Lynne graham inocencia provada

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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A. Núñez de Balboa, 56 28001 Madrid © 2012 Lynne Graham. Todos os direitos reservados. INOCÊNCIA PROVADA, N.º 1500 Novembro 2013 Título original: Unlocking Her Innocence Publicado originalmente por Mills &


Boon®, Ltd., Londres. Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV. Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. ™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A. ® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na


Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países. I.S.B.N.: 978-84-687-3750-8 Editor responsável: Luis Pugni Conversão ebook: MT Color & Diseño


Capítulo 1

Era Natal outra vez. Vito Barbieri fez uma careta e pensou que não tinha tempo para as tolices, as extravagâncias e as palhaçadas típicas de bêbados naqueles dias, já pautados pela falta de concentração, aumento do absentismo e redução da produtividade das suas centenas e centenas de trabalhadores. Janeiro nunca era um bom mês para a margem de lucros. Além disso, associava o Natal à morte do seu irmão mais novo, Olly.


Tinham passado três anos, mas não o esquecia, nem por um momento. O irmão, tão brilhante e prometedor, morrera por causa de uma festa que ele próprio organizara. Uma das convidadas embebedara-se e cometera o erro de se sentar ao volante de um carro. Desde então, o seu sentimento de culpa abafava as lembranças mais felizes que tinha de Olly, que era dez anos mais novo do que ele e que amava mais do que a si próprio. Especialmente, porque tinham discutido uns minutos antes da sua morte. Contudo, o amor doía sempre. Vito aprendera isso quando era muito jovem, quando a mãe o abandonara para se ir embora com um homem rico. Não


voltara a vê-la. O pai ignorara as suas responsabilidades como progenitor e embarcara numa série de aventuras amorosas fugazes, uma das quais resultara no nascimento de Olly, que ficara órfão aos nove anos de idade, por parte materna. Quando soube, Vito ofereceu-lhe um lar. E talvez tivesse sido o único ato de generosidade de que nunca se arrependera. Por muito que sentisse a falta do irmão, ainda se alegrava por o ter tido ao seu lado. A forma de ser entusiasta de Olly melhorara, brevemente, a sua vida de obcecado pelo trabalho. No entanto, agora estava condenado a


viver num castelo que já não lhe parecia ser um lar. De facto, nunca teria comprado Bolderwood, se Olly não tivesse gostado tanto do que lhe parecia ser uma monstruosidade gótica, com torres. Obviamente, podia procurar uma esposa e esperar que o abandonasse, ficasse com o castelo, com os filhos e com a fortuna, mas essa perspetiva não lhe agradava. Como homem rico, estava habituado a ter mulheres avaras e dominadas pela ambição a arrastarem-se aos seus pés. Não importava se eram altas ou baixas, voluptuosas ou magras, loiras ou morenas. Todas estavam cotadas pelo mesmo padrão. E, aos trinta e um anos de idade, Vito estava tão cansado de ter


experiências sexuais com aquele tipo de mulheres, que começara a pensar seriamente no que considerava ser atraente numa mulher. Pelo menos, já sabia do que não gostava. Aborrecia-se com as tontas e as snobes. As coquetes que se riam tolamente faziam-no pensar na sua juventude desperdiçada e as mulheres de carreira estavam tão concentradas em si próprias, que raramente eram boas amigas e boas amantes. Ou isso, ou não conseguiam manter uma relação sem fazer planos a longo prazo, submetidos às conveniências delas. Quantas vezes lhe tinham perguntado se queria ter filhos, se era fértil, se tinha


intenção de assentar, um dia. E não, Vito não tinha essa intenção. Não queria arriscar-se e sofrer uma desilusão tão grande, sobretudo, porque a morte de Olly lhe mostrara que a vida podia ser incrivelmente frágil. Estava decidido a permanecer sozinho e a transformar-se num velho carrancudo, exigente e muito rico. – Lamento incomodá-lo, senhor Barbieri. A voz que se ouviu pertencia a Karen Harper, diretora na AeroCarlton, mas Vito demorou alguns segundos a reconhecê-la. Acabara de adquirir a empresa, que se dedicava ao fabrico de peças para aviões e ainda não se familiarizara com a equipa.


– Queria certificar-me de que mantém o apoio ao programa de reabilitação de prisioneiros, com que começámos a colaborar no ano passado – continuou Karen. – Como talvez se recorde, a New Start, a ONG que o organiza, envia-nos aprendizes que contam com toda a sua confiança. Amanhã, chega uma mulher que se chama... – Não é necessário entrares em detalhes – interrompeu, com suavidade. – Não me parece mal que apoiemos esse programa, mas espero que vigies essa pessoa. A morena atraente sorriu com aprovação. – É óbvio, senhor. É especialmente


agradável nesta época do ano, não lhe parece? Ajudar uma pessoa e oferecerlhe a possibilidade de começar uma nova vida... Além disso, só ficará três meses connosco. Vito olhou para ela com exasperação. Não era um homem particularmente sentimental. – Espero que não tenha estado na prisão por cometer uma fraude... – Não, porque deixámos bem claro que não aceitaríamos pessoas que tivessem cometido esse tipo de delitos. De facto, duvido que chegue a conhecêla, senhor Barbieri. Será a mensageira do escritório. Encarregar-se-á de arquivar, de levar mensagens, receber embrulhos e correspondência – afirmou.


– Nesta época do ano, há sempre trabalho para mais duas mãos. Durante um momento, Vito sentiu pena da mensageira. Já se apercebera de que Karen Harper era muito dura com os seus subordinados. No dia anterior, quase humilhara um empregado da empresa, por um incumprimento irrelevante das suas obrigações. A diretora da AeroCarlton desfrutava do seu poder e usava-o, mas supôs que uma ex-presidiária saberia defender-se. Ava abriu a caixa do correio, mas estava vazia. Estava sempre vazia. Talvez tivesse chegado o momento de aceitar que os seus familiares ignoravam


as suas cartas, porque não queriam saber nada dela. Pestanejou várias vezes, para evitar que os seus olhos azuis se enchessem de lágrimas. A prisão ensinara-a a sobreviver sozinha e tinha a certeza de que saberia seguir em frente no mundo, ainda que o mundo, lá fora, fosse um lugar tão cheio de possibilidades que se sentia completamente esmagada. – Não tentes correr, antes de aprender a andar – aconselhara Sally, a assistente que acompanharia a sua liberdade condicional. Ao recordá-lo, pensou que Sally adorava as coisas óbvias. E, nesse momento, Harvey começou a abanar a cauda com alegria.


– Está na hora de te levar para casa, rapaz... Ava acariciou o cão rafeiro e tentou não pensar no futuro que a aguardava. Durante os últimos meses da sua condenação, trabalhara num refúgio de animais, associado ao programa de reabilitação do sistema penitenciário, e sabia que estava a ficar sem tempo. Marge, a mulher encantadora que geria o refúgio, tinha orçamento quase nulo e pouco espaço. Simplesmente, não podia encarregar-se dele. Além disso, Harvey era o seu pior inimigo. Cada vez que aparecia uma pessoa disposta a adotá-lo, ficava tão contente que ladrava sem parar e a


assustava. Nunca tinha a oportunidade de demonstrar que era um cão leal, asseado e obediente. Ava adorava-o com toda a sua alma e, de certo modo, fazia-a pensar em si própria. Ela também sabia o que significava ser uma coisa e parecer outra. Sempre se empenhara em esconder-se por detrás de uma fachada de segurança, pensando que não precisava do carinho, nem das opiniões de ninguém. E sempre se sentira sozinha. Em casa, na escola, em todo o lado e com todos. Com todos, exceto com Olly. Ao pensar nele, sentiu um nó na garganta. Fora para a prisão por matar o seu melhor amigo, mas nem sequer se


recordava do acidente em que Oliver Barbieri perdera a vida. O golpe na cabeça causara-lhe uma amnésia permanente, que algumas vezes lhe parecia ser uma bênção e, outras, a pior das maldições. Só sabia que nenhum tribunal poderia ter imposto um castigo maior do que aquele que ela própria se infligira. Conhecera Olly no colégio interno, uma escola mista, de tarifas tão altas como a sua fama académica. Nenhum preço teria parecido demasiado alto para o pai, que estava louco por a perder de vista. De facto, Ava fora a primeira e única das suas filhas que enviara para estudar longe de casa, o


que fizera com que Gina e Bella se sentissem discriminadas. E agora, a família não queria saber nada da filha pródiga. Além disso, a mãe falecera e já não havia ninguém disposto a tentar uni-los. As irmãs eram mulheres com uma carreira, marido e filhos, pessoas que pensavam que uma ex-presidiária era uma vergonha, que manchava o bom nome e a reputação da família Fitzgerald. Ava abanou a cabeça e tentou concentrar-se nos aspetos positivos da sua nova vida. Saíra da prisão e conseguira um emprego. Quando se inscrevera no programa da New Start, não albergava esperanças de conseguir


um trabalho. Tinha um bom curriculum, mas carecia de experiência profissional. No entanto, a AeroCarlton oferecera-lhe a oportunidade de recomeçar e lavrar um futuro. Harvey deixou de abanar a cauda, assim que chegaram ao refúgio de animais. Marge deixou-o no jardim, porque era muito grande para entrar no escritório, mas o cão ficou colado ao vidro da porta, vigiando os movimentos de Ava. – Entra, distribui isto quando começares a trabalhar... – Marge deulhe uns folhetos do refúgio. – Talvez consigamos ter mais pessoas dispostas a adotar um animal abandonado.


Ava olhou para os folhetos com interesse. No seu empenho para conseguir meios, para manter o refúgio, Marge criara uma pequena indústria com algumas senhoras da zona, que se dedicavam a fazer almofadas, camisolas, gorros, cachecóis e outros produtos, sempre decorados com figuras de cães e gatos. Era uma boa ideia, mas Ava achava que os desenhos eram muito antiquados, para chamar a atenção de clientes jovens. – Imagino que vieste a pé, para que Harvey pudesse dar um passeio – continuou Marge. – Tens dinheiro para o autocarro? Ava não queria que Marge lhe desse


dinheiro, portanto, mentiu. – Claro que sim. – E tens roupa decente para amanhã? Não podes apresentar-te no teu novo trabalho, sem estares elegante. – Consegui um fato, numa organização de beneficência. Ava preferiu não dizer que as calças ficavam um pouco justas e que o casaco era muito estreito para os seus seios generosos, e não conseguia apertá-lo. Tinha intenção de o combinar com uma camisa azul, com a esperança de que o seu aspeto fosse suficientemente atraente e profissional, para que ninguém reparasse nos sapatos, que estavam grandes. De qualquer forma, não era um


problema que a preocupasse em demasia. Agora, devia concentrar todas as suas energias em algo mais importante, do que pagar a renda do apartamento, comer e vestir-se. Tinha de se habituar à sua liberdade. Além disso, já não era a jovem atrevida e rebelde que adorava ser gótica e usava o cabelo tão curto como o de um rapaz. Aquela jovem morrera no acidente de Olly e dera lugar a uma mulher precavida e sensata, que mal reconhecia. A prisão obrigara-a a passar despercebida. A prisão não era um bom lugar para chamar a atenção. A prisão ensinara-a a obedecer a ordens, a calarse e a andar pelo mundo com a cabeça


baixa. Contudo, também aprendera coisas boas. Ava, que crescera numa família rica, encontrara-se num lugar cheio de mulheres que nem sequer tinham tido a oportunidade de aprender a ler e a escrever, e que eram criminosas porque não tinham outra forma de seguir em frente. E, ajudando-as, ajudara-se a si mesma. Já não se importava tanto que o pai não a amasse ou que a mãe, uma alcoólica, nunca lhe tivesse dado um abraço. Para dizer a verdade, já nem sequer se importava que a tivessem internado, quando era criança, numa escola em que algumas das suas colegas abusavam dela. Aprendera a viver com


as suas virtudes e os seus defeitos, e a suportar a dor de ter causado a morte da única pessoa que realmente amava. Ao recordá-lo, pensou que Olly teria sido o primeiro a dizer-lhe para parar de se torturar. Sempre fora maravilhosamente prático, nesse sentido. Desprezava o irrelevante e ia direto à raiz dos problemas. – Não tens culpa que a tua mãe beba – indicara, em certa ocasião. – Não tens culpa que o casamento dos teus pais seja um desastre, nem que as tuas irmãs sejam duas meninas mimadas... Porque tens a mania de carregar com culpas que não te correspondem? Depois de se despedir de Marge, Ava


voltou para casa e preparou a roupa para o dia seguinte. Os empregados da New Start tinham-lhe assegurado que o seu historial era confidencial, portanto, não tinha medo que os colegas de trabalho a julgassem pelo que fizera. Com um pouco de sorte, poderia demonstrar que aprendera com os seus erros e que já não era a rapariga desesperada e derrotada que chegara à prisão. – Podes fazer café para a reunião. Será para cerca de vinte pessoas – indicou Karen Harper, esboçando um sorriso. – Sabes fazer café, não é verdade?


Ava assentiu com vigor e dirigiu-se para a pequena cozinha da empresa. Estava disposta a fazer qualquer coisa para agradar, embora já tivesse notado que a menina Harper era uma mulher dura, que não ia facilitar as coisas. Quando faltavam quatro minutos para as onze, Ava empurrou o carrinho do café até à sala da direção, onde um homem incrivelmente alto estava a dirigir-se aos executivos da empresa. O ambiente estava carregado de tensão. Falava sobre as mudanças que tencionava fazer na AeroCarlton, mas Ava não reparou tanto no seu discurso, mas sim no sotaque italiano, que lhe pareceu imediata e terrivelmente


familiar. Com mãos trémulas, serviu-lhe o café puro, com duas colheres de açúcar, como Karen lhe indicara. Não podia acreditar que era Vito. Não podia ser Vito. Parecia impossível que o destino estivesse a gozar com ela, ao ponto de lhe oferecer um emprego numa empresa gerida pelo homem que mais sofrera por sua culpa. Mas era ele. Não esquecera aquela voz profunda, que sempre lhe causara vertigens. Ficou tão nervosa que, enquanto lhe levava o café, os sapatos saíram dos pés e chegou à mesa descalça. Vito virou-se e admirou o seu cabelo vermelho, preso num coque. O seu perfil delicado, a elegância das suas mãos e a longa


extensão das suas pernas, tapadas por umas calças apertadas. Teve a sensação de que já a vira antes, mas não a reconheceu até olhar para ela nos olhos, que eram azuis. Não conseguia acreditar. Não podia ser ela. Da última vez que a vira, tinha cabelo curto e o olhar perdido, como se não visse nada do que se passava à sua volta. A tensão de Vito Barbieri foi tão óbvia, que afastou qualquer dúvida que Ava pudesse ter sobre a sua identidade. Mas, apesar disso, os olhos dourados dele mantiveram-se perfeitamente inexpressivos, quando deixou o café na mesa.


– Obrigado – agradeceu. Karen Harper decidiu aproveitar a ocasião para apresentar Ava. – Senhor Barbieri, apresento-lhe Ava Fitzgerald. Hoje, começa a trabalhar connosco. – Sim, já nos conhecemos – declarou Vito, com frieza. – Volta aqui quando acabar a reunião, Ava. Gostaria de falar contigo. Ava conseguiu andar para trás, calçar os sapatos sem ninguém se aperceber e pegar no carrinho. As mãos suavam e quase não conseguia respirar, contudo, graças à disciplina que adquirira na prisão, conseguiu preparar e servir o resto dos cafés, sem entornar nenhum.


Vito Barbieri. Como era possível que estivesse na AeroCarlton? Ava estudara a fundo a página de internet da empresa e sabia que o nome dele não aparecia em lado nenhum. Mas era evidente que a geria. Tão evidente como saber que os seus dias ali estavam contados. Quando acabasse a reunião e voltasse a entrar na sala da direção, despedi-la-ia. Que outra coisa poderia fazer? Afinal de contas, era a culpada pela morte de Olly. Vito Barbieri. A mesma pessoa por quem se apaixonara aos dezasseis anos de idade. O homem por quem fizera uma tatuagem na anca, que agora a queimava como um ferro quente. Nessa altura, era


uma adolescente impulsiva, que não saía com nenhum rapaz porque nenhum dos que conhecia lhe pareciam interessantes. No entanto, isso mudara durante um fim de semana que passara no castelo de Olly. Seguro, carismático e dez anos mais velho do que ela, Vito não parecera reparar na sua presença, nem que estava louca por chamar a sua atenção e Ava, que nunca se alojara num castelo, tivera de fazer um esforço imenso para se mostrar natural na sua presença, num lugar tão impressionante. – Ava? Ava virou-se e viu que Karen Harper a observava com interesse. – Sim?


– Não tinhas referido que conhecias o senhor Barbieri. – O meu pai trabalhava para ele. Vivíamos perto da casa dele. A morena cerrou os dentes. – Bom, não esperes que isso te ajude – avisou. – O senhor Barbieri está à tua espera, na sala da direção. Recolhe as chávenas, enquanto falas com ele. Ava assentiu. – Eu... Nem sequer sabia que ele trabalhava aqui. – Não é de estranhar. O senhor Barbieri adquiriu a AeroCarlton na semana passada – explicou. – Agora, é o teu chefe. – Sim, claro.


Ava sorriu sem vontade e dirigiu-se para a sala da direção, tentando habituar-se à ideia de enfrentar um homem que, provavelmente, teria feito qualquer coisa para que continuasse na prisão. Vito levantara-se e estava apoiado na beira da mesa, a falar ao telefone. Nervosa, como um gato diante de um leão, Ava aproveitou a oportunidade para retirar as chávenas de café e leválas para o carrinho, mas a imagem ficara-lhe gravada na mente: alto, de ombros largos, com um fato que assentava como uma luva e uma camisa branca que enfatizava o tom moreno da pele. Tudo nele era belo. Desde as


maçãs do rosto salientes, até ao nariz reto, passando por uma boca surpreendentemente sensual. Não mudara. Ainda tinha uma energia e um ar de autoridade avassaladores. Era o irmão mais velho de Olly. E, se tivesse dado ouvidos aos avisos de Olly, ele teria continuado com vida. – Para de namoriscar com Vito! – aconselhara, veementemente, durante a festa daquela noite fatal. – És muito jovem e muito inexperiente para ele. E, mesmo que não fosses, Vito acabaria por te comer ao pequeno-almoço... É um predador, no que respeita a mulheres. Naquela época, Vito era magro, loiro, elegante e refinado. Tudo o que Ava não era. E parecera-lhe tão fora do seu


alcance, tão acima dela, que lhe partira o coração. Obcecada por ele, guardara os detalhes mais pequenos da vida dele. Sabia que bebia café com açúcar e que gostava de chocolate. Sabia que apoiava causas solidárias, nos países em vias de desenvolvimento. Sabia que a infância dele fora difícil, que a mãe o abandonara e que o pai bebia em excesso. Sabia que colecionava carros e adorava a velocidade. Até sabia que odiava ir ao dentista. – Ava? Virou-se para Vito, que acabara de desligar o telefone. – Sim?


– Falaremos no meu escritório. – Vito afastou-se da mesa e abriu uma porta. – E deixa o maldito carrinho em paz! Ela corou, incomodada, e afastou a mão do carrinho. Vito semicerrou os olhos e observou-a, descendo desde os olhos azuis até à boca, que lhe pareceu ser muito sensual, como nos velhos tempos. Teve de respirar fundo para se acalmar e não se deixar levar por emoções que pensava ter superado. Ava sempre fora a tentação personificada, mas também o fruto proibido que não devia provar em nenhum caso. E ele, que se orgulhava por saber controlar-se e respeitar as regras, quebrara-as e provara-a.


Fora apenas um beijo. Ao princípio, nada de importante. Exceto pelo facto que acabara por destruir a sua família. Ava passou à frente dele com insegurança, embora mantivesse a cabeça bem erguida, recusando-se a mostrar-se fraca ou preocupada. Além disso, conhecia bem Vito. Era um homem duro e implacável nos negócios, capaz de assumir riscos e enfrentar adversidades, mas nunca fora o homem brutal e conservador que parecia. Não se esquecera de que apoiara totalmente Olly, quando lhe confessara que era homossexual. E também não esquecera a gargalhada e o alívio imenso de Olly, ao saber que Vito o


aceitava sem reservas. Ava entrou no escrit贸rio, angustiada. Teria dado qualquer coisa, para voltar a ouvir a gargalhada do falecido amigo.


Capítulo 2

Ava abanou a cabeça e deu uma olhadela à sua volta. O escritório era uma divisão enorme, com soalho, uma mesa de trabalho e uma zona de descanso. Tudo estava perfeitamente ordenado e tão vazio que, na mesa, só havia um computador portátil e um monte de documentos. – Tive uma surpresa, ao ver-te – admitiu Vito. – Eu poderia dizer o mesmo. Não sabia que eras o dono desta empresa.


Ava acariciou-o com o olhar, absorvendo os ângulos duros das maçãs do rosto, a teimosia do queixo e o dourado dos olhos, emoldurados por umas pestanas longas e escuras. A boca ficou imediatamente seca. – O que estás a fazer aqui? Presumi que voltarias para a Faculdade de Medicina, quando saísses da prisão. Ela ficou tensa. – Não, eu... Vito franziu o sobrolho. – Porquê? Imagino que a universidade não te guardou o lugar, durante a tua estadia na prisão. Mas eras uma aluna brilhante e tenho a certeza de que te aceitariam outra vez.


Ava demorou uns segundos a responder. Ainda se recordava de como ela e Olly tinham ficado contentes, quando ambos receberam ofertas da mesma universidade, para estudar medicina. – Isso pertence ao passado. Não quero voltar atrás – indicou. – Estou aqui porque preciso de um emprego, de uma forma de ganhar a vida. Ele arqueou uma sobrancelha. – E a tua família? – Não querem saber nada de mim. Nunca tive notícias deles, desde que me condenaram. – Vejo que aceitaram mal... – Suponho que não conseguem


perdoar-me. – Não conseguem? As pessoas perdoam coisas muito piores – afirmou ele. – Além disso, eras adolescente quando tudo aconteceu. Ava cerrou os punhos. – Perdoaste-me? Vito ficou imóvel e os seus olhos dourados fixaram-se nela, como os de um predador. – Não, eu também não consigo perdoar-te – admitiu, tenso. – Olly não era apenas meu irmão, também era a única família que tinha. – Era um homem insubstituível... Mas, o que podemos fazer? – perguntou, ansiosa por mudar de conversa. – Como é óbvio, não quererás que trabalhe


contigo. Embora seja um emprego temporário. – É verdade. Vito afastou-se dela e ficou atrás da mesa. Ava estava sozinha, a lutar para sobreviver. A família virara-lhe as costas e precisava do emprego na AeroCarlton, para começar uma nova vida, mas não a queria ao seu lado. Olly morrera por causa dela. Não podia esperar que a ajudasse. No entanto, sabia que Olly se teria oposto a castigá-la pela sua morte, portanto, tentou encontrar um pouco de compaixão no seu coração. E só encontrou o vazio que a perda do irmão lhe deixara.


– Queres que me vá embora? Vito não quis olhar para ela nos olhos, porque Ava conseguia fazer com que se sentisse como se fosse uma espécie de valentão. Fixou o olhar na mesa e, ao ver a lista de Natal, encontrou a solução de que precisava. Era perfeita. Ia mantê-la longe do escritório e ela não o interpretaria como sendo um castigo, porque sempre gostara do Natal. – Não, por enquanto, podes ficar... De facto, quero pedir-te uma coisa. Ava, que estava convencida de que a sua demissão era iminente, apanhou tal surpresa que avançou para ele com muita energia e os sapatos voltaram a


sair dos pés. – De que se trata? – perguntou, ansiosa. – O que se passa com os sapatos? – Estão muito largos. – Porquê? Ava corou. – Tudo o que tenho, veio de uma organização de beneficência. Vito olhou para ela, perturbado, por isso, sentiu-se obrigada a dar-lhe uma explicação. – Tinha dezoito anos quando me meteram na prisão – recordou-lhe. – Não podia vir para o escritório com a minha roupa antiga... Está muito velha. Vito tirou a carteira, abriu-a e ofereceu-lhe um maço de notas.


– Compra uns sapatos novos! – ordenou. – Não posso aceitar o teu dinheiro, Vito. – Vais rejeitar o teu salário? – Não, mas isso é diferente. Não é pessoal. – Isto também não é pessoal. Não quero que processes a empresa, se caíres com esses sapatos enquanto trabalhas para nós. Além disso, não me servirás de nada, se nem sequer consegues andar... Suponho que terás de andar bastante. – Andar? De que se trata? Ele inclinou-se sobre a mesa, para lhe dar uma lista e as notas. Era um homem


alto, com mais de um metro de oitenta, e ela tinha menos dez centímetros do que ele. No entanto, isso não a intimidou tanto como o cheiro do perfume dele e a tensão dos músculos do peito, cujo contacto duro e quente recordava na perfeição. – É uma lista com os nomes das pessoas a quem temos de dar presentes de Natal – explicou. – Karen vai dar-te um cartão de crédito da empresa. Só tens de seguir as instruções. Vito interrogou-se sobre o que havia naquela mulher, que tanto lhe agradava. Ava não parecia estar consciente da sua sensualidade, mas ele estava mais do que consciente de como se sentia atraído pela boca, pela curva dos seios


generosos e pelas pernas tapadas por umas calças demasiado justas. Desejava-a. Ao ponto de, naquele momento, se sentir terrivelmente frustrado por não poder tê-la. – Estás a pedir-me para ir às compras? – Exatamente. Ava parecia estar perturbada. – Mas eu nunca fui esse tipo de mulher... Ir às compras não é para mim. Vito lançou-lhe um olhar carregado de ironia. – Se queres manter o teu emprego, farás o que te pedem. Ava corou novamente e mordeu o lábio inferior enquanto tentava engolir o


orgulho. A segurança e o caráter dominante de Vito sempre a tinham tirado do sério, mas a prisão ensinara-a a respeitar ordens e a ser paciente. – Não faças isso com a boca. E não olhes assim para mim – reclamou ele. – Como? De que estás a falar? – perguntou, sinceramente surpreendida. Olhou para ela fixamente. – Sabes muito bem. Não te faças de sedutora comigo. Já passámos por isso. Ava não podia evitar. O comentário de Vito pareceu-lhe ser tão injusto, tão insolente, que ficou furiosa. – Serei muito clara contigo, Vito. Já não sou a adolescente estúpida que te incomodava. Sou mais inteligente do que era. Aprendi a lição. E, quanto a ti...


Bom, continuas a não aceitar as consequências dos teus atos. – O que significa isso? – Eu não sou uma espécie de mulher fatal, a que nenhum homem consegue resistir. A responsabilidade do que aconteceu naquela noite não foi inteiramente minha. Foste ter comigo e beijaste-me, porque querias beijar-me e não porque eu te seduzi – declarou, com os olhos cheios de raiva. – Devias aceitá-lo de uma vez. Vito quase se deixou dominar pela indignação. Já aceitara a sua quota-parte de responsabilidade no assunto, mas isso não mudava o facto de ela ter usado o corpo dela como uma arma,


despertando e avivando deliberadamente o seu desejo. – Não tenho intenção de discutir o passado contigo. Vai comprar os sapatos e começa a trabalhar nessa lista. Ava quase desobedeceu à ordem. O seu corpo queria lutar. Queria defenderse de acusações a que não pudera responder, porque Olly os interrompera, contudo, tal como ela própria lhe tinha recordado, já não era uma adolescente incapaz de controlar as suas emoções. Portanto, respirou fundo, lançou-lhe um olhar que teria assustado qualquer outro homem e dirigiu-se para a porta. – Sim, estou a ver que amadureceste – indicou, ansioso por dizer a última palavra.


Ela cerrou os punhos e os dentes. No fundo do seu coração, ardia em desejo de se aproximar dele, agarrá-lo pelos braços e sacudi-lo. Infelizmente, também ardia em desejo de o beijar. E, quando se apercebeu disso, foi como se lhe tivessem atirado com um balde de água fria. Tentou convencer-se de que o seu desejo era uma consequência lógica de ter passado três anos numa prisão de mulheres, obrigada a reprimir o seu instinto sexual. Sob aquele ponto de vista, não podia surpreender-se que a exposição a um homem tão atraente, por quem estivera apaixonada, a deixasse numa posição vulnerável.


Enquanto saía do escritório, recordou a si mesma que o aspeto exterior espetacular escondia o cérebro de um computador, sem emoções. Até na sua adolescência, percebera que Olly era o único calcanhar de Aquiles dele, a única fenda na sua armadura emocional. Vito Barbieri só se importava com o dinheiro e com o êxito. Mantinha as pessoas à distância e raramente permitia que alguém acedesse ao seu círculo mais íntimo ou à sua vida privada. Karen Harper estava a desligar o telefone, quando foi vê-la. A expressão dela era a de uma gata, diante de uma tigela de leite. – Portanto, tenho de te dar um cartão


de crédito... – declarou, com frieza. Ava assentiu e mostrou-lhe a lista, que a morena observou. – Deves saber que verificarei as tuas compras – avisou. – Não fujas do orçamento. E, se for possível, poupa dinheiro. – Muito bem. – É evidente que o senhor Barbieri te concedeu essa tarefa porque conhece a tua família, mas ir às compras não é trabalhar – declarou, num tom de recriminação. – Limito-me a fazer aquilo que me ordenam. Ava virou-se e saiu do escritório de Karen, contente por se afastar daquela mulher durante uns dias.


Ao chegar à sua mesa, pensou que, certamente, era a pessoa mais adequada para poupar dinheiro em compras. Embora a sua família tivesse dinheiro, davam-lhe tão pouco que, quando estivera na universidade, tivera de procurar vários empregos temporários para sobreviver. Sentou-se, estudou a lista e pegou nos folhetos de Marge, pensando que os produtos dela podiam ser perfeitos para a ocasião. Eram baratos e, além disso, serviam uma boa causa. Depois, ligou o computador e dedicou-se a investigar os nomes da lista, e a apontar as suas possíveis preferências em matéria de presentes.


Quando acabou, tirou uma fotografia de Harvey e deixou-a nos comunicados da empresa. Marge dissera que podia ficar mais duas semanas no refúgio, mas Ava não se iludia com a possibilidade de o adotarem. Embora fosse um cão encantador, não encaixava na imagem suave e bonita que a maioria das pessoas procurava. Abanou a cabeça e pensou que fora muito irresponsável ao afeiçoar-se por um animal que não podia ter. Saiu da AeroCarlton e foi diretamente para uma sapataria, porque já não suportava os sapatos que tinha. O seu primeiro dia de trabalho estava a ser perturbador. Nunca teria imaginado que


acabaria a trabalhar para Vito Barbieri. E embora não quisesse pensar naquilo que acontecera entre eles, a sua mente relembrou aqueles dias. Todos os anos, Vito organizava uma festa de Natal para os empregados e clientes da imobiliária que tinha naquela época. No ano do acidente, Ava estava tão obcecada por ele que não queria ir à festa com mais ninguém. – A tua obsessão é insana – avisara Olly. – Não podes ter Vito. Não gosta de adolescentes. Aos seus olhos, és apenas uma criança. – Farei dezanove anos em abril. E sou muito madura para a minha idade! – protestara. – Ah, sim? – perguntara Olly, com


sarcasmo. – Se fosses tão madura como dizes, não terias feito essa tatuagem na anca. Ava achou que Olly tinha razão. A tatuagem era o resultado de uma bebedeira, com um grupo de amigos da universidade. E, mesmo na altura, soubera que se arrependeria amargamente, quando encontrasse a coragem necessária para perder a virgindade e o seu primeiro amante a visse. Os pensamentos de Ava regressaram à festa que acabou com a morte do amigo. Por uma vez, usara um vestido de festa e abandonara a sua indumentária do costume. Sabia que Vito adorava as


suas saias de couro e as suas botas estilo militar, mas quisera vestir-se de uma forma especial, porque sabia que, naquele momento, ele estava livre e não apareceria na festa com uma das belezas espetaculares que normalmente o acompanhavam. Além disso, já sabia que Vito se sentia atraído por ela. Precisara de dois anos para chegar à conclusão de que gostava dela, embora se esforçasse para se refrear e escondê-lo. Nunca se zangara com ela e comia-a com os olhos quando pensava que ela não percebia. E, embora Olly a tivesse avisado reiteradamente de que não tinha nenhuma possibilidade, Ava tinha a certeza de que, no fim, cairia nas suas garras.


Ao recordar a arrogância da adolescente que fora, questionou-se como se podia ter enganado, ao ponto de acreditar que Vito sairia com ela. Ao fim e ao cabo, era a melhor amiga do irmão dele. Uma jovem sem experiência que, para piorar tudo, não deixava de ser filha de um empregado da sua empresa que, casualmente, vivia a pouca distância do castelo de Bolderwood. Infelizmente, estava tão obcecada que o seu bom senso desaparecia quando estava perto dele. Toda a família fora à festa. Ava usara um vestido prateado que a irmã Gina ia deitar fora e que escolheu porque, por algum motivo, os Fitzgerald nunca


tinham dinheiro para comprar roupa. Era um vestido simples, que cortara para que parecesse mais provocador e elegante. Nervosa perante a perspetiva de se aproximar do homem dos seus sonhos, decidira beber uns copos, coisa que não costumava fazer, porque sempre tivera medo de herdar a fraqueza da mãe, Gemma. Nem sequer se lembrava de quando percebera que a mãe não era como as outras. Frequentemente, ao voltar da escola, encontrava-a na cama. E quando não estava a dormir, estava a discutir com o pai. Mais de uma vez, ao pensar na sua infância triste, presa a uns pais que não se amavam e que eram tudo menos


afetuosos com ela, questionara-se se o seu nascimento não teria sido um acidente indesejado para os dois. Mas isso não impedira que chorasse a morte de Gemma Fitzgerald, quando lhe tinham dado a notícia, na prisão. Finalmente, ganhara coragem e decidira aproximar-se de Vito, uma decisão de que mais tarde se arrependeria. Sabia que entrara na biblioteca, onde o encontrara junto da lareira, com um copo na mão. Alto, atraente e terrivelmente carismático, não desviara o olhar em nenhum momento. – O que queres? – perguntara, ao vêla. Ava não poderia ter sido mais direta


com ele. Estava cansada de se limitar a namoriscar de longe, enquanto ele olhava para ela com desejo. – Quero-te a ti. Vito lançou-lhe um olhar irónico. – Não estás à altura... Vai procurar um jovem da tua idade, com quem poderás praticar as tuas artes de sedução. As palavras de Vito feriram o seu orgulho, mas estava decidida a fazer com que reconhecesse o que sentia por ela. – Tu também me desejas. Achas que não notei? Vito abanara a cabeça. – Devias ir para casa e dormir. Amanhã de manhã, quando te levantares,


vais sentir-te envergonhada por teres tido esta conversa comigo. Ava sorriu. – Eu não me envergonho com tanta facilidade – indicara. – Sou maior de idade, Vito, sou uma mulher adulta. – Talvez sejas, fisicamente, mas psicologicamente não és – Vito aproximara-se dela, cujo coração acelerara. – Vai-te embora... Isto é uma tolice! – Enganas-te. Sou muito mais inteligente e divertida do que as mulheres com quem costumas divertir-te – afirmara, desafiante. Vito parara diante dela. – Não estou à procura de diversão,


nem tu podes dar-me aquilo de que preciso. Para de fazer uma figura ridícula, Ava. A tua interpretação de mulher sedutora é tão má, que perderia a vontade de estar contigo, se a tivesse. Ava corara, mas o desprezo de Vito surtira o efeito contrário do que desejava. Longe de a assustar, irritara-a tanto que lhe passara os braços à volta do pescoço e fixara o olhar nos olhos dourados dele. – Estás a mentir, Vito. Porque não és sincero, por uma vez? Antes de ele conseguir reagir, puserase em bicos de pés e beijara-o na boca com toda a sua paixão. Os músculos do corpo duro e magro de Vito tinham ficado rígidos. Um segundo depois, a


língua dele acedera à boca de Ava e causara-lhe uma descarga de prazer tão intensa, que perdera o pouco controlo que lhe restava. Estava tão concentrada no desejo, que perdera a noção da realidade. Até alguém entrar na biblioteca e fechar a porta de repente. – O que estás a fazer, Vito? Solta-a! – exclamara Olly. O aparecimento de Olly quebrara o feitiço em que o próprio Vito caíra. Afastara-se dela, olhara para ela com desprezo e perguntara: – Não sabes aceitar uma recusa, pois não? És uma maldita manipuladora. – Eu não sou...


Olly aproximara-se dela e agarrara-a pelo braço. – Está na hora de voltares para casa, Ava. Eu levo-te. Ava virara-se para Vito. Sentia-se profundamente humilhada. – Como te atreves a chamar-me manipuladora? Enquanto Olly a tirava da biblioteca, Ava compreendera que talvez tivesse cometido um erro terrível com Vito Barbieri. Até então, não pensara que um homem podia sentir-se atraído por uma mulher e não ter a menor intenção de fazer nada a respeito disso. Era como aquelas pessoas que admiravam um quadro num museu, sem sentir a menor


necessidade de o comprar ou de o levar para casa. O seu sentimento de humilhação e as suas lágrimas, quando Olly e ela tinham descido as escadas do castelo, eram a última coisa de que se recordava daquela noite. Algumas horas mais tarde, acordara num hospital, com uma amnésia que desaparecera a pouco e pouco, com o passar dos dias, mas nunca chegara a recordar o que se passara realmente durante o trajeto, nem o acidente que custara a vida do melhor amigo. Durante o julgamento, o seu advogado apelara à amnésia, para estabelecer uma dúvida razoável que a livrasse da prisão. No entanto, a sua ignorância não


a protegera de uma pergunta tão dolorosa para ela, como determinante no fim, uma pergunta para a qual não tinha resposta: Porque se sentara ao volante, quando estava bêbada? O facto de Olly o ter permitido, apenas acrescentava perturbação à dor. Ninguém entendia que a tivesse deixado conduzir naquelas circunstâncias, especialmente, quando o carro era dele e ele estava sóbrio. Deprimida com as lembranças daquela noite, Ava voltou a olhar para a lista de Vito e decidiu concentrar-se no trabalho. Afinal de contas, reviver o passado não servia para o mudar. Cometera um erro com consequências


trรกgicas e teria de aprender a viver com isso.


Capítulo 3

Karen Harper deixou uma almofada na mesa de Vito Barbieri. Era de lã e tinham bordado um cachorro. – Isto é inadmissível! – exclamou a diretora. – Ava comprou presentes ridículos! Devíamos obrigá-la a devolver o dinheiro e pedir a outra pessoa para cumprir a tarefa. Vito olhou para ela com exasperação. Estava muito ocupado e não tinha tempo para assuntos irrelevantes, mas pegou no telefone e disse à secretária:


– Por favor, diz à menina Ava Fitzgerald para vir ao meu escritório. Ava estava na casa de banho, quando apareceu a secretária de Vito, uma loira de trinta e tantos anos. Ainda se sentia envergonhada com a cena que Karen Harper fizera há poucos minutos, à frente de todos. Tivera de morder a língua para não responder torto, quando a diretora vira o que comprara e a acusara de ser uma idiota. – O senhor Barbieri quer falar contigo. Ava saiu da casa de banho e dirigiuse ao escritório do patrão. Passara um dia inteiro desde o seu último encontro e, se dependesse dela, teria passado um


século até ao seguinte. Não lhe agradava a ideia de voltar a ver um homem que a desprezava e que não desperdiçava a oportunidade de a humilhar, sobretudo, porque era o homem por quem estivera apaixonada. Vito usava um fato cinzento, estava devastadoramente elegante, apontou para a almofada que tinha na mesa e perguntou: – O que é isto, Ava? – Um presente para Matt Aiken e a esposa. Investiguei-os e descobri que criam cães labradores, com que participam em concursos. Achei que gostariam. – E aquela jarra horrível que compraste? – interveio Karen.


– Procede de uma organização que ajuda viúvas sem recursos... Ruhina Dutta está muito preocupada com os direitos das minorias na Índia. Pensei que gostaria bastante mais desse presente, do que de um perfume – indicou Ava, sem se deixar intimidar. – Sim, claro... E o fio da Tiffany’s? – insistiu Karen. – É tão ridículo, que nem sequer tem um fecho para... – Não tem fecho, porque é uma corrente para óculos – interrompeu-a. – Comprei-a para a senhora Fox, depois de ler uma entrevista onde se queixava de que os óculos lhe caem constantemente. Vito deu uma gargalhada. A sua


irritação, por ter de se ocupar de um assunto menor, desaparecera por completo. Estava a divertir-se com o confronto entre as duas mulheres. – Isso não justifica que tenhas comprado imensas coisas relacionadas com animais – declarou Karen, que não estava disposta a dar o braço a torcer. – Porquê? As pessoas gostam de animais... Além disso, disseste-me para poupar, sempre que fosse possível. – Mas não te disse para comprares lixo! – Não é lixo – defendeu-se. – No entanto, posso devolver tudo. Vito decidiu intervir. – Isso não será necessário. Acaba o trabalho que te dei, porque é óbvio que


fizeste os trabalhos de casa e te esforçaste para descobrir aquilo de que as pessoas da lista gostam. Agora, por favor, não me incomodem mais com trivialidades. Saiam daqui e levem convosco as vossas diferenças de critério. A diretora ficou tensa. – Claro, senhor Barbieri. Lamento ter interrompido. As duas mulheres estavam a rever a lista, quando apareceram alguns colegas de trabalho, que tinham visto os folhetos de Marge e queriam contribuir com algum dinheiro para a causa do refúgio. Naturalmente, isso aumentou o aborrecimento de Karen.


– Lembra-te de que estás aqui para trabalhar e não para procurar apoio para a tua organização de beneficência favorita. Quando voltar, esta tarde, vou dar-te mais coisas para fazer. Será melhor acabares depressa as tuas compras. Karen cumpriu a sua palavra. Naquela tarde, levou-a para os arquivos da cave e deu-lhe trabalho suficiente para a manter ocupada durante muitos dias. Ava sabia que estava a castigá-la, mas aceitou o trabalho sem ressentimento algum. Embora a cave fosse um lugar frio e solitário, tinha a vantagem de, pelo menos, não se encontrar com Vito.


Uma semana depois, Vito estava num restaurante famoso, admirando a sua acompanhante. Laura era uma mulher muito sensual, de olhos amendoados e cabelo loiro, comprido. Qualquer homem se teria sentido atraído por ela, mas Vito não era um homem qualquer. A voz dela parecia ser muito aguda; a boca muito tensa e, além disso, não gostava que a modelo se dedicasse a criticar constantemente as colegas da passarela. Talvez tivesse chegado o momento de acabar com Laura, exatamente como acabara, naquela manhã, com uma velha tradição. De manhã, recebera uma chamada telefónica de Damien Keel, o novo


diretor da imobiliária. Damien, que não sabia nada do que se passara há três anos, estava a organizar a sua agenda para o Natal e queria saber se ele ia dar uma festa no castelo. Vito não celebrava festas em Bolderwood, desde a morte de Olly, mas pensou que três anos era muito tempo de luto e que tinha chegado o momento de voltar à normalidade. Depois de se despedir de Laura, voltou para a AeroCarlton e olhou para a receção. Não via Ava há vários dias, portanto, começava a sentir curiosidade. – Sabes se Ava Fitzgerald continua connosco? – perguntou à rececionista. – Não, senhor. – Descobre. Uns minutos depois, a rececionista


disse-lhe que Ava estava na cave, a trabalhar. Já acabara de organizar os arquivos velhos, contudo, longe de lhe levantar o castigo, Karen pedira-lhe para organizar os mais recentes. E ali estava ela, a levar caixas de um lado para o outro, quando ouviu uma voz que lhe era familiar. – Como penso que não tenhas tido tempo para comer, trouxe-te comida. Ava virou-se e encontrou Pete Langford, um colega de trabalho. Pete era um homem magro, de estatura média, que descia as escadas de vez em quando, para conversar com ela. Ava sabia que gostava dela e fizera o possível para o afastar, mas sem êxito.


– Vá lá, descansa um pouco. Pete aproximou-se da mesa e pousou uma sandes e um refresco. – Agradeço muito, mas não posso. Além disso, tenho de ir às compras. – Deixa as compras para mais tarde. Ava afastou-se dele. As colegas tinham-na avisado de que Pete Langford tentava sempre seduzir as recémchegadas. – Lamento, mas não posso. Pete suspirou. – Pode saber-se o que se passa? – Não se passa nada – respondeu. – Simplesmente, não me interessa. – És lésbica? – perguntou, com brutalidade. – Não te zangues, mas


suponho que três anos numa prisão de mulheres... Ava empalideceu. – Quem te disse que estive na prisão? – Oh, vá lá, todos sabem. – Como é possível? Eu nunca o mencionei – declarou, humilhada. Nesse momento, ouviram uma voz que deixou Pete e a própria Ava gelados. Era a voz de Vito Barbieri. – Boa pergunta... Quem te disse isso, Pete? Trata-se de informação estritamente confidencial. Vito estava à entrada da cave, a olhar para o empregado com cara de poucos amigos. De facto, parecia estar furioso, mas Ava nunca teria imaginado que o seu aborrecimento não se devia tanto ao


facto de Pete ter informação confidencial, como aos ciúmes que sentira, ao vê-la na companhia de outro homem. – Não me lembro de quem me disse isso, senhor... – indicou Pete, com insegurança. – Será melhor voltar lá para cima. – Uma ideia excelente – declarou. Pete saiu a toda a pressa e Ava franziu o sobrolho. – De onde veio isso? Vito ignorou a pergunta. – Há quanto tempo estás na cave? – Desde que fui ao teu escritório, para falar dos presentes. – Passaste toda a semana aqui?


Ava assentiu. – Sim. – Meu Deus... – Vito deu uma olhadela à sala fria e escura. – Para ti, deve ter sido como voltar à prisão. – Bom, é trabalho. E fico feliz por o ter – declarou. – Além disso, assegurote de que a prisão é muito pior do que a cave de um escritório. – De qualquer forma, quero que saibas que não foi ideia minha. – Eu sei. Tu não és tão mesquinho. Embora, pensando bem, pense que é a solução perfeita para ti. Querias que ficasse bem longe e aqui estou bastante longe – declarou, com humor. A cara de Ava iluminou-se, com um


sorriso que Vito achou muito bonito. Era uma mulher verdadeiramente bela, tanto que, apesar de todos os seus esforços para manter as distâncias e refrear os seus instintos, não desejava outra coisa senão voltar a provar o sabor dos lábios dela. E, enquanto a observava, a sua imaginação traiu-o e viu-a tal como a recordava na sua memória, com sutiãs, saias de couro e botas estilo militar. Os olhos de Ava brilharam e toldaram-se logo de seguida. De repente, o ambiente ficou carregado de eletricidade. Era como estar no centro de uma tempestade. Ava dirigiu-se para Vito, sem estar consciente do que fazia, mas estando incrivelmente consciente do


endurecimento dos seus mamilos e do calor que sentia entre as pernas. Vito não pôde evitá-lo. Fechou a mão sobre o pulso dela, apertou-a contra o seu corpo e abraçou-a, dominado pelo desejo. Depois, levantou a outra mão e acariciou-lhe o lábio inferior com um dedo, docemente. Ava gemeu e sussurrou: – Beija-me. O desejo de Ava era tão premente, que não conseguia pensar noutra coisa. Vito inclinou a cabeça e beijou-a com toda a fome do seu corpo poderoso, e ela respondeu do mesmo modo, apertando os seios contra ele. Perdeu a força nas pernas e tinha a sensação de


que o mundo começara a girar à sua volta. Então, Vito afastou-se um pouco, acariciou-lhe um mamilo por cima da roupa e, depois de lhe arrancar um gemido, disse: – Este não é o lugar mais adequado, cara mia. Ava respirou fundo, para recuperar o controlo do seu corpo traiçoeiro e se sobrepor à deceção da retirada, mas sabia que também era difícil para ele, porque sentia a força da ereção. E sentiu-se aliviada, ao ter a certeza de que, daquela vez, não ficara sozinha ao cair no redemoinho do desejo. – Não te preocupes, Ava – indicou, com seriedade. – Vou encarregar-me de


que te tirem imediatamente da cave. – Esquece. Não é necessário. – Claro que é. Gosto de tratar bem as minhas trabalhadoras. Isolar-te na cave e condenar-te a um trabalho tão aborrecido, como repetitivo, é algo absolutamente inaceitável. Olhou para ele com atrevimento. – O que quiseste dizer com «tratares bem as tuas trabalhadoras»? Também as beijas? – Não. Tu és a primeira. – E suponho que agora vais dizer-me que não voltará a acontecer... Lançou-lhe um olhar torturado e ela corou repentinamente, consciente de que o provocara de propósito.


Vito ainda estava excitado, quando começou a subir as escadas. Gostava tanto de Ava Fitzgerald, que poderia sentá-la na mesa, separar-lhe as pernas e saciar o mútuo desejo. Mas detestava perder o controlo. Contudo, já não podia negar que a desejava. De facto, desejava-a mais do que desejara qualquer outra mulher, em muito tempo. E não podia enganar-se com a antiga desculpa, de que só gostava dela porque era uma espécie de fruto proibido. Ava deixara de ser uma adolescente. Era uma mulher adulta e livre de compromissos. Tão adulta e livre como ele. Além disso, não tinha motivos para


desperdiçar a oportunidade que se apresentara. Era uma mulher sensual, que o excitava, e essa excitação era tão pouco comum na sua vida, que bastava para desprezar qualquer outra consideração, incluindo o facto de se tratar da mulher que causara o acidente de Olly. Uma hora mais tarde, Karen Harper chamou Ava, para subir e dirigir-se à receção, onde lhe pediu que fizesse café e arrumasse a sala, entre outras tarefas. A tarde passou rapidamente e, quando acabou, foi ao refúgio buscar Harvey. Marge alegrou-se tanto por saber que vários empregados da AeroCarlton queriam comprar os seus produtos, que a convidou para jantar.


Depois, deu um longo passeio com Harvey e sentou-se a descansar num banco, durante alguns minutos. Ainda não se habituara à ideia de que recuperara a sua liberdade e que a sua vida já não estava submetida aos limites e aos regulamentos da prisão. Quando o telemóvel tocou, assustouse. Tinha esperança de que fosse uma das irmãs, mas era Vito. – Olá, Ava! Preciso da tua morada. Quero falar contigo. Ava teve uma boa surpresa, mas deulhe a morada, apesar de não gostar da ideia de Vito ver a sua casa modesta. E como já não tinha tempo para devolver o cão a Marge, levantou-se e dirigiu-se


para casa, a toda a pressa. Conhecendo Vito, presumia que quereria falar com ela, para lhe dizer que aquilo que se passara na cave não significava nada. Ava não tinha ilusões. Milionários como ele, não mantinham relações sérias com as empregadas, sobretudo, se a empregada em questão era uma ex-presidiária, que matara um familiar dele. Achou que se deixara levar pelo impulso e que depois, ao pensar nisso, teria mudado de ideias. E questionou-se se fora culpa dela, se não se teria insinuado, inconscientemente. No entanto, daquela vez, não estava disposta a carregar com toda a responsabilidade. Nem a permitir que a


acusasse de o ter seduzido.


Capítulo 4

Havia uma limusina estacionada à frente do edifício onde vivia. Ava atravessou a rua com Harvey e dirigiuse para lá. E então, uma das portas do veículo abriu-se e viu Vito Barbieri. Estava imaculado, como sempre, com o fato que usava no escritório e um casaco de caxemira. Ao vê-lo, Ava lamentou usar umas calças de ganga velhas e um casaco, embora afastasse aquele pensamento imediatamente. Independentemente do que vestisse,


achou que nunca poderia impressionar um homem que tinha tudo e que saía com modelos de fama internacional. – Olá, Ava! – Olá! – Não sabia que tinhas um cão... – Tenho – confirmou. – Dá a pata a Vito, Harvey. Para surpresa de Vito, o cão sentou-se e deu-lhe a pata. – De qualquer forma, não é exatamente meu – confessou. – É um dos cães do refúgio... Eu gostava de ficar com ele, mas o senhorio não permite. – Seria bom para ti. – Porque dizes isso? – perguntou, enquanto abria a porta. – Porque este não é um bom bairro,


para uma mulher que vive sozinha. – Achas que não me apercebi? Ava começou a subir as escadas, oferecendo-lhe uma vista magnífica do seu traseiro. Vito seguiu-a e pensou que tinha um corpo lindo. – Não me agrada que vivas aqui. E é uma pena que não possas ficar com o cão. – É verdade, mas o senhorio é muito rígido. De facto, terei de sair mais tarde, para o devolver a Marge. – Quem é Marge? – A mulher que gere o refúgio. Trabalhei lá durante uns meses, num dos programas da prisão, e ajudo-a sempre que posso. Conta com uma rede de


voluntários, que se encarregam de procurar pessoas que querem adotar animais. – E de fazer almofadas – comentou ele, com humor. – É verdade. Ao chegar ao terceiro andar, Ava tirou a chave e abriu a porta do apartamento. Harvey deitou-se num tapete que havia junto de uma cama e Vito deu uma olhadela ao lugar. O tapete que cobria o chão de linóleo era o único luxo. – Não posso acreditar que a tua família saiba que vives num sítio como este e não faça nada – reclamou. – Bom, é mais confortável do que viver numa hospedaria. Queres um café?


Vito abanou a cabeça. – Não, obrigado. Acabei de beber um. Ao aproximar-se da janela, Vito apercebeu-se de que a sua respiração formava nuvens de vapor de água. Pelos vistos, o apartamento também não tinha aquecimento. – Podes tirar o casaco. Prometo que não o roubarei. – Prefiro ficar com ele vestido. Está frio. Ava sorriu, enquanto acendia o fogão da cozinha. Vito era tão friorento, que Olly se ria sempre dele. – E então? O que querias? Disseste que precisavas de falar comigo. – Quero fazer-te uma oferta.


– Uma oferta? Vito assentiu. – Decidi que, este ano, vou dar uma festa de Natal no castelo. Não é que me apeteça muito, mas acho que já está na hora. Ava olhou para ele com estranheza. – Insinuas que não deste uma festa desde...? Vito voltou a assentir. – Há três anos – respondeu. – Ah... Ava ficou tão espantada, que demorou um momento a reagir. E, quando o fez, apressou-se a voltar à conversa original. – E o que queres de mim? – Quero que a organizes.


– Eu? Queres que organize a tua festa? – E que te encarregues da decoração. – Mas... – Olly e tu encarregavam-se sempre dessas coisas – recordou-lhe. – Só te peço que voltes a fazê-lo. Ava estava realmente espantada. – Sabes o que estás a pedir-me, Vito? Sabes o que as pessoas dirão, quando descobrirem que organizei a festa? Vito arqueou uma sobrancelha. – Nunca me importei com aquilo que os outros pensam – declarou, com firmeza. – É a solução perfeita, Ava. Sei que saberás criar um ambiente verdadeiramente natalício... Além disso,


Olly e tu adoravam essas tolices. Sugiro que fiques na AeroCarlton até sextafeira e que te mudes para o castelo depois disso. – Que me mude para o castelo? – É óbvio. Não podes organizar a festa, estando aqui. Ava recordou o prazer de passar o Natal em Bolderwood, a diversão de escolher uma árvore, decorá-la e comer doces junto da lareira, no grande salão. Mas a ideia de regressar ao castelo sem Olly pareceu-lhe ser inadmissível. Não merecia. Matara o melhor amigo e, de passagem, devastara a vida de Vito. – Não posso. Seria um erro. Ofenderia muitas pessoas. – Se não me ofende, porque haveria


de ofender os outros? És muito sensível, Ava. Deixa de viver no passado. – Mas, se tu próprio disseste que não consegues perdoar-me! – protestou. – Como esperas que perdoe a mim mesma? Vito suspirou. – Passaram três anos e, por vezes, parece que foi ontem, mas passaram três anos. E temos de seguir em frente... Aceita a minha oferta. Faz com que este Natal seja um tributo à memória de Olly. Ava não soube o que dizer. A lembrança de Olly doía-lhe tanto, que estava à beira das lágrimas. – Meu Deus, Ava! – continuou, impaciente. – Achas que Olly teria


gostado que vivesses num buraco como este? – Não, sei que não teria gostado, mas não posso fazer nada – respondeu, com dignidade. – Não podes fazer nada? – repetiu, atónito. – O que aconteceu? Sempre foste uma lutadora. Sinceramente, esperava mais de ti. As palavras dele fizeram-na reagir. Vito apelara ao seu orgulho, à confiança em si própria, por isso, não tinha outro remédio senão aceitar o desafio. – Está bem. Se queres que o faça, vou fazê-lo, mas... – Mas? – Depois, não te queixes se as pessoas disserem que estás louco.


Vito olhou para Harvey. O cão estava tão relaxado, em cima do tapete, que parecia que se fundira com ele. – Já te disse que não me importo com aquilo que os outros pensam. – No entanto... – Não procures problemas onde não há, Ava. – Virou-se para ela e observoua. – Além disso, a tua estadia no castelo poderia ter consequências que, certamente, não valorizaste. Talvez te ofereça a oportunidade de voltares a ver a tua família. Ela abanou a cabeça. – Não querem ver-me. Deixaram bem claro que não me querem nas suas vidas... Mas é uma decisão deles. Se


querem assim, terei de aceitar e seguir em frente. Vito não disse nada. Ainda estava espantado com aquilo que fizera. Pedir a Ava para tratar da organização da festa, era uma forma de a ajudar e de se ajudar, porque tinha a esperança de que isso o ajudasse a superar a vulnerabilidade atroz que sentia cada vez que pensava no falecido irmão, uma fraqueza que não podia aceitar e com a qual já não conseguia viver. Pensou em todas as pessoas que lhe recomendaram que fosse a um terapeuta para superar a dor e torceu o nariz. Não era o seu estilo. Não queria falar de coisas tão íntimas com um desconhecido e, por outro lado, nem achava que


precisasse de ajuda profissional, devido a um acontecimento que, embora trágico, fazia parte da normalidade da vida. Vito sentia-se completamente capaz de o superar, sem ajuda de ninguém. E pensou que, depois do Natal, quando Ava Fitzgerald se fosse embora, teria dado um passo em frente no seu processo de recuperação. – Posso levar Harvey para o castelo? Vito franziu o sobrolho. Gostava de animais, mas não os queria em sua casa. Só fizera uma exceção com Olly, que pudera ter um hámster e um peixe. – Prometo que não te dará problemas. Só te peço isto, porque ninguém quer adotá-lo e porque Marge não tem espaço


para ele. Estarias a fazer-lhe um grande favor... E, quem sabe, talvez um dos teus empregados fique com ele. Vito olhou para o cão, que roncava placidamente. – De que raça é? – É rafeiro – respondeu Ava, esboçando um sorriso enorme. – E tem tão bom feitio, que adora crianças... De facto, estou a pensar que até poderia contribuir para a festa de Natal. Ficará muito bem, se lhe pusermos um gorro de Pai Natal ou um disfarce de rena. Vito suspirou. A ideia parecia ser realmente absurda. – Leva-o, se quiseres, mas não te iludas porque não vou ficar com ele. Ava riu-se, contente.


– Calma, não esperava que ficasses com ele... E prometo que o manterei longe de ti. Sei que não gostas de cães. Olly contou-me que um te mordeu, quando eras criança. Vito incomodou-se perante a lembrança. Em primeiro lugar, porque não gostava que falassem dele nas suas costas e, em segundo, porque o fez pensar que outras coisas lhe teria contado. – Terei de falar com Sally, a minha agente da liberdade condicional. Não posso sair de Londres sem a permissão dela – acrescentou Ava. – Tenho de falar com ela todos os meses. – Só ficarás fora umas semanas.


Duvido que ela se importe. – Estou em liberdade condicional, Vito. Se não cumprir as regras, volto para a prisão. Ele cerrou os dentes. – Está bem... Vou dar-te um pouco mais de tempo. Vou fazer com que um carro venha buscar-te no domingo à tarde. Vito foi-se embora e a divisão ficou tão fria e vazia, como se o sol se tivesse posto de repente. Ava sentou-se na cozinha, trémula. O que fizera? Porque aceitara a proposta? Mas, sobretudo, porque é que Vito lha oferecera? Supôs que queria fechar o círculo. E compreendeu-o perfeitamente, porque a tragédia da morte de Olly devia ter sido


especialmente dolorosa para um homem tão reservado como Vito Barbieri. De qualquer forma, achou que Vito estava certo, ao afirmar que não podia viver no passado. Quer gostasse, quer não, a vida continuava e teria de aprender a ir em frente com ela. – Sei que só ficarás aqui até sextafeira – observou Karen Harper, na manhã seguinte, enquanto revia os documentos que Ava passara à máquina. – Vejo que és muito amiga do senhor Barbieri... – Eu não diria que somos amigos. Vito continua a ser o meu patrão. Apesar das suas tentativas para tirar


importância ao assunto, o ambiente carregara-se ao longo da semana e Ava viu-se obrigada a ouvir mais perguntas impertinentes do que desejava responder. Quando a sexta-feira chegou, sentiuse imensamente aliviada. Tinha de ir falar com a sua agente da liberdade condicional, portanto, pôde sair do escritório mais cedo. – Vais alojar-te num castelo medieval? – perguntou Sally, atónita. – Não é medieval... Embora lhe chamem «castelo», Bolderwood é uma mansão da época vitoriana – explicou. – Uma mansão que pertence ao irmão de Oliver Barbieri – declarou, esboçando um sorriso. – Vito deve ser


um homem muito atento. – Sei que nunca me perdoará pelo que aconteceu. E não o culpo. – Não entendo... – Simplesmente, pensa que ambos precisamos de superar a dor e voltar à normalidade. Pareceu-lhe ser a melhor forma de o conseguir. Sally assentiu. – Mesmo assim, parece ser algo muito generoso da parte dele. Dois dias depois, enquanto viajava para Bolderwood numa limusina, com Harvey a dormir aos seus pés, Ava pensou que Sally tinha razão. Vito demonstrara ser um homem


notavelmente generoso. No entanto, também pensou que não era assim tão surpreendente. Afinal de contas, oferecera a casa a Olly, quando ficara sozinho no mundo, um rapaz que, até então, só vira algumas vezes. Vito Barbieri, o homem da fachada dura e inflexível, o homem que os seus adversários temiam e respeitavam por igual, tinha um coração de ouro. O nervosismo de Ava foi aumentando, à medida que se aproximava de Bolderwood. Estava assustada e entusiasmada perante a perspetiva de voltar a ver as terras da sua infância. Atrever-se-ia a visitar o pai e as irmãs? Considerara seriamente essa possibilidade, mas não lhe parecia ser


uma boa ideia. Tinha a certeza de que nem sequer se dignariam a recebê-la. Ao pensar nisso, lembrou-se de Olly e de uma frase que dizia com frequência: «Tens uma atitude muito negativa.» Porém, Olly nunca entendera a sua situação. Embora a mãe dele tivesse morrido e o pai o tivesse ignorado, crescera com mais amor e apoio do que Ava recebera em toda a sua vida. Não sabia o que significava sentir-se permanentemente excluído, não se habituara a desconfiar das pessoas e a esperar sempre o pior. Um pouco depois, a limusina parou à frente das portas gigantescas de ferro, de Bolderwood, que se abriram a pouco e


pouco. Ava sentiu um nó na garganta, quando avançaram pelo caminho e os faróis do veículo iluminaram a mansão. Com quatro torres e um verdadeiro bosque de chaminés da época isabelina, o seu arquiteto incluíra elementos de quase todos os estilos que antecederam a sua construção. Sempre lhe parecera ser um lugar muito romântico. E muito íntimo porque, apesar de Vito ter muitos empregados ao seu serviço, nunca organizara atos sociais, a não ser a festa de Natal. Eleanor Dobbs, a morena esbelta de trinta e tantos anos, que era a governanta do castelo, recebeu Ava à porta. – Menina Fitzgerald... – cumprimentou, com um certo


desconforto. – Vou conduzi-la ao seu quarto, para que possa desfazer as malas. – Preferia que me tratasses por tu, Eleanor – Ava corou, sem conseguir evitar. – Como estás? Como está tudo? – Bom, as coisas estiveram bastante tranquilas, desde a tua última visita – respondeu, enquanto a levava para as escadas. – Todos nos alegramos por voltarmos a celebrar a festa de Natal. Ava teve uma surpresa, ao ver que iam alojá-la no melhor quarto de hóspedes. Era um quarto enorme, com casa de banho própria, que se encontrava numa das torres da mansão. A lareira estava acesa e conferia um tom


alaranjado aos móveis de mogno e à cama gigantesca de dossel. – Porque me trouxeste para aqui? – perguntou, em voz baixa. – Porque o senhor Barbieri o ordenou. Ava ficou gelada. – Vito? Está aqui? – Sim, penso que está no quarto. A governanta foi-se embora e Ava observou o lugar com espanto, enquanto Harvey se deitava num tapete. Parecia incrível que Vito a tivesse alojado num quarto que, normalmente, reservava para convidados importantes. – Não te sintas confortável, Harvey. Não ficaremos muito tempo. Saiu do quarto, avançou pelo


corredor, bateu à porta do quarto de Vito e esperou de braços cruzados. Como não respondia, abriu a porta e entrou, mas parou ao ver que Vito saía da casa de banho, de boxers. Durante uns segundos, ficaram boquiabertos e entreolharam-se. Ava achou que tinha um corpo impressionante, com um peito musculado e uma barriga tão lisa como uma tábua de engomar, mas reparou particularmente na linha de pelos pretos e finos que desaparecia sob os boxers. – Oh, lamento. Não pretendia... – Pelo menos, fecha a porta. Ela fechou a porta, corada como um tomate. Sentia-se verdadeiramente


envergonhada. Ficara a olhar para ele como uma tonta, como se nunca tivesse visto um homem seminu em toda a sua vida. E, infelizmente, era verdade. Tinha vinte e dois anos, e uma falta de experiência que significava uma ofensa para o seu orgulho. Durante a adolescência, estivera tão obcecada por Vito, que nem sequer vivera a fase juvenil da experiência e, mais tarde, a prisão impedira que tivesse algum tipo de relações sexuais. – Pode saber-se o que aconteceu? – perguntou ele. – Alojaste-me no quarto dos convidados importantes, Vito. Não me parece ser uma boa ideia.


Vito pegou numas calças e vestiu-as. Enquanto puxava o fecho, Ava pensou que nunca lhe parecera mais tranquilo, nem mais seguro de si. – Deixa que seja eu a decidir, se é ou não apropriado. – Mas essa é a questão! – exclamou ela, com veemência. – Nunca fazes o que é apropriado. Ele arqueou as sobrancelhas. – Esta é a minha casa e aqui faz-se o que eu digo. A arrogância de Vito enfureceu Ava. – Não discuto isso, mas não podes desprezar os sentimentos dos outros. O que dirão, quando descobrirem? – Não é um assunto teu, Ava.


– Tens um verdadeiro problema de atitude... Vito sorriu e pegou numa camisa. – Isso é verdade. Nunca suportei que me digam o que tenho de fazer. – Eu não estou a dizer que... – Claro que estás. És uma mandona. Sempre foste. Vito olhou para ela de cima a baixo e desejou tirar-lhe a roupa, vestir-lhe lingerie de renda e seda, e deitá-la na cama. – Eu não sou mandona! – Se tu o dizes... – sussurrou, com humor. – Mas não te enganes comigo. Eu não acato ordens de ninguém. Decidi que ficas naquele quarto, porque quis.


– Leva-me para um quarto mais... Modesto. Vito vestiu a camisa, enquanto a imaginava com umas cuecas mínimas e um sutiã transparente. – Não. – Peço-te, Vito. Não sou uma convidada de honra. Sou uma empregada... Devia alojar-me na ala dos empregados. – Não – repetiu. – E não insistas, porque não vou mudar de opinião. – Mas dirão que... – És uma rapariga inteligente. Reverte a situação a teu favor. – A meu favor? – repetiu, frustrada. – Se me tratares como uma convidada


especial, darás azo a todo o tipo de falatórios. Vito avançou para ela, com a camisa aberta. – Corrige-me, se me enganar... Não estiveste três anos na prisão? Não te parece que já pagaste pelo que fizeste? Ava baixou o olhar. – Sim, claro que sim. – Julgaram-te, sentenciaram-te e mandaram-te para a prisão. Porque te empenhas em continuar a pagar? – perguntou, com impaciência. – Ordenei que te levassem para aquele quarto porque, se eu te tratar com o respeito que mereces, os outros ver-se-ão obrigados a seguir o meu exemplo e a tratar-te do mesmo modo.


– Não é assim tão simples... – protestou. – Claro que é – replicou, com firmeza. – Não permitas que a tua insegurança complique as coisas. As palavras de Vito feriram o seu orgulho. – Eu não sou insegura! – Ava, sempre foste insegura. – Isso não é verdade! – Ah, não? – Bom... Não é totalmente verdade! Vito deu um passo em frente e acariciou-lhe os lábios. – Está visto que não pode dizer-se a verdade... Ava recuou, assustada.


– Não me toques, Vito. Ele sorriu e inclinou a cabeça com a intenção evidente de a beijar. – Não queres que te toque? – perguntou, em voz baixa. – Estás desejosa que te toque, Ava. Tu e eu sabemos que o desejas.


Capítulo 5

Vito pôs-lhe a mão na parte de baixo das costas e apertou-a com força contra o seu corpo. O calor e o contacto ferozmente físico derrubaram as defesas de Ava, mesmo antes de a beijar e de as arrasar por completo. Nunca teria imaginado que um beijo podia ser tão prazenteiro. A paixão de Vito despertou nela uma necessidade desesperada. Respondeu ao beijo dele com ansiedade, insegura por causa da falta


de experiência e assustada com a possibilidade de ele se afastar, como já fizera antes, mas a invasão penetrante da língua dele conseguia fazer com que o sangue lhe fervesse nas veias e o seu coração acelerasse desenfreadamente. Nunca nada lhe parecera tão necessário. Nunca nada lhe parecera tão correto. – Per l’amor di Dio, Ava... – replicou, em italiano. – Enlouquecesme. – Sou assim tão terrível? Vito sorriu, inclinou a cabeça e voltou a beijá-la. Depois, emitiu um gemido que vibrou dentro do seu peito poderoso, enquanto as mãos se agarravam às ancas de Ava, apertando-a contra ele e tornando-a terrivelmente


consciente da ereção dele. O cheiro almiscarado embriagava-a por completo, quando lhe mordeu um lábio. Tremeu e esfregou os seios contra a parede dura do peito dele. Nem se apercebeu de que lhe abrira o fecho da saia, até a roupa cair no chão e ele a abraçar, e a deitar na cama com um movimento surpreendentemente fluido. Ava incomodou-se um pouco, porque demonstrava que tinha muito mais experiência que ela e porque acabara na cama sem ter a oportunidade de decidir, mas renunciou à possibilidade de retomar o controlo. Enquanto Vito lhe tirava os sapatos, apoiou-se nas almofadas com


nervosismo, embora estivesse pronta para o que ia acontecer. Depois, ele tirou a camisa e deixou-a de lado. Os olhos de Ava devoraram aquele peito cor de mel, tão belo que bastou para apagar os últimos retalhos do seu bom senso. Estendeu os braços com a intenção de o acariciar, mas Vito começou a desabotoar-lhe os botões da blusa, beijando-a cada vez que soltava um. Pouco depois, a blusa e o sutiã desapareceram e deixaram de ser um obstáculo. Acariciou-lhe os mamilos com as duas mãos e emitiu um gemido que Vito interpretou como sendo um convite para descer sobre os seus seios e insistir na tortura deliciosa mas, dessa


vez, com a língua. Excitada, levou as mãos aos ombros dele e agarrou-se a eles. – Toca em mim, se quiseres, cara mia... Ava corou, mas afastou as mãos dos ombros e, para surpresa de Vito, levouas diretamente à ereção dele. Ele compreendeu o que queria e afastou-se o tempo exato para tirar as calças e os boxers. Ava fechou os dedos sobre o sexo dele e acariciou-o com doçura. Era duro e incrivelmente suave. Contudo, isso não lhe pareceu suficiente. Embora carecesse de experiência, deixou a ignorância e o medo de lado, e inclinou a cabeça para


fazer o que mais desejava. Vito gemeu, quando a boca de Ava se fechou sobre o membro dele. – Oh, Ava... Depois de a deixar fazê-lo durante alguns segundos, afastou-a e olhou para ela nos olhos. – Quero ter-te. Quero ter-te, agora – afirmou. – E tu? Também queres? Ela respondeu, sem a menor sombra de dúvida. – Sim. Os dedos de Vito avançaram pelas suas coxas e ela ficou imóvel, completamente dominada pelo desejo, perguntando-se se alguém teria sentido, alguma vez, o prazer que ela sentia naquele momento. Seria sempre assim?


Ou será que os seus anos de prisão a faziam desejar sexo de um modo desesperado? – Adoro o teu corpo, Ava. És tão bela... Ela sorriu e tentou não pensar nas dúvidas que, de vez em quando, assaltavam a sua mente. Só ia fazer amor, nada mais, nada menos. Era apenas sexo. Não podia ser tão ingénua, para acreditar que daquele encontro amoroso poderia surgir uma relação mais profunda. Só ia explorar a ligação que sempre tinham tido. Ia ser o culminar do que sempre desejara. Vito voltou a beijá-la e tirou-lhe as cuecas. Depois, pôs uma mão entre as


suas pernas e acariciou-a durante uns instantes, antes de introduzir suavemente um dedo e acariciar-lhe o clitóris com o polegar. – Estás tão húmida... Ava tentou refrear os seus impulsos, mas as ondas de prazer eram muito intensas, para poder suportá-las em silêncio. Deixou escapar uma série de pequenos gemidos desesperados e retorceu-se com força, como se estivesse febril, longe de qualquer possibilidade de recuperar o controlo. De repente, Vito quebrou o contacto e afastou-se, deixando-a frustrada e mais impaciente do que nunca, mas só se afastou para pôr um preservativo. Voltou rapidamente para ela e


separou-lhe as pernas mais uma vez. Penetrou-a com um movimento potente e arrancou-lhe um grito de dor, deixandolhe uma sensação de desconforto tão inesperada, como inoportuna. Vito ficou gelado. – Sou o primeiro? – perguntou, atónito. Ava sentiu-se tão humilhada, que teve de fazer um esforço para olhar para ele nos olhos. – Bom, não é para tanto... – conseguiu dizer. – Não lhe dês importância. – Não lhe dou importância? – repetiu, ainda perturbado. – E como esperas que reaja? Vito não conseguia acreditar. Ava


Fitzgerald, a jovem que sempre imaginara que seria uma perita em matéria de relações sexuais, continuava a ser virgem. Pelos vistos, a vida podia sempre proporcionar mais de uma surpresa. – De maneira nenhuma – respondeu, orgulhosa. – Além disso, já não tem remédio. – Mas... – Sim? Vito olhou para ela com desconfiança. – Porque me escolheste? Porque quiseste fazê-lo comigo? Ava subiu as ancas e fechou as pernas à volta do corpo dele, para tentar fazê-lo esquecer as suas preocupações. Vito pôs-lhe as mãos nos ombros e tentou


afastar-se dela, mas rendeu-se quando Ava repetiu o movimento e o envolveu definitivamente com o seu calor e a sua paixão. Depois, fechou os olhos e pensou que não ia permitir que Vito arruinasse o momento com que sempre sonhara. Nem sequer sabia porque se inquietava tanto que fosse virgem. Talvez pensasse que a sua inexperiência a impulsionaria a pedir mais coisas do que ele estava disposto a dar. Ao fim e ao cabo, ouvira dizer que as virgens tinham tendência a apaixonar-se em excesso pelos seus amantes e a procurar laços, para além do físico. – Isto não é o que eu queria... –


declarou ele. – Bom, nem sempre conseguimos ter o que queremos – declarou, excitada. – Não quebres a magia, Vito... Dividido entre o desejo de a estrangular e de fazer amor com ela durante uma semana inteira, Vito praguejou em italiano. Por um lado, nunca desejara ninguém como a desejava a ela, por outro, sempre se recusara a fazer amor com mulheres virgens ou especialmente vulneráveis, porque não queria aproveitar-se da situação. Por fim, deixou-se levar pelo desejo e começou a mexer-se com suavidade, acelerando o ritmo. A excitação de Ava aumentou, pouco a pouco, até uma força


incontrolável rebentar dentro dela e se espalhar pelo seu corpo, como se lhe tivessem dado uma injeção de pura felicidade. Ainda sentia os espasmos, quando Vito atingiu o clímax. Abraçou-o com força, desejando fundir-se nele. – Foi... Foi tão diferente, bella mia... – afirmou, num tom ofegante. Momentos depois, Vito levantou-se e dirigiu-se para a casa de banho, enquanto ela ficava na cama, a pensar naquilo que dissera. Diferente. Não era precisamente um elogio, contudo, em vez de se sentir ferida, sentou-se, esperou que Vito voltasse a entrar no quarto e declarou com uma despreocupação calculada:


– Diferente? Foi apenas um pouco de diversão. Ele ficou gelado. – Como? O que disseste...? – Foi apenas um pouco de diversão. Vito semicerrou os olhos. – Meu Deus... Acabaste de perder a virgindade! Ela encolheu os ombros. – E, na semana que vem, farei vinte e dois anos, Vito. – Não te entendo. – Ah, não? Diz-me, quantas raparigas de vinte e dois anos conheces, que ainda sejam virgens? Já estava na hora de dar esse passo. A atitude desafiante de Ava irritou


Vito. Longe de se mostrar vulnerável, falava como se tivesse uma armadura que a protegesse, como se tivessem feito amor porque ela decidira que queria perder a virgindade. Sentiu-se tão ofendido, que se arrependeu por se ter deixado levar pelo desejo. – Asseguro-te de que não queria ter a honra de ser o teu primeiro amante – confessou, muito sério. – De facto, se tivesse sabido que eras virgem, nunca te teria tocado... Mas supus que tinhas experiência. Os olhos azuis de Ava fixaram-se nele. Até ao momento, conseguira fingir, mostrar-se tranquila e despreocupada, embora as suas verdadeiras emoções distassem muito de o ser.


– Não tinha, mas já resolvi esse problema. – Em qualquer caso, a última coisa de que precisas agora, é de outra aventura – indicou, com firmeza. – E quem és tu, para me dizer aquilo de que preciso? – Olha, Ava... – Esquece, Vito – interrompeu. – Se me emprestares roupa, voltarei para o meu quarto e deixar-te-ei em paz. Vito entrou na casa de banho e saiu com um roupão preto, que atirou para cima da cama. Ava cerrou os dentes, pegou no roupão e vestiu-o rapidamente, para esconder a sua nudez. Depois, fechou-o e pegou na sua roupa com tanta


dignidade quanto pôde. Concluída a tarefa, voltou para o seu quarto e entrou no duche. Ainda estava espantada com o que acontecera entre Vito Barbieri e ela. De algum modo, o espírito da adolescente que fora tomara o controlo do seu corpo e triunfara sobre a mulher adulta. Ava esfregou a pele com força, como se assim pudesse apagar a lembrança das carícias dele. Quando se secou, vestiu umas calças de ganga e uma camisola, e sentou-se junto da lareira, ao lado de Harvey. Finalmente, perdera a virgindade, mas sentia-se estúpida e confusa, devido a um redemoinho de emoções contraditórias.


Enquanto acariciava o cão, pensou que não derramaria uma lágrima por Vito Barbieri, comportar-se-ia como se nada tivesse acontecido, como se fosse um episódio insignificante e sem relevância alguma, que estava desejosa de esquecer. – Não devia ter ido ao quarto dele – declarou, em voz alta. Arrependia-se de ter desafiado e provocado Vito. Naquele momento, parecera-lhe que a questão do seu alojamento era de suma importância, mas agora parecia ser um assunto trivial, que não merecia o esforço que lhe dedicara. Alguém bateu à porta e interrompeu


os seus pensamentos. Era uma empregada, que trazia uma bandeja com comida. – O senhor Barbieri disse que teria fome... A empregada deixou a bandeja na mesa que estava junto da janela e destapou o prato. – Não te devias ter incomodado – indicou Ava. – Podia ter comido na sala de jantar. Ava olhou para o frango e sentiu água na boca. Quando era adolescente, sentiase incomodada quando os empregados lhe serviam a comida, durante as suas visitas a Bolderwood. Contudo, com o tempo, as suas opiniões tinham-se tornado mais racionais. Ser servida no


castelo, não era nenhuma vergonha. Sabia que Vito pagava bem e oferecia boas condições de trabalho. – Teria sido uma tolice, menina. Somos muitos e só temos de cuidar de duas pessoas... A rapariga esboçou um sorriso encantador e Ava soube, nesse momento, que desconhecia a sua relação do passado com a família Barbieri. Quando a empregada se foi embora, Ava sentou-se e começou a comer. Depois, tirou um caderno e começou a tomar notas sobre a organização da festa. Pensou que devia começar por contratar os serviços de uma empresa de cateringue e por visitar o centro de


jardinagem que normalmente tratava das plantas e flores do castelo, mas não sabia como ia andar de um lado para o outro, porque lhe tinham tirado a carta de condução. – Bom, pensarei nisso mais tarde. Abriu a mala e tirou os seus pertences, tarefa que demorou apenas cinco minutos. Depois, levou Harvey para o andar inferior e, seguindo as instruções da governanta, deu-lhe de comer numa sala das traseiras, antes de o levar a passear pelos jardins. A luz era ténue e não se ouvia nada, exceto o som dos seus próprios passos no caminho de cascalho. Aquele sítio estava repleto de lembranças dolorosas e sentiu uma angústia intensa, quando


divisou a pradaria onde Olly e ela apanhavam sol, quando estudavam para preparar os exames do fim de ano. Os exames que Olly não pudera chegar a fazer. Naquela noite, dormiu bem. Estava tão cansada, que o cansaço apagou temporariamente todas as suas preocupações. Quando acordou, teve uma surpresa ao descobrir que eram quase nove horas, que ainda sentia o eco da sua primeira experiência amorosa e que não estava com humor para celebrar a perda da sua virgindade. Tomou banho, vestiu uma camisola e umas calças de ganga, e pôs o caderno no bolso de trás das calças, antes de


descer na companhia de Harvey, para que fizesse as suas necessidades. Ao regressar à mansão, Eleanor Dobbs acompanhou-a ao salão, para lhe servir o pequeno-almoço. – Posso falar contigo, quando acabares de comer? Ava assentiu. Supôs que quereria falar dos preparativos da festa. – Claro... Sabes se Vito está aqui? – Já se foi embora. O helicóptero vem buscá-lo todos os dias, às sete da manhã, em ponto. Ava não se surpreendeu por Vito trabalhar todos os dias. Embora fosse um homem rico, crescera na pobreza e passara por momentos de grande insegurança. Além disso, nem sequer


tinha comprado o castelo de Bolderwood para ele, mas para Olly, pensando que precisava de um sítio a que pudesse chamar «lar». Depois de tomar o pequeno-almoço, ligou à empresa de cateringue que se encarregara da comida da última festa e marcou uma reunião para o dia seguinte. Já se dirigia para as escadas, quando a governanta reapareceu. – Quero mostrar-te uma coisa – indicou, com desconforto. – Talvez possa ajudar... Ava arqueou uma sobrancelha. – Claro. Ava percebeu que Eleanor estava estranhamente tensa e interrogou-se


porque seria. A resposta chegou ao fim de alguns minutos, quando a governanta a levou para o antigo quarto de Olly e abriu a porta. Estava tal como Olly o deixara. Como se o tempo não tivesse passado. – Porque não guardaste as coisas dele? – Quis fazê-lo, mas o senhor Barbieri impediu-o. Ao princípio, entrava no quarto e ficava aqui alguns minutos... No entanto, não entra aqui há dois anos. E não me parece bem, que continue a ficar assim. Ava respirou fundo e deitou os ombros para trás. – Não te preocupes, eu vou encarregar-me disso. Traz algumas


caixas e sacos, por favor. Verei os pertences e guardarei aquilo que me pareça ser de valor. – Estou muito agradecida. Sinceramente, não me atrevi a falar outra vez com o senhor Barbieri. É uma questão muito dolorosa para ele. Ava assentiu e pôs mãos à obra. Eleanor voltou um pouco depois com as caixas e ajudou-a a separar as coisas e a guardá-las. Durante o processo, encontrou um álbum que estava cheio de fotografias, onde apareciam Olly e ela. Ava sorriu, com os olhos cheios de lágrimas de emoção, e pensou que era a primeira vez, em três anos, que podia pensar no falecido amigo sem sentir


angústia. Um bom bocado depois, enquanto passeava com Harvey pelos jardins, viu as roseiras em flor e teve uma ideia. Voltou para o castelo, à procura de uma tesoura, deixou o cão aos cuidados de Eleanor, cortou umas rosas e dirigiu-se para o pequeno e antigo cemitério da localidade, que se encontrava a uns cem metros de distância. Queria visitar a sepultura de Olly e deixar as flores que nunca pudera levar-lhe. Já estava a entrar no cemitério, quando viu que uma loira saía de um desportivo, que estava estacionado à frente de uma casa. A loira olhou para ela e franziu o sobrolho, mas Ava não lhe deu importância e continuou a andar


para a sepultura de Olly. Teve uma surpresa, ao encontrar a estátua de um anjo sobre a lápide. Olly sempre gostara de estátuas de anjos. – És tu, não és? Ava virou-se e olhou para a loira do carro, que a seguira. Era muito atraente e usava roupa de marca. – Lamento... Conhecemo-nos? – Claro que não. Sou Katrina Orpington. Tu e eu nunca vivemos nos mesmos círculos sociais – respondeu, com sarcasmo. – Mas conheço-te na mesma... Tu és Ava Fitzgerald, a rapariga que matou o irmão mais novo de Vito. Como te atreves a vir aqui? Ava ficou pálida, mas não se deixou


intimidar por aquela mulher. – Queria ver a sepultura. É possível que a morte dele tenha sido culpa minha, mas Olly era o meu melhor amigo – explicou, com tristeza. – Acho que a tua presença neste lugar é de muito mau gosto. As tuas lágrimas de crocodilo não podem mudar aquilo que fizeste. Nunca esquecerei a cara de Vito, naquela noite... Estava devastado! – Sim, claro... Suponho que sim – confirmou, num tom sumido. – Mas não faço nada de mal, ao vir aqui. – Não fazes nada de mal? Que falta de vergonha! A loira lançou-lhe um olhar cheio de desprezo e foi-se embora. Derrotada, Ava deixou as rosas na


sepultura de Olly e sentou-se num banco. Sabia que não podia mudar o passado e que teria de aprender a viver com aquilo que fizera, mas albergava a esperança de que as pessoas a perdoassem, um dia, e lhe dessem a oportunidade de demonstrar que podia ser mais do que a soma total dos seus erros, por muito graves que fossem. Voltou para o castelo, verificou os quartos que iriam ser usados durante a festa e falou com Eleanor, para lhe indicar os móveis que deviam retirar. Depois, continuou a tirar notas e fez mais algumas chamadas. No fim do dia, estava muito satisfeita com o seu trabalho.


Como não queria encontrar-se com Vito, quando voltasse para casa, levou Harvey para dar um longo passeio. Um todo-o-terreno coberto de lama parou junto dela, num dos caminhos. O condutor cumprimentou-a amavelmente e apresentou-se como sendo Damien Skeel, o encarregado da propriedade. – Eu sou Ava Fitzgerald, encarregada de organizar a festa. É um prazer conhecer-te, Damien. O homem sorriu. – Estamos contentes por Vito ter decidido recuperar a tradição das festas de Natal. Se puder ajudar, liga-me. Estou à tua disposição. Depois de se despedir de Damien,


Ava virou-se e dirigiu-se para o castelo. Já começava a anoitecer. Entrou por uma porta das traseiras e deu de comer a Harvey. Já ia subir para o quarto, para tomar um duche, quando Eleanor apareceu pela porta que dava para a cozinha. Estava nervosa e tensa. – O que se passa, Eleanor? – O senhor Barbieri zangou-se muito, ao ver que esvaziámos o quarto de Olly. Disse-lhe que foi culpa minha, que te pedi e que tu te limitaste a ajudar... Mas penso que não me ouviu. Ava empalideceu. – Oh, não... Um minuto depois, enquanto avançava por um corredor, ouviu a voz de Vito. – Pode saber-se o que fizeste?


Ava virou-se e olhou para ele.


Capítulo 6

Vito intimidou-a mais do que nunca. Usava um fato escuro e os ombros largos bloqueavam a luz da biblioteca. Ava nunca estivera tão consciente da sua estatura até que, um momento depois, quando parou à frente dela como uma torre, a agarrou pelo pulso e a arrastou para o interior da sala. – Per meraviglia! Em que estavas a pensar? – gritou, fora de si. – Venho para casa, vejo a porta do quarto aberta e descubro que está vazio... Nem


conseguia acreditar! Como te atreveste a esvaziá-lo, sem me consultar primeiro? Como pudeste ser tão insensível? Ava tentou encontrar uma desculpa, mas não encontrou nenhuma e decidiu ser, simplesmente, sincera. – Eu... Pareceu-me ser o melhor. – Pareceu-te? – perguntou, com raiva. – Quem és tu, para decidir o que se deve ou não fazer nesta casa? Ava corou. Não imaginara que Vito reagiria tão mal. – Lamento, tens razão. Deveria ter-te consultado. – Como te atreveste? – repetiu, tão zangado que nem sequer ouviu as palavras de Ava. – Não era um assunto teu!


– Eu sei. Pensei que entendia os teus sentimentos... É evidente que foi um erro, mas asseguro-te de que nunca teria esvaziado o quarto de Olly, se não pensasse que te sentirias melhor. – Como posso sentir-me melhor, tendo o quarto vazio? – Vito olhou para ela, como se pensasse que estava louca. – Só servirá para me recordar que Olly se foi embora para sempre! Ava afundou os ombros e baixou a cabeça. – Bom, não deitei fora os pertences. Os livros, as cartas e as fotografias dele estão guardados em caixas. – Quero que os devolvas ao seu devido sítio! E que deixes tudo como


estava! – Vito, penso que não é boa ideia. – E o que importa o que tu pensas? – gritou. – O que aconteceu? Sentiste-te culpada ao ver o quarto dele e pensaste que te sentirias melhor, se apagasses a lembrança da sua presença? – Sim, confesso que me senti culpada ao vê-lo, mas tudo nesta casa me faz sentir culpada – confessou. – No entanto, garanto que isso não influenciou a minha decisão. – A tua decisão? Mataste o meu irmão, Ava! Não te parece ser suficiente? De onde tiraste a ideia estúpida de que esvaziar o quarto e eliminar as lembranças me faria sentir melhor?


As palavras dele atravessaram o coração de Ava, como uma faca. Pensou que tinha o direito de a odiar pela morte do irmão. E nem sequer podia defenderse, porque era a primeira vez que Vito lhe atirava em cara o acontecido. – Lamento – voltou a desculpar-se. – Foi um erro imperdoável, mas assegurote de que não estava a pensar em mim, quando tomei a decisão de esvaziar o quarto. – E em quem estavas a pensar? – Em ti, Vito. – Quem te pediu para pensares em mim? – Vito aproximou-se do bar e serviu um copo de uísque, que bebeu de um gole. – O que sinto pelo meu irmão é


um assunto meu, um assunto que não quero tratar com ninguém. – Sim, eu sei, mas não me pareceu que deixar esse quarto como se fosse uma espécie de mausoléu, fosse uma maneira sã de enfrentar a dor. – E o que sabes da dor? – Sei mais do que pensas – respondeu. – A morte de Olly afetou-me muito mais do que imaginas... Agora sei que a dor pode devastar-nos por dentro e devorar-nos a alma, se nos agarrarmos a ela. – Poupa-me o discurso, por favor! E não voltes a interferir na minha vida! – Não voltarei a fazê-lo, mas lembrote de que foste tu que me disseste que não podemos viver no passado, que


temos de seguir em frente. Lamento ter interpretado mal as tuas palavras, Vito. Pensei que estava a ajudar. – Não preciso da tua ajuda! Vito dirigiu-se para a porta da biblioteca, abriu-a e acrescentou: – Se vires Eleanor, diz-lhe que jantarei fora hoje à noite. Fechou a porta, mas Ava ficou no mesmo sítio, banhada pela luz do candeeiro da mesa. Estava devastada. Vito estava devastado, mas não queria que ninguém o ajudasse e muito menos ela. Segundos depois, ouviu que alguém batia à porta e abriu. Era Eleanor, que se aproximou para lhe devolver Harvey.


– Ah, olá... Vito disse que... – Não te incomodes, eu sei – naquele momento, ouviram o motor de um carro que arrancava e se afastava a toda a velocidade. – Espero que lhe tenhas dito a verdade. Que a ideia de esvaziar o quarto foi minha. – Não, não lhe disse nada. – Mas... – Embora a ideia tenha sido tua, assumi-a como sendo própria. Pensei que era o mais adequado. Esquece, Eleanor. A governanta franziu o sobrolho. – Nunca vi o senhor Barbieri tão zangado. Será melhor devolver as coisas de Olly ao seu devido lugar.


– Não, esperemos para ver o que diz amanhã. Talvez mude de opinião – declarou. – E, para o caso de servir para alguma coisa, penso que fizemos o mais correto. Ava inclinou-se e acariciou o cão. – Harvey tem um caráter muito bom – comentou a governanta. – Vou espalhar a notícia, para o caso de alguém o querer, embora pense que devias ficar com ele. – Não posso. O meu senhorio não o permite. Ava disse-o de forma automática, sem emoção alguma. Tentava concentrar-se na conversa, mas não deixava de pensar nas palavras de Vito. Até então, nunca a acusara de ser uma


assassina, mas achava que era. O facto de não ter matado Olly deliberadamente, não a eximia de responsabilidades, nem aplacava a sua dor, tão intensa como quando acordara naquela noite, no hospital, e lhe tinham dito que Olly falecera no acidente. Depois de jantar no esplendor solitário da sala de jantar do castelo, Ava voltou para a biblioteca, deu uma olhadela às prateleiras e escolheu um livro de Jane Austen, que lera há anos. Depois, desesperada por escapar aos seus pensamentos sombrios, foi para a cave e nadou por um momento na piscina coberta. De volta ao quarto, pensou no conforto de que desfrutava naquele


momento e lembrou-se da cela minúscula, onde vivera durante três anos. Tinha uma cama de metal e uma janela pequena, de onde se via outro dos blocos da prisão. Tocavam campainhas, cada vez que chegava a hora do almoço ou de sair para fazer exercício. E, por vezes, também tocavam alarmes. No entanto, o som mais habitual era o martelar da música de fundo e os gritos do resto das reclusas que, naturalmente, se aborreciam de estar tanto tempo fechadas. Ao recordá-lo, tremeu. Os dois primeiros anos tinham sido uma luta constante, para encontrar a força


necessária para sobreviver. Mais tarde, estabelecera uma rotina, começara a dar aulas às reclusas que não sabiam ler, nem escrever, e aprendera a apreciar as pequenas coisas, como as chávenas de chocolate quente e as sandes que, às vezes, podia comprar com os seus lucros. Contudo, também aprendera outra coisa, talvez a mais importante. A deixar de sentir pena de si própria. Afinal de contas, a prisão estava cheia de pessoas que tinham sofrido experiências e situações muito piores do que a dela. A lembrança daqueles anos deprimiua tanto que, apesar de ter acabado de estar na piscina, decidiu tomar um banho na banheira opulenta do seu quarto.


Alojar-se em Bolderwood era muito parecido com alojar-se num hotel de cinco estrelas e queria aproveitar a oportunidade, porque sabia que a realidade voltaria a bater à sua porta, em poucos dias. Ava esteve muito tempo dentro de água. Cada vez que esfriava, abria a torneira da água quente e fazia um esforço para relaxar. Infelizmente, sentia-se tão culpada com o assunto do quarto de Olly, que não conseguiu. Vito tinha razão. Quem era ela para tomar uma decisão que, em todo o caso, correspondia a ele? Cometera um erro. Por fim, saiu da banheira, secou o cabelo e ligou o alarme do telemóvel


para muito cedo, mas não tanto para se encontrar com Vito, porque suspeitava que não quereria tomar o pequenoalmoço com ela. Depois, vestiu-se, levou Harvey a passear e deitou-se na cama, onde começou a ler o livro de Austen. De repente, a porta abriu-se e Harvey ladrou. Ava sentou-se na cama, assustada, enquanto Vito entrava no quarto e fechava a porta. Harvey voltou a ladrar. Ava inclinou-se sobre ele e ordenou-lhe que ficasse em silêncio. O animal obedeceu e deitou-se no seu canto preferido. – Vi que havia luz e pensei que estavas acordada.


Ava olhou para o relógio. Já passava das onze. – Encontrei Damien no pub – continuou. – Teve a amabilidade de me trazer para casa, no seu todo-o-terreno. Ava estava tensa como a corda de um arco. Vito fizera mais do que aparecer de improviso no seu quarto, aparecera sem usar mais roupa senão uns boxers mas, apesar disso, tentou comportar-se com naturalidade. – Ah, sim, Damien... Encontrámo-nos esta tarde, quando saí para ir dar um passeio pelos jardins. É um homem encantador. Vito semicerrou os olhos. – Encantador? Esteve a namoriscar


contigo? – Sim, bom, um pouco. Ava fez de propósito. Na verdade, Damien não fizera outra coisa senão namoriscar durante a sua breve conversa e até lhe confessara que, na vila, havia tão poucas jovens que um dia fora à igreja, com a esperança de conhecer mais raparigas da sua idade, mas tivera uma deceção porque todas eram velhas. – Vou dizer-lhe para se manter afastado de ti. Ela arqueou uma sobrancelha. – Não lhe digas nada. Foi um namorico inocente e, além disso, não tem a menor possibilidade comigo. – De certeza? – É óbvio.


– Fico muito feliz, porque não sou homem de uma só noite. Ava corou como uma adolescente e ficou em silêncio, sem saber o que dizer. Até àquele momento, não percebera que Vito Barbieri não fora ao seu quarto para a cumprimentar e dizer que se encontrara com Damien num pub, mas para repetir a experiência da noite anterior. – Embora comece a pensar que uma aventura poderia ser divertida, cara mia... – continuou, com malícia. – Não sei. Prefiro experiências mais longas do que uma simples aventura. Ele sorriu. – Nisso, estamos de acordo.


Vito aproximou-se da cama, tirou os boxers, afastou o edredão e deitou-se junto de Ava, como se fosse o mais normal do mundo. – Vito... Passou-lhe um dedo pelo pescoço e olhou para ela nos olhos. – Esta noite, não quero dormir sozinho. – Ah... – sussurrou, surpreendida com a declaração. Vito, o homem que não precisava de ninguém, o homem que não ouvia ninguém e que nunca confessava uma fraqueza, estava a dizer-lhe que naquela noite não queria, ou não podia, dormir sozinho.


Nenhuma declaração de afeto lhe teria parecido mais sensual e atraente, do que aquela confissão inesperada. – Preferes que me vá embora? – Não, não... – Mas também não quererás que fique, porque ardias em desejo de ir para a cama comigo quando tinhas dezoito anos e não pudeste. Pois não? Ava abanou a cabeça. – Claro que não. Quero que fiques, porque te desejo. – Eu não gosto da ideia de estar a aproveitar-me de ti... Vim ao teu quarto sem pensar. Não pode dizer-se que esteja bêbado, mas também não estou sóbrio.


– Não te preocupes com isso. Não me importo que tenhas bebido – declarou, com suavidade. Vito suspirou. – Está bem, mas não penses que vou apaixonar-me por ti ou que vou pedir-te em casamento – avisou. – Isto é uma aventura amorosa, entre dois adultos que sabem o que fazem. Não tenhas ilusões, por favor. Ava lançou-lhe um olhar cheio de ironia. – Nunca teria imaginado que falavas tanto... Meu Deus, Vito, já não sou a adolescente sonhadora que conheceste. Amadureci muito desde então – afirmou. – Além disso, sou jovem e quero


desfrutar da minha juventude. Não tenho intenção de assentar, nos próximos anos. – E eu não tenho intenção de assentar. Ava ficou deitada de lado e inclinouse sobre ele de tal forma, que o cabelo lhe caiu sobre o ombro. Estava contente com a conversa. – Não te preocupes, Vito, não quero casar contigo – tranquilizou-o. – Só quero desfrutar um pouco da vida. – Está bem... Mas, se Damien Skeel voltar a tentar, diz-me. Não quero que desfrutes um pouco da vida com mais ninguém – afirmou, com ironia, – pelo menos, até a nossa relação ter terminado. Entendido? Ava sentiu uma pontada de dor, pois a sua relação acabava de começar e Vito


já estava a falar do fim. No entanto, recordou-se de que deixara de ser uma menina e que não albergava esperança alguma de que perdesse a cabeça e se apaixonasse por ela. De facto, não a albergara em nenhum momento, nem sequer na sua adolescência. Nunca fora tão inocente. – Comportas-te sempre na cama, como se estivesses numa sala da direção? Mais do que uma amante, qualquer um diria que te diriges a um subordinado – comentou, com humor. – Contigo, sim. Conheço-te e sei que estás cheia de truques... Vito virou-se para ela, deitou-a e deulhe um beijo longo e intenso.


Ava sentiu-se minúscula sob o corpo dele, esmagada pelo peito largo e pela perna que lhe tinha introduzido entre as coxas. Os mamilos endureceram e estava incrivelmente consciente do contacto da ereção dele. Desejava-a. Não havia dúvida. E, durante um segundo, limitou-se a desfrutar desse facto maravilhoso. Desejava-a e ela desejava-o. Finalmente, conseguira, mas lembrou-se da tatuagem que fizera na anca e pensou que devia maquilhar-se ou vestir alguma coisa. Se a visse, deixaria de pensar que estava com uma mulher adulta e pensaria que era a adolescente dos velhos tempos.


Vito sentou-se na cama e perguntou: – O que tens vestido? – Um pijama. – Ficas melhor nua. Começou a desabotoar-lhe os botões e ela permaneceu imóvel, dominada por uma timidez repentina. – Apaga a luz, por favor – urgiu. Vito tirou-lhe o pijama, observou o seu corpo nu e abanou a cabeça. – Não... És uma obra de arte e quero saborear esta visão. Ontem à noite, foi tudo tão rápido que não pude apreciarte. Ava alcançou o edredão e tapou-se. – Tenho frio. – Não, não é isso. Meu Deus, quem


teria imaginado que Ava Fitzgerald era tímida? – Vito lançou-lhe um olhar cheio de humor. – Ficaste vermelha como um tomate! Os olhos azuis de Ava brilharam com fúria. – Se voltares a comparar-me com um tomate, vou enviar-te para o teu quarto! – Está bem... Vito deu uma gargalhada e deu-lhe um beijo faminto, que causou uma onda de prazer no seu corpo mais do que disposto. Ava pensou que, quando se esquecia da sua disciplina e das suas reservas, era um homem realmente apaixonado. Depois de uns momentos de carícias, ele fechou a boca sobre um dos seus


mamilos. Ela gemeu e arqueou as ancas, incitando-o a ir mais longe. – Não, desta vez, vamos fazê-lo com calma – informou. – Com calma? – repetiu, incrédula. – Deixa a tua obsessão por controlo no escritório... – Eu não sou obcecado pelo controlo! – protestou. Ava pôs-lhe as mãos na cara e fixou o olhar nos olhos dele. Ele voltou a beijála e, quando já a tinha completamente à sua mercê, começou a descer pelo seu corpo, beijando-a e lambendo-a. Ela não conseguia respirar. Apercebeu-se de que se dirigia para o centro da sua feminilidade e pareceu-lhe


algo tão embaraçoso que tentou pará-lo. Sem êxito. – Vito, não me parece que queira isso... – Deixa-me provar-te por uns segundos. E, enquanto isso, pensa nisto. Ainda corada, Ava fechou os olhos e deu-lhe carta-branca. Vito abriu-lhe as pernas, inclinou a cabeça e lambeu a parte mais sensível do seu corpo. Ela quase deu um salto na cama, mas ele continuou a lamber e excitou-a tanto e tão depressa que atingiu o clímax entre gemidos e gritos de prazer. Não teve tempo de recuperar. Vito mudou de posição e penetrou-a. Ava nunca sentira algo tão intenso, o seu corpo descobrira um grau novo de


sensibilidade e, como já estava mais do que excitada, os movimentos rápidos e potentes do seu amante despertaram nela uma necessidade que, até então, não achara possível. – Enlouqueces-me... – afirmou ele. Fora de si, agarrou-se aos ombros dele e acompanhou os seus movimentos, desejando mais, arqueando as ancas e reagindo a sensações que estavam tão perto do prazer como da dor, até o orgasmo a surpreender novamente. – Numa escala de um a dez, isto foi um vinte – sussurrou-lhe Vito, ao ouvido. – Espero não ter sido muito brusco... Ava abraçou-o. Sentia-se


imensamente feliz e satisfeita. – Brusco? Adorei. – És magnífica, cara mia. Vito afastou-se, levantou-se da cama e dirigiu-se para a casa de banho. Ava ficou surpreendida, mas sabia que pusera um preservativo e supôs que quereria deitá-lo fora. Mesmo assim, teria preferido que não a deixasse de um modo tão repentino. E, quando voltou para o quarto com um roupão vestido, a surpresa de Ava transformou-se em confusão. – Onde vais? – Para a cama. A resposta dele indignou-a profundamente. – Ah, já acabámos? Vais-te embora,


porque já conseguiste o que querias? Vito olhou-a nos olhos. – Não procures problemas onde não há. Vou para a minha cama, porque estou habituado a dormir nela. Não penses nisso como um insulto, por favor. Ava arqueou as sobrancelhas. – Insinuas que nunca passaste a noite com ninguém? Vito suspirou. – Sou um homem solitário, já sabes. – Muito bem, vou dar-te toda a solidão de que precisas, mas deixa-me dizer-te uma coisa, se saíres por essa porta... Não voltarei a ir para a cama contigo! – gritou. Ele ficou espantado.


– Estás a falar a sério? – Claro que sim – respondeu. – É pegar ou largar. Vito, que já chegara à porta, hesitou. Depois, tirou o roupão, voltou para a cama e deitou-se com ela. – Só tenho de ficar contigo? Ou também esperas que me abrace a ti? – perguntou, com sarcasmo. – Se prezas a tua vida, será melhor ficares no teu lado da cama – avisou, cortante. O silêncio caiu sobre eles. Ava torceu o nariz e amaldiçoou-se por não ter fechado a boca. Sabia que Vito só estava a brincar, ao perguntar se também queria que a abraçasse, mas já não tinha


remédio. Deixara-se dominar pelo orgulho e, a menos que conseguisse pensar em alguma coisa, iam passar a noite sem se tocar. – Lamento por me ter zangado contigo – desculpou-se, em voz baixa. – De que estás a falar? – Do quarto de Olly. Ava relaxou um pouco. – Bom, não devia tê-lo esvaziado, sem te pedir permissão. – Ao princípio, ia lá de vez em quando e ficava sentado na cama – confessou. – Mas, felizmente, consegui evitar esse costume feio... Suponho que já não havia nenhum motivo para deixar o quarto intacto, como se Olly continuasse com vida.


– Se te sentias melhor, porque deixaste de ir ao quarto dele? – Porque não é saudável – confessou. Ava sentiu necessidade de lhe dar um abraço, mas presumiu que a rejeitaria e não mexeu um único músculo. – Enganas-te, Vito, era completamente natural. Olly tinha morrido, mas continuava na tua mente... Sê sincero. Não deixaste de ir lá porque te parecia inadequado, mas porque tinhas medo de sentir. Não era? – Eu não tenho medo de sentir! – protestou. Ava abanou a cabeça. Sabia que Vito se comportara como um homem típico e, como não suportava a dor, negara-a por


completo e fechara-se em copas, pensando que era a melhor forma de enfrentar o problema. – De certeza? – De certeza. Vito soprou e interrogou-se porque permitia que Ava o arrastasse para conversas que não tinha com mais ninguém. Ava sorriu e adormeceu.


Capítulo 7

Cinco dias depois, enquanto morria de aborrecimento numa reunião, Vito considerou a possibilidade de oferecer flores a Ava, mas desprezou-a porque lhe pareceu ser um gesto muito antiquado. Impaciente, deu uma olhadela ao relógio. Estava a pensar que ainda tinha cinco horas de trabalho pela frente, quando a sua imaginação lhe ofereceu uma imagem de Ava recostada na cama, com uma lingerie sensual. Infelizmente,


sabia que era muito tímida para agradecer um presente assim e não conseguia pensar em algo melhor. O típico recurso da caixa de bombons parecia ser aborrecido e previsível. Começava a ficar desesperado com a falta de ideias e porque se incomodava por investir tanta energia num assunto tão fútil. O que podia necessitar? Sem dúvida, roupa. Mas, se lhe comprasse roupa, pensaria que era uma agressão à sua independência ou uma tentativa de lhe impor os seus gostos. – Senhor Barbieri? Vito olhou para o executivo que se dirigiu a ele, com um vazio mental próprio de uma pessoa sem experiência em reuniões de negócios. Interrogou-se


se estaria doente, se estaria constipado ou se teria trabalhado em excesso e estava mais cansado do que devia, sobretudo, porque ultimamente não dormia muito. No entanto, a sua falta de sono e o seu cansaço não se deviam ao trabalho, mas sim às longas sessões de sexo com Ava Fitzgerald. E não estava disposto a renunciar a elas. Pelo menos, enquanto continuasse sob o seu teto. Levantou-se da poltrona, olhou para a concorrência e disse: – Desculpem. Tenho algo urgente para fazer. Naquele mesmo dia, Ava estava a


tomar o pequeno-almoço quando tomou uma decisão significativa. Ia ver o pai. Era sábado e sabia que, aos sábados de manhã, ele ficava em casa e se dedicava a ler os jornais. Os nervos e o seu sentimento de culpa tinham-na mantido longe do seu antigo lar, mas o fator principal era o medo da rejeição. O julgamento, a sentença condenatória e os artigos que a imprensa tinha publicado há três anos, tinham-lhe trazido o desprezo da família e especialmente do pai, que trabalhava no departamento de contabilidade de Vito e tivera medo de que aquilo que se passara o impedisse de subir. Ava não esperava que a recebessem com um tapete vermelho, mas queria


pedir-lhes desculpa e ver se existia alguma possibilidade de restabelecer os laços familiares que, por outro lado, nunca tinham sido muito estreitos. Além disso, a sua nova vida encorajava-a a enfrentar as coisas com mais otimismo. Estava muito ocupada, mas a organização da festa ia de vento em popa e já começara a decorar o castelo de Bolderwood. Infelizmente, não parava de pensar em Vito Barbieri. Várias vezes, recordava a si mesma que a sua relação acabaria depois da festa e que não devia apaixonar-se por ele sob nenhum pretexto e, por várias vezes, surpreendia-se a albergar esperanças. – Bolas...


Pousou a chávena de café e pensou que não permitiria que Vito lhe partisse o coração. Estava certa de que, se se deixasse levar pelas suas fantasias românticas, acabaria por o lamentar. À exceção de Olly, todas as pessoas que amara tinham-na traído em algum momento. No entanto, não podia negar que se afeiçoara a ele. Vito insistia em levá-la para jantar e a visitar lugares diversos, e ela surpreendia-se sempre porque presumira, equivocadamente, que não era um homem carinhoso. Com o passar dos dias, alguns dos empregados de Bolderwood perceberam que mantinham uma relação. Ava não o


achava preocupante, porque sabia que o rumor demoraria a espalhar-se e que, nessa altura, já estaria longe do castelo. Contudo, apesar disso, tentava fazer com que não os vissem em público. Estava consciente de que alguns teriam feito um escândalo, se soubessem que Vito ia para a cama com a responsável pela morte de Olly. Cada vez que se viam, repetia a si mesma que tinham uma simples aventura amorosa, embora muito mais intensa do que teria achado possível. Vito não conseguia tirar-lhe as mãos de cima e, para dizer a verdade, acontecia-lhe o mesmo. Quando saía do trabalho, Vito dedicava-lhe todo o seu tempo livre e


até começara a sair mais cedo, para estarem mais tempo juntos. Como eram pessoas de caráter, discutiam com frequência, mas dormiam juntos todas as noites e cada vez estavam mais unidos. Ava sabia que ele gostava dela e se preocupava com ela, mas não deixava de pensar que o sexo era a única coisa que tinham em comum. Agora, a apenas seis dias da festa, estava convencida de que enfrentara o assunto de um modo razoável e que conseguiria separar-se dele sem perder a compostura. Não esquecera que a sua antiga obsessão por Vito a fizera perder o controlo e acabara num acidente com consequências trágicas.


Quando acabou de tomar o pequenoalmoço, levantou-se da cadeira e saiu do castelo. A casa da sua família ficava a três quilómetros de Bolderwood, nos subúrbios da vila, portanto, decidiu ir a pé. Damien Skeel dera ordens para que tivesse um veículo com motorista ao seu dispor, mas não queria ter testemunhas da sua visita. Especialmente, porque temia que o pai lhe fechasse a porta na cara. Ao chegar, respirou fundo e tocou à campainha. Teve uma surpresa quando a porta se abriu e apareceu uma desconhecida, uma loira de meia-idade. Por um instante, pensou que o pai mudara de casa.


– Bom dia! Estou à procura de Thomas Fitzgerald... Sabe se se mudou? – Claro que não. Eu sou a esposa – respondeu a mulher, sorrindo. – Com quem tenho o prazer de falar? Ava teve de fazer um esforço para não ficar boquiaberta. Não sabia que o pai casara outra vez. – Sou a filha mais nova, Ava. O sorriso da mulher desapareceu imediatamente. – Ah... Tom! Ava está aqui! O pai de Ava, um homem alto, de olhos azuis, chegou numa questão de segundos. – Eu trato disto, Janet – declarou. – Entra em casa, Ava.


A voz de Thomas Fitzgerald era tão pouco amigável como podia ser, mas Ava pensou que o simples facto de a deixar entrar em casa era um triunfo. O pai levou-a para a sala de jantar e ficou atrás da longa mesa, à cabeceira, numa das suas velhas e típicas táticas de distanciamento. – Suponho que quererás saber porque estou aqui – começou por dizer ela. – Se vieste por dinheiro, vieste bater ao lugar errado – declarou, com frieza. Ela abanou a cabeça. – O dinheiro não tem nada a ver com a minha visita, papá. Já cumpri a minha pena de prisão. Deixei para trás o passado e, embora saiba que causei


muitos problemas à família, pareceu-me que... Ava não conseguiu terminar a frase. O pai olhava para ela com tanto desagrado, que não pôde encontrar as palavras. – Sim, sim, já imaginava que aparecerias um dia, com as tuas lágrimas de crocodilo, mas serei breve, pelo bem dos dois... Eu não sou o teu pai. E, em consequência, não tenho nenhuma obrigação contigo. Ava sentiu-se como se a terra se abrisse sob os seus pés. – O que disseste? – Não sou o teu pai. – De que estás a falar? – Da verdade. Mantivemo-lo em


segredo enquanto a tua mãe estava viva, mas já não há necessidade de manter essa farsa – afirmou, com satisfação. – A minha esposa e as tuas meias-irmãs sabem que não fazes parte da nossa família. – Não entendo nada... – Gemma foi para a cama com um tipo numa noite e ficou grávida dele. E, antes de me perguntares, vou dizer-te que não sei quem era. Nem a tua própria mãe se lembrava. Estava bêbada, como tantas outras vezes. – Foi para a cama com...? – repetiu, incapaz de acreditar. – Sei que parece sórdido, mas não é culpa minha. Estou a dizer-te a verdade,


Ava – insistiu. – Quando tinhas sete anos, fizemos uma análise de ADN para acabar com as dúvidas. Não és minha filha. Nunca foste. – Mas, como é possível que ninguém me tenha dito? – conseguiu perguntar, confusa. – E, se aquilo que dizes é verdade, porque não te divorciaste da minha mãe? – De que teria servido um divórcio? – a voz dele estava carregada de amargura. – Era uma alcoólica e eu tinha duas filhas que, certamente, teriam ficado com ela se nos tivéssemos divorciado. Além disso, não quis dar azo ao falatório das pessoas... Aguentei e tentei salvar o nosso casamento. Até me comportei contigo, como se fosse teu


pai. Ava reagiu com indignação. – Isso não é verdade. Nunca me amaste. – Como poderia amar-te? – gritou, dominado pela raiva. – Eras filha de outro homem. Suportei a tua mãe porque me tinha casado com ela e me sentia responsável pelo que podia acontecerlhe. Ao fim e ao cabo, estava sozinha no mundo... Mas asseguro-te que fiz muito mais do que essa ingrata merecia. A porta da sala de jantar abriu-se. Era Janet. – Thomas, penso que já disseste demasiado – declarou, com calma. – Esta rapariga não tem a culpa do que


aconteceu. Ava virou-se e afirmou: – Será melhor ir-me embora – Sim, penso que é o melhor, querida. A tua presença é a lembrança de tempos muito difíceis para o meu marido. Ava saiu rapidamente de casa, sentindo-se tão enjoada como se lhe tivessem dado um golpe na cabeça. Finalmente, tudo estava claro. Agora entendia que o pai nunca a tivesse amado e que a mãe sempre tivesse mostrado predileção por Gina e Bella. Fora por isso que a tinham enviado para estudar longe de casa e fora por isso que a tinham excluído, quando tivera o acidente que custara a vida a Olly. Não fazia parte da família Fitzgerald.


A sua vida fora uma farsa e não podia fazer nada. Não havia pontes para construir ou laços para estreitar. Os seus sonhos infantis desapareceram de repente. Vito voltou para Bolderwood de helicóptero. Depois de avisar o piloto de que voltaria a Londres uns minutos depois, saiu da aeronave e dirigiu-se para a entrada principal. Damien Skeel estava sentado ao volante do seu todo-o-terreno. – Olá, Vito... – Olá. – Sabes onde está Ava? – Porque perguntas?


– Porque devia ter vindo buscá-la à uma, mas disseram-me que saiu – respondeu. Vito arqueou uma sobrancelha. – E para onde ias levá-la? – Íamos procurar uma árvore de Natal para a festa – esclareceu, sorrindo. – Embora também tivesse a esperança de que quisesse almoçar comigo... Vito respirou fundo e tentou manter a calma. Era evidente que Damien não sabia da sua relação com Ava. – Não te preocupes com a árvore. Ava e eu podemos escolhê-la, juntos. Damien franziu o sobrolho, surpreendido. – Está bem... Se a vires, diz-lhe que vim procurá-la.


Vito cerrou os dentes, mas ficou em silêncio e continuou a dirigir-se para a porta do castelo, enquanto Damien punha o carro a trabalhar e se ia embora. Estava furioso com Ava. Até considerou a possibilidade de ela se sentir atraída pelo encarregado da propriedade e de ser por isso que se recusava a aceitar que mantinha uma relação com ele. Evidentemente, não se parecia nada com as mulheres com quem saíra até então, sempre dispostas a aproveitar qualquer oportunidade para serem vistas ao seu lado. Ava mantinha-se na sombra e comportava-se de um modo tão independente, que não lhe ligava, não lhe enviava mensagens de texto e nem


sequer perguntava a que horas tencionava voltar para casa. No entanto, Vito tentou convencer-se de que lhe parecia bem. Uma relação sem exigências, sem ambições desmesuradas e, certamente, sem intenções escondidas. Com Ava, não havia armadilhas. Já estava prestes a entrar na mansão, quando ouviu passos no caminho e soube que era ela. Ia a pé e usava umas calças de ganga velhas e um casaco verdadeiramente horrível, mas nada podia eclipsar a graça dos movimentos dela e a beleza delicada das feições, sob o cabelo avermelhado. – Ava... Perdida nos seus pensamentos, Ava


levantou a cabeça e pestanejou, surpreendida por o ver em Bolderwood, tão cedo. Normalmente, Vito era como os vampiros, só se deixava ver à noite. Assim que recuperou da surpresa, sentiu a necessidade de se aproximar e se precipitar para os braços dele. Tudo nele era magnífico, desde o cabelo preto até aos sapatos, passando pelo fato, contudo, como sempre, refreou-se. Se ele se empenhava em mostrar-se impassível, ela mostrar-se-ia ainda mais impassível. Vito deitou os ombros para trás e esboçou um sorriso que, em circunstâncias normais, teria despertado a sua desconfiança.


– Vamos às compras – afirmou. Ela voltou a pestanejar. Desconhecia as intenções dele, mas não sentiu a menor curiosidade. A conversa com Thomas Fitzgerald deixara-a tão vazia, que não se importava com nada. – E, já que estás aqui, podemos ir quando quiseres... Vito desceu os degraus da entrada e deu-lhe a mão, mas Ava afastou-se imediatamente. – Não... Alguém pode ver-nos. – Oh, vá lá! – protestou, incomodado. – Foi um gesto inocente e não uma tentativa para ter sexo contigo. – Não sejas indelicado. Vito suspirou. Depois de uma vida a


ter de suportar mulheres vãs, avaras e desleais que, no entanto, fariam qualquer coisa para estar com ele, agora encontrara uma pequena joia, que fazia qualquer coisa para manter as distâncias, mas Vito não era um homem que se rendesse com facilidade. Abriu os braços e fechou-os à volta do corpo dela, aprisionando-a. – O que...? O que estás a fazer? Vito aproveitou o elemento surpresa, pois não podia dar-se ao luxo de falhar nesses casos, visto que ela baixava a guarda muito poucas vezes. Beijou-a com uma necessidade aparentemente insaciável, cuja descarga atravessou as barreiras de Ava e lhe causou um calafrio. Os seios ficaram


tensos e sentiu-se excitada. Vito era tão sensual, que só tinha de lhe tocar para que ela desejasse arrastá-lo para a cama. Ele esfregou-se contra o seu corpo, fazendo-a saber que estava excitado, mas o contacto da ereção fê-la recordarse de que estavam à entrada do castelo, à vista de qualquer um que espreitasse por uma janela. – Não! – exclamou. – Poderiam vernos. Vito não se deixou intimidar pela sua negativa, voltou a dar-lhe a mão e levou-a para o heliporto. – Onde vamos? – interessou-se ela. – Já te disse. Vamos às compras.


– Sim, mas... Onde? – Londres. Ava olhou para o helicóptero, perturbada. – E vamos de helicóptero? – Assim, chegaremos mais depressa. Ela abanou a cabeça. – Não estou com humor, Vito. – Amanhã, é o teu aniversário. Dá-me esse prazer, por uma vez. Ava pensou que, provavelmente, queria comprar-lhe um presente e decidiu não complicar as coisas. Era uma simpatia. – Está bem... Depois de a ajudar a entrar no helicóptero, Vito pôs-lhe o cinto de


segurança e perguntou: – Passa-se alguma coisa? Esta manhã, estás muito calada. – Não se passa nada. O helicóptero elevou-se ruidosamente no ar e Ava pensou que nenhuma força física poderia ter arrancado a história que Thomas Fitzgerald lhe contara há minutos. Não tinha intenção de a contar a Vito. Em primeiro lugar, porque Thomas trabalhava para ele e, em segundo, porque uma revelação de tanta importância não encaixava numa aventura mais próxima do sexo, do que do amor. Quanto a ela, teria de se habituar ao facto de desconhecer a identidade do pai e carecer dos recursos necessários para


o encontrar. Voltou a olhar para Vito e pareceulhe estranho que quisesse ir às compras. A julgar pelo que sabia, a maioria dos homens detestava ir às compras. No entanto, pensou que a viagem a Londres serviria para limpar a sua mente de pensamentos sombrios. Aterraram no heliporto de um centro comercial muito conhecido e ela teve uma nova surpresa ao descobrir que Vito falara com a gerente de uma loja, para que esperasse por eles no seu estabelecimento. Interrogou amavelmente Ava, para ter uma ideia dos seus gostos, mas só conseguiu obter algumas respostas vagas, que revelaram


a sua falta de interesse. Decidido a não desperdiçar a oportunidade, Vito interveio para lhe dar algumas ideias sobre cores e modelos, e dedicou-se a assentir ou a abanar a cabeça à medida que a gerente lhes mostrava os seus produtos. Ava experimentou alguns e, depois de verificar se ficavam bem, deixaram-nos no balcão. Foi um processo relativamente rápido, porque Vito comprava tão depressa como trabalhava. Enquanto os assistentes da gerente guardavam as roupas, ela manteve-se distante e abstraída, como se aquilo não fosse com ela. Vito ganhou paciência e tentou convencer-se de que, ao contrário da imensa maioria das mulheres, Ava


Fitzgerald não sentia o menor interesse pela roupa que usava. Concluída a primeira fase do seu plano, que incluiu a compra de várias malas e sapatos, e de um vestido de veludo verde, que lhe pareceu perfeito para a festa de Natal, chegou o momento de passar à lingerie. Vito virou-se para ela, porque presumiu que, tratando-se de roupa interior, quereria escolhê-la pessoalmente. E ficou atordoado ao ver as suas lágrimas. Nem sequer parecia estar consciente de que estava a chorar num lugar público.


Capítulo 8

A pedido de Vito, a gerente da loja levou-os para uma sala privada e ofereceu-se para lhes levar um chá. Vito pôs as mãos nos ombros de Ava, que se comportava como uma sonâmbula, e sentou-a numa poltrona. Depois, alcançou a caixinha de lenços que estava na mesa e deixou-a entre as mãos trémulas dela. – Per l’amor di Dio, o que aconteceu? Ava tirou um lenço e secou os olhos.


– Nada, nada... Desculpa. – Não, eu é que peço desculpa por te ter trazido às compras, num momento tão obviamente inoportuno. Devia ser divertido para ti, cara mia. Ava olhou para as mãos. – Lamento ter chorado em público. Deve ter sido um momento muito embaraçoso para ti... É de estranhar que não te tenhas ido embora. Vito ficou de cócoras à frente de Ava e levantou-lhe o queixo com um dedo, para poder olhar para ela nos olhos. – Tens assim tão má opinião de mim? Admito que senti pânico por um segundo, mas nunca te deixaria sozinha nestas circunstâncias. O que se passou,


Ava? – Não é algo de que queira falar, mas não te preocupes, já estou melhor – respondeu. – Nem sequer me apercebi de que estava a chorar. – Estás grávida? Ava deu uma gargalhada, surpreendida. – Claro que não. Usámos preservativos e, além disso, só estamos juntos há uma semana. Como posso estar grávida? – Essas coisas acontecem... Alguém bateu à porta. Vito abriu-a, aceitou a chávena de chá e deixou-a na mesinha, à frente de Ava. – Sim, sei que acontecem, mas não é esse o problema.


– Então, qual é? – Não tem nada a ver contigo, nem com a nossa relação. – Mesmo que não tenha nada a ver... Ava interrompeu-o. – Esquece. Já recuperei. Estou perfeitamente bem. – Estás tudo, menos bem – contradisse. – Vamo-nos embora daqui assim que acabares o chá, mas não penses que vou esquecer o assunto. Preciso de saber o que aconteceu. Ava pegou na chávena e provou o chá. – Vá lá, Vito... Nós não temos esse tipo de relação. – E que tipo de relação temos?


– Uma relação divertida, passageira. Vito olhou para ela com aborrecimento. – Os teus problemas interessam-me, Ava. – Porquê? – perguntou, com franqueza. – Não pode dizer-se que a nossa relação é o amor do século. Vito ficou rígido, cerrando os dentes. – E agora fazes-te de ofendido? – continuou ela, num tom de irritação. – Não sejas cínico. Certamente, adorarias sair neste mesmo momento. Os olhos de Vito brilharam. – Pode saber-se o que se passa? – Não se passa nada. Estou a oferecer-te uma saída fácil.


– Fecha a boca de uma vez. Estás a dizer tolices. Ava levantou-se da poltrona. – O que disseste? – gritou. – Cala-te de uma vez – repetiu Vito, implacável. – Vamos buscar as compras e vamos embora daqui... Ava abriu a boca com intenção de falar, mas guardou silêncio porque, naquele preciso instante, apercebeu-se de que estava a magoar Vito e a si própria. Não causara uma discussão porque queria oferecer uma saída fácil, como afirmara, mas para ter uma desculpa para lhe poupar os seus últimos dias em Bolderwood. De repente, não pôde suportar a ideia


de se afastar de Vito ali mesmo, sem esperar mais. Pensou que o momento e o lugar pouco importavam, que não faria grande diferença, mas teve tanto medo que ficou sem fala. – Assim que sairmos, vou levar-te para o castelo – continuou ele. Ava viu-se num espelho de corpo inteiro e corou, pensando que o seu aspeto era mais próprio de uma adolescente do que de uma jovem prestes a fazer vinte e dois anos. O casaco e as calças de ganga que usava não podiam estar mais sujos. E longe de se sentir envergonhado na sua companhia, Vito levara-a a um lugar público, porque tinha vontade de lhe dar um presente de aniversário.


Definitivamente, não se dera bem com ele. – Não... Não há pressa – declarou, em voz baixa. – Ainda falta a lingerie, não é? Vito olhou para ela com perplexidade, sem entender nada, quando ela saiu da sala e começou a escolher a lingerie. Não sabia o que estava a acontecer, não sabia se chegaria a entendê-la alguma vez e nem sequer sabia porque queria entendê-la, tendo em conta que se afastava sempre, quando surgiam complicações suspeitas numa relação. Depois de escolher algumas peças de lingerie, Ava pegou nos sacos onde


estavam os vestidos e os sapatos, e entrou num provador. Era tudo tão caro, que se questionou se Vito não teria perdido a cabeça; parecia incrível que fizesse semelhante despesa com uma mulher com quem só iria estar durante mais alguns dias, mas pensou que seriam uns dias muito apaixonados. Sorriu com atrevimento e mudou de roupa. Vito e o resto dos homens que estavam na loja viraram-se para a admirar. Estava simplesmente impressionante, com o vestido justo, o casaco e os sapatos de salto alto que escolhera. – Posso fazer amor contigo na limusina? – perguntou ele, com humor Ava riu-se. Sabia que tinha bom


aspeto e estava agradecida, a ele e à gerente da loja, por terem escolhido roupa tão bonita. Ao fim e ao cabo, ela não tinha experiência com esse tipo de coisas. – A limusina? Pensava que voltaríamos de helicóptero. – Chamei o motorista para vir buscarnos – informou. – Mas ainda não respondeste à minha pergunta... – Não, não podes. Saíram da loja com todos os sacos, atravessaram o centro comercial e dirigiram-se para a limusina, que já estava à espera. Ainda não tinham entrado no veículo, quando um homem gritou:


– Vito! Ava e ele viraram-se para o desconhecido, que aproveitou a oportunidade para lhes tirar uma fotografia e desaparecer a toda a pressa entre a multidão. – Oh, não... Vito abriu a porta traseira. Ava sentou-se e ele acomodou-se ao seu lado. – O que foi aquilo? – perguntou ela. – Suponho que seria um paparazzo mas, sinceramente, não sei porque quereria tirar-nos uma fotografia. A imprensa não sente interesse por mim. – No entanto, chamou-te pelo nome. É evidente que te conhecem bem.


Vito encolheu os ombros. – As únicas publicações onde apareço são os jornais de economia e quando estou na companhia de uma famosa... Mas há muito tempo que não saio com esse tipo de mulheres – explicou, franzindo o sobrolho. – Além disso, tu conheces-me, sabes que gosto da minha privacidade. – Duvido que o jornalista estivesse interessado em mim... – Porque dizes isso? Estás impressionante. Ela sentiu-se tão adulada, que voltou a sofrer um ataque de timidez e desviou rapidamente a conversa. – Para onde vamos agora?


Vito ignorou a pergunta. – Estás realmente bonita – insistiu. – E eu estou disposto a repetir isso tantas vezes quantas forem necessárias, até o reconheceres. – Perderás tempo, Vito. Onde vamos? Vito suspirou. – Bom, originalmente, tinha a intenção de passar a noite no meu apartamento, mas suponho que devíamos regressar ao castelo. – Tens um apartamento em Londres? Não sabia. – É bastante útil, quando fico a trabalhar até tarde ou acabo de voltar de uma viagem ao estrangeiro... No entanto, não me parece que estejas com humor


para sair. – Não, não estou. Se não te importares, prefiro ir para... – Para casa – adiantou-se. – Parece que sim. Como vês, sou capaz de me adaptar rapidamente às circunstâncias. Ava cerrou os punhos sob o casaco e recordou-se de que a mansão para onde iam não era dela, mas dele. Ela não tinha nada que se parecesse remotamente com um lar. Já sabia isso, antes de ter tomado a decisão de ir ver Thomas, mas o seu encontro apagara toda a sombra de dúvidas. Nem sequer era o pai dela. Ao sentir a tensão de Ava, Vito sentiu o desejo de a abraçar e de a sacudir até lhe dizer o que se passara. Porque se empenhava em manter o silêncio?


Parecia ser uma atitude irracional. Quanto mais depressa lhe dissesse, mais depressa poderiam enfrentar o problema em questão e, com sorte, superá-lo. Já estava a anoitecer quando entraram no castelo de Bolderwood. Ao entrar pela porta enorme, Ava sentiu-se tão segura que o achou ridículo. Os empregados de Vito tinham acendido a lareira do vestíbulo e as chamas projetavam uma luz alaranjada sobre as flores que adornavam o suporte. Harvey apareceu de repente e correu para eles, mas não a cumprimentou em primeiro lugar, que era a dona, cumprimentou Vito. Pelos vistos, davam-se bem.


– Eh, vais encher-me de pelos... – protestou. – Não consegue evitá-lo – indicou Ava. – É muito carinhoso. Harvey olhou para Vito com os seus olhos castanhos, grandes e quentes, e Vito suspirou. – Está bem. Pode ficar. Ava ficou surpreendida. – Aqui? A sério? – Não o teria dito, se não estivesse a falar a sério – ironizou. Ela deu um grito de alegria e precipitou-se para os braços do seu benfeitor. – Não te arrependerás! – exclamou, contente. – É um cão leal e vai proteger-


te de qualquer pessoa que te ameace. Vito observou Ava com atenção, espantado com a sua repentina mudança de humor e de atitude. – Nunca ninguém me ameaçou. – Mas nunca se sabe. – Enfim, terei de procurar um lugar onde possa dormir. – Certamente, quer dormir junto da tua cama... – Não, nada disso... – Vito abraçou-a e beijou-a brevemente. – Tu podes dormir comigo sempre que quiseres, mas só tu, sem mais companhia. Beijou-a novamente e passou-lhe a língua pelo lábio inferior. Ela deitou a cabeça para trás, convidando-o a continuar. Vito fechou as mãos sobre o


seu traseiro, levantou-a e apertou-a contra a ereção. – Vamos para a cama. Agora – sussurrou-lhe ao ouvido. – Não posso esperar. Ava fechou as pernas à volta da cintura dele e deixou que a levasse para o quarto. A atração que sentia tornara-se tão intensa, que o seu corpo reagia às carícias de Vito muito antes de a sua mente conseguir intervir. Já não conseguia controlar a urgência e a necessidade desesperada que a devoravam. Ao chegarem ao quarto, ele deitou-a na cama e Ava tirou os sapatos, o casaco e o vestido sem vergonha


alguma, desejando fazer amor. Ele ficou de pé e despiu-se com rapidez, tão desinibido como ela. Depois, inclinouse e beijou-lhe os lábios, enquanto lhe tirava a lingerie delicada. Os dedos dele brincaram com os mamilos de Ava e introduziram-se entre as suas coxas, causando-lhe gemidos. – És tão sensual... – sussurrou. – Nunca conheci uma mulher como tu. Desejo-te tanto, que ardo por dentro. E então, levantou-lhe as pernas e começou a acariciar-lhe o clitóris. A respiração de Ava tornou-se rápida e entrecortada, enquanto o seu corpo acumulava uma energia tão intensa que era quase dolorosa. – Gostas, Ava?


Ela voltou a gemer. Acariciou-lhe os seios sem deixar de a acariciar. – Vito... Peço-te... Vito não precisou que voltasse a pedir. Fechou as mãos sobre as suas ancas e penetrou-a com um movimento profundo. Para Ava, os minutos que se seguiram foram uma sucessão de ondas de prazer, que a envolveram por completo. E quando o orgasmo chegou, fê-lo com uma potência que a deixou completamente extenuada. Em grande medida, porque Vito atingiu o clímax quase ao mesmo tempo e deu um grito selvagem. Depois de uns instantes de silêncio,


deu-lhe um beijo no pescoço e declarou: – A tua paixão é a companheira perfeita da minha. Vito ia beijá-la outra vez, quando ficou repentinamente imóvel. Ava estranhou e olhou para ele nos olhos. – O que se passa? – Acabei de a ver, Ava. – Não entendo... Vito pô-la de barriga para baixo. – Já tiraste o penso. Pensei que seria uma ferida... Quem iria imaginar que era uma tatuagem? Ava ficou de barriga para cima, tão depressa quanto pôde. Ela não tirara o penso, mas era óbvio que caíra em algum momento. Certamente, no duche. E já não havia remédio.


Vira-a. Era um coração atravessado por uma flecha e, na flecha, havia um nome: Vito. – Não sou muito amigo de tatuagens – continuou ele, – mas penso que poderei suportar o facto de teres o meu nome na anca. Ela não disse nada. Estava muito envergonhada. – Quando fizeste isso? Ava sentou-se e fechou os braços à volta dos joelhos, num gesto defensivo. – Quando tinha dezoito anos. Estava de férias em Espanha e embebedei-me com umas amigas. No momento, pareceu-me ser uma grande ideia, mas depois...


– Compreendo. – Arrependi-me muitas vezes, desde então. Vito sorriu com atrevimento. – Eu gosto. Reconheço que desperta algo primitivo dentro de mim. Ava ignorou o comentário. – Vou tirá-la, quando tiver dinheiro – afirmou. – Oh, vá lá, não é para tanto – declarou, tirando-lhe importância. – Eras muito jovem. – Mas não me contentei com uma tatuagem normal. Tive de tatuar o teu nome! – lamentou-se. – Imaginas o que teria acontecido, se tivesse conhecido outro rapaz e...


Ava parou por um momento. Acabara de ver as horas no despertador da mesa de cabeceira. – Oh, não! – O que aconteceu? – Combinei encontrar-me com Damien e esqueci-me por completo. – Não te preocupes. Eu posso levarte, para procurar a árvore. Ava ficou boquiaberta. – Tu? Ele arqueou uma sobrancelha. – Sim, eu. Qual é o problema? – Não te imagino a procurar árvores de Natal. Vito não se incomodou em negá-lo. Ava sabia perfeitamente que não gostava


da época natalícia. – Não tinha escolha. É óbvio que Damien gosta de ti. Dessa vez, foi ela que sorriu. – Não te preocupes com Damien, não tem a menor possibilidade. Embora me agrade que sejas tão possessivo. – Eu não sou possessivo! Eu... Vito ficou pálido e olhou para ela com consternação. – Oh, não! Fizemos amor sem preservativo! Ava levou as mãos à cabeça, mas tranquilizou-se um pouco quando fez contas. – Certamente, está tudo bem. Não estou no meu momento mais fértil. – Talvez não, mas qualquer momento


pode ser perigoso, se não tivermos cuidado – recordou-lhe. – Não consigo acreditar. É a primeira vez que me esqueço. – Bom, eu também não percebi. E, por outro lado, há sempre uma primeira vez para tudo. Vito ficou em silêncio. Nunca, com nenhuma mulher, cometera o erro de esquecer o preservativo, mas Ava tinha algo que o impulsionava a baixar a guarda e a suspender a sua desconfiança natural. O que aconteceria se ficasse grávida? Respirou fundo e pensou que enfrentaria o problema, se chegasse a apresentar-se. Afinal de contas, não era


um adolescente, era um homem adulto que não se deixava levar pelo pânico. Na manhã seguinte, Ava ficou emocionada ao ver a coleção enorme de roupa e acessórios, que a esperava num canto do quarto. Nem sequer sabia o que impulsionara Vito a dar-lhe um presente como aquele. Só estaria com ele mais uma semana, mas comprara-lhe mais roupa do que precisaria em vários anos de uso contínuo. Depois de guardar tudo no armário, escolheu umas calças de ganga, uma camisola de lã e um casaco, e vestiu-se para descer e tomar o pequeno-almoço. – Parabéns! – exclamou, ao vê-la. –


Tens a certeza de que queres sair para ir procurar a árvore de Natal? Está um dia bastante frio. – Falta pouco tempo para a festa e vou estar muito ocupada – respondeu. – Eu gostaria de a ter o quanto antes. Ava teve de fazer um esforço para não olhar para ele como uma tonta. Só tinham passado quarenta minutos desde que se tinham separado para tomar banho e vestir-se, mas pareceu-lhe mais bonito do que nunca. As feições duras do rosto dele fundiam-se com a escuridão intensa dos olhos, dando-lhe uma beleza tão carismática que acendia cada milímetro da sua pele. Gostava tanto dele, que não conseguia pensar com clareza. E, como tantas


outras vezes, pensou que devia encontrar uma forma de manter a distância. Vito aproximou-se e ofereceu-lhe uma cadeira para que se sentasse, num gesto de cortesia que a deixou nervosa. Na sua opinião, tratava-a como se achasse que precisava dos seus cuidados, mas permitia-o porque suspeitava que, no fundo, o fazia por simples cavalheirismo. – Esta manhã, vamos comer crepes. Eleanor disse-me que adoras. Ava emocionou-se, sem conseguir evitar. Até àquele momento, ninguém tivera tanto trabalho para celebrar o seu aniversário, nem sequer a mãe, que sempre a tratara com frieza, como se a


sua presença fosse incómoda. E agora sabia porquê. Em muitos sentidos, fora uma menina maltratada. Era ignorada e nem sequer contava com o carinho das irmãs, que dormiam frequentemente em casa de uma amiga e a deixavam sozinha com a mãe alcoólica. Contudo, não queria pensar nisso, de modo que se sentou e deu boa conta do pequeno-almoço que lhe tinham preparado. Quando acabou de comer, Vito tirou uma caixinha e deixou-a junto do prato. – O que é isto? – perguntou ela. – Abre-a e saberás. Ava não precisava de a abrir, para saber que continha um tipo de joia.


– Oh, Vito, não quero mais presentes! Sinto-me mal, quando esbanjas dinheiro comigo... – confessou-lhe. – Não esbanjo dinheiro e, neste caso, não me custou nada. Intrigada, Ava pegou na caixinha, abriu-a e teve uma das maiores surpresas da sua vida. Era uma medalha de Olly, a sua medalha de São Cristóvão. – Oh, não... Não posso aceitar... Vito tirou-lhe a medalha, afastou-lhe o cabelo e pôs-lha ao pescoço, pondo fim ao seu esforço de protestar. – Assim, terás algo que te recorde – declarou. Ava fechou os dedos sobre a corrente,


emocionada com o gesto. Significava que deixara de ser a mulher que matara o irmão mais novo e se transformara na mulher que fora a sua melhor amiga. – Obrigada... – Pertenceu ao meu pai, sabes? Olly gostava muito dela... – Vito teve de fazer uma pausa. – Enfim, o que achas se formos procurar a árvore? Ava engoliu em seco para conter a emoção e acompanhou Vito até ao seu quatro por quatro, para onde Harvey entrou assim que abriram as portas. Minutos depois, ele parou o veículo na plantação que se encontrava nos terrenos da propriedade e abriu o porta-bagagem para tirar uma lata de tinta e um pincel, para marcar a árvore que escolhessem.


A brisa gélida açoitou as faces de Ava, que voltou a tocar na medalha de Olly, que ele usara na noite do acidente. No entanto, pensou que deleitar-se com o passado era a última coisa de que precisava naquele momento. Depois de um breve passeio pela plantação, parou à frente de um abeto de ramos densos e bem formados, que quase chegavam ao chão. – Esta servirá. Vito marcou a árvore com o pincel e deixou-o em cima da lata de tinta, para pôr as mãos nos bolsos. Estavam geladas. – Foi uma decisão rápida... De repente, Ava sorriu e olhou para o


céu. – Olha! Está a nevar! Vito ficou contente com a expressão dela de felicidade, quando levantou os braços e começou a capturar flocos de neve com o entusiasmo e a falta de inibições de uma menina, mas também se entristeceu um pouco, porque lhe recordou que Ava não tivera uma infância a sério. – Não achas que chegou o momento de ires ver a tua família? Ava ficou gelada. – Já... Já fui vê-los – declarou, com tanta rapidez como nervosismo. – Voltamos para o carro? Tenho frio. Vito franziu o sobrolho. – O que aconteceu?


Ela não teve outra opção senão ser sincera. – Descobri que não sou filha de Thomas Fitzgerald. Sou filha ilegítima, de um pai desconhecido. – Como? Ava tentou fugir para o carro, mas ele pôs-lhe a mão no braço e deteve-a. – Não és filha de Thomas? Momentos depois, quando já lhe explicara toda a história, olhou para ele nos olhos e acrescentou com tristeza: – Já não é de estranhar que não me visitassem, quando estive na prisão. Nunca fiz parte daquela família. Vito praguejou em italiano e abanou a cabeça.


– É inadmissível. Thomas devia-te ter dito há muito tempo. Foi muito cruel contigo. – Esquece, Vito. Já não tem importância. – Não tem importância? Esse homem... – Disse para esqueceres! – gritou. Vito ficou em silêncio e levou-a de volta a casa. Teria dado qualquer coisa para poder animá-la, mas conhecia-a o suficiente para saber que, naquele momento, precisava que a deixasse em paz. Quando entraram no vestíbulo do castelo, descobriram que Eleanor Dobbs estava à espera. E parecia estar


preocupada. – O que se passa, Eleanor? – perguntou Vito. A governanta deu-lhe um jornal. O título não podia ser mais evidente: Vito Barbieri, com a assassina do irmão. Juntamente com o artigo que o acompanhava, tinham publicado duas fotografias. A primeira era de Ava, na época do acidente. A segunda era a que lhes tinham tirado, à saída do centro comercial. Quando Ava o viu, ficou tão branca como a neve que começava a cobrir as terras de Bolderwood.


Capítulo 9

Depois de entrar na biblioteca, Ava tirou o jornal a Vito, para ler o artigo com atenção. Aproximou-se da mesa, abriu-o e leu até à última palavra, enquanto ele se mantinha de pé junto da lareira, com uma expressão grave. – Isto é horrível – sussurrou, incomodada. Ele encolheu os ombros. – É o que é. Não podemos mudar a verdade. E, obviamente, não vou processar ninguém por dizer a verdade.


– Mas... – Foi culpa minha – afirmou. – Devia ter-te levado a um lugar mais discreto. – E como souberam que estaríamos lá? – Boa pergunta. Interrogarei os empregados. São os únicos que sabem que estás em Bolderwood. Ava pensou que Vito tinha razão. Na verdade, o jornalista limitara-se a dizer a verdade, mas era uma verdade extraordinariamente dolorosa para ela. Os três anos na prisão não tinham servido para limpar o seu bom nome, nem para se sentir menos culpada pela morte do melhor amigo. Sentiu frio no seu íntimo e pensou que


a prisão não fora o seu castigo real, o verdadeiro consistia em não poder esquecer aquilo que fizera. – Vou falar com os empregados. – Espera... – rogou. – Porquê? – Porque os teus empregados não são os únicos que sabem que estou aqui. Olhou para ela com estranheza. – Quem mais sabe? – Katrina Orpington. Viu-me, quando fui visitar a sepultura de Olly. – Katrina? A enteada do sacerdote? – Bom, disse que se chamava assim... Eu não a conheço, embora me lembrasse de a ter visto em algum lado. É uma mulher loira, com aspeto de modelo. Disse que eu era uma assassina e que a


minha presença no cemitério era uma ofensa para os Barbieri. Os olhos de Vito brilharam com raiva. – E não me disseste nada? Meu Deus... Porque não confias em mim, para variar? – Não o escondi por desconfiança, mas porque não me pareceu ser importante. – Mas foi. No silêncio que se seguiu, Ava voltou a ler o jornal. A afirmação de Vito era correta. O artigo não continha dados falsos, explicava os factos sem adjetivações de nenhum tipo e permitia que o leitor


formasse o seu próprio julgamento sobre a relação de Vito com a assassina do irmão mais novo. Uma relação íntima, porque a fotografia não deixava lugar para dúvidas. Pareciam dois apaixonados. Sentiu-se envergonhada. Vito fora muito bom com ela e não merecia um escândalo público. Até pensou que cometera um erro ao voltar para Bolderwood porque, afinal de contas, era o lugar do crime, no sentido literal. Agora, só podia fazer uma coisa: ir-se embora. Estava convencida de que os falatórios acabariam imediatamente, se se afastasse dele. Saiu da biblioteca, subiu para o quarto e começou a fazer as malas, com


a roupa que tinha quando chegara ao castelo e a lingerie que Vito lhe oferecera. Enquanto a guardava, interrogou-se se alguém teria a amabilidade de a levar até à estação dos comboios mas, infelizmente, não tinha dinheiro. A porta abriu-se de repente. Vito viu que estava a fazer as malas e lançou-lhe um olhar que teria aterrorizado uma mulher mais fraca. – Meu Deus! O que estás a fazer? – Não devia ter vindo para o castelo. Sabia que teríamos problemas... – Já chega, Ava! Essa mentalidade fatalista não te levará a lado nenhum. – Talvez tenhas razão, mas não podes


lutar contra a opinião das pessoas e queixar-te depois, quando indevidamente te tornam alvo das suas críticas. – É óbvio que podemos. A não ser que sejas uma covarde. Ava ergueu o queixo, orgulhosa. – Eu não sou covarde. – Ah, não? Foges daqui, como um rato que abandona o barco – declarou, sem piedade. – O que é isso, se não é covardia? – Eu não sou covarde! – repetiu, indignada. – Demonstra-o. Fica. Ava suspirou. – Não é assim tão simples. Não quero que tenhas problemas por minha causa.


Vito empurrou os ombros para trás e disse: – Esses problemas não me preocupam. De facto, adoro-os. Ava observou os olhos dele, cheios de energia, e pensou que se apaixonara por aquele homem arrogante e teimoso, capaz de enfrentar qualquer pessoa para defender o direito de ser quem era e viver a sua vida. – Olha, Vito... Quase acabei o meu trabalho. Faltam algumas coisas, mas posso deixar instruções e indicações de contactos, para que... Ele interrompeu-a. – A festa não importa! Sabes perfeitamente que não gosto do Natal.


Ava ignorou-o. – Harvey pode ficar? O cão, que estava deitado no tapete, levantou-se ao ouvir o seu nome e esfregou-se contra as pernas de Vito. – Se pode ficar? Gostou tanto de Bolderwood, que terias de o prender para o tirar daqui. Ava assentiu. – Muito bem. Então, vou-me embora. – Não vais a lado nenhum. – Sê razoável. Não posso ficar, depois do que aconteceu. Quando as pessoas lerem a notícia... – Esquece-o de uma vez. – Como posso esquecer? Vão tornarnos a vida impossível.


– Deixa de te preocupar com aquilo que os outros pensam ou, pelo menos, deixa de te preocupar comigo – rogou. – É-me indiferente. – Mas para mim, não! – Meu Deus, Ava... – Além disso, não é para tanto. De qualquer forma, ia-me embora dentro de dias – recordou-lhe. – O nosso acordo era de duas semanas. Vito semicerrou os olhos. – Quem disse isso? – Digo eu! – exclamou, desafiante. – Pensas que sou tonta? Achas que não percebi que a nossa relação está ligada à tua festa de Natal? Sempre soube que lhe porias fim, depois disso.


– De onde tiraste isso? Eu nunca disse que... Ava olhou para ele com incredulidade. – Bolas, Vito, porque não és sincero de uma vez? Vito arqueou uma sobrancelha e lançou-lhe um olhar carregado de ironia. – Sou completamente sincero contigo, mas tu recusas-te a acreditar, porque não te atreves a confiar em mim – afirmou. Ava começou a sentir-se frustrada com a sua incapacidade de enfrentar os argumentos de Vito. Encontrara uma solução que lhe parecia ser lógica e ele recusava-se a tomá-la em consideração. Estava tão zangada, que perdeu o


controlo e começou a bater-lhe no peito. – Não compreendes? A nossa relação terminou! – Enganas-te. Vito fechou as mãos fortes à volta da cintura de Ava. Depois, levantou-a e deitou-a na cama. – O que estás a fazer? – gritou ela. Ava tentou escapar, mas ele alcançoua e submeteu-a com uma facilidade humilhante. – O que me obrigaste a fazer – respondeu. – Lamento que a realidade se empenhe em destroçar os teus planos limpos e ordenados, mas a nossa relação está muito longe de ter acabado. Ainda te desejo. Ava cravou o olhar nos olhos dele,


que brilhavam como os de um predador prestes a devorar a sua presa. – Não continues, Vito... Vito sorriu. – É óbvio que vou continuar. A voz dele era tão rouca e sensual, que Ava tremeu, sem conseguir evitar. – Sabes que tenho razão, Vito. – Achas sempre que tens razão – troçou. – Mas, desta vez, enganas-te por completo. Desejo-te. Ava corou, mortificada com a sua própria excitação. – Mas fizemos amor há duas horas! – E ainda tenho fome de ti, bella mia... Não achas que isso destrói a tua teoria, de que a nossa relação acabou?


– Eu... – Não deixarei que te vás embora. – Nunca me deixas fazer nada! – protestou, furiosa. – Conheço-te o suficiente para saber que não me deixarás ir até tomares uma decisão. Tu, Vito, sempre tu, mas não se trata apenas de ti. Acariciou-lhe o cabelo. – És muito teimosa, Ava, mas acendes o meu desejo... Ava afastou a cabeça, desafiante. – O meu desejo apagou-se. O meu bom senso apagou-o. Vito olhou para ela com humor. – O bom senso? O bom senso não tem nada a ver com isto.


Vito beijou-a na boca com uma paixão tão desenfreada que sossegou automaticamente os seus protestos. Não podia lutar contra o que sentia por ele. Levou as mãos à cara dele e acaricioulhe o cabelo enquanto inalava o cheiro que a impulsionava sempre a desejar mais, sem limite aparente. Interrogou-se se alguma vez chegaria a estar saciada daquele homem, se aquela necessidade terrível desapareceria em algum momento. – Oh, Ava... Segundos depois, ele quebrou o contacto durante o tempo necessário para respirar e ela aproveitou a oportunidade, usando as últimas forças


que lhe restavam. – Vou-me embora, Vito. Ele fechou uma mão sobre um dos seus seios e acariciou-lhe suavemente o mamilo, que já endurecera. – Queres que te prenda à cabeceira da cama? Não tinha pensado nisso, mas abre uma gama muito interessante de possibilidades. Ava tremeu. – És um perverso... – Oh, vá lá, adoras que seja dominador na cama. Ava pôs-lhe as mãos nos ombros, empurrou-o e deitou-o de barriga para cima. Vito dedicou-lhe um sorriso de lobo, deu uma gargalhada rouca quando ela ficou sobre ele e tremeu


violentamente, consciente da ereção dele. – Bom, não tenho nada contra as posições novas – continuou ele. – Além disso, sou um defensor da igualdade de oportunidades. Vito levou a mão às calças de ganga de Ava, desabotoou-as com um movimento rápido e tirou-as sem delicadeza alguma. – Não, não devemos... – insistiu ela, fazendo uma última tentativa para resistir ao desejo. – Estava a fazer as malas... – Mas não vais a lado nenhum. Vito levantou-a, para tirar as calças e os boxers.


– Devíamos discutir, como adultos civilizados... – Falas muito, cara mia. Passou-lhe um dedo entre as pernas e, depois de verificar que estava pronta, penetrou-a com um som de satisfação tão primário, que aumentou um pouco mais a excitação de Ava. Soube-se perdida, imediatamente. O seu corpo tomara o controlo e a sua mente já não podia fazer nada senão aceitar a invasão maravilhosa e mexerse sem descanso, percorrendo o espaço que faltava para atingir outro clímax, um orgasmo que nem sequer esperava, porque pensara que não voltariam a fazer amor.


Um bom bocado depois, quando descansavam, fundidos num abraço, a mente de Ava voltou a atravessar a barreira do prazer, com dúvidas que precisavam de resposta. Queria fugir porque tinha medo de que Vito a magoasse. Mas porque tinha esse medo? Só havia um motivo possível: amavao com toda a sua alma. Estava profunda, total e absolutamente apaixonada por Vito Barbieri. E chegara a hora de enfrentar os seus sentimentos. – Antes falavas muito e agora estás a pensar muito, cara mia – observou ele, em voz baixa. – Não dês tantas voltas. As coisas não são assim tão complicadas. Estamos bem... Não


estragues. Ela afastou-se e disse: – Preciso de tomar banho. Vito gemeu. – És tão teimosa... – Mas a minha teimosia excita-te, não é? Enquanto ela se afastava para ir à casa de banho, abanando as ancas, ele olhou para a tatuagem e pensou que era verdade. Excitava-o. Todos os dias, o tempo todo e em qualquer circunstância. Ava ensinara-o a desfrutar da vida, a deixar-se levar por fantasias sexuais no meio de uma reunião e a esquecer o trabalho aos fins de semana. De vez em quando, a sua parte mais racional dizia-lhe que devia pôr


distância entre eles e voltar à sua normalidade, mas preferia a sua normalidade atual, mesmo nos momentos em que Ava se mostrava particularmente insolente. O som do telefone afastou-o dos seus pensamentos. Vito sentou-se na cama, alcançou-o e atendeu. Ao fim de alguns minutos, Ava estava a esfregar a pele sob a água quente, quando ele abriu a porta e olhou para ela. – Não podes deixar-me em paz? – Eu adoraria deixar-te em paz, mas Eleanor acabou de me ligar pelo telefone interno do castelo. Diz que as tuas irmãs estão aqui.


– As minhas irmãs? – perguntou, atónita. – É verdade. Levou-as para o salão principal. – Não posso acreditar... O que estão a fazer aqui? Ele encolheu os ombros. – Devem ter lido o artigo do jornal. Ou talvez Thomas lhes tenha contado a conversa que tiveram. Em qualquer caso, será melhor estares elegante... Não quererás que pensem que és uma pobretona, pois não? Ela sorriu com malícia. – Ou que pensem que és tonto, por estares com uma pobretona. Vito deu uma gargalhada.


– Eu estaria contigo em qualquer situação, Ava. É-me indiferente o teu dinheiro e a roupa que usas. – Mas, certamente, preferes que esteja sem roupa. Ava saiu do duche e começou a procurar roupa no armário. Gina e Bella eram duas mulheres com pouco mais de trinta anos, que estavam sempre impecavelmente vestidas. Vito acertara, ao recomendar que ficasse elegante. Ava não queria que sentissem pena dela, sobretudo, porque lhes escrevera muitas cartas ao longo dos anos e não se tinham dignado a responder. De facto, não conseguia pensar num


motivo que explicasse a sua presença no castelo de Bolderwood, a não ser que tivessem a intenção de lhe pedir que saísse dali, com o argumento de que a sua presença era embaraçosa. Ao fim e ao cabo, Gina e Bella eram duas pessoas muito conservadoras. Por fim, escolheu um vestido cinzento e um casaco cor de lavanda. Depois, calçou uns sapatos de salto alto, prendeu o cabelo num coque e foi para o salão. Os nervos estavam a comê-la viva, quando abriu a porta. Vito não estava presente. As duas mulheres levantaram-se, ao vê-la. Ava observou-as com atenção e interrogou-se como era possível que não tivesse percebido que eram filhas de


pais diferentes. Não se pareciam em nada. Gina e Bella eram pequenas, loiras e gordinhas. – Espero que não te importes que tenhamos vindo – indicou Gina, com um certo desconforto. – Clara que não, mas fiquem à vontade, por favor... Gina e Bella voltaram a sentar-se. Ava acomodou-se numa poltrona, à frente delas. – Vimos a fotografia no jornal – continuou Gina. – O papá não sabia que te alojavas no castelo, quando foste vêlo. – Não sabia, porque não se incomodou em perguntar. Suponho que


se importava muito pouco com isso – declarou, com ironia. – Só estive cinco minutos em vossa casa. E, quando acabou o seu discurso, não havia muito mais a dizer. – Nisso, enganas-te. Há muito mais a dizer – interveio Bella, muito tensa. – O papá pode ter os sentimentos que quiser, mas tu és a nossa irmã, apesar daquilo que a mamã fez. – Meia-irmã, quererás dizer – particularizou Ava. – Embora, de qualquer forma, nunca nos tenhamos dado muito bem. – Sim, bom, é possível que tenhamos crescido numa família problemática – declarou Gina, – mas Bella e eu não estamos de acordo com o


comportamento do papá. Complicou as coisas. Exigiu que te expulsássemos das nossas vidas. Prefere fingir que não existes. – E fizemos o que ele queria durante muito tempo – acrescentou Bella. – Fizemos o que ele queria e, para dizer a verdade, usámo-lo como desculpa para não irmos ver-te, quando estavas na prisão – admitiu Gina. – Sinceramente, eu não queria ir à prisão e ser revistada como se fosse uma ladra ou algo parecido. – Uma vez, chegámos à porta. – É verdade, mas era tudo tão sórdido e intimidante... Ava assentiu.


– Compreendo. Eleanor Dobbs entrou com uma bandeja de café e bolos. A sua presença, embora breve, contribuiu para aliviar a tensão. Quando se foi embora, Gina disse: – A mamã escreveu-te uma carta, um pouco antes de morrer. Ava quase entornou o café. – Uma carta? Bella assentiu. – Foi por isso que viemos. Para te dar a carta. – E porque não a enviaram na altura, pelo correio? – perguntou Ava, zangada. – Nem sequer tiveram a decência de me avisar, quando estava a morrer. Nem


sequer sabia que estava doente. – Foi muito rápido... – desculpou-se Gina. – Além disso, o papá não queria que te informássemos e a mamã disse que não queria que a visses assim. Ava não disse nada. Descobrira que ela morrera quando estava na prisão e tinham sido momentos realmente difíceis. Agora, tinha de aceitar a agravante de que a mãe se recusara a vêla pela última vez. – Já não importa mas... Voltando à carta... – Não a enviámos pelo correio, porque sabemos que os funcionários das prisões abrem as cartas dos detidos e não nos pareceu bem – explicou Bella. – Mas vamos dar-ta agora... Embora saiba


que não é a mesma coisa. – Afinal, a mamã tinha começado a perder a cabeça – comentou Gina. – Mais do que uma carta, é um bilhete. E não faz muito sentido. Gina abriu a mala, tirou um envelope e deixou-o na mesinha. – Vejo que a leram. – Tive de a ler, Ava – declarou Bella, incomodada. – Estava tão fraca, que não conseguia segurar na caneta. Ava assentiu e pegou no envelope com dedos trémulos. Não estava muito convencida com as desculpas das meiasirmãs, mas preferiu ficar em silêncio. – Amávamos a nossa mãe – declarou Gina. – Embora devas admitir que não


era uma mãe normal... Ava lançou-lhe um olhar tão frio, que Bella decidiu intervir. – Bom, esqueçamos isso – declarou. – Posso fazer-te uma pergunta? O que estás a fazer no castelo de Bolderwood? – Vito pediu-me para organizar a festa de Natal e eu aceitei – respondeu. – Depois, as coisas complicaram-se. – As coisas? – perguntou Gina, com delicadeza. – Se bem me lembro, estiveste muito apaixonada por ele... – Estive, mas superei-o. – Oh, vá lá, Ava... A vossa história é o mexerico do condado. Conta-nos, por favor – rogou Bella. – Vais matar-nos de curiosidade... – Está bem, vou contar-vos. Vito não


é meu namorado, nem meu noivo, nem meu companheiro. Não temos uma relação séria. Somos amantes. Ava estava tão concentrada na tentativa de escandalizar as duas meiasirmãs, que não se apercebeu de que Vito acabara de entrar. E quando ouviu as suas palavras, carregadas de humor e ironia, sentiu-se muito incomodado. – Isso é verdade, querida. Para dizer a verdade, a nossa relação cingiu-se quase, literalmente, ao quarto. Durante os minutos que se seguiram, Ava teve de suportar os olhares de admiração e os risinhos coquetes que Gina e Bella dedicaram a Vito. Era óbvio que tinham ficado impressionadas


com a beleza e o carisma dele. Durante a conversa, Vito convidou-as para a festa de Natal e quis saber dos filhos delas. Graças a isso, Ava soube que Bella dera à luz pela terceira vez, no ano anterior, e também soube que o filho de Gina já tinha dez anos e que ela estava a criar um futuro como fotógrafa de imprensa. Contudo, o seu desconforto atingiu limites intoleráveis quando, não contente com o facto de as ter convidado para a festa, Vito juntou outro convite, para o almoço de amigos que sempre se celebrara nesse mesmo dia, à tarde. Apesar disso, Ava conseguiu manter o aprumo até as meias-irmãs se despedirem e se irem embora. Só então,


gritou: – Porque as convidaste para o almoço? – Porque me pareceu ser um gesto educado e porque pensei que te ajudaria a retomar a tua relação com elas. Ava abanou a cabeça. – Não sei se quero – confessou. – Não sabes? – Vito semicerrou os olhos. – O que se passa, Ava? Mostrou-lhe a carta e contou-lhe a história. – E ainda não a leste? – Tenho medo de a ler. – Porquê? A expressão de Ava tornou-se sombria.


– Bella não disse, mas insinuou que será dececionante. E, se for, terei de viver com essa lembrança para sempre. – Queres que eu... – Não, obrigada. Agradeço muito, mas é da minha responsabilidade. Ava abriu o envelope e tirou a carta que a mãe ditara a Bella. Dizia assim: Lamento muito, Ava, muito mais do que alguma vez possas imaginar. Devastei a minha vida e receio que também tenha devastado a tua. Lamento não ter tido coragem para ir visitar-te à prisão, nem ao hospital, embora não saiba se as autoridades o teriam permitido. Mas não podia verte, sabes? O dano já estava feito e era


demasiado tarde para o resolver. Além disso, eu queria salvar o meu casamento, sempre foi a minha prioridade, sempre foi o mais importante para mim. E, depois do que fiz... Amo-te com toda a minha alma, Ava, mas ainda tenho medo de te dizer a verdade. Assusta-me, porque sei que me odiarias. Os olhos de Ava encheram-se de lágrimas. Sentia-se dececionada com o conteúdo da carta, que deu a Vito, mas, sobretudo, estava triste e confusa. – Não sei o que pensar... Bella disseme que a mamã estava muito confusa naquela época e tão fraca que ela teve de escrever a carta.


Vito leu a carta e guardou-a no envelope. – O que achas? – continuou Ava. – Que a tua mãe se sentia muito culpada, por te ter tratado mal. – Mas as suas últimas frases não têm pés nem cabeça... – declarou, com amargura. – Depois do que fez? A que se referia? A ter ido para a cama com outro homem e ter ficado grávida de mim? Pensou mesmo que ia odiá-la, se me contasse que não era filha de Thomas? É absurdo... Ele encolheu os ombros. – Não sei, Ava, não consigo pensar noutra explicação. Então, o telemóvel de Vito começou a


tocar. – Desculpa-me por um momento. Volto já. Vito saiu e Ava pensou que o seu comportamento tinha melhorado muito durante os dias anteriores. Deixara de atender chamadas a meio de uma conversa, como se ela não estivesse presente, e passara a tratar as chamadas como as interrupções que eram, e a desculpar-se quando não tinha outro remédio senão atender. Levantou-se, aproximou-se da janela e admirou o campo coberto de neve, até onde a vista alcançava. Vito voltou um minuto depois. – Tenho de ir, Ava – declarou, em voz baixa.


– Então, sairei para ir dar um longo passeio com Harvey. Ava disse-o com certeza, para tentar reafirmar a sua independência e insinuar que não precisava de Vito Barbieri. Obviamente, era mentira, mas pelo menos serviu-lhe para salvar o seu orgulho.


Capítulo 10

O grande salão estava cheio de caixas com grinaldas e objetos decorativos. Ava estava em cima de um escadote para decorar o abeto e começava a perder a paciência porque os seus planos estavam atrasados. O transporte e a instalação da árvore gigantesca tinham-na feito perder quase todo o dia e, quando finalmente conseguiu fazer com que a pusessem no sítio adequado, perdeu mais duas horas no sótão, à procura das luzes.


A sua boca tinha uma expressão triste. Depois da trágica morte de Olly e da suspensão da festa tradicional de Natal, os empregados de Bolderwood tinham descuidado os adornos e muitos deles estavam perdidos ou partidos. Além disso, não podia esquecer que, da última vez que estivera lá, a adornar a árvore, Olly estava ao seu lado. O falecido amigo sempre fora um perfeccionista, discutia com ela pela posição de cada grinalda, ajustava os ramos e dava mil voltas a tudo, até ficar perfeito. Olly gostava tanto do Natal como o irmão o odiava, mas Ava pensou que Vito tinha bons motivos para não gostar


do Natal. A mãe abandonara-o nessa data, quando era pouco mais do que um menino. De facto, só voltara a celebrálo muitos anos depois, quando Olly fora viver para o castelo e se empenhara em recuperar a tradição. Ao pensar nos sentimentos de Vito, Ava lembrou-se do que se passara durante a noite. Ele chegara tarde, deitara-se na cama e ficara em silêncio. Pela primeira vez, desde que dormiam juntos, não lhe tocou, nem tentou nada. E sentira-se tão ridiculamente rejeitada, que a confiança na sua capacidade para o seduzir desaparecera. Atónita, começara a interrogar-se se Vito estaria a cansar-se dela. O artigo do jornal, a carta da mãe e a reunião


inesperada com as meias-irmãs, tinham destruído a placidez dos dias anteriores. Talvez pensasse que era uma mulher muito problemática e que não merecia a pena. Até havia a possibilidade de ter mudado de opinião e querer perdê-la de vista o quanto antes. De repente, o seu telemóvel começou a tocar. – Sim? – Olá, Ava, sou Vito. Só poderei voltar dentro de alguns dias, portanto, ficarei no meu apartamento de Londres. – Ah... – Organizei uma reunião para depois de amanhã – informou. – Estarás em casa?


– Uma reunião? Com quem? Ava tentou falar com naturalidade, para que Vito não percebesse que se sentia dececionada. Pensou que teria conhecido uma mulher de quem gostava mais, ou que se cansara de tantas noites de amor e decidira voltar a concentrarse nos negócios. Não era em vão, que era obcecado pelo trabalho. – Com alguns pessoas que quero que conheças. Ela franziu o sobrolho. – Tenho de estar especialmente elegante? – Não, não é preciso. Veste o que quiseres. Ava sentia tanta curiosidade, que


quase insistiu para que lhe desse mais explicações, mas mordeu a língua. Vito parecia estar cansado e tenso, e não quis mostrar-se muito insistente com ele. Quando acabaram de falar, guardou o telemóvel e continuou a decorar a árvore, entre pensamentos sombrios. Pensou que a sua relação era puramente sexual, que estava com um homem que não se comprometia com ninguém e que, além disso, nem sequer tinha o direito de se sentir dececionada nesse sentido: ele fora sincero desde o princípio. Não procurava uma relação séria. Só havia um detalhe que lhe dava esperanças. Vito era um homem de trinta e um anos, que tinha mantido relações amorosas com muitas mulheres, mas ela


era a primeira que convidara a ficar no castelo de Bolderwood. Infelizmente, era uma esperança fraca. Talvez a tivesse convidado, porque não tinha outro sítio onde ficar e porque era o mais conveniente para a organização da festa. Ao fim de um momento, desceu do escadote e dedicou-se a verificar as diferentes divisões. Estava tudo pronto para a ocasião. Tinham uma sala especificamente dedicada às crianças e outra para os adolescentes, com luzes de discoteca e a sua própria aparelhagem. Também instalara um bar no salão de baile, com as mesas e cadeiras da sala de jantar. Só faltavam as flores, mas


Ava sabia que chegariam em breve. Naquela noite, teve dificuldade em dormir. Sentia-se tão sozinha, que permitiu que Harvey entrasse no quarto e se deitasse aos pés da cama, mas a presença do cão não surtiu o efeito desejado. Sentia a falta de Vito. Já não podia negar que se apaixonara por ele. E, como tinha a certeza de que os seus sentimentos não seriam recíprocos, pensou que não havia outra opção senão ir-se embora de Bolderwood. Quando a festa acabasse, pegaria nas suas coisas e ir-se-ia embora dali, sem fazer barulho, com o que restava da sua dignidade.


Finalmente, chegou a manhã do regresso de Vito, mas Ava estava tão cansada, depois de duas noites de sono escasso, que adormeceu e teve de tomar banho, vestir-se e tomar o pequenoalmoço a toda a velocidade. Já acabara, quando ouviu que o helicóptero aterrava. Então, aproximou-se da entrada do castelo e esperou por ele, com Harvey aos seus pés. Vito entrou em companhia de três homens e Ava, que ardia em desejos de se precipitar para os braços dele, teve de fazer um esforço para se conter. – Menina Fitzgerald? Um homem baixo, cujo rosto lhe era familiar, adiantou-se e apertou-lhe a


mão, esboçando um sorriso. – Passou muito tempo... – continuou. Ava demorou um momento a reconhecê-lo. Era Roger Barlow, o advogado que a defendera no julgamento. – Certamente, a menina não teve saudades tuas, Roger – troçou um homem loiro, que se apressou a apresentar-se. – Sou David Lloyd, do escritório de advogados Lloyd and Lloyd Associates, de Londres. – É um prazer... – E este é Gregory James – apresentou Vito, referindo-se ao terceiro homem, careca e barbudo. – Gregory e a sua empresa encarregaram-se de melhorar o sistema de segurança de


Bolderwood, quando entraram para roubar, há cinco anos. Ava assentiu, mas não entendia o motivo da sua visita e olhou para Vito com perplexidade. Parecia estar muito cansado. Não tinham passado quarenta e oito horas desde o seu último encontro, mas qualquer um teria dito que vivera um verdadeiro inferno desde então. – O que vos parece, se formos para a biblioteca? Assim, poderemos sentarnos e conversar tranquilamente – declarou Vito. – Pedi a Greg para nos acompanhar, porque queria que te conhecesse pessoalmente, Ava. Ele vai explicar-te tudo. Quando chegaram à biblioteca e se


sentaram, Gregory James olhou para Ava com curiosidade e declarou: – Vi o artigo e as fotografias no jornal. Fiquei muito surpreendido, porque não sabia o que tinha acontecido. Naquela noite, estive na festa, mas fuime embora antes da meia-noite, para ir para o aeroporto. Tinha de viajar para o Brasil, por motivos de negócios. – Greg não sabia que te tinham julgado e condenado a três anos de prisão – explicou Vito. – Quando leu o artigo, ligou-me e sugeriu que marcasse esta reunião. – Não entendo nada... – declarou ela. – Não estava a conduzir naquela noite – declarou Greg. – Eu vi o que aconteceu, estava de fora, mas pareceu-


me ser uma discussão entre amigos e não lhe dei importância. Como poderia saber que o meu testemunho podia ser fundamental num julgamento? Estive vários meses fora do país. Desconhecia que a tinham condenado pela morte de Olly. Ava ficou boquiaberta. – Pode saber-se do que está a falar? Eu conduzi aquele carro... Discutimos? David Lloyd inclinou-se para a frente. – Ava, a sua defesa no julgamento esteve viciada, pelo facto de não se recordar de nada do acidente. Como podia defender-se, se padecia de amnésia? – Como já referi, saí da festa um


pouco antes da meia-noite – salientou Gregory James. – Chamei um táxi e, enquanto estava à espera, vi que umas pessoas discutiam junto de um carro. Eram três. A menina, o irmão de Vito e uma mulher alta, com um vestido cor-derosa. Ava franziu o sobrolho. – Três? Uma mulher alta? – Se bem me lembro – interveio Roger, – no julgamento, disseste que a última coisa de que te recordavas era de ter saído do castelo e ir para o carro de Olly... – Sim, é verdade. – A mulher em questão seguiu-vos e provocou uma discussão entre vocês – explicou Greg. – Era evidente que tinha


bebido muito. Estava muito zangada e disse imensas coisas desagradáveis. Vito falou pela primeira vez, desde que tinham chegado à biblioteca. – Lamento ter de te dizer, mas a mulher do vestido cor-de-rosa era a tua mãe. Eu também a vi a sair do castelo. Presumi que teria discutido com o teu pai e que ia para casa mas, infelizmente, não a segui... Se tivesse saído, teria visto que foi ela que se sentou ao volante do carro. – A minha mãe? – perguntou, com incredulidade. – Sim, a sua mãe – respondeu Greg, com firmeza. – Eu vi tudo. Arrancou e partiu a toda a velocidade


Ava sentiu náuseas. Olhou para os quatro homens com uma expressão de espanto absoluto, incapaz de aceitar aquilo que lhe contavam. – Com as provas que temos agora, podemos reabrir o seu processo – informou David Lloyd. – Vito ligou-me ontem, para lhe dar uma opinião. Não lhe tinha dito nada, porque não queria que tivesse ilusões, sem ter a certeza. – Isso não é possível... A minha mãe não podia estar lá. Eu não me lembro de a ter visto – declarou Ava, abanando a cabeça. – Além disso, tinha deixado de beber. E tinham-lhe tirado a carta de condução. – Mas voltou a beber – indicou Vito.


– Ontem, entrei em contacto com Thomas Fitzgerald, que me confirmou que Gemma tinha bebido durante a festa e me disse que tiveram uma discussão especialmente azeda. Segundo parece, a tua mãe saiu do castelo e ele deixou-a ir, porque supôs que voltaria para casa de táxi. – Não entendo... Se é verdade que era ela que conduzia o carro, o que fez depois do acidente? Porque não estava lá? – É óbvio que não lhe aconteceu nada – respondeu Vito. – Supomos que teve medo e te sentou no banco do condutor antes de desaparecer. Certamente, apercebeu-se de que Olly falecera. – Naquela noite, viram uma mulher


com um vestido cor-de-rosa, perto do lugar do acidente – declarou Roger. – A polícia tentou localizá-la, mas nunca a encontraram. – Isto não tem nem pés nem cabeça. Olly não teria permitido que conduzisse bêbada... Além disso, tinham-lhe tirado a carta de condução – repetiu Ava. Estava horrorizada. A mãe não só a abandonara no carro, depois de chocar contra aquela árvore, como se aproveitara do seu estado de inconsciência, para a tornar culpada pela morte de Olly. – Ouve, Ava... – pediu Greg. – Eu fui testemunha do que aconteceu. Olly e tu tentaram impedir que conduzisse, mas


ela afirmou que estava perfeitamente sóbria e não fez caso. Tu já estavas no carro, quando empurrou Olly e se sentou ao volante. Ele quase ficou de fora, mas entrou no último momento. – E isso não é tudo – comentou David Lloyd. – Roger informou-me de que, no teu caso, havia detalhes suspeitos que a polícia não se incomodou em investigar. Pelos vistos, encontraram vestígios de uma terceira pessoa na lama, junto do carro, e o ferimento que tinhas na cabeça não coincidia com o golpe que um condutor teria sofrido nessas circunstâncias... – O que significa isso? – Que a tinhas no lado contrário, como se tivesses batido contra a janela


do banco do passageiro. – Diz-me uma coisa, Ava – interveio Vito. – A tua mãe foi ver-te ao hospital? Ela abanou a cabeça. – Não. Disse-me que estava constipada – respondeu. – Mas via-a depois, quando me deram alta e voltei para casa durante uns dias. – E como se comportou, quando te viu? – Como se não tivesse acontecido nada. De facto, zangou-se muito quando Thomas me atacou, por ter matado Olly e ter arruinado a minha vida. – Mas não se zangou o suficiente, para admitir que a condutora era ela. – Penso que temos grandes


possibilidades de conseguir fazer com que reabram o processo e te declarem inocente – David Lloyd olhou para ela com simpatia. – Se quiseres, posso representar-te. – As despesas serão por minha conta – acrescentou Vito. David, Roger e Greg levantaram-se uns minutos depois e despediram-se. Tinham de voltar para o helicóptero, para que os levasse a Londres. Vito pediu-lhes que esperassem por ele e ficou um momento com Ava. – Não tenho outro remédio senão passar pelo meu escritório, cara mia. Dediquei os dois últimos dias a este assunto e o trabalho acumulou-se... Não quis dizer-te nada, porque antes queria


certificar-me de tudo. – Compreendo. – Mas, se precisares que fique contigo... – Não, Vito, não é necessário. Já fizeste mais do que o suficiente – declarou, fazendo um esforço sobrehumano para aparentar tranquilidade. Vito assentiu. – Está bem. Mas, se precisares de alguma coisa, liga-me. – Claro. Vito deu-lhe um beijo e foi-se embora. Ava esperou até o helicóptero descolar e depois chamou Harvey, e saiu para ir dar um passeio. A sua vida mudara radicalmente no


espaço de poucos dias. Primeiro, descobrira que Thomas Fitzgerald não era o seu pai e, agora, descobria que estivera três anos na prisão, por um crime que não cometera. Seria verdade? Era possível que Gemma a tivesse traído daquela forma? As provas pareciam ser concludentes e, de passagem, explicavam a carta estranha que a mãe lhe escrevera antes de morrer. Não se sentia culpada porque fora para a cama com outro homem, mas porque tinha fugido do local do acidente, depois de se certificar de que a responsabilidade da morte de Olly recairia sobre a própria filha. Além disso, a narração de Gregory James estava cheia de detalhes,


demasiado reais para serem inventados. A mãe era uma mulher com personalidade forte, que era insuportável quando bebia. O doce e razoável Olly não teria sido capaz de enfrentar Gemma e sentar-se ao volante. Ter-se-ia afastado, para evitar à amiga uma cena mais embaraçosa e depois teria entrado no carro, para não a deixar à mercê de uma bêbada. Ava abanou a cabeça e começou a chorar. Harvey lambeu-lhe a mão e olhou para ela com preocupação. Ela ficou de cócoras e abraçou o cão. Sentia-se impotente, perdida. E ainda havia perguntas por responder. Porque é que Vito tivera


tanto trabalho? Fizera-o por ela? Ou só o fizera porque, depois do artigo do jornal lhe convinha limpar a sua imagem, para não sair lesado? Ava não se esquecera de que Vito nunca tivera a menor dúvida da sua culpa. Momentos depois, o telemóvel tocou. Era Bella. – Estás bem? – perguntou a meiairmã. – Não, claro que não. – Queres que vá buscar-te? Não devias estar sozinha neste momento... – declarou. – Onde está Vito? – Teve de voltar para Londres. – Nesse caso, espera-me aí. Só demorarei alguns minutos. Bella levou-a para a sua casa da vila,


um lugar acolhedor, com paredes cheias de fotografias de crianças e brinquedos por todo o lado. Stuart, o bebé, esboçou um sorriso encantador para a tia. – Desculpa a desordem. O pai veio aqui ontem à noite e contou-me tudo. Tinha acabado de falar com Vito... – explicou, enquanto lhe preparava um chá. – Quem ia imaginar que era ela? Quando saiu da festa, pensámos que pediria um táxi para voltar para casa. – Então, achas que essa história é verdade? Bela assentiu e serviu o chá numa chávena. – Sim, acho. Sempre nos pareceu muito estranho que Olly viajasse no


banco de trás do seu próprio carro e te tivesse deixado conduzir. Mas o que podíamos pensar? Imaginámos que te terias empenhado e que... Enfim, lamento. Lamento imenso, Ava. – Não lamentes. Já não tem remédio. E, como tu própria disseste, o que podiam pensar? A polícia pensou que eu era culpada desde o princípio. – Lembro-me de que a mamã se comportou de forma estranha... Agora, entendo o motivo. É lógico que se sentia culpada. Foi incrivelmente cruel, ao sentar-te ao volante do carro. Aproveitou-se da inconsciência da própria filha e, em seguida, da amnésia. Ava ficou em silêncio e pegou num peluche de Stuart, que abraçou. Ao vê-la


nesse estado, Bella decidiu mudar de conversa, para a animar. – Não sei se Vito gostou do comentário que fizeste no outro dia... – declarou, com humor. – Que comentário? – O de serem apenas amantes. Ava corou. – Ah, isso... Não consegui pensar noutra forma de o definir. – Eu não o conhecia pessoalmente, mas é óbvio que te ama muito. Ontem, estava muito zangado com aquilo que a mamã te fez. Talvez se sinta culpado. Para dizer a verdade, todos nos sentimos culpados. – Não quero o seu sentimento de


culpa – Ava deixou de falar para assoar o nariz. – Voltarei para Londres, quando a festa acabar. – Tens de ir? Gina e eu tínhamos tanta vontade de recuperar o tempo perdido... Ava sorriu com tristeza. – Sim, eu também tenho vontade, mas não posso ficar muito mais tempo. A situação está a tornar-se embaraçosa. Uns minutos mais tarde, despediu-se da meia-irmã e voltou para o castelo, onde os últimos detalhes da festa a mantiveram ocupada e a distraíram dos seus pensamentos sombrios. Vito ligou à hora do jantar e mostrou-se preocupado com ela. Ava assegurou-lhe de que estava bem e, quando acabaram de falar, foi para o quarto e deitou-se, com


esperança de que o sono acalmasse a sua mente agitada. Em algum momento da noite, teve um pesadelo. Nele, saía do castelo na companhia de Olly e, de repente, encontravam-se com Gemma, que começava a gritar porque queria conduzir e não a deixavam. Olly tentou convencê-la do contrário, mas Gemma insistiu de um modo tão violento, que não conseguiram impedi-la. Depois, a imagem mudou e Ava viu que ia bater contra uma árvore. Depois, Olly gritou e tudo ficou em silêncio. Acordou de repente, angustiada. E teve uma surpresa ao ver que a luz estava acesa e que Vito se encontrava ao


seu lado, seminu. – Tiveste um pesadelo... Ela levou as mãos à cabeça. – Não foi um pesadelo, Vito. Recordei-me. Lembrei-me do que se passou naquela noite. Como é possível? Porque não me lembrei antes? – Porque não querias – respondeu ele. – Talvez o teu subconsciente se tenha recusado a admitir que a tua própria mãe te traiu. Ava não disse nada. – Sabes uma coisa? – continuou Vito. – Quando Greg James falou comigo, alegrei-me tanto por ti, que comecei a trabalhar para provar a tua inocência. Falei com David, com o teu advogado e com o teu pai para verificar os factos,


pensando que te fazia um favor, mas já não tenho a certeza. Quando falámos contigo hoje de manhã, percebi que a notícia te magoou muito. Ava abanou a cabeça. – Fizeste o que devias, Vito. A minha mãe fez-me parecer culpada, permitiu que me condenassem e me enviassem para a prisão. Nem sequer se incomodou em confessar a verdade, mais tarde, quando estava a morrer e já não tinha nada a perder... Manteve-se à margem e ignorou-me completamente. – Não sei, Ava. Devias esquecer. Esse assunto dominou a tua vida durante muito tempo. Vito afastou-se da cama e ela franziu


o sobrolho. – O que fazes aqui? Pensei que ias ficar em Londres. – Ia ficar, mas mudei de opinião. – E onde vais agora? – Para o quarto. Trouxe-te umas coisas, mas deixei-as lá porque estavas a dormir e não queria acordar-te. Vito saiu do quarto e voltou uns segundos mais tarde, com um grande ramo de rosas, uns bombons e uma caixa embrulhada em papel de presente. – Foste às compras? – perguntou, espantada. – Sim e confesso que é a primeira vez que compro flores pessoalmente. Costumo fazer os pedidos por telefone. Ava sorriu, adulada.


– E eu confesso que é a primeira vez que me dão flores. Obrigada, Vito, são verdadeiramente bonitas. – De nada... Ela pegou nos bombons e levou um à boca, enquanto olhava para o terceiro presente com curiosidade. – E o que é isso? – Abre a caixa e verás. Ava ficou atónita, ao ver o que continha. Era um adorno para a árvore de Natal. Uma bola vermelha, com uma data escrita. – A data significa alguma coisa? – perguntou. – É óbvio que sim. É este ano, o ano em que devolveste o Natal ao castelo de


Bolderwood – respondeu. – Fizeste um grande trabalho, Ava... Mas ainda não me disseste se gostas. Ava voltou a sorrir. – Adoro. Embora não me pareça justo. Não tenho nada para te dar. Vito aproximou-se dela e deu-lhe um beijo na boca. – Tu és um presente mais do que suficiente, cara mia. E, falando em presentes, penso que devias ir ao salão. – Ao salão? – Sim. Tens mais uma coisa. Está debaixo da árvore. Ava não queria levantar-se cama, portanto, Vito acrescentou: – Quero que o abras agora. – Agora? Mas são duas da


madrugada! – É importante, querida. Ava suspirou e levantou-se. – Está bem... Desceram pela escada principal e dirigiram-se para o grande salão do castelo. Ava aproximou-se da árvore, cujas luzes estavam acesas, e baixou-se para recolher a caixa grande que Vito deixara lá. – O que é isto? – O teu presente de Natal. Os outros eram coisas sem importância. – O meu presente de Natal? Mas nem sequer vou estar aqui no Natal... Vito arqueou uma sobrancelha. – Não?


– Tencionava ir-me embora amanhã de manhã. – Terás de mudar de planos. Ava abriu a caixa grande e descobriu que continha uma mais pequena. Repetiu a operação e encontrou uma caixa ainda mais pequena. E assim fez, até chegar à última de todas, embrulhada em veludo. Dentro dela, brilhava um diamante enorme, que refletiu as luzes e as cores da árvore de Natal. – O que é isto? Vito ajoelhou-se diante dela e perguntou: – Queres casar comigo? Ela ficou com falta de ar. – Ficaste louco? Como compraste


algo tão caro? Vito franziu o sobrolho. – Peço-te em casamento e criticas-me por comprar algo muito caro? Ava pestanejou, emocionada. – Mas, Vito... Tu não queres casar, tu não queres uma esposa. Sempre pensaste que, se casasses, a tua esposa se divorciaria de ti para ficar com o teu castelo, com os teus filhos e com metade da tua fortuna – conseguiu dizer. – Bom, é um risco que estou disposto a correr. Ava olhou para ele, com olhos cheios de lágrimas. – É o pedido mais bonito da minha vida, mas não posso casar contigo. Só me pedes isso, porque te sentes culpado,


porque me condenaram pela morte do teu irmão e passei três anos na prisão sem... – Enganas-te – interrompeu-a. – Comprei-te o anel um dia antes de Greg me ligar, para me contar essa história. – Um dia antes? Mas disseste que não conseguias perdoar-me... Vito olhou para ela nos olhos, com intensidade. – E pensava que era verdade. Até que, um dia, percebi que não conseguia viver sem ti – declarou. – Amo-te, Ava. Com toda a minha alma. Ava nem conseguia acreditar. – Amas-me? – Porque te pediria em casamento, se


não te amasse? – perguntou, com impaciência. – Apaixonei-me por ti, assim que voltaste a entrar na minha vida. – Eu também te amo, Vito – confessou, perturbada. – Mas pensei que a nossa relação era passageira. – Não é, amata mia. E, amanhã, quando fores anfitriã da festa, quero que uses o anel para que todos saibam que és a mulher com quem vou casar. Ava baixou a cabeça, olhou para o anel e voltou a fixar o olhar nos olhos do amante. – Amas-me mesmo? Apesar de ser tão teimosa? – És o melhor que me aconteceu – afirmou. – Embora haja uma coisa em ti


que me incomoda um pouco... – Qual? – Não confias em mim. Passaste três anos na prisão e nunca falas disso. – Porque não é algo de que goste de falar. Passei por momentos muito duros. Ao princípio, algumas prisioneiras metiam-se comigo, constantemente... E, um dia, os guardas castigaram-me porque a minha companheira de cela traficava drogas e pensaram que eu era cúmplice. Contudo, com o tempo, adaptei-me e aprendi a manter-me ocupada. – E o que fazias? Ava contou-lhe que ensinara outras reclusas a ler e a escrever, e que, por


fim, a tinham levado para uma prisão de regime aberto, onde havia menos restrições. – Quando me concederam a liberdade condicional, decidi começar uma nova vida. Só queria esquecer o passado, sabes? Sentia-me tão culpada pela morte de Olly... Vito deu-lhe a mão. – Eu sei. Ava tremeu. – Voltemos para a cama. Está frio. Ele assentiu e pegou nela ao colo. – Vais levar-me ao colo até ao quarto? – Claro que sim. – Peso muito. E terás de subir as escadas.


– Isso não é nada. Quando chegaram ao quarto, Vito alegrou-se tanto por a deixar na cama, que Ava sorriu com ironia. – Vês? Não estás em forma... – troçou. Vito deu uma gargalhada e começou a tirar as calças. – Meu Deus, como te amo... Sabes que também é a primeira vez que me apaixono? – Oh, vá lá, certamente, apaixonastete por alguém durante a adolescência... – Não. Fui um adolescente bastante frio nesse sentido. Suponho que foi por causa da rejeição do meu pai, que se ia embora com a primeira mulher que


passava – respondeu. – Mas tu chegaste e iluminaste a minha vida. – Sabes que, se casares comigo, terás de celebrar o Natal todos os anos? – perguntou. – Bom, assim terei oportunidade de recordar que o Natal nos uniu – respondeu ele. – E teremos lembranças novas, lembranças sem a menor sombra de tristeza... Os olhos de Ava brilharam de felicidade. – Adoro-te, Vito. És arrogante, impaciente e dominante, mas também generoso, amável e surpreendentemente atento. – Acabaste de me elogiar? Tu? Ava acariciou-lhe o cabelo e sorriu.


– Até eu faço elogios, de vez em quando. Naquela noite, fizeram amor com mais paixão do que nunca. Ava não se recordava de ter sido tão feliz, nem de se ter sentido tão segura em toda a sua vida. Deixara para trás o passado e enfrentava o futuro sem arrependimentos, sem sentimentos de culpa. A festa do dia seguinte foi um êxito. Ela usou o vestido de veludo verde e o anel de noivado, e recebeu um mar de felicitações. Num determinado momento, Vito aproximou-se dela e propôs que se casassem no inverno. Ava recusou e disse que preferia que o casamento se


celebrasse no verão. – No verão? E se estiveres grávida? – Não estou grávida – afirmou. – Não me digas que me pediste em casamento, porque achas que... – Não, claro que não. Pedi-te em casamento porque não consigo viver sem ti, minha pequena atrevida. Mas ofereço-te uma solução de compromisso, vamos casar na Semana Santa. – Não, quero casar no verão. Assim, teremos seis meses pela frente e teremos a oportunidade de verificar se conseguimos viver juntos. – Será que ainda tens dúvidas? Por fim, casaram-se na Semana Santa e foram de lua de mel para o Havai. À


noite, Vito confessou-lhe que era o homem mais feliz do mundo e que lhe parecia impossível que alguém pudesse amar como a amava. Ava pensou que o sentimento era recíproco. E alegrou-se por, às vezes, estarem de acordo em alguma coisa.


Epílogo

Olivia Barbieri nasceu dois anos depois, obrigando Ava a adiar temporariamente o seu regresso à Faculdade de Medicina. Tinha os olhos da mãe, o cabelo do pai e o caráter independente e rebelde dos dois. Vito descobriu, para sua surpresa, que adorava voltar para casa e encontrar-se com uma mulher, uma menina e vários cães, porque Harvey tivera cachorrinhos com Frida, uma terrier que tinham encontrado abandonada nos terrenos de


Bolderwood. Pela primeira vez, o seu castelo parecia ser um lar. E, como Ava fizera as pazes com as meias-irmãs, estava sempre cheio de gente. Três anos depois do casamento, Ava voltou para a universidade. Sabia que estudar e cuidar de Olivia ia ser complicado, mas Vito ofereceu-se para trabalhar menos horas, para poder dedicar mais tempo à filha. Naquele mesmo ano, um tribunal reabriu o processo do acidente de Olly e declarou-a inocente das acusações que a tinham levado para a prisão. Para celebrar o seu quarto aniversário, Vito levou-a de férias para a Toscana, na companhia da filha e da ama. Foram dias de diversão e de


descanso, livres de preocupações. E, quando chegaram a casa, Ava descobriu que ficara grávida pela segunda vez. – E eu que pensava que só teríamos uma menina... – troçou Vito, ao saber. – Mas alegras-te, não é verdade? – Se me alegro? Estou muito contente, cara mia! Amo-te, amo Olivia e amarei o bebé que vais dar-me... – declarou, exibindo um grande sorriso. – Parece que a minha vida está sempre a melhorar. Vito estava tão contente, que Ava decidiu aproveitar a ocasião para lhe expor um assunto que estivera a adiar. – E não achas que outro cão poderia melhorar a tua vida um pouco mais?


Marge tem um cachorrito lindo, que... – Pensarei nisso. Não abuses da tua sorte – avisou. – Claro que não. – E não me olhes com tristeza... Sabes que não suporto ver a tua tristeza – queixou-se Vito, com desespero. Ava voltou a sorrir. – Amo-te tanto, Vito... Sabia que não negarias, mas prometo que não te arrependerás de ter outro cão.


Se gostou deste livro, também gostará desta apaixonante história que cativa desde a primeira até à última página.


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