226 do Código Penal.
129 do CP: “Se a lesão for praticada contra
a 3 anos.¹
2
Uma espécie de violência doméstica que pode ser
Outra forma de violência doméstica contra a
praticada contra a mulher sem que haja algum dano a
mulher é a violência psicológica, embora tenha a
sua saúde física ou psicológica é a violência
expressão criticada pela doutrina, ao argumentar que
patrimonial, definida no Código Penal entre os delitos
todo crime gera um dano emocional à vítima,
contra o patrimônio.
independentemente de esta ser mulher, sendo que
Com o reconhecimento pela Lei Maria da Penha
um delito praticado mediante este tipo de violência
da violência patrimonial, não se aplicam as
gera um aumento da pena, conforme disposição do
imunidades dos arts. 181 e 182 do CP, quando a
art. 61, II, f, CP.
vítima é mulher e mantém um vínculo familiar com o
Os crimes contra os costumes tratados no
autor da infração, não se admitindo o afastamento da
Código Penal a partir do art. 213 configuram violência
pena por ser o infrator, por exemplo, cônjuge da
sexual, e se perpetrados contra a mulher no âmbito
vítima ou até mesmo alguma parente do sexo
das relações domésticas, familiares ou de afeto
feminino.³
constitui violência doméstica, de forma que o agressor será submetido à Lei Maria da Penha.
Por fim, a lei tratou da violência moral compreendendo qualquer conduta capaz de
No art. 226, II, do CP à prática de qualquer dos
configurar calúnia, difamação ou injúria, encontrando
crimes sexuais enseja que a pena seja aumentada da
amparo nos delitos contra a honra tipificados no
metade: “II − se o agente é ascendente, padrasto ou
Código Penal, nos arts. 138, 139 e 140.
madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor,
Note-se que este rol elencado pela lei não é
curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre
numerus clausus, tendo em vista a utilização da expressão “entre outras”, logo pode haver outras
1 - DIAS. Op.cit. p. 47. 2 - DIAS.Op.cit. P.50. 3 - IDEM. p. 52. 29
As medidas protetivas de urgência e a prisão preventiva em sede de violência doméstica e familiar contra a mulher
ações que embora não estejam previstas na lei
devem ser denunciados. Para a configuração do
configuram violência doméstica e familiar contra a
dano psicológico não é necessária a elaboração de
mulher.
laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida
No entanto, as ações não elencadas pela lei como violência doméstica podem gerar a adoção de medidas protetivas na seara civil, porém não na esfera penal, diante da ausência de tipicidade.
4
pelo juiz sua ocorrência, é cabível a concessão de medida protetiva de urgência.
5
Ocorre que, por possuir a natureza jurídica de medidas cautelares, o magistrado deve observar, para a sua decretação, a presença do fumus
Das medidas protetivas de urgência
commissi delicti e do periculum in mora, haja vista que, sem tais pressupostos, ilegítima será a
As agressões à mulher podem ser visíveis e
imposição de tais medidas.6
demonstráveis, através de testemunhas ou vestígios,
Seguindo esse raciocínio, verifica-se que diante
quando decorrentes de embates físicos e
de uma situação de flagrante necessidade de
patrimoniais, existindo, na maioria das vezes,
concessão de tutela, independente do exame
elementos de provas autorizadoras
pericial, pode o magistrado
da aplicação de medidas protetivas
conceder as medidas que
de urgência ou, excepcionalmente, a decretação da prisão preventiva. O mesmo não ocorre com as agressões de cunho psicológico, moral e sexual. Estas, normalmente, acontecem na i n t i m i d a d e d o l a r, l o n g e d e
“Verifica-se que diante de uma situação de flagrante necessidade de concessão de tutela, independente do exame pericial”
entender cabíveis, com o fito de que cesse a violência contra a mulher. Malgrado não seja necessário de imediato a realização de exames periciais, quando do
testemunhas e comprovações
requerimento de medidas
concretas, dificultando a aplicação de
protetivas de urgência, durante a
medidas necessárias e urgentes,
fase das investigações deve a
capazes de estancar tais violências, cujas
autoridade policial determinar a realização de exame
características e conseqüências não são de menos
de corpo de delito e de outros exames periciais que se
importância e, muitas vezes, deixam marcas
fizerem necessários (art.12, IV).
emocionais indeléveis, que podem superar aquelas deixadas por agressões físicas e patrimoniais. Diante desta questão, é mister ressalvar o comentário de Maria Berenice Dias:
Foi estipulado pela Lei nº 11.340/06 um prazo de 48 horas para que o magistrado possa conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência (art.18); tais medidas podem
A vítima muitas vezes nem se dá conta de que as
ser requeridas pelo Ministério Público ou a pedido da
agressões verbais, silêncios prolongados, tensões,
própria ofendida, consoante o disposto no art. 19 da
manipulações de atos e desejos são violência e
lei supramencionada. A Lei Maria da Penha dedicou um capítulo
4 - DIAS. Op.cit. P.46. 5 - DIAS. Op.cit. p.48. 6 - MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha e suas inconstitucionalidades . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1507, 17 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10291>.Acesso em: 17/01/2008.
30
específico às medidas protetivas de urgência, elencando um rol apenas exemplificativo, sendo o
“A Lei Maria da Penha dedicou um capítulo específico às medidas protetivas de urgência”
propósito principal dar efetividade aos preceitos estabelecidos pela lei, objetivando, ainda, com essas medidas, assegurar à mulher uma vida sem violência. No rol das medidas protetivas de urgência, dedicadas em capítulo específico, existem aquelas medidas que obrigam o agressor e aquelas que protegem a vítima, consistindo em um rol de medidas de caráter exemplificativo, visto que passíveis de serem concedidas outras que não estejam discriminadas na lei.
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de
O art. 22 da Lei nº 11.340/06 estabelece que, tendo sido constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de i m e d i a t o , a o a g r e s s o r, e m c o n j u n t o o u separadamente, medidas protetivas de urgência. Dentre essas medidas, pode-se destacar como
distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
primeira medida a ser tomada, a referente ao
Podem também ser restringidas, ou mesmo
desarmamento do agressor por meio da suspensão
suspensas, visitas aos dependentes menores, caso
do porte de arma ou mesmo restringindo o seu uso
haja risco à integridade dos filhos, devendo ser
(art. 22, I).
ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou
Entretanto, caso o uso ou o porte sejam ilegais, a autoridade policial deve tomar as medidas necessárias, uma vez tendo se configurado a prática de algum delito previsto na lei.
7
serviço similar, visando a preservar a relação entre pais e filhos (art. 22, IV). Estão inseridas no artigo medidas que obrigam o agressor à prestação de alimentos provisionais ou
Outra medida que pode ser imposta é o
provisórios (art. 22, V), que podem ser requeridas ao
afastamento do lar, domicílio ou local de convivência
juiz, uma vez configurada a violência doméstica, sem
com a ofendida (art. 22, II), principalmente se a
a necessidade de ser intentada ação de alimentos
violência perpetrada pelo agressor for a violência
perante a Vara de Família para que a vítima requeira a
física, sendo esta medida cabível com o fito de
prestação de alimentos.
impedir a continuação desta violência ou mesmo que ela evolua para um homicídio.
Destarte, o §1º do art. 22 dispõe que: “As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de
A lei ainda traz uma série de condutas de que o
outras previstas na legislação em vigor, sempre que a
magistrado pode se valer para proibir o agressor de
segurança da ofendida ou as circunstâncias o
continuar realizando a violência doméstica:
exigirem, devendo a providência ser comunicada ao
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
Ministério Público”. Diante da necessidade de resguardar a
7 - DIAS. Op.cit.p.82.
31
As medidas protetivas de urgência e a prisão preventiva em sede de violência doméstica e familiar contra a mulher
Integridade da vítima de violência doméstica e
tomadas para que cesse a violência doméstica.
familiar, o art. 23 da Lei Maria da Penha apresenta
Verificadas as medidas que visam proteger a
medidas protetivas de urgência que podem ser
incolumidade física e psicológica da vítima de
tomadas em favor da mulher vítima deste tipo de
violência doméstica, é imperioso mencionar o rol de
violência.
medidas elencadas pela lei, com o fito de proteger o
O juiz pode determinar que se proceda ao
patrimônio da vítima.
encaminhamento da ofendida e seus dependentes a
Quando se tratam de bens da vítima que
programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (art. 23, I), ou até mesmo a autoridade policial pode determinar esta medida (art. 11, III).
foram subtraídos pelo ofensor indevidamente, o juiz
Além disso, como medidas que podem ser
poderá determinar, liminarmente, que estes sejam restituídos de imediato à vítima (art. 24, I), tanto os bens particulares quanto os comuns ao casal, haja vista o direito da vítima a metade do acervo comum.
impostas, encontra-se a recondução da ofendida e a
Cabe à vítima de violência doméstica, através
de seus dependentes ao respectivo domicílio, após
de uma medida protetiva de urgência, insurgir-se
afastamento do agressor (art. 23,
contra a celebração de atos e
II), podendo também ser
contratos de compra, venda e
determinado o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos (art. 23, III). Ta i s m e d i d a s a c i m a descritas, por serem de caráter
“ é imperioso mencionar o rol de medidas elencadas pela lei, com o fito de proteger o patrimônio da vítima”
locação de propriedade em comum, com o objetivo de tutelar seus interesses ou o da família (art.24, II), devendo essa proibição temporária ser comunicada ao Cartório de Registro de Imóveis.
protetivo, podem ser requeridas
Há a possibilidade, ainda, de
pela vítima, através de medida
o juiz suspender procurações
cautelar (CPC, Art. 888, VI),
conferidas pela ofendida ao agressor
perante o JVDFM, e enquanto não instalados perante
(art. 24, III), em sede de liminar, comunicando, neste
o juízo cível, contudo, tais medidas podem também
caso, ao Cartório de Notas, sendo questionado por
ser requeridas pela vítima à autoridade policial, que
Maria Berenice Dias o fato de a lei fazer referência ao
tratará de enviar ao juiz.8
termo suspensão de procurações, quando deveria
No que tange à separação de corpos, inserida
mencionar revogação do mandato.
10
como medida protetiva no art. 23, inciso IV, Lei nº
Pode ser determinado que o agressor preste
11.340/06, esta pode ser deferida quer seja a vítima
caução provisória, mediante depósito judicial, por
casada ou conviva em união estável.
perdas e danos materiais decorrentes da prática de
Desta forma, estas medidas que protegem a
violência doméstica e familiar contra a ofendida (art.
vítima podem ser deferidas pelo juiz
24, IV), tratando-se, assim, de medida de caráter
independentemente de outras que tenham sido
cautelar.
requeridas, importando que providências sejam
8 - DIAS.Op.cit.p.83/84. 9 - IDEM. p. 84. 10 - DIAS. Op.cit. P.91/92.
32
As medidas vistas neste artigo se revestem de
natureza extrapenal, de sorte que podem ser formuladas perante autoridade policial, ou mesmo
“ A Lei Maria da Penha promoveu alterações não somente no Código Penal, mas também no Código de Processo Penal”
pode a vítima, através da jurisdição cível, pleitear seus direitos por meio das medidas cautelares.
11
Prisão preventiva do agressor A Lei Maria da Penha promoveu alterações não somente no Código Penal, mas também no Código de Processo Penal, no art. 313, IV: “Se o crime envolver
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.
concorda tratar-se de uma nova hipótese de prisão
Outrossim, o artigo 313, em seu caput, dispõe: “Em
prisão preventiva e, sim, da velha prisão preventiva,
qualquer das circunstâncias, previstas no artigo
prevista nos arts..311 a 316 do Código de Processo
anterior, será admitida a decretação da prisão
Penal, chamada à aplicação nas infrações penais
preventiva nos crimes dolosos”.
decorrentes de violência doméstica e familiar contra a
preventiva: ''Não se trata de uma nova espécie de
13
Saliente-se que o caput do art. 313 faz referência aos crimes dolosos, de forma que não se admitirá a decretação da prisão preventiva, nas hipóteses elencadas no artigo, em casos de crimes culposos e nas contravenções.
mulher”.
Em sentido contrário caminha Maria Berenice Dias, ao demonstrar o seguinte posicionamento: Ora, exigir a presença de todos os pressupostos legais que já se encontravam na lei
Para alguns doutrinadores, trata-se de uma
afastaria qualquer justificativa para a nova hipótese
nova hipótese de prisão preventiva, como bem
de prisão preventiva, tornando despicienda a
ressalta Eduardo Luiz Santos Cabette, mencionando
alteração levada a efeito pela Lei Maria da Penha.
ainda que os requisitos do artigo 312 do CPP devem
Basta a necessidade de assegurar a eficácia das
ser preenchidos, quais sejam: garantia da ordem
medidas protetivas de urgência, se estas, por si só, se
pública, da ordem econômica, conveniência da
revelarem ineficazes para a tutela da mulher, para
instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da
que o juiz decrete a prisão preventiva do agressor.
lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria.
12
14
Assim, em que pese posicionamento contrário, o intuito do legislador ao inserir a prisão preventiva no
Compartilhando desse entendimento,
âmbito da violência doméstica, e para tanto inserindo
Marcelo Lessa Bastos limita a possibilidade de
esta hipótese no artigo 313 do CPP, foi justamente
decretação da preventiva tão somente aos crimes
assegurar que os casos de violência doméstica não
dolosos, considerando indispensável à presença dos
ficassem sem o amparo do instituto da prisão
requisitos constantes no art. 312, entretanto, não
preventiva, por falta de previsão legal, de sorte que a
12 - CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8822>.Acesso em: 20/01/2008. 13 - BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei “Maria da Penha”. Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006.Acesso em: 20/01/07. 14 - DIAS. Op.cit.p.103.
33
As medidas protetivas de urgência e a prisão preventiva em sede de violência doméstica e familiar contra a mulher
familiar contra a mulher, não será necessário recorrer
“ a hipótese de prisão preventiva em face da violência doméstica contra mulher constitui um avanço”
ao inciso IV, cabendo a prisão preventiva, independentemente da eficácia ou não das outras medidas protetivas de urgência, diante das hipóteses 16
que foram estabelecidas nos incisos I, II e III.
Em sendo assim, o artigo 20 da Lei Maria da Penha determina que: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
prisão preventiva nestes casos constitui mais um
representação da autoridade policial”.
instrumento de garantia ao direito fundamental da mulher de manter sua integridade.
Além disso, no parágrafo único do supracitado artigo é mencionado que: “O juiz poderá revogar a
Merece atenção o comentário trazido por Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, acerca da prisão preventiva:
prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.
Essa é uma nova motivação autorizadora da prisão preventiva no Brasil. Não há dúvida que o juiz deve fundamentar essa medida cautelar pessoal. Aliás, tríplice é a fundamentação: fática (impõe-se descrever com precisão os fatos ensejadores da medida), legal (finalidade de assegurar a execução
Tal dispositivo, aliás, já se encontrava disposto no CPP, tanto o seu caput quanto o p a r á g r a f o ú n i c o , n o s a r t s . 3 11 e 3 1 6 , respectivamente, de modo que a novel legislação somente tratou de reforçar para que não transparecesse qualquer dúvida.
das medidas protetivas de urgência) e constitucional (demonstração da necessidade concreta da prisão, visto que se trata de uma medida de ultima ratio).
15
Dentro dessa perspectiva, a prisão preventiva é considerada medida excepcional e, subsidiária às outras medidas cautelares, definidas como protetivas
Deste modo, a hipótese de prisão preventiva em face da violência doméstica contra mulher constitui um avanço, haja vista que trata este tipo de violência com a devida gravidade, tendo o intuito principal de assegurar o respeito às medidas protetivas de urgência.
de urgência, cabendo assim nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, tratadas exclusivamente no inciso IV do art. 313, para assegurar a eficácia das medidas protetivas de urgência, caso estas se revelem ineficazes para tutelar os direitos da mulher. Uma vez estando presente algum dos outros três pressupostos da prisão preventiva, não obstante o crime seja resultado de violência doméstica e
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Sentença AÇÃO DE COBRANÇA
Indira Fábia dos Santos Meireles Juíza de Direito Vara Cível da Comarca de Campo Formoso − Ba
A solicitante, devidamente qualificada nos autos,
argüi, em sede de preliminar, a falta de interesse de
através de advogado legalmente habilitado,
agir e a ocorrência da prescrição, e no mérito afirma
ingressou em Juízo com a presente AÇÃO DE
não haver diferença a ser paga, requerendo a
COBRANÇA à xxxx, também individuada nos autos.
improcedência do pedido, fls. 22/30.
Alega, em síntese, ter seu cônjuge falecido em 15/04/1987, em decorrência de acidente de trânsito, requerendo administrativamente o pagamento do seguro DPVAT, recebendo, no ano de 2004, a quantia
Na assentada a parte autora se manifestou acerca da defesa e documentos que a acompanham. Juntada de instrumentos de mandato e substabelecimentos pela acionada fls. 45/47.
de R$ 6.754,01 (seis mil, setecentos e cinqüenta e quatro reais e um centavo), contrariando o disposto
É o relatório, passo a decidir.
na legislação, tendo direito ao recebimento do valor correspondente à diferença do valor devido, consoante normas legais. Tece considerações acerca do direito que entende fundamentar seu pleito.
Trata-se de ação de cobrança tendo por objeto o pagamento de diferença de seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, o conhecido DPVAT.
Requer, ao final, a procedência da ação, com a
Assim, conheço diretamente do pedido, com
condenação no pagamento do valor devido R$
fundamento no art. 330, I, do Código de Processo
3.646,00 (três mil, seiscentos e quarenta e seis reais)
Civil, posto que a questão meritória não exige a
acrescido de juros e correção monetária, além das
necessidade de provas em audiência como já
custas e honorários advocatícios.
afirmado.
Com a inicial, vieram os documentos de fls. 07/14, além do instrumento de mandato.
No que concerne às preliminares argüidas, tem-se que:
Seguindo o feito o rito sumário, a parte ré
Não há que se falar em falta de interesse de agir no
comparece à audiência, entretanto a conciliação
caso em análise. O interesse de agir é uma das
tornou-se infrutífera, sendo apresentada contestação
condições da ação, e a sua falta implica extinção do
em nove laudas, acompanhada de documentos, onde
feito sem análise meritória. O argumento utilizado
36
pela parte acionada no sentido de que não há
Aplicação de regras de transição do código civil de
interesse de agir da parte autora porque já recebeu o
2002. Contagem do prazo prescricional. Termo a quo.
valor devido não merece guarida, notadamente por
Data do pagamento a menor. Prescrição não
ser esta a questão principal do processo: a cobrança
configurada. Sentença cassada.
de diferença de valor de DPVAT. O recibo
I. O prazo prescricional para cobrança de seguro
eventualmente dado pelos beneficiários do seguro
proposta pelo terceiro beneficiário contra o
obrigatório do valor pago a menor pela seguradora
segurador, que era de 20 anos (CCB/1916, art. 177),
não os impede de reivindicar a diferença em juízo,
foi reduzido no novo Código Civil para três anos (art.
pois ele não traduz a falta de interesse de agir, nem a
206, parágrafo terceiro, inc. IV).
renúncia ao direito à indenização e, muito menos,
II. Proposta a ação de cobrança de diferença do
extinção da obrigação. Desta maneira, afasto a
Seguro Obrigatório DPVAT quando ainda não
preliminar em comento.
atingida a metade do prazo de prescrição vintenária
Em relação à prescrição, merece registro que
do Código Civil de 1916, o prazo de prescrição a ser
entre a data do fato até o início da vigência do novo
observado é o do art. 206, parágrafo terceiro, IX, do
Código Civil, defluiu mais da metade do antigo prazo
Código Civil de 2002, nos termos do art. 2.028 do
prescricional − art. 177 do CC/1916, devendo ser
CC/02, contando-se os respectivos 3 (três) anos a
aplicada a lei revogada, que estabelece ser vintenária
partir da data do pagamento a menor, pois foi quando
a prescrição da pretensão indenizatória de seguro
o beneficiário teve ciência inequívoca de que recebeu
obrigatório, segundo o comando do art. 2028 do
quantia menor que a devida. Recurso conhecido e
CC/2002. Entretanto, a pretensão da parte autora em
provido. Sentença cassada.
buscar receber a diferença do DPVAT surgiu quando
(Apelação Cível nº 107912-0/188, 1ª Câmara Cível
do pagamento do referido seguro na via
do TJGO, Rel. Luiz Eduardo de Sousa. Unânime, DJ
administrativa, ou seja, em 25/08/2004. A pretensão
10.07.2007).
do beneficiário, que busca a complementação do
(TJMG-119023) Cobrança - DPVAT - ilegitimidade
seguro DPVAT, nasce no momento do pagamento a
ativa e passiva - interesse de agir - carência de ação -
menor. Assim, deve ser considerado o termo a quo da
comprovante de pagamento - inexigibilidade -
prescrição da presente ação a data anteriormente
prescrição - inocorrência - salários mínimos -
mencionada. Pelo que se impõe o não
legalidade - juros de mora - citação.
reconhecimento da prescrição alegada.
Cada um dos credores solidários tem legitimidade
O entendimento acima, inclusive, encontra respaldo no posicionamento dos Tribunais Pátrios, senão vejamos: (TJGO-029935) Apelação cível. Ação de cobrança de seguro DPVAT. Diferença beneficiária. Prescrição vintenária. Redução do prazo prescricional. Aplicação de regras de transição do código civil de 2002. Contagem do prazo prescricional. Termo a quo. Data do pagamento a menor. Prescrição não configurada. Sentença cassada.
37
Ação de cobrança
para exigir do devedor o cumprimento da prestação
janeiro de 2003, para pretender a reparação de seu
(art. 267, CC). "Qualquer seguradora que opera
direito. Recurso de apelação provido. Recurso
nosistema pode ser acionada para pagar o valor da
adesivo prejudicado.
indenização correspondente ao seguro obrigatório
(Apelação Cível nº 0424418-2 (5918), 9ª Câmara
assegurado direito de regresso" (STJ, Resp
Cível do TJPR, Rel. Eugênio Achille Grandinetti. j.
784.054/RJ). Ao beneficiário de seguro obrigatório
09.08.2007, unânime).
que recebe quantia menor que a devida remanesce o interesse de agir para pleitear em juízo a diferença. A apresentação do comprovante de pagamento do DUT com o valor do prêmio recolhido não pode ser exigida de quem procura alcançar o pagamento do seguro DPVAT, porquanto se estaria criando para terceiro não proprietário obstáculo intransponível ao direito de indenização previsto em lei. A prescrição para o ajuizamento de ação para receber a diferença do seguro obrigatório deve ser contada da data em que foi efetuado o pagamento a menor que o devido. Embora a Lei nº 6.205/75 estabeleça a descaracterização do salário mínimo como fator de correção monetária, cumpre observar que em nada se contrapõe à Lei nº 6.194/74, pois esta não utilizou
Quanto ao mérito da lide, tem-se que o mesmo
o salário mínimo como fator de correção e, sim, como
restringe-se à discussão acerca da obrigatoriedade
base para o quantum a se indenizar, não havendo que
ou não da parte ré em pagar a quantia que está lhe
se falar em violação ao art. 7º da Constituição
sendo cobrada.
Federal. Os juros moratórios são devidos a partir da
Da análise dos autos, constata-se que a autora é
citação, que constitui o devedor em mora.
viúva de xxxxx, falecido em virtude de acidente
(Apelação Cível nº 1.0024.05.693067-0/002(1), 12ª
automobilístico, consoante laudo de exame
Câmara Cível do TJMG, Rel. José Flávio de Almeida.
cadavérico de fls. 09.
j. 14.08.2007, unânime, Publ. 01.09.2007). TJPR-035483) Ação de pedido de diferença de seguro obrigatório − dpvat. Prescrição. Ocorrência. É errôneo o entendimento de que a data inicial para
Constam nos autos documentos comprobatórios do parentesco entre a autora e o extinto, fls. 11, sendo a mesma parte legítima para figurar em Juízo, conforme o disposto no art. 4º da Lei 6.194/74.
contagem do prazo prescricional em ação que visa à
Tratando do valor da diferença pleiteado pela parte
complementação do seguro DPVAT é a data do
autora, conforme se depreende do disposto no art. 3º
sinistro. O prazo inicial é a data do pagamento a
da Lei 6194/74:
menor. Quando o novo Código prevê que será de três
“Art. 3º. Os danos pessoais cobertos pelo seguro
anos o prazo para a pretensão da reparação civil (art.
estabelecido no art. 2º compreendem as
206, § 3º), quer com isso dizer que o detentor do
indenizações por morte, invalidez permanente e
direito violado terá o prazo de três anos, a partir da
despesas de assistência médica e suplementares,
entrada em vigor do novo diploma civil, ou seja, 13 de
nos valores que se seguem, por pessoa vitimada:
38
a) quarenta vezes o valor do maior salário mínimo vigente no País, no caso de morte;
identificado, nem uma e nem outra daquelas leis
Observando-se os documentos de fls. 08,
recolhimento do valor do prêmio do seguro
depreende-se que a autora recebeu o valor
obrigatório Dpvat ou a apresentação dos respectivos
correspondente a R$ 6.754,00 (seis mil, setecentos e
Dut, por parte da vítima ou seu beneficiário, como
cinqüenta e quatro reais).
condição para o pagamento da indenização. 2. Se as
exigiam ou exigem a apresentação da prova do
Não se pode olvidar, ainda, que a própria acionada
resoluções do cnsp números 56/2001 e 35/2000
reconhece ter pagado apenas a quantia acima
estabelecem como valor indenizatório R$ 6.754,01
referida.
Que conflita com o fixado na letra 'a' do art. 3º da Lei nº
Levando-se em consideração que o salário mínimo
6.194, de 19 de dezembro de 1974, ou seja, "40
vigente à época do sinistro era do valor de R$ 260,00
(quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo
(duzentos e sessenta reais), deveria a autora ter
vigente no País No caso de morte", o princípio da
recebido o valor total de R$ 10.400,00 (dez mil e
hierarquia das normas legais manda prevalecer o que
quatrocentos reais), restando uma diferença de R$
nesta última se contém. 3. Recursos conhecidos,
3.646,00 (três mil, seiscentos e quarenta e seis reais).
provendo-se em parte recurso do autor e improvendo
A utilização do salário mínimo como base de
o recurso da ré, ficando parcialmente reformada a r.
cálculo para o valor da condenação do pagamento do
Sentença recorrida. (TJDF ACJ 20010111045278 DF
seguro é admissível, não correndo qualquer ofensa
2ª T.R.J.E. Rel. Des. Benito Augusto Tiezzi DJU
ao art. 7º, inc. IV, da CF, uma vez que a Lei 6.205/75
27.05.2002 p. 51)
não revogou o art. 3º, A, da Lei nº 6.194/74, que o tem
Ação de cobrança seguro obrigatório dpvat prova
como critério de fixação da indenização, sendo
valor da indenização salário-mínimo O recibo de
utilizado tão-somente como parâmetro para o valor
"quitação geral, plena e irrevogável" em que conste
devido por danos pessoais, a título de seguro
especificamente a importância objeto do pagamento,
obrigatório.
exonera o devedor somente das quantias
Os Tribunais Pátrios em seus julgados corroboram o entendimento acima esposado:
expressamente mencionadas no instrumento, ressalvando-se ao credor o direito de buscar perante
Civil indenização seguro obrigatório de veículo
o aparato jurisdicional verbas a que tenha direito e
DPVAT data do sinistro anterior á lei nº 8.441/92
que, de fato, não recebeu. O valor da indenização
veículo identificado
desnecessidade do dut e da
prova do recolhimento do prêmio prevalece a lei de regência para o valor indenizatório. 1. A postulação da indenização securitária do seguro obrigatório Dpvat, deve guardar e obedecer às exigências de comprovação do fato e do direito à sua percepção, contidas nas normas legais pertinentes e da época do sinistro. Se ocorrido antes da vigência da Lei nº 8.441, de 13 de julho de 1992, as alterações introduzidas por esta na Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, não lhe alcançam. 1.1. de qualquer forma, mesmo que o veículo envolvido no acidente tivesse sido
39
Ação de cobrança
relativa ao seguro DPVAT, em caso de morte, é
julgou procedente a ação. Apelo improvido. (TJRS
devido no patamar de 40 (quarenta) salários
APC 70002217875 6ª C.C. Rel. Des. Cacildo de
mínimos, em conformidade com o artigo 3º da Lei
Andrade Xavier J. 29.08.2001)
6.194/74. A Lei nº 6.205/75 não revogou o critério de
Forçoso é assim reconhecer a legalidade da
fixação de indenização em salários-mínimos
presente cobrança, sendo descabida a
estabelecido pela Lei 6.194/74, pois não se constitui o
argumentação da parte ré, visto que a parte autora
salário-mínimo em fator de correção monetária,
está legitimada por lei a proceder à referida cobrança.
servindo apenas como base do quantum a ser
No que concerne aos juros moratórios, deve ser
indenizado. (TAMG AP 0339728-4 Uberlândia 1ª
observado o disposto no art. 405 do Código Civil,
C.Cív. Rel. Juiz Silas Vieira J. 28.06.2001)
contados a partir da citação da parte acionada.
ação de cobrança de seguro DPVAT decorrente de acidente de
trânsito
morte
aplicação do
Em relação à correção monetária, deve incidir desde a data da propositura da demanda.
disposto no artigo 3º DA LEI Nº 6194/74. Em caso de
Isto posto, julgo procedente o pedido, condenando
morte por Acidente de trânsito, a indenização
a parte ré a pagar a quantia constante da inicial,
decorrente do seguro obrigatório deve obedecer aos
devidamente atualizada com juros e correção
valores fixados no artigo 3º da Lei nº 6194/74. As Leis
monetária, nos moldes acima expostos.
ns. 6205/75 e 6423/77 não revogaram o critério de
Condeno, finalmente, a parte ré às custas judiciais
fixação da indenização com base no valor do salário-
e honorários advocatícios de 10% (dez por cento)
mínimo, quer pelo marcante interesse social e
sobre o valor da condenação.
previdenciário desta modalidade de seguro, quer por estabelecer a Lei nº 6194/74 um simples critério de
Registre-se. Publique-se. Intime-se.
cálculo de valor indenizatório, não se constituindo no fator de correção monetária que as Leis supervenientes buscaram afastar. Sentença que
Notícias
EMAB oferece curso de Especialização para magistrados
Em parceria com o Tribunal de Justiça da Bahia a
coordenado por Alda Pellegrine Grinover. Para
Escola de Magistrados da Bahia (EMAB) está
participar os magistrados comparecem a uma das 23
oferecendo curso de pós-graduação telepresencial a
cidades alcançadas pela rede no interior da Bahia. As
todos os magistrados do interior do Estado. O curso é
aulas ocorrem todos os sábados pela manhã e são
de Especialização em Direito Processual Civil e Penal
transmitidas em tempo real para cada unidade já
e tem carga horária de 405 horas/aula.
estruturada. Caso o aluno esteja em Salvador no dia
As aulas são ministradas pelos professores vinculados à rede de ensino Luís Flavio Gomes e
40
da aula, poderá assisti-la na própria EMAB.
Especial EMAB brinda os 20 anos da Constituição
Mesa solene do Congresso
Com o objetivo de provocar um
A solenidade de abertura foi
Durante a conferência de abertura
grande debate para examinar todos
presidida pelo procurador geral do
o desembargador Fernando
os capítulos da Constituição a
Estado Rui Moraes Cruz e a mesa
Tourinho Neto, do Tribunal
Escola de Magistrados da Bahia
foi composta por algumas
Regional Federal, afirmou que não
em parceria com a Procuradoria
autoridades como a defensora
haverá paz, enquanto os Direitos
Geral do Estado da Bahia realizou
geral, Tereza Cristina Almeida
Humanos forem violados. O
um seminário sobre os 20 anos da
Ferreira, o presidente da OAB/BA
desembargador criticou à
Constituição de 1988.
Saul quadros, o chefe da
aplicabilidade das legislações,
Aproximadamente 500 pessoas
Procuradoria da República em
destacando pontos que as
do universo jurídico circularam no
Salvador, Danilo Pinheiro Dias, o
impedem de serem efetivadas,
Centro de Convenções entre os
Conselheiro do Tribunal de Contas,
apontando aspectos não apenas
dias 15 e 16 de dezembro. Para o
Manoel Castro, a presidente do
do universo jurídico e trâmites
estudante, Tiago Boa Morte, o
Tribunal de Justiça da Bahia,
processuais, mas também
evento foi de suma importância
desembargadora Sílvia Zarif, entre
associados a cultura do brasileiro.
para comunidade jurídica e titulares
outras autoridades.
Na ocasião ocorreu o lançamento
do direito constitucional como um
Para o Procurador Geral, a
todo. “Este seminário reavivou a
Constituição foi um marco
pretende
idéia dos direitos fundamentais
importante para conquista do
informações atuais e pertinentes
sociais elencados a nossa carta
cidadão. “Discutir a Constituição
sobre o universo jurídico, atuando
maior. Nas palestras debatemos
Federal é discutir o Brasil”, disse
como divulgadora de inovações e
temas enriquecedores que foram
Rui Moraes durante a execução do
projetos, além do trabalho e
abordados por palestrantes de
hino nacional que foi entoado pela
pesquisa dos magistrados baianos.
grande relevância”, disse.
cantora Carla Visi.
da revista Erga Omnes que contribuir
com
41
Entrevista: Anistia
“A abertura dos arquivos vai permitir que tenhamos a exata dimensão de como os fatos aconteceram. As revelações irão amadurecer a Nação coletivamente.”
Nelson Pellegrino Há 30 anos, o Brasil viveu um momento histórico. Iniciando o m o v i m e n t o d e redemocratização do País, o presidente João Batista Figueiredo sanciona, em 1979, a Lei da Anistia, que perdoa os crimes políticos cometidos durante o regime militar. Apesar de limitada pela ditadura, que beneficiou os militares e não libertou os cidadãos que participaram de lutas armadas, a Lei foi uma vitória do m o v i m e n t o d e redemocratização do País, encabeçado por jovens estudantes brasileiros. Um dos
42
líderes da campanha foi o então secundarista Nelson Pellegrino, hoje deputado federal, que conta nesta entrevista como se deu a aprovação da referida Lei, sua importância e os avanços necessários à democracia Brasileira.
legítimo, ou seja, apoiamos a que o movimento era legítimo, ou seja, apoiamos a greve de nossos professores. Desse momento em diante, passei a me interessar pelas questões políticas e a lutar, efetivamente, através do diálogo, pela melhoria da situação social e econômica do nosso país. Foi nesse período que conheci o
Erga Omnes: Como foi sua
diretor da EMAB, Rosalvo Augusto
participação nesta luta?
Viera da Silva; ele era coordenador geral do Diretório Central dos
Nelson Pelegrino: Passei a me
Estudantes (DCE) da Católica e
envolver na luta política quando os
delegado do Congresso da Anistia,
professores da escola onde eu
realizado em Salvador, do qual
estudava entraram em greve. Os
participei. O Congresso foi um
alunos fizeram uma reunião e
grande ato político pela
decidiram que o movimento era
redemocratização do Brasil.
EO: Como o senhor definiria o
EO: Como o senhor analisa a
período em que foi criada a Lei
posição do ministro da Justiça,
da Anistia?
Tarso Genro, que se declara a favor da punição daqueles que
NP: Foi um momento do Brasil no
torturaram e mataram durante a
processo de redemocratização.
ditadura?
“A mobilização pela Lei da Anistia centralizou a luta do povo contra a ditadura militar.”
Havia uma exigência para que aquelas pessoas excluídas
NP: Concordo com Tarso. Tortura é
pudessem voltar ao País. A
um crime inafiançável e
mobilização pela Lei da Anistia
imprescritível. Discordo dos que
sua história não repete os erros do
centralizou a luta do povo contra a
dizem que a Lei da Anistia é válida
passado. A abertura dos arquivos
ditadura militar. O regime militar
também para os torturadores. Há
vai permitir que tenhamos a exata
estava transitando para um
um consenso internacional de que
dimensão de como os fatos
governo civil, mas ainda assim
torturadores podem ser punidos a
aconteceram. As revelações irão
impôs uma anistia restrita. A
qualquer momento. O Brasil já
amadurecer
ditadura não estava em seu ápice,
assinou várias convenções que
coletivamente.
em seu momento mais repressivo.
banem a tortura, e isto está
Figueiredo estava assumindo para
inclusive na Constituição de 88. Há
fazer a transição do regime militar
quem diga que o crime de tortura
para o civil. Mas é claro que os
só foi tipificado há pouco tempo,
militares não queriam uma
mas isto não é verdade. Tortura é
democracia ampla, e a anistia iria
lesão corporal. Então o Ministro
abrir
a
Tarso Genro está em sintonia com
redemocratização definitiva do
o moderno direito internacional.
Brasil.
Tortura não prescreve nunca.
caminho
para
a
Nação
EO: Os Tribunais da Argentina, Chile e Uruguai já abriram os arquivos da época das ditaduras, mas o Brasil ainda
Nelson Pelegrino
não. Qual sua opinião sobre isso?
Bacharel em Direito pela UFBA, Nelson Pellegrino exerce o 3º
NP: É um atraso. Precisamos conhecer a história. A abertura pode responder a perguntas antigas, identificar em que circunstâncias os militantes do Araguaia foram mortos e onde foram enterrados. Quem conhece
mandato de deputado federal pelo partido dos trabalhadores (PT); foi deputado estadual durante três anos e desde 1999 é membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal.
Sentença ELEITORAL: REGISTRO DE CANDIDATURA ÀS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS
Patrícia Didier de Morais Pereira Juíza de Direito 96ª Zona Eleitoral do Estado da Bahia
Versam os autos tombados sob os números em
35, acompanhada dos documentos de folhas 36 a
epígrafe sobre Registro de Candidatura às
142, na qual requer indeferimento desse registro em
Eleições Majoritárias do município x do Estado da
razão do requerente xx figurar na lista de inelegíveis
Bahia, do candidato a prefeito xx e a vice-prefeito xxx,
do TCU, por haver decisão transitada em julgado da
respectivamente.
Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União que
Foram anexados ao primeiro pedido os
rejeitou suas contas relativas ao Convênio nº
documentos de folhas 02 a 16 e ao segundo processo
40148/98 por irregularidade insanável, ex vi
os documentos de folhas 2 a 22.
documentos de folhas 36 a 40, com fundamento no
A parte candidata a vice-prefeito da Coligação
artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar
xxxx foi regulamente intimada para manifestar-se
64/1990, e pela vida pregressa do impugnado que
sobre as irregularidades detectadas pelo Cartório
revela inaptidão moral para exercício de função
Eleitoral nas folhas 18 e 19. Instada a se manifestar, o
pública, na forma do artigo 14,§ 9º, da Constituição
fez nas folhas 20 a 22, sanando as irregularidades
Federal, conforme atesta as certidões emitidas pelo
apontadas. Informações finais do cartório constam
cartório cível e crime local constante nas folhas 41 a
nas folhas 23 e 24, atestando a regularidade da sua
44, a certidão oriunda da Justiça Federal de folha 65 e
documentação.
a certidão do cartório eleitoral na fl. 76.
Em relação ao candidato a prefeito, consta
Foram anexadas ainda cópias de denúncia
certidão positiva de sua inserção na lista dos
interpostas na Vara Crime de x nas folhas 45 a 64.
inelegíveis do TCU, na folha 18.
Cópia da ação de improbidade e denúncia interposta
Edital dos pedidos devidamente publicados em 06/07/2008.
na Justiça Federal nas folhas 66 a 75. Nas folhas 77 a 140, os votos e deliberações do Tribunal de Contas
O registro de candidatura do candidato a prefeito
dos Municípios do Estado da Bahia referentes aos
da COLIGAÇÃO xxxx foi tempestivamente
exercícios financeiros de 1997 a 2000, quando o
impugnado pelo Ministério Público em 08/07/2008,
requerente era prefeito desta cidade de x.
por petição interposta nestes autos nas folhas 20 a
44
O impugnado foi intimado para contestar a
citada impugnação na fl. 19, em 08/07/2008.
Defesa da segunda impugnação nas folhas
A Coligação xxxxx, nas folhas 143 a 148,
1088 a 1100, acompanhada dos documentos de
também apresentou impugnação, fundamentada no
folhas 1101 a 1392, reiterando os motivos
artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar
ensejadores de seu merecido deferimento de
64/1990, uma vez que xx teve contas rejeitadas,
candidatura
sendo incluído na última lista de inelegíveis do TCU de 27 de junho de 2008 e pela vida pregressa do candidato. Foram anexados documentos de folhas
Informações do Cartório Eleitoral nas folhas 1393 a 1395.
149 a 748, dentre eles os processos de prestação de
Por se tratar de feito de prova meramente
contas rejeitadas do requerente pelo TCM e pela
documental, foram encaminhados os autos para o
Câmara de Vereadores, ação de renúncia do mesmo,
Ministério Público se pronunciar como fiscal da lei, o
instruída com documento de folha 466.
que fez nas folhas 1409 a 1415.
O impugnado fora novamente intimado para contestar na fl. 142 em 09/07/2008. Foi juntada documentação requerida pelo promotor de Justiça nas folhas 750 a 771, em
O cartório intimou as partes para alegações finais. Apresentadas pelo impugnante nas folhas 1418 a 1425 e pelo impugnado nas folhas 1426 a 1450.
10/07/2008, intimado o requerente na mesma data desta juntada.
É o relatório do necessário.
Regularmente citada, a parte impugnada apresentou CONTESTAÇÃO por fax em 15/07/2008 (na capa do 4º volume), anexando os originais em
Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.
18/07/2008, nas folhas 780 a 793, tempestivamente
Cuida-se de Pedido de Registro de Candidatura
na forma da Lei 9.800/90. Aduz que não houve
de xx ao cargo de prefeito do Município x, que veio
rejeição de contas por vício insanável consoante
instruído com os documentos e informações exigidas
confessa o próprio TCU em recurso de
por lei.
reconsideração e que a vida pregressa do requerente não é óbice a sua candidatura. Colacionou os documentos de folhas 794 a
Da análise perfuntória dos autos, diante das impugnações apresentadas, em especial pelos documentos de folhas 36 a 40, bem como pela certidão do cartório eleitoral de fl. 18, constata-se que
1087. Em relação às contas rejeitadas, juntou
o requerente é inelegível por decisão irrecorrível do
petição da Ação desconstitutiva dirigida à Justiça
Tribunal de Contas da União, prolatada pela Primeira
Federal, datada de 19/06/2008, nas folhas 794 a 808,
Câmara, através de acórdão 464/2006 ,nos autos do
decisão liminar em medida cautelar incidental, em
processo número 009.479/2005-4, tudo atestado por
ação rescisória, em ação de improbidade, na qual
lista publicada pelo TCU em 27 de junho deste ano.
fora condenado na Vara Cível de Sento-Sé, folhas
Verifica-se que na correta interpretação do
810 a 825, recurso de revisão dirigido ao TCU, de
artigo 1º, inciso I, alínea g da Lei Complementar
17/04/2008, folhas 826 a 835, e outros documentos.
64/1990 não se exige a simples proposição de ação
45
Eleitoral: Registro de Candidatura as Eleições Majoritárias
desconstitutiva da decisão administrativa que rejeitou
vencida interpretação supracitada, estabelecendo
as contas na forma da extinta súmula 01 do TSE,
que o fito de tais processos deve ser garantir direito
conforme se infere do documento de folhas 794 a
lesado no procedimento administrativo que se
808, sem a comprovação do devido protocolo, para
pretende anular ou desconstituir, de forma que se
tornar o candidato elegível, mas, sim, decisão judicial
revele injusta a aplicação do efeito da inelegibilidade
liminar ou de antecipação de tutela do juiz
antes da sua apreciação pelo Poder Judiciário,
competente, desconstituindo a decisão
analisando assim a verossimilhança do fato
administrativa, fato não comprovado pelo candidato
aventado, plausibilidade jurídica do pedido anulatório
impugnado no momento do pedido de registro.
e demais requisitos do CPC. Atento sempre às
É mister ressaltar que o mérito deste julgamento é de atribuição exclusiva do TCU, podendo o
manobras utilizadas por maus gestores. Segue adiante a decisão do TSE:
Judiciário, verificando alguma irregularidade formal,
Registro de candidatura. candidato a deputado
desconstituir o julgado, devolvendo a matéria para o
estadual. contas rejeitadas pelo poder legislativo
órgão competente.
municipal. ex-prefeito. recurso provido para indeferir
Nas folhas 794 a 808, o requerente limita-se a
o registro. 1. O dilatado tempo entre as decisões que
anexar petição protocolizada em data desconhecida,
rejeitaram as contas e a propositura das ações
mas datada de 19/06/2008, na qual se infere a
anulatórias evidencia o menosprezo da autoridade
propositura de ação desconstitutiva. Este ingresso,
julgada para com seus julgadores. 2. O ajuizamento
por si só, não tem o condão de militar em desfavor da
da ação anulatória na undécima hora patenteia o
decisão administrativa hostilizada, nem de suspender
propósito único de buscas do manto do enunciado
seus peculiares efeitos, dentre eles, a inelegibilidade.
sumular nº1 deste Superior Eleitoral. Artificialização
Ademais o lapso temporal entre a decisão
da incidência do verbete. 3. A ressalva contida na
que rejeitou a conta em 07/03/2006 de acórdão
parte final da alínea g do inciso I do artigo 1º da Lei
464/2006 e a data de ingresso desta ação anulatória,
Complementar nº 64/90 há de ser entendida como a
em 19/06/2006, cuja petição está anexada aos autos
possibilidade, sim, de suspensão de inelegibilidade
nas folhas acima definidas, evidencia interesse único
mediante ingresso em juízo, porém debaixo das
de, no último momento, sem uma cognição completa,
seguintes coordenadas mentais: a) que esse bater às
reverter sua situação de forma ilegítima e oportunista,
portas do Judiciário traduza a continuidade de uma
de acordo com o novo enunciado sumular do TSE.
questão (no sentido de controvérsia da lide) já
Ao se defender a sanabilidade de tal vício, invocada na decisão do TCU, é imperioso salientar que não é a justiça eleitoral competente para avaliar tal condição, mas se o vício sanável fosse, seria o caso de aprovação das contas com ressalva. Então, apesar do esforço do requerente, tal argumento é
“Deve ser garantir direito lesado no procedimento administrativo que se pretende anular ou desconstituir, de forma
falho. Ademais, como o TSE em RO 963/2006, em acórdão de lavra do Min. Carlos Aires Brito, restou
que se revele injusta a aplicação do efeito da inelegibilidade.”
46
iniciada na instância constitucional própria para o
contas, mas "(...) a princípio, se as contas foram
controle externo, que é, sabidamente, a instância
desaprovadas, é porque as irregularidades são de
formada pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de
ordem insanável, do contrário teriam sido aprovadas
Contas (artigo 71 da CF); b) que a petição judicial se
com ressalva" (fl. 240). 2. À época da prolação da
limite a esgrimir tema ou temas de índole puramente
decisão rescindenda, o autor não possuía provimento
processual, sabido que os órgãos do Poder Judiciário
jurisdicional, ainda que de caráter provisório, que
não podem se substituir, quanto ao mérito desse tipo
suspendesse os efeitos da rejeição de contas pelo
de demanda, a qualquer das duas instâncias de
TCU. Compulsando os autos, não há notícia em
Contas; c) que tal petição de ingresso venha ao
sentido diverso. 3. Os fundamentos da decisão
menos a obter provimento cautelar de explícita
rescindenda estão em perfeita harmonia com a novel
suspensão dos efeitos da decisão contra a qual se
jurisprudência do TSE, que exige provimento
irresigne o autor. Provimento cautelar tanto mais
jurisdicional, ainda que provisório, a suspender os
necessário quanto se sabe que, em matéria de
efeitos de rejeição de contas pelo TCU. 4. Ação
contas, “as decisões do tribunal de que resulte
rescisória não admitida. Relator(a) JOSÉ AUGUSTO
imputação de débito ou multa terão eficácia de título
DELGADO. Relator(a) designado(a). Publicação: DJ
executivo” (§ 3º do art. 71 da Lei Constitucional). 4.
− Diário de Justiça, volume 1, data 8/8/2007, página
Recurso ordinário provido. TSE RO 963. PSES
228.
13/09/2006. Rel. Min. Carlos Aires Brito.
Embargos de declaração. Recurso ordinário.
Ação rescisória. Declaração de inelegibilidade.
Registro de candidatura. Indeferimento ante a
Rejeição de contas pelo tcu. Suspensão dos efeitos
rejeição de contas. Obtenção de antecipação de
dessa decisão. Ausência de provimento jurisdicional,
tutela. Revogação da medida de urgência. Posterior
ainda que provisório. Decisum rescindendo em
aprovação das contas, com ressalvas, pelo tcu. Fato
harmonia com a novel jurisprudência do TSE.
novo. Rejeição de contas em outro julgamento, pelo
Improcedência. 1. Ação rescisória, intentada com
TCU.
fulcro no art. 485, V, do CPC, que visa desconstituir
1. Em análise embargos de declaração opostos
decisão (fls. 233-240) proferida pelo ministro Gerardo
pelo Ministério Público Eleitoral e por Cilene Maria de
Grossi, que indeferiu o registro de candidatura do
Moraes Guimarães contra acórdão que, acolhendo
autor para concorrer ao cargo de deputado estadual.
os terceiros embargos de declaração opostos por
Eis os fundamentos da decisão rescindenda: − em
Nédio Leite de Assunção, conferiu-lhes efeitos
9/6/2006, o candidato, atual autor, ajuizou ação
infringentes para deferir o seu pedido de registro de
visando desconstituir os acórdãos do TCU que
candidatura.
rejeitaram suas contas; − requereu o registro de sua
2. No aresto ora embargado, no qual ressalvei meu
candidatura em 5/7/2006; − estava equivocado o
ponto de vista, bem como o fez o Min. Carlos Ayres de
TRE/MA ao deferir o pedido de registro
Brito, a Corte entendeu por deferir o pedido de
fundamentado na Súmula nº 1/TSE; − a ação
registro de candidatura do ora embargado, uma vez
desconstitutiva de contas foi utilizada como manobra
que ele obteve, na Justiça Federal do Distrito Federal,
para afastar a inelegibilidade; − o TSE não é
antecipação de tutela nos autos de uma ação
competente para aferir a sanabilidade ou não das
ordinária desconstitutiva de contas, as quais estavam
47
Eleitoral: Registro de Candidatura as Eleições Majoritárias
rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União. 3. Os atuais embargantes alegam que essa medida
− além do mais, a referida tutela antecipada, bem ou mal, foi revogada;
de urgência foi resultante de uma manobra realizada
− a entrega da prestação jurisdicional não deve ser
por Nédio Leite de Assunção, de manifesta má-fé,
feita com base em erro a que seja levado o órgão
uma vez que a mesma liminar já havia sido indeferida
julgador por livre ação protocolada pela parte
em processo idêntico anteriormente ajuizado na
interessada, sob pena de se macular a missão do
Justiça Federal no Estado de Goiás. Afirmam,
Poder Judiciário;
também, que tal liminar já foi revogada pelo juízo do
− o artifício utilizado pela parte embargada é de
DF e o processo remetido ao juízo prevento em
todo condenável, pelo que nenhum efeito, em seu
Goiás.
benefício, deve provocar;
4. Em sua defesa, Nédio Leite de Assunção alega
− a concessão de antecipação de tutela, atualmente
que é irrelevante a liminar que lhe fora concedida,
não mais existente, que serviu de base para a
porque as suas prestações de contas rejeitadas pelo
concessão dos efeitos modificativos ao acórdão
TCU foram, em 31/01/2007, aprovadas com
embargado, foi obtida, data venia, de forma espúria e
ressalvas. Desta forma, não haveria nenhuma causa
mediante procedimento atentatório à dignidade da
que acarretasse sua inelegibilidade.
justiça, o que, ao meu pensar, deve ser repelido com
5. Cilene Maria de Moraes Guimarães informou
veemência, pelo TSE;
que, em 31/10/2006, o TCU rejeitou outra prestação
− o decidido pelo TCU em 31/01/2007 (aprovação
de contas do ora embargado, nos autos da TC nº
das contas com ressalvas) não é influente para alterar
022331/2003, o que manteria a inelegibilidade de
os efeitos do acórdão proferido pelo TSE, em
Nédio Leite.
20/09/2006, quando indeferiu o registro da
6. Intimei as partes para se manifestarem sobre os
candidatura de xxx;
novos documentos juntados pela terceira interessada
− o TCU, ao julgar outras contas de
e pelo ora embargado. O MPE manifestou-se
responsabilidade de xxxx resolveu não aprová-las
novamente às fls. 1.907-1.911.7.
(Processo TC nº 012331/2003);
Esclarecidos os
fatos, entendo que o indeferimento do registro da candidatura de xxxx
− tanto o decidido pelo TCU em 31/01/2007,
deve ser mantido, conforme
aprovando as contas do embargado, como a nova
acórdão do TSE de 20/09/2006, fl. 178, pelos
rejeição de outras contas, são supervenientes ao
seguintes motivos:
acórdão principal, o de 20/09/2006, que indeferiu o
− a ação ordinária que motivou a concessão da
registro da candidatura ora discutida. A segunda
tutela antecipada, além de ter sido proposta em
rejeição de contas pelo TCU, apesar de também não
26/09/2006, após o indeferimento do registro da
ser influente, demonstra o modo como o embargado
candidatura de xxx por esta Corte, evidencia má-fé
cuida do patrimônio público;
do interessado por não ter revelado que medida
− as causas de inelegibilidade devem ser verificadas
cautelar já tinha sido indeferida em ação idêntica em
no momento do requerimento do registro,
curso no Juízo Federal de Goiás;
independentemente de fatos supervenientes,
− o efeito da litispendência, no caso, torna inexistente a ação intentada no Distrito Federal;
48
conforme tem assentado a jurisprudência deste TSE, nos termos dos seguintes precedentes: Respe nº
21.719/CE, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, sessão de 19.8.2004 e REspe nº 22.900/MA, Rel.
“As causas de
Min. Luiz Carlos Madeira, sessão de 20.9.2004,
inelegibilidade devem ser
REspe nº 22.676/GO, Rel. Min. Caputo Bastos,
verificadas no momento
sessão de 22.9.2004.
do requerimento do
8. Embargos declaratórios providos para suprir as
registro,
omissões apontadas e emprestar-lhes,
independentemente de
excepcionalmente, efeitos modificativos, a fim de
fatos supervenientes”
restaurar o acórdão principal de fl. 178, mantendo o indeferimento do pedido de registro do candidato xxxx. Relator(a) JOSÉ AUGUSTO DELGADO Relator(a) designado(a). Publicação DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 21/08/2007, página 135. Imperioso salientar que a decisão do TCU
além da aplicação da multa prevista no artigo 57 da lei 8.443/92.”
transitada em julgado no caso sub óculo produz seus
Inclusive a transcrição efetuada na defesa na
efeitos pertinentes, sem necessidade de julgamento
fl.1089 somente ratifica a falta de remédio jurídico
pelo Câmara Legislativa Municipal, órgão político,
para a decisão meritória do TCU:
não se aplicando, pois, o artigo 31, §§ 1º e 2º, da Carta
“Em conclusão, a documentação apresentada
Magna, por se tratar de prestação de contas de
pelo recorrente em relação a importância de R$
recursos federais transferidos ao município por
45.300,00, é insuficiente para caracterizar uma
convênio. Não se trata, pois, de ato administrativo
prestação de contas e, por conseqüência, sanar
complexo. Estas decisões têm força de julgamento e
integralmente as irregularidades que fundamentaram
geram inelegibilidade em caso de desaprovação.
o julgamento desta tomada de contas especial...
A insanabilidade dos motivos que ensejaram a
Como evidenciado, a parcela de R$45.300,00 do
rejeição é inegável, porquanto gerou seus efeitos
convênio nº 40418, que deveria ser aplicada
pertinentes e assim dispõe o acórdão:
diretamente pela Prefeitura de Sento-Sé/BA, não tem
“Os dados constantes dos autos não deixam
a sua utilização efetivamente demonstrada...
dúvidas quanto a omissão do responsável do dever
Por conseguinte, o presente recurso deve ser
de prestar contas dos recursos federais recebidos,
provido parcialmente, para retirar da condenação em
bem como a sua revelia em relação a citação
débito o valor de R$ 44.900,00. Ademais, na medida
promovida por este Tribunal, apesar de ter solicitado
em que o equívoco no encaminhamento da prestação
e obtido concessão de vista e cópia dos autos, bem
de contas está comprovado, penso que possa ser
como o deferimento de duas prorrogações
retirada a pecha de omissão, ficando a
solicitadas.
fundamentação da irregularidade na alínea b do
Manifesto minha concordância quanto à
inciso III do art. 16 da Lei 8.443/92”.
proposta de encaminhamento da unidade técnica, no
Ademais, não cumpre ao Juízo eleitoral examinar
sentido de julgamento pela irregularidade das contas,
estas questões, cujos méritos competem ao TCU, e,
com imputação de débito no valor total do repasse,
em havendo irregularidade formal, cumpre ao juiz
49
Eleitoral: Registro de Candidatura as Eleições Majoritárias
competente julgá-lo. Não há nos autos qualquer decisão de quaisquer destes órgãos exarada até a data de protocolo do pedido de registro aqui julgado. Assim, não pode ser deferido o registro do requerente com fundamento no artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990.
Público contra xx, em 05/08/2004. 6. Processo 1841878-3/2008 Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, sem valor atribuído a causa, promovida pelo Ministério Público contra xx e outro, em 06/12/2000. 7. Processo 2032165-0/2008
Ação de
É imprescindível registrar que a vida pregressa
ressarcimento referente a recursos de convênio entre
do réu milita em seu desfavor, uma vez que,
o Município de Sento-Sé e o Ministério da Saúde no
compulsando os documentos de folhas 41 a 43, 65 e
valor originário de R$ 9.331,34, promovida pelo
76, verifica-se vastas anotações nas certidões de
Município de x contra xx, em 02/01/2002, com
feitos criminais e feitos cíveis das Justiças Federal e
sentença transitada em julgado, uma vez que o
Estadual, onde constam as seguintes referências:
recurso foi julgado intempestivo e o agravo de
A) Em tramitação na Vara Cível da Comarca de x:
instrumento 38006-7/2003 teve o provimento negado.
1. Processo 1847118-0/2008
Ação de
8 Processo 1702863-5/2007 Ação Civil Pública por
ressarcimento referente a recursos de convênio entre
Ato de Improbidade Administrativa, sem valor
o Município de x e a Fundação Nacional de Saúde no
atribuído a causa, promovida pelo Ministério Público
valor originário de R$ 81.341,00, promovida pelo
contra xx, em 13/11/2003, com sentença
Município de x contra xx, em 10/05/2001.
condenatória transitada em julgado decorreram mais
2. Processo 1640354-3/2007 Ação de Execução
de 4 anos. B) Em tramitação na Vara Crime da Comarca de
Fiscal referente a recursos de convênio entre o Município de x e a Fundação Nacional de
xx (fl.774): 9. Processo 1708694-7/2007
Desenvolvimento da Educação, referente ao valor
Ação Penal,
originário de R$ 165.330,72, promovida pelo FNDE
promovida pelo Ministério Público contra xx,
contra xx, em 10/05/2001, em 14/08/2007.
denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão Ação de
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com
ressarcimento referente a recursos de convênio entre
audiência de instrução designada no qual há
o Município de x e a CODEVASF no valor originário de
manobras para atrasar o processo nas folhas 758 a
R$ 237.500,00, promovida pelo Município de Sento-
762.
3. Processo 1156983-0/2006
Sé contra xx, em 15/05/2001.
10. Processo 1708778-6/2007
Ação Penal,
4. Processo 980267-1/2006 Ação de execução e
promovida pelo Ministério Público contra xx,
ressarcimento referente a multas aplicadas pelo
denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão
Tribunal de Contas dos Municípios, no valor originário de R$135.319,68, promovida pelo Município de x contra xx, em 08/09/2004. 5. Processo 1704617-0/2007 Ação Civil Pública por ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sem valor atribuído a causa, promovida pelo Ministério
50
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com audiência de instrução designada. 11. Processo 1708808-0/2007
Ação Penal,
promovida pelo Ministério Público contra xx, denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com audiência de instrução designada.
12. Processo 1708861-4/2007
Ação Penal,
promovida pelo Ministério Público Federal em
promovida pelo Ministério Público contra xx,
decorrência de não execução de perfuração e
denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão
instalação de 20 poços artesianos com recursos
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com
oriundos do convênio nº 6.21.98.003/00 celebrado
audiência de instrução designada.
com a CODEVASF, cuja petição inicial está anexada
13. Processo 1708744-7/2007
Ação Penal,
aos autos nas fls. 66 a 75.
promovida pelo Ministério Público contra xx,
19. Processo 2007.33.05.000.610-8 Ação Penal
denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão
Pública, promovida pelo Ministério Público Federal
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com
contra xx, com sua incursão no artigo 1º, inciso I, do
audiência de instrução designada.
Decreto-Lei 201/1967, cuja petição inicial está nas
14. Processo 1692336-7/2007
Ação Penal,
folhas 66 a 75.
promovida pelo Ministério Público contra xx,
20. Processo 2007.33.05.000.704-1 Ação de
denúncia recebida em 25/02/2008, com sua incursão
execução de título extrajudicial, promovida pela
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, com
União Federal contra xx.
audiência de instrução designada, que o requerido
21. Processo 2006.33.05.005.176-8
Ação de
deu origem a citação por edital conforme documentos
execução de título extrajudicial, promovida pela
de folhas 750 a 756, no qual há manobras.
União Federal contra xx.
15. Processo 904/2002 Ação Penal, promovida
D) Em tramitação na Justiça Eleitoral:
pelo Ministério Público contra xx, denúncia recebida
22. Processo 006/2002 - Ação Penal Eleitoral'
em 23/12/2002 com sua incursão no artigo 171, § 2º,
Transporte irregular de eleitores, proposta pelo MPF
inciso VI, do Código Penal, aguardando cumprimento
contra xx, que está na fase de instrução, cujas
de diligências requeridas pelo MP na fase do artigo
manobras para evitar o andamento do processo tem
499 do CPP.
os documentos constantes nas folhas 763 a 771.
16. Processo 1041452-6/2006 Ação Penal,
Imperioso admitir o Estado Democrático de
promovida pelo Ministério Público contra xx,
Direito instituído pela Carta Magna no seu artigo 1º,
denúncia recebida em 15/06/2004, por crime contra
significa opção pela informação de todo ordenamento
Administração Pública, com sua incursão no artigo
jurídico pelos princípios e valores da democracia
171, §3º, combinado com artigos 14 e 29, todos do
formal e material, implicando tutela dos direitos
Código Penal, com audiência de interrogatório
fundamentais individuais e coletivos, a igualdade de
designada;
todos perante a lei, a prevalência do sistema
17. Processo 2029012-1/2008
Ação Penal,
representativo e do sufrágio universal, a lei como
promovida pelo Ministério Público contra xx,
expressão máxima do poder político, e pela
denúncia recebida em 24/07/2002, por crime
responsabilidade dos governantes para com o povo.
tipificado no artigo 10 da lei 7347/87, com vistas para M.P.
Com a Emenda Constitucional n° 04/94, o poder constituinte derivado introduziu importante alteração
C) Em tramitação na Justiça Federal:
no texto constitucional ao inserir o parágrafo 9° no
18. Processo 2006.33.05.004.116-0 Ação Civil
artigo 14, que assim dispõe:
Pública por Ato de Improbidade Administrativa,
"Lei complementar estabelecerá outros casos de
51
Eleitoral: Registro de Candidatura as Eleições Majoritárias
tange aos direitos políticos, prevalece o princípio da democracia e da soberania popular permeado pela moralidade e probidade administrativa por imposição constitucional.
“O princípio da moralidade foi normatizado e cumpre ao intérprete sem desconsiderar o direito posto, proceder juízos a favor dos valores explícitos e implícitos da CF.”
O princípio da moralidade foi normatizado e cumpre ao intérprete sem desconsiderar o direito posto, proceder juízos a favor dos valores explícitos e implícitos da CF. Assim é licita e legítima a impugnação de candidatos cuja vida pregressa atente contra moralidade e probidade pública. Assim, a introdução do parágrafo 9° no já mencionado artigo 14 da CF leva à conclusão de que a nova norma constitucional não dispõe que a Lei Complementar estabelecerá de forma exclusiva outros casos de inelegibilidade, mas, ao contrário,
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de
expressamente determina que tais hipóteses
proteger a probidade administrativa, a moralidade
deverão ser inspiradas por valores de índole ética
para o exercício do mandato, considerada a vida
para o exercício do mandato, considerando a vida
pregressa do candidato, e a normalidade e
pregressa do candidato.
legitimidade das eleições contra a influência do poder
Ademais, regra posta no art. 1º, inciso I, g, da LC
econômico ou o abuso no exercício de função, cargo
nº 64, de 18/05/90, não merece interpretação
ou emprego na administração direta ou indireta".
conforme novo dispositivo constitucional, de modo a
Entende este juízo, acompanhado de todos os
ser aplicada com expressa vinculação aos propósitos
Tribunais Regionais Eleitorais deste país, e de boa
da proteção à probidade administrativa e à
parte da doutrina nacional que este dispositivo é auto-
moralidade pública. Principalmente quando norma
aplicável pela força normativa da Constituição, pelo
posterior e de ordem constitucional passa a exigir a
princípio da máxima efetividade da norma
moralidade e probidade dos candidatos de forma
constitucional, pela concordância prática das normas
expressa.
constitucionais e pela unidade e supremacia das normas constitucionais.
Determinou-se que candidato que tenha sua vida pregressa maculada não pode concorrer às
O referido artigo regulamenta norma de direito
eleições. A exigência, portanto, de sentença
fundamental, aplicando-se o §1º do artigo 5º da CF,
transitada em julgado não se constitui requisito de
assim tem eficácia imediata.
natureza constitucional e foi revogada por lei
Ademais o princípio da inocência tem aplicação
posterior.
no Direito Penal e nos demais ramos nos quais estão
Somente se pode invocar o trânsito em julgado
em jogo a liberdade do indivíduo, seu direito de
daquelas ações mencionadas na LC 64/90, quando
defesa e amplo contraditório, onde deve prevalecer
inexistentes fatos caracterizadores de improbidade
principio da dignidade da pessoa humana. No que
administrativa e incompatível com a ética e moral
52
pública. O sentido de moralidade para os fins aqui colimados é alcançado com facilidade a compreensão sobre o que seja uma vida pregressa imaculada, na forma que se impõe no atuar diário da Administração Pública conforme artigo 37 da Constituição Federal. Confira-se a respeito a lição de JOSE AFONSO DA SILVA sobre o tema:
“a "probidade administrativa" e a "moralidade para o exercício do mandato" são valores autônomos em relação àquela cláusula, não são protegidos contra a influência do poder econômico ou abuso de função”
"As inelegibilidades têm por objeto proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa
Montenegro, que diz:
do candidato, e a normalidade e legitimidade das
O juízo da moralidade para o exercício do mandato
eleições contra a influência do poder econômico ou o
não se confunde com o exame da culpabilidade nas
abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
infrações penais, nestes casos reina o princípio de
administração direta ou indireta (art. 14, p.9°).
inocência ou da não culpabilidade.
Entenda-se que a cláusula "contra a influência do
Efetua-se no juízo eleitoral aferição do contexto
poder econômico ou abuso do exercício de função..."
da vida pregressa do sujeito e que se afigura
só se refere à normalidade e à legitimidade das
indicativo de situação contrária à necessária
eleições. Isso quer dizer que a "probidade
moralidade para o exercício do mandato.
administrativa" e a "moralidade para o exercício do
Assim se manifestou Merval Pereira:
mandato" são valores autônomos em relação àquela
“A tese não prevaleceu em 2006, mas, agora, os
cláusula, não são protegidos contra a influência do
tribunais, repensando a questão, tendo em vista que
poder econômico ou abuso de função etc., mas como
o julgamento do TSE não foi unânime, evoluíram no
valores em si mesmos dignos de proteção, porque a
entendimento de que uma coisa é a esfera penal, e
improbidade e a imoralidade, aí, conspurcam só por si
outra é a eleitoral.
a lisura do processo eleitoral. (In Curso de Direito
Ao ter negado o registro das candidaturas para
Constitucional Positivo − 24ª edição -
fazer prevalecer o princípio do coletivo, o vetado não
Melhoramentos)
está sendo condenado criminalmente, seu processo
Assim convivem as hipóteses em que, por
continuará a correr normalmente. A Justiça Eleitoral
óbvio, a condenação com trânsito em julgado resulta
está analisando apenas o princípio constitucional da
em inelegibilidade, e aquelas em que a existência de
moralidade, lembra o advogado Rodrigo Lins e Silva.
vida pregressa, pautada por envolvimento do
“Se um cidadão qualquer não pode entrar num
indivíduo em fatos que estão sendo apurados em
concurso para a Câmara ou o Senado se tiver a ficha
outras esferas, operam contra a necessária
suja, como é que um senador pode, ou um deputado
moralidade exigida para o deferimento do registro de
pode?”, pergunta ele, para ressaltar: “Você exige
candidatura.
mais do motorista, do ascensorista, do carimbador de
Transcrevo decisão da juíza Jacqueline Lima
papel, do que do legislador?”.
53
Eleitoral: Registro de Candidatura as Eleições Majoritárias
Citando o civilista francês Georges Ripert, o advogado Rodrigo Lins e Silva lembra que é preciso tomar muito cuidado porque “quando o direito ignora
“cabe ao candidato
a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”.”
provar que está em
A vida pregressa a que alude a esfera eleitoral
condições de
delimita-se à existência de anotações de infrações
moralidade,
penais nas certidões do pretendente que, à vista de
constatada em sua
sua natureza, plausibilidade e demais circunstâncias,
vida pregressa, para
acabam constituindo empecilhos ao juízo positivo de
exercer o cargo que
moralidade para o exercício do mandato: crimes
almeja.”
contra administração pública, desvio ou mau uso do dinheiro público etc. E, no âmbito cível, ações de improbidade, ações de ressarcimento ao erário público etc. Com efeito, cabe ao candidato provar que
atentam contra a Fazenda Pública, sem falar nos
está em condições de moralidade, constatada em sua
delitos que menoscabam o bem jurídico
vida pregressa, para exercer o cargo que almeja. E tal
administração pública, como, por exemplo, o
deve fazê-lo juntando certidões negativas ou, em
desacato e desobediência a agente público −
caso de anotações criminais, apresentar no mesmo
Intimação do Promotor de Justiça de antanho, o que
momento documentos que expliquem, enfraqueçam
demonstra um perfil incompatível com o exercício do
ou infirmem as anotações, coisa que aqui não se fez.
mandato, não sendo crível que os eleitores possam
Ele se limitou a informar que as ações estão em
receber como idônea, porque deferida por este
andamento, sem trânsito em julgado.
Tribunal, a candidatura de alguém com tal vida
Aqui se aplica exclusivamente a sistemática trazida
pregressa.
pela EC 04/94, que contém princípios éticos a
Desta forma, diante do acima relatado e
informar as hipóteses de inelegibilidade, que,
fundamentado, JULGO IMPROCEDENTE O
obviamente, não dependem de Lei Complementar
PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA de xx,
para vigerem, por isso que auto-aplicáveis, bem
com fundamento no artigo 1º, inciso I, alínea g da Lei
c o m o a t e o r d o a r t i g o 5 º , § 1 º d a C F.
Complementar 64/1990 e nos artigos 14, §9º c/c 5º,
Assim verificada a natureza das infrações
§1º, ambos da Constituição Federal. E quanto ao
indicadas, a origem das apurações e a plausibilidade
pedido do vice-prefeito, apesar da regularidade
dos fatos e demais circunstâncias do caso
formal, INDEFIRO o pedido de registro, posto que um
(empecilhos ao andamento do processo dando
dos integrantes da chapa majoritária da Coligação a
origem a citação por edital, remarcações de
Vitória é do Povo, na forma do artigo 48 da resolução
audiências).
22.717, podendo a Coligação desde logo indicar
Os fatos delituosos constantes nas certidões apontam para a prática de diversas condutas que
54
candidato em substituição ao julgado neste processo inapto.
Artigo A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ EM SEDE DE AÇÕES COLETIVAS: um assombro ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional
Marcos Adriano Silva Ledo Juiz de Direito Vara única da Comarca de Capim Grosso
odo e qualquer sistema jurídico está,
É nesse panorama que se descortina a jurisdição
obrigatoriamente, determinado pelo tempo
coletiva, como forma de se alcançar o respeito à
histórico ou social, onde ele encontra o seu
dignidade da pessoa humana, insculpida como
norte. Dessa forma, o direito e os seus
princípio fundamental pelo art. 1º, III, da Constituição
institutos são sempre sujeitos de um determinado
Federal de 1988 (CF/88), através da universalização
discurso, uma vez que é o resultado do campo social,
do amparo institucional, permitindo a solução de um
lugar no qual sua presença é sentida.
número maior de conflitos de interesses, alcançando
T
As mudanças ocorridas na sociedade, com a concentração em centros urbanos, a progressiva
situações que, até então, não obteriam solução do Judiciário.
industrialização e expansão comercial, o
Sem dúvida, a representatividade jurídica da
desenvolvimento dos meios de comunicação e de
coletividade veicula novidades que obrigaram a uma
transporte, a adoção do modelo capitalista de
releitura do tradicional art. 3º do Código de Processo
produção, a globalização, entre outras questões
Civil (CPC), “constituindo o marco para grandes
sócio-econômicas, fizeram surgir uma nova espécie
avanços que se sucederam e para um efetivo 'acesso
de conflito social: os conflitos de massa.
à justiça', proporcionando agora a possibilidade de
O direito serve para regular e proteger o que lhe
postular em juízo a tutela dos interesses
incumbe a ordem social, sendo-lhe conexo. O ponto
transindividuais”, como saliente José Marcelo
de partida, para tanto, deve estar, sempre, pautado
Menezes Vigliar (1999, p. 21).
no conceito de cidadania, a dimensão vigorosa da
Por serem os valores mais significativos da
pessoa no plano de seus valores e direitos
sociedade tutelados por meio do sistema
fundamentais.
constitucional de imunização dos conflitos de
O acesso dos interesses transindividuais no
natureza transindividual, o respectivo processo não
âmbito de proteção do Poder Judiciário, além da
pode estar sujeito a manobras procrastinatórias e
ruptura que impõe nos dogmas do processo civil
desleais. Tal assertiva potencializa o dever de
modelado para o individual-liberalismo, abre espaços
brevidade no trâmite processual, constante
à afirmação da cidadania de setores sociais, antes
expressamente no rol dos direitos e garantias
inermes frente aos poderes político e econômico.
fundamentais a partir da inclusão do inciso LXXVIII ao
55
A litigância de má-fé em sede de ações coletivas: um assombro ao direito fundamental à efetividade datutela jurisdicional
art. 5º da Carta Política, por meio da Emenda
progresso, à comunicação, os direitos das crianças,
Constitucional nº 45.
adolescentes e idosos, entre outros.
Percebe-se, deste modo, que a tutela jurisdicional
Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 31)
coletiva, ao viabilizar o acesso à justiça, serve, em
informam que o despertar em torno do acesso efetivo
último plano, como instrumento privilegiado de
à justiça conduziu a três ondas renovatórias.
exercício coletivo da cidadania, coadunando-se com
O primeiro movimento foi pela assistência
a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III), a
judiciária aos necessitados. A segunda se configurou
solidariedade social (CF/88, art. 3º) e a isonomia
por reformas que objetivaram proporcionar
substancial (CF/88, art. 5º), além de permitir a
representação jurídica para os interesses não
proteção de bens jurídicos que se encontravam
individualizados, com a presença em juízo de grupos,
carentes de proteção jurisdicional.
entidades e instituições. A terceira onda, mais recente
Pretende o presente trabalho demonstrar que o
e atual, propõe enfoque de maior abrangência,
combate à fraude processual na seara das ações
exigindo um grande número de reformas nos
coletivas, com aplicação adequada e rígida dos
aparelhos estatais.
institutos inibidores da litigância de má-fé, constitui, ao fundo, efetiva garantia do pleno exercício da
A Incorporação da tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro
cidadania e respeito à dignidade humana. No ordenamento jurídico brasileiro, a incorporação A tutela jurisdicional coletiva Movimentos de acesso à justiça
definitiva da da tutela jurídica coletiva ao espectro individualista ocorreu em três fases. A predominância singular na tutela jurídica
Os conflitos de massa deram origem a novos
caracteriza a primeira fase. Não se identificam
interesses e direitos, os metaindividuais, que têm
institutos protetivos dos direitos ou interesses
como destinatários não apenas o homem
transindividuais. O período de vigência percorre todo
singularmente considerado, mas o homem
Brasil-Colônia, o Brasil-Império e parte do Brasil-
socialmente organizado, o próprio gênero humano, a
República, cessando com a promulgação da
sociedade, a coletividade.
Constituição de 1934, a qual previu em seu texto Art.
Essa nova espécie de interesses e direitos corresponde aqueles que a doutrina constitucional
113, nº 38) a ação popular em face de lesão ao patrimônio público.
denomina de direitos fundamentais de terceira
A segunda fase evidencia a proteção fragmentária
dimensão (direitos de fraternidade ou solidariedade),
ou taxativa dos direitos transindividuais. O
os quais aparecem com a característica de não mais
ordenamento passa a tutelar alguns direitos
estarem centrados no Homem particularmente
transindividuais, de forma inventariada.
concebido. A titularidade passa, por conseqüência, a possuir cunho coletivo.
Predominava, ainda, de forma ampla, a dimensão individualista da tutela jurídica. O principal diploma
Estão alcançados por esta nova compreensão, o
processual vigente era o Código de Processo Civil
direito à paz, ao meio ambiente sadio e
(CPC) - Lei n° 5.869/73, cujos estudos e debates que
ecologicamente equilibrado, à saúde, à uma
orientaram a sua elaboração remontavam ao final dos
saudável qualidade de vida, à segurança, à
anos 60 e início dos anos 70.
educação, ao patrimônio comum da humanidade, ao
56
Assim, foi necessária a criação e implementação
Formou-se, dessa maneira, uma simbiose dos
de institutos jurídicos aptos a tutelar os novos direitos,
diplomas, que juntos formam o sistema processual
cujas lesões podem acarretar conseqüências muitas
coletivo ou jurisdição civil coletiva.
vezes imprevisíveis.
Da associação dos diplomas, a doutrina traçou a
Nesse contexto de intensas transformações, o
seguinte conclusão: a tutela dos direitos difusos e
legislador pátrio cuidou de editar leis disciplinando
coletivos se faz de modo direito pela LACP; e, a dos
esses novos conflitos e direitos. É com a Lei nº
direitos individuais homogêneos pelos arts. 91 a 100
7.347/85 que ingressa no Brasil, no plano normativo,
do CDC, aplicando-se as demais normas processuais
o movimento mundial pela coletivização do processo,
do Título III do CDC para as demais três modalidades
movimento esse denominado por Cappelletti e Garth
de interesses (RODRIGUES, 2003, p. 383).
(1988, p. 31-67) de representação em juízo dos interesses coletivos. A Lei de Ação Civil Pública (LACP), todavia, implanta o sistema da taxatividade, já que o seu art. 1º arrola detidamente direitos ou interesses
Assim, foi necessária a criação e implementação de institutos jurídicos aptos a tutelar os novos direitos, cujas lesões podem acarretar conseqüências muitas vezes imprevisíveis. Nesse contexto de intensas transformações, o
transindividuais tuteláveis de forma coletiva.
legislador pátrio cuidou de editar leis disciplinando
Atualmente, sucede a terceira fase, denominada de
esses novos conflitos e direitos. É com a Lei nº
fase da tutela jurídica integral, irrestrita e ampla, tem
7.347/85 que ingressa no Brasil, no plano normativo,
como marco a Carta Política de 1988.
o movimento mundial pela coletivização do processo,
A CF/88, além de consagrar em seu art. 1º o
movimento esse denominado por Cappelletti e Garth
Estado Democrático de Direito, que é o Estado da
(1988, p. 31-67) de representação em juízo dos
Justiça Material, da transformação positiva da
interesses coletivos.
realidade social com justiça, reafirmou, no art. 5º,
A Lei de Ação Civil Pública (LACP), todavia,
XXXV, o princípio do acesso amplo e irrestrito à
implanta o sistema da taxatividade, já que o seu art. 1º
justiça, não especificando tutelas jurídicas
arrola detidamente direitos ou interesses
processuais.
transindividuais tuteláveis de forma coletiva.
O art. 129, III, da Lei Maior, consagrou, no ápice
Atualmente, sucede a terceira fase, denominada de
do ordenamento jurídico, o princípio da não-
fase da tutela jurídica integral, irrestrita e ampla, tem
taxatividade do objeto material da ação coletiva
como marco a Carta Política de 1988.
(ALMEIDA, 2003, p. 575).
A CF/88, além de consagrar em seu art. 1º o Estado
Sob a nova ordem, as leis infraconstitucionais
Democrático de Direito, que é o Estado da Justiça
passaram a tutelar de forma geral os interesses e
Material, da transformação positiva da realidade
direitos metaindividuais, o que se consolidou com a
social com justiça, reafirmou, no art. 5º, XXXV, o
edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
princípio do acesso amplo e irrestrito à justiça, não
Lei n° 8.078/90.
especificando tutelas jurídicas processuais.
O CDC alterou alguns dispositivos da LACP,
O art. 129, III, da Lei Maior, consagrou, no ápice do
valendo ressaltar a criação do art. 21, o qual
ordenamento jurídico, o princípio da não-taxatividade
determina a aplicação do Título III do código
do objeto material da ação coletiva (ALMEIDA, 2003,
consumerista à defesa dos direitos e interesses
p. 575).
difusos, coletivos e individuais, no que for cabível.
57
A litigância de má-fé em sede de ações coletivas: um assombro ao direito fundamental à efetividade datutela jurisdicional
Sob a nova ordem, as leis infraconstitucionais
Exsurge, assim, com grande importância social, a
passaram a tutelar de forma geral os interesses e
possibilidade de uma tutela mais eficaz, por
direitos metaindividuais, o que se consolidou com a
Intermédio da outorga de legitimidade a
edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
determinados órgãos, atingindo, até mesmo, direitos
Lei n° 8.078/90.
individuais, cuja proteção também é admitida pela via
O CDC alterou alguns dispositivos da LACP, valendo ressaltar a criação do art. 21, o qual
coletiva, consoante pondera Eduardo Alvim (1999, p. 686).
determina a aplicação do Título III do código
Em face da natureza dos interesses em conflito, a
consumerista à defesa dos direitos e interesses
filosofia que orienta o sistema processual de caráter
difusos, coletivos e individuais, no que for cabível.
coletivo é voltada para a sua socialização (função
Formou-se, dessa maneira, uma simbiose dos
social) e democratização.
diplomas, que juntos formam o sistema processual coletivo ou jurisdição civil coletiva.
Busca-se a efetividade do processo e a pacificação social através de uma solução homogênea e rápida
Da associação dos diplomas, a doutrina traçou a
para questões que atingem um número, em regra,
seguinte conclusão: a tutela dos direitos difusos e
infindo de pessoas, liberando-as dos entraves da
coletivos se faz de modo direito pela LACP; e, a dos
ação individual.
direitos individuais homogêneos pelos arts. 91 a 100
Por outra banda, visa-se proteger bens jurídicos
do CDC, aplicando-se as demais normas processuais
cuja lesão pode ocasionar conseqüências algumas
do Título III do CDC para as demais três modalidades
vezes imprevisíveis.
de interesses (RODRIGUES, 2003, p. 383).
A tutela coletiva também contribui para a efetivação do amplo acesso à justiça, na medida em que
A via coletiva como instrumento eficaz de resolução de lides
ameniza barreiras de ordem técnica, cultural e psicológica, facilitando a defesa de interesses e direitos dos hipossuficientes (crianças,
A constatação da inadequação e insuficiência do
consumidores, trabalhadores, grupos vulneráveis,
processo ortodoxo, diante da nova realidade social,
idosos, enfermos etc.). Portanto, as ações coletivas
não é uma falácia. Os preceitos processuais
permitem o acesso à justiça daqueles que,
clássicos, contidos como regra no digesto processual
individualmente, não teriam meios de ingressar em
civil, não se apresentaram aptos à proteção dos
juízo ou teriam muita dificuldade de fazê-lo.
valores transindividuais, de interesse comum da
Outra vantagem desta espécie de tutela é a facilitação do tratamento processual de causas
sociedade. Os conflitos decorrentes de tais valores, até então
pulverizadas, que, por serem individualmente muito
incipientes na sociedade em desenvolvimento,
pequenas e insignificantes, não seriam ajuizadas,
demandam tutela célere e eficaz.
deixando impunes os autores dos danos. Conforme a
O entrelaçamento das Leis nº 7.347/85 LACP e nº
doutrina majoritária, a proteção coletiva confere
CDC, alhures desnudado, empresta
tratamento molecular às lides; enquanto a individual,
sustentáculo e apresenta o modus faciendi da tutela
atomizado. Há, também, a questão da economia de
jurisdicional coletiva. É o que Cristiano Farias (2006,
tempo, esforços e despesas e da garantia da
P.48) denominou de Código de Processo Civil
uniformidade das decisões.
8.078/90
coletivo.
58
Com efeito, a noção de ações coletivas,
“Desde os tempos mais remotos, privilegia-se o dever de dizer a verdade, como princípio ético fundamental, pois a justiça reside na boafé.”
vocacionadas para a defesa, por única via, dos interesses comunitários, torna possível uma melhor prestação jurisdicional, de modo a consagrar a busca da cidadania, solidariedade social e igualdade substancial, garantindo o acesso amplo à ordem jurídica justa, adequada e eficaz.
Princípios éticos do processo O dever de veracidade A obrigação de dizer a verdade não é uma
Vale destacar, ainda, o novo enfoque dado à
conquista dos tempos atuais, ao revés, citações
responsabilidade civil, na medida em que a
bíblicas, em diversas passagens, condenam a
condenação genérica (art. 95 do CDC) impõe ao réu a
mentira, inclusive no tocante à formulação dos
obrigação de indenizar os danos e prejuízos
mandamentos. Em época mais próxima, podemos
causados, e não os sofridos. Isto quer dizer que, uma
citar os romanos, que estatuíram os princípios
vez procedentes os pedidos formulados na ação
superiores do direito, que são: viver honestamente,
coletiva, é fixada a responsabilidade genérica do réu
não prejudicar aos outros e dar a cada um o que é seu
pelos danos e prejuízos decorrentes de sua conduta,
por direito. Neste sentido,
cabendo aos lesados apenas a liquidação dos
Podemos afirmar que, desde os tempos mais
respectivos danos e a execução. Isso facilita
remotos, privilegia-se o dever de dizer a verdade,
sobremaneira a reparação, na medida em que não se
como princípio ético fundamental, pois a justiça
discute mais a responsabilidade do réu pelos danos,
reside na boa-fé.
seja na liquidação ou nos atos executórios, aliados
O professor Hélio Tornaghi, ao comentar os
em razão do sincretismo de tutelas instituído pela Lei
elementos do processo, aborda aspectos do dever de
nº 11.232/05.
veracidade, vejamos:
Outro ganho consiste na concretização de uma
Atente-se para o fato de que a lei exige sinceridade.
igualdade material entre os litigantes, na medida em
Não pretende que a parte tem o dever de acertar, de
que são neutralizadas as vantagens dos litigantes
não cometer equívocos ou ainda de conhecer a
habituais e daqueles mais fortes pelo instituto da
verdade objetiva, de saber dos fatos tais com
legitimidade extraordinária.
realmente são. A própria posição da parte já a coloca
Vislumbra-se, via de conseqüência, que as ações
em situação difícil para projetá-la em verdadeira
coletivas são o mecanismo efetivo para a defesa das
grandeza. A lei não exclui, e nem poderia excluir a
lesões ou ameaça de lesões que atingem a
possibilidade de uma linguagem falsa, mas sincera
coletividade, grupos ou determinada quantidade de
dos fatos. Ela não espera que a parte não se engane;
indivíduos. Deve ser encarado como forma de
o que exige é que ela não engane o juiz. A parte não
redução do maior malefício que hoje aflige o
se despe da natureza humana ao ir a juízo; a
judiciário: a demora excessiva na prestação
representação intelectual dos fatos está sujeita às
jurisdicional.
deformações provenientes não só dos estados
59
A litigância de má-fé em sede de ações coletivas: um assombro ao direito fundamental à efetividade datutela jurisdicional
passionais ou emotivos como ainda das naturais
qual se pautem seus atos as pessoas que praticam
limitações. O que a lei quer é que as partes digam só o
uma relação, qual a processual, destinada à
que lhes parece ser a verdade e tudo o quanto lhes
consagração do ideal da justiça, condição precípua
afigura verdadeiro. Nem falsidade, nem reticências;
da existência social. (AMARAL, 1999, p.65).
nem inverdade, nem restrições mentais. (TORNAGHI, 1974, p.144).
É certo que a relação processual, quando se forma, tem como fato ensejador uma desarmonia
Esse fragmento da obra do insigne professor
entre as partes e que um clima de concórdia é pouco
expressa de maneira perfeita o que se busca com o
provável, mas não devemos possibilitar que isto sirva
dever de veracidade − lisura na atitude da parte e
de motivo para trilhar o processo com abusos de
seus procuradores. Não se procura, dessa maneira,
direito.
impor verdades absolutas, mas demonstração da realidade dos fatos.
A inobservância do princípio da lealdade processual se traduz em ilícito, ao qual se aplicam
O dever de veracidade é pedra basilar do sistema
sanções. Tais punições têm como objetivo a
processual. Podemos encontrá-lo implícito em regras
preservação do comportamento ético dos sujeitos
do CPC, como visto no art. 339, mas também de
dentro do processo. Ademais, vale ressaltar que as
forma explícita, nos arts. 14 e 17. Sua inobservância
punições devem, inclusive, serem aplicadas de ofício
assenta hipótese de litigância de má-fé.
pelos Magistrados, pois refletem atos atentatórios à dignidade da justiça.
O princípio da lealdade (probidade) processual O abuso do direito dentro do processo Existem os princípios gerais do direito e os específicos de cada ramo do direito, exaltados como
O Código de Processo Civil revogado (1939) trazia
“enunciados lógicos admitidos como condição ou
definição sobre abuso de direito, ao contrário da
base de validade das demais asserções que
legislação atual, que não apresenta definição
compõem dado campo do saber” (REALE, 1991,
sistêmica acerca do assunto.
p.300). O princípio da boa-fé, da qual a lealdade
Toda vez que um indivíduo, no exercício dos seus
processual é corolário, vem prescrito no artigo 3°, I,
direitos, excede os limites impostos pelo direito
da Constituição Federal.
positivo, aí compreendidos não só o texto legal, mas
Não obstante a abordagem constitucional, uma
também as normas éticas que coexistem em todo o
conduta justa e leal deve ser característica conatural,
sistema jurídico, ou toda vez que realiza direitos
essencial e intrínseca às pessoas, ainda que litiguem
subjetivos de forma contrária a sua finalidade social,
acerca de determinado bem. A probidade está
verifica-se abuso do direito.
vinculada à atitude de proceder de maneira criteriosa.
O exercício do direito de demandar não é absoluto,
Um litigante probo é aquele que observa as regras da
pois se acha condicionado a um motivo legítimo. A
moral, sem fraude e sem logro.
utilização do processo pressupõe um direito a ser
Moacyr Amaral, ao sistematizar o estudo do direito
reintegrar, um interesse a proteger, como razão de
processual civil, elegeu a probidade como condição
invocação da tutela jurisdicional. Em razão disto, o
de existência social, in verbis:
processo oferece campo para abuso em todas as
Probidade é integridade de caráter, soma de virtudes que informam a dignidade pessoal, com a
60
suas fases lógicas e em todos os estágios
procedimentais, tanto na instância originária como na
jurisdicional dos conflitos é o fenômeno da
recursal.
morosidade. A demora no remate de qualquer
O abuso do direito processual existe em função de haver um dever de observância dos fins do processo. A respeito, esclarece o eminente processualista Humberto Theodoro Júnior:
processo é tão frustrante quanto o julgamento pela improcedência da pretensão deduzida. A Emenda Constitucional nº 45, de 31.12.2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da CF/88,
Consiste o abuso do direito processual nos atos de
com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e
má-fé praticados por quem tenha uma faculdade de
administrativo, são asseguradas a razoável duração
agir no curso do processo, mas que dela se utiliza não
do processo e os meios que garantam a celeridade de
para os seus fins normais, mas para protelar a
sua tramitação”.
solução do litígio ou desviá-la da correta aplicação
Trata-se da consagração do Princípio da
judicial, embaraçando, assim, o resultado justo da
Celeridade ou Brevidade Processual. A despeito de já
prestação jurisdicional. (THEODORO JÚNIOR, 2001,
se encontrar previsto em diversas normas
p. 113)
infraconstitucionais, embora pontualmente (Lei nº
Nesta esteira lógica, compete inferir que comportamentos abusivos atingem também o
9.099/95, v.g.), o fato é que inexistia, até então, previsão expressa em nível constitucional.
Estado, já que pode induzir, ardilosamente, o julgador
O direito à razoável duração do processo,
a aceitar uma realidade falsa, malversando o seu
entrementes, já se encontrava embutido na cláusula
poder-dever constitucional de dar efetividade às
de garantia de acesso à justiça, a qual somente
prescrições da ordem jurídica.
poderia ser efetiva por intermédio de uma tutela jurisdicional tempestiva, como já expressava Teori
O princípio da celeridade ou brevidade Processual
Albino Zavascky: O direito fundamental à efetividade do processo que se denomina também, genericamente, direito de
A norma de direito fundamental, ao instituir valor e,
acesso à justiça ou direito à ordem justa
assim, influir sobre a vida social e política, regula o
compreende, em suma, não apenas o direito de
modo de ser das relações entre os particulares e o
provocar a atuação do Estado, mas também e
Estado (eficácia vertical), assim como as relações
principalmente o de obter, em prazo adequado, uma
apenas entre os sujeitos privados (eficácia
decisão justa e com potencial e atuar eficazmente no
horizontal).
plano dos fatos. (ZAVASCKY, 1999, p. 64).
O art. 5º, XXXV, da Carta Política, dispõe que “a lei
De mais a mais, sem prejuízo das já demonstradas
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
previsões do Princípio da Celeridade ou Brevidade, o
ou ameaça a direito”. Essa norma garante a todos o
mesmo já encontrava abrigo em alguns instrumentos
direito a uma prestação jurisdicional efetiva.
internacionais incorporados ao sistema jurídico
Sem diminuir a importância e relevância dos
pátrio.
demais princípios corolários, a duração do processo
Observa-se a garantia do julgamento de processo
tem se caracterizado como ponto de grande
em prazo razoável textos da Convenção Americana
preocupação e atenção da sociedade, pois é sabido
sobre os Direitos Humanos (Pacto de San Jose da
que um dos principais problemas atinentes à solução
Costa Rica), que integra nosso ordenamento jurídico
61
A litigância de má-fé em sede de ações coletivas: um assombro ao direito fundamental à efetividade datutela jurisdicional
desde a edição do Decreto nº 678, de 6 de novembro
A litigância de má-fé nas ações coletivas
de 1992, e do Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos, ratificado pela República do Brasil em 24 de
Se a coletividade precisa de tempo para receber o bem da vida a que persegue, diante dos preceitos
janeiro de 1992. Com efeito, a grande contribuição da atividade
intrínsecos ao devido processo legal, é lógico que o
constitucional reformadora, neste particular, foi de
processo evidentemente que no caso de sentença
consagrar, de forma expressa na Lex Mater,
de procedência será tanto mais efetivo quanto mais
dispensando necessidade de interpretação
rápido.
sistemática e teleológica, o direito público subjetivo à
A litigância de má-fé constitui um dos males mais
celeridade processual no rol dos direitos e garantias
sérios e nefastos do processo.
fundamentais.
devem desencadear a repressão legalmente
Especificamente quanto à noção de prazo comedido do processo, segundo José Rogério Lauria
Atos desse jaez
prevista, por consectário da previsão constitucional de celeridade no trâmite de questões judiciais.
e Tucci (1999, p.32-35), citando Jean-Pierre
A técnica processual é imprescindível para a
Marguénaud, a Corte Européia dos Direitos do
efetividade da tutela dos direitos, não se podendo
Homem estabeleceu três critérios a sopesar as
supor que, diante da omissão do legislador em editar
circunstâncias do caso concreto para fixar-se “o
norma explícita, o juiz nada possa fazer. Repita-se: o
tempo razoável de duração
de um determinado
direito fundamental à efetividade da tutela
processo”. São eles: a complexidade do assunto, a
jurisdicional não se volta apenas contra o legislador,
atuação do órgão jurisdicional e o comportamento
mas também se dirige contra o Estado-Juiz. Por isso,
dos litigantes e de seus procuradores.
é inconcebível pensar que o juiz deixa de ter dever de
Com efeito, dentre outros fatores preponderantes para a demora na tramitação de processos, posicionam-se as posturas moralmente questionáveis da partes.
tutelar de forma efetiva os direitos em face da falta de norma expressa. Das regras voltadas para a proteção da coletividade, pode-se extrair sensível preocupação
A compreensão da duração do processo, de
com a continência de eventuais excessos praticados
acordo com o uso racional do tempo processual,
por abuso do exercício da ação coletiva. Releva-se
passa pela conduta dos sujeitos envolvidos.
que, da leitura do art. 18 da LACP, é possível
Pretender distribuir o tempo implica em vê-lo como
conjecturar risco zero para ajuizar e perder uma ação
ônus, sendo que essa compreensão exige a prévia
civil pública.
constatação de que ele não pode ser visto como algo neutro ou indiferente. De qualquer sorte, o conteúdo da novel garantia, desde logo, não pode ficar relegado ao tratamento tradicionalmente dado àquelas normas constitucionais que reconhecem direitos e, por isso, ficam com seu caráter eficacial dependente de ações legislativas posteriores, as quais, de regra, não se apresentam ou tardam.
62
“A litigância de má-fé constitui um dos males mais sérios e nefastos do processo.”
Conquanto a LACP, no art. 17, mencione apenas “associação autora” como passível aos efeitos da
prática do ilícito. Por esse motivo, o a aplicação de multa não guarda correlação com as perdas e danos.
condenação por litigância de má-fé, os efeitos da
Neste contexto, surge a lume o instituto da
atividade repressiva podem resvalar em todas as
solidariedade entre a pessoa jurídica e seus gestores,
partes do processo, sejam autores, mesmo na
com conseqüente afetação de patrimônio próprio, de
hipótese do Parquet, réus, litisconsortes, sucessores
modo a integrar instrumento repressivo ao uso
processuais e os intervenientes.
indevido da legitimidade, em consonância com o art.
De mais a mais, o CPC deve ser aplicável sempre
87, parágrafo único, do CDC. A responsabilidade
que necessário em sede de tutela coletiva, seja por
estará jungida à proporção do respectivo interesse na
disposição expressa no art. 19 da LACP, mas,
causa, ou, pro rata para aqueles que se coligaram em
sobretudo, por ser norma geral do direito processual
atividade lesante. (art. 18, parágrafo 1º, do CPC).
civil. Os arts. 14 e s.s. do CPC descrevem condutas
No processo de execução, a sanção é mais grave,
ímprobas e estabelece o conteúdo do princípio da
pois a multa poderá atingir valor correspondente a
lealdade.
20% do valor do débito em execução,
As sanções para a litigância de má-fé constam do art. 17 da LACP e arts. 18 e 601 do CPC. Destes dispositivos legais, exsurgem duas espécies de sanções: a multa e a indenização.
independentemente de outras sanções de natureza material ou processual. O valor reverte em proveito do credor e pode ser somado ao valor da execução, ou seja, pode ser
Em sede do diploma das ações coletivas, a sanção
exigido nos mesmos autos. Mas para abrandar os
com a pena pecuniária correspondente ao décuplo
efeitos da sanção, o parágrafo único do artigo 601 do
das custas, é medida irrisória, tendo em vista que
CPC estabelece que o juiz relevará a pena, se o
muitas demandas são propostas com valor da causa
devedor se comprometer a não mais praticar
extremamente baixo, tendo custas também bastante
qualquer dos atos indignos e der fiador idôneo.
diminutas. Há casos em que a pena prevista não
A apreensão em pôr um freio nas facilidades e
causa nenhum desestímulo ao demandante e, por
estímulos ao acesso impertinente e abusivo à justiça
isso, devem ser aplicados supletivamente os
coletiva é imperativo de cunho constitucional,
dispositivos do códex.
devendo o magistrado agir ex officio, condenando o
A multa prevista no CPC deverá ser fixada em percentual não excedente a 1% sobre o valor da
litigante ímprobo, independente do resultado final do litígio.
Causa. A indenização, de seu turno, compreende os prejuízos honorários e todas as despesas. O valor da indenização pode ser especificado de duas formas. Diretamente e desde logo pelo magistrado, em valor não superior a 20% do valor da causa, ou relegado para liquidação por arbitramento. Neste último caso, não se aplica o referido limite. É certo que o valor da pena pecuniária é sanção por se ter praticado o ilícito processual e isso nada
“ A multa prevista no CPC deverá ser fixada em percentual não excedente a 1% sobre o valor da Causa.”
tem que ver com o eventual prejuízo decorrente da
63
A litigância de má-fé em sede de ações coletivas: um assombro ao direito fundamental à efetividade datutela jurisdicional
Conclusões A tutela jurisdicional coletiva, na ambientação cidadã do Direito, surge vocacionada para servir de meio propício para a efetividade do processo, protegendo, em última análise, a própria pessoa humana e seus bens jurídicos essenciais ao desenvolvimento da vida em sociedade. Vislumbra-se, assim, que as ações coletivas assumem relevante papel na sociedade, devendo ser corretamente manejadas e prestigiadas para servir de meio idôneo de efetivação de direitos e, por conseqüência, garantir pleno exercício de cidadania. O sistema processual brasileiro vigente à época justiça, mostrava-se eminentemente individualista, portanto, inadequado e insuficiente para a tutela das novas lides. Com necessidade de adaptações às novas necessidades sociais, foram incorporados, na legislação pátria, institutos e instrumentos processuais de tutela dos interesses e direitos metaindividuais. O acesso coletivo à justiça, atualmente, é disciplinado pela Constituição Federal de 1988, pela Lei da Ação Civil Pública, pelo Código de Defesa do Consumidor, entre outras leis esparsas. No mesmo passo, a despeito de já se encontrar previsto implicitamente e em diversas normas infraconstitucionais, o direito fundamental à tutela jurisdicional célere ganhou contornos de positivação expressa na Carta Política, através da Emenda Constitucional nº 45, de 31.12.2004, que acrescentou o inc. LXXVIII ao art. 5º da CF/88, consagrando, em definitivo, o Princípio da Celeridade ou Brevidade Processual. O Estado desta forma, além de obrigado a não agredir os direitos fundamentais e de fazê-los respeitar pelos particulares, deve tomar em conta o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional para proteger os direitos com proficiência, dando razão de ser ao próprio
64
Ordenamento jurídico. A litigância de má-fé gera incerteza na resolução de conflitos sociais, representando, por si só, dano colateral significativo. As condutas ímprobas não se voltam apenas contra as partes, mas também atingem a dignidade da justiça.
Os meios de
coibição, diante da assertiva posta, são instrumentos também destinados à preservação do próprio Estado, sem o qual o processo jamais atinge a sua finalidade. Na seqüência deste raciocínio, a rígida condenação da parte que pratica atos ilegítimos é dever que se impõe, posto que a pacificação do conflito instalado, com justiça, jamais será alcançada por efeito da impunidade do litigante desleal. A ocorrência de atos reputados ilegítimos pela nossa legislação processual não deve ser aceita com normalidade ou complacência, conforme interpretações subjetivas, haja vista que o direito à efetividade da tutela jurisdicional está enquadrado na categoria dos direitos fundamentais. Destarte, é possível concluir que as regras protetivas da pessoa humana e, por conseguinte, as regras da tutela coletiva, não podem ser ameaçadas ou inibidas pela litigância de má-fé, cuja coibição encontra espeque no ditame fundamental de jurisdição efetiva.
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Sentença AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Gabriel de Moraes Gomes Juiz de Direito
Comarca de São Gabriel - BA
Enfrenta-se, no bojo do presente processo
“Por não mais interessarem à instrução
criminal, no qual este juízo já encerrou sua função
processual, entreguem-se as armas de fogo
jurisdicional, intrincada questão administrativa.Com
relacionadas com o presente processo ao Exército,
a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento
nos termos do art. 25 do Estatuto do Desarmamento,
(Lei nº 10.826/03), o destino de armas de fogo
para posterior destruição.
apreendidas, esgotada sua utilidade para a
As armas deverão ser entregues à autoridade
persecutio criminis, passou a ser determinado em
militar de maior patente que atue na unidade do
seu art. 25, que dispõe:
Exército sediada em Irecê/BA, não cabendo à
“Armas de fogo, acessórios ou munições
Justiça Estadual, para os fins do art. 25 do Estatuto
apreendidos serão, após elaboração do laudo
do Desarmamento, imiscuir-se em detalhes da
pericial e sua juntada aos autos, encaminhados pelo
distribuição interna de competência do Exército.
juiz competente, quando não mais interessarem à
Desde já consigno inexistir estrutura material
persecução penal, ao Comando do Exército, para
para que este juízo providencie a entrega das armas
destruição, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito)
em unidade militar mais distante.
horas”. Em regulamentação a tal comando normativo, dispõe o Decreto nº 5.123/04, em seu art. 65, §4º:
Assevero também que fere o princípio da proporcionalidade a tentativa de se impor a outro órgão da Administração Pública que não o próprio
“O Comando do Exército designará as
Exército a responsabilidade pelos problemas de
Organizações Militares que ficarão incumbidas de
logística cuja superação se faz necessária para o
destruir as armas que lhes forem encaminhadas
efetivo cumprimento do determinado no art. 25 do
para esse fim, bem como de incluir este dado no
Estatuto do Desarmamento. Expeça-se o mandado de entrega, solicitando a escolta da Polícia Civil”.
respectivo sistema no qual foi cadastrada a arma.”. Visando atender à intenção esboçada pelo legislador no art. 25 do Estatuto do Desarmamento, foi despachado à fl. 102 dos presentes autos:
66
Não obstante, em cumprimento ao mandado, certificou o oficial de justiça (fl. 104v, sic):
“Certifico para os devidos fins que em
h. A entrega do armamento deve ser agendada
cumprimento ao mandado retro dirigi-me ao
com antecipação pelo interessado (...). Importa
endereço mencionado e lá estando fui recebido pelo
salientar que não ocorrendo o prévio agendamento,
1º sargento, oficial de maior patente daquela
ficará prejudicado o recolhimento.
unidade, que me informou não poder receber a arma
l. Por fim, vale observar que, para a entrega das
referida, por ter ordens superiores, conforme se
armas e/ou munições para destruição, o
comprova com o anexo ofício de nº 151-SPFC, de 31
deslocamento é de inteira responsabilidade dos
de maio de 2007, assinado pelo Chefe do Estado-
interessados, sendo que o Exército não disponibiliza
Maior da 6ª Região Militar, Cel. Nelson de Souza
meios para esta finalidade”.
Júnior, informando ainda que só o 6º Depósito de
A organização das Forças Armadas tem sede
Suprimento está Autorizado a recolher e armazenar
constitucional no art. 142, caput e parágrafos da Lei
armas e munições. Por estes motivos deixei de
Maior. No caput, são definidas como instituições
cumprir o determinado no mandado retro,
nacionais permanentes e regulares, organizadas
devolvendo ao cartório a referida arma e munições”.
com base na hierarquia e na disciplina, sob a
No Ofício nº 151 - SFPC/6, de 31/07/2007 (fls.
autoridade suprema do Presidente da República, e
106/108), assinado pelo Chefe do Estado-Maior da
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
6ª Região Militar, lê-se, no que é importante para a
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
avaliação da situação em estudo (grifos nossos):
destes, da lei e da ordem. O §1º fixa que lei
“b. Em consonância com o §4º do Decreto nº
complementar estabelecerá as normas gerais a
5.123/04, acima transcrito, no âmbito da 6ª Região
serem adotadas na organização, no preparo e no
Militar, somente o 6º Depósito de Suprimentos está
emprego das Forças Armadas.
autorizado a recolher e armazenar armamento e/ou
Há tempos defendia José Afonso da Silva:
munição para fins de destruição, o que se faz por
“Cada uma das três forças goza de autonomia
intermédio da Seção de Armamento e Munição do 6º
relativa, subordinadas respectivamente aos
Depósito de Suprimento (SAM/6º D Sup) e da 2ª
Ministérios da Marinha, do Exército e da
Companhia de Suprimento do 6º Depósito de
Aeronáutica, uma vez que, apesar das tentativas
Suprimento (2ª Cia Sup/6º D Sup).
reiteradas, ainda não se conseguiu unificá-las num
c. O armamento a ser destruído deverá ser encaminhado à Seção de Armamento e Munição do
só Ministério, que seria o da Defesa, como ocorre nos EUA e em outros países”.
6º Depósito de Suprimento (SAM/6º D Sup), localizada no 19º Batalhão de Caçadores (19º BC), situado na rua Silveira Martins, s/nº, bairro Cabula, Salvador-BA (...); d. A munição a ser destruída deverá ser endereçada à 2ª Companhia de Suprimento do 6º Depósito de Suprimento (2ª Cia Sup/ 6º D Sup), situada na BR110, Km 62, Cx Postal 80, AlagoinhasBA.
“O Comando do Exército designará as Organizações Militares que ficarão incumbidas de destruir as armas que lhes forem encaminhadas para esse fim...”
67
Ação civil pública
(Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 14ª Ed. 1997, p. 706).
O legislador federal, quando editou o Estatuto do Desarmamento, não se preocupou em especificar,
A Emenda Constitucional nº 18/98 e a Lei
na estrutura militar, quem seria o encarregado de
Complementar nº 97/99, atendendo ao anseio do
receber as armas para destruição. Nem seria
ilustre constitucionalista, subordinaram as forças
adequado fazê-lo. Determinou tão-somente a
armadas ao Ministério da Defesa, extinguindo os
entrega das armas ao Exército (ou ao Comando do
Ministérios militares, muito embora tenham mantido
Exército).
o status de ministro aos comandantes da Marinha,
Interpretação literal da disposição do art. 25 do
do Exército e da Aeronáutica. Não existem, desde
Estatuto do Desarmamento redundaria em
então, Ministérios do Exército, Marinha e
compreender que as armas haveriam de ser
Aeronáutica, mas Comandos de cada uma das
entregues diretamente ao outrora Ministério do
forças armadas.
Exército (hoje Comando do Exército), em Brasília, a
O termo “Comando do Exército”, dentro da nova
encargo do comandante do Exército. Obviamente
sistematização das Forças Armadas, veio em
não foi essa a intenção do legislador. O que se
substituição a “Ministério do Exército”. Lê-se
pretendeu foi ordenar a entrega das armas e
claramente nos arts. 19 e 20 da LC nº 97/99:
munições AO EXÉRCITO, para que, respeitadas as
“Até que se proceda à revisão dos atos
repartições internas de competência da
normativos pertinentes, as referências legais a
administração militar, fossem destruídas por quem
Ministério ou a ministro de Estado da Marinha, do
incumbido de tal função.
Exército e da Aeronáutica passam a ser entendidas
Nesse contexto é que deve ser lido o art. 65,
como a Comando ou a comandante dessas Forças,
§4º, do Decreto nº 5.123/04: cumpre ao Comando do
respectivamente, desde que não colidam com
Exército especificar quais unidades militares serão
atribuições do Ministério ou ministro de Estado da
responsáveis pela destruição das armas que forem
Defesa.”.
encaminhadas pelas autoridades judiciárias ao
“Os Ministérios da Marinha, do Exército e da
Exército, recebidas em qualquer repartição militar.
Aeronáutica serão transformados em Comandos,
Lógico que não pretendeu o presidente da
por ocasião da criação do Ministério da Defesa”.
República, ao regulamentar o Estatuto do Desarmamento, limitar unidades do Exército que iriam receber as armas para destruição, nem vincular as autoridades judiciárias às escolhas do
“O Exército não pode restringir o recebimento de armas encaminhadas pelo Poder Judiciário”
Comando do Exército. O Exército não pode restringir o recebimento de armas encaminhadas pelo Poder Judiciário (e menos ainda aos Judiciários Estaduais, em respeito ao pacto federativo) a uma ou outra unidade militar. Cabe ao Exército decidir quem destruirá as armas, não quem irá recebê-las. Nem pode condicionar o recebimento das armas a “agendamento”, e menos ainda impor a cláusula de
68
unidade militar. Cabe ao Exército decidir quem destruirá as armas, não quem irá recebê-las. Nem
“O Comando do Exército deve definir quem irá destruir as armas e munições, não o destino da entrega”
pode condicionar o recebimento das armas a “agendamento”, e menos ainda impor a cláusula de “deslocamento por conta e responsabilidade dos interessados”, como se o cumprimento do disposto no art. 25 do Estatuto do Desarmamento não fosse questão de interesse das Forças Armadas. É muito mais lógico, sensato e condizente com os princípios constitucionais relativos à segurança pública que o próprio Exército transporte as armas
limitação imposta pelo Of. Nº 151 - SFPC/6, a
de fogo, principalmente considerando ser possível
distância entre o local de origem e o destino final das
(e lamentavelmente comum) a apreensão judicial de
armas se transmutaria de 10 Km (na escolha judicial,
armas de uso restrito das Forças Armadas, armas
até a cidade de Irecê) para algo entre 480 Km (até
estas que, presume-se, devam circular pelo País,
Salvador) e 550 Km (até Alagoinhas). Quem faria
tanto quanto for possível, apenas nas mãos das
esse transporte? A Polícia Judiciária? Os oficiais de
próprias Forças Armadas.
Justiça?
O ato administrativo contido no Ofício nº 151-
Tenho-me por competente para determinar a
SFPC/6 seria nulo mesmo que editado pelo
unidade do Exército que, nos termos do art. 25 do
comandante do Exército. A nulidade se agrava
Estatuto do Desarmamento, irá receber
quando se percebe que o ato é de responsabilidade
armamentos e munições sem mais utilidade à
de comandante regional.
persecutio criminis. Creio não caber ao Exército (e
Qualquer unidade do exército para as quais
muito menos a oficial hierarquicamente inferior ao
sejam endereçadas armas tem o dever de recebê-
comandante do Exército) escolher quem receberá
las, não importando para o Poder Judiciário quem irá
armas de fogo a serem posteriormente destruídas.
destruí-las.
Creio, também, cumprir ao Exército, usando sua
Note-se que, no caso concreto, ainda se
própria estrutura logística, transportar armas de uma
pretendem que as armas sejam entregues em uma
unidade militar para outra, ou então, também a
cidade (Salvador) e a munição em outra
critério do Exército, decidir por destruí-las no local
(Alagoinhas), situação que poderia mudar a cada
em que forem originalmente entregues.
novo ofício que fosse elaborado pelo comando regional do Exército.
O Comando do Exército deve definir quem irá destruir as armas e munições, não o destino da
Entendo ficar na discricionariedade de cada juiz
entrega, muito menos escolhendo endereços em
decidir a qual repartição do Exército direcionar as
cidades diferentes, um para armas e outro para as
armas que forem apreendidas em processos
munições, ambos a centenas de quilômetros da
judiciais de sua competência, não cabendo ao
comarca onde os petrechos se encontram, e a certa
Comando do Exército (e muito menos a
distância um do outro.
comandantes regionais) restringir a escolha. Na situação específica, caso fosse válida a
O Chefe do Estado-Maior da 6ª Região Militar, por outro lado, não vê a questão dessa forma.
69
Ação civil pública
menos no caso concreto, de típica solução de litígio
“ a tarefa de providenciar o transporte, após “agendar” a entrega. Mais uma vez há de se indagar: quem faria o agendamento? O juiz, pessoalmente? O oficial de Justiça? A Polícia Civil?”
entre partes ou de tutela do jus puniendi, com o que se parece estar fora da jurisdição civil e penal. De qualquer forma, ainda que porventura não seja conhecido o conflito pelo STJ, entendo prudente, para evitar a pecha de arbitrariedade, provocar primeiro a Corte Federal Superior, de modo a preservar-se o pacto federativo e a separação de poderes. Caso não seja conhecido o conflito, por entender o STJ se configurar a atuação cotejada no art. 25 do Estatuto do Desarmamento como típica
Entende ser competente para escolher quais
função jurisdicional (CAt 93/DF, Rel. Min. Francisco
unidades militares podem aceitar as armas
Falcão, DJ 10.06.2002, p. 127, dentre outros), usarei
encaminhadas pelo Poder Judiciário, como também
dos instrumentos disponibilizados para fazer valer o
para impor ao Poder Judiciário (o suposto
comando imposto à fl. 102.
“interessado”) a tarefa de providenciar o transporte,
Sendo assim, SUSCITO CONLFITO DE
após “agendar” a entrega. Mais uma vez há de se
ATRIBUIÇÕES com o CHEFE DO ESTADO-MAIOR
indagar: quem faria o agendamento? O juiz,
DA 6ª REGIÃO MILITAR, visando definir se cumpre
pessoalmente? O oficial de Justiça? A Polícia Civil?
à autoridade judiciária ou à autoridade militar decidir
Configura-se, nesse contexto, conflito de atribuições entre o Juízo de Direito da Comarca de
acerca do destino de entrega de armas de fogo a serem posteriormente destruídas.
São Gabriel/BA e o Chefe do Estado-Maior da 6ª
Oficie-se o STJ, instruindo o ofício com cópia
Região Militar, julgando-se competentes tanto a
das fls. 102/108, frente e verso, e do presente
autoridade judicial quanto a administrativa para
despacho.
escolher a unidade do Exército que, nos termos do art. 25 da Lei nº 10.826/03, receberá armas de fogo e munições inúteis à persecução penal (não se entra no mérito da escolha da unidade militar que destruirá os petrechos). Como a atividade do art. 25 do Estatuto do Desarmamento não aparenta ser função jurisdicional típica, verifico ser possível suscitar o conflito ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, “g”, da CF/88. Ainda que a determinação para cumprimento da providência possa vir encartada em processo judicial, nos comandos finais na sentença ou em despacho posterior ao trânsito em julgado, não se trata, ao
70
Aguarde-se em cartório até o recebimento dos autos do conflito de atribuições.
Cultura
Por: Edson Pereira Filho
IPSIS LITTERIS O livro “A UTOPIA BRASILEIRA E OS MOVIMENTOS NEGROS”, (“Editora 34”), do antropólogo e poeta baiano Antonio Risério, está dando o que falar no País. A obra é mais uma contribuição para entendermos a nossa rica paisagem das relações socioculturais e, em especial, o debate racial brasileiro de hoje, dividido entre os que negam a existência do racismo e se recusam a reconhecer a relevância do tema, e os que, segundo o autor, tentam importar ao Brasil categorias raciais norte-americanas.
“ESPAÇO GLAUBER” A notícia boa para quem ama a arte cinematográfica é a reabertura do Novo Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, em Salvador. Depois de mais de oito anos fechado, o espaço surge contando com quatro novas salas de exibição (lotação total de oitocentas cadeiras), uma galeria, uma livraria e um restaurante. Trata-se de mais uma opção de lazer, cultura e ponto de encontro para um bate-papo em grande estilo.
Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha Praça Castro Alves, s/n Salvador - Brasil (71) 3322-0302
TUDO A VER Quem gosta de assistir a filmes em casa, pode pegar nas locadoras a obra brasileira “Casa de Areia”, recente trabalho do talentoso Andrucha Waddington (autor de “Eu, Tu, Eles”). O filme é um drama que conta a história de uma mulher ao longo de três gerações. Maria, interpretada por Fernanda Torres (1910 e 1919) e Fernanda Montenegro (1942 e 1969), chega a um imenso areal, longínquo e deserto, acompanhada pelo marido, Vasco (Ruy Guerra), que comprara terras ali, acreditando que fossem férteis. De lá, ela nunca mais sairá. O grande cineasta Cacá Diegues, comentando a obra, diz que “em Casa de Areia, é como se você estivesse diante do início dos tempos, como se uma humanidade recém-criada estivesse fabricando seus costumes, se preparando para com eles sobreviver à miséria humana, inventando, enfim, uma nova antropologia para se relacionar com os outros e com o mundo à sua volta. 71
Sentenças CRIMINAL: TRÁFICO DE DROGAS
Rosemunda Souza Barreto Juíza de Direito Primeira Vara Privativa de Tóxicos da Comarca de Salvador
A Promotoria de Justiça ofertou denúncia contra
Acusado ora identificado como xxxx mantinha
xxxx, xxxx e xxxx, já qualificados nos autos,
relações de amizade com o taxista e também
alegando, em resumo, que:
Denunciado nesta peça vestibular, xxxxxx, vulgo 'x'.
No dia 27 de abril de 2007, por volta das 8h30min,
Este, segundo narra o inquérito policial, já houvera
no Bairro de Mata Escura, próximo à Penitenciária,
sido preso por envolvimento com o tráfico de
Policiais Federais efetuaram prisão em flagrante
entorpecentes.
delito dos Acusados supramencionados, em
No dia 15 de abril de 2007, xxxxxx e xxxxx
decorrência dos fatos a seguir expostos, sendo os
retornaram a Manaus, tendo, antes do embarque,
mesmos pontos culminantes de investigações
feito contato com xxxxxx , o que chamou a atenção
iniciadas na data de 11 de abril de 2007.
dos Policiais para este, em virtude de terem
Colhe-se do Caderno Informativo que o início das
percebido que o mesmo, na mesma madrugada,
referidas investigações se deram em decorrência de
também houvera seguido para Manaus, o que
informações fornecidas pela Superintendência
despertou suspeita sobre seu possível envolvimento
Regional da Polícia Federal no Amazonas, que se
com o tráfico de entorpecentes.
referia à viagem de xxxx, suspeito de tráfico de
Dando prosseguimento às investigações, os
drogas, de Manaus/AM para Salvador/BA. Ao
Policiais descobriram nova viagem que seria
procederem à análise nos bancos de dados de
realizada por xxx a Salvador, com chegada prevista
passageiros disponíveis no sistema do aeroporto de
para o dia 26 de abril de 2007. Nesta data, em
Salvador, os Policiais averiguaram a chegada
vigilância, os Policiais perceberam que quem o
marcada para a madrugada do dia 12 de abril de
aguardava era xxxx, tendo o mesmo conduzido-o
2007, no vôo da empresa área TAM, de xxxxx,
para o Hotel Barra Flat, onde ficara hospedado.
acompanhado do colombiano xxxx.
Tendo montado campana no referido hotel, foi
Empreendendo diligência no sentido de
averiguado pelos Policiais que, na manhã do dia 27
acompanhar e manter em vigilância os suspeitos, os
de abril de 2007, por volta das 8h, o Acusado chegara
Policiais puderam constatar que ambos ficaram
novamente ao hotel, transportando desta vez o
hospedados em um hotel no Porto da Barra, e que o
também e já mencionado Denunciado. Narram
72
também os autos que ambos saíram do táxi deixando
Notificados, apresentaram defesa preliminar, sendo,
uma mala preta do mesmo e dirigiram-se ao
a seguir, recebida a denúncia e determinada a citação
apartamento em que se encontrava xxxxx , tendo este
dos réus.
e xxx saído tempos depois e entrado no veículo mencionado. Empreendendo acompanhamento ao veículo, os Policias os abordaram na mencionada localidade de Mata Escura e constataram a presença de 8.825kg
Foram tomados os interrogatórios dos réus e ouvidas as testemunhas arroladas (fls. 201/207, 213/220, 229/232, 272/274). O laudo definitivo foi colacionado às fls. 282/284, positivo para cocaína.
(oito quilos e oitocentos e vinte e cinco gramas) de
Em alegações finais, (fls. 285/289), o Ministério
cocaína, acondicionada em pacotes envoltos em
Público entendeu provadas autoria e materialidade
sacos plásticos e fita adesiva, para fins de tráfico, que
dos crimes descritos na denúncia, de forma que pediu
estava dentro da referida mala preta.
a condenação dos réus conforme prevista na peça
Após realização da abordagem destes dois
inicial.
Acusados, os Policiais retornaram ao hotel e
Nos memoriais escritos, a defesa de xxx e xxx
prenderam também xxxxxx, tendo o mesmo afirmado
(293/301) sustentou que as confissões dos
em depoimento às autoridades seu envolvimento na
mencionados réus na fase de inquérito não têm valor.
atividade ilícita de tráfico de entorpecentes, dizendo
Aduziram, ainda, que xxx aceitou um emprego de
que havia sido contratado por xxx para transportar a
venda de medicamentos por todo o Brasil e,
droga de Belém/PA para Salvador/BA, por diversas
juntamente com o réu xxx, descobriu que a mala que
vezes.
carregavam estava com um cadeado, descobrindo,
Esta afirmação do Acusado pode ser comprovada em virtude do fato de terem sido apreendidos
também, somente quando da abordagem policial, o que continha a dita mala.
juntamente com os Denunciados vários bilhetes de
Sustentaram inexistência de provas robustas
passagens usadas para transporte de entorpecentes,
para condenação dos mesmos, pelo que foi pedida
consoante faz prova o Auto de Exibição e Apreensão
absolvição em relação a ambos.
de fls. 15 e 16.
Já a defesa de xxx (fls. 302/307), aduziu que o
A prática delitiva também foi confessada por
mesmo era taxista e sua única função foi realizar
xxx, tendo este afirmado, por sua vez, que houvera
transporte de passageiros, não sabendo o que os
sido contratado por um indivíduo chamado xxxx,
mesmos traziam na mala mencionada na denúncia,
para, juntamente como xxxx , transportar a droga a
merecendo, pois, a absolvição.
Salvador e entregá-la a uma mulher no bairro de Itapuã.
É o relatório. Decido.
Como se vê, não resta a possibilidade de nenhuma dúvida quanto à associação dos acusados no transporte e comercialização de entorpecentes.”. Ante tais fundamentos, pediu a condenação dos réus nas penas do art. 33 da Lei n. 11.343/06, c/c 35, do mesmo diploma legal. Autuada a denúncia, os Acusados foram
Cumpre-nos, por outro lado, verificar se algum dispositivo legal foi transgredido pelos Acusados. Com efeito, o caput art. 33 da Lei n. 11.343/2006 reza que, in verbis: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
73
Criminal: tráfico de drogas
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
remédios, sem demonstrar experiência anterior em
guardar, prescrever, ministrar, entregar ao consumo
tal atividade, tampouco, no mínimo, conhecer ditos
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
medicamentos?
autorização ou em desacordo com determinação
remédios, sem demonstrar experiência anterior em
legal ou regulamentar:
tal atividade, tampouco, no mínimo, conhecer ditos
Pena reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
medicamentos?
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias/multa”.
Ademais, confirmaram que todas as despesas com passagens e hospedagens eram pagas pelo
Já o art. 35, do mesmo diploma, reza que:
empregador, o qual lhes recompensaria com mil
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para
reais.
o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos
Além disso, se a função dos denunciados fosse a
crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta
venda de “medicamentos”, bastaria que o suposto
Lei:
empregador os enviasse pelos Correios ao destino,
Pena − reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e
pois seria bem mais econômico do que arcar com
pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e
todas as despesas de passagens áreas, inclusive
duzentos) dias/multa.
hospedagem e remuneração dos denunciados.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste
Assim, resta evidente que os réus sabiam
artigo incorre quem se associa para a prática
perfeitamente o que transportavam, comunicavam-
reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
se via celular e faziam acertos de onde se encontrar e
Na fase de inquérito, os réus José Idaildo e Marcos
hospedar, restando clara a associação de ambos.
confirmaram que traziam droga de Belém do Pará
Aliás, as testemunhas ouvidas confirmaram todos
para Salvador a mando de um homem de nome xxxx.
esses fatos, bem assim que dentro da mencionada
xxxxx, inclusive, informou que xxxx lhe disse que
mala estavam documentos e passagens em nome do
seria transportado por um taxista.
denunciado xxxx, o qual procurou o taxista indicado
O taxista, por sua vez, confirmou o transporte dos passageiros, os outros dois denunciados
por xxxx e foi ao encontro deste último num hotel no bairro da Barra, nesta cidade.
supramencionados, mas negou que soubesse o que
Quanto ao taxista, o denunciado, xxxxx, ao que
era transportado numa mala preta posta em seu
parece, inicialmente foi, de fato, escolhido
veículo. Contudo, admitiu ter almoçado com xxx e ter
aleatoriamente. Mas, posterior e imediatamente,
buscado xxxx próximo à rodoviária desta cidade, num
aderiu ao animus de transporte da droga dos demais
posto de combustíveis.
denunciados. Senão vejamos:
Na fase judicial, os reús contaram a fantasiosa
É fato público, notório e do conhecimento geral,
história de que achavam que transportariam
sobretudo de taxistas, que o melhor lugar para pegar
remédios, mas admitiram que, mesmo num primeiro
passageiros oriundos de rodoviária é na própria
contato com o suposto empregador, não lhes foi
rodoviária. Mas, ao contrário, acertou buscar seu
exibido qualquer amostra dos “remédios” que
passageiro num posto de combustíveis, para onde
transportariam.
certamente teve que deslocar-se andando e
Ora, resta evidente que esta alegação não é verossímil. Como poderiam os réus comercializar
74
carregando duas malas, as quais foram reportadas pelo denunciado xxx.
Ora, também é fato do conhecimento público que o posto de combustíveis mais próximo da única
comércio da droga, bastando o seu transporte pelos denunciados, o que se efetivou.
rodoviária local fica a distância pouco confortável
Desta forma, temos que as testemunhas ouvidas
para ser percorrida a pé, com duas malas, por uma
em Juízo ratificaram a prova produzida na fase
pessoa que se declarou doente, a ponto de Marcos
inquisitorial e que a condenação dos réus se impõe,
ter de sair para comprar-lhe remédios..
uma vez que nada existe para contrariar seriamente
Não bastasse isso, concordou o taxista, o
os depoimentos das testemunhas da denúncia,
denunciado xxxx, em não ligar o taxímetro em
resultando na certeza necessária à condenação dos
distâncias consideráveis da região metropolitana de
acusados, com acolhida da tese da acusação, porque
Salvador: Aeroporto/Barra; Rodoviária/Barra e
a prova testemunhal produzida pelo Ministério
Barra/Itapuã. Assim, demonstrou que seria
Público se mostra mais em consonância com o
remunerado de forma vantajosa, o que indica
contexto factual do que aquela apresentada pelo
claramente que sabia que transportava droga. Aliás,
acusado, e conduz, inexoravelmente, à condenação.
admitiu que, anteriormente, foi preso em situação
Neste particular, insta que se repita que os
semelhante, ocasião em que, “coincidente” e
testemunhos dos policiais se amoldam às demais
convenientemente, também disse que não sabia o
provas produzidas, trazendo-nos elementos que dão
que seu passageiro trazia.
suporte à condenação, devendo seus depoimentos
Saliente-se que o fato de as distâncias e trajetos
ser considerados, sem ressalvas, posto que nada
acima mencionados serem consideráveis também é
existe para desqualificá-los ou descredenciá-los, não
do conhecimento geral.
se exigindo a presença de testemunhas civis para o
Aliado a tudo isso, o denunciado admitiu que saiu para almoçar com o denunciado, com outras
reconhecimento da responsabilidade criminal, em casos tais. Neste sentido:
pessoas, fato que efetivamente não é comum entre
“Os depoimentos de policiais, como de qualquer
taxistas e passageiros, sobretudo quando estes
testemunha, têm presunção júris tantum de
últimos são oriundos de outros estados da
veracidade, com valor probatório hábil para a
Federação.
formação da certeza necessária à condenação.”
Aliás, as testemunhas ouvidas confirmaram que o almoço se repetiu e que xxxx e xxxxx cumprimentaram-se calorosamente.
(TJSC Ap. Crim. 2001.010557-8, de Tubarão Rel. Des. Irineu João da Silva DJSC
24.08.2001)
O testemunho de agente policial isento de má-fé
Assim, resta evidente, dado o total de droga
que não foi contraditado, tampouco invocada
apreendida, quase nove quilos de cocaína em pasta,
suspeição é tido como suficiente para embasar um
de elevado valor comercial, e as declarações
decreto condenatório, principalmente quando
prestadas na fase de inquérito, em consonância com
encontra guarida nos demais elementos de provas
a prova produzida em Juízo, que os três réus estavam
produzidas no transcurso da demanda.
associados para a prática do transporte de cocaína do Norte do País para Salvador. Ademais, ressalte-se
(RTRF 106/215) (Ap. Crim. 2000.025365-0 Chapecó Rel. Des. Sólon d'Eça Neves − TJSC
que o tipo penal da associação não exige a reiteração
Por outro lado, a quantidade e variedade de droga
da prática, assim como o tipo previsto no art. 33, como
apreendida constituem-se em indícios de que seria
se demonstrará adiante, não exige a prova do efetivo
usada como mercadoria, ou seja, destinava-se à
75
Criminal: tráfico de drogas
venda. Ressalta-se, mais uma vez, que é considerável a
O seu comércio ou porte e, ainda assim, aliaram-se para tanto.
quantidade da droga apreendida, quase nove quilos
O denunciado admitiu ser processado na
de cocaína, cujo valor de mercado é sabidamente
Segunda Vara de Tóxicos desta Comarca, também
elevado.
pelo transporte de droga.
Ademais, o auto de exibição e apreensão, de fls.
Em que pese a inexistência de antecedentes
20/21, e o laudo definitivo, de fls. 282/284,
criminais em relação aos demais denunciados,
comprovaram a materialidade do crime, uma vez que
inadmissível a aplicação da diminuição de pena
identificaram a espécie de droga apreendida em
prevista no parágrafo 4º, do art. 33, da Lei 11.343/06,
poder dos Réus como sendo cocaína.
pois reconhecida foi a associação para o tráfico entre
Com tais elementos, verificamos a infração do tipo
os denunciados.
penal previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, o qual é
Com relação ao carro apreendido, o táxi, restou
tido como alternativo porque, embora preveja
demonstrado pertencer a terceira pessoa, cujo
diversas condutas como formas de um mesmo crime,
envolvimento com o tráfico de drogas sequer foi
só é aplicável uma vez, resultando na unidade de
cogitado. Assim, havendo um terceiro de boa fé, não
crime, pois a conduta dos Réus, quando presos em
há como se determinar o perdimento do mencionado
flagrante, consubstanciou-se no transporte de
bem em favor da União.
substância que causa dependência física ou
Assim sendo, julgo procedente a denúncia para
psíquica, não sendo necessária a prova do comércio
condenar os Réus nas sanções do art. 33, caput, da
do produto, tendo o crime se consumado com o fato
Lei 11.343/2006, c/c o art. 35 da mesma Lei, c/c art. 69
de estarem os réus transportando a aludida
do Código Penal.
substância, repita-se.
Para aplicação da pena, em relação ao réu xxx,
Como dito alhures, os denunciados também
analisando-se os elementos insertos no artigos 59 do
incidem nas penas do artigo 35 da Lei 11.343/06,
Código Penal e 42 da Lei 11.343/06, em cotejo com os
posto que as considerações acima descritas acerca
subsídios existentes nos autos, percebe-se que o
dos comportamentos desenvolvidos entre si pelos
Acusado, no que tange à culpabilidade, praticou atos
denunciados denotam verdadeira affectio societatis
que merecem reprovação, uma vez que o tráfico de
entre os três, os quais sabiam claramente qual sua
drogas, sob qualquer forma, não põe em risco
parcela de contribuição para que a droga que
somente o usuário que vier a consumi-las, mas a
transportavam chegasse ao seu destino, bem assim o que receberiam em troca: dinheiro. Demonstrou-se, ademais, que a participação maior, mais efetiva, de fato, era a dos denunciados José Idaildo e Marcos, que fizeram viagens interestaduais para cumprir o desiderato acima descrito. Além disso, restou comprovado o dolo com que agiram os Acusados, pois os mesmos tinham conhecimento de que a substância é entorpecente e de que não há autorização legal ou regulamentar para
76
“ é considerável a quantidade da droga apreendida, quase nove quilos de cocaína, cujo valor de mercado é sabidamente elevado.”
sociedade como um todo, que fica à mercê dos desatinos daqueles que estão sob sua influência maléfica.
mínimo vigente, em face da condição econômica do réu. As penas devem ser somadas.
A vida anteacta do Acusado não é de todo
Para aplicação da pena em relação ao réu xxxx,
reprovável, mas o mesmo aliou-se a outras pessoas a
analisando-se os elementos insertos nos artigos 59
fim de traficar cocaína, em grande quantidade, de
do Código Penal e 42 da Lei 11.343/06, em cotejo
Belém para Salvador.
com os subsídios existentes nos autos, percebe-se
Sua personalidade não demonstrou nenhuma
que o Acusado, no que tange à culpabilidade, praticou
espécie de arrependimento ou tendência à
atos que merecem reprovação, uma vez que o tráfico
reabilitação, pois não admite os fatos, além de
de drogas, sob qualquer forma, não põe em risco
associar-se a outro elemento para propagar o uso de
somente o usuário que vier a consumi-las, mas a
entorpecente.
sociedade como um todo, que fica à mercê dos
As conseqüências do crime são danosas, pois, como ressaltado acima, a principal vítima da
desatinos daqueles que estão sob sua influência maléfica.
propagação de drogas é a coletividade, sobretudo as
A vida anteacta do Acusado não o recomenda,
pessoas mais jovens e inexperientes, que se tornam
pois admitiu responder a outra ação penal por tráfico
as maiores vítimas.
de drogas e aderiu a outras pessoas a fim de traficar
Por tais motivos, em relação ao tipo penal previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06, fixo a pena-base em 7
cocaína, em grande quantidade, de Belém para Salvador.
(sete) anos de reclusão, tornando-a definitiva, à falta
Sua personalidade não demonstrou nenhuma
de atenuantes ou agravantes e outras causas de
espécie de arrependimento ou tendência a
aumento ou diminuição, a ser cumprida em regime
reabilitação, pois não admite os fatos, além de
inicialmente fechado, na Penitenciária Lemos de
associar-se a outro elemento para propagar o uso de
Brito.
entorpecente.
A pena de multa, levando-se em consideração as
As conseqüências do crime são danosas, pois,
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
como ressaltado acima, a principal vítima da
700 dias/multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
propagação de drogas é a coletividade, sobretudo, as
mínimo vigente, em face da condição econômica do
pessoas mais jovens e inexperientes, que se tornam
réu.
as maiores vítimas.
Em relação ao tipo penal previsto no artigo 35 da
Por tais motivos, em relação ao tipo penal previsto
Lei 11.343/06, levando-se em consideração as
no artigo 33 da Lei 11.343/06, fixo a pena-base em 6
mesmas condições acima expostas, fixo a pena-base
(seis) anos de reclusão, tornando-a definitiva, à falta
em 5 (cinco) anos de reclusão, tornando-a definitiva,
de atenuantes ou agravantes e outras causas de
à falta de atenuantes ou agravantes e outras causas
aumento ou diminuição a ser cumprida em regime
de aumento ou diminuição, a ser cumprida em regime
inicialmente fechado, na Penitenciária Lemos de
aberto, na Casa do Albergado.
Brito.
A pena de multa, levando-se em consideração as
A pena de multa, levando-se em consideração as
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
800/dias multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
600 dias/multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
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Criminal: tráfico de drogas
mínimo vigente, em face da condição econômica do
Propagação de drogas é a coletividade, sobretudo as
réu.
pessoas mais jovens e inexperientes, que se tornam
Em relação ao tipo penal previsto no artigo 35 da
as maiores vítimas.
Lei 11.343/06, levando-se em consideração as
Por tais motivos, em relação ao tipo penal previsto
mesmas condições acima expostas, fixo a pena-base
no artigo 33 da Lei 11.343/06, fixo a pena-base em 7
em 4 (quatro) anos de reclusão, tornando-a definitiva,
(sete) anos de reclusão, tornando-a definitiva, à falta
à falta de atenuantes ou agravantes e outras causas
de atenuantes ou agravantes e outras causas de
de aumento ou diminuição, a ser cumprida em regime
aumento ou diminuição, a ser cumprida em regime
aberto, na Casa do Albergado.
inicialmente fechado, na Penitenciária Lemos de
A pena de multa, levando-se em consideração as
Brito.
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
A pena de multa, levando-se em consideração as
700 dias/multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
mínimo vigente, em face da condição econômica do
700 dias/multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
réu.
mínimo vigente, em face da condição econômica do
O reconhecimento da associação delitiva não autoriza a substituição da pena.
réu. Em relação ao tipo penal previsto no artigo 35 da
As penas devem ser somadas.
Lei 11.343/06, levando-se em consideração as
Para aplicação da pena, em relação ao réu xxxx
mesmas condições acima expostas, fixo a pena-base
analisando-se os elementos insertos no artigos. 59 do
em 5 (cinco) anos de reclusão, tornando-a definitiva,
Código Penal e 42 da Lei 11.343/06, em cotejo com os
à falta de atenuantes ou agravantes e outras causas
subsídios existentes nos autos, percebe-se que o
de aumento ou diminuição, a ser cumprida em regime
Acusado, no que tange à culpabilidade, praticou atos
aberto, na Casa do Albergado.
que merecem reprovação uma vez que o tráfico de
A pena de multa, levando-se em consideração as
drogas, sob qualquer forma, não põe em risco
mesmas circunstâncias acima descritas, é fixada em
somente o usuário que vier a consumi-las, mas a
800 dias/multa, cada uma no valor de 1/30 do salário
sociedade como um todo, que fica à mercê dos
mínimo vigente, em face da condição econômica do
desatinos daqueles que estão sob sua influência
réu.
maléfica.
As penas devem ser somadas.
A vida anteacta do Acusado não é de todo
Com fulcro no art. 58, § 1º da Lei 11.343/2006,
reprovável, mas o mesmo aliou-se a outras pessoas a
oficie-se à autoridade policial, a fim de que promova a
fim de traficar cocaína, em grande quantidade, de
incineração da droga apreendida, uma vez que não
Belém para Salvador.
houve controvérsia, no curso do processo, sobre a
Sua personalidade não demonstrou nenhuma
natureza ou quantidade da substância ou do produto,
espécie de arrependimento ou tendência à
ou sobre a regularidade do respectivo laudo,
reabilitação, pois não admite os fatos, além de
observando-se a forma determinada no art. 32, § 1º,
associar-se a outro elemento para propagar o uso de
da referida Lei, preservando-se, para eventual
entorpecente.
contraprova, a fração que entender necessária à
As conseqüências do crime são danosas, pois, como ressaltado acima, a principal vítima da
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realização de outra análise. Deixo de determinar o confisco do veículo porque
pertencente a terceiro de boa-fé, que o havia locado
Expeçam-se Cartas de Guia, realizando-se a Detração da pena nos termos do art. 42 do Código
ao denunciado. Pelas razões expostas nesta sentença, nego a possibilidade dos denunciados apelarem em liberdade, sobretudo porque xxx e xxxx são oriundos
Penal. Custas de lei. Lancem-se os nomes dos Réus no rol dos culpados, após o trânsito em julgado da sentença.
de Estado distante da Bahia e porque xxx já responde Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
a outra ação penal nesta Comarca.
Notícias
EMAB sedia curso de Mediação
André Gomma realizando curso de mediação
Com o objetivo de transmitir aos
Interior do Estado já participaram Possui 40 horas/aula.
magistrados fundamentos teóricos
do curso, que é ministrado pelo juiz Segundo a coordenadora científica
da mediação, como técnicas
e professor de direito André do curso, juíza Patrícia Cerqueira,
autocompositivas, para estimular
Gomma
os juízes a estruturarem melhor as
participantes receberão certificado s u m a
atividades conciliatórias de suas
da EMAB e pontuação para magistrados. “É importante que os
varas/comarcas, a Escola de
promoção por merecimento, nos colegas estejam atentos para a
Magistrados da Bahia (EMAB) em
moldes da Resolução 2 da Escola possibilidade de conciliação nos
parceria com o Tribunal de Justiça
Nacional de Formação e
processos de investigação de
da Bahia (TJ /BA) realizou o curso
Aperfeiçoamento de Magistrados
paternidade e de feitos da Fazenda
de Mediação de Conflitos. Vários
(Enfam). O conteúdo programático
Pública que não dependam de
juízes da Capital e do
é dividido em seis módulos e
autorização legislativa”.
de Azevedo.
O s as técnicas de conciliações são de importância
aos
79
Artigo O PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO E O CONTRADITÓRIO. Juiz Jonny Maikel dos Santos Juiz de Direito Vara Criminal, Juri de Execuções Penais e Infância e Juventude da Comarca de Ibotirama
tutela de urgência é o gênero de medida judicial na qual estão inseridos os
No art. 273 do CPC há os seguintes requisitos básicos da tutela antecipada genérica:
provimentos da tutela cautelar, diversas
a) requerimento da parte;
liminares, tutelas antecipatórias e
b) prova inequívoca capaz de convencer o julgador
inibitórias.
da verossimilhança da alegação;
A flexibilização de um dos requisitos da tutela
c) fundado receio de dano irreparável ou de difícil
antecipada genérica do § 2º do art. 273 do CPC é
reparação; ou caracterização do abuso de direito de
imprescindível para garantir o acesso a jurisdição
defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu; e,
justa.
d) inexistência de perigo de irreversibilidade do
Não deve ser aceito o estudo da tutela antecipada em si mesma e segundo os planos meramente formais e processuais.
provimento antecipado. Processualmente todos os requisitos legais acima referidos têm o mesmo “peso”, pois o CPC não faz
Compreendo que o julgador não pode se limitar
distinção entre eles, entretanto, no plano valorativo,
simplesmente à uma “lista de checagem” dos
creio que podem ser flexibilizados os rigores formais
requisitos da antecipação da tutela para deferir ou
e processuais.
indeferir o pleito baseado no art. 273 do CPC.
A valoração do julgador sobre os requisitos da
É necessário avançar nas interpretações
tutela antecipatória deve ser nos limites da
corretivas e proporcionais da norma processual civil à
inexistência de perigo de irreversibilidade do
luz da Constituição Federal e dos princípios
provimento antecipado.
constitucionais para que o sistema esteja em harmonia.
O CPC ensina que não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Então, o que deve fazer o
Desenvolvimento
julgador quando a concessão da antecipação da tutela implicar real possibilidade de irreversibilidade
A tutela antecipatória genérica é uma das mais
importantes inovações processuais do direito brasileiro. No art. 273 do CPC há os seguintes requisitos
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do provimento antecipado e não apenas o perigo anotado na norma de regência? A) Indeferir, de plano, o pedido de antecipação de tutela e cumprir a letra fria da lei.
B) Ou, corrigir a limitação da regra e deferir o pleito com base em princípios constitucionais.
“As normas, desde o seu nascimento, devem ser banhadas pelos princípios constitucionais para que sejam consideradas legítimas.”
Nesse instante, o julgador deve priorizar a dignidade humana (CF, art. 1º, III), o direito à vida (art. 5º, caput, da CF), os diretos da personalidade (art. 5º, incisos V e X, da CFB/88 e arts. 11/21 do CC) e atender às três máximas parciais do princípio da proporcionalidade, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Como não há direito absoluto às tutelas de urgência, pode o legislador ordinário impor limites à concessão de liminares, cautelares, tutelas genéricas e inibitórias, aspecto, de certa forma, já reconhecido pelo STF na linha do pensamento da ADC nº 04. Entretanto, a partir do instante em que o legislador coloca à disposição do Poder Judiciário a concessão de determinada tutela de urgência, é concebível o deferimento do pleito de urgência fundado em normas constitucionais relevantes e nos direitos fundamentais como, por exemplo, no direito à vida. As normas, desde o seu nascimento, devem ser banhadas pelos princípios constitucionais para que sejam consideradas legítimas. Até por isso, a interpretação extremamente formal §2º do art. 273 do CPC deve ser flexibilizada diante da Constituição Federal. A flexibilização da irreversibilidade do provimento antecipatório é possível em casos envolvendo o direito à vida, saúde, tratamento médico, medicamentos etc. A aplicação fria do § 2º do artigo 273 do Código de Processo Civil, em determinadas circunstâncias, pode tornar inútil o instituto da própria tutela antecipada, por exemplo, em casos de: a) falta de tratamento médico especial negado pelo Estado ou seguradora de saúde em favor da vítima que teve mãos ou pernas amputadas; b) demolição de um prédio, tombado pelo patrimônio público, que ameaça desabar e atingir
vizinhos ou transeuntes; c) reparação aos familiares de parente falecido em decorrência de queda de avião de empresa aérea comercial; d) autorização para realizar uma transfusão de sangue que pode salvar a vida de uma criança ou adolescente, contra a vontade dos pais, cuja religião não permite tal tratamento; e) fornecimento de medicamentos para portadores do vírus HIV; f) amputação de braço ou perna de um paciente, contra a sua vontade, como única forma de salvar sua vida; g) concessão, em desfavor do Estado, de alimentos aos filhos de pai morto por policias militares; j) concessão, em desfavor da fazenda pública, de salários para servidor concursado que enfrenta privações alimentícias em decorrência da falta de pagamento etc. Ressalto que a possibilidade de mitigação do § 2º do art. 273, do CPC, exige fundamentação especial, a ser apreciada em cada caso concreto. Vale notar que a tutela antecipatória prevista no art. 273 do CPC pode ser concedida em causas envolvendo direitos patrimoniais ou não patrimoniais, mesmo diante da redação do § 2º, pois o aludido
81
O Perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório e o contraditório.
dispositivo não restringiu o alcance do instituto. Para melhor aplicação do art. 273 do CPC devem ser: a) evitadas interpretações restritivas de direitos constitucionais; b) valorizadas exegeses que reconheçam a inexistência de restrições ou direitos absolutos; c) priorizados e valorizados os princípios da dignidade da pessoa humana e proporcionalidade, bem como os direitos fundamentais; d) aplicadas as normas processuais, segundo os ditames constitucionais; e, e) fundamentadas as flexibilizações das normas processuais em cada caso concreto. Para melhor equacionar a concessão da tutela antecipada quando há perigo de irreversibilidade do provimento, deve ser assegurado ao réu o direito ao contraditório. Geralmente o autor alega que o
período de 72 (setenta e duas) horas da intimação do réu, para falar especificamente sobre a antecipação (sem prejuízo, neste último caso, da posterior apresentação de contestação, no prazo legal). Vale notar que diversas vantagens processuais podem advir da ouvida da parte contrária, antes da apreciação da tutela de urgência, como : a) segurança jurídica; b) possibilidade de maior conhecimento da demanda; c) sumária produção de provas; e, d) garantia do contraditório e da ampla defesa. Considero que as garantias do contraditório e da ampla defesa são deveres anexos à concessão de qualquer tutela de urgência, portanto, a regra deve ser a ouvida do réu antes da concessão da antecipação, salvo em casos excepcionais devidamente justificados. O perigo na pressa deve ser evitado
desgaste e a demora processuais podem causar prejuízos ao seu direito, porém, de outro lado, não pode ser relegado a plano inferior o direito de defesa do réu. O julgador deve procurar equilibrar as forças das partes, impondo a aplicação real do princípio constitucional da igualdade. Algumas vezes, mais perigoso do que o perigo na demora é o perigo na pressa em decidir. Creio que, segundo o caso
principalmente quando a lide envolver a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais ou direitos da personalidade. Deve o julgador equilibrar o perigo da irreversibilidade com a garantia do contraditório para que sejam evitados prejuízos irreparáveis ao autor ou ao réu.
concreto, o julgador não deve conceder toda e qualquer tutela de urgência sem ouvir a parte contrária. Em cada caso concreto, o julgador deve estudar a possibilidade de mitigação do art. 5º, incisos, LIV e LV da CF. A regra deve ser o contraditório e o julgador deve fixar, antes da concessão da urgência, prazo para possibilitar a manifestação específica do réu sobre a tutela antecipatória. Numa ação que segue o rito ordinário, por exemplo, pode o julgador, verificando a possibilidade de garantia do contraditório e da ampla defesa, deixar para apreciar o pedido de tutela de urgência após o escoamento do prazo da contestação, ou após o 82
“ Para melhor equacionar a concessão da tutela antecipada quando há perigo de irreversibilidade do provimento, deve ser assegurado ao réu o direito ao contraditório.”
Conclusão Os requisitos da tutela antecipada não devem ser estudados em si mesmos, porém casados com as normas e princípios constitucionais. As exigências legais da antecipação da tutela de urgência, descritas no art. 273 do CPC, podem ser flexibilizadas com base em interpretações valorativas, corretivas e razoáveis.
“Deve o julgador equilibrar o perigo da irreversibilidade com a garantia do contraditório para que Sejam evitados prejuízos irreparáveis ao autor ou ao réu.”
O perigo de irreversibilidade do provimento antecipado não pode ser óbice à concessão da tutela antecipada em lides fundadas nos princípios da dignidade
da
pessoa
humana
ou
da
proporcionalidade.
por meio da comunhão deste instituto com a Constituição Federal.
Nenhuma tutela de urgência deve ser concedida
Excepcionais devidamente justificados, sob pena de
sem a ouvida da parte contrária, salvo em casos
lesão aos princípios do contraditório, ampla defesa,
excepcionais devidamente justificados, sob pena de
devido processo legal, proporcionalidade,
lesão aos princípios do contraditório, ampla defesa,
razoabilidade e igualdade processual de armas.
devido processo legal, proporcionalidade,
Somente o equilíbrio entre o requisito do perigo da
razoabilidade e igualdade processual de armas.
irreversibilidade com a garantia do contraditório pode
Somente o equilíbrio entre o requisito do perigo da
evitar prejuízos irreparáveis ao autor ou ao réu nas
irreversibilidade com a garantia do contraditório pode
concessões de tutelas antecipatórias, sendo
evitar prejuízos irreparáveis ao autor ou ao réu nas
imprescindível que aconteça uma mudança de
concessões de tutelas antecipatórias, sendo
paradigma na interpretação dos requisitos da tutela
imprescindível que aconteça uma mudança de
por meio da comunhão deste instituto com a
paradigma na interpretação dos requisitos da tutela
Constituição Federal.
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SENTENÇAS DOS MAGISTRADOS Eduardo Carvalho, André Gomma, George Assis, Walter Caldas, Marcelo Brito, entre outros.
ENTREVISTA ESPECIAL - NOTÍCIAS DICAS DE CULTURA E MUITO MAIS.