FEITIÇO DO PASSADO BOUGHT THE GREEK'S
Jennie Lucas
Da pobreza ao poder, um magnata grego reivindica seu herdeiro! A bela americana Eve Craig cedeu aos encantos do poderoso Talos Xenakis durante um ardente romance em Atenas... e desapareceu sem deixar vestígios. Quando ele finalmente a localiza, três meses depois, ela sofre um acidente e perde a memória! Contudo, ainda desperta em Talos tanto o desejo quanto a fúria. Eve o traiu, e que modo melhor de punir a mulher que quase o arruinou do que se casando com ela... e a destruindo? Porém, seus planos terão de tomar novos rumos... pois ela está grávida de seu filho... Ela é sexy, bem-sucedida e está grávida!
Digitalização: Silvia Revisão:
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas
Querida leitora, Eve Craig não se lembrava de nada após seu acidente. Sabia apenas que Talos Xenakis, o belo grego que se dizia ser seu namorado, lhe escondia alguma coisa. Seria algo sobre a criança que esperava, mas não recordava ter concebido? Havia sempre entre os dois uma tensão no ar. Seria apenas o desejo ou o indício de algo mais?... Equipe Editorial Harlequin Books
Jennie Lucas FEITIÇO DO PASSADO Tradução: Leandro Santos HARLEQUIN BooKS 2010 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r-l. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: BOUGHT; THE GREEK'S BABY Copyright © 2009 by Jennie Lucas Originalmente publicado em 2009 por Mills & Boon Modem Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11)2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185/2195-3182. Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4ºandar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 85Í6 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virginia Rivera virgÍnia.rivera@harlequÍnbooks.com.br
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Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas
CAPÍTULO UM
Talos Xenakis ouvira muitas mentiras em sua vida, especialmente a respeito de sua linda e impiedosa ex-amante. Mas aquela vencia todas. — Não pode ser verdade — ele disse, em choque, olhado para o médico. — Ela está mentindo. — Eu lhe garanto, sr. Xenakis, é verdade — o dr. Bartlett respondeu seriamente. — Ela não se lembra. Nem de você, nem de mim e nem mesmo do acidente dela de ontem. E, mesmo assim, não há ferimentos. — Porque ela está mentindo! — Ela estava com o cinto de segurança quando a cabeça bateu no air bag — o dr. Bartlett continuou. — Não houve concussão. Talos o encarou com um esgar. A reputação dele como médico era de imensa habilidade e integridade. Era rico, graças a uma vida inteira atendendo a pacientes poderosos, aristocráticos; portanto, não podia ser subornado. Era conhecido como um homem de família, ainda completamente apaixonado por sua esposa, com quem se casara havia cinqüenta anos, um pai adorado de três e avô de oito; dessa forma, não podia ser seduzido. Então, ele devia honestamente acreditar que Eve Craig tinha amnésia. Amnésia. O lábio de Talos se curvou. Depois de toda aquela esperteza diabólica, ele esperara mais dela. Onze semanas antes, depois de apunhalá-lo pelas costas, Eve Craig desaparecera de Atenas como um fantasma. Os empregados dele haviam-na procurado pelo mundo inteiro sem sucesso, até dois dias atrás, quando ela repentinamente reaparecera em Londres, para o funeral do padrasto. Talos deixara de lado um acordo de um bilhão de dólares em Sidney, ordenando que seus homens a seguissem até que ele conseguisse chegar a Londres em seu jato particular. Kefalas e Leonidas haviam estado no encalço de Eve na tarde anterior, quando ela deixara o hospital particular na Harley Street. Haviam observado quando ela prendera seu longo e sedoso cabelo escuro debaixo de um lenço de seda, pusera grandes óculos de sol pretos e luvas brancas para dirigir, e saído em seu Aston Martin conversível prateado. Indo parar diretamente em uma caixa de correio vermelha, na calçada. — Foi tão estranho, chefe — Kefalas dissera a ele na manhã em que chegara de Sidney. — Ela parecia bem no funeral. Mas, ao sair do consultório do médico, estava dirigindo como uma bêbada. Nem nos reconheceu quando a ajudamos a voltar para o hospital depois do acidente. E o dr. Bartlett parecia igualmente confuso ao coçar a parte de trás de sua pequena cabeça branca. — Eu a mantive no hospital durante a noite, em observação, mas não consegui encontrar nada de fisicamente errado nela. Talos trincou os dentes. — Porque ela não tem amnésia. Está enganando você! O idoso medico se empertigou. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Não creio que a srta. Craig esteja mentindo, sr. Xenakis. Eu a conheço desde que tinha 14 anos, quando entrou aqui pela primeira vez com a mãe, vindo da América. — Ele balançou a cabeça enquanto se lembrava. — Todos os testes deram negativo. O único sintoma parece ser a amnésia. O que, talvez, me leve a pensar se o acidente não foi apenas um mero catalisador, se o trauma não é emocional. — Quer dizer que ela fez isso consigo mesma? — Eu não diria exatamente isso. Mas está fora do meu campo. Motivo pelo qual recomendei um colega, o dr. Green. — Um psiquiatra. — Sim. Talos se apegou àquela valiosa informação. — Então, se não há nada fisicamente errado com ela, pode ir embora do hospital. O médico hesitou. — Sem dúvida, ela está forte o suficiente. Mas, como não tem memória, talvez seja melhor se um membro da família dela... — Ela não tem família — Talos o interrompeu. — O padrasto era o único parente, e morreu há três dias. — De fato, ouvi falar sobre o sr. Craig, e sinto muito. Mas esperava que talvez Eve pudesse ter uma tia ou tio, ou até algum primo em Boston... — Não tem — Talos disse monotonamente, apesar de não fazer idéia se aquilo era verdade. Só sabia que nada o impediria de levar Eve consigo naquele dia. — Eu sou seu... — O quê? Ex-amante com sede de vingança? — Namorado — ele completou suavemente. — Cuidarei dela. — Foi o que seus empregados me contaram ontem, quando disseram que você estava a caminho. — O dr. Bartlett o observou como se não gostasse muito do que via. — Mas sequer parece que você acredita que ela precisa de cuidados especiais. — Se você diz que ela tem amnésia, não tenho escolha a não ser acreditar. — Você a chamou de mentirosa. Talos abriu um meio sorriso. — Inverdades criativas fazem parte do charme dela. — Então, vocês são Íntimos? — O médico o olhou, estreitando os olhos. — Planeja se casar com ela? Talos sabia a resposta que o homem queria, a única resposta que colocaria Eve sob seu poder. Então, disse a verdade. — Ela é tudo para mim. Tudo. Estudando a expressão de Talos, o médico passou a mão na barba, sentindo um quê de satisfação. Depois, assentiu em uma repentina decisão. — Muito bem. Vou liberá-la para os seus cuidados, sr. Xenakis. Cuide bem dela. Leve-a para casa. Levá-la para Mithridos? Talos preferiria morrer a poluir seu lar daquele jeito. Mas Atenas... sim. Ele a trancaria e faria com que se arrependesse profundamente de tê-lo traído. — Vai liberá-la para mim hoje? feitiço do passado O médico assentiu. — Sim. Faça com que ela se sinta amada — ele avisou. — Faça com que se sinta querida e segura. — Amada e segura — ele repetiu, mal conseguindo evitar que uma expressão irônica surgisse em seu rosto. O dr. Bartlett franziu o cenho. — Sem dúvida, sr. Xenakis, consegue imaginar o que estas últimas 24 horas significaram para Eve. Ela não teve ao que se apegar. Nenhuma lembrança da família ou 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas de amigos para apoiá-la. Nenhum sentimento de lar ou lembrança de pertencer a algum lugar. Sequer sabia o próprio nome até eu ter lhe dito. — Não se preocupe — Talos disse sombriamente. — Cuidarei bem dela. Mas, quando ele começou a se virar para sair, o médico o impediu. — Há outra coisa que deve saber. — O quê? — Normalmente, eu jamais revelaria esta informação. Mas, neste caso em particular, sinto que a necessidade de esclarecer as coisas é mais importante que a preocupação com privacidade... Com um xingamento resmungado em grego, Talos bateu impacientemente com o pé no chão. — O que é? — Eve está grávida. Ao ouvir a palavra, a cabeça de Talos se ergueu subitamente. Seu coração literalmente parou no peito. — Grávida? — ele falou, engasgado. — Quando? — Quando fiz o ultrassom ontem, estimei que a concepção tivesse sido na metade de junho. Junho. Durante aquele mês praticamente inteiro Talos mal saíra do lado dela. Cuidara de seus negócios quase que contra a própria vontade, lamentando cada momento de sua vida que ele não passava na cama com ela. O relacionamento o marcara para sempre. Ele pensara, e que Deus o ajudasse, que podia confiar nela. Porque o desejo lhe tomara a mente, a vontade. — Sinto-me culpado — o dr. Bartlett continuou era um tom arrependido. — Se eu soubesse como ela ficaria preocupada com a notícia da gravidez, jamais a teria deixado sair dirigindo do hospital. Mas não se preocupe — ele acrescentou rapidamente —, o seu bebê está bem. O bebê dele. Talos o encarou, mal conseguindo respirar. Subitamente, o médico soltou uma gargalhada profunda e feliz, dando-lhe tapinhas nas costas. — Parabéns, sr. Xenakis. Você será pai.
EVE MAL percebia o sussurrar de vozes à sua volta e o zumbido distante de um radiador. Sentiu alguém, talvez a enfermeira, passar um pano frio em sua testa. Os lençóis suaves pareciam pesados contra sua pele. Ela sentiu o cheiro refrescante de chuva e algodão. Mas, teimosamente, manteve os olhos fechados. Não queria acordar. Não queria abandonar a escura paz do sono, o calor de sonhos, dos quais não se lembrava bem, e que ainda a aconchegavam. Não queria voltar ao vazio da existência, em que ela não tinha lembranças. Não tinha identidade. Nada a que se apegar. Era um vazio muito pior que qualquer dor. E o médico lhe dissera, três horas antes, que ela estava grávida. Ela não conseguia se lembrar da concepção. Não conseguia sequer se lembrar do rosto do pai do bebê. Mas o encontraria naquele dia. Ele chegaria a qualquer minuto. Cobrindo a cabeça com o travesseiro, ela apertou os olhos, bem fechados. Estava atormentada com o nervosismo e o medo por encontrá-lo pela primeira vez; o pai de seu bebê que ainda não nascera! Que tipo de homem seria? Ela ouviu a porta se abrir e se fechar. Prendeu a respiração. Então, alguém se sentou pesadamente ao seu lado, fazendo com que seu corpo se inclinasse naquela direção do colchão. Ela sentiu o calor do corpo de um homem, inspirou o perfume 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas silvestre de sua colônia. — Eve, estou aqui. — A voz do homem era profunda e grave, com um exótico sotaque que ela não conseguiu identificar — Vim buscá-la. A empolgação a preencheu. Tomando fôlego, ela afastou o travesseiro. Estava perto dele. Antes de tudo, viu suas angulosas maçãs do rosto. O escuro da barba por fazer no maxilar rígido. O castanho-amarelado de sua pele de oliva. Então, quando ele se afastou, ela viu todo o seu rosto. Ele era simplesmente de tirar o fôlego. Como era possível que um homem fosse tão másculo e tão belo? Seu cabelo preto tocava a ponta da orelha. Ele tinha o rosto de um anjo. De um guerreiro. Seu nariz romano já havia sido quebrado ao menos uma vez, a julgar pela leve imperfeição do ângulo. Ele tinha uma boca carnuda e sensual, com um leve retorcer nos lábios que revelava arrogância e algo mais... crueldade? Seus olhos brilharam ao olhá-la, escuros como a noite. E, debaixo daquela negra profundeza, por um momento, ela viu o destruidor fogo do ódio, como se ele desejasse que ela estivesse morta, como se ela fosse um fantasma que ele já condenara ao inferno havia muito tempo. Então, ela piscou, e ele estava sorrindo para ela, com terna preocupação. Provavelmente imaginara aquele ódio flamejante, ela pensou, confusa. Nada surpreendente, levando-se em conta o estado de sua cabeça desde o acidente; um acidente do qual ela sequer conseguia se lembrar! — Eve — ele sussurrou ao acariciar-lhe a bochecha. — Achei que nunca a encontraria. O toque daqueles dedos ásperos contra a pele dela era ardente. Ela sentiu o formigamento descer por seu pescoço até os seios, o que fez com que seus mamilos enrijecessem e uma estranha tensão tomasse sua barriga. Respirando fundo, ela buscou o rosto dele, mal conseguindo acreditar no que seus olhos lhe mostravam. Aquele... aquele homem era seu amante? Ele não se parecia em nada com o que ela esperara. Quando o dr. Bartiett dissera que o namorado dela estava a caminho, vindo da Austrália, ela imaginara um homem de aparência bondosa, com um coração amoroso, um senso de humor. Um homem gentil que compartilharia os próprios problemas enquanto estivessem lavando os pratos juntos, no fim do dia. Sonhara com um parceiro amável. Como ela. Nunca, nem em seus mais loucos sonhos, imaginara um deus moreno como aquele, cruelmente belo, másculo e tão poderoso, que poderia, sem dúvida, cortar-lhe o coração ao meio apenas com um olhar. — Não está feliz por me ver? — ele disse com uma voz grave. Ela lhe buscou o rosto, prendendo a respiração. Mas nenhuma lembrança surgiu, nenhuma recordação da curva abrupta de suas faces ou do ligeiramente maldoso contorcer de seus lábios sensuais. Nenhuma lembrança sequer de uma pequena intimidade entre amantes. Nada! Ele a ajudou a se sentar. Suas mãos se detiveram possessivamente nas costas dela, fazendo com que um súbito calor lhe atravessasse o corpo. Eve lambeu nervosamente os lábios. — Você é... deve ser... Talos Xenakis? — ela arriscou, esperando que ele negasse e quase torcendo para que ele o fizesse, para que seu verdadeiro namorado, o homem de rosto bondoso, com olhos gentis, entrasse pela porta. As mãos do magnata grego, que estavam em suas costas, pararam. — Então, você me reconhece. Ela balançou a cabeça. — Não. Seus dois funcionários... o médico... eles me disseram seu nome. Disseram que estava vindo. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ele baixou o olhar para ela, estudando-lhe o rosto. — O dr. Barílett me disse que você tem amnésia. Não acreditei. Mas é verdade, não é? Você realmente não se lembra de mim. Ela mal conseguia imaginar quanto aquilo devia magoá-lo! — Sinto muito — ela disse, esfregando a testa. — Eu fico tentando, mas a primeira coisa de que consigo me lembrar é de seu funcionário... Kefalas?... me tirando do meu carro. Que sorte eles estarem no carro que vinha atrás de mim! Os lábios dele pareceram se curvar imperceptivelmente. — Sim. Muita sorte. — Ele se empertigou. — Você irá embora do hospital hoje. Ela inspirou fundo. — Hoje? — Agora mesmo. — Mas... — Ela mordeu o lábio e disse tudo de uma vez: — Mas ainda não me lembro de nada! Esperava que, quando visse você... — Esperava que sua memória voltasse ao me ver? Ela assentiu tristemente. Não havia sentido em estar decepcionada, ela disse a si mesma com ferocidade, nem em fazê-lo se sentir ainda pior do que já devia estar se sentindo! Mas ela não conseguia evitar o embargo em sua garganta. Estivera contando com a idéia de que, ao ver o rosto do homem que ela amava, o homem que a amava, sua amnésia terminaria. A não ser que eles não se amassem, ela pensou subitamente. A menos que ela tivesse engravidado de um homem que fora pouco mais do que um relacionamento de uma noite só. — Sei que você deve estar magoado — ela disse, tentando afastar o repentino medo. Falou pausadamente: — Mal consigo imaginar como você deve estar se sentindo, amando alguém que não consegue se lembrar de você. Você me ama?, ela pensou desesperadamente, tentando decifrar a expressão dele. Eu amo você? — Shhh. Está tudo bem. — Baixando a cabeça, ele a beijou ternamente na testa. O calor de sua proximidade era como o sol do verão em um dia de inverno. Então, ele ergueu o queixo dela, e seus olhos escuros a açoitaram como uma rajada de calor. — Não se preocupe, Eve. Com o tempo, você se lembrará... de tudo. Olhando com gratidão para o rosto dele, Eve percebeu que a primeira impressão que tivera dele estava errada. Ele não era cruel. Era bondoso. De que outra forma explicar o fato de ele conseguir ser tão gentil, paciente e amoroso, deixando de lado a própria mágoa para se concentrar apenas nela? Ela respirou fundo. Seria tão corajosa quanto ele. Afastando os lençóis, ela venceu o nó na garganta. — Vou me vestir para ir. Ele a impediu. — Espere. Precisamos conversar sobre outra coisa. Ela soube instantaneamente o que ele queria discutir. E, sem a barreira dos lençóis entre eles, com apenas a fina camisola do hospital, ela se sentiu dolorosamente nua, vulnerável de todas as maneiras. Puxou de volta os lençóis sobre o corpo, levando-os quase até o pescoço. — Ele lhe contou, não contou? — ela sussurrou. A voz dele saiu grave, quase sombria: — Sim. — Está feliz? — A voz dela estava trêmula. — Com a noticia? Ela prendeu a respiração enquanto o belo rosto moreno a encarava. Quando ele finalmente falou, a voz estava carregada com uma emoção que ela não reconheceu. — Fiquei surpreso. Ela lhe buscou o olhar. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Então, o bebê não foi algo que planejamos? As mãos dele se fecharam com força, amassando o lençol, Ele baixou o olhar para a coberta e, depois, olhou para Eve. — Jamais a vi desse jeito — ele disse com uma voz grave. Seu olhar negro acariciou sedentamente o rosto dela. Com a ponta dos dedos, ele afastou algumas mechas da bochecha dela. — Sem maquiagem. Sem nada. Ela tentou recuar. — Sei que devo estar horrível. Mas ele a puxou para mais perto. Seus olhos estavam escuros quando olhou para baixo, para ela, fazendo-a estremecer profundamente. — Está feliz pelo bebê? — ela disse suavemente. Ele a envolveu com os braços. — Vou cuidar bem de você. Por que ele não respondia? Ela engoliu em seco e levantou a cabeça para abrir um fraco sorriso para ele. — Não se preocupe. Não sou uma inválida. Espero que a amnésia desapareça em um dia ou dois. O dr. Bartlett disse algo sobre um especialista... Os braços dele se apertaram em torno dela, aconchegando-a contra o peito rígido. — Você não precisa de outro médico — ele disse rispidamente. — Só precisa ir para casa comigo. Ela podia sentir as batidas do coração dele contra sua bochecha, através da camisa preta de botão. Estava envolta em seu aroma másculo, de sândalo e âmbar, exótico e silvestre. Contra a própria vontade, ela fechou os olhos. Inspirou o perfume dele, ouviu as batidas de seu coração, sentiu seu calor. Todo o resto desapareceu. O quarto do hospital, as enfermeiras e o médico visíveis pelo vidro da porta, o som de um dos homens de Talos falando impetuosamente ao celular em um idioma que ela não reconheceu, o cheiro de antisséptico, os apitos das máquinas... tudo desapareceu. Só havia aquilo. Só ele. Presa firmemente naqueles braços fortes, pela primeira desde o acidente, ela se sentiu segura e amada. Sentiu-se como se tivesse um lugar no mundo. Com ele. Ele lhe beijou suavemente o cabelo. Ela sentiu o calor da respiração, a caricia suave dos lábios dele, e um tremor a atravessou. Medo? Necessidade? Ele a amava? Eve esticou as mãos para cima, envolvendo com elas o maxilar dele. Apesar de as roupas estarem perfeitamente passadas, a sombra escura no queixo dele sugeria que ele se trocara no avião, sem se dar o trabalho de se barbear. Chegara apressadamente da Austrália. Voara a noite inteira. Aquilo significava amor? — Por que não veio a Londres comigo, para o funeral do meu padrasto? — ela disse lentamente. Ele parou. Quando falou, parecia escolher as palavras com cuidado. — Estava ocupado em Sidney, comprando uma nova empresa. Acredite — ele disse — jamais quis ficar tanto tempo afastado de você. Eve sentiu que havia algo que ele não estava lhe dizendo. Ou seria apenas sua própria confusão lhe pregando peças? Não podia confiar em nada naquele mundo enevoado e vazio, nem em sua própria mente! — Mas por quê...? — Você é tão linda, Eve — ele disse, segurando-lhe o rosto. Expirou rapidamente. — Quase tive medo de nunca mais ver seu rosto novamente. — Quer dizer, quando ouviu falar do acidente? Você ficou preocupado comigo? — ela disse em uma voz fina. Quando ele não respondeu, ela lambeu os lábios. Com uma 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas profunda respiração, ela fez a pergunta que a atormentava. — Porque nós nos amamos? O músculo do maxilar dele ficou tenso enquanto ele inspirou profundamente. — Você era virgem quando eu a seduzi, Eve — ele disse em um tom grave. — Jamais esteve com homem nenhum antes de eu tê-la levado para minha cama, três meses atrás. Ela era virgem? Uma onda de alívio a tomou. Descobrir que estava grávida de um namorado do qual não conseguia se lembrar já havia sido um tremendo choque. Ela se perguntara por que eles não eram casados, se perguntara todo o tipo de coisas. Mas, se Talos havia sido seu primeiro e único amante, se ela ainda era virgem aos 25 anos, não havia dúvida de que aquilo dizia algo sobre seu caráter. Mas também significava amor? Ela ergueu o olhar para o belo rosto dele, abrindo a boca para perguntar novamente: Eu amo você? Você me ama? Mas parou. Havia algo sob aqueles olhos sombriamente penetrantes. Algo que ele não estava dizendo. Algo oculto sob as palavras. Mas, antes que ela conseguisse entender o que sua intuição lhe dizia, Talos pôs suas largas mãos sobre as dela. O calor dos dedos dele a queimou, entrelaçando-se ao dela. Aprisionando-a, mas não contra a vontade dela. Seu coração acelerou. — Apronte-se para irmos embora. — Ele baixou a cabeça para beijá-la na têmpora, subindo e descendo as mãos pelos antebraços nus dela. — Quero levá-la para casa. A respiração dela ficou curta e rasa quando ele lhe tocou a pele. Pequenas picadas de sensação subiram em disparada por seus braços e desceram por suas costas, deixando-a arrepiada. O formigamento dançou pelos lóbulos de suas orelhas, descendo pelo pescoço, fazendo seus seios nus, por baixo da fina camisola do hospital, se enrijecerem e intumescerem. Ela tentou se lembrar da pergunta que estivera fazendo, mas já havia sido varrida de sua mente. — Certo — ela sussurrou, olhando para o belo rosto dele. Educadamente, ele a ajudou a se levantar da cama, pondo-a gentilmente de pé. Ela ficou mais ciente do que nunca de quão mais alto ele era, quão mais poderoso do que ela pensara inicialmente. Era ao menos 15cm mais alto, com mais uns 45kg de puro músculo. Ao olhar para ele, Eve esqueceu tudo que não fosse sua própria necessidade de saciar o desejo pelo homem que assomava à sua frente, como um anjo negro. — Sinto muito por ter levado tanto tempo para chegar até você, Eve — ele disse com uma voz grave. — Mas estou aqui agora. — Ele lhe beijou suavemente a cabeça, seus braços se apertando em tomo dela enquanto a puxavam para um abraço. — E jamais deixarei que vá embora.
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CAPÍTULO DOIS
Sob olhos de pálpebras pesadas, Talos observou Eve enquanto a levava ao RollsRoyce preto que roncava na rua em frente ao hospital. Ela não estava fingindo a amnésia. Apesar da incredulidade inicial, ele já não tinha mais dúvidas. Ela não fazia ideia de quem ele era ou do que ela fizera. E, agora, esperava um filho dele. Aquilo mudava tudo. Gentilmente, ele a ajudou a ir até o carro. Não havia bagagem. Um dos funcionários dele havia levado o Aston Martin amassado para a oficina, enquanto o outro fora resolver discretamente a questão da caixa de correio amassada. Ela usava o mesmo vestido de seda preto e carregava a mesma bolsa de mão do funeral do padrasto no dia anterior. O vestido preto se aderia a seus seios e quadris quando ela andava, a seda brilhando e deslizando contra e!es. Seu cabelo escuro e sedoso fora escovado e recentemente preso em um rabo de cavalo. Não usava maquiagem. Aquilo a fazia parecer diferente. Talos jamais soubera de uma ocasião em que ela houvesse saído sem batom. Mas, por Deus, com aquela pele lustrosa, róseos lábios carnudos e reluzentes olhos azuis, ela não precisava disso para fazer com que todos os homens que encontrasse, desde o idoso porteiro do hospital ao adolescente que passou por eles na calçada, parassem para recuperar o fôlego. E, quando ela se virou para encará-lo na calçada, com um sorriso docemente inocente, Talos ficou sombriamente ciente de que ele próprio estava longe de ficar imune ao encanto dela. — Aonde vamos? — ela perguntou, franzindo o cenho. — Você não disse. — Para casa — ele respondeu, guiando-a para o banco traseiro da limusine. Fechou a porta depois que ela entrou. A reação do corpo dele a ela era irritante, e perturbadora. Ele não gostava disso. Porque a odiava. Quando vira Eve pela primeira vez no hospital, ela estava encolhida na cama, sob um grosso cobertor. Pálida e exausta, nada parecida com a vivaz e tempestuosa sedutora da qual ele se lembrava. Dormindo, ela parecera inocente, muito mais jovem do que seus 25 anos. Parecera pequena. Frágil. Talos fora a Londres especificamente para destruí-la. Durante os três últimos meses, ele sonhara com aquilo. Mas como ele poderia se vingar se ela sequer tinha lembrança de seus crimes, e ainda estava grávida dele? Apertando as mãos em punhos, ele caminhou a passos pesados ao outro lado do carro. Apesar de ainda estarem em setembro, o verão havia fugido subitamente de Londres. Uma garoa constante caía de baixas nuvens cinzentas. Ele entrou ao lado dela, que se voltou para ele no mesmo instante. — Onde fica nossa casa? — Minha casa — ele fechou a porta com um estrondo — fica em Atenas. Ela ficou boquiaberta. — Atenas? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — É onde moro, e preciso cuidar de você. — Ele abriu um ligeiro e tenso sorriso. — Ordens do médico. — Então, eu moro lá com você? — Não. — Não moramos juntos? — Você gosta de viajar — ele disse ironicamente. — E onde estão minhas roupas? — ela disse com uma voz fraca. — E meu passaporte? — Provavelmente, na mansão do seu padrasto. Meus funcionários vão juntar suas coisas e nos encontrar no aeroporto. — Mas... — Ela olhou para fora da janela e, depois, se virou para encará-lo novamente e dizer de forma rápida, erguendo o queixo: — Quero ver minha casa. Onde morei quando era criança. Onde fica? Ele lhe lançou um olhar de avaliação. — A mansão do seu padrasto fica em Buckingham-shire, creio eu. Mas uma visita não irá ajudá-la. Você passou uma noite lá antes do funeral. Não é sua casa há muito tempo. — Por favor, Talos. — Os olhos de safira dela brilhavam. — Quero ver minha casa. O cenho dele se franziu ao olhar para o rosto dela, que implorava. Eve havia mudado de fato, ele pensou. Sua amante jamais lhe implorara nada. Nunca sequer dissera por favor. A não ser... A não ser na primeira noite em que ele a levara para a cama, quando todas as defesas dela haviam sido brevemente quebradas e ele descobrira que a mulher mais desejada do mundo era, contra todas as suas expectativas, virgem. Quando ele investira para dentro dela, ela o olhara em um silêncio sem fôlego com aqueles olhos cor azulvioleta, e ele pensara... quase pensara... Ele interrompeu ferozmente a lembrança. Não pensaria em como as coisas haviam sido com ela no passado. Não pensaria em como ela quase o fizera perder tudo, incluindo a cabeça. Eve Craig era um hábito fatal do qual ele finalmente se livrara, e ele pretendia manter as coisas daquele jeito. — Certo — ele disse, voltando-se para encará-la. — Eu a levarei para casa, mas apenas para pegar suas coisas. Não podemos ficar. O adorável rosto dela se avivou. Ela parecia tão jovem sem maquiagem, com o cabelo preso no casual rabo de cavalo. Mal parecia ter idade para ser uma universitária, muito mais jovem do que os 38 anos dele. — Obrigada — ela disse acaloradamente. Obrigada. Outra expressão que ele jamais ouvira dela. Ele se virou para o outro lado, recostando-se no assento de couro bege, enquanto seu motorista dirigia suavemente pela cidade. Quando o carro entrou na Ml, em direção ao norte, Talos olhou para a chuva lá fora; então, fechou os olhos, tenso e cansado da viagem, da mudança de fuso horário e do baque que haviam sido os últimos dois dias. Eve, grávida. Ele ainda estava desnorteado. Não era de se admirar que ela tivesse batido o carro, ele pensou debilmente. Só a idéia de perder aquela silhueta e não caber em todas as suas roupas de grife já devia ter sido o suficiente para deixá-la louca. Todos aqueles meses sem poder beber champanhe e dançar até o amanhecer com todos os amigos ricos, belos e fúteis... Eve provavelmente estivera mais do que chocada; devia ter ficado furiosa. Eve, grávida. Ele não confiaria nela para tomar conta de uma planta em um vaso, muito menos de uma criança. Ela não era nem um pouco maternal. Não amaria um bebê. Era a pessoa menos amorosa que Talos já conhecera. Lentamente, ele abriu os olhos. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Uma hora antes, ele sequer sabia do bebê, mas, agora, tinha certeza absoluta de uma coisa. Precisava proteger seu filho. — Então, eu não moro na Inglaterra — ele a ouviu dizer. Blindando a expressão, ele se virou para olhá-la. O rosto dela parecia confuso, quase triste, quando ela acrescentou hesitantemente: — Não tenho um lar? Lar. Contra a própria vontade, ele viu em sua mente a imagem de Eve no quarto dele, em Mithridos, esparramada na grande cama dele, com as cortinas balançando com a brisa do mar que vinha do reluzente Egeu. Aquilo não acontecera, e jamais aconteceria! — Você mora em hotéis — ele respondeu friamente.— Já lhe disse. Viaja constantemente. — Então, como consigo me manter num emprego?— ela disse, descrente. — Você não faz isso. Passa seus dias fazendo compras e indo a festas ao redor do mundo. E uma herdeira. Uma mulher bela e famosa. Ela ficou boquiaberta. — Está brincando. — Não. — E deixou por aquilo mesmo. Não teve coragem de dizer como ela e seus amigos libertinos viajavam em bando como parasitas, sugando tudo o que podiam de um hotel de luxo antes de seguir para o próximo. Se ele lhe dissesse aquilo, ela poderia ouvir o desprezo na voz dele e questionar a natureza de seus sentimentos. Malakas, como fora possível que ele tivesse ficado tão encantado com ela? Que loucura o possuíra para deixá-lo tão escravizado? Como poderia se certificar de que seu filho jamais fosse negligenciado, magoado ou abandonado por Eve depois que ela recuperasse a memória? Subitamente, um novo pensamento lhe ocorreu. Se ela não se lembrava dele, se não se lembrava de quem ela era ou do que fizera, isso significava que ela não faria idéia do que estava prestes a lhe acontecer. Não teria como se defender. Um lento sorriso curvou os lábios dele enquanto elaborava seu novo plano. Poderia tomar tudo dela, inclusive o bebê. Ela seria pega totalmente de surpresa. — Então, eu estava aqui para o funeral do meu padrasto — ela disse suavemente. — Mas não sou britânica. — Sua mãe era, creio eu. Vocês duas voltaram à Inglaterra há alguns anos. Ela se alegrou. — Minha mãe! — Morta — ele lhe informou brutalmente. Ela ficou imóvel, a expressão desabando. Ao observar o rápido movimento da paisagem dos arredores de Londres pela janela atrás dela, ele lembrou que a morte da mãe era algo novo para ela. E que ele devia se fingir apaixonado por ela. Precisava fazêla acreditar, se quisesse que o plano desse certo. — Sinto muito, Eve — ele disse abruptamente. — Mas, até onde eu sei, você não tem família. — Oh... Puxando-a para seus braços, ele a abraçou contra o peito, beijando-lhe o alto da cabeça. O cabelo dela, bagunçado e sem ter sido lavado, ainda conseguia ter o cheiro de baunilha e açúcar, os aromas que ele associava a ela. Aquilo imediatamente fez seu corpo se enrijecer e ficar tenso, ansioso com a imediata tentação de um mal há muito desejado. Thee mou. Por que não conseguia parar de desejá-la? Depois de tudo o que ela fizera, de como quase o arruinara, como era possível que o corpo dele ainda a desejasse como um moribundo em busca de água? Seria ele um completo idiota suicida? Não tinha honra, nem orgulho? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Tinha orgulho, pensou, trincando os dentes. Era ela. Mesmo naquele instante, agindo tão recatadamente, a inocência dela o atraía como uma chama. Ele se lembrava do fogo da paixão dentro dela. E de como ele era o único homem a ter provado daquilo. Ele sentiu a calça ficar apertada. Parei, ordenou a si mesmo. Não pensaria nela na cama. Não iria querê-la. Ele tinha algum controle sobre o próprio corpo, droga! Ela fechou os dedos na manga dele e pressionou o rosto na camisa feita perfeitamente sob medida. — Sendo assim, não tenho ninguém. — A voz dela estava fraca, quase um sussurro. — Nenhum parente. Nenhum irmão ou irmã. Ninguém. Ele baixou o olhar para ela, erguendo-lhe o queixo para que pudesse ver as lágrimas que brilhavam nos lindos olhos cor azul-violeta dela. — Você tem a mim. Ela engoliu em seco, estudando o rosto dele, como se tentasse ler a emoção por trás de sua expressão. Ele se disciplinou e levou preocupação e admiração às próprias feições, fazendo o melhor que podia para fingir amor, apesar de jamais tê-lo sentido. Um suspiro saiu dos lábios dela ao soltar o ar. Um suave sorriso delineou-lhe os lábios. — E ao nosso bebê. Ele assentiu uma única e sombria vez. O bebê era o motivo pelo qual ele precisava se certificar de que seu controle sobre Eve era absoluto. O motivo pelo qual ele precisava fazê-la acreditar que ele se importava com ela. Não era diferente, ele pensou ironicamente, do que ela fizera com ele. Ele ganharia sua confiança. Faria com que ela se casasse com ele por espontânea vontade. Então... ah, então... No momento em que o casamento fosse oficializado, o objetivo da vida dele seria fazê-la se lembrar da verdade. Estaria com ela quando ela finalmente se lembrasse. Veria o desespero no rosto dela. E, então, a esmagaria. A idéia de vingança alegrou seu coração. Não vingança, ele disse a si mesmo. Justiça. Inclinando-se para a frente, ele a segurou mais perto de si no assento traseiro do Rolls-Royce. — Eve. — Ele lhe segurou o rosto em suas grandes mãos. — Quero que se case comigo.
Casar-se com ele? Sim, Eve pensou atordoada, erguendo o olhar para o belo rosto dele. Sentindo aquelas mãos fortes e ásperas contra a suavidade de sua pele, o calor do toque a marcou, descendo pelo pescoço até os seios, e ainda mais para baixo. Como um homem podia ser tão másculo, tão belo e tão poderoso ao mesmo tempo? Talos era tudo que a alma surrada, vazia e amedrontada dela desejava. Ele a protegeria. Ele a amaria. Completaria a vida dela. Sim, sim, sim. Mas, quando as palavras lhe chegaram aos lábios, algo a impediu. Algo que ela não conseguiu entender a fez afastar o rosto do toque dele. — Casar? — ela sussurrou. Buscou os olhos escuros dele, seu coração já acelerando. — Eu nem o conheço. Ele piscou. Ela viu que ele estava surpreso. Então, as sobrancelhas de Talos baixaram, num franzir de cenho. — Você me conhecia bem o suficiente para que eu a engravidasse. Ela engoliu em seco. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Mas não consigo me lembrar de você — disse. — Não seria justo aceitá-lo como meu marido. Não seria correto. — Fui criado sem um pai. Não pretendo deixar que meu filho passe por isso. Darei um nome a nosso bebê. Não negue isso a mim — ele disse impetuosamente. Negar a ele? Como uma mulher poderia negar algo a um homem como Talos Xenakis? Mas não parecia correto. Respirando fundo, ela se virou para o outro lado e olhou para a paisagem que passava. Mudara desde que eles haviam saído dos arredores de Londres, tomara-se suave e verde além das janelas respingadas pela chuva. As árvores começavam a ficar laranja e amarelas, ricas cores de outono, misturadas ao verde das folhas. — Eve. Ela olhou de volta para Talos. Ele era tão morena-mente belo e poderoso, e, naquele momento, sua boca sensual estava comprimida em uma linha tensa, Ele estava claramente determinado a fazer as coisas do próprio jeito. Mas algo dentro dela a fazia resistir a ele. — Obrigada por me pedir em casamento — ela disse sem jeito. — É muito amável. Mas faltam meses para meu bebê nascer... — Nosso bebê — ele a corrigiu. — E não posso ser sua esposa se nem ao menos me lembro de você. — Veremos — ele disse suavemente. O silêncio recaiu sobre eles enquanto ela observava a paisagem. Finalmente, o carro saiu da estrada para uma via menor. Ela viu uma mansão georgiana de tijolos vermelhos no sopé de colinas cobertas por árvores, refletida em um amplo lago cinzento. — É a casa do meu padrasto? — ela sussurrou, chocada. — Sim. O carro subiu pela longa via através do parque e do bosque e, em seguida, parou na frente da entrada. Quando Talos abriu a porta e a ajudou a sair do carro, Eve olhou para cima, respirando fundo. Curvou a cabeça bem para trás, para conseguir ter uma boa vista da mansão, com seus baluartes em estilo vitoriano gótico que despontavam para o céu acinzentado. Pondo a mão na frente dos olhos para bloquear a luz do sol do meio-dia que finalmente penetrara nas nuvens, ela olhou de volta para ele. — Eu morava aqui quando era adolescente? — E, agora, é sua, junto com uma vasta fortuna. Ela o olhou severamente. — Como você sabe? — Você mesma sabia disso ontem, quando esteve presente á leitura do testamento. — Mas como você sabe? — ela insistiu. Ele deu de ombros. — Vou me certificar de que você receba uma cópia do testamento. Venha. — Pegando-lhe a mão, ele a acompanhou pela grande porta da frente. No vestíbulo, cinco empregados esperavam para cumprimentá-la, liderados pela governanta. — Oh, srta. Craig. — A gorducha mulher fungou no avental. — Seu padrasto a amava tanto. Ele ficaria tão feliz por ver que finalmente voltou para casa! Casa? Mas aquela não era a casa dela. Aparentemente, fazia anos que ela mal punha os pés naquele lugar! Mas, ao olhar para o rosto triste da idosa governanta, Eve sentiu um baque de solidariedade. Pôs um braço em volta dela. — Ele era um bom homem, não era? — ela disse suavemente. — Sim, era, senhorita. O melhor. E ele a amava como se fosse filha dele — ela acrescentou, esfregando os olhos. — Ele ficaria tão feliz em ver que finalmente voltou depois de tanto tempo... Eve parou delicadamente. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Faz tanto...? — Seis; não, sete anos. O sr. Craig sempre a convidava a voltar para o Natal, mas... A voz desapareceu enquanto ela enxugava as lágrimas com o avental. — Mas eu nunca vinha, não era? — Eve disse. A mulher mais velha balançou a cabeça tristemente. Eve engoliu em seco. Aparentemente, ela pegara o dinheiro do padrasto e o deixara pagar as contas enquanto ela fazia compras e festejava pelo mundo, mas sequer se dignava a voltar para uma visita ocasional! E, agora, ele estava morto. — Sinto muito — ela sussurrou, vencendo o nó na garganta. — Deixe-me levá-la para seu quarto. Vai ver que ele está exatamente como o deixou da última vez. Logo em seguida, a governanta, soluçando em silêncio, os deixou no antigo quarto de Eve. Na escuridão, com Talos atrás dela na luz única que vinha das portas duplas, Eve abriu as cortinas pretas, preenchendo o quarto com a luz cinzenta. Voltando-se para dar uma boa olhada no quarto, ela suprimiu um soluço de terror. Tudo era vermelho e preto, até a imensa cama preta de laca. Dramático. Moderno. Sexy. Extravagante. Talos se apoiou no batente da porta enquanto Eve olhava pelo quarto, desesperada por algo, qualquer coisa que lhe dissesse o que precisava saber. Ela abriu portas de armários, passando as mãos apaticamente pelas roupas novas que estavam penduradas. Eram como o quarto, sexies e dramáticas. Roupas poderosas para uma mulher que desejava atenção e sabia como consegui-la. Eve estremeceu. Puxou as prateleiras, tocando cada peça levemente com as mãos. Sapatos de salto alto pretos. Uma bolsa Gucci. Uma mala Louis Vuitton. Ao encontrar o passaporte, ela o folheou, buscando respostas que não estavam lá. Zanzibar? Mumbai? Cidade do Cabo? — Você não estava brincando — ela disse lentamente.— Eu viajo constantemente mesmo. Especialmente nos últimos três meses. Quando ele não respondeu, ela se virou para encará-lo. O rosto dele parecia cuidadosamente desprovido de expressão. — Sim — foi tudo o que ele disse. — Eu sei. Ela jogou o passaporte na mala, com as roupas e sapatos sexies que lhe pareciam tão estranhos, como se pertencessem à outra pessoa. Apoiando-se na cama, ela olhou em volta com um pesado suspiro. — Não há nada aqui. — Eu disse. Desoladamente, ela foi até a prateleira de livros. Havia apenas revistas desbotadas de moda, desatualizadas havia anos, e alguns livros finos sobre etiqueta e charme. Ela pegou o livro de cima e leu o titulo. Como conseguir seu homem? — Isso nunca foi problema para você. — Havia uma distinta contundência na voz dele. O coração dela estava se partindo, e ele fazia piadas? Ela soltou pesadamente o ar e jogou o livro na direção de Talos. Ele o pegou no ar. — Olhe, Eve — ele disse monotonamente. — Nada disso importa. — Importa. Essas coisas me dizem quem eu sou! — Ela apontou o dedo para o armário. — Acabo de descobrir que era o tipo de garota que só se importava com a aparência, que ignorava o padrasto que me amava, e que nunca se deu o trabalho de vir para casa no Natal. — Lágrimas lhe chegaram aos olhos. — E eu o deixei morrer sozinho — ela sussurrou. — Como pude ter sido tão cruel? Desolada, ela pegou uma foto empoeirada em uma moldura. Viu a imagem de um homem dando uma piscadela, seu braço em tomo de uma bela mulher de cabelo escuro, que ria de felicidade. Entre eles, uma gorducha garotinha com um grande e radiante 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas sorriso, sem dois dos dentes da frente. Ela observou os adultos na foto durante um longo tempo, mas nenhuma lembrança retomou. Deviam ser seus pais, mas ela não conseguia se lembrar deles. Seria mesmo tão sem coração? Realmente não tinha alma? — O que descobriu? — Nada. Isso não ajuda. — Ela lançou a foto para o outro lado do quarto, onde ela quicou suavemente contra a cama. Eve cobriu o rosto com as mãos. — Não consigo me lembrar deles. Não consigo! Cruzando o quarto com três longas passadas, ele a segurou pelos ombros. — Eu mal conheci meus pais, mas isso não me magoou. — Não é só o passado — ela sussurrou. — Por que você iria querer ficar com uma pessoa como eu? Sem conteúdo, sem coração? Ele não respondeu. — E, agora, é tarde demais. Perdi a única família que tinha. Não tenho lar. — Seu lar é comigo — ele disse em um tom grave. Ela o olhou. A luz do sol que entrava pelas altas janelas acariciava gentilmente o rosto dele, iluminando partículas de poeira flutuante como pequenas estrelas à volta deles no quarto vermelho e preto. — Deixe-me mostrar isso a você. — Ele acariciou gentilmente os braços desnudos dela, os dedos leves contra a pele. — Case-se comigo. A eletricidade se espalhou pelos braços dela, pelo corpo. Ela resistiu à vontade de se aproximar dele, de apertar o corpo contra seu peito. Balançando a cabeça, ela suspirou; — Não posso. — Por quê? — ele rosnou. — Não quero que você se case comigo por pena! As mãos dele subitamente a envolveram, acariciando-lhe as costas através do vestido e fazendo a seda preta deslizar deliciosamente pelo corpo dela com o suave toque. — Pena é a última coisa que eu sinto por você. Ela fechou os olhos, inclinando-se para a frente, apesar de não querer. Desejava mais do que o toque dele. Desejava sentir seu calor. Sua chama. Ele a puxou para mais perto. Ela sentiu o cheiro dele, o calor de seu corpo sob as roupas. — Venha comigo — ele sussurrou entre os cabelos dela. — Venha para Atenas e seja minha noiva. Eve sentiu a rigidez do corpo dele contra o dela, a força dos braços dele à sua volta. Ele era tão mais alto e poderoso que ela! Suas mãos lhe percorriam suavemente o quadril, subindo pelas costas enquanto os seios dela se apertavam contra o peito dele. Ela engoliu em seco. Tremia. Lambeu os lábios, movendo a bochecha contra a camisa dele enquanto o olhava. — Não posso simplesmente fugir — ela suspirou. Não importava o quanto desejasse poder. — Preciso recuperar minha memória, Talos. Não posso simplesmente flutuar pelo mundo sem saber quem sou. Não posso me casar com um homem estranho, mesmo que você seja o pai do meu bebê... — Então, eu a levarei ao lugar onde nos conhecemos. Onde começamos. — Eve sentiu o olhar escuro de Talos recair sobre sua boca enquanto ele dizia suavemente: — Vou lhe mostrar o lugar onde a beijei pela primeira vez. Ela perdeu as forças. Olhou para ele, o coração acelerado enquanto ela lambia involuntariamente os lábios. — Onde? Os olhos dele estavam cálidos e escuros. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Em Veneza. — Veneza — ela repetiu, e a palavra saiu como um suspiro de anseio. Ela olhou para ele com desejo, sabendo que devia recusar, sabendo que devia ficar em Londres e ver o especialista que o dr. Bartlett recomendara. Mas a recusa ficou presa na garganta. Presa pelos sonhos românticos de Eve. Presa por ele. Talos esticou a mão para tocar-lhe o lábio inferior com o polegar, acariciando-lhe o rosto com suas poderosas mãos. — Vamos a Veneza — ele disse de modo sombrio. — Vou lhe mostrar tudo. Ele apoiou o rosto dela com as duas mãos, segurando-a firmemente contra seu corpo enquanto a olhava; seu olhar, um comando. — E, depois — ele sussurrou —, você se casará comigo.
CAPÍTULO TRES
A LUZ do sol refletia na água quando eles pegaram o motoscafo, um táxi aquático particular, do aeroporto Marco Polo. O clima de setembro estava claro e quente enquanto eles cruzavam a lagoa, passando pela Piazza San Marco e a Ponte dos Suspiros no caminho para o hotel. Veneza. Talos jamais esperara retomar àquele lugar. Mas, às vezes, ele pensou sombriamente, um homem precisava mudar as regras no meio do jogo. Ele faria o que fosse preciso, até ser um tolo romântico, para convencer Eve a se casar com ele antes que a sua memória retomasse. Ele olhou para baixo, para os braços dela, enquanto cruzavam a água do canal. Os olhos dela brilhavam, maravilhados; seus carnudos lábios roscos estavam ligeiramente entreabertos enquanto ela olhava a cidade, admirada. Do mesmo jeito como todos os homens que viam Eve olhavam para ela. Mesmo naquele instante, no táxi aquático. O jovem condutor italiano não parava de olhar para trás no retrovisor. O guarda-costas de Talos, Kefalas, estava no assento atrás deles, e até ele havia olhado para Eve por mais tempo do que o estritamente necessário. Eve acabara de tomar banho e trocar de roupa no voo particular de Londres. Seu cabelo escuro caía em ondas cheias e sedosas, passando pelos ombros nus, roçando nos mamilos que Talos conseguia facilmente imaginar sob aquele vestido vermelho colado ao corpo. O vestido mostrava a parte superior do busto e mal chegava até a metade de suas claras coxas. Suas pernas eram esguias e perfeitas, e terminavam em sapatos pretos de salto fino. Ele não tinha como culpá-los por olharem. Ainda que quisesse matá-los por isso. Estranho, Talos pensou, ele jamais sentira ciúme de outros homens observando Eve. Sempre aceitara aquilo como um preço a ser pago. Sabia que outros homens sempre iriam querer o que ele, Talos, possuía. Mas, pela primeira vez, aquilo fez seu estômago ficar embrulhado, Por quê? Porque Eve carregava o filho dele? Porque ele pretendia torná-la sua esposa? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Esposa no nome apenas, ele se obrigou a lembrar. Para proteger seu filho que ainda não havia nascido. Não porque ele se importava com Eve. Não sentia nada por ela a não ser desprezo. E, ele se viu forçado a admitir, desejo. Encarando severamente o condutor até que o jovem ficasse ruborizado e voltasse a atenção para a condução, Talos puxou Eve para mais perto de si. Ela se recostou contra o peito dele, esticando os braços por cima de seu pescoço e sorrindo para ele. — É lindo aqui. — Os olhos azuis dela estavam tão ternos quanto jacintos em uma planície na primavera. — Obrigada por me trazer a Veneza. Apesar de eu ter certeza de que isso foi muito inconveniente... Ele sorriu para ela. Ao pegar-lhe a mão, levou-a aos lábios. — Nada é inconveniente para mim se lhe dá prazer — ele disse, e pressionou suavemente a boca contra a pele dela. Sentiu-a estremecer sob seu toque no quente sol da tarde. O ar estava salgado e fresco. A distância, ele podia ouvir as gaivotas, os sinos medievais das igrejas soando. — Você é tão bom para mim — ela sussurrou, visivelmente afetada pelo modo como ele lhe beijara a mão. A percepção de que ela praticamente uma inocente, facilmente manipulada pelo desejo sensual, acendeu uma chama no coração dele. Aparentemente, a mulher fatal que fora havia desaparecido, junto com as lembranças. Vestida daquele jeito, ela ainda parecia a mesma criatura arrogante, cruel e fascinante que havia sido três meses antes, mas mudara completamente. Com suas reações nervosas, sua ingenuidade juvenil, ela era quase uma virgem. Mas não era; estava esperando um bebê dele. E, apesar de ela certamente ter sido virgem antes de eles terem se conhecido, jamais fora inocente! Ao se lembrar de como eles haviam concebido aquele bebê, todos os membros dele subitamente pareceram arder nos pontos em que a tocavam. Olhando para o belo rosto dela, ele viu a vulnerabilidade em seus olhos azuis, viu suas pupilas se dilatarem. Lembrou-se daquelas tórridas e arfantes semanas em Atenas, quando o corpo nu dela estivera sob o dele. Quando ele pensara que, por baixo daquela superfície dolorosamente bela e fútil, havia algo que pudesse ser verdadeiramente raro, valioso. E continuara pensando até o dia em que a vira tomando café da manhã com seu rival, friamente lhe fornecendo evidências para destruir a empresa de Talos. Lembre-se daquele momento, ele disse severamente a si mesmo. Lembre-se de como ela o traiu, e por quê. Mas, quando Eve o encarou com olhos sonhadores sob os elegantes e decrépitos palazzos de Veneza, com a luz do sol brilhando nos canais, tudo o que ele conseguiu pensar foi que queria beijá-la. Naquele instante. Com força. Para marcá-la permanentemente como sua, para castigar aqueles lábios até que ela soluçasse e gritasse em seus braços. As mãos dele apertaram os ombros dela, os dedos segurando aquele esguio corpo enquanto ele se lembrava daqueles dias e noites de junho. Ficara viciado em levá-la para a cama. Perdera-se em uma mulher, de uma maneira que jamais acontecera antes. Ele se considerava impiedoso. Considerava-se forte. Mas ela o vencera, e Talos sequer esperava que aquilo acontecesse. Agora, ele a odiava com todo o seu coração. Mas ainda a desejava. Desejava com um sentimento avassalador, que poderia destruí-lo se ele baixasse a guarda. Jamais cederia à tentação dela. Ainda que aquelas semanas levando-a para a cama tivessem sido a experiência mais erótica de sua vida, jamais a possuiria novamente. Se apenas a beijasse, isso poderia acender uma chama que ele não seria capaz de controlar. Ele a observou lamber nervosamente os lábios... aqueles lábios carnudos que já o haviam feito estremecer e gritar com um desejo tão intenso que Talos chegara a pensar 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas que aquilo pudesse matá-lo. Conseguia perceber que ela estava assustada com a conexão elétrica entre eles. Ela não entendia. Diferente da Eve que ele conhecera, que deixava seus sentimentos tão bem escondidos, aquela garota não ocultava sua expressão. Seus pensamentos eram claramente expostos naquele lindo rosto angelical. Ótimo, ele disse rispidamente a si mesmo. A arma perfeita para ser usada contra ela. Ele a convenceria a se casar com ele. Seria romântico. Ele a conquistaria, a cortejaria. Ele a tomaria como sua esposa, naquele mesmo dia. Faria tudo o que fosse necessário para isso. Menos uma coisa. Não a levaria para a cama. Não levaria. Eve virou o rosto para o brilhante sol italiano através das janelas do barco, recostando-se contra o corpo forte e poderoso de Talos enquanto o motoscafo quicava pelas ondas. O assento de couro vibrava sob suas coxas, por causa do motor. Ela inspirou profundamente o ar salgado. Sentia a pele quente. Seu corpo estava em brasa ao encostar no peito rígido de Talos. Mesmo através da camisa preta dele, ela conseguia sentir o calor que lhe emanava da pele. Então, ele sorriu para ela. Aquele sorriso causou todo o tipo de coisas estranhas nela, fazendo seu coração disparar. Os dias de escuridão e vazio na chuvosa Londres já pareciam um solitário sonho. Ela estava na Itália com Talos. E o bebê deles. Pôs a mão na barriga, que ainda não havia crescido. O táxi aquático desacelerou e estacionou perto da doca de um palazzo do século XV. Ela observou as janelas altas e pontudas que embelezavam a fachada desgastada de estuque vermelho, maravilhada com a beleza gótica exótica. — E para lá que vamos? Os olhos pretos dele brilharam ao olhar para ela. — Nosso hotel. Oh. O hotel deles. Ela engoliu em seco ao sair do táxi para a doca, imaginando como seria compartilhar um quarto com aquele homem. Compartilhar o espaço. Compartilhar uma cama. Só de pensar nisso, ela tropeçou. — Cuidado — Talos disse roucamente, segurando-lhe o braço para equilibrá-la, — Você ainda não está acostumada ao balanço do mar. Todas as cores de Veneza, a água rodopiante e reluzente, o céu brilhante e a torre vermelha de campanário da piazza ali perto, pareciam desaparecer na paisagem como um redemoinho atrás dele. — E verdade — ela disse, vencendo o nó na garganta. — Não estou. Eles ficaram na doca enquanto o guarda-costas e assistente, Kefalas, pagava ao jovem condutor italiano e organizava a bagagem. Mas tudo o que Eve conseguia ver era Talos. Ele era tão belo e alto e forte, ela pensou. Sentiu os braços dele se apertarem ao seu redor e subitamente se perguntou se ele iria beijá-la. O pensamento a assustou. Ela se afastou subitamente dele, nervosa. — Nós vamos... hã... ficar em quartos separados, não vamos? Ela ouviu uma grave e sensual risada escapar dele enquanto balançava a cabeça, Eve lambeu os lábios. — Mas... — Não pretendo deixar que você saia da minha vista. — Ele avançou na direção dela, que precisou de toda a coragem que tinha para não recuar. Talos afastou uma mecha do cabelo dela, que esvoaçava em função da brisa salgada. Beijando-lhe a têmpora, sussurrou: — Nem dos meus braços. Tomando-lhe a mão, ele a guiou em direção ao hotel palaciano, onde foram rapidamente recebidos pela equipe que já os aguardava. A medida que Eve caminhava pelo maravilhoso lobby, passando por arcos aéreos e 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas pela escadaria, ela lentamente se tomava ciente das cabeças masculinas que se viravam para observá-la, quase como espectadores de uma partida de tênis. Teria sido engraçado se ela não tivesse se sentido como a bolinha amarela. Por que estavam olhando para ela? O que havia de errado com ela? O porteiro ficou boquiaberto e se apressou para abrir a porta. O recepcionista olhou duas vezes de sua mesa, antes de desviar o olhar, pigarreando. O grupo de executivos italianos que cruzava o lobby não foi tão discreto. Três jovens em temos listrados pararam, observando-a de queixo caído. Um deles cutucou o outro, sorrindo. Falando rapidamente em italiano, ele começou a ir na direção dela. O amigo o interrompeu, segurando-lhe o pulso, indicando Talos e perceptivelmente amedrontado. Aparentemente demovidos por Talos da idéia de se aproximar, os três homens continuaram a observá-la, murmurando palavras suaves de apreciação. Eve se sentiu vulnerável. Exposta. Suas bochechas ficaram quentes sob toda aquela observação. Ela ficou grata quando Talos pegou-lhe a mão e a levou até o elevador. Conseguia sentir todos os homens no lobby a observando pelas costas, ouvir seus suspiros lamentosos misturados ao som dos saltos dela no piso de mármore. Naquele momento, eles provavelmente estariam olhando seu traseiro. O pescoço dela começou a suar frio. Por que eles a estavam encarando? Então, subitamente, ela entendeu. O vestido. O minúsculo vestido vermelho que ela pegara do armário em Buckinghamshire. Comparado ao resto do guarda-roupa, ela pensara que aquele fosse a escolha mais simples e fácil, confortável e casual. Parecera um bom vestido, apesar de um tanto pequeno, com um tecido maleável. E, como ela parecia não ter nenhum sapato confortável, escolhera as sandálias pretas de salto fino, que pelo menos não lhe apertariam os dedos. Depois do banho, ela escovara o cabelo escuro. Esperara se acostumar às próprias roupas, sentir-se confiante com elas. Nossa, como estivera enganada. Apesar de o tecido tricotado ser de fato suave e maleável, não era páreo para seus seios de grávida, que transbordavam de forma um tanto preocupante pelo alto. O salto fino deixava suas pernas bem longas, mas também fazia com que seus quadris se inclinassem para a frente e balançassem a cada passo. Confortável? Casual? As roupas dela chamavam a atenção masculina e faziam com que os olhares dos homens se concentrassem nela. Independentemente de nacionalidade, idade ou profissão, os homens não paravam de olhá-la! Ela não parecia apenas vulgar, percebeu horrorizada. Parecia uma meretriz, paga por hora! Quando a porta da cobertura finalmente se fechou e o carregador de malas foi embora com uma última olhadela sorrateira e apreciativa para os seios de Eve, ela soltou um grande suspiro de alívio. Finalmente estava a sós com Talos! Então, percebeu... Estava a sós com Talos. Nervosamente, ela olhou em tomo da luxuosa suíte. Sob o teto com afrescos, um candelabro de cristal brilhava sobre as antigas pinturas, a lareira de mármore e a mobília decorada. Grossas cortinas com franjas se abriam para as amplas janelas para revelar uma varanda que dava vista para o canal. Havia diversos cômodos na suíte, incluindo 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas uma sala de estar e um elegante banheiro. Mas apenas uma cama. O enorme móvel de quatro pilares ficava no centro da suíte. Eve não conseguia tirar os olhos dele. — Vamos jantar? — Talos ronronou de trás dela. Enrubescida, ela se virou para encará-lo, rezando para que ele não fosse capaz de ler mentes. — Jantar? Fora? — Pensando em todos aqueles olhos masculinos fixos, ela balançou desesperadamente a cabeça. — Não quero sair hoje. — Perfeito — ele disse, curvando sensualmente os lábios. — Então, ficaremos aqui. Ele se aproximou dela mais um passo, maior e mais poderoso que qualquer homem tinha direito de ser. Aquela suíte real tinha o tamanho de uma casa, mas, mesmo assim, ele preenchia cada centímetro do espaço, até o limite. E, se ele já fazia aquilo em uma suíte de 370m²... Ela mal conseguia imaginar o que faria com uma mulher. Não! Não pensaria naquilo. Suas bochechas enrubesceram com o calor. Nervosamente, ela se virou para a janela, sentindo-se como uma virgem adolescente. Olhou para fora, além da água reluzente, para a ilha veneziana do outro lado da lagoa. Conseguia ver hotéis, palazzos, barcas. Conseguia ver gôndolas pretas ancoradas, subindo e descendo na água a cada lancha que passava levando turistas para a Praça de São Marcos. Ela o sentiu tocar-lhe o ombro. — E o mesmo hotel em que ficamos antes? — ela gaguejou. — Quando nos conhecemos? — Eu fiquei aqui sozinho — ele disse, baixando o olhar para ela, — Você se recusou a subir para minha suíte. Ela se virou para ele. — Mesmo? — Tentei fazê-la mudar de idéia. — Esticando a mão, ele lhe acariciou a bochecha. Ela respirou fundo com a suavidade do toque, com seu perfume silvestre que fazia o corpo dela estremecer. Ele disse suavemente: — Você resistiu. — Resisti? — ela falou rapidamente. — Como? — Então, enrubesceu. Ele soltou uma risada grave. As pontas suaves dos dedos dele lhe desceram pela face em direção aos lábios. Ele a tocou com tanta delicadeza que ela precisou se esforçar para senti-lo, quase como se ele não a estivesse tocando, forçando-a a subir a seu encontro, fosse essa a vontade dela ou não. Ele se inclinou para a frente para sussurrar no ouvido dela: — Você me fez persegui-la. Com mais dedicação e por mais tempo do que jamais persegui qualquer mulher. Mulher nenhuma era... jamais será como você. Quando ele se afastou, o coração de Eve estava em disparada; sua respiração, curta e rápida. Os olhos escuros dele brilhavam para ela, como se ele soubesse exatamente o caos que criara dentro dela. Talos era apenas, talvez, uns dez anos mais velho que ela, mas, ainda assim, dava a ela a impressão de que tinha o dobro de sua força e mil vezes sua experiência! — Então. Vamos sair? — Ele olhou de volta para a cama. — Ou ficar aqui? Ficar naquela suíte, que, por maior que fosse, subitamente parecia minúscula? Passar a noite sozinha com aquele homem poderoso, que a fazia sentir coisas tão estranhas, pondo seu mundo de pernas para o ar? — Mudei de idéia. Vamos sair! — ela falou rapidamente e enrubesceu com o próprio nervosismo. Ela se sentia como uma garotinha tímida, com medo de ficar sozinha com ele. — Então, está mesmo com fome. — Com a grave risada dele, ela soube que se 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas entregara novamente, mas não conseguia evitar. Casualmente, ele pegou o sobretudo branco dela do armário, jogando-o sobre um dos braços. Pôs a outra mão possessivamente na base das costas dela, e aquele leve toque a fez formigar por inteiro. Eve quase suspirou de alívio ao sair da maravilhosa suíte... com sua imensa cama. Ao segui-lo para fora do hotel, para as ruas do crepúsculo de Veneza, ela mal sabia que aquele seria um clássico caso de sair do fogo para cair na fogueira.
CAPÍTULO QUATRO
O SOL começava a se pôr, dando ao anoitecer um brilho rosa e laranja com o ar do outono esfriando rapidamente. Quando a leve névoa soprou da lagoa, Talos pegou a mão de Eve. A mão dele envolveu a dela, menor, suas palmas nuas pressionando uma na outra, e ela estremeceu, algo que nada tinha a ver com a noite fria. Ele parou no caminho entre apiazzetta e o canal. — Frio? Ela assentiu. Afinal, como poderia lhe dizer a verdade? Como poderia lhe dizer que seu mero toque a alegrava e amedrontava igualmente? Atrás dele, ela conseguia ver as brancas abóbadas, arcos e espirais bizantinas da Basílica de São Marcos, O pôr do sol acariciava o belo rosto dele com uma luz rósea, avermelhada. — Tome. Ele pegou o sobretudo que carregava no braço e a envolveu com ele. Talos era tão lindo, ela pensou, atordoada, enquanto ele amarrava o cinto da peça de roupa. Tão poderoso, usando um paletó de lã preta por cima de uma camisa e calça também pretas, feitas sob medida. Por um momento, ela apenas o observou, recuperando o fôlego. Então, um grupo de jovens passou por eles, e Eve ouviu um assobio. Ela olhou para baixo e enrubesceu, percebendo que o sobretudo branco cobria o vestido vermelho completamente. Com as pernas e o pescoço descobertos, provavelmente parecia estar nua por baixo dele! Ela mordeu o lábio. — Não é melhor pegarmos um táxi? — O restaurante fica perto — ele disse seriamente. — Do outro lado da praça. — Ele lhe pegou o braço, colocando-o por cima do seu. — Venha. Era incrivelmente romântico observar o sol descer acima do Grande Canal. Romântico, mas não confortável. O salto fino torcia os tornozelos dela enquanto andava, mas isso não era o pior. Ela estava constantemente ciente dos homens que a olhavam enquanto os dois caminhavam. E Talos também estava ciente disso. Ela percebia pelo jeito apertado como ele lhe segurava o braço, lançando um olhar furioso para qualquer outro homem que chegasse perto demais ou olhasse por tempo demais. Era como um leão pronto para lutar, para matar, para proteger sua fêmea. Eve se sentia vulnerável. Como uma gazela prestes a ser destroçada para o jantar de um leão. Olhou para Talos, ao seu lado. Algo nele a assustava de uma forma que ela não 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas compreendia. Era porque ela não se lembrava dele, disse a si mesma. Se lembrasse, certamente não teria medo... Atrás deles, ela viu uma figura sombria, seguindo-os a uma distância discreta. Nervosamente, ela umedeceu os lábios. — Há alguém nos seguindo. Talos olhou de relance para trás e relaxou. — Kefalas. — Seu guarda-costas? — Ele só vem quando é necessário. — Mas... — E preciso. — Ele olhou para ela. A luz do sol poente lançou suas feições brutalmente belas em um brilho róseo enquanto ele acrescentava: — Só para proteger você de todos os seus admiradores italianos. — Não gosto dessa atenção toda — ela sussurrou, — Não quero que olhem para mim. Ela percebeu, pelo repuxar nos lábios dele, que Talos não acreditava plenamente nela. As bochechas de Eve ardiam e estavam rosadas. Ela queria estar coberta da cabeça aos pés em uma roupa de neve acolchoada. Precisava trocar suas roupas, pensou. Talos a acompanhou para dentro de um pequeno hotel com vista para o Grande Canal, para o restaurante nos fundos, que tinha um adorável e amplo terraço com vista para a água. O restaurante estava lotado, mas, de alguma forma, eles foram rapidamente levados à melhor mesa. Na mesa simples, à luz de velas, eles dividiram um incrível jantar de risoto de frutos do mar e talharim com scampi. A comida foi uma experiência sensual. Ao terminar o risoto, lambendo o garfo com satisfação, ela sentiu o olhar dele sobre ela. E, mesmo com a fria brisa noturna soprando em seus ombros e pernas nus, ela estremeceu com um súbito calor. Sem conseguir suportar a intensidade do olhar dele, ela desviou os olhos. Alem das sombras negras das gôndolas na água, ela viu uma linda e iluminada igreja, com uma abóbada branca. — É Santa Maria delia Salute — ele disse tranqüilamente. — Você também a adorou da última vez. — Última vez? — Não se lembra deste restaurante? — Deveria? Os olhos escuros dele brilhavam para ela à luz das velas. — Viemos aqui em nosso primeiro encontro. O garçom chegou com a sobremesa de tiramisu, mas, quando ela deu a primeira mordida no bolo doce, mal conseguiu sentir o gosto. Respirando fundo, ela baixou o garfo. E o encarou. Talos pegou-lhe a mão sobre a mesa. — Estou feliz por tê-la encontrado — ele disse em um tom grave que a fez tremer por inteiro. — Feliz por você estar aqui agora. Ele ainda estava sendo tão bondoso e amoroso com ela... Eve mal conseguia entender. Cobriu o rosto com uma das mãos. — Você deve me odiar — ela disse. Os dedos dele pareceram se apertar como que por reflexo sobre o pulso dela. — Por que diz isso? Lágrimas enchiam os olhos de Eve quando ela o encarou novamente. — Porque não consigo me lembrar de você! É meu amante, o pai do meu bebê, e está sendo tão bom para mim. Está tentando com tanta dedicação me ajudar a lembrar. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Mas não adianta, nada adianta, porque meu cérebro... não vai...funcionar! A voz dela ficou embargada enquanto lágrimas lhe desciam pelas faces. Ciente de que estava fazendo uma cena, desesperada para fugir de todos os olhos que a observavam — que, naquele instante, também eram de mulheres —, Eve se afastou dele. jogando o guardanapo de linho na mesa, correu para fora. Talos a alcançou alguns momentos depois, levando o agasalho dela nos braços. — Está tudo bem — ele murmurou. Beijou-a na têmpora, e ela sentiu as mãos dele em seu longo cabelo solto. — Está tudo bem. — Não está tudo bem — ela soluçou, reprimindo as lágrimas. Ergueu o olhar para ele. — Como posso estar com você e não me lembrar? — Você precisa se acalmar — ele disse em voz baixa. — Isso não deve ser bom para o bebê, ficar sendo arrastada de um lado para o outro em Veneza. — Você não me arrastou. Tem sido gentil e maravilhoso. — Ela enxugou as lágrimas com raiva. — É minha culpa. Toda minha. O dr. Bartlett disse que não havia motivo físico para eu não me lembrar. Então, o que é? O que há de errado comigo? O músculo do maxilar dele se contraiu. — Não sei. — Talvez eu devesse voltar para Londres. Ver o tal especialista... — Não. — O olhar dele encontrou o dela, sensual e intenso. Segurou-lhe o rosto nas mãos. —Você não precisa de médicos. Só precisa de tempo. Tempo e cuidados. E de mim. Eu me lembro do suficiente por nós dois. Case-se comigo, Eve. Faça de mim um homem feliz. Ela sentiu o rosto esquentar no ponto onde ele a tocava. Os olhos dele baixaram para a boca de Eve, e os lábios dela formigaram sob o olhar de Talos, como se ele a houvesse tocado com as mãos. E, imediatamente, o corpo inteiro dela se inflamou, consumido por um feroz incêndio, como madeira seca atingida por um raio. Atrás dele, ela viu a famosa Piazza San Marco, na direção do alto campanário vermelho, e a famosa basílica abobadada, tão exótica quanto qualquer coisa do Cairo ou de Istambul. Já estava tarde, a noite era mágica, os turistas haviam desaparecido em meio à névoa, deixando os dois sozinhos, banhados no luar à beira da água. Ele iria beijá-la. Ela queria que ele a beijasse. Estava louca por isso. Quando ele baixou lentamente a cabeça na direção dela, todo o corpo de Eve vibrou, inclinando-se para a frente, desejando... Mas, quando ela fechou os olhos e se esticou para cima, para o beijo dele, repentinamente encontrou-se a mais de um metro de distância dele. Conseguia perceber o rápido e rouco "sobe e desce" da respiração de Talos enquanto ele a observava ao luar, com olhos tão escuros que pareciam negros. — O que foi, Eve? — ele disse em voz baixa. — Por que se afastou? — Não sei — ela sussurrou. — Quero beijá-lo, mas, por algum motivo, estou... com medo. Ele soltou uma repentina e grave risada, um som sensual e perceptivo que ecoou pelas ondas na água. — Você está certa em ter medo. — Como assim? — ela perguntou, sem conseguir desviar o olhar. Pegando-lHe a mão, ele lhe beijou a palma. — Esta chama pode nos consumir. — Lentamente, ele beijou cada nó dos dedos dela, lançando pontadas de prazer de cima a baixo no corpo dela. — Quando eu começar a beijá-la, posso não parar nunca. Um tremor de prazer a atravessou ao ouvir aquelas palavras. Prazer... Desejo... Medo. Mas o rosto dele estava tão estranhamente sombrio ao luar. Não poderia culpar o humor dele, ela disse a si mesma. Não quando ela própria 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas estivera tão sensível um momento antes! — Venha — ele disse em voz baixa. — Está tarde. Hora de ir para a cama. Para... a cama? Os joelhos dela tremiam enquanto ele a levava de volta ao hotel. Eve mal percebeu as belas paisagens de Veneza, as luzes das gôndolas ou as ilhas espalhadas pela água. Tudo o que ela conseguia ver em sua mente era a suíte que os esperava. A cama que os esperava. Mordendo o lábio, ela o olhou de esguelha por baixo dos cílios. Ele era tão sufocantemente lindo e forte. Mas, além de sua incrível sensualidade, ele era um bom homem. Sempre amoroso e paciente. Não ficara com raiva nem se sentira magoado com o fato de ela não conseguir se lembrar dele. Não, concentrara-se apenas em deixá-la confortável. Em ajudá-la. Não, não era verdade. Ele queria outra coisa. Queria se casar com ela. O pai do bebê dela, um belo e poderoso magnata grego, queria se casar com ela. Então, por que ela não conseguia aceitar? Por que não conseguia sequer deixar que ele a beijasse? Por que seu próprio corpo não permitia? Você está certa em ter medo. Ela ouviu mais assobios e elogios sussurrados em italiano quando passaram por outro grupo de jovens. Fechando as mãos com força, Talos começou a se virar na direção deles. Todo o seu corpo parecia abruptamente tenso e raivoso, quase enfurecido. Ele pretendia brigar com todos eles, ela percebeu. Subitamente, estava louco por uma briga. Assustada, ela o impediu com um suave toque no pulso dele. — Pode me dar meu casaco? — ela implorou. — Estou com tanto frio! Ele se virou instantaneamente para olhá-la. — E claro, khriso mou. — Baixando o olhar para ela, ele carinhosamente a envolveu no agasalho. Por um momento, ela se perdeu no olhar escuro dele. Talos pegou-lhe a mão. — Vou levá-la de volta ao hotel. Eve soltou a respiração, aliviada por tê-lo distraído antes que começasse uma briga com os jovens italianos. Ao ver o olhar de Talos, ela tivera medo. Por eles. Ele estivera tomado por uma fúria que parecia muito além dó que uma simples provocação inocente merecia. Mas ela não permitiria que aquilo acontecesse novamente. Ao passarem pelo porteiro e entrarem no lobby, Eve jurou a si mesma que mudaria completamente o guarda-roupa. Quando entraram na suíte, Talos soltou imediatamente a mão. Quando ela saiu do banheiro, dez minutos depois, após ;escovar os dentes, ele sequer ergueu o olhar da luxuosa escrivaninha próxima à janela, onde estivera trabalhando no laptop. Pela janela atrás dele, Eve conseguia ver as luzes brilhantes das barcas cruzando o mar Adriático. — Obrigada por me emprestar a parte de cima do seu pijama — ela disse, sem jeito. Soltou uma risada que pareceu nervosa e atrapalhada, até mesmo para os próprios ouvidos. — Devo ter perdido o meu. Não tinha nada na minha mala. — Você sempre dormiu nua. Ela engoliu em seco, observando-o de perfil, plenamente ciente da cama atrás de si. — Bem, hã... — Fique com a cama. — Levantando-se, ele fechou o laptop e finalmente olhou para ela. Seu olhar sombrio, que estivera tão cálido quando ele quase a beijara perto da praça de São de Marcos, havia subitamente se esfriado. — Vou trabalhar no escritório para não incomodá-la. Dormirei no sofá quando me cansar. Depois de todo o tempo que ela passara tentando acalmar os próprios nervos e se conformar em compartilhar um quarto de hotel, jamais esperara aquilo, que ele a tratasse como se fosse uma hóspede distante. Eve lançou um olhar para o seu corpo alto, com 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas largos ombros, e outro para o pequeno e estreito sofá. — Você não vai caber ali! — Darei um jeito. — Ele lhe deu as costas. — Você e o bebê precisam descansar. — Levantando-se da escrivaninha, ele saiu do cômodo. Parou à porta. — Boa noite. Ele desligou a luz. Como Eve não tinha escolha, subiu na cama e puxou as cobertas até o pescoço. Privada do calor dele. Triste. Sozinha. Ela suspirou ao virar a cabeça de um lado para o outro no espesso e luxuoso travesseiro, tentando ficar confortável, tentando se obrigar a dormir com pensamentos ansiosos rodopiando em sua mente. Por que não deixara que ele a beijasse? Estivera louca para saber como seria ter a boca dele na sua. Agora, suspirava só de pensar nisso. E, ainda assim, afastara-se dele de um salto sem sequer pensar. Como se tivesse colocado a mão no fogo. Ela ouviu o eco da voz sombria e assombrosa dele. Você está certa em ter medo. Medo? Eve se virou para o outro lado com uma respiração impaciente. Medo de quê? Talos era um bom homem. Seu amante. O pai de seu bebê. Era tão amoroso, tão romântico, tão paciente com ela! E queria se casar com ela. Eve precisava fazer o que fosse necessário para recuperar a memória, por Talos. Pelo bebê. Por ela própria. No dia seguinte, ela prometeu a si mesma com firmeza, seria corajosa. Deixaria que ele a beijasse.
Quando Talos acordou, na manhã seguinte, Eve não estava lá. Ele se sentou no sofá, respirando fundo, Ao olhar para a brilhante luz que vinha das janelas, percebeu que dormira demais; o relógio sobre a lareira indicava 11h. Onde estava Eve? Ele olhou para a imensa cama. Estava vazia. Vazia e arrumada. Ela arrumara a cama? Com um som gutural vindo da garganta, ele se levantou, largando as cobertas e o travesseiro apaticamente no chão. Então, viu o pequeno bilhete com a letra dela escrita no bloco de notas do hotel, preso organizadamente no travesseiro. Fui fazer compras. Volto logo. Ele soltou o ar. Então, ela recuperara a memória e fugira. Ele havia pedido a Kefalas para que ficasse de olho nela, só por precaução. Eve não fugiria novamente dele. Ela estava fazendo compras. Um sorriso nada divertido curvou os lábios de Talos. Aparentemente, ela não mudara tanto quanto ele imaginara. Com um bocejo, ele ergueu os braços acima da cabeça, alongando o corpo seminu. Nada lhe cobria o peito, usava apenas a calça do pijama. Todos os músculos doíam, e não porque ele conseguira encaixar seus l,90m em um sofá que tinha menos de l,80m, mas por causa da proximidade de Eve. Por ouvir sua respiração. Lembrar-se da última vez em que dormira em um quarto com ela. A última vez em que ela estivera na cama dele. Com os dedos, ele penteou o cabelo para trás. Passar o dia inteiro com ela, fingir ser seu dedicado amante, fora difícil. Passar a noite inteira no mesmo quarto de hotel sem tentar seduzi-la quase o enlouquecera. Odiava o fato de que ainda a desejava. Estivera perfeita três meses antes, com sua silhueta esguia, mas com curvas em todos os pontos certos; porém, agora, os seios de grávida eram tão fartos e a cintura, tão minúscula, que faziam dela o epítome do sonho de qualquer homem. Inclusive ele. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ficara propositadamente no cômodo ao lado até as 3h, respondendo a e-mails e dando longos telefonemas para a Austrália a respeito de um negócio em Sidney. Esperara de propósito até que estivesse quase desmaiado sobre o teclado antes de se permitir cambalear até o quarto escuro e cair no sofá. Quando a luz da janela se alterou para o cinza da alvorada, ele finalmente cedeu à exaustão. Mas, mesmo dormindo, tivera infinitos sonhos em que fazia amor com ela. Talos acordara rígido. Com um xingamento em voz alta, ele girou a cabeça para estalar o pescoço. Doía por inteiro. Andando pesadamente até o banheiro, ele ligou o chuveiro e olhou apaticamente para a água fumegante. Sempre soubera que Eve era fútil e egoísta. Mas ficara intrigado com todas as contradições dela, sua amante virgem e sedutora, a estonteante mulher que nunca lhe fazia perguntas nem revelava os próprios sentimentos. Diferente de todas as outras mulheres, ela tivera prazer na cama, mesmo sem emoção. Talos ficara cativado por ela. Quando estivera nua debaixo dele na cama, quando ele a fizera soluçar ao atingir o clímax, seus olhos azuis haviam brilhado para ele com uma súbita vulnerabilidade. Ele pensara haver algo mais na alma dela. Um mistério que apenas ele conseguiria desvendar. E continuara acreditando nisso, até o dia em que ela saíra sorrateiramente da cama, bisbilhotara o cofre particular dele e roubara informações financeiras vitais para entregar a Jake Skinner, durante um romântico café da manhã. Da noite para o dia, as ações do Grupo Xenakis haviam caído pela metade, fazendo com que ele perdesse a empresa quase inteira com pedidos de cobertura. Se Talos não tivesse os recursos de sua fortuna pessoal para lhe dar suporte, teria perdido a empresa. Teria perdido tudo, Em vez de comprar, a preço de banana, empresas à beira da falência, ele teria sido um dos pobres tolos forçados a vender a sua. Ele praguejou suavemente em grego. E, apesar de tudo aquilo, ele quase a beijara na noite anterior. Quisera tomá-la contra a parede de um beco, com vista para a Ponte dos Suspiros, e possuí-la plenamente. Diversas vezes. Até que se saciasse. Estava tão tenso por resistir ao desejo que sentia que, quando aqueles italianos haviam ousado assobiar para Eve, ele quase se lançara na direção deles. Ansiara pelo alívio da dor, por socá-los até que sangrassem em uma luta justa. Uma briga de ma lhe parecera tão simples naquele momento, comparada à tentativa de atrair a mulher que ele odiava, a mulher que ele desejava, para o casamento! Cerrando os punhos, Talos entrou debaixo do chuveiro. Inclinou-se para trás quando a água quente lhe descia pelo corpo nu. Lavou o cabelo, esfregou sabonete no peito. Seria tão ruim ceder à tentação? O traiçoeiro pensamento o fez abrir subitamente os olhos. Seria tão ruim tomar para si o que ele queria? Esbaldar-se até não agüentar mais? Como uísque. Na primeira vez em que provara um caro uísque single malt, ele tinha apenas 19 anos, recém-chegado a Nova York. Trabalhara bem para seu chefe americano em Atenas, mas aquele era um novo país, um novo mundo. A medida que esperava durante meia hora no escritório de Dalton Hunter, ele ficava cada vez mais nervoso. Finalmente, servira para si uma dose do licor de cor âmbar que estava em uma bandeja de prata. Havia provado apenas um pouco do delicioso líquido quando levantara o olhar e vira Dalton o observando da porta. Perguntando a si mesmo se seria demitido no primeiro dia de trabalho, Talos erguera o queixo e fizera a desafiadora observação. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Achei que o senhor quisesse que eu aprendesse a beber. Para que isso beneficie a empresa. — Verdade — Dalton dissera, parecendo divertido. Então, estreitou os olhos. — Sendo assim, beba tudo. Talos olhara chocado para o copo quase cheio. — Tudo? — Agora. Ou saia. Então, Talos bebera o copo inteiro, engolindo o suave e enevoado uísque como se fosse água. No entanto, sua bravata perdera a força quando ele passara a tarde inteira vomitando no banheiro do escritório, ciente de que os outros funcionários riam dele no corredor. Quando finalmente retomara ao chefe, estava com o rosto vermelho, suado, humilhado. — Agora, aprendeu a não roubar de mim — Dalton dissera antes de lhe dar as costas friamente. — Ao trabalho. Talos ainda sorria amargamente ao se lembrar daquele dia. Jamais conseguira tocar novamente em uísque. Quase vinte anos depois, o mero cheiro da bebida o deixava enjoado. E era assim que ele desejava se sentir a respeito de Eve. Queria poder tirá-la de sua mente, de seu corpo, de uma vez por todas. Até que nunca mais a desejasse novamente. Desligando a água, ele se secou. Pegou as roupas do armário, arrumado por um de seus funcionários. Pôs a cueca e a calça preta, e se olhou no espelho embaçado. Respirou fundo. Não. Não cederia ao desejo, Não seria seduzido por ela outra vez. Ferozmente, ele afastou o pensamento de Eve em sua cama, sua pele brilhando depois de terem feito amor, os olhos cheios de desejo. Certa vez, ele planejara tomar-lhe a fortuna recém-adquirida sob ameaça de processá-la por roubo e espionagem industrial. Mas, agora... Tudo o que queria era o bebê deles, seguro e saudável, em seus braços. E que Eve desaparecesse de suas vidas para sempre depois que ele nascesse. Enquanto abotoava a camisa branca feita sob medida, ele se observou no espelho. Sempre que pensava em como fora tolo alguns meses antes, deixando de lado os negócios, passando todas as horas do dia na cama com ela, fazendo amor noite e dia, trincava os dentes de raiva. Jamais deixaria que aquilo acontecesse novamente. Jamais baixaria a guarda. Jamais perderia o controle outra vez. Talos precisava convencê-la a se casar com ele o mais rapidamente possível. Hoje, ele pensou, inclinando-se na direção do espelho enquanto barbeava o rosto. Não podia arriscar que ela recuperasse a memória antes de prendê-la como sua noiva, dando um nome a seu filho. Então, ele a ajudaria a se lembrar. E, depois que o bebê nascesse, chantagearia Eve com a escolha: o filho ou o dinheiro. Não tinha dúvidas de qual ela escolheria. Sendo assim, faria o papel de amante devotado. Talos a tentaria. Iria atraí-la. Sussurraria palavras doces. Poesia. Flores. Jóias. O que fosse preciso. Seus lábios se curvaram. Não poderia ser muito difícil, poderia? Largou o aparelho de barba na bancada, limpando os últimos resquícios do creme de barbear do rosto com uma toalha. Não iria, não mesmo, levá-la para a cama. Droga, não iria! Ouviu uma porta bater e, de repente, Eve estava atrás dele. Ele ficou de queixo 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas caído ao olhá-la pelo espelho. Ela sorriu serenamente. — Bom dia. — Eve. — Ele se virou, engasgado. — O que você fez?
CAPÍTULO CINCO
Eve estivera radiante, mas, agora, sentia-se subitamente tímida. Levou a mão ao cabelo, que, no dia anterior, passava dos seios, mas que, agora, mal lhe tocava os ombros. — Cortei o cabelo. — Estou vendo. — Então, por que perguntou? — ela devolveu audaciosamente, empertigando os ombros. — Sério! Ele ignorou, circundando-a no banheiro de mármore branco, olhando-a de cima a baixo. Ela ergueu o queixo ousadamente, desafiando-o a criticá-la. O corte moderno, em vez de sexy, e audacioso não era a única mudança. Em vez do vestido vermelho apertado e o generoso decote que ela usara na noite anterior, ela agora usava um casaco de algodão e uma longa saia de tricô rosa-claro. As roupas simples ainda eram bonitas, ela esperava, mas naturais. Sem falar que esticavam, para acomodar a gravidez. E as sandálias rasteiras rosa eram, sem dúvida, mais fáceis de usar do que o salto fino. Ela se sentia confortável consigo mesma, em vez de como alguém tentando chamar atenção pelas roupas. Mas ele apenas franziu o cenho. — Não entendo — ele resmungou, erguendo a mão como se fosse tocá-la, mas deixando-a pender ao lado do corpo novamente, — Onde comprou isto? — Em uma butique na Mercerie recomendada pelo recepcionista. — Levou Kefalas com você? — Sim — ela suspirou. — Não queria, mas ele insistiu. Não queria nem me deixar usar os cartões de crédito que estavam na minha bolsa. Insistiu para que eu pusesse tudo nas suas contas. — Ótimo. — Ele a observou. — Você está diferente — resmungou. Diferente para pior? Ela mexeu nervosamente os pés, sentindo-se sem jeito com ele a avaliando. — Por que esta mudança? — ele perguntou, inclinando a cabeça. Ela respirou fundo. Como poderia explicar quanto ficara horrorizada por ter homens a observando constantemente? Como explicar como se sentiu quando Talos quase começara uma briga contra cinco homens só por causa dos assobios de um estranho e elogios murmurados aos encantos dela, tão flagrantemente à mostra? Ela umedeceu os lábios. — Ah... As roupas que estavam na minha mala não... bem... não ficaram boas em mim. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ele ergueu uma sobrancelha escura. — Não foi o que você disse quando as comprei para você em Atenas. — Foi você quem comprou? — ela falou subitamente. — Até o vestido vermelho? — Sim. Ela engoliu em seco. Agora, parecia ingrata. — Eram todas lindas. De verdade. Mas... — Mas? — Mas não são confortáveis. Elas... faziam as pessoas olharem para mim. Ele a encarou. — Achei que gostasse disso. — Ainda assim, são presentes maravilhosos — ela gaguejou. — E estou muito agradecida. Foi muito gentil da sua parte tê-las escolhido para mim. — Maravilhosos? — ele repetiu em uma voz grosseira. — Gentil? — E não quero criticar seu gosto, mas... — Eu não as escolhi — ele revelou. — Apenas paguei. Você escolheu. Ela havia escolhido? O que estivera pensando? — Ah... Não se preocupe, tenho certeza de que as lojas beneficentes as venderão rapidamente — ela disse em tom de desculpas. — São tão glamourosas... tão bem-feitas! Ele olhou a mala vazia dela, surpreso. Olhou para as diversas sacolas que Kefalas acabara de deixar no quarto antes de desaparecer discretamente. — Você deu todas as suas roupas de grife? — ele disse, incrédulo. — Gucci? Versace? — São seus estilistas preferidos? — ela disse, decepcionada por ser tão maleducada. — Não! — ele praticamente gritou. — São os seus! — Ah — ela disse, e mordeu o lábio. — Bem, aquelas roupas são apertadas demais para mim agora. Sem falar que são muito sensuais. — Ela se animou quando uma explicação subitamente lhe ocorreu. — Talvez meu gosto tenha mudado porque estou prestes a ser mãe — ela disse, feliz, aliviada por ter uma explicação. — Provavelmente é isso, não acha? Ele a observou. Começou a falar, mas, visivelmente, reprimiu as palavras. Finalmente, ele esticou o braço em silêncio. Ela o tomou. — Você está linda — ele disse calmamente. Ela ergueu o olhar para ele, torcendo para que estivesse falando a verdade. — Mesmo? Sim. Lentamente, ele abriu um sorriso. Aquilo avivou seu rosto, deixando-o tão belo que fez Eve perder o fôlego. Ele lhe acariciou o rosto. — Nunca a vi mais radiante. Ela soltou a respiração. Não havia percebido, até aquele momento, que estivera tensa, imaginando qual seria a reação dele. Ela cortara o cabelo. Livrara-se do vestido de corte baixo e apertado e dos saltos finos. Ele ainda a aprovaria? Ainda iria querê-la em sua vida? O olhar ardente dele lhe dizia que sim, aprovava, e, sim, ele a desejava. A Eve verdadeira. Sem todos aqueles enfeites. — Agora — ele disse enquanto o sorriso aumentava —, vamos fazer o que viemos fazer. Durante o resto do dia, eles exploraram os encantos de Veneza, andando por baixo das protuberâncias medievais da Calle del Paradiso e almoçando no amplo terraço ao ar livre do hotel Cipriani. A névoa se adensava pela tarde à medida que o caprichoso clima de outono se tornava melancólico. Mas Eve mal percebeu que o brilho do sol italiano havia desaparecido. Enquanto caminhavam ao longo de canais tão cinzentos quanto o céu que 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas baixava, ela se sentia aquecida e feliz. Talos sorria para ela, seus olhos escuros lhe transmitindo calor enquanto os dois riam e conversavam, caminhando pelos caminhos ladeados por árvores através do Giardini gramado. Ele comprou uma rosa alaranjada como o fogo para ela de uma banca em um mercado a céu aberto. Quando Talos lhe disse, em uma voz grave, como ele a achava linda, como ele queria que ela fosse sua esposa, Eve ficou radiante. Mal ouvia o piar triste e queixoso das gaivotas que planavam através das pesadas nuvens. Quando a tarde adentrou, finalmente a chuva começou a cair. Os turistas que buscavam tempo bom se dispersaram sob os gélidos ventos, mas Eve jamais se sentira tão iluminada por dentro. Com as novas roupas, ela recebia ocasionais segundos olhares de homens, mas apenas de perto, não do outro lado da rua. Não era forçada a suportar os infinitos olhares tórridos de estranhos, e sabia que a mera presença do poderoso e sombriamente perigoso Talos mantinha os outros homens à distância. Agora, sentia-se segura. Sentia-se... livre. Queria que o dia não acabasse nunca. Baixou o olhar para a mão dele, que segurava a dela enquanto caminhavam. Ele era tão possessivo, tão atencioso. Tão romântico e amoroso. Eve sentia o olhar dele constantemente sobre si. Sempre que virava a cabeça, encontrava os olhos de Talos. Mesmo quando ele não a estava tocando, ela sentia sua presença como eletricidade. Como fogo. Quando a chuva começou a cair mais forte, ele a levou para dentro de um elaborado portal gótico. Então, para a surpresa de Eve, ele se virou para bater na porta do palazzo. — O que estamos fazendo aqui? — ela perguntou, confusa. — Você vai ver. Eles foram atendidos por uma governanta. Ela lhes disse, em um inglês com forte sotaque, que, infelizmente, os amigos dele, o marquês e a marquesa, haviam saído de férias. Mas, quando Talos, com seu sorriso mais encantador, pediu para ver o salão de festas, ela não conseguiu resistir. Quem conseguiria?, Eve pensou. Quando a governanta os deixou a sós no enorme salão dourado, Eve mal conseguia acreditar no tamanho e na beleza do lugar, Para ver melhor, ela subiu até metade da escadaria. — E foi aí que eu a vi pela primeira vez — Talos disse por trás dela. Ela se virou rapidamente. — Aqui? — No baile beneficente, na primeira semana de junho. O sol brilhava fracamente através das altas janelas do palazzo, levando o ornamento de padrão gótico rosa da fachada para o piso de mármore. Ela quase conseguia imaginar piratas, em tempos passados, chegando para pilhar a riqueza de La Sereníssima. — Antes desse dia — ele disse, olhando para a luz do sol através do vidro multicolorido das janelas —, eu desprezava todos os boatos sobre você. Mulher nenhuma podia ser tão hipnotizante. — Lentamente, ele se virou para olhá-la. Seus olhos escuros lançaram um formiga-mento pelo corpo dela quando ele disse: — Então, nós nos conhecemos. Talos se parecia com o corsário moreno que ela havia imaginado, um pirata bárbaro que chegara para pilhar a cidade medieval, para tomar para si o que quisesse e queimar o resto. Ela piscou. Como pensara numa imagem tão brutal e cruel? De onde aquilo surgira? — Eu a vi descendo essas escadas com um longo vestido vermelho — ele disse suavemente. — Você estava de braços dados com meu maior rival nos negócios, mas eu 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas soube na hora que eu a tomaria dele. — Lentamente, ele subiu a escada na direção dela. — Eu a tomaria até do próprio diabo. Enquanto ele se aproximava pelas escadas, ela não conseguia se mover. Não conseguia respirar. — Você me fez persegui-la por toda Veneza durante uma semana antes de finalmente se render e concordar em me acompanhar até Atenas. Onde eu finalmente descobri, para minha surpresa, que você era virgem. — Ele fixou os olhos escuros nela, e um lampejo de calor percorreu o corpo de Eve. — Pela primeira vez na minha vida, eu me flagrei desejando uma mulher mais depois de tê-la levado para a cama, em vez de menos. Ele inclinou a cabeça na direção dela. Eve não conseguia se mover, não conseguia respirar. — Quanto mais eu provava de você — ele sussurrou —, mais eu queria. Mas, quando Talos baixou a cabeça para beijá-la, ele subitamente parou e ficou tenso. Sem tocá-la, ele se afastou, os olhos frios. — Vamos. Já terminamos aqui. Depois de agradecer à governanta, ele guiou Eve para fora do palazzo. Do lado de fora, enquanto nuvens carregadas se formavam acima deles, ela conseguia sentir uma tempestade se armando também entre eles, uma tensão que nada tinha a ver com ternura. Ele a levou por uma elaborada ponte coberta que cruzava o Grande Canal. Estava momentaneamente vazio, sem turistas, e, quando o vento frio e úmido uivou em volta deles, Talos finalmente se voltou para encará-la. Seus olhos estavam escuros e cálidos. Uma pequena animação de medo e desejo misturados a atravessou quando ele a tomou nos braços. Ela sentiu os dedos lhe roçarem a pele, sentiu o corpo musculoso dele contra o dela. A tensão aumentava dentro de si, enrolando-se apertadamente em seu ventre. — Foi aqui — ele disse com a voz rouca — que eu a beijei pela primeira vez. Ele se inclinou para a frente, acariciando a parte de trás da cabeça de Eve. Afastando mechas soltas da bochecha dela, ele lhe tomou o rosto nas mãos. Olhando o belo rosto de Talos, ela percebeu os mínimos detalhes. A sombra escura no queixo dele, apesar de ter se barbeado poucas horas antes. Ela pensara que os olhos dele fossem pretos, mas, naquele instante, via que eram de um castanho profundo, com toques de mel. — E — ele disse em voz baixa, baixando a cabeça na direção dela — é aqui que eu a beijarei agora. Ela estremeceu por inteiro, o coração disparado, como as asas frenéticas de um beija-flor. Queria que ele a beijasse, mas, ao mesmo tempo, algo a impelia a fugir! Mas não podia. Desta vez, ele a segurava com força. Não deixaria que se afastasse. Foi como se ela jamais houvesse sido beijada. Os lábios dele foram suaves ao primeiro toque em sua boca. Então, ele lhe entreabriu os lábios. Provocou-a com a língua, lambendo-lhe os lábios, entrelaçando-a à dela. O desejo e a necessidade a tomaram como um incêndio. E Eve deixou de lado a idéia de fugir. Não conseguia resistir. Não queria resistir. O beijo dele se tomou mais forte, profundo. Em vez de tentá-la e atraí-la, ele subitamente passou a exigir e tomar. Seu corpo pressionava o dela de forma tão apertada que Eve já não sabia onde ele terminava e ela começava. O beijo foi diferente de tudo o que ela sentira até então. Como um beijo devia ser. Ela ficou atordoada, perdida nele. Quando Talos se afastou, um pequeno gemido de protesto escapou dela. Ele baixou o olhar para ela. Havia fogo em seus olhos escuros. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Agora, glyka mou — ele sussurrou —, você pertence a mim. Acima deles, ela podia ouvir as gaivotas que planavam bem no alto, o soar dos sinos das igrejas ao longe. Conseguia ouvir a água batendo debaixo deles, o som de uma lancha, os gritos de vendedores do mercado Rialto, ali perto. Você pertence a mim. Ela fechou os olhos enquanto o eco daquelas palavras a atravessava. Ele dissera aquelas palavras antes. Ele a beijara ali antes. Você pertence a mim. Naquela noite quente e úmida de verão, a lua estivera cheia, banhando os dois em riachos de prata. Ela se lembrou da força das mãos dele contra seus ombros nus, por cima do vestido. Lembrou-se de querer desesperada-mente que ele a beijasse. Lembrouse de uma sensação de alívio e triunfo quando a tomara em um beijo feroz e selvagem. Lembrou-se de afundar nos braços dele, tão apertados, tão apertados, finalmente... Os olhos de Eve se abrindo de súbito enquanto ela se afastava dele, recuperando o fôlego. — Eu me lembrei de algo! Os olhos de Talos se arregalaram. Então, o músculo de seu maxilar se contraiu. — Do que exatamente você se lembrou? — ele disse, a voz baixa e tensa, mas, empolgada como ela estava, não parou para se perguntar por quê. Ela abriu um alegre sorriso para ele enquanto lágrimas lhe subiam aos olhos. — Nosso primeiro beijo. Foi aqui, nesta ponte, exatamente como você disse! Oh, Talos, estou recuperando a memória. Está voltando! Tudo vai ficar bem! Ela o envolveu com os braços, abraçando-o com força, dominada pela gratidão e pelo alívio. Pressionou o rosto contra o peito dele, fechando apertadamente os olhos para conter as lágrimas. Sua mente podia não se lembrar muito dele, mas seu corpo o fez instantaneamente. Ela estivera com tanto medo, mas, agora... Agora... Enquanto ela o abraçava, seu coração acelerou, galopando cada vez mais rápido. O clima entre eles subitamente se alterou, se eletrizou. Um momento antes, ela estivera apenas feliz por ter uma lembrança à qual se apegar, alguma idéia de quem ela era e do seu passado. Mas, quando ele a segurou contra si, quando ela inspirou o perfume da pele dele e apertou o rosto contra a suave camisa preta, ela se sentiu repentinamente diferente. Suas bochechas ficaram quentes quando ela ergueu o olhar para os olhos dele. — Eve, minha linda Eve — ele sussurrou, tocando-Ihe o rosto. — Case-se comigo. Seja minha esposa. Sim, ela abriu a boca para dizer. Mas se forçou a balançar a cabeça. — Você merece muito mais — ela disse suavemente. — Merece uma esposa que consiga se lembrar de tudo sobre amar você. Os lábios dele se curvaram com um leve traço de provocação. — Não se preocupe, vou receber o que mereço. — Ele parou, e seus olhos brilharam para ela. — Quando você se tornar minha esposa, vou me dedicar dia e noite a ajudá-la a se lembrar do passado. Eu juro. Ela engoliu em seco, imaginando como seria maravilhoso ser esposa dele. Como estaria tudo certo, se casarem enquanto esperavam o nascimento do bebê. Talvez então o corpo dela não tivesse tanto medo de que Talos a beijasse. Talvez seu senso de honra aceitasse bem mais que um beijo. — Seria egoísta da minha parte aceitar — ela gaguejou, apegando-se à decisão como podia. Ele percorreu com a ponta do dedo o lábio inferior dela. — Seria egoísta da sua parte recusar. Case-se comigo. Pelo bebê. — Ele parou. — 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Por mim. Ela sentiu um calafrio quando o toque contra seu lábio lhe enviou fagulhas pelo corpo, fazendo com que seus mamilos se enrijecessem. Ele pensava que ela estava sendo egoísta quando só recusava pelo bem dele? Eve soltou o ar. Não conseguia mais resistir. Não quando tudo o que ela queria era ser amada e protegida, e ter certeza de que seu bebê também fosse. — Case-se comigo — ele murmurou entre um beijo e outro, nas pálpebras, testa e pescoço dela. Eve mal conseguia pensar direito. Ele a abraçava com tanta delicadeza, tanta ternura. Com tanto amor. — Case-se comigo agora. A visão dela ficou embaçada com as lágrimas quando ela olhou para o belo rosto dele. Havia um halo de luz atrás da cabeça de Talos, e, ao longe, ela podia ver pássaros voando através do céu cinzento em movimento. Então, ele baixou os lábios para ela. O último pensamento de Eve antes de Talos beijá-la foi o de que ela não se lembrava de tê-lo amado, mas talvez não precisasse se lembrar. Talvez... pudesse simplesmente se apaixonar novamente por ele.
CAPÍTULO SEIS
Beijar Eve foi como cair no inferno. Era um incêndio. Um fogo que o atravessava. Talos colocou a mão atrás da cabeça dela, seus dedos se entrelaçando no belo cabelo à medida que aprofundava o beijo. Durante meses, ele a odiara. Ele a desejara. Seria por isso que o ato de finalmente beijá-la dominava seus sentidos mais do que nunca? Não fora apenas o desejo que havia mudado o beijo, ele percebeu. Fora Eve. O beijo estava diferente porque ela estava diferente. Afastando-se, ele a observou. Os olhos dela permaneciam fechados. Um alegre sorriso nos lábios. Com as novas roupas e o corte de cabelo, ela parecia doce, natural e verdadeira. A Eve da qual ele se lembrava não era nenhuma dessas coisas. Os olhos continuaram fechados enquanto ela se inclinou para a frente, lambendo os lábios. Ele quase grunhiu. Queria levá-la para a cama. Naquele instante. Já havia se decidido a levá-la para o hotel, quando parou. Não! Ele respirou fundo. Não podia esquecer com quem ele estava lidando. A bondosa e inocente garota diante dele era uma ilusão. A Eve Craig verdadeira era uma fútil sedutora, uma mentirosa egoísta. Ela lhe dera sua virgindade para que pudesse traí-lo com outro homem. Talos não poderia deixá-la vencer. Desta vez, a vitória seria dele. — Case-se comigo — ele exigiu, mal conseguindo evitar beijá-la novamente. — Case-se comigo agora. — Está bem — ela sussurrou. — Está bem. Ele soltou o ar rapidamente. Afastando-se, olhou para ela. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Hoje. — Eu me caso com você hoje — ela murmurou, erguendo o olhar para ele com um sorriso feliz, quase choroso. — Talos se casando? — um homem disse atrás deles. — Não acredito que ouvi isso! Talos se virou rapidamente, e viu um velho amigo sorrindo para ele. O homem dividia seu tempo entre Nova York e Toscana; que diabos estava fazendo em Veneza? — Roark — ele disse com uma voz fraca. — O que está fazendo aqui? — Nunca pensei que veria este dia — Roark Navarre respondeu com uma risada abafada. — Você sempre disse que jamais se casaria. Falou tanto quando eu me casei com Lia. Que mudança! — Rindo, ele deu um passo à frente. — Mal posso esperar para conhecer a mulher que... Então, Eve timidamente se virou para encará-lo, e o sorriso desapareceu do rosto de Roark. Ele parou, arregalando os olhos. Eve se aconchegou de volta nos braços de Talos. Um rubor róseo se espalhava por suas bochechas quando ela olhou para Roark com uma silenciosa felicidade. O velho lançou um ríspido olhar questionador para Talos. — É alguma piada? Eve piscou, franzindo o cenho. Olhou de um homem para o outro. — Como assim? Uma piada? — Ele não consegue acreditar que uma mulher como você se contente com um homem como eu — Talos lhe disse suavemente. Então, por cima da cabeça dela, ele olhou severamente para Roark. — Não é mesmo? O amigo entendeu a mensagem. — Sim. Isso mesmo, — Eu não diria que estou me contentando — Eve provocou, e olhou de volta para Roark. — Já nos encontramos antes? Roark franziu o cenho, piscando confuso, como se estivesse em algum tipo de mundo de cabeça para baixo. — Várias vezes. Na maioria das vezes, em festas. Você já fez parte de um comitê de caridade junto com minha esposa. — Oh. — Eve estendeu a mão com um amistoso sorriso de desculpas. — Sinto muito. Tive alguns problemas com a memória recentemente. Qual é o seu nome? — Roark Navarre. Minha esposa é Lia. — Que bom encontrá-lo. Ela está aqui? — Não. Está em casa com nossos filhos, na Toscana. — Roark apertou-lhe a mão e, em seguida, lançou um olhar questionador a Talos. — Vim para Veneza para comprar um presente para ela. Hoje é nosso terceiro aniversário de casamento. — Que romântico! Roark pigarreou. — Não tão romântico quanto vocês dois, pelo que parece. Vão mesmo se casar hoje? — Sim — ela disse timidamente, olhando de volta para Talos. Estava radiante. Roark tinha motivos para ficar chocado, Talos pensou. Era uma das poucas pessoas que sabia de toda a história, de como Eve roubara os documentos do cofre dele e os dera a seu rival americano, que prontamente os divulgara para a imprensa com todo tipo de insinuações maldosas. Não havia dúvidas de que Roark se perguntava por que, em vez de arrancar a cabeça dela por quase ter arruinado sua empresa bilionária, Talos lhe pedira que se tomasse sua esposa. Roark não falava muito. Os dois homens haviam se tomado amigos graças a acordos de negócios mutuamente benéficos em Nova York, mas, a qualquer momento, 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas ele poderia dizer algo que revelasse tudo. Quando Eve percebesse que o passado deles não era tão feliz quanto ele insinuara, jamais concordaria em se casar naquele dia. E ela já recuperara a primeira lembrança. O tempo estava passando. O resto poderia voltar a qualquer momento. Ela poderia recuperar a memória e, então, tudo iria por água abaixo. Sua vingança. O nome de seu filho. Precisava se casar com ela o mais rápido possível. Já, antes que ela se lembrasse de tudo e fugisse novamente. Desta vez, levando o bebê. — Sim, vamos nos casar hoje — Talos confirmou. — E temos mais boas notícias. Vamos ter um bebê. — Ah — Roark disse. E, então: —Ah! — Ele pigarreou e sorriu, como se tudo tivesse passado a fazer sentido. A hora perfeita para irem embora. — Então, se nos dá licença, precisamos ir... — Tr? — Roark balançou a cabeça, dando tapinhas no ombro de Talos. — De jeito nenhum. Vamos para a Toscana. São só três horas de carro daqui. Eu já estava voltando para casa. — Mas é seu aniversário de casamento — Eve falou rapidamente. — Não podemos incomodar. — Bobagem. — Ele sorriu. — Vou ligar para Lia. Ela não planeja um evento há séculos, já que está em casa com os bebês. Vai adorar a desculpa para uma festa de última hora. E estava esperando uma chance de exibir nosso novo lar desde que terminamos de reconstruir o castelo... — Um castelo? — Eve suspirou. — Na Toscana? — Sim. A parte mais antiga são as muralhas medievais em tomo do jardim de rosas, especialmente belas em setembro. "Estação de brumas e doce fertilidade" e tudo o mais — ele acrescentou, parecendo um pouco envergonhado ao olhar para o pacote que levava. — Keats — ela disse, surpresa. — Lia adora poesia — ele suspirou. Mostrou o embrulho. ― É uma primeira edição. Eve olhou para Talos, a súplica em sua expressão. — Parece tudo tão maravilhoso. Um casamento romântico? Com a presença de seus amigos? — Absolutamente não — Talos disse com firmeza. — Vamos só preencher os documentos aqui. Apoiando-se no peito dele, Eve ergueu os braços até seu pescoço e olhou para ele, implorando. — Ah, por favor, Talos. Seria tão melhor ter um casamento de verdade, com a presença de alguns amigos seus, do que só com estranhos. — Ela parou e, repentinamente, pareceu triste. — Sem amigos e sem festa, não vai parecer verdadeiro. Não, não vai, Talos pensou, irritado. E era exatamente essa a questão. O casamento não era verdadeiro. Era um meio para se chegar a um fim. — Mas eu entendo — ela disse com um suspiro. — Você não quer incomodar seus amigos no dia do aniversário de casamento deles. — Ela se alegrou, — Talvez possamos esperar alguns dias, planejar algo aqui em Veneza e convidá-los. — Tudo bem — Talos disse por entre os dentes trincados. Perderia aquela batalha para que conseguisse vencer a gueixa. — Tudo bem? — ela repetiu. — Nós nos casaremos na Toscana. — Oh, obrigada! — ela gritou, girando nos braços dele para abraçá-lo. — Você é tão bom para mim! — Vou pegar o carro — Roark disse. — Não. — Com Eve nos braços, Talos olhou por cima de sua cabeça para Roark. — Meus funcionários cuidarão do seu carro. Vamos no meu avião. Não deve haver atraso. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Entendo. Também me senti assim. — Ele pegou o celular. — Vou avisar a Lia que estamos a caminho. AO ACORDAR naquela manhã, Eve jamais esperara que aquele fosse o dia do seu casamento. Ou que fosse se casar em um castelo na Toscana. A bela Lia Navarre, chamada de Confessa pela governanta, tomara Eve imediatamente sob seus cuidados. Ela a tratara como uma amiga querida, apesar de, aparentemente, só terem se visto um ou duas vezes antes. Quando Eve lhe contara, nervosa, sobre sua amnésia, Lia apenas rira e dissera que amnésia seria uma vantagem em qualquer casamento. — Acredite — ela acrescentara secamente —, há coisas sobre o meu próprio casamento que eu adoraria esquecer. Eve observara maravilhada enquanto Lia, ao mesmo tempo, providenciava que uma designer de moda levasse seis vestidos de casamento para o quarto e encomendava arranjos de flores ao telefone, tudo isso enquanto falava em italiano com a filha de 3 anos e embalava o sono do bebê recém-chegado. — Espero ser uma mãe com metade da sua habilidade — Eve disse tristemente enquanto a designer a ajudava a experimentar outro vestido. Observou Lia pôr o bebê adormecido em um moisés. — Você faz as coisas tão bem, e tudo ao mesmo tempo. — Pode parecer isso, mas, acredite, sempre me pergunto se estou fazendo o bastante, ou se ao menos estou fazendo direito. Tenho certeza de que você se sairá muito melhor. — Ela inclinou a cabeça para Eve. — Sabe que eu nunca a conheci muito bem, mas algo em você sempre me deixou confusa? — O quê? — Você cultivava uma imagem de garota festeira, mas, quando trabalhei com você em um evento para arrecadar fundos para caridade, fiquei chocada com o modo como você trabalha e com sua determinação. É a pessoa mais determinada que já conheci, mas não deixa isso transparecer. Você esconde. Por quê? Eve franziu o cenho, virando-lhe as costas com um suspiro. — Não sei o que pensar. Talos me descreveu de um jeito diferente. E, agora, segundo você, eu trabalho duro e sou determinada. É como se eu fosse duas pessoas diferentes! Lia a observou, pensativa. — As vezes, mostramos diferentes lados de nossa personalidade para as pessoas por um motivo. — Como o quê? — Ah, não sei. Por um desejo de agradar. Por algo a esconder ou algo a ganhar. Ah, este é maravilhoso. — Fechando o zíper do vestido de Eve, Lia se afastou com olhos avaliadores e assentiu, satisfeita. — Perfeito. — Olhou para a filha de 3 anos. — Gostou, Ruby? A garotinha assentiu. — O que acha? — Lia perguntou a Eve. Eve olhou para o grande espelho dourado do outro lado do quarto. O vestido era de seda simples, de cor creme, cortado para acentuar a fartura de seus seios e seu belo corpo, caindo suavemente sobre a barriga. O cabelo de Eve estava sedoso e escuro, roçando seus ombros claros e descobertos. Os olhos azuis brilharam de volta para ela. Subitamente, ela sentiu um nó na garganta e não conseguiu falar. Então, apenas assentiu. — É este — Lia disse à designer, que, alegremente, começou a prender a barra com alfinetes. — Eu vou ser a dama de honra — Ruby disse pomposamente a Eve. — Muito obrigada — Eve respondeu com um grande sorriso. Mas, quando Lia pôs o véu sobre o chino dela, Eve se viu no espelho e seu coração disparou. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Dentro de uma hora, estaria casada com um homem que ela ainda mal conhecia. Um homem que ela, na verdade, só conhecia dos últimos dias. Mas estou esperando um bebê dele, ela argumentou consigo mesma. E, quando ele a beijara, conseguira afastar todo o nervosismo, todos os medos dela. Havia algo de mágico no beijo dele. E, naquela noite, ele a beijaria novamente. Mais do que isso. Naquela noite, sua noite de núpcias, ele a levaria para a cama e faria amor com ela. Um tórrido tremor atravessou-lhe o corpo e, subitamente, Eve não conseguiu pensar em mais nada. Todas as suas dúvidas haviam fugido pela janela. Tudo em que conseguia pensar era a cama que os aguardava ao fim do corredor. Como seria a sensação quando Talos fizesse amor com ela? Se fosse metade do que o beijo fora, Eve temia morrer em êxtase. — Espero que seja muito feliz, Eve — Lia disse suavemente, e lágrimas surgiram em seus olhos. — O casamento transforma o romance em um amor que dura para sempre. Cria uma família. Uma família. Exatamente o que Eve queria mais do que tudo no mundo. Ela assentiu, o coração ainda na garganta. Pouco depois, Eve já estava com rosas cor de laranja nas mãos ao sair do castelo italiano para o mundo encantado da Toscana. O crepúsculo caía sobre os vinhedos e colinas verdes. Do lado de fora, no terraço coberto, milhões de luzes vinham do teto, entrelaçando-se histericamente. Ao lado do terraço, ela viu uma antiga muralha de pedra medieval, coberta de rosas. As luzes mágicas brilhavam sobre a cabeça de Eve quando ela pôs os pés, calçados com sandálias brancas simples, no chão de pedra. Um músico tocou as primeiras notas em um violão, acompanhado por uma flauta. Tudo tão simples e tão mágico... Então, ela viu Talos. Ele esperava por ela do outro lado do terraço. Em um de seus lados estava um amigo de Lia, o prefeito de uma cidade próxima que concordara em conduzir a cerimônia civil. No outro, Roark. Eve notou o rosto do homem se alegrar ao ver Lia e a garotinha caminhando à frente, em um lindo vestido de algodão. Ao sinal da mãe, a pequena Ruby jogou pétalas de rosa a esmo no caminho de Eve. Roark pegou a filha, elogiando-a, quando ela chegou ao final do corredor. O sorriso dele aumentou ao olhar nos olhos da esposa. Ao ver o amor que tinham um pelo outro, quando Lia pegou no colo o gorducho bebê que parecia tão animado em seu terninho, o coração de Eve parou no peito. Aquilo era exatamente o que ela queria. Uma vida assim. Um amor assim. Mas, quando olhou de volta para seu noivo com um alegre sorriso, a expressão dele a fez parar. Seu olhar estava escuro. Cheio de calor e fogo. Mas havia algo mais. Algo que ela não compreendia e que a amedrontava. A música do violão subitamente desapareceu, e ela percebeu que parará no meio do corredor. Respirando fundo e dizendo a si mesma que estava sendo boba, ela voltou a caminhar, Pare de agir como uma virgem assustada!, ela repreendeu a si mesma. Quando chegou até os homens que a aguardavam, Talos ergueu-lhe o véu sobre a cabeça. Ela o olhou com um tímido sorriso. Ele não o retribuiu. Em vez disso, seu olhar a faz arder, incinerando cada gota de seu ser. Como se já estivessem na cama. O prefeito começou a falar, mas suas palavras com sotaque desapareceram ao fundo. Os Navarre desapareceram. A Toscana, também, junto com as luzes mágicas e a poesia das brumas. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Havia apenas Talos. Seu calor. Sua chama. Ela mal percebeu que repetia as palavras do prefeito, que ouvia a profunda voz de Talos a seu lado. Ele deslizou um grande anel de diamante no dedo dela e a beijou suavemente, as bocas mal se tocando. E, assim, eles se tomaram marido e mulher.
CAPÍTULO SETE
No momento em que Talos a viu com o vestido de noiva, tão adorável e doce com seu sorriso tímido e feliz, um terremoto lhe atravessou a alma. Eve usava um vestido de noiva simples, de cor creme, com seu cabelo escuro por baixo de um leve véu, e levava rosas da cor do fogo nas mãos, rosas verdadeiras. Não havia nada de artificial nela. Havia beleza. E inocência. No rápido beijo que ele lhe deu depois de casados, sua alma estremeceu no corpo. Ele sabia que estava a ponto de seduzir aquela bela mulher, cuja chama o queimara tão terrivelmente, mas que agora parecia brilhar como o primeiro sol da primavera depois de um longo inverno. Ele sentiu um nó na garganta ao se afastar do beijo. Eve, sua ex-amante mentirosa, sua detestada inimiga, se tomara sua esposa. Seus grandes olhos azuis brilhavam para ele com tanta esperança, tanta felicidade. Ele quase conseguiu sentir a luz do sol ao tocá-la. Seu desejo por ela não era mais simples luxúria, mas algo mais. Desejava seu calor. Quase conseguia ouvir as risadas de crianças, filhos deles. Correndo por uma planície iluminada em meio à luz do sol naquela inocente promessa de felicidade. Mentiras, ele disse rispidamente a si mesmo. A mulher diante dele, a mulher com quem acabara de se casar, não existia de verdade. Ele cerrou os punhos. Ela o fazia querer algo mais. Fazia com que ele quisesse coisas que jamais tivera. Uma família. Um lar. Isso era ainda pior que a traição anterior. Esta versão bondosa e amorosa de Eve era apenas uma ilusão. Caso ele se permitisse gostar dela, se permitisse confiar nela, seria o maior idiota do mundo. Pois, assim que recuperasse a memória, aquela mulher desaparecia. E, a qualquer momento, ela se tomaria a mulher traiçoeira e egoísta da qual ele se lembrava. Durante o jantar de casamento, após a cerimônia, ele observou Eve enquanto ela segurava o bebê e brincava com Ruby. Talos não conseguia tirar os olhos da radiante beleza de sua noiva, nem parar de se perguntar a respeito do espírito generoso dela. O jantar foi deliberadamente simples, massa caseira e vinho da safra dos próprios Navarre. Quando o fim do jantar se aproximava, Roark e Lia brindaram seu aniversário de 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas casamento com champanhe em um momento particular, enquanto Eve, ainda vestida de noiva, aconchegava o bebê adormecido e entrelinha a garotinha com encantadores contos de fadas que ela própria inventava. Que bela mãe ela seria, Talos se flagrou pensando ao observá-la. Que bela esposa ela seria. Contra a própria vontade, seu olhar se fixou abaixo do pescoço dela. Seus olhos percorreram aquela pela clara, os seios fartos que se mexeram quando ela se inclinou para pegar um brinquedo do chão de pedra. Ele a desejava a ponto de doer. Queria acariciá-la. Seu corpo se enrijeceu dolorosamente. — Talos? — Com um olhar questionador, Eve pôs sua pequena e esguia mão sobre a dele. Aquela carícia e a terna expressão de seu rosto radiante e impossivelmente belo enviaram uma onda de choque pelo corpo dele. E, subitamente, ele percebeu que aquela mulher docemente amorosa era mais perigosa que a amante sedutora e sensual jamais fora. Ela a desejava. Por inteiro. Em sua cama. Em sua vida. Estava sedento para realizar o sonho que ela lhe oferecia. Sedento para que a ilusão se tomasse real. Acima de tudo, sedento pelo quarto que, ele sabia, os aguardava na ala de hóspedes do castelo, adornado com pétalas de rosas, velas e suaves lençóis. Não, ele disse furiosamente a si mesmo, Não poderia ceder! Soltando a mão da de Eve, ele pôs a taça de cristal com tanta força na mesa que ela rachou, lançando vinho tinto pela madeira, como se fosse sangue. Ruby gritou, assustada. Roark e Lia, que estavam aconchegados do outro lado da mesa, com uma risada íntima e particular, ergueram o olhar. — Sinto muito — Talos resmungou. Ele se levantou. — Sinto muito. Olhando para eles, ele recuou. — O que foi? — Eve sussurrou. — O que há de errado? — Precisamos ir — ele falou. Concentrou-se nos amigos atrás dela. Roark e Lia haviam feito tanto por ele, criando um casamento de conto de fadas em apenas poucas horas, mesmo tendo as próprias responsabilidades com suas crianças; mesmo tendo o próprio aniversário de casamento para comemorar. — Obrigado por organizarem nosso casamento. — Vocês não vão embora agora, vão? — Lia perguntou. — Preparei um quarto de hóspedes para vocês... Sim, ele vira a suíte de lua de mel, e não queria nem pensar nela. — Sinto muito — ele se esforçou para dizer. — Não podemos ficar. Os olhos de Lia se arregalaram. Talos sabia que estava sendo incrivelmente maleducado, mas explicaria a Roark depois. Seu velho amigo entenderia, e ele compensaria a desfeita à esposa dele. Tudo o que Talos sabia era que não conseguiria ficar mais nem uma hora naquele lugar romântico, tão cheio de sonhos felizes que, para ele, seriam sempre mentiras. Talos começou a suar frio. Precisava sair dali. Precisava terminar aquilo. Alcançara seu objetivo. Eve era sua esposa. Metade da guerra já estava vencida. Agora, tudo o que tinha a fazer era dar um jeito de ela recuperar a memória. Imediatamente. Antes que a tentação se tomasse irresistível. Antes que Eve terminasse o que começara três meses antes e finalmente o destruísse. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ele deu meia-volta abruptamente, indo embora do terraço com suas glicínias penduradas e sua iluminação que brilhava pela noite. — Talos? Talos! — ele ouviu sua esposa gritar atrás dele enquanto entrava a passos largos na villa, mas não olhou para trás. Em vez disso, abriu o celular e começou a rosnar ordens. Eve começara aquela guerra três meses antes. Agora, ele a terminaria. — Sra. Xenakis, o avião pousará em breve. Eve acordou para descobrir uma bela comissária de bordo morena de pé à sua frente, segurando uma bandeja. Empertigando-se no assento de couro branco, ela esfregou os olhos, sentindo-se suada e desorientada. Esticou as dobras do vestido de noiva com as mãos, mas não adiantou. A seda creme estava amassada e murcha. Exatamente como o dia de seu casamento. A cabeça de Eve ainda girava. Em um momento, ela era uma noiva feliz, jurando lealdade e fidelidade ao pai de seu bebê. No seguinte, Talos a arrastava do castelo, empurrando-a para dentro de um carro que os levou de volta ao aeroporto particular. Haviam ido embora sem agradecer a Lia e Roark pelo adorável casamento que tinham criado. Talos a forçara a deixar a mesa alegremente decorada com suas flores e luzes, a massa caseira e o pão. Eles haviam fugido da comemoração como se fossem ladrões na noite, rudemente abandonando seus gentis anfitriões sem nada explicar. No avião particular de Talos, ele a ignorara por completo e se recusara a responder qualquer de suas perguntas. Dirigira-se ao outro lado da cabine, para uma escrivaninha que ficava o mais longe possível de Eve. Gritara uma ordem para uma comissária de bordo, dizendo que queria uísque, mas sequer o bebera. Apenas sentira o aroma da bebida de cor âmbar antes de devolvê-la, dizendo à comissária de bordo que a jogasse fora. Ele enlouquecera? Ou ela enlouquecera? Talos passara o resto do curto voo trabalhando no computador. Assustada e magoada, Eve dormira olhando pela pequena janela do avião, observando as luzes do litoral italiano desaparecerem, dando lugar à escuridão vazia do Adriático. Agora, ao olhar pela janela redonda, via pequenos conjuntos de luzes, como estrelas espalhadas pela noite. — Onde estamos? — Começando a descer para Atenas, senhora. — Atenas! — Eve gritou. — Por quanto tempo eu dormi? A morena abriu um sorriso solidário. — Quase duas horas. Duas horas. Ela olhou para o marido, que ainda estava sentado à escrivaninha, olhando a tela do laptop com olhos severos. Talvez ele tenha trabalho afazer, ela tentou se convencer. Trabalho inevitável e urgente, algo que ele estava desesperado por terminar para que pudessem desfrutar da lua de mel. Mas não ficou completamente confortada com a explicação. Não quando ele havia se tomado tão frio e indiferente desde o momento em que se tomara seu marido. Era quase como se ele estivesse com raiva dela. Mas isso não fazia sentido. Ele não havia ido a Londres desesperado para encontrá-la? Não lhe pedira a mão em casamento quando descobrira que ela estava esperando um filho dele? Não passara dias a convencendo, de maneira apaixonada e tema, a se casar com ele? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ela finalmente concordara em ser sua esposa. Haviam tido um casamento romântico, perfeito. Então, por que ele repentinamente passara a agir como um homem que desprezava a mera existência dela? Eve esfregou a cabeça, preocupada, fazendo com que mais mechas se soltassem do chino. Não fazia sentido. Sentia-se confusa. Seria por causa da amnésia? Por que não conseguia entendê-lo? A comissária pôs a bandeja cuidadosamente na mesinha ao lado. — O sr. Xenakis achou que pudesse querer um lanche antes de pousarmos. Eve viu a bela seleção de frutas cortadas, pães e queijos, além de água e sucos. Olhou para o marido, do outro lado da cabine. — Ele não quis comer comigo? — ela disse, tentando de forma mal-sucedida não deixar transparecer a mágoa na voz. A comissária abriu um sorriso condescendente. — Sinto muito, senhora. Quando ela se retirou, Eve tentou furiosamente pensar, entender. Talos não poderia ter se casado com ela por dinheiro, já que a fortuna dela, por maior que fosse, era apenas uma fração do que era a dele. Então, por quê? Porque ela estava esperando um filho dele? Ele dissera que queria dar um nome ao bebê deles. Seria aquele o único motivo? Não, ela disse desesperadamente a si mesma. Ele se casara com ela porque a amava. Mas ele nunca dissera aquilo, dissera? Ela bebeu a água e comeu a fruta, apesar de não ter fome. enquanto o avião pousava. Talos, apesar dos olhares magoados dela, continuou a ignorá-la até bem depois de o avião ter pousado na pista. Quando a porta se abriu e eles desceram as escadas, ela respirou fundo. Atenas à meia-noite. Os assistentes dele e vários guarda-costas estavam esperando na pista, junto com dois carros, para levar toda a comitiva para a cidade. Foram escoltados rapidamente pela alfândega. Dentro de poucos minutos, ela estava sentada ao lado do marido no banco de trás de um Bentley preto, enquanto o motorista os levava pela imensa estrada até a cidade. Ela o encarou até que finalmente Talos a olhasse. — Talos, por que está agindo assim? — ela perguntou calmamente. — Assim como? — Como um idiota. Trincando os dentes, ele olhou para a escuridão da cidade que passava lá fora. — Sinto muito por você ser tão carente e insegura a ponto de achar que tem de ser o centro da minha atenção a todo momento — ele disse em voz baixa. — Mas, ao contrário de você, não me contento apenas em gastar um dinheiro que foi ganho por outra pessoa. Ao contrário de você, tenho um negócio e preciso gerenciá-lo. O fato de estarmos casados não significa que pretendo passar cada hora reverenciando você. Ela ficou boquiaberta. Ele a ignorara durante todos os momentos desde que haviam se casado, insultara rudemente seus amigos, a arrastara da Itália para a Grécia sem explicação... E, agora, estava tentando fazê-la pensar que era ela quem tinha um problema? Contendo uma resposta raivosa, ela respirou fundo e tentou ver as coisas pelo lado dele, tentou ver se havia uma possibilidade de que ela não estivesse sendo razoável. Não. Juntando as mãos, ela respirou fundo novamente para se acalmar. Era esposa dele. Queria ser amorosa e compreensiva. Estavam em lua de mel. Não queria começar uma briga por algo tão insignificante quanto o humor irritado dele. Por outro lado, ela não era um capacho, e seria melhor que ele soubesse disso logo. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Claro que entendo que você precisa trabalhar — ela tentou falar com a voz mais bondosa e compreensiva. — Mas isso não explica o motivo de você ter sido tão frio comigo a noite inteira. Ou por que fomos embora da Toscana daquele jeito. — Ela engoliu em seco. — Depois de seus amigos terem se esforçado tanto, poderíamos ao menos ter passado a noite lá... Os olhos escuros dele apunhalaram os dela. — Eu não estava interessado. Ela enrubesceu, sentindo-se humilhada em seu vestido de casamento amarrotado. Durante a noite inteira, ela sentira uma dor de emoção, um formigamento na barriga ao imaginar a noite de núpcias, ao pensar nele a beijando, louca para experimentar a sensação de fazer amor com ele. Aparentemente, aquele pensamento não interessava a Talos. — Por que está me afastando assim? — ela sussurrou. — Tem feito isso desde o momento em que me tomei sua esposa. Você... você se arrependeu de ter se casado comigo? Ele a observou durante um momento e, em seguida, virou as costas, tirando o laptop da maleta de couro. — Logo chegaremos em casa. — Por que está agindo como se me odiasse? Ele fechou o laptop com um alto barulho. — Não vou discutir isso agora, Eve. — Então, quando? O telefone dele tocou. Ele baixou o olhar para o aparelho antes de lançar um olhar semicerrado para ela. — Em breve, você saberá de tudo. — Dando-lhe as costas, ele abriu o celular e rosnou: — Xenakis. Enquanto ele falava em grego ao telefone, ela olhou para o brilhante anel de diamante em seu dedo e, em seguida, pela janela para a cidade, com seus prédios brancos antigos e oliveiras, cercada por montanhas. Por que Talos se casaria com ela se pretendia tratá-la daquele jeito? Ela pôs a mão no ventre, onde o bebe deles crescia dentro dela. Sua barriga começava a ficar mais redonda abaixo dos seios. Eu não teria dado minha virgindade a Talos se ele não fosse digno do meu amor, ela disse a si mesma. Como você sabe?, um sussurro sádico perguntou. Como sabe que tipo de pessoa você é? Cale a boca, ela disse rispidamente à voz. Eu sei. Mas era tarde demais. O medo já se instalara dentro dela, um veneno que ela não conseguiria neutralizar. Não quisera se casar tão rapidamente com ele. Tentara resistir, adiar. Mas ele insistira. Cortejando-a. Conquistando-a. Ele fora tão amoroso. Tão paciente. Tão perfeito. E a beijara na ponte em Veneza, e todas as objeções de Eve haviam sido varridas em uma feroz tempestade de desejo cego, algo que ela não conseguira suportar. O abraço dele lhe roubara as forças, deixando-a à sua mercê, sem escolha que não renderse à vontade dele. Mas já parecia que não haveria mais beijos. Teria cometido um erro terrível ao se casar com Talos? Você está certa em ter medo, ele dissera com aquela estranha luz nos olhos. Seria possível que ele tivesse se casado com Eve apenas por ela estar esperando um filho dele? Ou por algum outro motivo sombrio? Não poderia ter sido por amor, não com ele agindo daquele jeito! 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas O Bentley estacionou do lado de fora de um edifício em estilo fin de siècle de nove andares em uma imponente praça, no centro da cidade. Talos saiu do carro sem olhar para trás. Pela primeira vez, permitiu que o motorista ajudasse Eve a sair. Ao pisar na calçada, Eve olhou para o prédio e para a Acrópole, acesa na montanha acima deles. Quase deu um salto ao ouvir a voz de Talos atrás de si. — Linda, não é? Ela se voltou para vê-lo observando-a com uma cruel diversão. — Sim — ela disse, vencendo o nó na garganta. Linda e arrogante, e um pouco selvagem, exatamente como ele. Enquanto o motorista e o carregador cuidavam da bagagem, Talos se aproximou dela. Ele estava tão perto que Eve conseguia sentir sua respiração, sentir o calor de seu corpo forte por baixo das roupas. Inclinando-se para a frente, sem tocá-la, ele sussurrou: — Você irá adorar a vista da cobertura. Ela estremeceu quando ele se inclinou mais. — Foi onde você se entregou a mim pela primeira vez — ele sussurrou em seu ouvido, roçando os lábios contra sua pele sensível. — Ficamos semanas sem sair da cama. Ele se afastou, os olhos escuros brilhando. E, apesar de ela ter tentado esconder a reação que ele lhe causava, sabia que Talos conseguia perceber sua tensão. Seu desejo. Aquilo a enfurecia. Desafiadoramente, ela empinou o queixo. — Espero que você tenha aproveitado, porque não vai acontecer de novo. Os olhos dele escureceram com o desafio. Segurou-lhe a mão, e, mesmo com Eve tentando soltá-la, ele não a largou. Com os funcionários e os guarda-costas os seguindo, eles passaram pelo maravilhoso lobby e subiram pelo elevador. Apenas quando estavam a sós dentro da imensa cobertura, ele a soltou. Eve esfregou os pulsos, olhando para ele. — Por que estava tão determinado a se casar imediatamente comigo, Talos? — ela exigiu saber. — Por quê? Quero a verdade agora! — A verdade? — ele disse seriamente. — Você nunca foi muito acostumada com este conceito. Ela ignorou a alfinetada. — Foi porque eu estou grávida? Ele desviou o olhar. — Sempre protegerei meu filho. A dor a atravessou. Então, não era amor. Nada a ver com amor. — Se foi apenas pelo bebê, por que mentiu? — ela disse com a voz rouca. — Por que disse que me amava? — Nunca menti para você. — A boca dele se apertou em uma tensa linha enquanto ele a observava. — Disse que queria me casar com você e dar um nome ao bebê. As duas coisas eram verdades. Ela balançou a cabeça, lutando contra as lágrimas. — Você me fez acreditar que me amava — ela sussurrou. — Você me enganou para que eu me casasse com você. Não tem honra? — Honra? — Os rostos deles estavam a poucos centímetros de distância quando ele a olhou com desprezo. — Você me acusa de não ter honra? Subitamente, ela sentiu medo, sentiu-se presa, com o corpo rígido dele sobre o dela, as mãos fortes como grilhões em seus pulsos. Então, sentiu a respiração dele em sua pele. Ouviu a respiração se alterar quando o clima entre eles se eletrizou, mudando de raiva para outra coisa. Ele lhe segurou os pulsos com mais força, baixando o olhar para sua boca. O coração de Eve parou no peito e, em seguida, disparou. Ela sentiu um formigamento descer dos lábios aos seios, e, dos seios, para seu íntimo. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Com uma inspiração selvagem, ele lhe soltou os pulsos. Dando-lhe as costas, Talos caminhou pelo corredor. Seus passos ecoavam pesadamente contra o piso de mármore. Um momento depois, ele voltou com algo nas mãos. — Vista-se — ele disse, seu lábio se curvando de desprezo. Ele jogou o tecido prateado na direção dela. — Use isto. Por um momento, ela apenas o observou, segurando o tecido com lantejoulas junto ao peito. Atrás dele, as Janelas que iam do chão ao teto revelavam a majestosa Acrópole, acesa como uma tocha acima da cidade. Ela conseguia ver os prédios de pedra branca abaixo deles, entremeados com palmeiras e oliveiras. Seu coração continuava a martelar no peito, sua mente ainda enevoa- da pela recente proximidade dele. Então, ela levantou o vestido de festa, brilhante e prateado. Era loucamente sensual e rígido. Como todas as roupas que ela dera para a caridade em Veneza. — Não. — Ela empinou o queixo. — Já disse. Não quero mais me vestir assim. — Você fará o que eu mandar. — Sou sua esposa, não sua escrava. Cruzando o quarto em três grandes passadas de suas poderosas pernas, ele a segurou pelos ombros. — Você irá me obedecer, ou... Ela jogou o cabelo para trás. — Ou o quê? Os olhares se fixaram um no outro. Ela ouviu a respiração dele acelerar, ouviu a própria ficar engasgada. Ele queria beijá-la. Ela sabia disso. Podia sentir. Mas, abruptamente, ele a soltou. Sua expressão se tomou uma máscara, e ele pareceu quase entediado ao olhar para seu caro relógio de platina. — E melhor você se apressar. Vamos sair daqui a dez minutos. — Ele parou à porta. — Arrume-se o melhor que puder, sim? — ele disse friamente. — Um amigo especial seu estará na festa. — Festa? Que festa? Que amigo especial? Mas ele a deixou sem resposta, abandonando-a para que trocasse de roupa sozinha. Sozinha, ela pensou, amargurada. Ela sequer soubera o que aquela palavra realmente significava até ter se tomado esposa.
CAPÍTULO OITO
Fora gentil demais com ela, Talos pensou sombriamente. Sentado ao lado de Eve enquanto iam ao bairro de Monastiráki, ele ignorou a respiração raivosa e bufante dela, Estivera tentado a lhe contar tudo no apartamento, mas se contivera, pelo bem da criança no ventre dela. Por medo de que o choque causasse 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas alguma complicação. Ridículo, ele pensava naquele instante, trincando os dentes. Eve era forte demais para aquilo. Sua ex-amante... sua esposa, ele se corrigiu, era resistente como aço. Uma força da natureza. Era ridícula a preocupação de que um choque emocional pudesse fazer mal ao bebê deles; a Eve que ele conhecera jamais tivera sentimentos! Mas, em poucos momentos, ela finalmente se lembraria de tudo, e seria forçada a admitir tudo, quando visse seu amante. Contraindo o músculo do maxilar, ele olhou pela janela. O Bentley passou pelo beco escuro, não muito longe da praça Sintagma, onde ele cometera seu único ato criminoso. Aos 15 anos, dois meses depois da morte da mãe, ele quebrara a janela de um carro luxuoso. Não saíra como o planejado. O dono do carro dera de cara com Talos, com o rádio nas mãos. Talos não tentara negar o crime. Confessara abertamente e, com o charme que conseguiu evocar com o inglês que aprendera por conta própria, sugerira que fizera um favor ao homem. — Acho que uma outra marca seria mais adequada a você. — Então, cabisbaixo, esperou que o homem chamasse a polícia. Em vez disso, Dalton Hunter o contratara no ato. — Você seria muito útil ao nosso escritório de Atenas — ele dissera com uma gargalhada. E Talos logo se transformara no novo mensageiro e office boy da corporação mundial de frete do executivo americano. Daquele dia em diante, ao se lembrar, envergonhado, do crime, Talos fora obcecado por justiça. Depois de ser promovido diversas vezes e acertado a sorte com alguns investimentos, ele conseguira o primeiro milhão aos 24 anos. O pai, que abandonara a mãe de Talos grávida dele, lera sobre o filho no jornal e entrara em contato. Não para pedir dinheiro, ele dissera. Apenas para uma visita. Talos se recusara a sequer falar com ele. Um homem colhia o que plantava. Ele recebera o que merecia. E Yiorgos causara problemas financeiros e emocionais à mãe de Talos, o que, por fim, haviam levado à morte dela. Ele podia ter o DNA de Talos, mas era só isso. Dalton Hunter se prestara muito mais ao papel de pai de Talos do que o homem. Ao menos fora o que Talos pensara até 11 anos antes, quando Dalton se revelara completamente corrupto. Mas, quando a questão era corrupção, ninguém vencia uma certa mulher. Ele olhou para Eve. Ela estava friamente linda com o minúsculo vestido prateado e os saltos finos. Seus lábios estavam escarlate como sangue, seus cílios, pretos como a noite contra sua pele branca. Exatamente como a impiedosa amante da qual ele se lembrava. Como se nada tivesse mudado. Não era aquilo o que ele queria? O carro parou diante de um antigo prédio branco, que, certa vez, fizera parte de um mosteiro do século XII e, agora, era um misto de boate e galeria de arte, propriedade de um amigo de Talos. Ele saiu do carro, arrumando as abotoaduras de sua camisa branca por baixo do blazer preto enquanto esperava. O motorista abriu a porta de Eve, e ela caminhou sobre os saltos, com um gracioso rebolado dos quadris, até Talos. — O que foi? — ela disse de forma ácida. — Não está feliz com a minha aparência? Ele estava? Olhou para ela. O cabelo escuro e sedoso de Eve fora preso em um severo rabo de cavalo que revelava a perfeição de sua estrutura óssea e sua pele clara. Brincos de prata pendiam contra seu longo pescoço. Um bracelete prateado lhe envolvia o braço nu, na forma de uma serpente. Ela era uma fria deusa. De tirar o fôlego. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Poderosa. — Serve — ele disse apaticamente. Puxou-a na direção da porta. As faixas assimétricas do vestido prateado pendiam obliquamente nos ombros dela, aparentemente ameaçando cair a qualquer momento para revelar seus maravilhosos seios. Ele sabia que era apenas um astuto artifício de design, mas, quando entraram na desgastada construção branca e ele ouviu o som dos saltos dela ao seu lado, observou os homens ficarem com torcicolo ao virarem a cabeça para olhá-la, boquiabertos. Eve empinou o queixo, fingindo não notar. Era graciosa, cheia de dignidade. Mas ele conseguia sentir a fúria que crescia dentro do belo corpo dela. Talos os encarou com um esgar nos lábios. No passado, ele fora arrogantemente orgulhoso por ter a mulher que todos os outros homens desejavam. Considerara um preço a se pagar; outros homens, fracos, sempre invejavam o que Talos possuía. Aquilo mudara em Veneza. E, agora, quando ele viu os homens virando a cabeça para olhá-la, a pura ira o dominou. Por quê? Por que ele se sentia tão raivoso e possessivo? Porque ela era sua esposa? Esposa apenas no papel, ele disse ferozmente a si mesmo. E, naquela noite, ele finalmente obteria sua vingança. Quando Eve visse seu antigo amor, ela se lembraria de tudo. Ele veria o rosto dela se franzir ao perceber que fora pega. — Talos! — A anfitriã, uma socialite na casa dos 30 anos, casada com um magnata grego que tinha três vezes a sua idade, se aproximou para cumprimentá-lo com um grande sorriso. — Que maravilhosa surpresa, querido! Seu assistente tinha enviado seu pedido de desculpas. E... — Ela olhou para Eve, e seus olhos se arregalaram. — Oh, meu Deus! Eve Craig. Não esperava... Nunca imaginei que você pudesse... — Skinner está aqui? — Talos interrompeu. A mulher estivera olhando consternada para Eve, mas se virou para encarar Talos, mordendo o lábio. — Ouvi dizer que você estava na Austrália. Jamais o teria convidado se soubesse que você vinha. Por favor, querido, não quero problemas! — Não se preocupe. Ágata — ele respondeu, trincando os dentes num sorriso. — Só vamos ter uma conversinha. Ela soltou o ar. — Espero que sim. — Olhou para Eve e, então, quando os fotógrafos se aproximaram para tirar fotos deles, pôs o braço em tomo dela e sorriu. — Não sabia que você e Talos ainda estavam juntos, Eve querida. — Estamos — Eve respondeu friamente e cruzou os braços enquanto esperava Talos. Contraindo o músculo do maxilar, ele olhou para o andar de baixo por cima do corrimão. A cavernosa construção de pedra branca estava decorada com velas e ícones dos tempos modernos. Tudo para comemorar o 29º aniversário de Ágata; a terceira festa para este fim, se ele bem se lembrava. Subitamente, do outro lado do salão, além da pista de dança e do colorido bar de madeira com garçons sem camisa escolhidos a dedo por Ágata, Talos viu seu rival, Jake Skinner. Talos olhou de relance para Eve, esperando que ela visse o magnata americano. Em vez disso, ela o encarava raivosamente, com o cenho franzido. — Está se divertindo? — ela disse acidamente. — Foi para isso que se casou comigo? Para poder desfilar comigo em festas, como se eu fosse sua bonequinha? — Posso fazer o que quiser com você — ele respondeu friamente. Segurando-lhe o braço, ele a levou escada abaixo, diretamente para o outro lado do salão, para Jake Skinner. Com um rápido movimento dos olhos, Talos olhou de um para o outro, esperando que a expressão do reconhecimento atravessasse o belo rosto de Eve 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas ao ver o homem com quem ela saíra antes de Talos. O homem que tinha sua lealdade. O homem que ela amava. Ao olhar para trás, o playboy americano quase se engasgou ao ver Talos. Olhou nervosamente à volta, procurando as saídas. — Xenakis, aqui é um lugar público. Nem pense em... — Relaxe. Estou aqui para me divertir. Skinner se acalmou visivelmente. — Sem ressentimentos, certo? — ele disse numa voz alegre. — Só entreguei aquele documento à imprensa porque parecia que você estava infringindo a lei. E porque ele esperava conseguir um imenso lucro para os próprios acionistas, Talos pensou. Mostrou os dentes em um sorriso. — E claro. Eu entendo. Afinal, eu poderia ter sido o culpado por aquilo tudo. E ninguém — ele olhou para Eve — deve cometer um crime e ficar impune. O cenho de Eve se franziu quando ela ergueu o olhar para Talos, como se estivesse tentando entender o significado oculto sob as palavras dele. Ela não parecia ter nenhum interesse em Jake Skinner Por que aquilo não estava funcionando? Skinner era o amor da vida dela. Só podia ser. Não poderia ter havido outro motivo para a traição a sangue frio que ela cometera em junho. Então, por que ela não reagia ao vê-lo? Por que não gritava o nome dele, engasgando ao se lembrar repentinamente, voltando-se aterrorizada para Talos e percebendo que fora inevitavelmente pega? Contraindo o músculo do maxilar, Talos se virou para abrir um sorriso severo para seu rival. — E, só para mostrar que não há ressentimentos, Skinner, trouxe uma oferenda de paz. Talos empurrou Eve na direção de Skinner. Ela tropeçou, surpresa, quase caindo de seus saltos finos. O queixo do americano caiu, e sua voz falhou ao dizer: — Sua oferenda de paz é... Eve? — Esqueça, desgraçado — Eve disse furiosamente, virando-se para encarar Talos. — De jeito nenhum. Não vou sequer dançar com ele... — Você vai! Ela tomou fôlego, e, por um momento, ele pensou que levaria um tapa na cara. Então, ela se empertigou com uma graciosa dignidade. — Que idéia maravilhosa — ela disse friamente, voltando-se para Skinner com um sorriso em seus lábios escarlate. — Vamos dançar? — Sim — o homem sussurrou. — Ah, sim. Os olhos dele se fixaram com um desejo tão flagrante que as mãos de Talos se cerraram em punhos ao lado do corpo. Ele observou enquanto seu rival nos negócios pegava sua esposa, tomando-lhe a mão, e a acompanhava até a pista de dança. E, quando a música começou, Talos não conseguiu olhar. Eve era uma bela dançarina. Sempre fora. Cada passo seu fazia o vestido prateado com lantejoulas se mover em ondas sobre seu corpo sedutor. Sem tocar o outro homem, ela se movia sensualmente diante dele. com os braços acima da cabeça. A barra do vestido mal lhe alcançava as coxas enquanto seus quadris rebolavam. Ela fechou os olhos. Jake Skinner, e praticamente todos os outros homens na pista de dança, haviam parado para observá-la, boquiabertos. As outras mulheres que estavam na pista, muitas delas também lindíssimas, perceberam que seus homens haviam ficado imóveis e se viraram para olhar também. De olhos ainda fechados, Eve se balançava com a música. Movia-se como uma sereia sedutora, dona dos sonhos sedentos de todo homem. Talos subitamente se sentiu sem fôlego, ou, talvez, morrendo de sede. Pegando um 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas martini do garçom que havia parado à sua frente para olhar Eve, Talos bebeu tudo em um só gole. Então, olhou novamente para Eve. Todos os homens do salão a observavam. Ele sentiu uma dor lancinante contra a palma e olhou para baixo, percebendo que esmagara a taça na mão. — Me singkorite! — Engasgado, um garçom ali perto se virou e correu para pegar uma vassoura. — Oriste. — Ágata estava subitamente ao lado dele. Segurava uma pequena toalha. Talos a pegou. — EJkharisto. — Está perdendo seu tempo com ela — disse calmamente, indicando Eve com um movimento de cabeça. — Vai se magoar. — Está enganada. — Talos limpou o sangue da mão com a toalha. Os cortes não eram profundos. — Ela não pode me magoar. Mas ele sabia que estava mentindo. Eve o ferira profundamente meses antes. Ele olhou para o outro lado do salão, onde ela dançava de olhos fechados, os braços balançando acima da cabeça. Seu desejo por Eve cortava mais fundo que qualquer lâmina. Como todos os outros homens do salão, ele a desejava com tanta intensidade que todos os sentidos de seu corpo vibravam. Depois de ficar tão perto dela, de cortejá-la, de tê-la em sua cama, mas sem poder tocá-la, ele estava enlouquecendo. O desejo por ela o estava matando. Ele tivera tanta certeza de que ir à festa naquela noite faria Eve recuperar a memória e voltar a ser a mulher cruel, dominadora e sedutora que ele conhecera. E ela voltara a ser, mas de uma forma que ele jamais esperara. Ela o estava provocando. Observando-a se mover e rebolar, ele engoliu o desejo, seu corpo inteiro suando frio. Quando a música terminou, Talos sentiu os sons desejosos de todos os homens no local. Sentiu os passos e corpos se voltando na direção dela. Como se liberta de um transe, Eve lentamente abriu os olhos. Talos viu Jake Skinner esticar as mãos na direção dela quando a dança terminou. Esticando-lhe as mãos, os olhos sedentos, a boca... Quando Talos se deu conta, ele já estava do outro lado do salão, no meio da pista de dança. Empurrou seu rival para o lado. — Fique... longe... da... minha... esposa! Ele se afastou, chocado. — Sua esposa? — Skinner perguntou, engasgado. Recuou, o rosto empalidecendo. — Vocês se casaram? Eve apenas inclinou a cabeça, sem entender. — Na verdade, sim. — Ela lançou a Talos um olhar semicerrado. — Não sabia que se importava com isso. — Eu me importo — ele revelou. Contraindo o músculo do maxilar, Talos olhou para seu rival americano. Todos os seus músculos estavam rígidos, tentando se controlar para não atacar o outro homem. — Fique longe da minha esposa — ele repetiu em voz baixa. Skinner olhou rapidamente dele para ela. O que viu no rosto de Talos provavelmente o convenceu, pois ele virou as costas e fugiu, abrindo caminho entre os convidados, quase derrubando a anfitriã em sua pressa. Talos sentiu os olhares do salão inteiro sobre si. E lá se fora a promessa que fizera a Agata. — Feliz aniversário — ele disse abruptamente a ela. — Obrigado pela festa. Entrelaçando os dedos nos de Eve, ele a acompanhou para fora do prédio. Apenas quando estavam na calçada e o arrefecedor ar da noite lhes atingiu a pele, ele se voltou 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas para ela. — Sua tola! — ele disparou. — O que estava pensando ao fazer aquele show? Mas ela claramente não deixaria que ele a dominasse. — Não era o que você queria? — ela devolveu, furiosa. — Não era a mulher que você queria que eu fosse? — Ela piscou para afastar as lágrimas. — E pensa que, por não me querer, pode me passar adiante para seus amigos... Ele se aproximou furiosamente, fazendo-a recuar para a escuridão do beco sujo. — Acha que eu não a quero? — ele disse perigosamente. Quando os calcanhares dela tocaram a parede de pedra, ela parou, empinando o queixo. Seus olhos brilhavam com o luar quando ela o enfrentou. — Acho que você é um mentiroso — ela disse rouca-mente. — Você me enganou para que eu me casasse com você e, agora, quer me castigar por algum motivo. Não sei por que, mas fui idiota em acreditar em suas palavras, em seus beijos falsos. Não consigo acreditar que deixei você me tocar. Jamais deixarei novamente... Ele a interrompeu com um beijo, empurrando-a contra a pedra áspera, segurandolhe os pulsos como grilhões contra a parede. Abriu-lhe os lábios, arremetendo com a língua para dentro de sua boca, aprofundando o beijo até que ela cedesse em seus braços. Até que ela retribuísse o beijo. No momento em que sentiu os lábios dela se moverem contra o seu, quando cia igualou sua chama, um surto de impetuosa felicidade o dominou, algo que ele não conseguia controlar. Ele a possuiria ali, no beco. Contra a parede. Ao inferno com as conseqüências! Ele a possuiria naquele instante, mesmo que aquilo significasse sua morte.
A respiração de Eve saía em pequenos engasgos à medida que ele a beijava lentamente, no pescoço, nos braços, subindo e descendo por sua pele descoberta. — Por que está fazendo isso? — ela sussurrou. Ao sentir a boca dele sobre si, fagulhas lhe percorreram o corpo. — Fiz o que você queria. Por que está com tanta raiva? Por que se sente tão possessivo por eu ter dançado com seu amigo, exatamente como você queria? — Jamais quis ver todos aqueles homens a desejando — ele afirmou. — Então, por quê? — ela conseguiu perguntar enquanto as mãos dele a acariciavam. — Por que está me torturando assim, me beijando em um momento e me afastando no outro? Como se me odiasse? As mãos dele pararam. Ele baixou o olhar para ela, e o fogo em seus olhos havia se alterado para desejo. Para confusão. Para dor. Observando-a, ele subitamente tirou o paletó. Em silêncio, colocou-o sobre o minúsculo vestido prateado dela, cobrindo-a até o meio das coxas. Segurando as lapelas do paletó, ela a puxou para perto. Inclinou sua cabeça para a frente, pressionando sua testa contra a de Eve. Quando falou, sua voz estava tão baixa que ela mal conseguiu ouvi-lo. — Sinto muito. Ele a puxou gentilmente do beco para o Bentley, que os aguardava na rua. Sem explicação, Talos abriu a porta para Eve e a ajudou a entrar. Não falou com ela no carro, sequer a olhou, Mas segurou-lhe a mão com força durante todo o caminho até seu apartamento. Quando chegaram, ele a ajudou a sair do carro; segurava-lhe a mão e não a soltava por nada. Ela o observou, confusa, sem conseguir desviar o olhar daquele belo rosto moreno enquanto atravessavam o lobby da elegante construção do século XIX e entravam no elevador. Talos destrancou a porta do apartamento e se virou para ela, o rosto escurecido 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas de desejo. — Eu devia ter feito isso há muito tempo. Ele a ergueu nos braços. Ela quase conseguia ver o corpo dele brilhar com o calor que o queimava em ondas. Segurando-a bem perto de si, Talos abriu a porta com um chute, entrou e, com outro chute, a fechou. Atravessando o apartamento, com a vista da Acrópole iluminada na montanha, flutuando acima da noite, ele a pôs gentilmente de pé no piso de mármore. Sem nunca tirar os olhos dos dela, ele tirou o grande paletó preto de seus ombros, deixando-o cair ao chão. Eve fechou os olhos, a respiração encurtando ao senti-lo pôr as mãos atrás de sua cabeça e soltar-lhe o rabo de cavalo. Ela sentiu as mãos dele lhe percorrerem o corpo, acariciando-a por cima do vestido prateado. — Você é minha, Eve — ele sussurrou. Passou as grandes mãos pelos quadris dela, por sua cintura fina. Correu as mãos de volta por cima do vestido, fazendo-o se mover sobre o corpo dela, como um afago. Ela sentiu os polegares de Talos lhe acariciarem os seios, enrijecendo os mamilos de maneira agonizantemente intensa sob o tecido. Sentia os seios pesados e inchados, balançando quando ele os segurou de forma reverente nas mãos. O corpo inteiro dela parecia tenso e quente. Ela se sentia tonta, seus joelhos estavam fracos. Eve abriu rapidamente os olhos quando Talos se ajoelhou a seus pés. O quarto parecia girar ao redor dela enquanto ela o observava acariciar suavemente suas pernas nuas, das coxas até a parte de trás dos joelhos. Massageando as panturrilhas, ele retirou lentamente uma das sandálias e, em seguida, a outra. O olhar de Talos se fixou no dela, cálido e escuro. Lentamente, ele se levantou. Ainda olhando para ela, ele tirou a gravata. Desabotoou a camisa branca, deixando-a cair ao chão. Eve teve a repentina visão do peito nu dele, poderosamente musculoso e coberto por pelos escuros. Então, ele estava nu e poderoso diante dela. Sua pele de oliva brilhava ao luar. Cada centímetro de seu corpo musculoso emanava um poder másculo. Ao olhar para baixo, ela viu a intensidade do desejo dele por ela e engoliu em seco, com medo daquela força, daquele tamanho. Esperava um filho dele, mas, sem memória, sentia-se tímida como uma virgem. Murmurando elogios em grego, ele a tomou nos braços. Carregou-a pelo quarto e a pôs gentilmente sobre a enorme cama. Esticando-lhe os braços para o alto, ele tirou o pequeno vestido prateado. Empurrou-a contra os travesseiros e retirou-lhe a calcinha. E, subitamente, ela estava nua diante dele, nua na cama deles. Aquela idéia a aterrorizou, mas, antes que pudesse se afastar, ele já estava em cima dela. Ela sentiu sua rigidez contra a barriga enquanto ele a beijava lentamente no pescoço, na orelha, suavemente jogando seu cabelo para trás enquanto sussurrava: — Ekho sizigho. Minha doce esposa. Ele lhe segurou os seios juntos, roçando o nariz entre eles, e o polegar nos mamilos, até que se enrijecessem agonizantemente. Sugou primeiro um, depois, o outro, antes de descer para beijar-lhe a barriga. Suas mãos acariciavam o quadril dela, tocando-lhe as coxas antes de subir para beijar-lhe a boca. O beijo foi feroz, sedento. Ele envolveu os braços abaixo dos ombros dela, segurando-a com força contra si. Ela soluçou ao senti-lo entre suas pernas, afastando suas coxas. Um grunhido másculo de satisfação escapou dele quando moveu sua rigidez contra o calor úmido e escorregadio dela. Eve se contorceu debaixo dele quando a fraca tensão começou a aumentar e aumentar dentro dela, fazendo com que sua respiração saísse ofegante, fazendo com que seu corpo formigasse. Estava se derretendo por ele, 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas transformando-se em nada, e, se ele não... Ele deslizou para dentro dela com uma única e profunda investida. As costas de Eve se arquearam. Ela gritou quando Talos a preencheu plenamente, libertando um prazer tão profundo dentro dela que era quase como dor. Ele fechou os olhos ao investir para dentro dela novamente, recuando, fazendo tudo forte e lentamente. Cada investida se tomava mais profunda, espiralando um doce êxtase tão profundamente nela que Eve pensou que seria devorada pela sensação. Ele a abria, cada vez mais. Mais forte, mais rápido; dor, prazer. Apenas quatro vezes. Quatro investidas, cada uma mais profunda e forte que a anterior. E ela explodiu.
CAPÍTULO NOVE
Quando sentiu o corpo de Eve se enrijecer, soube que não conseguiria se segurar. Tocá-la parecia o paraíso. Sua pele era ainda mais suave do que ele se lembrava. Doce, tão doce. Na primeira vez em que ele deslizou para dentro dela, quase perdeu o controle. A cada investida, ele via os seios dela balançarem com a força com a qual ele a possuía. Durante quanto tempo a desejara? Como negara aquilo a si próprio durante tanto tempo? A cada lenta investida dentro dela, ele cedia um pouco mais, até quase desmoronar, como o estuque veneziano caindo na água. Seu corpo inteiro estremecia de agonia por ter que se conter quando tudo o que queria era mergulhar completamente nela, perder-se no êxtase de fazer amor com Eve. Jamais se sentira daquele jeito antes; nem mesmo com ela. Três investidas, e ele já tremia com o desesperado esforço para manter o controle. Grunhiu ao adentrá-la rudemente, investindo totalmente com um prazer tão grande que quase o fez enlouquecer. Ouviu o suave soluço dela se transformar em um grito e sentiu Eve estremecer, seu corpo se contorcendo em tomo dele. E Talos não conseguiu mais se conter. Com um grito, ele investiu uma última vez, latejando e se derramando dentro dela. Exausto, ele desabou ao lado de Eve, puxando-a para seus braços, segurando-a com força. Agora, ao olhar para a luz cinzenta que entrava pelas janelas, percebeu que a manhã já chegava. Haviam dormido nos braços um do outro durante pelo menos duas horas. Algo que ele jamais havia feito antes. Ah, já haviam dormido juntos na cama, claro, entre infindáveis períodos fazendo amor. Mas ele jamais a abraçara daquele jeito, aconchegando-a contra seu peito enquanto caíam no sono. Ele se sentia... satisfeito. Protetor. Olhou para a beleza nua dela. Os lençóis brancos de algodão haviam caído abaixo de seus quadris. Sua pele estava lustrosa e clara. Os seios, pesados e inchados; os bicos que ele sugara tão recentemente tinham um tom róseo. O leve inchaço de seu bebê no 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas ventre dela apenas a tomava mais feminina, como uma deusa da fertilidade. Ele se sentiu enrijecer instantaneamente. Já a desejava novamente. E não apenas o corpo... Como ela mudara tanto? Como a perda da memória poderia tê-la transformado em uma pessoa tão diferente? Ele tentara resistir. Tivera todos os motivos do mundo para castigá-la e magoá-la. Mas não conseguia. Algo dentro de Talos não permitia que ele fizesse isso. Mesmo enquanto sua alma vingativa clamava por justiça, ele não conseguia magoá-la. Havia apenas uma última carta a ser jogada. Uma derradeira chance de justiça. Ele poderia lhe contar a verdade. Poderia levá-la ao lugar onde ela o traíra. Era sua última chance. Pois aquela nova Eve, a mulher que dormia em seus braços, era bela demais, real demais, vulnerável demais. Cálida, natural e amorosa demais. Contara com o fato de ela estar indefesa. Jamais pensara que sua inocência faria com que ele próprio ficasse indefeso. Mas, cedo ou tarde, Eve voltaria a ser a pessoa que realmente era, a sereia fria, cruel e astuta que o vendera por amor ou dinheiro. A mulher que, sem dúvida, odiaria seu bebê pelo que a gravidez havia feito com sua silhueta perfeita. A mulher que ignoraria e negligenciaria seu bebê em prol de interesses egoístas. Que jamais se contentaria com um homem durante muito tempo. Os dedos dele a apertaram com mais força quando ele respirou fundo. Precisava acabar com aquilo. Imediatamente. Precisava apagar completamente aquela nova mulher. Antes que ele... antes que ele... Subitamente, ouviu um som estranho. Franzindo o cenho, olhou para a mulher em seus braços. Por um momento, ouviu apenas o calmo ruído da respiração dela e o som dos pássaros da manhã cantando do lado de fora, na alvorada. Então, ouviu Eve respirar novamente. E ela começou a gritar.
Aconchegada nos fortes braços de Talos, sob o amanhecer suave que entrava pelas janelas, Eve não quisera despertar. Apertara a cabeça contra o peito nu dele, deleitandose com a sensação da pele quente dele. O corpo de Talos era tão maior que o dela. Ela se sentia protegida com ele. Segura. Amada. Havia tantas coisas nele que ela ainda não entendia. Mas, ainda assim, estava se apaixonando novamente por ele. Sonolenta e feliz, ela ouvira as batidas do coração dele contra seu rosto. Elas ficaram mais altas, como o som de passos pesados soando em uníssono contra um piso de pedra. Subitamente, ela sentiu frio ao olhar para os rostos desfocados à sua volta. O rosto soluçante de sua mãe ficou nítido. Ela estava abraçada a Eve, lamentando ao observar o caixão do pai saindo da igreja sobre os ombros de alguns homens idosos. Eve segurou as mãos da mãe, repentinamente aterrorizada com a idéia de que a morte do pai faria com ela perdesse a mãe também. Na semana anterior, ela perdera o pai, a casa, a fortuna, a reputação. E era tudo culpa daquele homem. Ele destruíra o pai de Eve com todas as suas mentiras. De maneira insensível, destruíra a todos eles... Já do lado de fora, sobre a grama congelada do cemitério, ao lado de pessoas vestidas de preto, ela viu o frio vento de março soprar o véu preto de sua mãe para trás, como um espírito sombrio. Viu a mãe esticar os braços na direção do caixão enquanto seu amado marido era levado à terra, como se pretendesse se enterrar no mesmo túmulo frio... 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Não! — Eve gritou. — Por favor! — Eve! — Ela subitamente sentiu os braços fortes e poderosos de um homem em torno de si, a voz dele ansiosa enquanto ele a envolvia com seu calor. — Acorde. Acorde. Com um soluço engasgado, Eve abriu os olhos. E viu o rosto de Talos. — O que... o que foi? — Você estava gritando. — Ele a abraçou gentilmente, acariciando-lhe o rosto, o cabelo. Seus olhos escuros estavam cheios de preocupação. — Foi um sonho? Um sonho? A dor a atravessou, e sua cabeça começou a latejar subitamente. Ela se afastou dele enquanto lágrimas lhe escorriam pelo rosto. Por algum motivo, ela não conseguia suportar o toque dele. — Eu me lembrei do funeral do meu pai — ela sussurrou. Ela se afastou, ficando de pé, e percebeu que estava nua. Ficou imóvel, lembrandose da noite que haviam passado juntos. Lembrando-se de como estivera feliz dormindo nos braços dele... Respirou fundo e afastou o cabelo dos olhos. — Vou tomar um banho. — Antes que ele pudesse responder, ela acrescentou rapidamente: — Sozinha. Os olhos de Talos escureceram. Ele lhe deu as costas, mexendo no armário. — Certo. Ela tomou uma ducha rápida, tentando lavar a aguda dor de sua lembrança. Vestiuse rapidamente com roupas adequadas ao quente sol da Grécia, um top rosa, uma saia curta de tricô e sandálias rasteiras brancas. Enquanto escovava o cabelo, olhou-se no espelho. Durante todos aqueles dias, ela estivera tão desesperada para se lembrar do passado. E, agora... E se ela não gostasse do que descobrisse? — Está com fome? — Talos perguntou calmamente quando ela voltou para o quarto. — Vamos tomar um café da manhã rápido? — Por mim, está ótimo — ela disse, tomando cuidado para não tocá-lo. Tudo para fugir daquele lugar onde, assim como encontrara finalmente a felicidade, também fora apunhalada pela dor. Talos manteve as mãos nos bolsos da jaqueta enquanto desciam pelo elevador. Abriu a porta de trás do Bentley e a ajudou a entrar. Mas, ao se sentar ao lado dela, manteve distância. Como se houvesse uma barreira invisível entre eles. E pensar que, na noite anterior, ele a abraçara de forma tão apertada, sussurrando palavras de amor para ela em grego, cobrindo-lhe o corpo com beijos quentes enquanto pressionava seu corpo nu contra o dela. Como tudo mudara tanto desde então? — Do que mais não me lembro? — ela sussurrou. — E se for tudo ruim? E se for pior ainda? — O que poderia ser pior? — O que aconteceu com meu pai? Ele franziu o cenho, observando-a preocupadamente. — Não sei o que aconteceu com seu pai — disse por fim. — Jamais conversamos sobre sua família. Ela o olhou, chocada. — Nunca? Durante todo o tempo que passamos juntos? Ele balançou a cabeça. — Como é possível? — Não conversávamos sobre o passado. — Nunca? — Não. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Então, sobre o que conversávamos? — Não conversávamos. Apenas fazíamos amor. Ela sentiu um calafrio. Jamais haviam falado sobre o passado? O relacionamento deles era baseado apenas em sexo? O carro parou. Em silêncio, Talos saiu e abriu a porta dela. Ao olhar para cima, ela viu um restaurante francês muito elegante em um edifício novo com arquitetura friamente moderna. — Esta é sua idéia de um lugar para tomarmos um café da manhã rápido? Talos abriu um sorriso que não combinava com a expressão em seus olhos. — Era seu restaurante favorito em Atenas. Ao entrarem, foram levados à melhor mesa, que tinha vista para a movimentada rua lá embaixo. O chique restaurante era elegante e frio, com um estéril ar-condicionado. Havia muitos garçons, mas nenhum outro cliente. — Não costuma vir muita gente aqui num domingo de manhã — ela arriscou. — Eu reservei o restaurante inteiro — ele disse, parecendo entediado ao abrir o cardápio. — Por quê? — Queria que você se sentisse confortável. — Ele fechou o cardápio. — O que vai querer? Com um suspiro, ela abriu o menu. Estava escrito em inglês e francês. O lugar era elegante e frio demais, pensou. Ao olhar pela janela, Eve observou gregos e turistas amontoados em um mercado a céu aberto. Do lado de fora, sob o quente sol grego, ela viu pessoas sorrindo umas para as outras, comendo em cafés ao ar livre, pechinchando bem-humoradamente no mercado. O garçom chegou e anotou o pedido, falando um impecável inglês com um leve sotaque britânico. Depois que ele sé retirou, um outro garçom levou bebidas para eles. Ela bebericou o suco de laranja e se inclinou para a frente, os cotovelos apoiados na mesa. — Certo, Talos — ela disse calmamente. — Diga a verdade. Por que estamos aqui? Os olhos dele estavam escuros ao se fixarem nela. — Neste verão que passou, eu quase perdi minha empresa — ele disse em voz baixa. — Um documento foi roubado do meu apartamento, um papel que sugeria que eu podia estar enganando meus acionistas. Claro, eu não estava. Mas aquilo deixou uma má impressão das finanças da empresa. Ela o olhou, chocada. — Isso é terrível! Descobriu quem fez isso? Ele a olhou. — Sim. — Espero que você os ponha na cadeia! Ele bebericou o café preto. — Não é do meu feitio. — Mas o que isso tem a ver comigo e com este restaurante? — Aqui foi o último lugar onde eu a vi, Eve. Antes do acidente. Ela franziu o cenho, balançando a cabeça. — Antes de eu ter ido ao funeral do meu padrasto? — Você me deixou bem antes disso. Quase três meses atrás. — Não entendo. — Reconhece esta mesa? Ela olhou para baixo. — Não. Deveria? — Na última vez em que a vi, você estava sentada aqui com Jake Skinner. Tomando café da manhã com ele, poucas horas depois de ter feito amor comigo. — O quê? — ela engasgou. As mãos dele se fecharam na toalha de mesa de linho branco. — Kefalas estava seguindo você... 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Estava me seguindo? — Protegendo você — ele corrigiu. — Naquele dia, eu tinha um compromisso inadiável. Ele me telefonou e eu larguei tudo. Corri para cá como um tolo, para exigir uma explicação. Você tentou agir como se não fosse nada de mais. Ela pensou no magnata americano que encontrara na festa. — Então, foi por isso que você quis que eu dançasse com ele — ela disse calmamente. — Para me enganar? — Queria fazer você se lembrar de quando me traiu. Ela balançou a cabeça. — Não me lembro! — Você desapareceu da cidade. Na manhã seguinte, acordei e descobri o nome da minha empresa nas primeiras páginas de todos os jornais e meu telefone tocando incessantemente com ligações da imprensa e de acionistas furiosos. Skinner entregou o documento à imprensa. Mas quem o roubou da minha casa — ele se inclinou para a frente, seus olhos negros e severos — foi você. Ela recuou, chocada. — Eu?! — Por isso, tenho esperado que você se lembre. Todos os lugares aonde a levei, todas as lembranças que esperei reavivar, foi tudo para que você pudesse me dizer por quê. Subitamente, ela entendeu tudo. — Não apenas isso — ela sussurrou. — Você queria me castigar. Quis isso desde o dia em que me encontrou em Londres. Você queria vingança... — Justiça — ele corrigiu friamente. — Mas, quando descobriu que eu estava grávida, isso mudou tudo, não foi? — Ela soltou uma risada embargada e inspirou o ar. — Sentiu-se na obrigação de se casar comigo porque eu estava esperando um bebê seu. Você nunca me amou. Tudo o que queria... era me magoar. — Passei meses tentando encontrá-la até que você reapareceu no funeral do seu padrasto. Você é uma mulher rica, Eve. Então, não poderia ter me traído por dinheiro. Deve ter feito isso por amor. Está apaixonada por Jake Skinner. É a única explicação. Ela pensou no playboy com seus dentes exageradamente brancos e balançou a cabeça. — Jamais o amaria. — Então, por quê? Por que faria isso? O que eu lhe fiz? Ela respirou fundo enquanto lágrimas lhe enchiam os olhos. — Não sei — ela sussurrou. — Foi por ódio? Eu ofendi algum de seus amigos? Ignorei você ou magoei alguém com quem se importava? Por quê? Por que me daria sua virgindade, para, em seguida, me trair? — Eu não sei. — Ela, novamente, respirou fundo. — Mas... sinto muito. Ele a observou, o rosto em choque. — É assim? — ele sussurrou. — Você admite sua culpa? — Não me lembro deste restaurante. Não me lembro de traí-lo. Não consigo nem me imaginar fazendo algo tão horrível. — Os olhos de Eve se encheram de lágrimas, e ela piscou rapidamente. — Mas sabia que você tinha algum motivo para me odiar. Se você diz que eu o traí, acredito. Devo ter feito mesmo isso. — Ela balançou a cabeça. — Não sei por que e não posso lhe oferecer nenhuma desculpa. Só posso dizer que sinto muito, sinto desesperadamente. Talos apenas a observou, de olhos arregalados, sem se mover. Não era de se admirar que tivesse sido tão frio e distante depois do casamento. Nem sua vontade de castigá-la. Ele a odiara, mas sentira que não tinha escolha a não ser casar-se com ela, por causa do bebê. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Como ela se sentiria no lugar dele, forçada a se casar com um amante que a traíra? Seu coração doía só de pensar. — Você deve me odiar — ela disse suavemente. O músculo do maxilar dele se contraiu. — Não — ele disse em voz baixa. — Não é você quem eu odeio. — Então... quem? Ele virou para o outro lado. — Achei que você fosse se lembrar de Skinner se o visse. Tinha certeza de que se lembraria de seu amor por ele. — Por ele? Não! — Ela balançou ferozmente a cabeça. — Se você diz que eu o traí, acredito. Mas não por aquele homem. Não. Jamais! Ela viu a surpresa na expressão dele, o surgimento da insegurança. — Como pode ter tanta certeza? — Ele é tenebroso! — Talvez você não pensasse assim antes. Você mudou depois do acidente, Eve. Ela mordeu o lábio, baixando o olhar para o top cor-de-rosa e a simples saia bege. Sugeriu em um tom baixo de voz: — Você me achava mais atraente antes? Inesperadamente, ele lhe pegou a mão por cima da mesa. — Não. Você era egoísta e fria, só se importava com você. Agora... — Ele respirou fundo. — Está diferente. Importa-se com outras pessoas. É amorosa e bondosa, e loucamente sensual. Tentei não desejá-la, Eve. Tentei não me importar. Tentei. E fracassei. O coração dela estava na garganta ao olhar para ele, e havia lágrimas em seus olhos. Ela respirou fundo. — Amo você, Talos — ela sussurrou. — Seja lá o que eu tenha sentido por você no verão passado... estou apaixonada por você agora. A mão dele estremeceu sobre a dela. Ele começou a retirá-la, mas Eve o impediu, apertando-Ihe a mão contra o rosto. — E sinto muito — ela murmurou para a pele dele, pressionando os lábios contra as costas de sua mão. — Por favor, me perdoe. Ela sentiu a mão de Talos tremer, mas, em vez de se afastar, ele lhe tomou uma das mãos nas dele. Ao erguer o olhar, ela se assustou com o peso da emoção que brilhava nos olhos dele. Pigarreando, ele olhou à volta, pelo elegante e vazio restaurante. — Vamos tomar café em algum outro lugar. Olhando para o rosto dele, ela sentiu o coração pular do peito. Subitamente, soube que tudo ficaria bem. Já sabia o motivo para tê-la tratado tão mal, mas Talos finalmente lhe dissera a verdade, algo que poderia ser curado. Ele poderia perdoá-la. Eve não pararia de tentar até que ele a perdoasse... e até que ela se lembrasse do motivo que a levara a fazer aquilo. E eles poderiam se tomar uma família. Enxugando as lágrimas do rosto, ela assentiu. Ainda segurando-lhe a mão, Talos jogou um grande maço de notas sobre a mesa e, em seguida, levou Eve para o lado de fora, onde o sol brilhava. O sol da Grécia já começava a ficar branco. Mas, quando atravessaram a movimentada rua, a manhã se tomou algo revigorante e novo para Eve. A alegria estava por toda parte. Talos lhe segurava a mão apertadamente enquanto a levava através do tráfego, protegendo o corpo dela com o seu. Eles se apressaram, passando por antigos prédios de pedra branca encravados entre novas lojas de bugigangas. Ela viu jovens mães brincando com seus filhos nas sacadas cheias de roupas penduradas para secar ao sol, 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas senhores idosos fumando enquanto jogavam xadrez. Palmeiras balançavam acima deles, fornecendo abrigo do calor da manhã ao entrarem na Platéia Avissynías, um bazar a céu aberto cheio de música, do sibilar da fritura e do cheiro de souvlaki e de pessoas pechinchando em voz alta nas bancas, comprando de tudo, de jóias a tapetes turcos. E Eve subitamente soube que a felicidade esperava por eles a cada esquina que dobravam. — Sinto muito por ter acabado com a sua fortuna — ela disse ao chegarem à praça. Talos a olhou, surpreso. Então, puxou-a para seus braços com um repentino sorriso infantil que o deixou tão belo que Eve perdeu o fôlego. — Você tentou me arruinar — ele ressaltou. — Mas, no final, a atenção da imprensa apenas revelou nossa integridade. Minha empresa vale mais agora do que nunca. — Então, na verdade — ela provocou —-, você deveria me agradecer. Na calçada, ele a puxou para mais perto, seu corpo rígido contra o dela. Subitamente, o tráfego e todas as pessoas desapareceram. Os olhos dele estavam escuros. Famintos. Ele a puxou para si, acariciando-lhe o rosto. — Obrigado. E, quando ele baixou sua boca para a dela, beijando-a tão profunda e puramente, Eve soube que o amaria... para sempre.
Nada havia mudado. E, no entanto, tudo havia mudado. Quando Talos olhou para o lindo rosto dela, no movimentado mercado ao ar livre, os olhos de Eve ainda estavam fechados. Seus lábios, inchados e intumescidos do beijo. Ao baixar a cabeça para beijá-la novamente, ele mal ouviu seu celular tocar no bolso. Pegou-o e olhou, praguejando suavemente quando viu que era seu assistente, sem dúvida ligando a respeito do negócio de Sidney. — Com licença — ele disse, realmente lamentando. — Preciso atender. Os belos olhos dela sorriram para ele. Aceitando-o, com todos os seus defeitos. Pedindo apenas que ele também a aceitasse. Ela era a culpada. Ela o amava. Como era possível? — Tudo bem — ela sussurrou. — Eu vou... bem... dar uma olhada no mercado até você terminar. — Fique onde Kefalas possa vê-la. Ela mordeu o lábio róseo e intumescido, e Talos percebeu que ela não gostava da intrusão de um guarda-costas, mesmo à distância. Por um momento, ele se sentiu tentado a ignorar a ligação do assistente, esquecer o acordo bilionário e se oferecer para ser o guarda-costas particular dela. Então, ela suspirou. — Certo. Talos observou enquanto ela perambulava rumo ao mercado. Mesmo com aquela larga saia de algodão, ele admirou seu traseiro. Admirou seu cabelo escuro e sedoso, sua beleza natural perfeita. Seu amor docemente inocente por ele. Amo você, Talos. Seja lá o que eu tenha sentido por você no verão passado... estou apaixonada por você agora. O toque incessante do telefone finalmente lhe penetrou a consciência, forçando-o a atender. — Xenakis. — O acordo de Sidney está fechado — o assistente disse, feliz. — A diretoria deles acabou de votar a favor da venda. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Ótimo — ele disse, mas não estava prestando atenção. Observava sua bela esposa caminhar pelo mercado, parecendo tão feliz, tão interessada no mundo à volta dela. Ele estava prestes a desligar. Então, subitamente, parou. — Mande Mick Barr investigar Eve. A voz do assistente era bem-treinada demais para demonstrar surpresas. — Investigar a sra. Xenakis? — Mande-o descobrir como o pai dela morreu. Ver se há motivo para isso ter alguma ligação comigo. Quando Talos desligou o telefone, seu olhar se demorou sobre Eve, tão linda e natural com o top rosa e a saia de algodão. Em vez de saltos finos, ela estava explorando a cidade, explorando a própria vida, usando sandálias rasteiras que haviam sido claramente feitas para andar. Seu rosto radiante e feliz, outrora tão pálido, começava a ficar bronzeado com o sol. Ele pensara em usar a amnésia contra ela. Jamais imaginara que sua inocência e seu calor o afetariam daquela forma. Sentia-se atordoado pela ternura dela, por seu amor. Sinto muito. Por favor, me perdoe. Ele fora vencido pela sinceridade, pela vulnerabilidade dela. Ela aceitara a culpa por uma traição da qual não conseguia sequer se lembrar. Escolhera acreditar nele. Confiar nele, quando tudo o que ele fizera fora mentir para ela, enganá-la, castigá-la. Aquilo era suficiente para pôr qualquer homem de joelhos. Talos começou a caminhar na direção dela, mas deu apenas alguns poucos passos até que o telefone em sua mão tocou. Viu o número de seu detetive e atendeu. — Foi rápido. — Posso lhe falar sobre sua esposa neste instante, sr. Xenakis. — Barr parou. — O nome Dalton Hunter significa algo para o senhor? O corpo inteiro de Talos ficou quente e, em seguida, gelou. Ele mal percebia as pessoas que iam e vinham à volta dele enquanto sua mão apertava com mais força o telefone. — Dalton Hunter? — ele repetiu com uma voz embargada. — Ele morreu em um acidente de carro quando Eve tinha 14 anos. Poucos meses depois, a mãe dela se casou novamente, com um rico aristocrata britânico. Ele a adotou. E ela ficou com o nome dele. O coração de Talos esmurrava na garganta. Ele viu pássaros pretos planando no céu azul acima da cidade e, por um momento, achou que estava enlouquecendo. Dalton Hunter... pai de Eve? — Como nunca fui informado disso? — ele disparou. — Sabemos disso há meses, chefe, mas o senhor disse que não queria ouvir falar de Eve. Só queria que nós a encontrássemos. Contraindo o músculo do maxilar, Talos olhou para Eve do outro lado do mercado. — A mãe também não viveu por muito mais tempo. Morreu poucos meses depois de ter levado a garota para a Inglaterra. Algum problema do coração. Problema do coração, ele pensou. A mulher de Dalton. E ele sabia exatamente quando o problema no coração de Bonnie Hunter havia começado. — Certo — ele disse. — Obrigado pela informação. Fechou o celular. Baixou o olhar para as mãos, que haviam se cerrado em punhos. Durante todos aqueles meses, ele pensara que Eve o perseguira compelida por um desejo mercenário por dinheiro... ou por amor a Jake Skinner. Pensara que ela fosse fútil e fria. Estivera enganado. Eve provavelmente planejara aquilo desde que tinha 14 anos. Subitamente, Talos pensou de forma nova e atemorizante sobre os livros que vira no quarto dela. Como 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas conseguir seu homem? A vida inteira dela, desde a morte do pai, seu objetivo fora se vingar do homem que ela pensava ter destruído seu pai, arruinado sua família. Provavelmente, estudara as modelos e atrizes com que Talos saía. E as imitara. Era tudo uma fachada cuidadosamente construída. Ela o fizera perfeitamente, até o mínimo detalhe. A não ser por uma coisa... Ao contrário das outras mulheres que ele tivera, ela sempre permanecera emocionalmente distante. Agora, ele sabia por quê. Como ela deveria tê-lo odiado. Ele olhou para ela em meio à multidão, observando o brilho de seu sorriso enquanto ela olhava pequenos sapatinhos de tricô para bebê em uma barraca. Dalton teria dito à filha que era inocente. Teria insistido na idéia de que ele fora o prejudicado, dito que Talos se voltara contra ele em beneficio próprio. Dalton era encantador e manipulador. Fora assim que ele desfalcara os próprios acionistas em quase dez milhões de dólares antes de um informante alertar Talos a respeito do roubo. Eve acreditaria nele se ele lhe contasse a verdade? Sim, certamente o perdoaria. Ele começou a caminhar na direção dela. E parou. Teria que lhe contar a verdade sobre os pais que ela idolatrava, duas pessoas que já estavam mortas. Aquilo partiria seu coração. E faria diferença? Se recuperasse a memória, ela o odiaria do mesmo jeito. Não faria diferença se ele lhe contasse a verdade. Depois de uma vida inteira de amor pelo pai, nenhuma explicação que Talos lhe desse poderia fazer frente a isso. E, justa ou injustamente, ela o odiaria por destruir suas lembranças e crenças mais queridas. Se ela recuperasse a memória, ele a perderia. Completamente. Para sempre. Era simples assim. Talos fechou os olhos. Na última vez em que vira Dalton Hunter, o homem estava bêbado ao se esbarrarem em um hotel em Nova York. — Você me arruinou, seu desgraçado! — Dahon gritara, cambaleante. — Eu lhe ensinei tudo, resgatei você da sarjeta, e é assim que retribui. — Você estava roubando de seus acionistas — Talos respondera friamente. Fora embora sem se sentir culpado, sabendo que fizera a coisa certa. O homem infringira a lei e estava recebendo o que merecia. Talos não se sentira culpado. Nem depois que Dalton se lançara com seu Mercedes no rio Hudson. Ele cometera uma traição... e não apenas com relação a seus acionistas. Talos acreditara que a justiça fora feita. Jamais pensara na filha que Dalton deixara. Jamais buscara saber como a viúva do homem estava. No primeiro ano de Talos na América, ele fora à mansão dos Hunter em Massachusetts para o jantar de Ação de Graças. Ele se lembrava da felicidade de Bonnie ao beijar Dalton, momentos antes de servir o peru que ela prepara com tanto carinho. A filha deles... Evie... era apenas uma garotinha gorducha, que lia livros e comia maçãs em uma casa de campo nos arredores de Boston. Eve se transformara completamente desde então. Mas agora que estava grávida e suas feições haviam se suavizado com curvas mais leves e femininas, Talos conseguia, pela primeira vez, ver a semelhança com a menina que ela fora. Deus, era ele quem tinha amnésia, mas por escolha própria. Com o escândalo que se seguira à morte de Dalton, sem ter sobrado dinheiro algum, Bonnie Hunter voltara para sua casa, na Inglaterra. Com o louco amor que sentia por Dalton, como teria sido para ela se casar com John Craig depois da morte dele, para garantir o futuro de sua única filha? Morreu poucos meses depois de ter levado a garota para a Inglaterra. Algum 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas problema do coração. Problema do coração? Não! Thee mou. Ele correu os dedos pelo cabelo escuro, repentinamente suando na fresca manhã. Ninguém mais morria de coração partido. Ele olhou para o mercado, para Eve. Eles haviam simplesmente se vingado. Durante dez anos, ela devia ter moldado sua personalidade, mudando a aparência, recriando sua identidade para poder se aproximar dele... para a retribuição. Ela fora ao baile beneficente em Veneza de braços dados ao rival dele apenas para lhe chamar a atenção. Propositadamente, se dispusera a seduzi-lo, para poder apunhalá-lo no coração. Era o tipo de ódio que ele jamais imaginara em toda a sua vida. E, agora, ela estava grávida, esperando um filho dele. Não era de se admirar que ela tivesse batido com o carro ao descobrir que estava grávida. Nem que sua mente traumatizada tivesse se apagado completamente. Era como uma pessoa gravemente ferida entrando em coma. Era para garantir a sobrevivência. Ele a observava no mercado ao ar livre, rindo e pechinchando dois pares de sapatinhos de bebê, um rosa e um azul. Seu rosto estava lindo e vivido. Com a nova plenitude feminina do peso da gravidez, ele reconheceu a menina que ela fora. Ela parecia tão vivaz, tão radiante e inocente. Durante todo aquele tempo, ele pensara que aquela versão de Eve era uma ilusão. Estivera errado. Aquela... aquela era a verdadeira Eve. Era assim que ela teria sido se tivesse crescido sem a mágoa e a dor. Aquela era a mulher que ela teria se tomado se Talos não lhe tivesse tomado tudo quando ela tinha apenas 14 anos. Subitamente, ele perdeu o fôlego. O ar lhe faltava. Sentiu-se sufocado. Arrancou a gravata. Se ela recuperasse a memória... Ela odiaria não apenas a Talos; odiaria o bebê deles. Repentinamente, Eve se virou, como se tivesse sentido o olhar dele. Os olhos deles se encontraram em meio à multidão. A expressão dela estava tomada pela alegria. Seus olhos violeta brilhavam de adoração e amor, suas bochechas estavam rosadas como rosas da primavera. Ela era a mulher mais maravilhosa que ele já conhecera. A amante perfeita. A esposa perfeita. A mãe perfeita. E, naquele momento, Talos tomou uma súbita e dolorosa decisão. Lentamente a princípio e, então, mais rápido, ele cruzou o mercado. Tomando Eve nos braços, em silêncio, ele a beijou loucamente. Ela retribuiu o beijo e se afastou com uma risada. — O que foi? — Subitamente franzindo o cenho, ela estudou a expressão dele. — Algo errado? — Nada. — E ele se certificaria de que nada, nunca mais, estivesse errado para ela. Talos a abraçou fortemente contra o peito, aconchegando-a como se jamais pretendesse soltá-la, beijando-Ihe o cabelo. Não podia perdê-la. Não suportaria perder aquele anjo precioso e radiante que surgira em sua vida como um milagre. Sabia que não a merecia. Mas não podia deixar que ela voltasse a ser a pessoa que fora, outra alma amargurada e empedernida naquele mundo frio e cinzento, em busca de vingança, de retribuição. Chamando isso de justiça. Pela primeira vez em sua vida, Talos não se importou com a justiça. Em vez disso, rezava por misericórdia. Aonde ele poderia levá-la? Onde poderia mantê-la a salvo, longe de qualquer um que pudesse fazê-la se lembrar da verdade? Em que lugar poderiam se esconder onde nenhuma lembrança antiga jamais os emboscasse? Segurando a mão de Eve com força, ele a levou embora do mercado. — Aonde vamos? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Para casa — ele disse subitamente. — Vou levá-la para casa. — Para o apartamento? — Para Mithridos. — Ele respirou fiando, e uma nuvem de medo se dissipou. Minha ilha. Para salvar sua família, para salvar todos eles, Talos tinha que rezar para que ela jamais se lembrasse... de nada.
CAPÍTULO DEZ
O SOL brilhava, quase cegante contra a branca villa palaciana. Olhando entre o céu e o mar, Eve pensou que jamais havia visto tantas tonalidades de azul: turquesa, cobalto, índigo. Enquanto ela se espreguiçava na cadeira ao lado da piscina, o céu parecia se misturar ao mar abaixo. Deixando de lado o livro sobre gravidez, ela observou as ondas do Egeu arrebentarem nas areias brancas. Só estavam ali havia poucas horas, mas ela já se trocara alegremente e usava um novo biquíni floral amarelo e uma canga transparente em tom rosa. Tinha um armário cheio de roupas confortáveis e bonitas, que haviam sido levadas para lá por sua assistente em pessoa. Dobrando os dedos do pé de pura felicidade, ela fechou os olhos, deleitando-se com a sensação do calor do sol em seu rosto e seu corpo. E ela não era a única que parecia gostar daquilo. Seus olhos se abriram e ela engasgou, pondo as mãos sobre a barriga que crescia lentamente. Ela havia sentido...? Aquilo era...? — Bom dia, koukla mou. Ela olhou para trás e viu Talos no terraço. Ele usava apenas seu short de banho e segurava uma bandeja com dois copos de água cintilante e dois pratos com sanduíches e frutas. Eve sorriu para ele, apesar de não estar com muita fome. Ao menos não por comida. Talos era tão belo, ela pensou, com seu peito bronzeado e musculoso, seus antebraços fortes e pernas grossas cobertas por pelos escuros. Ela ainda não entendia bem que tipo de urgência os levara até Atenas, mas ele estava sendo tão amoroso e encantador que fora impossível recusar a vontade dele de levá-la para casa. Desde a chegada deles à ilha, naquela manhã, ele se esforçara para deixá-la confortável ali. Eve mal conseguia acreditar que agora ela era a dama de Mithridos, a luxuosa propriedade dele. A ilha grega particular, próxima ao litoral da Turquia, só era acessível por iate, hidroavião ou helicóptero. Os diversos empregados que cuidavam da enorme villa branca já haviam desaparecido depois de terem cumprimentado Eve respeitosamente como a nova mulher de Talos. Agora, seu marido avançava no terraço, deixando de lado a bandeja e beijando-a suavemente no rosto. — Você gosta? Como se houvesse algum jeito de não gostar! 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — É como um sonho — ela disse suavemente enquanto ele se sentava a seu lado, suas coxas quentes contra as pernas dela. — E um conto de fadas. Adorei. — Ótimo. — Havia algo oculto em seus olhos pretos, algo que ela não conseguia decifrar, algo mais que a mera satisfação do lar. Ele pegou uma rosa de caule longo do vaso na bandeja e tocou as suaves pétalas contra a pele de Eve, aquecida pelo sol. Quando ela sentiu a fragrância doce, ele disse calmamente: — Quero que você seja feliz. Quero criar nossos filhos aqui. — Filhos? — Na mente dela, surgiu a súbita imagem de tomar aquele lugar um lar permanente, criando uma grande e feliz família, cuidando de filhos que tinham o sorriso do pai. — Quantos filhos? — Dois? — Seis? — ela respondeu, bem-humorada. Ele baixou o olhar para ela, seus olhos escuros sorriam. — Podemos encontrar um meio-termo. Três. — Certo. — Ela se apoiou nele com um suspiro satisfeito. — Estou tão feliz aqui — confessou. — Não quero ir embora nunca. Ele abriu um sorriso. — Então, não iremos. — O que você tem em mente? — ela provocou. — Uma lua de mel infinita? Ele se inclinou para beijá-la leve e ternamente nos lábios. — Exatamente. Talos foi até a mesa de granito branco e tirou os dois pratos da bandeja. Ele os preparou com talheres de prata e guardanapos de linho. Levou os dois copos de água para as cadeiras e entregou um a Eve. Ergueu o próprio. — À mulher mais bela do mundo. Enrubescendo de prazer, ela tocou seu copo no dele. — Ao homem mais maravilhoso do mundo — ela ;disse suavemente. — Obrigada por me dizer a verdade. Obrigada por me perdoar. Obrigada por deixar aquilo tudo para trás e me trazer para casa. Ele franziu o cenho e desviou o olhar. Então, ela subitamente se empertigou na cadeira. Com uma gargalhada, pôs as mãos na barriga. — Acho que senti o bebê se mexer! — Sentiu? — Ele pôs a mão na barriga dela. Esperou. — Não sinto nada. — Talvez eu tenha me enganado — ela disse, incerta. — E algo novo para mim. — Ela se esforçou para sentir novamente aquela batida que parecia música dentro dela, como bolhas de champanhe lhe fazendo cócegas na barriga. Então, ouviu, e gargalhou de felicidade. — Sentiu isso? — Não. Ela tirou a canga. Pressionando a mão dele contra seu ventre nu, ela observou o rosto de Talos enquanto ele esperava, visivelmente tenso, como se não houvesse nada mais importante para ele no mundo do que estar com ela, do que esperar para sentir seu filho se mexer dentro dela. Os olhos de Eve percorreram o belo rosto do marido. Será que alguma mulher tinha mais sorte do que ela no amor? Mas, uma voz dentro dela sussurrou, ele ainda não disse que ama você. Não precisava ouvi-lo dizer, ela respondeu firmemente à voz. Suas ações mostravam que ele se importava. Ela não precisava de palavras. Ou precisava? — Ainda não sinto nada. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas — Vai sentir — ela disse, abafando uma risada. — Mas pode demorar um pouco. O livro que eu estava lendo diz que pode levar mais um ou dois meses até que se possa sentir pelo lado de fora. Mas amo saber que você se importa tanto com nosso bebê. Amo... — Amo você, ela queria dizer, mas conteve as palavras. Não podia dizê-las novamente. Não quando ele não as dissera também. — Eu... adoraria almoçar. — Estou aqui para satisfazer todos os seus desejos— ele respondeu. Ela comeu seu sanduíche inteiro e metade do dele, rindo com ele, amando-o. Sentia-se faminta. Feliz. Passaram o dia caminhando pela praia, próximo à villa. Eve sentia os olhos de Talos sobre ela a todo momento. Com as ondas azuis batendo nos tornozelos deles, ele a beijou. Prendendo a respiração, ela ergueu o olhar para ele. A pele bronzeada de seu peito nu brilhava quando gotículas de água do mar desciam pelos vales e montanhas daquele corpo musculoso. — Nunca pare de me beijar — ela implorou. Sem aviso, ele a tomou nos braços, erguendo-a contra si, pele a pele. — Pretendo passar minha vida inteira beijando você. Ele a carregou para longe da praia como se ele não pesasse nada, caminhando de volta à villa. Subiu as escadas, dois degraus por vez, levando-a para o quarto principal com vista para o oceano. Ela estremeceu de desejo. Sequer conseguiram chegar até a cama. Ao passarem pelas portas da sacada, com sua vista para o vasto mar azul, ele a beijou. Ela se contorceu em seus braços, envolvendo-lhe a cintura com as pernas enquanto o beijo se intensificava. Empurrando-a contra as portas corrediças de vidro, ele tirou o biquíni amarelo dela, enquanto as mãos de Eve puxavam-lhe a roupa de banho para baixo. Eles se beijaram freneticamente, suas mãos tocando tudo, desesperados para ficarem mais próximos. Ao beijar a pele nua dele, acariciando-lhe o corpo musculoso, ela sentiu o gosto de sal, sol e mar. Com um grunhido, ele a pôs de pé no macio tapete. Beijou-lhe o vale entre os seios, descendo até a barriga, afastando as coxas para alcançar-lhe o íntimo. Ela soluçou quando ele a abriu, movimentando a língua até Eve pensar que enlouqueceria. Ela se sentiu envolvida por um calor profundo. Sentiu a língua de Talos lhe adentrar e se curvou, sabendo que estava prestes a explodir, desesperada para se segurar por apenas mais um minuto. — Não — ela sussurrou, puxando-o para cima. — Dentro de mim. Não foi necessário outro convite. Rolando, ele a ergueu acima de si. Por um momento, Eve não conseguiu se mexer. Ele a preenchia tão profundamente! Ela arfou com o doce êxtase ao se movimentar para a frente e para trás sobre ele. Ouviu a respiração ríspida dele, viu a severa necessidade no rosto de Talos quando ele a incentivou a controlar o ritmo. Ela o segurou apertadamente, seus corpos como um só, ambos arfantes e suados, E, com uma última investida, ela explodiu. — Eu amo você! — ela gritou. — Amo você! — Eu AMO você! Ao olhar abruptamente para Eve quando ela disse as palavras, com seu corpo à volta dela, dentro dela, Talos se sentiu tão profundamente incrustado na alma dela que não conseguia mais negar. Nem para si mesmo. Eu amo você. Fazer amor com ela em Atenas fora explosivo, maravilhoso. Mas, agora, era ainda mais. Quando ele a ouviu arfar as palavras, não conseguiu mais se conter e se derramou dentro dela com um grito. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Abraçando-a depois do ato, ele percebeu por que aquilo era diferente de tudo o que já sentira antes. Não apenas fazia amor com Eve. Ele a amava. Ao olhar para sua bela e grávida esposa, seu coração disparou no peito. Ele a amava. Ela o trouxera de volta vida, o fizera sentir e ver as coisas de forma totalmente diferente. Ele a amava. Morreria se a perdesse. E rezou para que ficassem ali para sempre, felizes, ocultos do mundo, onde ele jamais teria que ter medo de ela se lembrar... Subitamente, ela gritou com uma voz rouca, que nada tinha a ver com prazer. Cobrindo o rosto, ela rolou para longe dele. — Eve! — Ele a aconchegou de volta contra seu peito nu, tentando ver-Ihe o rosto. Quando ela finalmente o encarou, havia lágrimas correndo por suas faces. — Tive outra lembrança. — A voz era como um gemido. O medo dominou o coração dele. — Qual? — Eu me lembrei de quando roubei os documentos do seu cofre. Entreguei a Jake Skinner naquele restaurante, exatamente como você tinha dito. Depois, fugi de Atenas e continuei me escondendo. Não queria que você me encontrasse nunca mais. Odiava você. — O rosto dela parecia chocado, os olhos se enchendo de lágrimas enquanto ela perguntava: — Por quê? Por que eu o odiava tanto? Talos sentiu o coração lhe subir à garganta. Olhou para ela, sem conseguir falar. — Diga por que eu odiava você! — ela gritou. — Eu... eu não sei — ele mentiu, querendo proteger a esposa. Cobrindo o rosto, ela se afastou dele, se encolhendo em posição fetal. — Não importa. — Ele a forçou a rolar de volta. Encarou-a. — O passado não importa. Não mais. Tudo o que importa é o futuro. Nosso bebê. — Você me ama, Talos? — ela sussurrou. Ele não esperava aquela pergunta. Sim, ele começou a dizer. Eu amo você. Mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Jamais as dissera a alguém. Eu amo você. E estou morrendo de medo de perdê-la. Quando ele não respondeu, ela respirou fundo. Talos viu a tristeza no rosto dela e soube que a magoara no momento em que ela mais precisava ser confortada. — Eve... — ele sussurrou. Inclinou-se para a frente para beijá-la. Então, parou. Pensara que, ao levá-la a Mithridos, um lugar que Eve jamais vira antes, pudesse protegê-la das lembranças. Mas não haviam sido as paisagens de Veneza ou de Atenas que tinham feito as lembranças dela retomarem. A primeira retomara depois de beijá-lo na ponte Rialto. Imediatamente após fazer amor com ele em Atenas, com tamanha alegria, ela fora arrasada por memórias sombrias da morte do pai. E, agora, logo quando haviam feito amor pela segunda vez, ela se lembrava do ódio que sentira por ele. Lembranças haviam retomado depois de ele tê-la beijado. Depois de ele ter feito amor com ela. Naquela noite, ele a tomou nos braços enquanto ela pegava no sono ainda chorando. Ele sabia que aquilo era terrivelmente inadequado, mas não conseguiu fazer mais nada. Queria fazer amor com ela. Queria lhe dizer a verdade. Não podia fazer nenhuma das duas coisas. Finalmente, depois que ela dormiu, ele não conseguiu mais agüentar. Levantando-se da cama, olhou para as portas abertas para o terraço enquanto a brisa quente balançava as cortinas. Olhou para a luz da lua cheia que flutuava contra as escuras ondas do Egeu, como fantasmas perdidos, presos à terra por teias invisíveis. Pensara que poderia mantê-los a salvo ali, longe do mundo. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Estivera enganado. Se quisesse salvar sua família, não poderia jamais fazer amor com ela novamente. Jamais sequer beija-Ia. Pois, se o fizesse, ela se lembraria de tudo, e ele a perderia. A dor dominou Talos. Ele lançou um último olhar para sua esposa nua e grávida, que dormia na cama. Deleitou-se com sua doce beleza, mesmo com a alma angustiada pelas marcas das lágrimas no rosto dela. Observou o rosa da alvorada tomar lentamente o quarto. Então, com os punhos cerrados, deixou-a dormindo sozinha.
CAPÍTULO ONZE
Como tudo dera tão errado? Um mês depois, Eve ainda não conseguia entender. Morava em uma incrível villa grega em uma ilha particular. Era casada com o homem mais lindo do mundo e esperava um filho dele. Estava feliz, saudável, vivendo luxuosamente sob o sol do mar Egeu enquanto empregados faziam todas as suas vontades. Mas, no último mês, Talos não a tocara. Estivera sozinha em seu casamento. Sozinha na vida. Nunca se sentira tão triste. Apesar de viverem na mesma casa, levavam vidas separadas. Talos trabalhava no escritório durante as noites, indo para a cama bem depois de ela já ter dormido, ou, ainda pior, sequer indo para a cama, apenas dormindo no sofá do escritório. Eve fizera tudo em que conseguira pensar para tentar recuperar o interesse dele. Usava roupas bonitas, como o vestido de algodão rosa que usava naquele instante. Aprendera a preparar os pratos favoritos dele. Lia jornais para aprender sobre os assuntos de interesse dele — basquete e negócios —, tentando agradá-lo, iniciar conversas, estar disponível quando ele a desejasse. Tudo em vão. O problema era que ele não a desejava. Desde o primeiro dia em Mithridos, quando haviam feito amor de forma tão apaixonada e maravilhosa, ele nunca mais a tocara. Não a abraçara, Não chegara por trás dela e a envolvera em seus braços, beijando-lhe o pescoço. Sequer a beijara. Mal olhava para ela! Depois de um mês sendo evitada e ignorada, Eve estava com o coração partido. Perguntara por diversas vezes o motivo a Talos, se fizera algo que o deixara com raiva. De início, ele pusera o assunto de lado, dando uma desculpa. Agora, apenas a evitava completamente. Estava escondendo algo. Castigando-a por algo. O quê? O que ele pensava que não poderia contar a ela? — Bom dia, sra. Xenakis. Eve quase deu um salto quando ouviu a voz com forte sotaque da governanta atrás de si. — Bom dia. A gorducha senhora pôs a bandeja com frutas, ovos, torrada e chá sobre a mesa de pedra. — Tenha um ótimo café da manhã. Eve subitamente relembrou o almoço que compartilhara com Talos ali, no terraço, no 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas dia em que haviam chegado à ilha. Onde as coisas haviam saído errado? Do que ela precisava se lembrar? — Onde está o sr. Xenakis? — ela perguntou. — Creio que esteja em seu home office, senhora. Quer que eu leve alguma mensagem? Outra mensagem que ele poderia ignorar? Eve balançou a cabeça. Olhando para o mar, respirou fundo. Sua ultima lembrança não fora agradável. Quase tinha medo de saber o que mais havia para se lembrar. O que poderia ser pior? Talos não queria lhe dizer. Mas seu silêncio no mês que se passara dizia muito. Ela fizera algo mais. Algo que ele não perdoaria. Eve precisava se lembrar! Ou poderia perdê-lo, junto com a chance de se tomarem uma família, antes mesmo de o bebê nascer. Ela se voltou para a governanta. — Tem outro computador na casa? Com conexão à internet! — No escritório, sra. Xenakis. — Mas não quero incomodar meu marido. Tem outro? — Há um nos meus aposentos, senhora. É bem-vinda para usá-lo. — Obrigada — Eve respondeu, aliviada. Pegando o prato com seu café da manhã, levantou-se. — Você se importaria se eu o usasse agora? Sentada na aconchegante suíte da governanta dez minutos depois, mordendo uma maçã enquanto olhava para a tela, Eve mal começara sua busca quando ouviu uma voz irritada atrás de si. — Que diabos pensa que está fazendo? Chocada, ela girou na cadeira para encarar Talos. — Oi — ela disse, tentando parecer calma, apesar de seu coração ter acelerado no peito. Ele estava mais lindo do que nunca, com uma camiseta preta e uma calça jeans escura. Ela abriu um sorriso trêmulo. — Estou feliz por vê-lo. — A sra. Papadakis disse que você estava aqui — ele respondeu friamente. — O que está fazendo? O sorriso desapareceu. — Como minha memória não voltou, quis tentar fazê-la pegar no tranco fazendo uma busca pelo nome na internet, para ver se descubro... — Não gosto que se esconda aqui. Esconder? — Não quis incomodá-lo no escritório — ela explicou calmamente. — A governanta foi gentil e me deixou usar o computador dela. Como pode me acusar de me esconder na minha própria casa? Ela começou a se virar de volta à tela do computador, mas ele a segurou pelo ombro. Seus olhos estavam sombrios, quase assustadores, quando ele disse: — Não. — Por quê? — Você deveria estar descansando, não tentando pesquisar um passado que não importa. Deveria estar re-decorando o quarto do bebê, se concentrando em nosso futuro juntos e permanecendo saudável pelo bebê. — É mesmo? — ela disse apaticamente. — Se você tivesse demonstrado um pouco de interesse em mim ou no bebê neste mês que passou, saberia que terminei o quarto dele há uma semana. Mas, não. Tem me evitado, como fez assim que nos casamos. E, como você não fala comigo, esta é minha única opção para descobrir por quê! — Não importa! Deixe isso para lá! — Não posso! Não com você sem falar comigo, sem me tocar, sem sequer olhar para mim! — Eu lhe dei tudo o que uma mulher poderia querer! Não é suficiente para você? 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ela balançou a cabeça enquanto lágrimas de raiva lhe subiam aos olhos. — Estou em uma linda villa, esperando um bebê... mas estou fazendo tudo isso sem o meu marido! Você me abandonou aqui! Por quê? Por que não pode simplesmente me dizer o motivo? Ele começou a dizer algo, mas parou. Eve conseguia ver a pulsação tensa no pescoço de Talos quando ele se afastou abruptamente. — Vai se aborrecer por nada. Estou ocupado com o trabalho, só isso. — Não me acha mais atraente? — Ela balançou a cabeça, humilhada e desesperada. Sua voz estava trêmula ao revelar seu maior medo: — Ou há outra mulher? Ele a encarou, semicerrando os olhos. — E isso o que você acha? — A voz dele estava grave, furiosa. — Acha que eu a trairia assim? — O que mais posso pensar quando você... — Você é a única mulher que desejo — ele deixou claro. — A única mulher que desejarei pelo resto da minha vida! — Então, por quê? Não entendo! — Este último mês quase me matou! — ele gritou. — Cada dia é pior que o anterior, vendo você bem na minha frente e sabendo que não posso tê-la. E como ser lançado no inferno! — Mas estou bem aqui — ela sussurrou. — Por que não me toca? — Se eu fizer isso — ele disse numa voz tão baixa que ela quase não ouviu —, perderei você. Aquilo não fazia sentido. As lágrimas escorreram pelo rosto de Eve sem que ela percebesse. — Por favor, Talos. Preciso de você. Os olhares se encontraram. Então, com um explosivo xingamento, ele se rendeu. Tomando-a nos braços, ele a beijou, murmurando palavras em grego. Seu abraço era quente, temo, cheio de desejo angustiado e arrependimento. — Ah, Eve... Não consigo afastar você — ele sussurrou, olhando-a nos olhos com uma expressão de dor e ansiedade. — Custe o que custar, aconteça o que acontecer, não posso mais magoá-la.
Já fazia um mês que Talos estava angustiado. Desejando Eve, mas sem poder tê-la. Amando-a, mas sem poder lhe dizer isso. Teria conseguido suportar a própria dor. Para sempre. Mas, ao ver a mágoa no lindo rosto de sua esposa, sua determinação se partira. O terror o percorrera quando ele vira Eve diante do computador, onde, sabia Talos, ela poderia acabar descobrindo tudo. As lágrimas dela imploravam por algo que deveriam, por direito, lhe pertencer: o amor e a atenção dele. Tomando-a nos braços, ele a levou escada acima, para o quarto. Colocou-a gentilmente na cama, a cama que eles deveriam ter compartilhado no mês que se passara. Ela o olhou, seus olhos brilhando com as lágrimas. Ele sentiu a doce flâgrância de baunilha do cabelo dela, a suavidade de sua pele. Viu a mão de Eve tremer ao ser erguida para tocar-lhe o queixo. —Talos... Ele fechou os olhos. Acontecesse o que acontecesse, ele não conseguiria mais resistir. Desejava a esposa. Precisava dela. Amava Eve. Ele tirou o vestido dela. Tirou a própria camiseta e o jeans. Os olhos de Talos absorveram avidamente a visão de Eve com sua calcinha e seu sutiã brancos, transparentes. Olhando nos olhos dela, ele finalmente falou as palavras que, havia muito, estavam 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas escritas em seu coração. — Eu amo você, Eve. Ela respirou fundo, buscando o olhar dele. Querendo acreditar. Precisando acreditar. E ele a beijou. Os lábios dela o marcaram até a alma. Do fundo de seu coração, ele a amava. E tudo o que queria era tomar real o juramento que fizera um mês antes; queria passar o resto de sua vida beijando Eve. Tocou-lhe a pele nua, bronzeada de tantos dias passados ao ar livre. Acariciou-lhe o corpo inteiramente, adorando-a com as pontas dos dedos, com as mãos, com a boca. Estava rígido e ansioso por ela. — Você me ama — ela repetiu, maravilhada e feliz. — Você me ama? — Demais. Meu coração será seu para sempre. Talos beijou-lhe a testa, as pálpebras, as bochechas, a boca. Com um gemido, acariciou-lhe o corpo, pressionando as pernas entre as coxas de Eve. Quando finalmente adentrou-a, ele quase gritou com a força do prazer. Moveu-se lentamente dentro dela, saboreando cada segundo e cada centímetro de sua possessão. No entanto... era ele quem a estava possuindo? Ou era ela quem o possuía? — Amo você — ele sussurrou ao investir para dentro dela novamente. Viu o brilho da felicidade nos olhos dela e se surpreendeu ao sentir o gosto salgado de lágrimas, de suas próprias lágrimas. Abraçou-a com ternura, se movendo profunda e lentamente dentro dela até senti-la estremecer. Acontecesse o que fosse, ele não poderia impedir. Apenas rezava para que pudesse amá-la para sempre. Fechando os olhos, realizou uma última investida. Sentiu Eve se curvar em volta dele, ouviu-a arfar. — Amo você! — ele gritou. E, quando a força de suas palavras lhe atingiram a própria alma, ele jogou a cabeça para trás e derramou sua semente dentro dela com um grito de pura felicidade. Desabando de volta na cama, ele a abraçou com força. Era o amor da vida dele. Beijou-lhe a têmpora, pondo a mão no rosto suado dela. Rezando para que, de alguma forma, eles fossem felizes. Por um segundo, pensou que pudessem ser. Então, sentiu Eve se enrijecer em seus braços. Sentiu suas mãos o empurrarem. — Fique longe de mim! — Se afastando dele na cama, ela se levantou de um pulo. — Ah, meu Deus! Ele olhou para a esposa, a mulher que estivera lhe acariciando o corpo tão alegremente meros momentos antes. A julgar pelo olhar de ódio no rosto subitamente orgulhoso dela, Talos soube que seu pior pesadelo se tomara realidade. Eve não tinha mais amnésia. Talos perdera a doce mulher a quem amava. Ele a perdera para sempre.
Quando Talos dissera que a amava, Eve pensara que morreria de alegria. Depois de tantos meses de ansiedade, ela finalmente sentira os braços de seu marido a envolvendo e o ouvira dizer o que tanto desejara. Eve conhecera uma felicidade que não achara possível ser obtida. Depois, ele fizera amor com tanta ternura com ela, com uma paixão tão profunda e intensa, que sua alma fora levada ao paraíso. Então, ele a soltara, e ela começara a cair. Cair. Cair. Cair. Atingira o chão sem paraquedas. Pedacinhos dela haviam se espatifado contra a 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas terra e as pedras. Seu corpo e sua alma se despedaçaram. — Você se lembra — ele disse. — De tudo — ela disparou. Percebeu que estava nua diante dele. E haviam acabado de fazer amor. Como ela pudera? Como? Tremendo, ela pegou o robe de seda e o envolveu nos ombros, apertando fortemente a faixa. Enxugou lágrimas de raiva dos olhos antes de se voltar para encará-lo. — Foi algum tipo de piada de mau gosto? Você destruiu minha família e, depois, me manteve aqui como uma patética escrava sexual? — Não!Não foi assim! — Levantando-se da cama, ele a segurou pelos ombros, encontrando-lhe os olhos. — Você sabe que não foi assim! Contra a própria vontade, as lembranças passaram pela mente dela. Os dois correndo juntos debaixo da chuva em Veneza. Fazendo amor com a Acrópole como pano de fundo. A maneira como ele a olhara enquanto a beijava na praia, o primeiro dia na ilha. A risada dele. A ternura. A profunda paixão à noite. Furiosamente, ela afastou as lembranças. Não pensaria naquilo. A tristeza a dominou, tão forte que quase a fez cambalear. Poucos momentos antes, nos braços dele, ela estivera tão feliz. Preenchida pela alegria do amor dele. Sentira como se finalmente tivesse um lugar no mundo, nos braços dele. Como sua esposa. Carregando seu filho. Agora, tudo o que sentia era uma perda mil vezes maior. Ainda pior do que quando tinha 14 anos, quando perdera o pai, o lar e a mãe em um intervalo de poucos meses. Por causa dele. Porque ela fracassara. Passara os últimos 11 anos planejando a vingança. Em fazer o que fosse necessário para destruí-lo. Antes que ele pudesse magoar alguém novamente, como a magoara. Em vez disso, ela traíra a memória da própria família. Falhara com todos a quem amava. Sempre prometera a si mesma que seria uma filha melhor para John Craig assim que sua vingança estivesse completa. Então, em Istambul, enquanto se escondia dos capangas de Tales, ficara chocada, horrorizada, ao ouvir a notícia da morte dele. Seu padrasto morrera sem saber quanto ela o amava. E já era tarde demais. Ela engoliu em seco, piscando para reprimir as lágrimas. Jogara 11 anos de sua vida no lixo. Talos conseguira ficar com a empresa, apesar dos documentos que ela roubara. Ele a enganara e fizera com que se casasse com ele. E, o pior, carregava um bebe dele no ventre. ― A vitória de seu inimigo estava completa. Chocada, ela tocou a própria barriga. — Não acredito — sussurrou. — Dentre todos os homens do mundo... estar grávida justo do que eu mais odeio. O que eu jurei destruir. — Eve, por favor... — Não! Não toque em mim! — Ela se virou e foi na direção da porta, desesperada para sair do quarto, se afastar dos lençóis suaves ainda quentes da paixão dos corpos deles, se afastar do cheiro dele que ainda a impregnava. Deixar para trás a felicidade inocente e explosiva que ela conhecera havia poucos minutos. — Não a culpo — ele disse calmamente por trás dela, fazendo-a parar. — Quando descobri que você era filha de Dalton, já estava me apaixonando por você. Então, eu a trouxe para a ilha. Achei que, se eu a mantivesse segura e oculta do mundo, você não se lembraria. Rezei para que não se lembrasse. Ela se virou rapidamente, o ar lhe faltava. — Para me castigar? Para conseguir a vitória? — Para ser seu marido — murmurou. -— Para amá-la pelo resto da minha vida. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas As palavras penetraram a alma dela como uma bruma, sussurrando ecos da ternura e do amor passados. Não! Jamais deixaria que ele a enganasse novamente! — Não me venha falar de amor — ela disparou, zombeteira. — Meu pai lhe deu tudo, e você o arruinou sem piedade. Para benefício próprio. — Não é verdade! — Você nunca disse quem lhe deu aquelas informações. Quem foi? — Dei minha palavra que não revelaria. — Porque foi você quem forjou aqueles documentos! Meu pai devia tê-lo abandonado, para que morresse nas sarjetas de Atenas. E é o que farei agora. Abandoná-lo... Ele a segurou pelos ombros, desesperado. — Ele era culpado, Eve, Mal posso imaginar as mentiras que Dalton contou a você, mas ele era culpado. Roubou quase dez milhões de dólares dos acionistas. Quando descobri, não tive escolha. Ele merecia a justiça! — Justiça? — Soluçando, ela lhe deu um tapa no rosto. — Ele merecia a sua lealdade! Em vez disso, você o traiu. Mentiu! — Não! — Depois que o arruinou, ele bebeu até perder os sentidos e teve o acidente com o carro. A morte da minha mãe foi mais lenta. Ela voltou para a Inglaterra para se casar e garantir que cuidariam de mim. Mas, poucos meses depois de se casar com meu padrasto, tomou um frasco inteiro de comprimidos para dormir! Soltando-a, ele baixou o olhar para ela, chocado. — Eu ouvi dizer que ela havia morrido por um problema do coração. Ela soltou uma risada de desdém. — Problema do coração! Meu padrasto a amava. Não deixaria que ninguém especulasse sobre ela ou sobre sua morte. Então, ele e o dr. Baitlett inventaram aquilo para a imprensa. Ela só tinha 35 anos. — Eve semicerrou os olhos. — Mas você está certo. Ela morreu com o coração partido. Por culpa sua. — Eve, sinto muito — ele sussurrou. — Fiz o que achei que era certo. Por favor, me perdoe... — Jamais o perdoarei. — Ela o olhou, fria e orgulhosa. — Nunca mais quero vê-lo novamente. — Você é minha esposa. — Vou dar entrada no divórcio assim que voltar para Londres. — Está esperando um bebê meu! — Criarei a criança sozinha. — Não pode me cortar da vida do meu filho! — Meu bebê ficará muito melhor sem pai do que um desgraçado infiel e traiçoeiro como você! — As lágrimas lhe subiram aos olhos, lágrimas que ela não podia mais tentar ocultar. — Acha que eu me permitiria confiar em você? Acha que eu perdoaria a mim mesma se fizesse isso? — Foi seu pai quem traiu e magoou sua família. — Você não tem provas disso — ela disse friamente. — E o único mentiroso que vejo. Você disse que me amava! — Eu amo você! —- A voz dele saiu áspera, angustiada. — Você não sabe o que o amor significa. — Agora, sei — ele disse, rouco. Esticou a mão na direção dela, a poucos centímetros de seu rosto, e, apesar de tudo, a respiração de Eve acelerou quando ela se lembrou de todos os momentos em que ele lhe acariciara o rosto. — Quando você perdeu a memória, recuperou sua inocência e sua fé. E, de alguma forma, também me fez encontrar as minhas — ele sussurrou. — Só me dê a chance de amá-la. Pode me testar como quiser. Deixe-me provar meu amor por você. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ela pensou ter visto o brilho de lágrimas nos olhos dele. Talos Xenakis, a escória do mundo, chorando? Não. Impossível. Era mais um de seus joguinhos cruéis e egoístas. ― Certo — ela disse friamente, empinando o queixo. — Vou deixá-lo provar que me ama. Desista dessa criança e jamais nos procure. Ele engasgou. — Não me obrigue a fazer isso, Eve — ele arfou. — Tudo, menos isso. — Se não o fizer, provará que não me ama — ela disse com satisfação. Começou a virar as costas. Sem aviso, ele a segurou. Puxando-a para seu abraço, Talos a beijou. Seus lábios a marcaram com o fogo do desejo e de uma melancólica ternura. Um beijo que continha a promessa de um amor que duraria para sempre. Ela estremeceu. Quando seus joelhos ficaram fracos, um frio véu de gelo lhe cobriu o coração. Ferozmente, ela o afastou. — Nunca mais toque em mim. Ainda nu, ele cerrou os punhos, encarando-a. Quando finalmente falou, sua voz saiu baixa, gutural. — Farei o que você pediu. Ficarei longe de você e de nosso bebê. Mas só até encontrar a prova de que seu pai mentiu. Quando encontrar uma evidência irrefutável, voltarei. E você será forçada a ver a verdade. Ela jogou a cabeça para trás e cruzou os braços. — Por mim, está ótimo, porque você jamais encontrará essa prova. Mas obrigada. Você acabou de me dar sua palavra de honra de que ficará longe de mim e do bebê... para sempre.
CAPÍTULO DOZE
Cinco meses depois, Eve estava sozinha diante do túmulo da mãe. Era apenas início de março, mas as primeiras cores da primavera já haviam chegado a Buckinghamshire. Os salgueiros estavam verdes e dourados ao lado do lago, despejando seus tons sobre o cemitério da antiga igreja. Eve estava com calor e sem fôlego depois de ter atravessado as colinas, vinda de sua mansão. Não que fosse terrivelmente longe, mas, aos nove meses de gravidez, todo movimento era um esforço. Até levar ao túmulo da mãe margaridas, as flores preferidas dela. Como o tempo passara tão rápido? Seu bebê chegaria a qualquer momento. Seu bebê que não teria pai. Fora um inverno muito solitário. Durante os cinco meses desde que ela deixara .a Grécia, tentara esquecer Talos. Tentara fingir que o pai de seu bebê era fruto de sua imaginação, uma lembrança de um pesadelo antigo. Mas seus sonhos não permitiam, e, em sua isolada mansão, ela tivera um sonho ardente atrás do outro, sonhos que a faziam suar e gritar por Talos enquanto dormia. Tentara se perder na vida social que deixara para trás, os almoços com amigos em 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Londres e as viagens de compras a Nova York. Mas aquilo tudo apenas a deprimira. Aquelas pessoas não eram suas amigas de verdade, jamais haviam sido. Agora, Eve percebia que escolhera deliberadamente pessoas fúteis, do tipo que ela pudesse manter à distância. Jamais quisera que ninguém a conhecesse de verdade. Fora o único jeito de conseguir se concentrar na vingança. E, então, o que restava? Apesar de ter recuperado a memória, não era mais a mesma mulher. Também não era mais a garota feliz, radiante e inocente que havia sido antes de sua memória voltar. Quase desejou que fosse. Eve fechou os olhos, sentindo saudade da pessoa alegre, otimista e amorosa que fora antes. Que fora com ele. Sentia saudade de amá-lo. Sentia saudade até de odiá-lo. Mas tudo estava terminado. — Sinto muito — ela sussurrou ao colocar a mão sobre a lápide da mãe. — Não consigo destruí-lo como queria. Ela se ajoelhou, limpando a terra do anjo de mármore antes de pôr metade das margaridas sobre o túmulo. — A qualquer momento, o bebê dele chegará. E eu o forcei a prometer que ficaria longe de nós. — Ela soltou uma risada ríspida. — Acho que não pensei que ele fosse manter sua palavra. Talvez ele não seja o mentiroso que pensei. O que eu faço? O túmulo da mãe permanecia em silêncio. Eve só ouvia o suspiro do vento entre as árvores ao olhar para as palavras na lápide. Esposa amada, diziam. Ela olhou para a lápide do padrasto, ao lado. Marido apaixonado. Ele amara Bonnie desde que eram crianças. Mas ela conhecera um belo americano em Boston que a deixara nas nuvens. Contudo, John ainda a amava, tanto que a aceitara de volta quando ela se tomara viúva, até mesmo adotando a filha como sua. Mas a mãe de Eve jamais deixara de amar Dalton, que nunca retribuíra o amor com a mesma devoção. Será que todos os casos de amor eram assim? Uma pessoa apenas dava, e a outra apenas recebia? Não. As vezes, amor e paixão poderiam se unir, como uma chama mútua. Ela sentira aquilo. O desejo entre Eve e Talos fora explosivo, equivalente. Ela tivera tanta sorte e não percebera. Durante toda a sua vida adulta, estivera concentrada na coisa errada. Em se vingar. Em recuperar uma lembrança que, por fim, não havia lhe trazido nada além de dor. Afastara o padrasto que a amara, passara tempo com pessoas com as quais não se importava, aprendera sobre moda, flerte e vingança. E para quê? O que ganhara com isso, com sua juventude perdida? Nada, a não ser os túmulos das pessoas que a haviam amado, dinheiro que não merecia e um bebê sem pai. Nada além de uma cama vazia e ninguém para abraçá-la em uma noite fria de inverno. — Sinto muito, John. — Ela apoiou a testa contra a lápide e colocou um punhado das primeiras margaridas da primavera na terra. — Devia ter voltado para casa para o Natal. Para todos os Natais. Por favor, me perdoe. Levantou-se, massageando as costas e a barriga, que doíam. — Vou tentar voltar logo — ela disse suavemente. — Para contar a vocês como tudo terminou. E, com uma última prece silenciosa, ela começou a caminhar de volta para casa. Casa, ela pensou, olhando para a mansão Craig do outro lado da colina. Um jeito engraçado de descrever aquele lugar. O único lugar onde ela se sentira em casa fora a antiga casa de campo de sua família em Massachusetts. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ao menos até recentemente, quando passara a sonhar toda noite com uma villa em uma ilha particular do Mediterrâneo... Respirou fundo. Com os olhos bem abertos, estava abandonada no escuro e nas sombras. Não sabia mais quem ela era. Não sabia no que acreditar. Sentia falta de sua antiga fé. Sentia falta dele. Eve sentiu o bebê dar um forte chute em resposta à emoção que a dominava. Mas, obviamente, Talos não sentira falta dela. Se tivesse, ele a teria seguido até ali, com ou sem promessa. Não teria ficado longe de sua esposa e de seu bebê, procurando uma prova idiota quando o nascimento aconteceria a qualquer momento! Não me obrigue a fazer isso, Eve. Ela ouviu o eco da voz angustiada dele. Tudo. menos isso. Sentiu uma dor lancinante lhe atravessar o ventre. Arfando, cambaleou até a porta lateral. — É você, srta. Craig? — a governanta chamou da cozinha. Senhorita Craig. Como se o casamento jamais tivesse acontecido. Como se ela realmente tivesse cumprido a ridícula ameaça de se divorciar dele. Ouvir seu nome de solteira ainda a magoava, apesar de ter sido ela mesma quem insistira para ser chamada assim. — Estou bem. A bochechuda governanta chegou ao hall com um sorriso, segurando uma pilha de cartas. — Estava limpando algumas das coisas do seu padrasto, como a senhorita havia pedido. Quase joguei este envelope fora junto com todo o lixo, mas percebi que tinha seu nome nele. — Deixe comigo — Eve arfou. Com o envelope nas mãos, ela se sentou na sala de jantar. Era só alarme falso, não as dores do parto, ela tentou se convencer. Contrações Braxton-Hicks. Mas, um momento depois, ao se recostar na cadeira, outra dor a atravessou. Respirou fundo várias vezes, como aprendera nas aulas para grávidas, que freqüentara sozinha, e tentou controlar seu repentino medo. Tudo em seu corpo dizia que havia chegado a hora. Entraria em trabalho de parto. Mas não queria passar por aquilo sozinha. Apesar de tudo, ela pensara que, de alguma forma, ele voltaria por ela. Mas por quê?, ela pensou ferozmente. Depois de tudo que ela dissera? Ele estivera disposto a perdoar a traição de junho, mas ela fora incapaz de sequer considerar a possibilidade de ele ler falado a verdade sobre o pai dela. O pai dela... Arfando, ela olhou para o envelope com a caligrafia de seu padrasto. Abriu-o. Querida Evie, encontrei esta caria entre os pertences de sua mãe, depois que ela morreu. Não sabia se você deveria vê-la algum dia. As vezes, é melhor não saber a verdade. Deixarei que o destino decida. Sua mãe sempre a amou, e eu, também. Deus a abençoe. Dentro, havia um outro envelope, menor. Ela se empertigou, ignorando outra lancinante contração ao ver a letra já desbotada do pai. Era uma carta de amor, datada do dia anterior ao da revelação da fraude à imprensa. Bonnie,não consigo mais mentir. Vou deixá-la. Minha secretária quer aventuras, assim como eu quero... como você costumava querer. Mas não se preocupe, querida. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Você e nossa menina ficarão bem. Consegui bastante dinheiro, o bônus que deveriam ter me dado ao longo dos anos. Deixei metade dele para você. Dalton
Soluçando, Eve apertou a carta contra o peito. Pensara que a mãe morrera por um coração partido. Estivera enganada. Você nunca disse quem lhe deu aquelas informações. Quem foi? Tristemente: Dei minha palavra que não revelaria. A mãe de Eve traíra o pai dela. Mas, poucos meses depois, fora atingida pela frieza da própria vingança. O mesmo frio que congelara Eve nos últimos cinco meses. Sem saber, Eve moldara sua vida espelhando-se na própria mãe. Desistira do amor, desperdiçara de forma egoísta a chance de seu bebê ter um pai, pela satisfação fria e morta da vingança. Deus, o que ela fizera? Eve gritou quando a dor novamente a atravessou. Desta vez, muito forte. — Srta. Craig? — A governanta apareceu repentinamente. — Pode chamar de sra. Xenakis! — Eve gritou, levantando-se. — Quero meu marido. Por favor... chame meu marido! — O bebê está chegando? Vou ligar para o médico, trazer o carro para a porta... — Não — Eve arfou, pondo as mãos sobre a barriga. Não podia ser a hora, não ainda. — Não vamos a lugar algum. Não até... ele chegar aqui! Ela cambaleou, os joelhos quase se dobrando com mais dor. O bebê estava prestes a nascer. Eve olhou pela mansão fria. Não queria ser a mulher que vinha sendo, enterrada no passado, como a mãe. Queria um futuro. Queria que seu bebê crescesse feliz e seguro, em um lar cheio de vida, de cor e de alegria. Queria Talos como pai dele. Como marido dela. Queria amá-lo. E a escolha era dela. — Por favor, me dê o telefone — ela arfou. — Fique aí — a governanta implorou, correndo até o telefone. Discou o número que Eve lhe deu e, depois de falar, entregou o aparelho. — O assistente disse que ele não está disponível. Está na Ásia. Não está disponível? Na Ásia? Provavelmente, Talos decidira que não a queria, ela pensou tristemente. Estava farto dela. — Disse a ele que estou em trabalho de parto? — Sim, e que quer que seu marido venha para Londres assim que possível. Posso fazer algo mais? — Não — Eve sussurrou. Não havia mais nada a ser feito. Nada mais a ser dito. Se ele estava na Ásia, jamais chegaria a Londres a tempo. Mesmo se quisesse. Eve sentiu vontade de chorar. Quando a governanta pediu que o motorista pegasse o carro, Eve cobriu o rosto com as mãos. Por que fora tão cega? Ele lhe oferecera seu amor, e ela o recusara. Agora, teria o bebê sozinha. Criaria o filho deles sozinha. Pelo resto de sua vida, ficaria... sozinha. E morreria amando Talos. Um homem que ela jamais poderia ter. Seu filho não teria pai, por culpa dela. Um trêmulo soluço lhe escapou dos lábios quando ela ouviu um barulho alto, alguém gritando. — Deixem-me entrar, droga! Sei que ela está aqui! A porta da sala de jantar se abriu com um estrondo. 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas Ela olhou em choque para ver Talos, de olhos arregalados, afastando a governanta para entrar na casa. Ele se ajoelhou diante de Eve. — Sei que você disse que não me quer, mas, se me mandar embora agora... — Não — ela sussurrou, envolvendo-lhe os ombros com os braços. — Nunca mais o mandarei embora novamente. Você está aqui. Eu queria tanto, e você está aqui. Soltando o ar, ele fechou os olhos e a abraçou com força. — Seu assistente disse que você estava na Ásia. — No caminho para cá. Finalmente encontrei a antiga secretária do seu pai em um convento na índia. Tenho a prova que você... — Não preciso mais disso — ela disse, e segurou-lhe a mão ao sentir outra contração. — Toda a prova de que preciso está no seu rosto. Você está aqui. Você veio. Por favor — ela arfou —, nunca mais me deixe. — Nunca a deixarei — ele jurou, seus olhos escuros brilhando com lágrimas. Ela arqueou as costas quando a dor a dominou novamente. — Ah, meu Deus, Eve! Você está em trabalho de parto. Ele se levantou de um pulo, pedindo ajuda aos gritos. — Kefalas, pegue o carro! Minha esposa vai ter o bebê! Talos a levou para Londres, quebrando todos os recordes de velocidade para chegar até um hospital particular a tempo. Chegaram tarde demais para a anestesia. Ela mal se acomodara, e o dr. Bartlett mal chegara para examiná-la, quando o bebê nasceu. Talos a abraçou enquanto o filho deles chegava ao mundo. E, no instante em que o bebê foi posto nos braços exaustos dela, suas vidas mudaram para sempre. Talos beijou a testa suada de sua esposa e aconchegou os dois em seus braços. O amor havia renascido naquele instante, brilhante como um cometa que ilumina a noite escura, reluzente como uma estrela que duraria para sempre.
Epílogo
— Eles chegaram! John, com seus 4 anos de idade, corria pelos corredores, gritando loucamente ao ouvir o helicóptero pousar do outro lado de Mithridos. Eve sorriu para o filho, enquanto tentava acalmá-lo antes que acordasse sua irmãzinha de 2 anos, que sempre se metia em tudo quando estava acordada, ou o irmãozinho de 6 meses, que, geralmente, apenas ficava sentado no chão, observando tudo de boca aberta. Ela pretendia se vestir antes que os primeiros convidados chegassem, mas estivera tão ocupada com as crianças que o tempo passara voando. Agora, percebia, horrorizada, que ainda usava o robe branco esvoaçante do banho que tomara vinte minutos antes. Parando no corredor, ela olhou para a porta do quarto. Seu vestido de festa, branco com delicadas rosas e folhas verdes entrelaçadas, a aguardava em cima da cama. Ao entrar no quarto, ela sentiu Talos se aproximar por trás, beijando-lhe o pescoço ao envolver-lhe a cintura com seus fortes braços. — Está pronta para isso? — ele provocou. Ela se virou e ficou nas pontas dos pés para beijá-lo. Ele ainda estava usando suas 78
Paixão 190 – Feitiço do passado – Jennie Lucas roupas casuais com as quais levara as crianças à praia, short e uma confortável camiseta branca que revelava seu peito e pernas musculosos, e que sempre a deixava com vontade de devorá-lo inteiro. O que, sem dúvida, não era uma má idéia, no aniversário de casamento deles... Ela parou, olhando para ele. Viu a expressão no rosto de Talos se alterar subitamente. Com um sorriso malicioso, ele começou a baixar a boca na direção dela. Então, ela ouviu o pequeno John derrubar algo no andar de baixo, ouviu Annie chorar, ouviu o bebê começar a choramingar por ter sua soneca interrompida. Com uma risada, ela abriu um sorriso irônico para o marido. — E nossos convidados chegarão daqui a uns seis minutos. Os olhos dele brilharam para ela. — Então, temos seis minutos? — Talos! — ela disse, rindo e sabendo o que ele tinha em mente. — Precisamos dar as boas-vindas aos nossos convidados! — As crianças estão lá. Podem fazer isso. — Você não tem jeito! Mas, ainda assim, ela suspirou de prazer quando ele baixou a cabeça para beijá-la. Eles tinham uma vida caótica, louca e artística, cheia de amigos, filhos e risadas, adornada com cores e aquecida pelo amor. Era a vida com que Eve sempre sonhara. Mesmo dormindo apenas cinco horas por noite, ela se sentia grata todas as manhãs. Era uma mulher de sorte. Depois de apenas um beijo, Talos se afastou dela. — Tenho um presente para você. Queria que abrisse antes de os Navarre chegarem e o caos começar de verdade. — Pelo nosso aniversário? — ela disse, surpresa. Olhou para o belo quarto, com sua enorme cama, onde fazia amor todas as noites, com vista para a ilha e o vasto mar azul. A villa já havia sido totalmente decorada com rosas e lírios brancos para a festa. E os aviões de Talos traziam amigos e família de todos os cantos do mundo para a comemoração, que duraria três dias. — Você já me deu tanto. Não posso querer mais nada. — Sinto muito. Abra. Ele lhe entregou uma caixa de veludo preto. Ela a abriu respirando fundo. Dentro, viu um belo colar de diamante com seis grandes esmeraldas penduradas. — Lindo — ela suspirou e, então, o olhou entristecida. — Mas não tenho nada para você! Ele ergueu a sobrancelha com um sorriso malicioso. — É o que você pensa. — Ele lhe acariciou lentamente a orelha, descendo até o queixo e fazendo-a estremecer. — Este colar representa nossa família. Uma pedra para cada um de nossos seis filhos. — Seis? Andou bebendo demais? Nós temos três filhos. Com um brilho nos olhos, ele baixou a cabeça para beijá-la, sussurrando: — Até agora. Quando a família Navarre chegou, dez minutos depois, foram recebidos apenas pelas crianças, que vibravam, felizes, enquanto o cachorro latia e dançava ao redor delas em meio a uma profusão de arranjos florais derrubados ao chão. Perfumadas pétalas de rosas flutuavam suavemente pelo ar. — Eles vão descer a qualquer momento — a babá disse nervosamente. Mas Lia e Roark olharam um para o outro e sorriram. Não precisavam de nenhuma explicação.
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