Julia justiss dona do seu destino

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Dona de seu Destino Julia Justiss

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Disponibilização, tradução e revisão inicial: Dani P. Equipe de Revisão: Anelise, Maria Betânia, Iluska, Dany Revisão Final: Iluska Formatação: Serenah

Dona de seu destino O desejo que sentiam um pelo outro era inegável, mas… seria suficiente seu amor para libertá-los? Seu pai a tinha trancado sendo menina, e Helena Lambarth havia jurado então que ninguém a submeteria. Mas para cumprir o último desejo de sua mãe, viajou a Londres para se apresentar em sociedade… e assim se encontrou de repente como hóspede de lorde Darnell. Adam, lorde Darnell, não tinha tempo de vigiar ou ajudar aquela jovem desalinhada, mas havia concordado em ser padrinho dela. Carregado com as dívidas de seu pai, Adam sabia que sua única esperança era conseguir casar-se com a rica Priscilla Standish. Teria desejado que Priscilla não fosse tão comum quando comparada com a pouco convencional Helena… que ademais, tinha se convertido em uma mulher simplesmente cativante. 2


Capítulo 1 O vento uivava enredando sua negra cabeleira e lançando mechas nos olhos enquanto à suas costas o mar se chocava contra as rochas desfazendo-se logo em espuma. Helena Lambarth seguia olhando terra adentro aos dois trabalhadores que cavavam na terra à sombra das montanhas. A tumba estava quase preparada. Sua euforia se elevou como as gaivotas nas rajadas de vento salgado e uma explosão de risada irreprimível escapou de sua garganta. Estava morto. Morto de verdade. Por fim era livre. Embora soubesse que qualquer som teria ficado afogado pela cacofonia das ondas e as gaivotas, um dos trabalhadores fez uma pausa, olhou-a e com um braço estendido assinalou sua presença ao outro. O homem se benzeu com espanto e com um gesto indicou a seu companheiro que seguisse cavando. Acreditariam que se tratava de um fantasma, ou se lembrariam dela possivelmente daquela manhã nove anos atrás em que conseguiu escapar do castelo Lambarth e fugir até chegar à aldeia, em que um grupo de homens, ignorando suas súplicas, a devolveu para seu pai achando que era louca? Por um momento ficou presa na lembrança: descalça e chorando, rodeada por um círculo de aldeãos que murmuravam entre eles sem deixar de olhar sua roupa destroçada, seu rosto sujo e seu cabelo emaranhado: -Pobrezinha. Que lástima… -Seu pai diz que está louca, a pobre… -É culpa de sua mãe. Olhe que, partir desse modo… Helena fez uma careta parecida com um sorriso. As mentiras de seu pai nunca mais poderiam mantê-la prisioneira. Aquele mesmo dia poderia abandonar aquele maldito lugar e empreender a busca da mãe de cujo lado a arrancaram justo quando iam abandonar juntas as terras de seu pai. A mãe que nunca havia deixado de querê-la. Disso estava segura. Um movimento a distância a devolveu para o presente. Os homens haviam deixado de cavar e a comitiva do enterro havia partido do castelo pelo estreito caminho de terra que conduzia ao cemitério, um lugar cheio de erva e abandono. O coração encolheu quando seu olhar foi parar no montão de terra próximo à parede. Seu ocupante era uma intrusa na morte como ela tinha sido na vida. Se não fosse por Sally a louca, a velha curandeira e eremita que havia falecido dois meses atrás, não poderia ter sobrevivido a seu

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cativeiro. Teria se alegrado por ela aquele dia? Embora a anciã murmurasse incongruências à maior parte do tempo, em seus ocasionais momentos de lucidez mostrava uma aguda percepção da realidade. Igual a alguns aldeãos que entravam no bosque procurando sua ajuda quando o médico do povoado não conseguia curar suas doenças, Helena apreciava também o magnífico talento da mulher como curadora. Ainda que outros acreditassem que a velha bruxa possuía poderes obscuros e a evitavam, razão pela qual seu próprio pai, sempre covarde, havia permitido à mulher viver em suas terras, Helena não sabia de uma só ocasião em que teria utilizado sua sabedoria para outra coisa que não fosse curar e socorrer os seus semelhantes. Outra pontada lhe atravessou o coração. Demente ou não, Sally havia sido sua única amiga, e sentia falta dela terrivelmente. Respirou fundo. Com a morte de seu pai, esperava que a patrulha que havia disposto para vigiar o perímetro das terras de Lambarth tivesse desaparecido também. Mas tanto se encontrasse com resistência armada como se não, só sua própria morte a reteria uma noite mais naquele castelo. O cortejo fúnebre entrou no cemitério. Dois granjeiros servos de seu pai levavam o caixão, seguidos de um homem cuja vestimenta negra e ondulante o identificava como o vigário, e Holmes, o oficial de seu pai. Não esperava mais ninguém, Helena se surpreendeu ao encontrar mais uma pessoa seguindo o caixão. Era um homem que nunca havia visto. O que mais lhe chamou a atenção foi seu estranho comportamento. O ministro da igreja movia os lábios mantendo o olhar fixo em frente, mas o homem olhava a seu redor, examinando todos os cantos do abandonado cemitério como se procurasse algo. Ou alguém. Um instante depois, seus olhares se cruzaram e Helena, em um gesto desafiante, o manteve sem pestanejar; o homem, depois de olhá-la fixamente alguns segundos, fez um gesto de saudação. Ela devolveu o gesto e o estranho sorriu antes de voltar-se para sacerdote. Helena lembrou de repente algo que Sally havia dito pouco antes de morrer a que não havia prestado atenção acreditando que se tratava de outra de suas maluquices. Havia lhe dito que sua mãe havia enviado alguém para que a vigiasse. Alguém que estava há anos na aldeia esperando que seu pai adoecesse ou que se incapacitasse o bastante para poder aproximar-se dela sem correr perigo. Poderia ser certo? Seria aquele homem essa pessoa? Não podia deixar-se levar pela imaginação, mas como que pretendia seguir a mesma direção, tampouco lhe faria nenhum mal segui-lo até o povoado, sempre e quando não houvesse guardas armados em seus postos que a impedissem de sair.

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A oração terminou e o ministro esperou que os dois integrantes do cortejo jogassem um punhado de terra sobre o caixão para recolher as abas da batina e sair a toda pressa do cemitério encolhendo-se contra o vento. Sem voltar a olhá-la, o desconhecido o seguiu, deixando os dois peões terminando o trabalho. Da parede rochosa no qual estava encarapitada Helena viu dispersar o grupo e cruzou os braços sobre o velho vestido que usava. Fazia um tempo que tinha se tornado imune ao frio e úmido vento da costa, o calafrio que sentiu devia ser de esperança.

-Sinto muitíssimo, querida. Como se suas palavras carecessem de significado, Helena ficou olhando o rosto amável do senhor Pendenning, o advogado de sua mãe, do outro lado da mesa. Mas na realidade já não era seu advogado, porque sua mãe havia morrido. O homem que tinha visto no enterro de seu pai, Jerry Sunderland, não sabia. O haviam enviado ao povoado anos antes, quando a tentativa de sua mãe de resgatá-la falhou, com instruções de acomodar-se ali sem chamar a atenção, atender seu negócio e esperar que se apresentasse um momento propício em que pudesse se colocar em contato com Helena para lhe entregar uma mensagem do senhor Pendenning. De algum modo e durante a longa viagem da costa até Londres, Helena havia pressentido o êxito, embora houvesse se negado sequer a considerar a possibilidade. Junto com a nota do advogado, Jerry lhe havia entregado dinheiro para que pudesse fazer a viagem de forma cômoda e em etapas, mas um certo temor a tinha empurrado a viajar dia e noite sem descanso, inclusive no teto dos carros do correio, com vento, frio e chuva, sem perceber sequer na maravilhosa paisagem que iam atravessando. Explorar as maravilhas do mundo agora aberto ante seus olhos ficaria para mais tarde. Com as pernas doloridas pelo uso dos rígidos sapatos e coceira por causa da capa áspera de lã que Jerry tinha lhe proporcionado, havia feito a viagem apertando a nota na mão com o endereço do advogado e com uma só idéia na cabeça: encontrar sua mãe. Mas ia ser impossível encontrar sua mãe, nem em Londres nem em nenhuma outra parte porque fazia mais de um ano, conforme acabava de lhe dizer o senhor Pendenning, que a risada alegre de sua mãe estava sepultada em uma pequena ilha do Caribe, a meio mundo de distância dali. O lugar no qual Gavin Seagrave, o homem que amava e com quem havia fugido, tinha se instalado depois de ter se visto forçado a abandonar a Inglaterra. O objetivo que a havia sustentado durante as surras, o isolamento e as privações, que tinha lhe dado esperança e ajudado a perseverar, havia se desvanecido como a neve ao sol do verão.

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Pela primeira vez em sua vida, Helena se sentiu verdadeiramente só. -E o que vou fazer agora? - sussurrou, sem dar-se conta de que tinha pronunciado a frase em voz alta. -Viver a vida, filha - disse o senhor Pendenning com suavidade- Mantive correspondência com sua mãe durante anos e acredito que posso lhe oferecer o conselho que ela mesma teria dado. Quando sua saúde começou a deteriorar e contemplou o doloroso fato de que provavelmente não sobreviveria a seu pai, o único objetivo de sua mãe passou a ser dispor tudo que era seu, para que uma vez você fosse livre, tivesse todos os meios necessários a seu alcance para fazer o que desejasse. E embora ainda não tenha recebido os detalhes dos advogados de seu pai, como sua herdeira universal, igual à de sua mãe, descobrirá que vai ser uma jovem extremamente rica. -Não quero saber nada da herança de meu pai - falou com veemência. O advogado a olhou com compaixão. -Embora saiba que não sentia afeto por ele, isso não altera o fato de que segue sendo legalmente sua herdeira. Além dos recursos em efetivo, há… -Não! – interrompeu-o - Não quero nada que foi dele. Nem sequer um punhado de terra dos imóveis que pudesse ter. Nem um centavo de seu dinheiro. Preferiria viver nas ruas. O advogado sorriu. -Não vai ter que fazê-lo, asseguro. Entretanto, deve considerar a parte das propriedades de seu pai que provinham do dote de sua mãe. O resto poderá vender e investir o que obtiver. -Conservarei o que foi de minha mãe, mas não quero nada de meu pai. Nada de nada. Está claro? O advogado assentiu com reticência. -Como desejar. E o que quer fazer com Lambarth Castle? Foi seu lar e o de sua mãe, e se não desejar viver nele pela distância, poderá procurar um comprador. -Eu gostaria que me enviassem os livros da biblioteca. Quanto ao resto - Helena olhou fixamente o advogado - quero que seja demolido pedra por pedra, e que os escombros sejam jogados no mar. O homem empalideceu e engoliu saliva. -Bem... Entendo. E a criadagem? -Quando faleceu meu pai, só ficaram Holmes e sua esposa - lembrava bem como desfrutavam com a crueldade de seu pai - Creio que não está em meu poder lhes negar o que meu pai possa ter lhes legado em seu testamento, não é? Que fiquem com isso, mas nem um tostão a mais. Você disse

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que agora sou uma jovem rica, não é assim? -Extremamente rica. -E que posso gastar essa riqueza como me agradar, não? -Sua mãe me nomeou testamentário para que a aconselhasse, mas, além disso, pode gastá-lo do modo que melhor lhe pareça. -Nesse caso, quero que faça uma coisa mais em Lambarth Castle: erigir um monumento de mármore no cemitério. -Para marcar o lugar da tumba de seu pai, suponho. Helena riu com severidade. -Certamente que não, os corvos são mais que suficiente. Quero que o monumento marque o lugar onde está enterrada uma anciã, Sally… desconheço seu sobrenome. Era uma curandeira e minha… amiga. A voz falhou ao lembrá-la. O advogado a olhou com doçura. -Sei que isto deve lhe causar uma profunda impressão: ter que deixar o único lugar em que viveu, viajar até tão longe e ter que descobrir que perdeu para sempre à pessoa que andava procurando… falamos de assuntos econômicos, mas não do que pensa fazer hoje, amanhã e nas próximas semanas. Permite-me que lhe faça algumas sugestões? De repente Helena sentiu o peso das longas horas de viagem sem dormir e quase sem comer. Ficou tonta, e teve que apoiar-se na mesa do advogado. -Eu… o agradeceria - murmurou. O senhor Pendenning lhe serviu uma taça. -Tenha, tome um gole de vinho. Resumirei o que acredito que deveria fazer e logo a deixarei descansar. Helena aceitou a taça com mãos tremendo. -Obrigada. Preciso repousar um pouco. -Sua mãe deixou instruções muito específicas em caso de que todas as pessoas que mencionava em seu testamento estejam vivas e dispostas a cumprir com seus desejos. Depois de passar tantos anos presa ao lado de seu pai, ela queria que pudesse viajar estudar com os melhores tutores as matérias que mais lhe interessassem: música, dança, arte, literatura… mas principalmente desejava que ocupasse o lugar que lhe corresponde na sociedade como parte integrante de uma família que a queira, o tipo de família que sua mãe lembrava ter tido em sua infância. Helena sentiu uma profunda dor na garganta. -Enquanto minha mãe esteve comigo, tive uma idéia do que era esse tipo de família.

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O advogado sorriu. -Depois de ler a correspondência que sua mãe manteve comigo ao longo de todos estes anos e vendo a preocupação que sempre mostrou por você, estou seguro de que era assim. Teria gostado que voltasse a sentir-se tão unida a alguém como era quando ela estava com você, de modo que me disse que queria que se fosse viver com sua prima e amiga da infância, Lillian Forester. Os olhos de Helena se iluminaram. -A prima Lillian! Recordo que mamãe falava dela quando eu era pequena. -Sua mãe pensou que poderia confiar em sua prima, que agora é Lady Darnell, para que a aconselhe sobre o guarda-roupa adequado, disponha o tutor que você possa desejar, e para que de modo geral lhe facilite a entrada em sociedade como a jovem culta e independente que sua mãe sabia que você ia ser. Ter um lar, com uma mulher que havia sido muito querida por sua mãe, que a tinha querido… teve que piscar várias vezes para não chorar. Jamais encheria o terrível vazio que havia deixado a perda de sua mãe, mas a tremenda solidão que a assediou ao saber de sua morte cedeu um pouco. -Sim, acredito que eu gostaria. Entretanto… e se Lady Darnell não desejar me aceitar em sua casa, ou descobrimos que não podemos conviver juntas? -sorriu- Levo tanto tempo vivendo só que pode ser que não seja uma convidada… cômoda. Nesse caso, disporia de recursos suficientes para poder viver em minha própria casa? -Teria você recursos suficientes para ter uma casa em cada cidade de Inglaterra! Mas não acredito que vá ser necessário. Tomei a liberdade de entrar em contato com Lady Darnell para dizer que vinha para cá. Quando tivermos terminado de conversar, enviarei uma nota a comunicando que já chegou, e espero que seu enteado, lorde Darnell, venha procurá-la a para lhe dar as boas-vindas à família. -Lorde Darnell? Por que não vem a prima Lillian em pessoa? O advogado a olhou com cautela. -Não sei se isto vai lhe agradar muito tendo em conta sua experiência pessoal, mas de acordo com as leis e costumes ingleses, quase todos os assuntos relacionados com o dinheiro e a família ficam nas mãos do cabeça da família do sexo masculino. No caso de Lady Darnell, é lorde Darnell, o mais velho dos filhos de seu falecido marido. Ela vive com ele. A imagem idílica de uma família que havia feito desapareceu. -Nesse caso, preferiria que me aconselhasse sobre como comprar minha própria casa. Não desejo voltar a ficar sob a autoridade de nenhum homem.

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O advogado assentiu. -Embora compreenda seu modo de pensar, asseguro que lorde Darnell é um jovem excelente, oficial do exército muito respeitado que serviu nas guerras peninsulares e em Waterloo com grande valentia. Deveria conhecê-lo ao menos antes de negar-se à possibilidade de viver com sua prima. É o que sua mãe desejava. Se não fosse por isso, teria recusado a possibilidade imediatamente. Mas ficou meditando um momento com o cenho franzido entre a esperança de recuperar o pouco que pudesse do espírito de sua mãe, e o medo justificado de viver sob o controle de outro homem. -Se aceitar conhecê-lo, se inclusive aceitar viver sob seu teto e em seguida mudar de opinião poderei partir quando o desejar? -Certamente. De agora em diante, você é proprietária de sua própria vida. Helena assentiu sem muita convicção. -Creio que o mínimo que posso fazer é conhecê-lo, já que isso era o que minha mãe desejava. -Excelente. E agora tenho que dizer que guardei o mais especial para o final. Durante os anos em que ficaram separadas, sua mãe a escreveu freqüentemente. Sabendo que seu pai destruiria suas cartas se tentasse enviar-lhe as enviou a mim para que as guardasse. De uma gaveta da mesa tirou uma caixa de madeira. -Tenho todas aqui, guardadas para você como era seu desejo. A primeira é sua última carta, escrita quando já sabia que não poderia desfrutar da alegria de voltar a vê-la. Na última nota que me dirigiu, pediu-me que essa fosse a primeira carta que lesse. O senhor Pendenning puxou de um cordão junto à parede. -Meu assistente a levará a um aposento em que possa ficar sozinha. Mandarei chamá-la quando chegar lorde Darnell. Posso lhe oferecer algo mais? Helena negou com a cabeça. -Não, obrigado. Foi você muito amável. Posso? - perguntou, estendendo os braços. O senhor Pendenning lhe entregou a caixa. -Desfrute delas, querida. Sua mãe a amava profundamente. Com aquela caixa nas mãos, seguiu o jovem quase sem vê-lo. Tinha o coração muito cheio de angústia, alegria e confusão para falar. Havia perdido sua mãe, para sempre, mas não tinham conseguido silenciar sua voz. Em suas mãos estava a prova irrefutável do afeto de sua mão durante os dez longos anos de separação. Um tesouro de valor incalculável encerrado em uma simples caixa de madeira.

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Uma vez a sós na sala que o assistente a havia conduzido, sentou-se em uma poltrona junto à janela, deixou a caixa em uma mesinha e tirou a última carta: Minha muito querida Helena: A dor que me produz a certeza de não voltar a ver seu belo rosto quase me impede de escrever. Não poderei voltar a te abraçar, nem a sentir o batimento de seu coração. Mas devo deixar de lado minha dor e perseverar, porque embora a carga de saber que ficaremos separadas para sempre seja insuportável, minha menina querida, seria uma carga muito maior para ti ganhar sua liberdade e não ter uma palavra minha que mitigasse sua dor quando descobrir que parti. Por isso, meu tesouro, me deixe te dizer nesta carta o que te diria se pudéssemos estar juntas… Quando Helena chegou ao final da carta, as letras se apagavam e tremiam suas mãos de tal modo que não foi capaz de voltar a dobrar o papel. De algum modo conseguiu guardá-la na caixa, sobre vários pacotes de cartas atadas com um cordão. Só então permitiu dar vazão às lágrimas, tanto tempo contidas. Chorou até que, exausta, só ficaram forças para fechar as cortinas do quarto e recolhendo os pés sob sua saia, se enrolou na poltrona e caiu adormecida. ***

Capítulo 2 Adam Darnell deixou a fatura sobre o montão que já tinha na mesa e passou a mão pelo cabelo. Quase preferiria estar outra vez com Wellington, preparando-se para investir contra as linhas francesas inimigas, que ali em Londres tentando salvar suas propriedades do desastre que haviam sofrido durante a longa e última enfermidade fatal de seu pai. Talvez o melhor fosse aceitar o inevitável, seguir o conselho de seu advogado e encontrar uma herdeira rica com a qual casar-se. O som de nódulos que batiam na porta o arrancou do pensamento daquele triste futuro. -Adam posso entrar? -a porta se entreabriu e sua madrasta colocou a cabeça e os laços de sua touca dançaram com o movimento- Sinto te incomodar, mas trata-se de algo urgente. Adam se levantou perguntando-se com indulgência que tipo de crise seria a que afligia sua madrasta: a perda dos óculos, a aparição de um pardal morto no jardim…

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-Entra, por favor, e assim evito em ter que me ocupar de todas estas faturas - disse, indicando a cadeira que havia junto da mesa. -Ah, isso! -disse ela, fazendo um gesto displicente com a mão- Queime-as. É o que seu querido pai fazia sempre. Razão pela qual seu patrimônio estava no estado lastimoso que estava, disse Adam a si mesmo. -Não pode tratar de nada muito grave, estando encantadora como está, mãe. Nem o sol pode lhe fazer sombra com esse precioso vestido. Lady Darnell sorriu e seus olhos azuis brilharam. -É o mais galante dos cavalheiros, Adam. Quando o alfaiate me mostrou esta seda amarela e esta maravilhosa renda, soube que era feito para mim. A segunda esposa de seu pai, filha de um barão de grande fortuna, era uma mulher muito extravagante, mas com um coração tão cheio de ternura e alegria que seria tão grosseiro quanto inútil brigar por seus gastos. Além disso, estando ele longe servindo a seu país, jamais poderia lhe pagar a dívida de gratidão que havia contraído com ela por ter abandonado sua adorada vida social em Londres para consagrar-se a seu pai e a seu longo e lento caminho até a morte. Um espírito como o dela não devia apagar-se com os detalhes de dívidas e hipotecas. Teria que economizar em outras coisas… e buscar a feliz herdeira cujo dote pudesse encher de novo as arcas da família. -É um assunto muito urgente - insistiu sua madrasta. -O que perdeu mãe? Lady Darnell lhe entregou uma carta. -Acabo de receber esta mensagem de um advogado que se ocupa das propriedades de minha finada prima Diana, onde diz que sua filha, agora órfã de pai e mãe, está a caminho de Londres. Nela diz que era desejo expresso de Diana que vivesse comigo. Adam franziu o cenho. -Sua prima era a mãe da garota? Deveria ser seu pai quem determinasse tal coisa. -Creio que sim, mas quem deverá resolver isso são os advogados. Enquanto isso, a moça necessita um lar. Resolver semelhante complicação legal não ia ser algo simples, mas alojar durante esse tempo uma menina tampouco pesaria em sua já sobrecarregada economia. -E você deseja acolhê-la, mãe? Eu não gostaria que se sentisse obrigada a fazê-lo. -Eu adoraria que ficasse conosco! Mas… antes que me diga que sim, tenho que te informar que Diana se viu envolta em um escândalo há alguns anos. Não se pode culpar a pobre menina por causa disso, mas já sabe como são as pessoas, e tendo em conta que você anda procurando esposa e

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que a temporada aqui em Londres está a ponto de começar, não quero que uma estupidez cometida por alguém de minha família possa… limitar suas opções. -Nesse caso, não tem porque preocupar-se, mãe, não consideraria a ninguém que fosse capaz de responsabilizar das transgressões de uma mãe a sua filha. Que idade tem a menina, e quando chega? -O advogado diz que logo. E não sei te dizer que idade tem. Já sabe que sou um desastre com os números! Quando Diana e Vincent Lambarth se casaram, ele a separou da família praticamente trancando-a em um castelo que tinha no meio de não sei onde, e ali ficou. Lambarth jamais a permitiu voltar para Londres, nem sequer trazer a menina para que a conhecêssemos, de modo que embora não se pode perdoar o que fez não me surpreendeu absolutamente, estando como estava quase prisioneira de Lambarth nesse lugar tão horrível, junto à costa, com uma umidade horrível, imagino. Adam sentiu vontade de rir, mas não o fez. -E o que foi o que tanta umidade a empurrou a fazer? -Bem, primeiro tenho que relatar que Diana, em sua primeira aparição em sociedade, apaixonou-se perdidamente de um jovem totalmente inadequado para ela. Não é que sua família fosse desprezível, já que se tratava do filho mais novo do visconde de Seagrave, mas tinha um caráter selvagem e ingovernável. A primavera em que Diana o conheceu acabavam de expulsá-lo de Oxford, e embora Lambarth levasse meses cortejando-a, uma vez que conheceu Gavin, já não teve olhos para ninguém mais. É obvio, sua família tentou dissuadi-la, mas então ocorreu que um marido ciumento desafiou Gavin, e quando este o matou em duelo se viu obrigado a abandonar o país. Diana ficou destroçada, de modo que como Lambarth ainda a queria, ela se rendeu e acabou casando-se com ele. -Mas a união não funcionou. -E não era de estranhar. Que tipo de louco se torturaria casandose com uma mulher que amava outro homem? -Imagino que não. Em qualquer caso, depois de passar quase uma década trancada naquele castelo, Diana fugiu. Inteirei-me que escapou em um navio de pesca até a Irlanda e logo tomou um navio ao Caribe, onde se uniu a Gavin. Lambarth se negou a lhe conceder o divórcio, de modo que nunca puderam casar-se. Lady Darnell fez uma pausa durante a qual ficou pensativa. -Às vezes me pergunto se alguma vez lamentou ter abandonado seu marido, já que depois se viu obrigada a viver como uma pária e a renunciar a sua filha. Éramos muito unidas quando meninas, mas quando se casou com Lambarth, perdemos o contato.

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E o que teria sido da vítima mais inocente daquela tragédia? Perguntou-se Adam. -Pobre menina - murmurou. -Certamente. Deve ser horrível primeiro perder a mãe e depois viver tão isolada até a morte de seu pai. -E agora quer você consolá-la, não? Lady Darnell sorriu timidamente. -Minha dor maior foi sempre que Deus não quisesse me benzer me dando filhos. Com isso não quero dizer que Charis e você não sejam muito queridos para mim, mas quando me casei com seu pai já estavam muito crescidos de modo que sim, sim eu gostaria de me ocupar da filhinha de minha pobre prima Diana. Não parecia que a intenção de sua mãe fosse de caráter temporário, embora tampouco pudesse culpá-la de que se preocupasse assim pela filha de sua prima. Além disso, quanto podia comer uma menina? Quando chegasse o momento que necessitasse um guarda-roupa completo e um dote para sua entrada em sociedade, certamente já estará vivendo com algum familiar paterno… ou ele terá conseguido endireitar a tortuosa linha da economia dos Darnell. -Quando vamos buscá-la? Um deslumbrante sorriso iluminou o rosto de Lady Darnell. -Ai, Adam, sabia que sua compaixão não me falharia! Vou enviar uma nota agora mesmo ao advogado. Apenas haviam transcorrido duas horas desde que soube da existência da órfã quando Adam se encontrou dirigindo sua caleça para o centro da cidade à direção que Lady Darnell lhe havia dado. Imaginava que a menina gostaria de ir a carro aberto, já que certamente teria feito a viagem até ali em carro fechado, e com a boneca cheia de laços e babados que Lady Darnell o havia feito levar como presente de boas-vindas, preparou-se para passar a tarde lutando com os advogados para conseguir o duvidoso privilégio de adotar a uma perfeita desconhecida. Aquele adendo inesperado a casa sublinhava a necessidade imperativa de achar solução à situação econômica dos Darnell. Aquela mesma manhã, depois de terminar com as contas, havia tido uma idéia que esperava pudesse lhe economizar a humilhação de ter que arrastar seu sobrenome e sua linhagem por festas, concertos e demais eventos em busca de alguma herdeira dos novos ricos da cidade, sempre e quando a sorte e sua amiga da infância Priscilla Standish o sorrissem. Depois de ter passado bastante tempo fora lutando na guerra contra a França e depois de ter arrendado Claygate Manor, a casa de campo que fazia limite às propriedades de seu pai, não havia voltado a vê-la. Mas sabia que continuava solteira. Se aquela jovem gordinha e alegre que adorava seguir seus passos em suas correrias de juventude não houvesse mudado muito, seria uma

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oportunidade de encontrar harmonia conjugal com ela melhor que com qualquer dessas mocinhas emperiquitadas que se exibiriam assim que começasse a temporada. Teria que ir fazer lhe uma visita quando tivesse concluído o assunto da órfã. Meia hora mais tarde, um ajudante o acompanhava ao salão privado do senhor Pendenning, onde conforme lhe disse o jovem, o advogado o receberia em seguida. O aposento estava na penumbra, já que a cortina da única janela estava corrida. Apesar de estar no final do inverno, a tarde era de um sol brilhante, e enquanto seus olhos se acostumavam a aquela penumbra examinou o aposento. Havia um jornal sobre a mesa, e quando o ia folhear ouviu um ruído em um canto que havia passado despercebido por ele. A idéia que ia dar boas-vindas a uma pequenina entristecida ficou feita em pedacinhos ao ver que o que tinha lhe parecido uma espécie de manta deixada sobre uma poltrona resultou ser uma pessoa que dormia. Umas pernas finas como paus e pés nus apareceram sob uma saia negra e descolorida, curta demais para o tamanho da pessoa que a usava que era quase tão alta quanto ele. Adam teve a impressão de que um saca-rolha se aproximava até que a criatura lhe ofereceu uma mão ossuda. O nariz se sobressaía em um rosto magro, de proeminentes maçãs e pele sem brilho que emoldurava um emaranhado de cabelo escuro e olhos felinos que tinham se cravado nele como o fariam os de uma ave de rapina. Quando os lábios da criatura se curvaram em um sorriso zombador, deu-se conta que a havia estado olhando descaradamente, inclusive com a boca aberta. Consciente de que pela primeira vez em seus quase trinta anos não encontrava palavras para dar as boas-vindas, ruborizou. Antes que conseguisse articular uma palavra, a criatura retirou a mão que havia lhe oferecido e fez uma breve reverência. -Você deve ser lorde Darnell - disse, e sua voz soou grave e ronca- Estou… encantada em conhecê-lo. ***

Capítulo 3 Embora a moça fosse o exemplar menos atraente de mulher que Adam já havia visto, sua reverência foi feita com muita graça. E mais: o olhar carregado de ironia daqueles penetrantes olhos negros e o sarcasmo em sua forma de lhe saudar, revelou que a jovem era bastante inteligente para ter se dado conta do que pensava de sua aparência.

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Mas mais que incomoda parecia quase divertida ante seu óbvio desconforto, aumentado pela boneca de pano que levava na mão. Antes que Adam pudesse decidir se sentia ofendido ou divertido por sua reação, a porta se abriu e um cavalheiro miúdo e com óculos entrou apressadamente. -Deus bendito… - sussurrou ao vê-los um frente ao outro - lorde Darnell, eu queria ter tido a oportunidade de falar com você em particular antes de… mas já vejo que é muito tarde. Arthur Pendenning, senhor, a seu serviço - apresentou-se com uma leve inclinação- Já se apresentou senhorita Lambarth? -Assim é - respondeu a garota- Tal e como era seu desejo. E agora, se pudermos terminar nossa consulta, partirei. -Não há pressa - respondeu o advogado- Como sei que sua viagem foi longa e cansativa, pedi um pequeno lanche. O que lhes parece se nos sentamos e conversamos um momento? Por favor, senhorita Lambarth… lorde Darnell, gostaria de nos acompanhar? Quase contra sua vontade, Adam murmurou seu assentimento. Longe de parecer uma órfã necessitada e enferma, necessitada do apóio de sua família, a garota parecia quase hostil, raiando quase a falta de respeito tanto para ele quanto para o advogado. Adam se lembrou que não devia julgá-la com muita dureza. Ao fim e ao cabo, tinha carecido de uma mãe que a guiasse e conforme havia explicado Lady Darnell, seu pai tinha se tornado quase um eremita. Certamente não podia culpá-la do que parecia uma falta de respeito em sua forma de comportar-se. -Ah, aqui está a bandeja - disse o senhor Pendenning- Lorde Darnell, senhorita Lambarth, querem sentar-se? O criado retirou a tampa e saiu, Adam se acomodou no sofá e com evidente má vontade ela se sentou na beira de uma poltrona de orelha. Por acaso pensaria que fosse mordê-la? - perguntou-se ao ver que o observava pela extremidade do olho. Parecia mais tranqüila com a presença do advogado, que se sentou perto dela e começou a servir o chá. Adam estava a ponto de fazer algum comentário que aliviasse a situação quando a jovem se virou de repente para o bule, farejando o ar. O senhor Pendenning lhe ofereceu uma xícara que ela aceitou com cautela para inspecionar seu conteúdo. Começava já a suspeitar que talvez a moça não estivesse em seu são julgamento quando de repente a viu sorrir. Uma intensidade apaixonada iluminou seu rosto e suas feições se encheram de

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vida, de tal modo que causou um sobressalto em Adam. -É chá, não é? - perguntou ao advogado. -Sim, querida. Tomou alguma vez? -Não desde que minha mãe se foi, mas recordo que era bom. -Prove e veja o que lhe parece. Tomou um gole. -Sim! Está muito bom! -Algumas pessoas preferem tomá-lo com um pouco de bolacha ou frutas. Quer provar? Deixou a xícara e inspecionou a bandeja que lhe oferecia. -Bolacha. É mais… doce que o pão, não é? -Tampouco voltou a comê-lo desde que sua mãe se foi? -Não. Pão e água não é que se está acostumado a dar-se aos prisioneiros? -perguntou com ironia- Embora às vezes variasse um pouco, quando conseguia escapulir e visitar Sally, a louca, que me dava amoras silvestres. -Acho que o achará ainda mais doce que as amoras. Prove. Embora o tom do senhor Pendenning seguisse sendo só amável, o olhar que dirigiu a Adam foi de pura indignação. Começava a compreender o que o advogado tentava lhe demonstrar. Adam a observou com atenção, atônito pela exploração maravilhada que a senhorita Lambarth fazia de uma comida que devia ser ordinária para um londrino de sua classe. O coração se encolheu ao vê-la prová-lo e lhe provocou um novo calafrio com seu deslumbrante sorriso. -Que maravilha! -Coma quanto queira querida. Deve estar morta de fome depois de uma viagem tão longa. Houve algo no tom do advogado que o fez pensar que falava de algo mais que da viagem até Londres. Em seguida provou as bolachas e o senhor Pendenning descobriu outro prato. -Prove-as. A jovem pegou um daqueles objetos redondos e o olhou por todos os lados. -Que suave - disse, aproximando ao nariz - Cheiram doce como as amoras. Come-se tudo? -Não. Primeiro terá que cortar - respondeu, lhe ensinando como fazer-. É laranja. Sua inesperada risada foi como música para Adam. -Claro! Como a cor. Havia lido sobre esta fruta, mas o livro não tinha ilustrações, assim não sabia como era. -Tome um bocado, querida. É doce, mas não se parece com as amoras. Com os olhos brilhando de curiosidade, pegou um gomo e o mordeu, e voltou a rir quando

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uma gota do suco escorregou por seu queixo e se apressou a secá-la com a outra mão. Até aquele momento havia mantido essa mão oculta nas dobras da saia e Adam viu com estupefação a cicatriz que partia da base do polegar e chegava até o pulso. O advogado também a olhava e quando ela se deu conta, ocultou rapidamente a mão na saia e seu sorriso se esfumou. -Pegue outro gomo, senhorita Lambarth. -Obrigada, mas é suficiente. Terminarei o chá. -Quase não provou nada. Acreditava ter ouvido dizer que não havia comido nada desde sua chegada a Londres esta amanhã. -Não comi desde ontem, mas é suficiente, de verdade. Estou habituada a comer… pouco disse, e de novo a ironia tingiu sua voz. “Deus bendito” pensou Adam, alegrando-se de que o senhor Pendenning se ocupasse da conversa em seu lugar, já que as conclusões que estava chegando o haviam deixado sem fala. De repente se alegrou enormemente de que Lady Darnell tivesse lhe enviado para buscar à filha de sua prima. Depois do que havia visto e ouvido, ainda que a garota tivesse duas cabeças e rabo, teria se sentido obrigado a levá-la. A senhorita Lambarth terminou o chá e deixou a xícara. -Obrigada, senhor Pendenning. Foi maravilhoso - disse- Presumo que se deu conta de que seu lanche foi mais variado do que tomei em toda uma década. -Isso é algo que remediaremos imediatamente- disse o advogado fervorosamente- Imagino que estará de acordo, lorde Darnell. -É obvio - falou afinal-.Ainda que sua prima não recordasse exatamente sua idade, senhorita Lambarth - disse, indicando com um sorriso a boneca que havia deixado em uma mesinha-, é seu mais ardente desejo que tanto minha irmã quanto eu compartilhamos que nos faça a honra de compartilhar nossa casa. -Você tem uma irmã? -perguntou interessada. -Sim. Charis tem dezoito anos… mais ou menos sua idade, não é assim? -Acabo de cumprir os vinte. Uma irmã… seria maravilhoso - murmurou. -Charis é uma moça doce e encantadora, logo o verá. Quererá nos deixar feliz então vindo viver conosco? Ela o olhou nos olhos. -Está seguro de que é o que quer?- perguntou sem receio- Já viu meu aspecto e teve uma idéia de como vivi, e não… estou segura de que poderei me encaixar em uma elegante casa de Londres. Embora seja tentadora a idéia de viver com minha prima, e inclusive chegar a ter uma irmã, acho que ficarei melhor sozinha.

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-Não, querida, isso não pode ser - protestou o senhor Pendenning- Em nossa sociedade, as jovens solteiras não vivem sozinhas. Ela encolheu os ombros. -Garanto que sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma. -Imagino que sim, mas essa não é a questão. Uma jovem solteira não pode viver só, isso é tudo. -Antes disse que poderia comprar uma casa em todas as cidades de Inglaterra, se esse fosse meu desejo. -Era uma forma de falar. Dispor dos meios e fazê-lo são duas coisas bem distintas. -Senhor Pendenning, vivi como uma prisioneira na casa de outro homem estes últimos dez anos, e não penso consentir que alguém volte a ser dono de minha vida. E por outro lado, pouco me importa que a sociedade aprove ou não minha forma de vida. Depois do que havia visto e ouvido, Adam compreendia sua reticência, mas seu instinto de proteção o empurrou a procurar outro argumento que pudesse fazê-la reconsiderar sua postura. O advogado se adiantou. -Sinto muito, mas não devo ter lhe explicado muito bem a situação. Naturalmente, não se pretende que possa importar a opinião das pessoas às quais não conhece, mas ao estar relacionada por parentesco com Lady Darnell, a boa sociedade esperará que lhe ofereça refúgio e proteção, tanto se os necessita como se não. Se decidir não viver com ela, considerarão que não cumpriu seus deveres para com você, de modo que se viver sozinha, sua prima será duramente criticada. Embora Adam não pudesse imaginar por que isso importaria à moça, seu silêncio e o cenho franzido parecia indicar que o argumento a tinha afetado. -Eu não gostaria de danificar a reputação da prima de minha mãe - disse- Se consentir em viver com você - disse a Adam- deve compreender que se a experiência não for satisfatória, serei livre para partir quando me agradar. Felizmente poderemos ficar juntos o tempo suficiente para que eu possa determinar o que quero fazer e onde quero viver. Acho que eu gostaria de viajar, de modo que se for para a Europa, a prima Lillian não terá que suportar crítica alguma. -Nesse caso, teremos que nos assegurar de que a vida conosco seja mais prazerosa que a idéia de viver sozinha - respondeu decidido a mostrar para aquela órfã à bênção que podia ser a família. Ela o olhou muito séria. -Tem uma biblioteca grande?

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Surpreendido uma vez mais por uma mudança tão radical de assunto, respondeu: -Meu pai era um bibliófilo impenitente, assim acredito que lhe parecerá uma biblioteca interessante e extensa. -Quero que me enviem meus livros que estão em Lambarth. Disporei de habitações para usar a minha vontade? -Uma alcova e um salão particular. A biblioteca, os salões e as salas de jantar terão que compartilhá-los com o resto da família. Ela assentiu. -Se aceitar ir, terá que consentir que seja eu quem cubra meus gastos. Não! -o interrompeu quando quis protestar- Insisto nisso. Há determinadas comodidades que tenho que ter e não quero ser um peso para você. Adam jamais havia tido uma conversa tão estranha nem tão franca em toda sua vida. -E poderia perguntar a que tipo de comodidades se refere? -Desejo manter o fogo aceso em minhas habitações dia e noite. Passei frio durante quase toda minha vida e não quero voltar a ter que suportá-lo. De repente lhe veio a imagem de uma menina trancada em uma gélida habitação. -Pode ter o fogo tão vivo quanto desejar e durante tanto tempo quanto necessitar - prometeu. -Quero uma cama com um colchão de plumas tão macio que quando me deitar tenha a sensação de estar flutuando no ar - continuou com um leve sorriso- Um tapete turco tão grosso que meus pés afundem nele até os tornozelos, como se usasse sapatilhas de plumas. Ah, e falando de sapatilhas - acrescentou, olhando o senhor Pendenning- se esses instrumentos de torturar que Jerry Sunderland me proporcionou a modo de sapatos são indicativos do que posso esperar como calçado, continuarei descalça. O advogado pôs-se a rir. -Como o pobre Jerry não sabia qual podia ser seu número, levou os primeiros que encontrou no sapateiro. Asseguro minha querida, que os sapateiros de Londres podem lhe confeccionar sapatos tão suaves e cômodos que parecerá que está descalça. -Muito bem. Esses serão jogados ao primeiro fogo que se acenda em meu quarto, junto com esta saia, assim que possa encontrar alguma outra. -Tomei a liberdade de pedir que uma costureira venha atendê-la aqui mesmo - respondeu o senhor Pendenning- Vai trazer vários vestidos que podem ser modificados facilmente para que se ajuste a seu tamanho. Quanto ao resto, estou seguro de que Lady Darnell a levará a sua própria costureira e a ajudará na compra de quantos objetos desejar.

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Adam não pode conter a risada. -Garanto senhorita Lambarth! Minha mãe desfruta enormemente indo às compras, e quase estou por assegurar que minha irmã pedirá permissão para unir-se à expedição. -Quero cores alegres. Nada de negro. E tecidos suaves, como o deste sofá. -Estou seguro de que Lady Darnell poderá encontrar algo que seja de seu gosto. Então, decidiu partir com lorde Darnell, como era desejo de sua mãe? A senhorita Lambarth voltou a olhar Adam. -Tem certeza que a biblioteca é grande? -Muito grande. -E que terei um colchão grosso e de plumas? -Suave como uma nuvem. -E habitações quentes? -Tanto que o papel das paredes se encolherá. Alguém bateu na porta e entrou um dos assistentes do advogado. -Senhor Pendenning, disse que o avisasse quanto chegasse à costureira. -Está preparada para esse vestido novo? -perguntou. O sorriso voltou a transformar seu rosto. -Mais que nunca! -Acompanhará lorde Darnell para conhecer sua prima quando tiver terminado? Houve ainda uma pausa, mas ao final assentiu. -Irei com ele. -Excelente – sorriu - Acompanhe à senhorita Lambarth e à costureira ao escritório detrás e que ninguém as incomode - ordenou a seu assistente. -A esperarei aqui, senhorita Lambarth - disse Adam. Ela se deteve na soleira da porta para olhá-lo. -Espero que nenhum dos dois tenha que lamentar esta decisão. Algo em sua feroz independência lhe provocou uma espécie de estremecimento carnal, que devia ser só compaixão por seu sofrimento e raiva ao conhecer o tratamento infame que havia padecido. -Estou seguro de que sua estadia em minha casa será um prazer para ambos. ***

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Capítulo 4 Uma vez que o jovem acompanhou à senhorita Lambarth para fora do aposento, o senhor Pendenning se virou para olhar Adam. -Quer tomar um conhaque comigo? Depois da… surpresa de encontrar-se com a senhorita Lambarth acredito que lhe sentará bem. Pelo menos eu, necessito. -O agradeço. Serviu duas taças e lhe ofereceu uma. -Presumo que quer me fazer algumas pergunta. -Certamente. Minha mãe me disse que a mãe da senhorita Lambarth partiu faz quase uma década. Devo entender a partir do que acabo de presenciar, que seu pai a reteve… prisioneira até sua morte? Pendenning assentiu. -Por incrível e espantoso que possa parecer, assim foi. O que sabe desta história?

-Só que Lady Lambarth tinha uma… relação anterior antes de casar-se, e que quando transcorreram os anos e lhe resultou impossível seguir ao lado de lorde Lambarth, deixou ele e a sua filha para ir junto a esse outro homem. -Não foi assim absolutamente. Imagino que sua mãe disse que Gavin Seagrave era um libertino, não foi assim? -Adam assentiu- Seu amor por Diana Forester era tão forte quanto o que ela sentia por ele. Quando se inteirou de que seu matrimônio com Lambarth, um homem que ele sempre havia desprezado, era infeliz, decidiu resgatar a ela e à menina. Colocou vários homens nas saídas das terras de Lambarth, e quando se apresentou a oportunidade, apanharam as duas. Os gritos de Lady Lambarth cessaram assim que soube quem eram seus captores, mas seu marido, que estava inspecionando uma granja nos arredores, ouviu a animação e se apresentou. Conseguiram levar a mãe, mas ele reteve Helena. -Parece uma cena de novela. -E poderia ser, se as circunstâncias não fossem tão graves. Não é necessário mencionar que minha cliente ficou destroçada ao saber que sua filha havia ficado nas mãos de um homem que desprezava e temia. Seis meses mais tarde, Seagrave e ela voltaram a tentar resgatá-la. -Mas sem êxito, imagino. -Exato. Sendo que Helena tinha sido proibida de sair dos jardins do castelo, seu pai os

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descobriu antes que pudessem levá-la e com a menina sujeita entre os braços disse a gritos a sua mãe que preferiria matá-la com suas próprias mãos que permitir que a levasse, e que se alguma vez voltasse a encontrar com desconhecidos em suas terras e inclusive no povoado, a mataria. E minha cliente acreditou. -Então a menina foi castigada pelos pecados de sua mãe, não? -Isso é o que temo. Depois do segundo fracasso, Lambarth não a permitiu voltar a sair do castelo, nem sequer para lhe acompanhar à igreja. Ao que parece a manteve prisioneira entre seus muros e no povoado disse que a menina havia perdido a razão ao ter sido abandonada por sua mãe, de modo que garantiu que, em caso de que a menina conseguisse fugir, ninguém acreditaria nela. Além disso, colocou guardas armados no perímetro de suas terras que deviam visitar regularmente o povoado e lhe informar de qualquer recém-chegado. -Se Lady Lambarth não podia aproximar-se de sua filha, como podia saber o que estava ocorrendo? -A criada de Lady Lambarth era uma jovem local que voltou ao povoado depois do desaparecimento de sua ama. Um dos agentes de Seagrave conseguiu entrar em contato com ela em Londres enquanto estava de visita na casa de alguns parentes, e a convenceram de que se deixasse acompanhar por um homem que passaria por ser seu primo e que era outro homem de Seagrave, Jerry Sunderland. Instalou-se no povoado e montou seu negócio enquanto reunia toda a informação que podia sobre Helena e esperava que se apresentasse a oportunidade de ajudá-la a escapar. Mas desgraçadamente lorde Lambarth impediu que essa oportunidade chegasse. -De modo que a menina seguiu sendo sua prisioneira até o dia de sua morte. -Sim. Mas inclusive eu me surpreendi com sua aparição. Repreenderei severamente meu ajudante por tê-lo feito entrar antes que eu tivesse tido a oportunidade de adverti-lo sobre o que ia encontrar. Adam guardou silêncio e o advogado tomou um gole de conhaque. -O que a jovem revelou de modo tão inocente durante o chá foi ainda mais arrepiante. Só podemos agradecer a Deus que sua mãe nunca chegou, a saber, até que ponto sofreu sua filha nas mãos de Lambarth. Sua vingança foi absoluta: afastou da mulher que o tinha enganado a filha a que amava acima de todas as coisas, assegurando que fosse impossível libertá-la. -Mas essa menina era também filha dele. -Sim, o que ilustra perfeitamente seu caráter. Não me agrada falar mal dos mortos, mas não me resta nenhuma dúvida, no caso de lorde Lambarth, de que não poderá alcançar as portas do céu. Não é necessário que lhe diga que, depois de como sofreu nas mãos de seu próprio pai, a senhorita Lambarth desconfia da autoridade masculina. A princípio nem sequer acreditei ser capaz de

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convencê-la de que vivesse com vocês. -Asseguro senhor Pendenning, que a senhorita Lambarth será tratada com a maior delicadeza estando sob meu cuidado. -Não pretendia sugerir o contrário, milord. E tenho que lhe confessar que antes de me atrever sequer a sugerir tal coisa, assegurei-me de que seu caráter não deixasse dúvida alguma sobre a conveniência ou não de se colocar Helena sob seu cuidado. -Me investigou? -exclamou sem saber se admirava a prudência do advogado ou se sentia ofendido. O advogado sorriu. -Toda a quem perguntei só puderam elogiar sua pessoa, mas depois de tudo o que passou a senhorita Lambarth, tinha que estar seguro. Não podia culpar o senhor Pendenning por sua prudência. -É um alívio ouvir isso - respondeu um pouco nocivo. -Agora temos que abordar assuntos de natureza econômica. Helena insistiu em que quer custear seus próprios gastos de estadia em sua casa. Como espero que este período a conduza ao seio de uma família que a acolha com carinho e respeito quer evitar que fique à defensiva se insistir nesse ponto. -Por acaso pretende que somemos o custo do prato de comida que coma e do lavar de suas roupas? -perguntou com ironia. -Confio em poder convencê-la de que permita a você correr com os gastos de sua vida diária, mas insistiu que você deve permitir que seja ela quem assume os gastos das compras que possa fazer fora da casa. Rogo-lhe que me garanta que assim será. Adam sentiu certo alívio e sua voz mostrou um pouco de culpabilidade. Vestir uma jovem da idade da senhorita Lambarth seria muito mais caro que ocupar-se do guarda-roupa de uma menina, só podia sentir-se agradecido porque tais gastos não fossem as suas custas. -Se insiste… mas há um problema maior que esse. Tendo em conta a idade da senhorita Lambarth, deveria ter sido apresentada em sociedade faz anos. Embora graças a Deus, parece falar com bastante correção apesar das privações que sofreu, carece do treinamento necessário para ser apresentada em sociedade. -Certamente é um problema. Por agora ela só deseja unir-se a sua família e depois, à medida que se acostume à nova situação, talvez sua mãe pudesse ajudá-la a adquirir as habilidades necessárias para se inserir na sociedade. Como você e eu sabemos milord, se alguma vez tiver que ter a vida normal que sua mãe desejava para ela, terá que encontrar um marido que lhe proporcione posição e proteção.

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Lembrando a crueldade e a hostilidade que a jovem mostrava para todos os homens, Adam moveu devagar a cabeça. -Isso é pedir muito, tanto de minha mãe quanto da senhorita Lambarth. -Certo. Se chegar a aceitar ser apresentada em sociedade, necessitará muita vigilância por sua parte. É herdeira de uma considerável fortuna, e terá que se assegurar de que quem a corteje valorize Helena por si mesma, e não por sua fortuna. Tendo em conta a desgraçada infância da menina e seu aspecto pouco bonito, Adam duvidava de que nem sequer seu generoso dote proporcionasse algum partido aceitável, mas sendo que seria uma grosseria dar voz a semelhante pensamento, ainda não havia respondido quando o advogado fez um gesto displicente com a mão. -Mas não tem sentido preocupar-se agora por algo que tem que acontecer amanhã. De momento nos ocupemos de que Helena se acostume a viver com vocês. Conhecendo seus antecedentes, está disposto a aceitá-la em sua casa e a tratá-la com delicadeza? -Faremos tudo o que possamos. -Não posso pedir mais. Obrigado, milord - respondeu, lhe oferecendo a mão. Adam a estreitou. -Obrigado por ter sido seu defensor com tanto afinco. Naquele momento alguém bateu na porta e a senhorita Lambarth entrou. Embora o modesto vestido azul estivesse amplo dado sua magreza, ao menos trazia as pernas cobertas decentemente e a cor avivava um tanto a palidez de seu rosto. Um singelo chapéu de palha cobria seu cabelo descuidado, que seguia necessitando uma boa escovada. Ao que pareceria a costureira não havia pensado em luvas nem em sapatos, porque a garota usava o par de botas de granjeiro a qual tinha se queixado antes, e havia ocultado sua mão machucada em um dos bolsos da saia. Fez uma leve cortesia na qual Adam percebeu uma graça natural. Ao que parecia, sua mãe havia tido tempo de lhe ensinar ao menos um mínimo de boas maneiras. Possivelmente a tarefa de convertê-la em uma jovem apresentável não fosse tão árdua como havia imaginado. -Suponho que estou pronta… se é que continua decidido a me levar para sua casa - disse o olhando. Seria ansiedade o que detectava em seu tom? Adam a olhou nos olhos, sem dúvida o melhor traço de seu rosto, e sorriu. -É obvio. Lady Darnell fará um buraco no tapete de tanto passear tentando acalmar os nervos. Está desejosa de poder abraçá-la.

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Helena arqueou as sobrancelhas em um gesto de incredulidade antes de voltar-se para senhor o Pendenning. -Como posso lhe agradecer tudo o que fez por minha mãe e por mim? -Foi um verdadeiro privilégio servir uma dama tão encantadora e devota. E agora, ao conhecer a valente jovem que inspirava tal devoção, não me surpreende absolutamente. Se puder fazer algo mais por você, Helena, não duvide em vir me ver em qualquer instante. Ela assentiu. -Então… posso vir vê-lo de vez em quando? -Me ofenderei se não a ver assiduamente! -aproximou-se e pegou a mão sã que ela lhe oferecia- Tudo sairá bem, Helena - acrescentou com suavidade- Sua mãe era uma mulher muito inteligente, e não confiaria seu futuro a alguém indigno da tarefa. A moça tragou saliva e assentiu. -Do que não estou eu tão segura é de merecer esse esforço. Antes que Adam pudesse dizer algumas palavras para tranquilizá-la, Helena se virou para ele sem rastro de insegurança e com toda a frieza que havia mostrado em seu primeiro encontro. -Vamos lorde Darnell? -sugeriu inclusive com um pouco de ironia- Não quero prolongar a impaciência de minha querida prima.

Helena tentou não se deprimir ao sair daquela sala depois da figura alta e de costas larga de lorde Darnell. Estava abandonando o santuário do homem que havia conhecido e servido a sua mãe e trocando-o pela casa de uma parenta a qual quase não lembrava e que habitava em um mundo totalmente desconhecido para ela. “Mantenha a cabeça bem alta, Helena Lambarth”, disse a si mesma. Lorde Darnell tinha sem dúvida o físico do soldado que era, mas ela sabia bem como defender-se se fosse necessário. Já havia enfrentado adversários piores. E a diferença de seu pai e seu oficial, ele não tinha nem idéia do que ela era capaz se necessário. Certamente era um homem atraente: bonito de rosto, com o cabelo ondulado e da cor das castanhas e os olhos verde claro. Inclusive ao olhá-lo havia sentido… algo que a tinha feito estremecer, embora não por temor. Mas seu pai também havia sido um homem bonito, a sua maneira. Ela melhor que ninguém sabia o pouco que significavam as aparências, embora isso sim, o rosto de lorde Darnell gotejava bondade, algo que jamais poderia dizer de seu pai.

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Além disso, ela era livre agora… livre. Por muito que os usos e costumes dissessem que lorde Darnell podia ditar seus atos, carecia de autoridade legal para obrigá-la a fazer algo. Além disso, em caso de que precisasse escapar, estava convencida de que o senhor Pendenning a ajudaria. Além disso, e tal e como ele havia lembrado, sua própria mãe havia escolhido aquelas pessoas para que cuidassem dela, e a confiança no amor e a sabedoria de sua mãe era o que a tinha sustentado durante anos, assim não ia começar a ficar em dúvida agora. De modo que não havia razão para temer nada naquela nova aventura, ou ao menos disso tentava convencer à menina que levava dentro de si e que necessitava desesperadamente sentir-se aceita. Para se distrair de seu nervosismo, uma vez que a carruagem de lorde Darnell se pôs em movimento, concentrou-se em observar atentamente as ruas de Londres que iam passando ante seus olhos. Depois de responder com monossílabo a seus primeiros comentários, lorde Darnell ficou em silêncio e se dedicou a guiar seus cavalos. Eram animais magníficos. Helena havia aprendido a montar quase ao mesmo tempo em que a caminhar, e às vezes havia conseguido escapar de noite aos estábulos do castelo. Sally havia lhe ensinado que os animais podiam comunicar-se com os humanos, se soubesse como olhar e como escutar. Suas visitas a aquelas criaturas selvagens, encerradas como ela e sujeitas à vontade de um dono sempre traziam paz a seu espírito. Agora poderia comprar seus próprios cavalos, pensou, o que a fez sorrir, embora escapar de Londres se fosse necessário seria bem mais difícil. A cidade era um labirinto de ruas, coches de cavalos, carretas e pedestres. A biblioteca do castelo de Lambarth continha atlas de todo o mundo. Com certeza encontraria um mapa daquela cidade. Para a viagem até a casa dos Darnell havia voltado a colocar os sapatos que tinha jurado que alimentariam o fogo da chaminé, e embora o vestido que usava era mais suave que o que usou antes, estava desejando poder entrar em qualquer uma das elegantes lojas em frente às quais estava passando e comprar todo um guarda-roupa de sapatos e vestidos feitos expressamente para ela. A humilhação que havia sentido ao encontrar-se com lorde Darnell pela primeira vez e ver a repulsa claramente escrita em seu rosto lhe acendeu as bochechas. Não voltaria a vê-lo, prometeu a si mesma, até que não estivesse apresentável. Ou ao menos tão apresentável como alguém tão magro e comum como ela pudesse ficar. E sua primeira compra seria um pente e uma escova, pensou, tocando o cabelo embaraçado. Quando seu pai decidiu declará-la louca, o primeiro que fez para apoiar sua teoria foi jogar os

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utensílios de tocador de sua mãe pelo penhasco. Com certeza sua tia teria uma banheira em que pudesse tomar um banho, como fazia com sua mãe. Que maravilha voltar a sentir-se verdadeiramente limpa outra vez! Ainda estava imaginando as delícias da água quente e o aroma de sabão quando a voz de lorde Darnell a interrompeu. -Estamos chegando a St. James Square - disse, e pôs os cavalos ao passo - Darnell House é a terceira à esquerda. Apesar de sua determinação, Helena sentiu um tremendo vazio no estômago ao ver o edifício de tijolo com suas elegantes pilastras incrustado. Um instante depois, lorde Darnell deteve os cavalos e um servente de libré se aproximou deles. Desceu auxiliada por outro criado e pegou o braço que lhe oferecia lorde Darnell para subir os degraus da escada e chegar à porta principal, que já estava aberta antes que pudessem tocar a aldrava. - Apresento-lhe Harrison - disse lorde Darnell quando um homem vestido formalmente de negro fez uma reverência- Sem sua supervisão, nossa casa deixaria de funcionar. -Obrigado, milord, e seja bem-vinda, senhorita Lambarth. As senhoras a esperam no salão sul. Enquanto Helena se maravilhava com a quantidade de serventes que havia na casa, uma mulher mais velha que recordava vagamente a sua mãe saiu ao vestíbulo apressada. -Ai, Adam, não podia esperar a… Mas ao vê-la, a mulher ficou muda. E ao olhar Helena desde o chapéu barato de palha até os sapatos de couro, seu sorriso se desvaneceu, empalideceu ostensivamente e abriu os olhos de par em par. -Meu Deus! - exclamou, e caiu desmaiada no chão. Era a pior cena que Helena havia podido imaginar: lorde Darnell lançando-se a toda velocidade para evitar que sua mãe golpeasse contra o mármore do chão, pedindo ajuda a Harrison, e uma elegante jovem que devia ser a irmã de lorde Darnell que saía a toda pressa para logo ficar cravada no lugar. Talvez ela também desmaiasse, pensou, tentando não pensar na dor que lhe atravessava o flanco ao ver desvanecer sua esperança de umas cálidas boas-vindas. Cruzou os braços e olhando Adam, que se levantava com o peso de sua mãe inconsciente nos braços, disse: -Continua convencido de querer me oferecer sua casa, lorde Darnell? ***

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Capítulo 5 A jovem de cabelo loiro e com o mesmo verde que seu irmão nos olhos, virou-se para olhá-la. -É obvio que sim! Sou Charis, a irmã de lorde Darnell. Deixe-me acompanhá-la longe desta confusão enquanto Adam se ocupa de mamãe. Não podia interpretar mal a sinceridade no tom da jovem, de modo que Helena ficou sem saber o que dizer, já que uma gratidão que não esperava sentir lhe contraiu o peito e piscou furiosa para evitar as lágrimas. -Quer sentar-se, por favor? -disse a jovem no salão- Embora não estranharia que o que de verdade deseja fazer é sair correndo pela porta, com todo este alvoroço. Não podia fazer nada mais que sentar-se. -Devo lhe pedir desculpas por um recebimento tão pouco acalentador - continuou a senhorita Darnell- Lady Darnell é a mais doce das mulheres, mas possui um temperamento muito nervoso que às vezes lhe prega peças, e estava toda a tarde fora de si pela impaciência. Perdoe-a, por favor. Quando se recuperar, morrerá de vergonha por ter montado semelhante cena. Helena não sabia muito bem o que dizer e se limitou a assentir. -Gostaria de tomar um chá? Não sabíamos se teria fome ou não depois da viagem. -O senhor Pendenning me ofereceu um lanche em seu escritório. -Então deve estar cansada. Adam me disse que a viaja desde… Cornwall, não é?… que era muito distante. Ai me perdoe outra vez. Eu aqui sem deixar de tagarelar e você o único que deve ter vontade é de descansar até o jantar. Subimos? Helena não estava segura de poder suportar um segundo encontro com a nervosa Lady Darnell, e pensou se não devia partir imediatamente, mas a pequena sesta que havia dormido no escritório do senhor Pendenning não havia sido suficiente, e a idéia de poder repousar um pouco mais lhe resultava muito atraente. -Sim, eu gostaria de descansar. -Então, subamos agora mesmo. Adam é um irmão encantador - continuou quando saíram do salão e subiam as escadas- mas é um homem - apostilou e se voltou a olhá-la com um olhar malicioso - Muitas vezes desejei ter uma irmã, e espero que cheguemos a ser grandes amigas. Embora Helena devolvesse o olhar com atenção, não pode ler nada em seus olhos nem em seu sorriso que não fosse sinceridade.

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-Faça soar o sino quando estiver pronta e uma criada a acompanhará - disse, uma vez entraram no dormitório e enquanto corria as cortinas-.E agora descanse quanto possa, porque assim que voltemos a nos ver, vou ter um milhão de perguntas que lhe fazer. E quando Helena fechou os olhos sobre uma cama tão macia e suave como lorde Darnell havia prometido, disse-se que as respostas que poderia oferecer certamente não seriam adequadas para os ouvidos de uma mimada jovem da cidade. Apesar de que sua intenção fosse fechar os olhos só um instante, quando recuperou de novo a consciência sentiu um sobressalto ao dar-se conta de que estava quase completamente às escuras. Se o que ocorresse a seguir respaldava seu desejo de partir, seria capaz de encontrar naquele labirinto de ruas o escritório do senhor Pendenning? Encontraria alguém nele àquelas horas? Antes que tivesse decidido se convocaria à criada ou não, a porta de seu dormitório se abriu e apareceu uma cabecinha com touca branca. Ao ver Helena de pé junto à cama, a garota fez uma pequena cortesia. -Perdoe senhorita, mas a ama queria saber se continuava adormecida ou não. As senhoras a esperam em baixo. Se já está preparada, a acompanharei. Helena decidiu segui-la, decidida a partir se as coisas ficavam desagradáveis, mas após ter agradecido a prima de sua mãe, e não como uma prisioneira que escapa à primeira oportunidade que se apresenta. Preparando-se mentalmente para a confrontação, acompanhou à criada e se deteve na soleira do salão esperando que a anunciasse. Depois respirou fundo e entrou. Charis Darnell estava sentada no sofá ao lado da prima de sua mãe, e antes que Helena pudesse dizer uma só palavra, Lady Darnell se levantou e correu a recebê-la. -Minha querida Helena, me perdoe, por favor! São os condenados nervos que não me deixam parar… havia ficado tão nervosa esperando-a que quando por fim pude vê-la achei que se parecia tanto a minha pobre prima Diana, não pude mais- Lady Darnell lhe ofereceu as mãos- Diga-me que perdoa a estupidez de uma velha como eu, e que podemos começar de novo. Helena estreitou suas mãos sem convicção, e surpreendentemente a mulher a abraçou. O toque de alguns suaves cachos de cabelo loiros na bochecha… um aroma de rosas… a forma arredondada e cálida de uma mulher abraçando-a… tudo isso despertou a lembrança de outro abraço anterior, e depois de um instante de atordoamento, ela também a abraçou com força, e aquele contato satisfez a necessidade de intimidade que não sabia que a atormentava. Um momento depois, Lady Darnell se separou para examiná-la com atenção. -Se parece muito a sua mãe. -Ah, sim? Eu sempre pensei que não. Eu sou muito morena, e ela era tão loira quanto você.

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-Não tem que ver com a cor de cabelo, mas sim com sua forma de se mover, o perfil, o queixo… -De verdade quer que fique a viver com vocês, Lady Darnell? -Mais que nada neste mundo! Mas isso de que me chame Lady Darnell me faz parecer uma dessas velhas aias tão estritas e secas, e eu não pretendo sê-lo!. Adam e Charis me chamam Bellemère…, francês, parece. -Belle-mère, madrasta - disse Helena- Ou melhor, “mãe bela”, que é mais apropriado. Lady Darnell sorriu. -Que encanto é menina! Alegro-me de ver que Diana pode te ensinar algo de idiomas antes de… - ruborizou- Certamente sua mãe era muito preparada. Quando éramos pequenas, era para mim como uma irmã. Eu adoraria que me chamasse tia Lillian. -A mim Charis. E espero que me permita te chamar Helena - acrescentou a irmã de lorde Darnell- Estamos tão contentes de que esteja conosco. E parecia que diziam a verdade, apesar de seu aspecto desajeitado, da insipidez de seu rosto, de sua mão danificada e de seu cabelo emaranhado. Sua mãe havia tido razão. -Será para mim uma honra lhes chamar tia Lillian e Charis - disse quando conseguiu se desfazer do nó que havia se formado na garganta. -Estupendo! Tudo arrumado - disse Charis- A meu irmão deverá chamar de Adam, embora suponha que não o veremos muito. Não é de admirar, pois quando minha mãe anunciou que ia convocar todo um exército de vendedores de tecido, chapeleiros, sapateiros, costureiras, cabeleireiros, luveiros e demais, disse que ia estar terrivelmente atarefado durante ao menos um mês - e com um sorriso se digeriu a Helena- Nos sentemos e comecemos a nos organizar. -Sim, por favor - disse tia Lillian pegando da mão sua sobrinha para que se sentasse no sofáDisse ao cozinheiro que esperasse para preparar o jantar, já que não sabia quando ia despertar, assim, enquanto o prepara, pode nos dizer o que é o que você quer fazer. Fazia tanto tempo que ninguém perguntava pelo que desejava que demorou a responder. -Pois a verdade é que como quase não sei nada de como comportar-se em sociedade, necessitarei que me ensinem quase tudo. Eu gostaria de ter tutores de piano, história, literatura e todas as disciplinas que não pude estudar desde que minha mãe se foi. E é obvio, eu gostaria de ter sapatos, vestidos e todas essas coisas o quanto antes. Mas… levava tanto tempo esperando me reunir com minha mãe, que agora que sei que já não poderei voltar a vê-la… por favor, tia Lillian, poderia me falar dela? Eu gostaria de saber tudo, tudo o que lembre. Desde o começo.

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Lady Darnell sorriu. -Claro querida. Conhecemos-nos quando Diana tinha cinco anos… Depois da catastrófica reação que havia tido sua mãe à chegada de Helena, Adam a havia levado a seu quarto para deixá-la aos cuidados de sua criada e tinha se apressado a voltar a descer, mas o mordomo tinha indicado que sua irmã e ela haviam se retirado a descansar até a hora do jantar, de modo que como não tinha nada que fazer, tinha se encerrado na biblioteca. O desmaio de sua mãe havia sido culpa sua, pensou com um suspiro enquanto se sentava atrás de sua mesa. Enquanto esperava no escritório do advogado que fizessem o vestido de Helena, deveria ter enviado uma nota para prepará-la. Agora já não tinha remédio. Menos mal que seu desejo de acolher a moça era sincero e que depois do cataclismo, ocupar-se-ia dela, porque de outra forma ele não saberia o que fazer. Deixando esses pensamentos de lado, abriu o livro de contas para enfrentar o problema mais imediato de encontrar dinheiro para realizar os reparos necessários, que segundo seu agente eram imprescindíveis para seus inquilinos de Claygate Manor. Seu humor foi escurecendo-se à medida que jogava com as cifras, e várias horas mais tarde, depois de prometer que realizaria o cortejo da senhorita Standish o quanto antes o possível, fechou os livros e saiu ao salão para ver se sua mãe tinha se recuperado o suficiente para descer para jantar. Da soleira viu as três mulheres sentadas no sofá: a senhorita Lambarth e Charis sentadas cada uma a um lado de sua mãe e escutando-a com toda atenção. -Lorde Lambarth cortejou sua mãe desde o instante em que assistiu a seu primeiro baile estava dizendo- Diana gostava dele, mas na metade da temporada, apareceu Gavin Seagrave. Que expressão a de seu rosto quando o viu pela primeira vez… e ele a ela! Eu estava ao seu lado, e soube naquele mesmo instante e com grande desgosto que o dela ia ser amor a primeira vista. -Por que com desgosto? -perguntou sua irmã- Os Seagrave eram parentes de um conde, não? Adam olhou Helena. Sorria, brilhavam seus olhos e todo seu corpo irradiava aquela intensidade que tanto havia lhe surpreendido ao vê-la sorrir no escritório do advogado. Uma energia tão luminosa que ocultava até sua magreza. Mas acima de tudo, parecia feliz. Uma profunda satisfação inchou seu peito e deu graças a Deus porque, apesar do começo que haviam tido, as três pareciam estar tão à vontade juntas. Deu marcha atrás sem fazer ruído. Como já havia marcado de jantar no clube, deixaria que Helena desfrutasse do calor das recordações de Lady Darnell e já falaria com sua mãe sobre o futuro.

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Meia hora depois, entrava no White'S. Sua licença do exército era ainda bem recente, de modo que vários cavalheiros a quem ainda não havia visto se aproximaram para saudá-lo, pelo que demorou um momento em chegar até a sala de jantar onde Bennett Dixon, seu melhor amigo, o esperava. Dix se levantou e deixou de lado o jornal ao vê-lo. -Por fim! Já acreditava que não viria. Depois de lhe estreitar a mão, Adam se deixou cair na cadeira que havia frente à de seu amigo. -Me perdoe. Andei a voltas com os livros de contas e não me dei conta da hora que era. Dix fez um gesto a um garçom. -É um trabalho do diabo os livros de contas. Espero que tenha ganhado a batalha. -Não acredite. Johnson me escreveu dizendo que o telhado de Claygate tem goteiras, e se não quiser assustar os novos inquilinos, tenho que repará-lo em seguida. Não posso me permitir perder esse aluguel. E eu que pensava que bastaria voltar para a Inglaterra sem que nenhum dragão tivesse conseguido me cortar em pedaços para que tudo fosse bem! -suspirou. Dix pediu o jantar. -É uma pena que seu pai esbanjasse tanto como o fez, e que não tenha tido uma mão firme ao leme durante tantos anos. -Deixemos as finanças, que tenho algo incrível que te contar - tomou um gole de vinho e contou as circunstâncias da chegada de Helena Lambarth- Assim faz umas horas que a deixei em casa. -Quantos anos diz que tem? -Vinte - respondeu após outro gole. -Vinte! E continua solteira? É bonita? Adam recordou o que havia sentido ao vê-la, mas não podia descrevê-la como uma beleza. -Não é que seja precisamente uma pérola, mas acredito que poderá melhorar. Verá… - olhou a seu redor para se assegurar de que ninguém escutava - a pobre ficou mal nutrida e meio abandonada. De fato, minha mãe desmaiou ao vê-la, mas assim que soube que teria que aconselhá-la para comprar todo um novo guarda-roupa, recuperou-se imediatamente. Ainda não sabemos se poderá ser apresentada em sociedade ou se quererá fazê-lo, assim que rogo que não fale disso com ninguém. Dix assentiu. -Pode confiar em minha discrição - a conversa ficou em suspenso enquanto o garçom os servia- Não me estranha que ande de mau humor tendo que assumir um peso a mais.

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Adam riu. -Você nem imagina homem! Parece que lhe deixaram uma herança substancial, e ela insistiu em pagar todos os gastos. É uma mulher bastante… independente. -E herdeira de uma considerável fortuna, não? Talvez devesse me apresentar a ela, sempre e quando não tenha interesse pessoal nela, claro. -Não, por Deus! E embora o tivesse, não ficaria bem, tendo em conta que está quase a meu cuidado. Mas não animo a que se aproxime dela. Seu pai a tratou com tal severidade que desconfia de todos os homens. Não. Para solucionar meus problemas econômicos terei que procurar em outra parte. De fato, me ocorreu algo e quero que me dê sua opinião. -De quem se trata? -De Priscilla Standish. Dix assobiou. -Vá! Sonha muito alto, hein? Diz-se que a senhorita Standish recusou a uns quantos pretendentes desde que foi apresentada em sociedade. Eu não a conheço pessoalmente, porque já sabe que não freqüento os mesmos círculos, mas o que te faz pensar que tem alguma possibilidade com ela? Adam encolheu de ombros. -Quando pequenos fomos vizinhos, e sempre nos demos bem. - Certamente é uma vantagem que nenhum outro de seus pretendentes possui. Poderia ser uma diferença decisiva, já que nem sequer a pomposa senhora Standish poderia pôr faltas a sua origem. O que está claro é que a fortuna da garota poderia te tirar de apuros. Quer que te dê logo os parabéns? Adam riu. -Um pouco prematuro, não te parece? Faz anos que não nos vemos, e pode ser que ela mesma, ou sua mãe, me dê um chute por ser o caça dotes que sou. Apesar de seu tom descontraído, temeu que seu amigo pudesse entrever a amargura que sentia ao encontrar-se em tal situação. -Os caça dotes não são de bom berço, nem bonitos, nem de caráter firme como você respondeu seu amigo. -Obrigado, mas por agora é o que sou. E se consigo meu objetivo poderei dotar Charis generosamente para que não tenha que se ver na mesma circunstância que eu na hora de escolher um par. Enfim… teremos que adiar a partida que íamos jogar. Tenho que voltar para casa e falar com Lady Darnell sobre nossa recém chegada.

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-Se tiver algo que possa fazer para ajudar, não tem mais que me dizer. E me prometa que serei o primeiro em conhecer sua misteriosa convidada quando te parecer que está preparada! -Será o primeiro em vir jantar. Adam entrou em busca de sua mãe. Estava em sua salinha, sentada à mesa escrevendo notas. Brilhavam-lhe os olhos, tinha as bochechas tão rosadas como sempre e lhe dedicou um cálido sorriso. Menos mal que havia se recuperado do susto de ver pela primeira vez a senhorita Lambarth. -A encontro muito melhor que quando parti mãe - disse lhe beijando a mão- Sinto que a chegada da senhorita Lambarth a pegasse tão despreparada. -E eu quero me desculpar por ter me comportado como uma boba. O que ocorre é que ver o estado de abandono no qual estava, me destroçou o coração - disse, com lágrimas nos olhos. Adam lhe deu uns tapinhas na mão. -Está segura de que quer aceitá-la a seu cuidado? Já sabe que não está obrigada a fazê-lo, mãe. Não se trata de uma menina assustada, mas sim de uma jovem que por direito de nascimento deveria ter sido já apresentada em sociedade. Tendo em conta que carece por completo da preparação necessária, parece impossível que possa apresentar-se está temporada, e você já passou anos junto à cama de meu pai, assim não vou permitir que volte a enclausurar-se outra vez. Contrataremos tutores para a senhorita Lambarth. Lady Darnell secou as lágrimas. -E deixar a pobre nas mãos de estranhos quando acaba de recuperar a sua família? Impossível! Se pudesse suportar ver como seu pai se esgotava lentamente e passava a ser só a sombra do homem que foi uma vez, também poderei tolerar a aparência atual de Helena. Apesar de tudo o que passou, é uma garota brilhante e esperta. Aprenderá rápido, e melhorará seu aspecto com a alimentação adequada. Sua mãe era uma beleza. -Certamente se alguém pode tirar o melhor partido dela, é você! Mesmo assim, e como sabe melhor que eu, as regras da alta sociedade podem ser uma armadilha para os inexperientes, e não quero que você sofra pelas inconveniências sociais que inevitavelmente cometerá por sua falta de experiência. -Um dos benefícios da idade, querido Adam, é a liberdade que nos oferece para ignorar a opinião dos outros. Meus verdadeiros amigos compreenderão, e os outros me importam um cominho. Sempre e quando Charis e você não se sintam incômodos, claro. -Como não tenho dúvida alguma de que Charis atrairá a atenção de algum cavalheiro de valia muito antes que Helena esteja preparada para fazer ato de presença, e eu posso estar a ponto de

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sentar a cabeça, não tem que preocupar-se conosco. Só desejo ficar seguro de que vai assumir está carga não por sentido do dever, mas sim porque verdadeiramente queira fazê-lo. Prova confiável do compromisso e a concentração de sua mãe no caso de Helena Lambarth era que não pedisse imediatamente os detalhes de como pensava sentar a cabeça. -Será um desafio e uma delícia para mim. Quando penso no que Lambarth a fez sofrer, sem que ninguém da família de Diana soubesse! Não me estranha que não queira saber nada da família de seu pai. -Então, fará como desejar. Ah, por certo, seu advogado e ela insistiram em que todos os gastos nos que incorresse fossem pagos com a herança recebida de sua mãe. O entusiasmo de Lady Darnell fraquejou. -Ai, querido. Quer dizer que tenho que me rodear a um estreito orçamento? -Ao contrário - riu- Tendo em conta as cifras que me mostraram, Helena bem pode ser a jovem mais rica de toda a Inglaterra. Pode comprar o que estimar necessário. Lady Darnell aplaudiu encantada. -Excelente! Escute-me bem, Adam: quando terminar com Helena, nem você a reconhecerá! ***

Capítulo 6 Na manhã seguinte, Helena saiu de seu quarto cedo para tomar o café da manhã com as duas damas que haviam lhe proporcionado tão cálidas boas-vindas. Depois de experimentar um confuso leque de aromas e sabores no jantar da noite anterior, foi um alívio comprovar que o café da manhã consistia só em torradas e chá e que se servia em uma pequena sala contígua à cozinha. Sentadas todas à mesa, Helena perguntou: -Iremos hoje à costureira? O olhar de ambas as mulheres se cravaram na mão danificada que inconscientemente havia utilizado para ajudar a sustentar a xícara. -E como presumo que terão visto, necessito imediatamente de luvas -declarou, decidida às tranqüilizar o quanto antes o possível por aquele assunto. Charis olhou brevemente tia Lillian e perguntou com delicadeza: -Continua lhe doendo o polegar?

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-Não. Já faz muito tempo que ocorreu o acidente, embora a mão tenha ficado bastante feia. Eu gostaria de poder ocultá-la o quanto antes o possível. -E faremos isso -disse tia Lillian- Mas melhor que ir às lojas em pessoa, faremos que os fabricantes de luvas venham vê-la aqui. Assim poderá aparecer pela primeira vez em público quando tiver arrumado o cabelo, tenha o guarda-roupa completo e tenha podido ser instruída sobre o comportamento que se espera de uma jovem em Londres. Temo que as regras se pareçam um tanto mais restritivas que as que se costuma seguir no campo. Teriam que levá-la às calotas polares do planeta para poder colocá-la em um ambiente mais restritivo que no que havia vivido. Mas melhor não dizer algo assim a sua tia. -Rogo que o faça quanto antes, tia. Não quero cometer enganos que possam deixar em dificuldades à família. Embora a cidade fora daqueles muros a atraísse enormemente, bem que podia tolerar ficar trancada algumas semanas mais. E se sua resolução fraquejasse, bastaria lembrar a expressão de repulsa na cara de Adam Darnell quando a saudou. Estava decidida a evitá-lo até estar segura de que a resposta que suscitasse nele em seu seguinte encontro fosse muito mais positiva. -Morro de vontade de começar! -exclamou Lady Darnell- Já pedi a minha costureira favorita que venha está tarde. Antes que chegue, Charis e eu iremos as lojas e traremos uma seleção de xales, luvas, sapatos e roupa intima para que possa escolher. E direi a Harrison que fique em contato com a agência habitual de emprego para que te busque uma criada. O último artigo da lista apagou seu sorriso. -Sempre me cuidei sozinha tia Lillian. Eu não gostaria de ter uma desconhecida comigo. Além disso, tinha uma poderosa razão para não querer despir-se diante de ninguém. -Mas Helena! É necessário ter uma criada! -interveio Charis- O vestido que usa é… adequado, mas sua roupa nova necessitará que alguém a ajuste, ate às costas, te ajude a colocá-lo e a tirá-lo. Helena reparou na roupa que as duas estavam usando e se deu conta de que Charis tinha razão. O corpo do vestido se fechava nas costas com alguns laços que partiam da cintura e chegavam até o pescoço. Seria impossível vestir-se sozinha. -Não tem que preocupar-se - disse sua tia- As candidatas que enviarem da agência terão referências excelentes. Qualquer candidata com excelentes referências desprezaria uma ama que soubesse tão pouco como ela de vestidos e moda; isso sem mencionar o resto… -Sentir-me-ia mais cômoda contratando a alguém que esteja começando como eu. Não poderia servir qualquer das criadas da casa? Tia Lillian franziu o cenho.

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-Suponho que se sentirá mais cômoda com a ajuda de alguém da casa, Harrison poderá te atribuir alguma das criadas que se ocupam da casa até que se sinta preparada para ter sua criada. Talvez fosse boa idéia pedir à criada que tinha lhe servido o café da manhã. Era bastante jovem para dar-se conta das deficiências em sua preparação, e seu alegre sorriso sugeria um caráter alegre. Mas nem por isso deixaria de surpreender-se ao vê-la nua. -Devo me despir para que tomem medidas? -perguntou, angustiada- Não o faço diante de ninguém desde que minha mãe partiu. Ambas a olharam surpreendidas. -Não tinha alguém para que a ajudasse? -Meu pai não queria arriscar-se que pudesse ter perto outra mulher. O único servente que tive perto depois que minha mãe partiu foi o oficial de meu pai… que me ajudava a seguir ao pé da letra os ditados de meu pai. Melhor não revelar quais eram esses ditados. -Viveste sem companhia feminina desde que sua mãe partiu? -perguntou Charis, afligida. -Sim - mas um sorriso esquentou suas recordações- Exceto uma curandeira que vivia em nossos bosques… era uma eremita que estava ali desde um tempo imemorial. Mas certamente não foi de ajuda em questões de moda. -Minha pobre menina - lamentou-se tia Lillian com voz trêmula- Mas não se preocupe, que nesta casa não achará nada que te faça se sentir incômoda. A costureira poderá te medir em roupa intima e sua criada só terá que ajudá-la a pôr os vestidos. Helena assentiu. -Obrigada por ser tão cuidadosa, tia Lillian, mas minha combinação está tão velha que me daria vergonha que a costureira a visse. Poderiam comprar algo antes que chegue? -Claro. Agora mesmo, depois do café da manhã, Charis e eu iremos a loja e pediremos uma seleção de objetos para que possa escolher aqui enquanto vamos ao luveiro e à sapataria. Antes que chegue madame Sofie, terá uma combinação, luvas e sapatilhas apresentáveis. Helena se levantou e abraçou sua tia. -Como poderei lhe agradecer? Lady Darnell a beijou na testa. -Desfrutando de tudo isso. Queremos que seja feliz conosco, filha. A emoção fechou sua garganta e durante um instante não pode falar. Até onde lhe alcançava a memória, a pessoas que havia tido a seu redor tinham se ocupado de fazê-la tão infeliz como fosse possível. Quase teve que se beliscar para se convencer de que tudo aquilo era real e não o sonho recorrente de todas as noites no qual via a si mesma reunida por fim com sua querida mãe.

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Isso já não ia ser possível, mas sua mãe havia preparado algo quase tão maravilhoso. A dor e a gratidão incharam seu peito. -Farei tudo o que possa para ser feliz. Com a visita da costureira aquela mesma tarde, sua necessidade mais imediata era determinar se a criada do café da manhã seria adequada para servi-la. Ainda se conseguisse que nunca a visse sem a anágua, em algum momento a peça poderia escorregar e quem visse suas costas teria que estar preparada e lhe ser leal a toda prova. Encaminhou-se à porta da qual partia um lance de escadas de serviço que, tal e como esperava, terminava no porão, perto da cozinha. Uma mulher com touca atendia a panela em um grande fogão de ferro enquanto outras duas cortavam hortaliças em uma ampla mesa colocada no centro. Havia outra menor junto à parede em que estava sentado Harrison em frente a uma mulher com um molho de chaves à cintura. A conversa cessou e todos os presentes se voltaram a olhá-la. Helena sentiu imediatamente que havia transpassado uma fronteira. Harrison se levantou como um raio. -Me perdoe senhorita Lambarth, não a ouvi chamar. O que necessita? -Me desculpem todos por ter entrado aqui sem avisar, mas tenho um pequeno dilema que espero possam me ajudar a resolver - Helena se dirigiu à mulher das chaves-.É você a governanta, senhora Baxtor? -Sim, senhorita - respondeu, fazendo uma leve cortesia. -Necessito uma donzela, sendo que não vim acompanhada. Preferiria não contratar uma pessoa desconhecida em uma agência, e me perguntei se poderia falar com a jovem que nos serviu está amanhã o café da manhã… Molly acredito que se chamava, não é assim? O mordomo e a governanta trocaram um olhar. -Harrison se ocupa de contratar as criadas, senhorita - respondeu a ama- Molly é só uma criada e não está preparada para desempenhar as funções de uma donzela. Se for tão amável de sair ao salão, tenho certeza que Harrison poderá cuidar de suas necessidades. Harrison assentiu. -Quer me seguir, senhorita Lambarth? Helena assentiu para corresponder às cortesias do pessoal e saiu da cozinha lembrando as ocasiões nas quais sua mãe entrava na cozinha para provar os bolos de fruta que o cozinheiro preparava. Não só havia penetrado em território proibido, mas também tinha saltado uma hierarquia

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que não admitia trocas. Criadas não se convertiam em criadas de quartos da manhã para a noite. Não ia encontrar nenhum aliado no pessoal da casa, concluiu. Devia provar outra tática, pensou enquanto seguia Harrison até o salão. Certamente seria melhor contratar uma criada externa que estivesse sujeita unicamente a suas instruções. Mas não. Uma mulher experiente se daria conta imediatamente do fora de lugar que se achava na casa. -Deseja que lhe busque uma criada de quarto, senhorita Lambarth? -perguntou Harrison quando ela se sentou. -Vou ser clara, senhor Harrison. O engano que cometi ao invadir a cozinha deve ter confirmado o que um homem de sua capacidade já devia reconhecer a primeira vista: que careço da formação prática que supõe a uma jovem de minha posição. Lady Darnell vai ajudar-me a remediar essas deficiências, mas enquanto isso, eu não gostaria que me atendesse uma criada que notasse imediatamente minha inexperiência. Por isso eu gostaria de falar com Molly e ver se tem alguma moça de sua família que possa me servir. Depois confiaria em que você lhe ensinasse suas obrigações. Harrison assentiu. -É melhor trazer alguém de fora que tirar uma criada de seu posto. Naturalmente eu ajudarei à pessoa que você desejar, o mesmo a senhora Baxtor. -Então, se ocupará de que Molly venha me ver? -É obvio senhorita Lambarth. Suponho que a senhora Baxtor poderá prescindir dela um momento. E Harrison se retirou. Enquanto Helena esperava que chegasse a criada, retalhos de uma conversa que havia ouvido a caminho de Londres a fez conceber uma idéia. E o que era melhor ainda: poderia ver algo da cidade sem ter que esperar. Desfrutaria de uma liberdade de movimentos que certamente não teria quando se visse transformada em uma jovem da alta sociedade. A idéia a encheu de energia. ***

Capítulo 7 Enquanto Helena se familiarizava com seu novo lar, Adam fez algumas visitas de negócios e

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terminou passando pela mansão Standish em Grosvenor Square. Embora o adornado salão estivesse cheio de convidados, a senhorita Standish elevou o olhar e sorriu ao ouvir que anunciavam sua chegada. A herdeira não poderia ser descrita como uma beleza, mas Adam teve uma agradável surpresa ao ver que a menina gordinha que o seguia como um cachorrinho havia se transformado em uma jovem atraente de sorriso cativante, inteligentes olhos azuis, e cabelo loiro delicadamente arrumado. Sua riqueza ficava em evidencia através do corte de seu vestido e do tecido, dos adornos e jóias. Enquanto conversava animadamente com outros convidados, Adam não a viu mostrar o ar caprichoso ou altivo de outras ricas herdeiras que se sabiam cobiçadas. Bem ao contrário: mostrava a mesma atenção aos vários jovens que a cortejavam, inclusive a um jovem amável e nervoso que descendia de uma família modesta e que podia ter desprezado. Entretanto, a impressão que Adam causou em sua mãe foi muito menos positiva. Mas a senhora Standish já era uma mulher insuportável e altiva quando ambos eram pequenos, razão pela qual sua filha escapava de casa sempre que podia. Quando o jovem sentado à direita de Priscilla se despediu, Adam ocupou rapidamente seu lugar. Depois se despedir de outro dos convidados, a senhorita Standish o viu e voltou a lhe sorrir, mas surpreendentemente Adam descobriu que seu sorriso não era tão magnético como o da senhorita Lambarth. Que tolice. -Capitão Darnell… ou devo chamá-lo milord? Entendi que abandonou o exército. Por certo, sinto muito sobre seu pai. Era um grande cavalheiro e devem ter lamentado muito sua perda. -Obrigado, senhorita Standish. Mas agora que Bonaparte foi finalmente derrotado, me alegro de estar de novo em casa. -Seus amigos devem ter se alegrado de lhe recuperar são e salvo. Apesar de aplaudir os despachos nos quais se falava de sua valentia, temia por sua segurança. Assim que havia seguido sua vida… apesar de si mesmo, saber disso o comoveu. -É muito amável, sobretudo tendo em conta que quando éramos crianças e era repreendida por alguma travessura, que muitas vezes era eu quem a empurrava às cometer. -Mas sempre valia à pena arriscar-se a ser repreendida para viver uma aventura.

Adam havia sido destinatário da admiração de uma mulher em suficientes ocasiões para reconhecê-la na senhorita Standish, e animado por isso, decidiu continuar: -Se atreveria a desafiar de novo sua mãe saindo com um cavalheiro cujo único direito sobre

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sua amabilidade provém da infância, permita-me acompanhá-la esta tarde ao parque. Lamento enormemente que a guerra e as… exigências de minha família acabassem por conseguir que perdêssemos o contato, e eu gostaria de renová-lo. Não cabia interpretar mal sua tentativa. Por um momento, o grupo ao seu redor ficou em silêncio, sem dúvida maravilhando de sua temeridade. O sorriso dela empalideceu e Adam temeu ter sido muito atrevido. Mas as circunstâncias eram urgentes, e se ela pensava que estava acima dele e o considerava indigno de sua amizade, melhor saber o quanto antes. -Vejo que o tempo não lhe ensinou nem paciência nem prudência, lorde Darnell - respondeu ela, o olhando divertida. -Assim é, madame. A guerra ensina a um soldado a valorizar a audácia e a surpresa. A jovem pôs-se a rir. -Duas qualidades que você possuiu sempre. Muito bem, lorde Darnell irei com você. Passando por alto os murmúrios de desaprovação de seus rivais vencidos, Adam combinou à hora, e sem poder acreditar o que havia avançado em uma só amanhã, despediu-se dela e de sua mãe e partiu. Mais tarde, naquela mesma manhã, Helena deixou de lado o livro que estava lendo, havia escolhido a biblioteca da casa para receber a ajudante da costureira. Maravilhando-se da finura das peças, foi tocando-as uma a uma à medida que a moça as ia tirando das caixas: anáguas de linho, espartilhos e combinações salpicadas de laços e flores, camisolas de seda cujo tecido sussurrava ao tocá-lo. Rechaçou só os fabricados em flanela e disse à moça que ficaria com todo o resto. Depois do lanche da amanhã Lady Darnell e Charis voltaram com novos tesouros: luvas de couro, alce e renda em todos as cores do arco-íris; sapatilhas e botas de meio cano; xales de seda e lã da Noruega; leques de madeira, marfim e osso e chapéus que podiam adornar para fazer jogo com seus vestidos até que ela pudesse visitar pessoalmente os chapeleiros. Pouco depois, chegou a costureira com suas amostras. Decidida após anos de ásperos tecidos a envolver-se só com os panos mais delicados e suaves, custou convencê-la de que escolhesse alguns algodões mais grossos para usar de dia. Helena preocupou ainda mais sua tia recusando todos os brancos e cores pálidas mais adequadas para jovens solteiras escolhendo tons dourados, vermelhos, azuis e corais. E ainda pior foi que recusasse, apesar de ser a moda do momento, qualquer modelo decotado tanto no peito quanto nas costas. -Não - disse madame Sofie, que resultou ser a melhor aliada de Helena, lady Darnell- a

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senhorita tem razão. O tipo de decote que ela propõe, realizado sobre seda dourada, ficará completamente diferente do que levam as demais, mas resultará muito elegante tendo em conta seu talhe. Não seguirá a moda, mas sim ela mesma a estabelecerá. Felizmente Charis esteve de acordo com madame Sofie. -É uma magnífica idéia, mãe! Os vestidos de Helena serão únicos. A seu lado, todas as jovens da boa sociedade resultarão insípidas. Helena não se importava nem um pouco marcar ou deixar de marcar tendências. Só esperava que quando voltasse a encontrar-se com lorde Darnell usando um de seus vestidos novos, fosse aprovação o que visse em seus olhos. Apesar do apoio de Charis e da costureira, Lady Darnell seguia retorcendo as mãos ante a possibilidade de que Helena desperdiçasse aquela oportunidade de mostrar sua juventude e sua beleza. Felizmente e à medida que a tarde avançava conseguiram que seus pensamentos discorressem por caminhos mais alegres, sobretudo quando madame se comprometeu a ter vários modelos preparados no prazo de uma semana. Quando a costureira partiu, Harrison entrou com a bandeja do chá e sussurrou algo ao ouvido de Lady Darnell antes de partir. -Querida, Harrison acaba de me dizer que esta manhã esteve na cozinha em busca de uma criada - disse, franzindo o cenho. Helena pensou que ia receber uma boa reprimenda por seu pecado. -Sim, tia Lillian, e sinto muito. Ao ver a reação do pessoal me dei conta de que havia cometido um engano. -Deveria ter deixado que Harrison se ocupasse disso. -Isso mesmo me disse a senhora Baxtor. Assim que me dei conta de meu erro, parti, mas mesmo assim a governanta deve me considerar bastante estranha. Sinto muito, tia Lillian. Não pretendia incomodar à criadagem. Para alívio de Helena, Lady Darnell lhe deu uns tapinhas na mão. -Não se preocupe querida. Suponho que você deve ter o costume de fazer as coisas por si mesma, mas aqui não é assim. -Isso me disse a governanta. Lady Darnell riu.

-A senhora Baxtor tem uma língua um pouco afiada, mas é enormemente eficaz em seu

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trabalho. Deve tratar a criadagem com justiça e respeito, mas as mantendo a distância. Embora possa parecer o contrário, se mostrar muito familiar, pensarão que não sabe qual é seu lugar e a desprezarão por isso. Helena sorriu com certa tristeza. -E acertariam, porque não o sei. -Não demorará em averiguá-lo, querida. Harrison me disse que reagiu em seguida. Não deve culpá-lo por ter me informado do ocorrido, porque isso significa que ganhou seu respeito. Do contrário, não o teria feito. Disse também que com um pouco de orientação, chegará a ser uma dama, o qual é uma grande adulação, tendo em conta que leva conosco só um dia. Bom, tomamos o chá? Helena tinha se preparado para uma séria reprimenda, e demorou um momento em dar-se conta de que Lady Darnell considerava resolvido o assunto, e enquanto tomava seu chá em silêncio tentou lembrar alguma outra ocasião em que tivesse cometido um erro e não a tivessem punido severamente por isso. Enquanto, Charis e Lady Darnell conversavam sobre os acontecimentos que oferecia a temporada e o muito que desfrutaria Helena deles quando dentro de umas semanas pudesse vestirse, pentear-se e demonstrar a confiança necessária em suas habilidades de etiqueta. Então Charis mencionou um jantar o qual ambas deviam participar na quinta-feira daquela mesma semana, e Helena sentiu uma pontada de culpabilidade ao recordar o que tinha planejado. Era uma sorte que tivesse tido anos para aperfeiçoar a arte da evasão, porque se Lady Darnell descobrisse a natureza de sua iminente excursão, sua compassiva tia se mostraria sem dúvida muito menos pormenorizada. Enquanto as senhoras tomavam o chá, Adam se apresentou em Grosvenor Square para levar ao parque à senhorita Standish, que o surpreendeu ao fazê-lo esperar apenas alguns minutos. Apareceu com um simples vestido de passeio em um azul que realçava seus olhos e os cachos de cabelo loiros aparecendo sob um encantador chapeuzinho que emoldurava seu rosto, tudo isso um conjunto de elegância e modéstia que despertou sua admiração e aprovação.

Adam a ajudou subir na carruagem, pôs os cavalos ao trote e se voltou para ela. -Devo lhe agradecer por ter passado por cima da impetuosidade de minha petição e ter aceitado assim mesmo dar este passeio. Teria sido perfeitamente justificado que houvesse me

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colocado em meu lugar rechaçando meu atrevido oferecimento, embora só fosse pelo bem de seus outros pretendentes. Ela sorriu. -Talvez tenha aceitado precisamente para colocá-los em seu lugar. -Também sou consciente de que foi uma deferência para minha pessoa por parte de sua mãe aceitar me receber em sua casa, tendo em conta a situação atual de minha família. -É precisamente essa a razão que quis sair com você. Em lugar de esbanjar dias de vãs adulações, fostes diretamente ao ponto. Esperava que o tempo transcorrido não o tivesse feito perder a franqueza que eu tanto gostava quando menina, e me alegro de ter descoberto que não é assim. -Se a agrada a franqueza, direi que estou encantado de descobrir que uma jovem de sua posição siga possuindo a simplicidade e o sentido comum que eu tanto gostava em você quando éramos crianças. Além do desejo perverso de fazer coisas inesperadas, isso espero. -Oxalá pudesse me permitir essa indulgência! -suspirou- Agora que estamos nos circuitos da alta sociedade, devo observar sempre o melhor comportamento pelo bem de meus pais, mas nunca serei o que se conhece por uma beleza, e tampouco me considero uma néscia. Estou cansada de ter que sorrir e suportar os elogios dos pretendentes de alto berço que sei que jamais o fariam se não possuísse a fortuna que possuo. -Demonstrariam serem uns estúpidos. -Obrigado - respondeu ela, descendo o olhar- É outra razão pela qual aceitei sair com você: porque uma vez nos conhecemos e fomos amigos pelo que sou, por mim mesma. Sei que se não possuísse uma fortuna certamente não teria desejado avivar a chama de nossa velha amizade, mas também acredito, e isto que vou dizer não poderia nunca dizer a outro cavalheiro, que o fato de que eu seja uma rica herdeira nunca seria o motivo principal de seu interesse. Adam ficou um tanto desconcertado por sua sinceridade. -Obrigada por seu voto de confiança em meu caráter. Tenho que dizer que, independentemente da situação que atravessa minha família, nunca teria procurado ganhar o favor de uma dama a qual não admirasse nem respeitasse.

-Agora que já deixamos isso claro, poderemos ficar mais cômodos. Quero dizer outra vez o muito que nos alegramos de que tenha voltado bem à Inglaterra. Seu pai sempre foi um bom vizinho, e sua enfermidade nos causou profunda pena. Imagino que para você deve ter sido muito

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duro, estando obrigado a permanecer tão longe. Adam assentiu, animado que ela compreendesse tão bem seu dilema. -Com os generais de Bonaparte causando caos na Espanha e em Portugal, não podia abandonar meu posto. Apesar de sua enfermidade, meu pai me ordenou permanecer ao lado de Wellington, onde podia ser útil, já que só Deus podia ajudá-lo. Mas mesmo assim, foi muito… duro. -Tanto como voltar e encontrar os assuntos de sua casa em desordem -ele a olhou surpreso e ela acrescentou - havíamos combinado que falaríamos com franqueza, não é assim? Adam já não estava tão seguro. -Espero que nem tudo o mundo esteja ciente do verdadeiro estado de nossa fazenda. -Certamente que não - a assegurou- Mas lembre que nós somos vizinhos. Estando Claygate Manor tão perto, inevitavelmente meu pai se deu conta que a propriedade estava se deteriorando com os anos. Logo, quando nos inteiramos de que a tinha arrendado… não deve culpar a pobre Lady Darnell, que certamente fez tudo que estava em sua mão, mas é uma mulher um pouco frívola por natureza e que carece da mão firme que minha mãe me inculcou, de modo que o declive era inevitável. Antes que Adam pudesse sair em defesa de sua madrasta, ela acrescentou: -Mas não se pode esperar que uma dama saiba dirigir assuntos dessa natureza. Além disso, não se separou do leito de seu pai nem um minuto durante sua longa enfermidade. Minha mãe está acostumada a usá-la como exemplo de devoção marital. Eu só posso esperar saber servir a meu marido do mesmo modo quando chegar o momento. Adam se sentiu tentado de responder que não o fazia graça nenhuma a idéia de definhar durante anos em uma cama enquanto sua esposa o atendia, mas a expressão de Priscilla era tão séria que não o fez para não ofendê-la. -Será uma esposa excelente para o afortunado cavalheiro que desfrute seus favores. A senhorita Standish o olhou com uma calidez que o surpreendeu. -Então, esperarei que o cavalheiro adequado os solicite. Naquele momento entravam no Hyde Park, onde o tráfico de carruagens e pedestres requeria toda sua atenção. Mas à medida que avançava pelo parque, Adam começou a ter a incômoda sensação de que no espaço de uma só tarde havia passado de renovar uma velha amizade a ser considerado um possível marido, tanto entre os membros da alta sociedade que os saudavam ao passar como possivelmente aos olhos da jovem. E embora certamente ele estivesse considerando sua possível candidatura, não queria ver-se forçado a pedi-la em casamento. Tendo em conta esse desconforto, quando a jovem o agradeceu pelo passeio e o convidou

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para jantar com sua família três noites depois, Adam esteve a ponto de rechaçar o oferecimento. Entretanto, se de verdade desejava decidir se queria ou não pedir sua mão, tinha que aceitar, assim que o fez, despediu-se e partiu. ***

Capítulo 8 Na quinta-feira a tarde Helena estava junto a uma porta do jardim que nunca se usava, coberta com a capa escura que Molly havia escondido e que cobria seu vestido de senhorita. Com um calafrio de excitação se felicitou pelo trabalho preliminar que havia feito as duas noites anteriores: havia se levantado quando todos outros habitantes da casa estavam dormindo para explorar sem fazer ruído do ático à adega. Agora conhecia a localização exata de cada saída, cada janela da qual podia acessar o galho de uma árvore, cada canto protegido do jardim onde uma pessoa podia ocultar-se. Confiante em que a servente e ela poderiam sair e voltar sem que ninguém se desse conta, passou a manhã estudando um mapa de Londres que um servente havia conseguido, no caso de que Molly não se apresentasse, já que a jovem parecia cada vez menos entusiasmada pela excursão, Helena poderia ir por sua conta até St. Marylebone. E o melhor de tudo era que Lady Darnell havia anunciado que Charis e ela passariam à tarde de visita, de modo que convencida que sua ausência passaria despercebida, havia voltado para seu quarto, onde tinha convocado Molly para lhe dizer que poderiam partir assim que ela tivesse concluído seus deveres. O amortecido som de alguns passos confirmou que a criada tinha se decidido a acompanhá-la, apesar de suas reservas, levou um dedo aos lábios para pedir silencio e logo pôs um soberano na palma de sua mão antes de sair do jardim pela porta escolhida. Deixaram atrás os estábulos sem incidentes e chegaram à parada de coches de aluguel. Durante o curto trajeto que as separava de St. Marylebone, Helena manteve o rosto colado ao vidro para contemplar todas as ruas, todos os detalhes.

Montões de coches lotavam o caminho, carruagens, carretas e vendedores ambulantes gritavam suas mercadorias. Igualmente diversas eram as pessoas, desde criadas que sacudiam os espanadores, passando por lixeiros conduzindo restos até chegar a damas vestidas ricamente e

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cavalheiros que subiam a polidas carruagens com escudos em suas portas… Quando o condutor anunciou que haviam chegado a seu destino, Helena se prometeu que algum dia não muito distante sairia só sem ser vista da casa para explorar a palpitante diversidade que era Londres. Mas naquele momento, sua única tarefa era procurar uma criada de quarto. Depois de pagar ao condutor para que as esperasse, pôs-se a andar com Molly grudada aos seus calcanhares. Mas a moça se deteve em seco ao ver o edifício de Paddington Street. -Senhorita, está segura de que esta direção é a correta? Esta é a casa de beneficência de St. Marylebone. -Então é correta, sim. A criada abriu os olhos de par em par. -E pensa entrar aí? Por que, se não há mais que ladrões e mendigos, a maioria com enfermidades horríveis? Se quiser contribuir ao auxílio dos pobres, faça-o na sacristia de St. George. -Quero contribuir lhes oferecendo um posto de trabalho. Necessito uma criada, e posto que as moças que trabalham aqui procuram trabalho, poderei encontrar alguma que me convenha. -Deus bendito! Já disse Baxtor que queria uma criada. Harrison pode proporcionar da agência do senhor McClaren… Helena negou com a cabeça e Molly não disse nada mais. -Molly, este lugar não é uma prisão para criminosos, nem um reformatório. O sacerdote responsável pela instituição me disse que a sua casa assistem os mais desafortunados da paróquia e nela a forma para que possam acessar a um emprego. O padre Roberts me disse que St. Marylebone é uma instituição exemplar. O que não lhe disse foi que aquela informação havia obtido de uma conversa escutada no coche do correio entre um reverendo e uma passageira com uma opinião similar a de Molly. -Não é melhor oferecer a uma garota que merece a oportunidade de trabalhar que jogar umas quantas moedas na urna? -Não pretendo ser contra o padre Roberts, mas a urna é muito mais segura - murmurou Molly. -Terei muito cuidado na escolha - assegurou- e se não encontrar à pessoa adequada, deixarei que Harrison se ocupe. E a menos que o reverendo tivesse mentido como um velhaco encontraria a alguém. Talvez uma moça tão ansiosa por escapar do cárcere da pobreza como ela havia estado por abandonar o castelo de Lambarth. -Se soubesse que era aqui aonde queria vir, não a teria acompanhado - replicou Molly, seguindo-a a contra gosto- Se o amo se inteira, me despedirá, certamente. Preocuparia-se lorde Darnell se soubesse que tinha se colocado em perigo? Perguntou-se

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Helena quando um homenzinho curvado abriu a porta e perguntou o que queriam. Logo as acompanhou ao escritório do diretor. Ele lhe fez várias perguntas e, depois de se assegurar de seu propósito e antecedentes pediu a uma menina que as acompanhasse a presença da senhora Smith, quem se encarregava de fiscalizar a aprendizagem das garotas maiores. Depois de passar por uma sala em que, segundo sua jovem guia, ficavam os que iam morrer, entraram na ala das moças. Ali, o chão estava recém esfregado, as camas bem feitas e felizmente, vazias. A menina as levou ao alpendre. Uma mulher magra de idade indeterminada, envolta em um xale puído, mas limpo, fiscalizava o trabalho de um bom número de garotas que lavavam terrinas ou que penduravam a roupa a secar. -Posso ajudá-las, senhoritas? Hoje é dia de coada, e as garotas ganham alguns penis enquanto aprendem a lavar e engomar. Vêem da paróquia? -Não, senhora - respondeu Helena- Sou Helena Lambarth e ela é Molly. Vivemos com minha tia, Lady Darnell, em St. James Square. Acabo de chegar a Londres e desejo contratar a uma destas garotas como criada pessoal. A mulher sorriu. -Qualquer delas ficaria encantada de ter uma oportunidade assim. -Antes eu gostaria de observá-las um momento, se não for incomodo. -Venham comigo. As garotas seguirão trabalhando. Pensarão que são do comitê da paróquia. Enquanto Molly esperava no alpendre, Helena foi percorrendo o pátio com a senhora Smith. Algumas das moças não assumiam suas tarefas até que não viam perto à senhora Smith. Sua atenção se centrou em uma jovem alta que ignorou a visita e seguiu esfregando. Havia um menino a seu lado que lhe dava roupa e sabão à medida que o necessitava. -Como se chama essa garota? -perguntou à senhora Smith. -Nell Hastings, e o menino é seu irmão, Dickon - respondeu- Seu pai era soldado e morreu em Waterloo. Sua mãe começou a trabalhar como lavadeira, mas por dor e o esforço, morreu também o ano passado. Nell é uma boa garota, mas não vai lhe servir. Está decidida a manter unido o pouco que resta de sua família. Não acredito que considerasse a possibilidade de aceitar um trabalho que a obrigasse a deixar Dickon aqui. -Me permita falar com ela de todos os modos - disse Helena, que já se perguntava se poderia empregar também seu irmão. A senhora Smith chamou à garota, que se aproximou sem pressa e dignamente. -Senhora Smith? -A senhora quer falar contigo. Desculpe-me. Tenho que me ocupar das demais garotas.

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-Procura serviço de lavadeira, senhora? -perguntou-.Lavamos e remendamos os objetos mais delicados, e nossas tarifas são muito razoáveis. -Sabe bordar e reformar vestidos? -Sim, madam. A loja de madame Beaumont me envia trabalho quando não dão conta. -Seu pai era soldado? Uma sombra de pena cruzou a face da moça. -Sim, senhora. Meu pai era sargento no qüinquagésimo nono regimento. Morreu no verão passado, e minha mãe pouco depois. -Por que não foi a sua família? -Nossa família vive no norte… não sei exatamente onde, e me pareceu que seria melhor ficar em Londres e tentar encontrar trabalho aqui. Helena assentiu. Havia tomado uma decisão. -Obrigado, Nell. Tenho que falar do assunto com a senhora Smith. -Sim, madame. Nell fez uma cortesia e seguiu com seu trabalho. -Oxalá todas as moças fossem tão diligentes como ela - disse a matrona- Algumas só estão esperando que me distraia para escapulir ao edifício dos meninos. Jane também é boa garota, mas está um pouco… ausente - disse, assinalando a uma jovem delgada que parecia estar em outra parte. Enquanto a senhora Smith falava, Helena observava às escondidas Nell. Um momento depois, a viu secar as mãos e pôr-se a andar para elas com seu irmão ao lado. -Senhorita, deixou isto. Dickon, entregue, por favor. O menino o devolveu com evidente má vontade. -Pode contar se quiser, mas não falta nada. -Obrigada. Estou segura disso. -Vê? Já tinha dito que podíamos ficar com uma moeda - murmurou o moço entre dentes a sua irmã. -Não, Dickon. Você sabe que não estaria bem. Embora o vestido que a costureira que o advogado fez ir a seu escritório fosse singelo e sem adornos, o tecido e o feitio falavam de sua qualidade. -É o bastante rica para não sentir falta de alguns penis - continuou o moço- Teríamos comprado umas maçãs. -Nell - disse Helena, satisfeita que a moça tivesse passado naquela pequena prova- necessito uma criada de quarto. Interessa o cargo? A garota abriu os olhos de par em par.

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-Trabalhar para você? Pois claro! Mas… teria que viver em sua casa, não? -Sim. Seria necessário. -Diz que sim Nell - urgiu seu irmão- Eu posso me cuidar sozinho. Angustiada, Nell olhou o menino e logo a Helena. -Eu adoraria trabalhar para você, mas prometi a minha mãe que ficaríamos juntos. Não posso deixar Dickon sozinho. -Se prometo encontrar um trabalho para ele, aceitaria? -E viver os dois em sua casa? Isso seria maravilhoso! -Excelente. Começará amanhã. Se apresente na cozinha e pergunte pela Molly - Helena indicou a criada que esperava no alpendre e quem a saudou com pouco entusiasmo- Encontrarei um lugar para Dickon em uma semana. -Obrigado, senhorita! Trabalharemos duro e não a desiludiremos, não é, Dickon? Pela expressão do moço Helena deduziu que teria preferido ficar na oficina, de onde podia escapulir para ir com seus amigos. -Vejamos, Dickon: que tipo de trabalho você gostaria de fazer? -Eh… pois não sei. Eu a ajudava a lavar a roupa. -Sim, mas esse é trabalho de mulheres, não? Teremos que encontrar algo mais adequado para um homem. O menino se ergueu. -Embora tenha quem pense que ainda sou um menino - respondeu, olhando sua irmã- sou o bastante grande para fazer o trabalho de um homem. -Sendo o filho de um soldado, estou convencida disso. Então, trato feito. Nell, a verei amanhã. -Obrigado outra vez, madame. Sou consciente da oportunidade que nos deu, e lhe prometo que não o lamentará. -Deus a benza, senhorita Lambarth! -disse a senhora Smith com um sorriso- Sei que ficará satisfeita com ela. -Cuidará de Dickon enquanto lhe buscamos emprego? Ela suspirou. -Farei o que puder. É uma fantasia de diabo, mas acredito que poderei evitar que se meta em confusões durante uma semana. Deus a benza por ajudar estes pobres desgraçados! -Obrigada a você, senhora Smith, por preocupar-se tanto por eles. - comovida pelos esforços certamente não recompensados que fazia aquela mulher pelas moças que tinha a seu cuidado, entregou-lhe o resto das moedas que levava- Guarde algumas para você, e não só para suas garotas!

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Helena recolheu Molly e voltaram ao coche de aluguel. -Senhorita - disse Molly se descabelando- o que vou dizer em casa quando essa garota se apresente manhã? -Não tem por que saber de onde vem. Só diz que a conhece. -Não poderia mentir ao Harrison! -E não será uma mentira. A conheceu hoje. -Mas se alguém descobrir serei despedida! -Ninguém descobrirá. Nell trabalhará duro para ganhar o respeito de todo o mundo. Algumas semanas depois, a ninguém importará de onde venha. -Se antes ela e seu irmão não nos roubam até a camisa. -Se isso resultasse ser certo, os levaria ante o juiz sem duvidar. E se ocorrer algo assim, eu assumirei toda a responsabilidade. Molly moveu devagar a cabeça. -Harrison me despedirá de todos os modos. Helena sorriu. -Se isso chegar a acontecer, eu mesma voltaria a te contratar. Anda, tome uns trocados para que acalme seus temores com um sorvete na Gunter’s. Molly duvidou, mas acabou aceitando a moeda. -É a senhorita mais estranha que conheço. “Se você soubesse…” pensou Helena, enquanto a fachada de Marylebone ia se perdendo na distância. ***

Capítulo 9 Três semanas mais tarde e de um humor excelente, Adam subiu a grandes pernadas a escada da casa da família, entrou e entregou rapidamente casaco, chapéu e bengala ao mordomo. -Estão as senhoras em casa? -perguntou. -Acabam de vir das visitas da tarde. -Quer as reunir em meu nome no salão verde? Imediatamente, por favor. Harrison nem pestanejou ante um requerimento tão pouco habitual. -Em seguida, milord. Peço que preparem um lanche?

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-Que James nos traga uma garrafa do melhor clarete de meu pai. E, Harrison - continuou, sorrindo ao mordomo enquanto colocava uma moeda de ouro na mão- pode me dar os parabéns. Harrison se permitiu sorrir. -Excelente milord. Permita-me oferecer meus melhores desejos e os de toda a criadagem para você e a senhorita Standish. Adam subiu as escadas até o salão sorrindo. A criadagem de uma casa sabia tudo o que ocorria entre seus muros sem que ninguém lhes dissesse uma palavra. Ao chegar ao corredor, pareceu ver uma figura alta e de cabelo escuro que desaparecia em um canto. Devia ser a afilhada de sua mãe, embora tivesse desaparecido tão rapidamente que não podia estar seguro. Pensando bem, não havia voltado a ver a senhorita Lambarth desde que a levou a sua casa. Sim havia encontrado amostras de sua presença, principalmente na biblioteca, onde segundo Harrison passava grande parte do tempo, já que tinha acrescentado um grosso tapete Aubusson diante da chaminé. Recordar a conversa que haviam mantido no escritório do advogado o fez sorrir. Talvez o papel das paredes de seu quarto havia começado a desprender-se de tanto calor. Serviu-se de uma taça de conhaque e tomou um bom gole. Estava convencido de que Lady Darnell teria se ocupado de que a moça se sentisse como em sua casa, e esperava que tivesse feito progressos em sua educação. Posto que Priscilla seria sua esposa, teria que lhe apresentar à senhorita Lambarth, e sem dúvida teria que estar também presente quando convidasse à família Standish para jantar. Um momento depois, Charis e Lady Darnell entraram em toda pressa. -O que ocorre, Adam? -perguntou sua madrasta com ansiedade- Ocorreu algo?

-Pelo contrário, mamãe. Sentem-se, por favor. Sei que lhes aliviará saber que todas as dificuldades pelas quais temos passado desde que faleceu papai estão a ponto de terminar. Faz uma hora pedi em casamento Priscilla Standish e fui aceito. Lady Darnell sorriu. -Adam, matreira raposa! -exclamou o abraçando- Havia ouvido minhas amigas dizerem que tinha mostrado interesse pela jovem, mas não imaginava que fosse se mover tão rápido! -Por que atrasar tudo só pelas aparências? Priscilla me assegurou que já estava cansada de tantos pretendentes e que está tão desejosa quanto eu de formalizar nosso compromisso. E embora esteja seguro de que haverá um montão de jovens que serão apresentadas este ano em sociedade,

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não tenho nenhum interesse em uma mocinha que acabe de sair do colégio. O mordomo chegou com o vinho e se fez uma pausa na conversa para servir três taças. -À saúde de Priscilla Standish! -brindou Adam, elevando sua taça- Uma jovem encantadora por quem sinto a mais alta consideração e afeto. Para que chegue a ser a melhor das esposas, como eu me esforçarei por ser para ela o melhor dos maridos. Soaram as três taças e continuou: -Espero que as duas a dêem a boas-vindas à família com tanto carinho como sei que ela não demorará a sentir por vocês. Sua mãe sorria abertamente, mas Charis parecia pensativa, e Adam lhe ofereceu seus braços. -Será que não vai me dar um abraço, irmãzinha? Sorrindo também, aproximou-se a abraçá-lo. -A senhorita Standish é muito rica, não, Adam? -Sim, carinho, o é, embora espere que não tenha tão má opinião de mim para imaginar que pedi sua mão só por essa razão. -Claro que não. Sei que eram amigos desde pequenos. -Sim. Era a criatura mais alegre que possa imaginar. Em freqüentes ocasiões a colocava em confusões! Mas imagino que você era muito pequena para se lembrar. -Não a conheci até o início desta temporada, e não me pareceu muito… alegre. -Em sociedade deve mostrar seu comportamento mais impecável, como espero que você faça - disse, mas a falta de entusiasmo de sua irmã o estava inquietando. Lady Darnell interveio para dizer que devia oferecer um jantar para que as famílias tivessem a oportunidade de conhecer-se antes do baile que, sem dúvida, celebrariam os pais de Priscilla em honra de seu compromisso. Depois de falar das possíveis datas, Lady Darnell se desculpou e deixou os irmãos a sós. -Me causa pena não vê-la mais entusiasmada com a notícia - disse Adam- Não pense que me casando vou me distanciar de ti. Seu bem-estar será sempre uma de minhas principais preocupações. De fato, embora seu dote não seja como eu tinha querido que fosse, deve e, pode preocupar-se só de que a personalidade do homem que escolha seja a que você deseje sem se importar o tamanho de seu bolso. -Algo que você não poderia fazer. -Não deve pensar isso! É certo que a fortuna de Priscilla ajudará a restaurar Claygate, mas a escolhi com o coração. -Seriamente? Como pode estar tão certo se mal começou a temporada e você passou anos fora

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com Wellington? Poderia haver outras damas em Londres ricas, atraentes e de bom caráter. Inclusive poderia existir uma mulher fascinante por quem se apaixonasse você só falou de respeito e afeto. Suas palavras despertaram uma sombra de duvida nele, mas sorriu. -Pode ser que não tenha descrito o que sinto por Priscilla como fazem os personagens dos romances que tanto te agrada ler, mas meu afeto por ela é real, e mais substancial para a base de um bom matrimônio que outra emoção mais intensa poeticamente. -Eu não aprendi o que é a devoção lendo nas páginas de uma novela, mas sim vendo Bellemère e papai - respondeu Charis- A ela encanta Londres, e, entretanto na doença de nosso pai jamais protestou por ficar em Claygate. Nas estranhas ocasiões nas quais ela se deslocou à cidade, papai temia perdê-la. E embora tenha quem a considere frívola e uma cabeça de vento, quando papai adoeceu, cuidou dele com incansável devoção. Nem sequer permitiu que seu criado de quarto o cuidasse, e caiu na mais profunda melancolia nos meses que seguiram a sua morte. De fato, foi à chegada de Helena o que lhe devolveu verdadeiramente a alegria. Pode me dizer que seus sentimentos pela senhorita Standish possuem a mesma intensidade? -Pode ser que em meus dias de juventude jurasse estar loucamente apaixonado por alguma mulher, mas tudo terminou em uma tremenda desilusão. Imagino que as mulheres possuem maior sensibilidade que os homens, mas os cavalheiros não experimentam tais excessos, ao menos os de minha idade com propriedades a cuidar. -Será como você diz… - suspirou. Adam a beijou na bochecha. -Com meu futuro solucionado, deveríamos falar dos jovens que conheceste até agora.

Embora estivesse claro que havia se dado conta de sua tática, Charis respondeu: -Agradeço que tenha me economizado o horror de ter que me casar por dinheiro, mas desejaria que você tampouco tivesse que fazê-lo. Já que me pede isso, tentarei me alegrar por ti e darei as boas-vindas à senhorita Standish e tentarei me mostrar carinhosa com ela. -Sabia que o faria - respondeu, e já que sua primeira intenção para mudar de assunto não havia funcionado, tentou uma segunda-. Já que mencionou à senhorita Lambarth. Como vai? Acha que poderá apresentar-se ao jantar de Belle-mère? Charis sorriu imediatamente. -Vai muito bem! Acredito que quando voltar a vê-la, vai se encantar com as mudanças que

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conseguiu mamãe. -Belle-mère sempre foi infalível na hora de tirar o melhor partido de uma mulher, como confirmam suas últimas aquisições. Se não tivermos uma fila de jovens diante de nossa porta dispostos a jogar-se em seus pés antes que passe uma semana de sua apresentação, é que os jovens de Londres ficaram cegos. -Jogando-se em meus pés, tal e como me assegura jamais o faria um cavalheiro maduro? Então espero que todos meus pretendentes sejam jovens! -brincou. -Alegra-me saber dos progressos da senhorita Lambarth. Abrigava a esperança de não ter que apresentar a Priscilla uma jovem cujo estranho comportamento a fizesse parecer uma louca. O sorriso de Charis desapareceu. -Helena não é uma louca! -espetou pertubada- Eu diria que é uma mulher brilhante! Seus tutores nos expressaram sua grande surpresa ao descobrir que possui amplos conhecimentos de literatura, filosofia e matemática. Toca maravilhosamente o pianoforte, o qual é surpreendente porque conforme diz não tinha voltado a tocá-lo desde que sua mãe partiu. Inclusive é muito hábil em esgrima e… -Esgrima? -interrompeu, elevando as sobrancelhas. Charis ruborizou. -Tem também um professor de baile, e parece ser que dança maravilhosamente. É uma garota muito pouco comum, que se interessa praticamente por tudo. Adam teve ante os olhos a imagem de uma órfã tentando defender-se com a espada. -Já me dei conta disso quando nos conhecemos. Mas se é capaz de participar do jantar sem nos envergonhar diante de Priscilla, me darei por satisfeito. -Se chegar a fazer algo… inconveniente, seria só porque Belle-mère não se deu conta de ensinála ou porque nosso modo de fazê-lo não é lógico. Possui uma mente muito precisa, e aprende tudo com vertiginosa rapidez… Belle-mère não teve que corrigi-la duas vezes pela mesma coisa - voltou a sorrir-. Resulta muito gracioso ver nossos costumes e nosso comportamento diário através de seus olhos! -Já vejo que é uma grande defensora dela. Eu esperava que pudesse ser como uma irmã para ti, mas se lhe tomaste carinho, me alegro. -É mais que carinho! Tem um grande senso de humor e é muito atenta, embora saiba que eu não sou nem a metade de preparada que ela. Nunca me aborreço em sua companhia. Tem uma perspectiva sempre nova sobre as coisas, e nunca se sabe o que vai fazer ou dizer. Tendo em conta o exigente que era a mãe de Priscilla, aquela última confidência não era muito tranqüilizadora.

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-Bom, espero que não se mostre muito… entretida diante da senhora Standish. Ela é bastante… convencional. -Insuportável e despótica, diria eu, mas como será sua sogra, me calo. -Se for tão indulgente com as falhas da senhorita Lambarth, também o serei, mas agora tenho que ir. Tenho que jantar em Grosvenor Square e logo encontrarei com Dix no White's para brindar por meu compromisso. Charis enrugou o nariz. -O que significa que beberá em excesso e voltará para casa cambaleando. Adam pôs-se a rir e ofereceu a mão a sua irmã para levantá-la do sofá. -E o que sabe disso, menina? Celebrarei esta providencial solução a nossas dificuldades, e me alegrarei ainda mais de que você possa desfrutar de sua apresentação sem que eu tenha que me preocupar dos gastos que conduz. Os dois irmãos saíram de braço dado ao vestíbulo. Charis beijou a bochecha de seu irmão e disse: -Eu também me alegrarei se sair tudo bem. E com esse comentário partiu, deixando seu irmão pensativo e incômodo. A última hora da tarde, vestida com uma de suas novas camisolas de seda sob a bata larga de cetim de cor verde esmeralda forrada de pele, Helena desceu à biblioteca depois de ter ficado conversando com as mulheres a sua volta no concerto ao qual haviam assistido e que seria, segundo tia Lillian, praticamente o último evento que assistiriam sem ela. Estando já seu guarda-roupa completo e sendo que havia assimilado tão rapidamente as regras básicas de comportamento em sociedade, sua tia queria que Helena começasse a acompanhá-la a visitar suas amigas. Com duas delas, Lady Pulôver e a senhora de Drummond Burrell, podia-se contar para que a convidassem a todas as reuniões importantes no Almack’s. Uma vez que Helena tenha aparecido ali, poderia esperar toda uma enchente de convites a excursões, concertos, baile, baile de máscaras e cafés da manhã no campo. Embora Helena estivesse mais interessada em assistir às reuniões da Sociedade Matemática, os concertos da Philarmonic Society e as exposições de arte na Royal Academy, havia expressado sua ilusão por assistir a tais delícias, que era o que se esperava dela. Seu primeiro acontecimento noturno seria, conforme havia dito sua tia naquele mesmo dia, o jantar que iam dar em honra do compromisso de lorde Darnell com a senhorita Priscilla Standish. Mesmo que sem razão, Helena havia se surpreendido, e desiludido ao saber a notícia do compromisso. Tinha que admitir que ele a intrigava, sobretudo porque era muito diferente dos

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homens que havia conhecido em sua infância e juventude. Abrigava a esperança de poder conhecêlo quando sua tia Lillian a julgasse apta para aparecer em público, já que havia estado evitando-o durante o mês que esteve vivendo sob seu teto. Mas conforme havia lhe dito Charis, que por certo não parecia muito entusiasmada com a notícia, a família não podia esperar vê-lo com assiduidade. Ao menos, pensou com um suspiro, quando voltasse a vê-lo, agradar-lhe-ia comprovar as melhoras obradas em sua aparência. Entrou na biblioteca e se sentou no sofá. Harrison havia confirmado que Darnell ficaria fora até tarde ocupado em suas celebrações, de modo que tinha pedido para a criadagem que acendesse o fogo e que levassem os candelabros a mais que utilizava quando ficava levantada até tarde, lendo. O calor da chaminé fez que a bata forrada de pele que usava para o resto da casa não fosse necessária, de modo que a retirou. Havia um espelho junto à chaminé e se olhou nele. Certamente havia melhorado e muito. Quase um mês das refeições da cozinheira haviam preenchido os ocos de debaixo de suas maçãs do rosto e havia acrescentado algo de carne aos ombros e aos seios que se desenhavam sob a seda de sua camisola de pescoço alto e manga larga. Seguia tendo o cabelo por domesticar, era muito alta e tinha os olhos muito grandes, mas não estava mal. Seu guarda-roupa ia ser exemplar, sem dúvida. Embora alguém pudesse criticar os cores, nem o olho mais exigente poderia colocar defeitos no feitio e nem à qualidade dos tecidos. Inclusive os desenhos haviam sido melhorados sutilmente por sua nova criada de quarto. Nell havia justificado mais que de sobra o risco que havia corrido ao empregá-la. Não só era uma magnífica costureira, mas também possuía um sentido inato do estilo que combinava com os gostos de Helena, o que lhe permitia sugerir toques que realçavam a simples beleza de seus trajes. Sempre disposta para as tarefas que desejasse lhe encomendar, modesta, calada e simples, havia se adaptado à casa sem despertar nem um só comentário contrário. Inclusive tia Lillian havia ficado impressionada por sua competência. Graças a seu caráter observador, Nell a informava das notícias que corriam pela cidade e entre os serventes, o que era uma valiosa fonte de informação sobre o mundo exterior já que, como não queria arriscar-se a ser descoberta, não havia voltado a arriscar-se a sair. Embora depois de três semanas de inatividade forçosa inclusive aceitaria unir-se aos cristãos na areia do circo romano com intento de sair da casa. O atributo mais valioso de sua nova empregada era, entretanto, sua predisposição para responder qualquer pergunta que pudesse ocorrer o sem mostrar inquietação, vergonha ou estranheza. Acomodou-se no sofá com uma taça de vinho e colocou às costas as almofadas de seda com

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que havia adornado o sofá, e com a bata sobre as pernas, abriu o livro. Várias horas depois, o ruído da porta principal da casa ao abrir-se retumbou no silêncio da noite, afastando-a da leitura. Logo se ouviram passos a um ritmo instável. Devia ser lorde Darnell, pensou. Com algumas taças a mais. Era exatamente o que o pessoal havia predito e Nell lhe havia contado ao levar a camisola. Viu-se obrigada a contar algo de seu passado, e a jovem havia feito o mesmo, de modo que tinha criado um elo de união entre elas que nunca teria entre outra dama da alta sociedade e sua criada. Todos haviam estado de acordo em que o patrão celebraria seu compromisso a todo o estilo, sendo que ia casar com uma rica herdeira e era o que qualquer cavalheiro que se apreciasse faria para salvar sua família, já que, e segundo Nell, a família Darnell estava na bancarrota. Helena compreendeu melhor então por que lorde Darnell havia decidido casar-se tão repentinamente, e se alegrou de estar correndo com seus gastos. Lorde Darnell seguiria subindo até seu quarto, disse-se Helena, e continuou com sua leitura, mas quando as velas da mesa que tinha ao lado se balançaram, deu-se conta de que os passos haviam seguido, mas não escada acima, mas sim até a biblioteca… aonde lorde Darnell havia chegado e em cuja porta tinha ficado parado, olhando-a. ***

Capítulo 10 Adam havia chegado à porta principal de sua casa com a ajuda de Dixon, mas havia se negado a aceitar ajuda para alcançar seu quarto, de modo que tinha conseguido subir o primeiro lance de escadas golpeando-se somente uma vez na tíbia. Felicitando-se por seu êxito, estava a ponto de atacar o segundo lance quando uma meia lua de luz que emanava de debaixo da porta da biblioteca chamou sua atenção. Teriam deixado acesas as velas? A possibilidade de que uma negligência assim pudesse significar um pavoroso incêndio o limpou um pouco, deu meia volta e se dirigiu à biblioteca. A onda de calor que o golpeou o rosto ao abrir a porta acelerou o pulso até que se deu conta de que o fogo que ardia estava bem contido dentro da chaminé. O batimento do coração havia começado a acalmar-se quando viu a garota reclinada no sofá. Seu cabelo, uma cascata de cachos de cabelo negros com reflexos da cor do cobre emoldurava o rosto e caía sobre os almofadões nos que estava recostada. Uma camisola de seda branca delimitava

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sua forma, fechada como era do pescoço, passando por cima de seus ombros arredondados e insinuando inclusive seus seios até ficar coberto pela bata com que cobria as pernas. Depois de um instante contemplando extasiado o movimento rítmico daqueles seios perfeitos, seu estupefato olhar subiu de novo até seu rosto. Sua pele parecia tão branca quanto seu rosto, a não ser pela cor rosada que tinham suas bochechas e seus lábios carnudos, que pareciam pedir a gritos que alguém os mordesse. Teria visto aquela jovem no camarote da ópera? A visão sorriu. -Bem-vindo a casa, lorde Darnell - saudou com um murmúrio grave e gutural, tão sensual quanto o resto de sua pessoa. Desorientado por um momento, olhou a seu redor. Mas… sim, o que havia no canto era sua mesa, e o retrato de seu pai jovem pendurado em cima da chaminé, e seu sofá era sobre o qual a jovem estava reclinada. Fosse quem fosse que estivesse ali, sua beleza exótica estava dirigida a ele em sua própria biblioteca. E se não fosse porque a biblioteca estava já tão cálida como uma noite de verão em Portugal, teria sentido que a testa umedecia de suor e que seu corpo reagia avivando-se. Como teria terminado aquela estranha beleza em sua casa? Seria uma recompensa do céu? Indeciso, aproximou-se do sofá. Poderia subir a seu quarto sem que ninguém despertasse, ou seria melhor fechar com chave a biblioteca e desfrutar daquele manjar? -A enviaram para me ajudar a celebrar? -perguntou por fim- Vejo que já tem uma taça de vinho. -Não é que tenham me enviado, mas brindarei por sua felicidade - respondeu com sua voz aveludada. -Já bebi mais que suficiente, mas suponho que poderíamos começar por aí - respondeu, e se serviu uma taça- Embora esteja mais interessado em explorar suas… outras habilidades. -Outras habilidades? A que… se refere? Assim era tão pronta como surpreendente. Que pena que tivesse bebido muito para poder seguir seu jogo. -Esperava que você pudesse… demonstrá-las. Mas antes… - aproximou-se do sofá e deixou sua taça- por que não me ajuda a me pôr mais cômodo? Já havia desabotoado os botões da jaqueta quando subia pela escada, de modo que se livrou do colete. Ela seguiu o gesto com o olhar e ruborizou. Aquela inocência fingida o fez arder ainda mais. -Parece que já está bastante… cômodo, milord. O melhor será que lhe desejar uma boa noite. “Que velocidade!”, pensou Adam.

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-Uma excelente idéia! -disse sorrindo. Mas ao aproximar-se com intenção de abraçá-la, a moça elevou o braço, mas não para convidá-lo a aproximar-se, mas sim para afastar uma mecha de cabelo da face. Então o viu. O polegar tinha uma longa cicatriz que atravessava a palma da mão e terminava mais à frente do punho da camisola. Adam tentou que seu cérebro atordoado pelo álcool lembrasse a quem pertencia àquela mão até que de repente, como se tivesse recebido um golpe no peito, a reconheceu. Aquela moça não era um exótico pássaro contratado em algum dos mais exclusivos bordéis da cidade pelo condenado do Dix para celebrar o fim de seu celibato, mas sim a moça virginal que sua mãe havia adotado, a jovem a qual tinha convidado a sua casa quase como protegida. A senhorita Helena Lambarth. A enormidade do engano que havia estado a ponto de cometer o deixou sem fala. Mas ela não. Helena o agradeceu por permitir usar sua biblioteca, desculpou-se pelo excessivo calor que reinava na habitação e o assegurou que tinha se ocupado de pagar os gastos que gerasse o carvão consumido a mais e as velas. Seu brinde final com o último gole de vinho em sua honra e o de sua prometida resolveu o assunto. Ele continuava olhando-a boquiaberto quando ela, depois de recordá-lo que não se esquecesse de apagar as velas antes de abandonar a habitação, levantou-se, pôs sua bata, fez uma leve cortesia e saiu. Adam se levantou tarde à manhã seguinte. A cabeça doía tanto como tinha predito Dix, mas seu desconforto físico era menor comparado com o desgosto que lhe produzia o encontro com a senhorita Lambarth em sua biblioteca. Aquelas alturas, a raiva que tinha inspirado ao destino já havia esfriado, deixando em seu lugar fúria e vergonha por ter ficado como um estúpido. Tinha tido sorte de que a senhorita Lambarth não tivesse saído correndo e gritando despertando todo o mundo, incluindo sua tia, a quem teria tido que dar explicações bastante embaraçosas. Mais valia dar com alguma explicação convincente e a ter preparada para a próxima vez que se encontrasse com a senhorita Lambarth. E ele que pensava que sua inocência era toda fingida, um estudado truque para acendê-lo ainda mais… oxalá fosse de verdade e não se inteirou o que ele pretendia. Seu assistente o barbeou em silêncio, algo que Adam agradeceria eternamente, e após tomar uma tigela de seu magnífico remédio para as manhãs de ressaca, chegou à conclusão de que as tarefas desagradáveis, quanto antes as resolvesse, melhor. Sendo que havia se inteirado, ouvindo

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falar com os serventes, de que a senhorita Lambarth se levantava cedo e tomava o café da manhã no pequeno salão da parte de trás da casa, decidiu apresentar-se ali, e se com um pouco de sorte a encontrava sozinha, pediria desculpas antes que chegasse o resto da família. Estava bem empregado por deixar tudo o referente à jovem nas mãos de sua Belle-mère. Se tivesse mostrado o mínimo interesse em seus progressos, em lugar de estar totalmente concentrado em seus assuntos, a teria visto dúzias de vezes as últimas semanas e não teria ficado deslumbrado por sua milagrosa transformação. Depois de vestir-se com supremo cuidado para encarnar o papel de irmão mais velho, desceu as escadas, o qual provocou uma série de ferroadas em sua cabeça ainda mais desagradáveis por saber o que viria. Quando chegou à porta do salão, ainda albergando a desatinada esperança de que a jovem tivesse decidido subir o café da manhã em uma bandeja a seu quarto, a encontrou sentada em uma pequena mesa. Em lugar de camisola e bata a encontrou com um vestido de cor turquesa confeccionado em um tecido que bem poderia ser de festa, mas que a cobria desde debaixo do queixo até os pés. Devia ter ouvido aproximar-se porque estava virada para ele e o olhava com esses seus enormes olhos, e a contraluz que oferecia com a mesa escura realçava a esbelteza de sua figura e a curva de seus seios. Sentiu um repentino calor e uma reconhecível tensão no ventre, e bastou vê-la para dar-se conta de que sua percepção não havia estado alterada pelo álcool a noite anterior. A suave luz daquela manhã, a senhorita Lambarth resultava tão sensual como junto às chamas da chaminé. O desejo, não menos intenso por não ser desejado, atravessou-lhe de ponta a ponta enquanto contemplava aqueles lábios carnudos, o brilho exótico daqueles olhos escuros, aquele simples vestido abotoado sobre a curva de seus seios. Em sua memória apareceram aqueles mesmos seios quase descobertos por um véu de cetim que desenhava a protuberância de seus mamilos. O suor umedeceu a testa e teve a sensação de que levava a gola da camisa muito apertada. Teria que se desfazer dessas imagens como fosse. Não só eram totalmente inapropriadas, tendo em conta que a senhorita Lambarth era praticamente sua protegida, mas também, além disso, estava comprometido com outra mulher. Amaldiçoando sua sorte, tentou sorrir. Sua vida, disse a si mesmo enquanto entrava na sala, acabava de complicar-se enormemente. ***

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Capítulo 11 Helena sentiu que fraquejava o sorriso quando lorde Darnell cravou nela seus olhos, com aquela expressão ainda mais impenetrável. Entretanto, embora seu semblante seguisse ameaçador, a intensidade que viu em seu rosto - antes que seus olhos nublassem, lembrou-lhe sua aparição da noite anterior, na biblioteca. Ficara surpresa que a porta se abrisse desse modo, mas relaxou imediatamente, assim que viu de quem se tratava. Depois de viver na casa de lorde Darnell durante quase um mês, e como haviam elogiado seu caráter, desde sua própria mãe até a criadagem, não tinha se preocupado em estar a sós com ele, ainda que estivesse bêbado. E mais: dar-se conta disso havia sido engraçado, sobretudo ao notar que não tinha nem idéia de quem era, o que tinha provocado nela uma profunda satisfação, já que indicava que seu aspecto havia mudado muito. Mas só até quando se deu conta da intensidade de seu escrutínio. Foi isso o que tingiu de vermelho as bochechas e endureceu seus mamilos. Embora já sentisse calor por estar junto ao fogo, uma onda de calor emanou de seu interior. Já o achou atraente ao vê-lo pela primeira vez no escritório do advogado, mas aquela sensação havia sido apenas nada, comparada com o cataclismo que havia experimentado na noite anterior. Seu olhar daquela manhã havia voltado a despertar todas essas sensações. Incompreensivelmente, tudo aquilo produzia em seu interior mais… excitação que alarme. Deveria perguntar a Lady Darnell o que podia significar. -Bom dia, milord - saudou, e viu que ele fechava os olhos ao ouvir o entrechocar da porcelana. Com certeza, tinha que ver com a celebração do dia anterior. Ele se inclinou levemente e voltou a fazer uma careta ao elevar-se. Custou muito não rir. -Senhorita Lambarth, me permita me desculpar por minha… intrusão de ontem à noite. Espero que perdoe meu… atrevimento. -Já que fui eu que havia entrado em sua biblioteca, não há nada que perdoar. Além disso, é mérito de Lady Darnell, que melhorou meu aspecto, que não tenha me reconhecido imediatamente. Ele ruborizou ainda mais e Helena sentiu mais vontade ainda de rir. -Certamente, tenho que reconhecer que não se parece nada com a órfã que trouxe aqui faz um mês. Foi uma transformação deliciosa, sem dúvida. Mas, mesmo assim, devo… A porta se abriu de repente e apareceu Lady Darnell, que ficou cravada no lugar ao vê-los juntos.

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-Adam, o que faz aqui tão cedo? Estragou a surpresa! Tinha pensado apresentá-lo à nova Helena hoje, antes que a senhorita Standish e sua família chegassem para jantar. Está muito mudada, não é? -perguntou, abraçando Helena. -Certamente - respondeu. -Mas uma mudança encantadora, não lhe parece? -insistiu. -É toda uma obra-prima, Belle-mère. Está deliciosa. Com um sorriso satisfeito, Lady Darnell o abraçou. Quando seus olhares se cruzaram por cima da cabeça de Lady Darnell, seus olhos se obscureceram e uma corrente atravessou o ar entre eles. E do mesmo modo que teve a certeza de que ele a havia sentido também, soube que não tinha nenhuma graça. -São muito amáveis comigo. O que ocorre é que tia Lillian e a costureira foram tão hábeis que conseguiram me deixar apresentável. Mas agora, tia Lillian, me fale do jantar desta noite e me diga no que posso ajudar. Algo parecido a alívio brilhou no olhar de lorde Darnell. -Sim, Belle-mère - disse ele- Embora suponha que o melhor que eu posso fazer é não estorvar. O noivo sempre atrapalha quando as damas organizam esse tipo de coisas, não é assim? Lady Darnell pôs-se a rir. -O que deve fazer é não se esquecer da hora em que vai chegar sua noiva. Helena se perguntou se lorde Darnell temia que revelasse o ocorrido na noite anterior à sua tia. Teria sido seu comportamento e seus olhares algo inapropriado? Mais coisas sobre as quais pensar… apesar do desconforto inicial de lorde Darnell parecer ter diminuído, seguia parecendo ansioso por partir. Estava explicando a sua tia que tinha vários compromissos, que o manteriam ocupado praticamente todo o dia, até a hora da chegada de sua prometida. -É compreensível que esteja ocupado - interveio Helena- Charis e eu ajudaremos tia Lillian em tudo o que seja necessário. -Obrigado, filha, mas sei que tem lições pela manhã e pela tarde, e não quero que as perca. -Grego e dança, e ambas podem ser adiadas. O jantar de compromisso de lorde Darnell é muito mais importante. -Que formal soa lorde Darnell! -interveio sua tia- Não acha que seria mais cômodo para Helena que o chamasse de Adam, embora seja só nos limites desta casa? O modo que a olhou confirmou que a sugestão não o agradava, e para salvá-lo do momento,

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inventou uma desculpa. -É que nos conhecemos tão pouco, tia Lillian. Não posso chamá-lo Darnell? Se me acostumar a chamá-lo de outro modo, poderia cometer um engano quando estivermos acompanhados. Se lhe parecer bem, milord. -Como se sentir mais cômoda, senhorita Lambarth. Desiludida por não poder convencê-los que se mostrassem mais íntimo um com o outro, Lady Darnell continuou: -Será como preferirem, é obvio. Mas este jantar é sua primeira aparição em sociedade, e desejo que tenha tempo para se preparar. De fato, acredito que Adam convidou alguém especial para que conheça. Bennett virá para o jantar, não é? Lorde Darnell se sobressaltou como se tivesse esquecido. -Sim. Dix estará presente. -Bennett Dixon - explicou tia Lillian- É o melhor amigo de Adam desde que era menino. Foram a Eton e Oxford juntos e em seguida se formaram no mesmo corpo de húsares. Estamos seguros de que Bennett ajudou Adam a voltar dessa horrível guerra. É quase como um filho para mim. -Dix e eu sempre cuidamos um do outro - afirmou lorde Darnell com um sorriso. -Com o futuro de Adam resolvido, devemos nos concentrar na apresentação de Charis… e na tua, querida Helena. Adam deve dizer a Bennet que terá que dançar com as garotas durante sua apresentação no Almack's, o mesmo digo a você, se à senhorita Standish parecer bem. Podemos fazer sua apresentação formal no mesmo baile que o de Charis. Será o acontecimento mais feliz! -Ficarei encantada de participar do que você me peça, tia querida, mas preferiria que o baile de apresentação fosse só para Charis. Deve estar anos esperando esse evento, e não quero afastar a atenção dela, embora seja só uma fração de segundo. Esse momento deverá só dela. -Um sentimento muito nobre - disse Charis, entrando naquele momento no salão- mas impossível de todo modo, querida. Assim que a sociedade veja o tipo de dama que é, farão fila à porta desta casa para solicitar sua presença, e seria uma loucura que pretendêssemos mantê-la escondida. E, além disso, desfrutarei muito mais do baile se você estiver nele e possa compartilhá-lo contigo. Helena abraçou Charis. -Como quiser – disse, comovida. -Irão causar sensação, meninas! -exclamou Lady Darnell, sorrindo- Os cavalheiros pisarão uns nos outros para vir cortejá-las. Talvez celebremos três núpcias este ano!

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Aquele comentário cortou a alegria de Helena. Se sua tia pretendia que esse baile marcasse o início de uma corrida nupcial, melhor esclarecer o quanto antes sua opinião a respeito. -Serei a primeira em me satisfazer da felicidade de Darnell e Charis, mas tia Lillian, não tenho intenção de me casar. Nem este ano, nem nunca. Os três se voltaram para olhá-la em silêncio. -Não havia dito isso, Darnell? -perguntou- Foi quase a primeira coisa que lhe disse quando nos reunimos na casa do advogado: que pretendia ter minha própria casa só, e embora todos são agora muito queridos para mim, essa intenção não mudou. -Eu… - balbuciou Lady Darnell- imagino que posso compreender que sua… desafortunada juventude a tenha feito desconfiar dos homens, mas quando aparecer o adequado, sem dúvida mudará… - Não ocorrerá nunca – interrompeu, decidida a exterminar qualquer esperança que pudesse ter- Sinto muito, tia Lillian, mas estou absolutamente decidida. De repente, se deu conta de que sua implacável oposição ao matrimônio podia fazê-la parecer ainda mais estranha que seus vestidos, e acrescentou: -Se meu desejo de permanecer solteira resulta embaraçoso para a família, talvez devesse começar a buscar outra residência. Para seu alívio, Lady Darnell e Charis protestaram imediatamente e, após prometer que respeitariam seus desejos, a conversa voltou ao jantar daquela noite. Mas lorde Darnell não disse nada, e depois de acabar o café, despediu-se das três com uma leve inclinação e saiu. Parte da luz da manhã se foi com ele. -Tia Lillian - disse, aproveitando sua ausência- o que significa quando um homem olha fixamente uma mulher? Lady Darnell deixou sua xícara e pôs-se a rir. -Andas lendo os romances de Charis? Em seu caso, eu diria que significa que o cavalheiro estava admirando seus formosos olhos, que na verdade o são, e muito. -E se o que olhasse fosse minha… pessoa? -perguntou, mudando a palavra «seio» no último momento. Lady Darnell franziu o cenho e olhou Charis. -Sua pessoa? Quer dizer que alguém esteve… observando-a? Antes que Helena pudesse responder, sua tia abriu os olhos de par em par e exclamou: -Essa viagem desde Cornwall e você sozinha! Por acaso algum homem disse algo ofensivo? E

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aquele vestido tão curto! Ver seus tornozelos devia incitá-lo. -Meus tornozelos podem… afoguear alguém? -certamente a presença de lorde Darnell sempre estava acompanhada de calor, mas… - Que tipo de… calor? Tia Lillian parecia cada vez mais inquieta. -Pois poderia significar que esse homem sente desejos de… tocá-la, uma perigosa ofensa que sempre terá que evitar, razão pela qual as jovens solteiras não devem aventurar-se a sair sem ao menos uma criada que as acompanhe para proteger sua virtude. Helena franziu o cenho. -Diz que ver meus tornozelos pode provocar um calor perigoso em um homem, entretanto me animou que meus vestidos mostrassem o seio e os ombros… por que essas partes mais íntimas não iriam suscitar um calor ainda menos desejável? -Bom, suponho que não fica mal suscitar uma determinada reação em um cavalheiro como Deus manda. -Um cavalheiro da alta sociedade era o que queria dizer. -Ficaria bem que um cavalheiro dessa classe me olhasse desse modo? -Sim. Bom, não! É aceitável mostrar-se diante de verdadeiros cavalheiros que tenham a educação suficiente para não tentar tomar liberdades… se deve provocar o tipo de admiração em um homem que o empurre a pedi-la em matrimônio. Por fim Helena descobriu o fio condutores. -Ah. Assim que um cavalheiro que me olhe desse modo me deseja para procriar, não? -Helena! -exclamou sua tia, abanando-se-.Não volte a dizer uma coisa assim! Charis, onde estão meus sais? Helena se levantou angustiada por ter criado tal comoção, e Charis aproximou o frasquinho do nariz de Lady Darnell. - Acalme-se, mamãe! Deixe-me acompanhá-la a seu quarto. -Sinto muito, tia Lillian. Lady Darnell levou as mãos às têmporas e não respondeu. -Ficará melhor quando tiver descansado um pouco - disse Charis por cima de seu ombroVoltarei em seguida e falaremos. Como não podia fazer outra coisa além de esperar, Helena aguardou que Charis voltasse, sentindo-se culpada e exasperada. Não era de estranhar que lorde Darnell não tivesse querido falar de seu encontro diante de sua Belle-mère. Ao que parecia, a alta sociedade tinha regras que governavam o que a natureza regia de um modo muito mais direto. Charis apareceu alguns minutos mais tarde.

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-Os nervos de Belle-mère se alteram com muita facilidade – disse quando Helena tentou voltar a desculpar-se- É só lembrar-se da tarde que chegou. Como terá podido comprovar, sua pergunta é muito delicada e não é comum que seja feita. Normalmente é a mãe de uma garota que lhe explica como suscitar e responder o interesse de um cavalheiro, mas suponho que nunca explicaram tal coisa a você. -Importaria muito de fazê-lo? Charis sorriu. -Posso compartilhar contigo o pouco que sei, mas a verdade é que às garotas não se explica muito. Aprendi mais, vendo os cavalos em Claygate Manor, do que minha mãe pudesse me contar! Os cavalheiros sabem mais, é obvio, mas… -Não se pode perguntar a eles. Charis pôs-se a rir. -Exato! Eles parecem… desejar às mulheres por impulso, quase do mesmo modo que os garanhões procuram as éguas. Parece que é um impulso muito forte, porque às garotas dizem que nunca devemos ficar a sós com um homem que não seja de nossa família, a menos que estejamos comprometidas com ele. Se alguém a olhou desse modo, deveria dizer a Adam. Agora que vive conosco, é responsabilidade dele protegê-la. Não lhe pareceu adequado dizer que havia sido precisamente lorde Darnell quem tinha a olhado desse modo. -Estou em perigo com esse homem?

-Esta parte é mais complicada - admitiu Charis- É aceitável despertar desejo em um homem, porque ele sabe que não pode atuar deixando-se levar por seus impulsos, a menos que esteja disposto a casar-se com a mulher que os desperta. Seria perigoso despertar desejo em um homem que não fosse de sua classe, porque fossem quais fossem suas intenções, não poderia se casar com ele. Os pais e os irmãos protegem às mulheres de sua família de tais relações. -Então, os homens devem suportar seus desejos até que se casam? Deve ser muito… incômodo. -Bom, há certo tipo de mulheres que ganham a vida satisfazendo os desejos dos homens. As bochechas de Charis, que já estavam rosadas, ruborizaram. -E conhece alguma delas? -perguntou Helena, fascinada. -Claro que não! -exclamou, rindo- Isso seria muito impróprio! Uma jovem de boa família não deveria saber que tais criaturas existem. Se topar com uma no parque ou na ópera, deve fazer como

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se não a tivesse visto. -Então, resumindo: fica permitido que um cavalheiro a olhe com desejo, ou que você deseje a ele, se irá se casar? Charis levou as mãos às bochechas. -Sim, embora seja muito atrevimento admiti-lo. Um casal que esteja comprometido pode se beijar e abraçar-se, e tanto se é atrevido ou não, quero que o homem com quem vá me casar, desejeme e não a uma dessas outras mulheres. Mas é obvio uma jovem nunca deve… -Falar disso - concluiu- Não me estranha que a pobre tia Lillian tenha ficado assim. Obrigada, Charis, por se atrever a me ilustrar. Acha que a tia terá se tranqüilizado o suficiente para que possa lhe pedir perdão? -Sim. Subamos. ***

Capítulo 12 No jantar que devia ser a celebração de seu triunfo, Adam estava sentado à mesa, tenso e nervoso, tentando que sua atenção não se separasse de sua prometida e de sua mãe, para aproximarse da senhorita Lambarth, sentada perto de sua Belle-mère e do senhor Standish, acomodado ao outro extremo da mesa. Poderia tentar se convencer de que só o preocupava o fato de que Priscilla se sentisse incomodada, se derramava o vinho ou se utilizava o garfo errado. Mas seria mentira, e sabia. Simplesmente não podia ignorar sua presença. Uma consciência intangível e não desejada daquela mulher o incomodava constantemente, como os mosquitos nas noites peninsulares, aos quais era impossível ignorar ou liquidar. Nada em seu comportamento deveria lhe atrair daquele modo, já que empregava os talheres perfeitamente, e realizava todos os rituais impostos pela cortesia. Sua conversa era perfeitamente convencional: animava o senhor Standish a falar das técnicas de exploração das terras que empregava em suas propriedades. E, apesar de que seu simples vestido de seda de cor violeta a cobrisse até debaixo do queixo, de que não bebia nada estranho, nem havia comprometido de nenhum modo as regras de etiqueta, nada podia mascarar a apaixonada intensidade que irradiava de sua pessoa, e que chegava a todos os homens presentes na sala. Os olhos saltados do primo de Priscilla e herdeiro de seu pai, Francis Standish, não haviam se

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afastado de seu rosto nem um instante, e o pai de Priscilla tampouco podia, enquanto falava de colheitas, afastar o olhar dela, enquanto Helena sorria e assentia. Inclusive Dix, que conversava amigavelmente com seus vizinhos de mesa, aproveitava toda oportunidade para voltar-se para olhá-la, como um cão de caça que andasse atrás de uma presa. Não podia ser de outro modo. Sem pretender, aquela moça exsudava sensualidade. Tendo em conta o que já sabia, de como a havia tratado seu pai, podia compreender seu repúdio inicial ao matrimônio. Entretanto, casá-la seria o melhor modo, o mais conveniente, socialmente falando, de se livrar dela e da tentação que criava para ele… e o quanto antes, melhor. Mas, no momento, não lhe ocorria desculpa alguma para impedir que seguisse sob seu teto. Voltou a olhá-la apenas um instante e, em um décimo de segundo que seus olhos se encontraram, voltou a sentir uma pontada tão intensa, que quase desejou estar no barro da Bélgica, cavalgando sob o fogo inimigo, que ali em Londres, tendo que compartilhar a mesma casa.

À medida que foi avançando o jantar, descobriu que o problema não era só questão de luxúria. A atenção que prestava ao senhor Standish, apesar de que o homem era aborrecido como uma ostra era total: o animava a falar com suas perguntas, e parecia estar completamente absorta em suas respostas. Do mesmo modo havia conseguido que a prima de sua prometida, Emily, uma jovem bastante tímida, fosse incluída na conversa, em lugar de aproveitar-se da curiosidade que despertava em todos os membros da família de Priscilla, inclusive nos femininos. Quer dizer, a jovem era o vivo exemplo da amabilidade e a modéstia, algo que justificava a consideração em que a tinham Charis e sua mãe. Sentiu-se tentado a murmurar uma maldição. Não queria admirá-la, nem sequer gostar. E, em seguida, tinha se dado conta de que, precisamente a Priscilla, ela não agradava o que havia ficado claro, ao se encontrarem no salão antes do jantar. Em parte era culpa sua, porque, com suas explicações, a havia feito acreditar que a jovem era uma órfã ossuda e mal educada. No breve espaço de tempo que havia passado entre seu descobrimento da transformação de Helena e a festa daquela noite, havia tentado encontrar o modo de advertir sua prometida de que a senhorita Lambarth era uma mulher completamente diferente da jovem desamparada que havia despertado sua compaixão no escritório do advogado. Mas, tendo em conta o que lhe custava controlar o desejo sexual que despertava nele, temia que, se tentasse descrevê-la, terminasse balbuciando algo muito breve ou muito detalhado, de modo que, naquela tarde nos jardins de sua casa, havia se limitado a comentar do modo mais inócuo possível a mudança que haviam conseguido fazer sua Belle-mère e sua irmã na jovem.

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Ela havia respondido que esperava saber lidar sempre com todos os membros de sua família com a benevolência que ele esperava dela… e tinha levantado o rosto para ele. Adam havia dado o beijo que ela esperava, e tinha tentado ignorar o fato de que aquele breve encontro com seus lábios não havia revolvido seu sangue, nem provocado nada parecido ao furor que a senhorita Lambarth suscitava nele, por tão somente por estar na mesma sala. Com os nervos à flor de pele, suspirou aliviado quando Lady Darnell se levantou, assinalando com isso a retirada das damas. Enfim, poderia relaxar com uma merecida taça de porto. Mal tinha se servido dessa taça quando Dix se aproximou e lhe desferiu um golpe no lado. -É um mal nascido! -espetou- A afilhada de Lady Darnell é deliciosa. A única razão pela qual não me pego a murros contigo agora mesmo, é porque me permitiu ser o primeiro em conhecê-la. O brilho acalorado dos olhos de seu amigo não havia sido despertado pela conversa da senhorita Lambarth e, embora já suspeitasse, não achou nenhuma graça a confirmação de que o efeito que surtia nos outros homens era o mesmo. -Espero não ter que lembrar a você que é uma dama o meu cuidado -respondeu- E que espero que a trate como tal. -É obvio! -respondeu Dix, um tanto ofendido- Sou um cavalheiro. Mas será melhor que vigie os que não o são. Ficarei encantado de ajudar a protegê-la, e não terá que preocupar-se que a molho babando, que é o que o jovem Standish esteve a ponto de fazer durante o jantar. Ansioso por terminar uma conversa que só aumentava seu desconforto, Adam respondeu: -Possivelmente deveria lembrar qual é o destino ao qual conduz a admiração de uma jovem. Dixon sorriu. -Admito que até agora recuse o matrimônio, mas, visto que você já deu o passo de saída, pode ser que resulte não ser o desastre que sempre havia imaginado. E pode ser que com um prêmio tão encantador como este… Encantador. Se pudesse engarrafar a essência que rodeava a jovem, as mulheres correriam às lojas para comprá-la. O futuro sogro de Adam entrou. -Ah, Darnell… a moça que sua madrasta acolheu em sua casa é bem interessante. Tinha ouvido que era um pouco estranha e que se vestia de maneira fatal, mas me parece o contrário. Fez algumas perguntas inteligentes sobre minhas propriedades. É uma delícia conversar com ela. Os olhos de Standish brilhavam do mesmo modo que os de Dix. -E no clube se diz que herdou uma enorme fortuna. Alegro-me que minha garota tenha empurrado você a decidir-se, antes que ela chegasse -pigarreou- Por certo… confio que não esquecerá seus deveres para com minha filha.

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Embora, por dentro, estivesse brigando com a atração que sentia por ela, não estava disposto a tolerar sequer que seu futuro sogro pusesse em dúvida sua idoneidade. -Quer explicar-se melhor, senhor? -perguntou, dedicando-lhe um dos olhares que, em seu tempo de militar, reduziam muitos subordinados a uma massa incapaz de falar. O senhor Standish ruborizou e deu um passo para trás. -Não, nada! Era só por conversar. É sua herança tão enorme como se diz? -Desconheço. É o advogado de sua mãe o inventariante da herança, e foi ele quem me induziu a pensar que é assim. -Conforme Francis a esteve olhando toda a noite, seguro que acerto se disser que está interessado nela. O que me diz, moço? -perguntou ao interessado- Seria um bom par, não lhe parece? Francis olhou com luxúria a porta pela que as mulheres acabavam de sair. -Acredito que poderia me convencer facilmente disso. Imaginar o gordurento Francis colocando a mão sobre Helena era tão nauseabundo, que Adam sentiu de novo a tentação de esbofeteá-lo. -Eu não gostaria de ter a responsabilidade de cuidar de uma jovem com seu atrativo continuou o senhor Standish, dando em Adam uma palmada nas costas- Terá que tirar os pretendentes de cima a chutes. Melhor que a case antes que algum malandro consiga provar seus encantos. Adam teve que lembrar-se que as intenções de Standish eram boas. -Terei em conta seu conselho - disse, tentado evitar a questão, antes que sua irritação o fizesse dizer alguma inconveniência. -Não se preocupe - disse seu amigo Dix em voz baixa, enquanto voltava a lhe encher a taçaEu mesmo me casaria com ela, antes de consentir que o pé de alface desse Francis a levasse. Deveria alegrar-se de contar com a ajuda de Dix, mas, em lugar de alívio, o que sentiu foi tanta ira, que teve que morder a língua para não responder. Ir em busca das damas e dar um ponto final à conversa pareceu uma idéia excelente. No salão, enquanto ajudava tia Lillian a servir o chá, Helena esperava que a festa terminasse. Tal e como temia, assim que passou a novidade de jantar em companhia, o encontro começou a ser bastante tedioso. Depois das apresentações e um pouco de conversa inócua no salão, entraram na sala de jantar, onde a senhora Standish dirigiu a conversa, que se mantinha em seu lado da mesa, enquanto o senhor Standish fazia o mesmo com o seu, a tal ponto que Lady Darnell quase não tinha podido

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pronunciar duas frases em toda a noite. A seu outro lado se sentava Emily, prima da senhorita Standish, uma jovenzinha delgada e insignificante, que devia sentir-se intimidada pelos parentes com os quais residia. Dava pena da garota, de modo que, nos poucos instantes em que o senhor Standish o permitia, tinha tentado travar conversa com ela. A única pessoa de interesse além de sua tia e Charis era o amigo de Darnell, o senhor Dixon. Embora estivesse sentado muito longe para poder conversar com ele, em um par de ocasiões o tinha pegado olhando-a, e em ambas lhe havia piscado um olho, como se quisesse compartilhar com ela uma piada divertida. Talvez, quando retornassem os cavalheiros tivesse a oportunidade de falar com ele. Darnell a havia ignorado. Embora tenha sido fiel a seu papel de anfitrião, respondendo a todas as brincadeiras dirigidas a ele e à senhorita Standish, sua expressão tensa parecia indicar que não estava se divertindo. E quanto à senhorita Standish, inclusive o observador mais inocente teria se dado conta de que as poucas olhadas que lhe havia dirigido não eram nem elogiosas nem agradáveis, além do que, em sua opinião, a prometida de Darnell parecia carecer de opinião própria, já que sempre seguia as de sua mãe, em qualquer assunto que fosse. Se esse comportamento era prova de como ia evoluir seu caráter, Darnell seria digno de pena. A porta do salão se abriu, e os cavalheiros entraram precedidos pelo mordomo com a bandeja do chá. Enquanto os homens se reuniam ao redor da mesa esperando suas xícaras, Helena se concentrou em sua tarefa, de não derramar algo ou esquecer o que haviam pedido. Uma sombra caiu sobre suas mãos e levantou o olhar. Era a senhorita Standish, que a olhava sem sorrir. -Que vestido tão precioso, senhorita Lambarth, e que estilo tão peculiar. Recordo que minha governanta os usava assim, bem debaixo do queixo. Deduzo, por isso, que Lady Darnell deve ter por você um grande carinho, para permitir um capricho semelhante, tendo em conta que não segue os ditados da moda. Helena olhou sua tia com um sorriso. -Não poderia sonhar com alguém mais carinhoso ou considerado que minha tia - respondeu. -Às vezes, somos muito indulgentes com as pessoas que queremos. Minha mãe sempre me advertiu que devo cuidar de algo assim, especialmente com as crianças. Você tem muito pouco tempo em sociedade para saber, senhorita Lambarth, mas o que pode parecer uma inofensiva indulgência na família pode ser interpretado pelo resto da boa sociedade como um desejo de incentivar o inapropriado. O sorriso de Helena se esfumou. Embora houvesse tentado passar por cima da crítica inicial

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da senhorita Standish, já não podia seguir as ignorando, sobretudo no referente à tia Lillian. -E que cor tão pouco comum! -continuou- Imagino que lhe senta melhor que o branco ou os tons pálidos que tendem considerar-se adequados para as jovens que são apresentadas em sociedade. Helena a olhou fixamente. Darnell estava em um canto conversando com o senhor Dixon, mas o resto dos convidados estava junto à mesa, ouvindo sua conversa. Embora lhe importasse um nada o que pensassem dela, as críticas dirigidas à sua tia, à mulher que tão amorosamente havia aceitado uma órfã sem educação em sua casa e em seu coração, estavam fazendo arder seu sangue. Consciente de que, se desse voz ao que verdadeiramente desejava lhe dizer, que era ela que, mesmo tendo sido apresentada em sociedade a um bom par de anos, tampouco lhe sentavam bem as cores pálidas; mas, como isso só serviria para incrementar o interesse da audiência, limitou-se a dizer: -Prefiro as cores intensas. -Espero que, ao menos já não use luto. O negro é uma cor tão difícil de usar… Faz mais de um ano que morreu seu pai? Ao ouvir mencionar seu pai, sua boa vontade terminou de evaporar-se por completo. -Senhorita Standish, escolhi esta cor e este tecido porque eu gostei do caimento desta seda e, embora faça menos de um ano que faleceu meu pai, nunca seria tão hipócrita para levar luto por ele. -OH! -exclamou, fingindo-se sobressaltada- Que… franca é você, senhorita Lambarth! Presumo que, depois de ter vivido sempre no campo, ainda não está familiarizada com os costumes de Londres. Espero que não repita esse comentário em um ambiente familiar menos íntimo que este, porque tão evidente falta de respeito para seu pai seria considerada muito imprópria. -Senhorita Standish, tome seu chá - disse tia Lillian com nervosismo, lhe oferecendo uma xícara- Está ficando frio. Com um sorriso satisfeito, a prometida de Adam aceitou a xícara e se afastou, enquanto Helena, ainda apertando os dentes, continuou servindo o chá. Talvez devesse começar a buscar outra casa imediatamente, certamente antes que Adam trouxesse sua esposa. Se a nova Lady Darnell ia ser tão desagradável com tia Lillian e Charis como havia sido com ela, animaria ambas a residirem com ela. Quando voltou a elevar o olhar, Bennett Dixon a estava observando. -Servir o chá é uma tarefa que requer muita concentração, não é? -É obvio, sobretudo, se for alguém com tão pouca experiência como eu. Ele sorriu, como se a acidez de seu comentário não o afetasse. -Não sei como são capazes de fazê-lo, as mulheres. Quando eu sirvo o ponche no Natal, acabo derramando tudo no prato. Lady Darnell, seria tão amável de substituir sua encantadora

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ajudante? Levo toda a tarde tentando conversar com ela. Lady Darnell, que parecia angustiada pelo intercâmbio com a senhorita Standish, animou-se. -Certamente. Helena, não havia dito que Dixon estava desejoso de conhecer você? Então Francis Standish se aproximou, e Helena conteve uma careta de desgosto. A elegância natural de Bennet Dixon a atraía muito mais que o ar composto e pomposo de Standish. -Vamos, Dix! Não fica bem que monopolize a debutante da tarde, com quem eu também quero manter uma breve conversa. Antes que Helena pudesse alegar que a debutante era Charis e seu primo o homenageado naquele jantar, o senhor Dixon respondeu: -Logo fará parte da família, Standish, e poderá vir a esta casa sempre que quiser. Os que não são tão afortunados devem aproveitar as oportunidades que se apresentam. Senhorita Lambarth? convidou-a, agarrando-a pelo cotovelo.

Tão logo ficaram longe de ouvidos indiscretos, Helena murmurou: -Ainda que agradeça o resgate, posso cuidar disso sozinha bastante bem. -Desculpe se a ofendi! -sorriu- Tenho que admitir que tem razão, mas temo que é um defeito adquirido após passar muitos anos no exército. -Serviu com Darnell, conforme me disse tia Lillian. Para onde os destinaram? -Primeiro servimos na guerra peninsular, e em seguida em Waterloo - uma sombra cruzou seu rosto- Foi tudo um episódio muito sangrento, e estou certo de que, à senhorita Standish, não pareceria um assunto adequado sobre o qual conversar no salão, mas, às vezes, ainda sinto falta da camaradagem da unidade e o sentido de ficar imerso em algo mais importante que a gente mesmo. E, é obvio do uniforme, que as damas achavam tão deslumbrante. Ela pôs-se a rir, o que, com certeza, era o que ele esperava. -Estiveram nos húsares, não? Então suponho que entende de cavalos, não é? Agora que minha tia irá me permitir sair, quero comprar cavalos e uma carruagem. -Você monta? -Só um pônei, e faz muitos anos. Terei que voltar a aprender. E preciso adquirir uma montaria adequada. -Tattersall's é o melhor lugar aqui em Londres. Quer que faça algumas averiguações em seu nome? - Agradeceria enormemente! Ou… talvez não devesse ter pedido, apesar de ser um bom amigo da família - sorriu- Imagino que Darnell já terá advertido que cresci com pouca supervisão.

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Lady Darnell fez tudo o que pôde para emendar meus erros, mas há tantas regras! Poderia pedir a Darnell que me ajude, mas imagino que estará muito ocupado atendendo sua prometida e a sua família. -Pobre Adam - murmurou ele. Helena não pode evitar rir. -Que pouco cavalheiresco de sua parte, senhor Dixon! Ele ruborizou. -Não me negará que sua mãe é um pouco… transbordante. Prefiro, sem dúvida, sua companhia. -É muito galante, senhor, mas… é então aceitável que faça averiguações sobre os cavalos em meu nome? -Certamente.

-Espero que não o considere uma imposição. Rogo que me diga se for assim, porque tenho um excelente mapa de Londres, e estou segura de que poderia encontrar eu mesma o lugar. -De modo algum. É necessário participar de quase todos os leilões, aos quais as damas não podem acessar, infelizmente. -Então, como pode… - mas decidiu não continuar- Obrigado por me advertir disso. Qualquer conselho será bem vindo, se pretendo evitar um comportamento que possa desacreditar tia Lillian disse, e olhou com amargura à senhorita Standish. -Estou encantado por oferecer-lhe a perspectiva masculina em qualquer coisa que desejar falar comigo - ofereceu, fazendo uma leve cortesia- O que lhe parece se começarmos imediatamente? Venha comigo a passeio amanhã, no parque, e mostrarei os diferentes veículos. E você poderá me indicar o tipo de cavalo que prefere. -Se tia Lillian estiver de acordo, aceito encantada. -Helena querida - chamou sua tia, sorrindo- A senhorita Standish e sua família já vão. Ajude a despedir-me deles. Como membro da família. Helena compreendeu o significado do gesto e uma pontada de afeto agridoce contraiu seu peito. Sua tia Lillian não teria a habilidade necessária para embarcar em um combate dialético com a senhorita Standish, mas pretendia que suas ações mostrassem à prometida de Adam que respaldava sem reservas à sua pouco ortodoxa sobrinha. -O que lhe parece se fixarmos uma hora para o passeio? -sugeriu o senhor Dixon, interrompendo suas reflexões. Combinaram e se despediu com uma reverência- Foi um grande

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prazer conhecê-la, senhorita Lambarth. Até manhã. Inclinou-se para beijar sua mão, e por cima dele viu Darnell, que os olhava, franzindo o cenho. Helena se virou. Darnell não podia ter nada que objetar às atenções que tinha com seu bom amigo. Apesar da intensidade da reação que experimentavam um ante o outro, seus impulsos reprodutores deviam centrar-se na senhorita Standish. Lástima como ia esbanjá-los. ***

Capítulo 13

No dia seguinte, tia Lillian anunciou que ia começar com as visitas necessárias para a apresentação de Helena em sociedade. A primeira na lista seria Lady Pulôver, amiga sua de toda a vida. Enquanto Lady Darnell se retirava para preparar-se, Charis pediu a Helena que ficasse um momento com ela. -Não pudemos falar do jantar de ontem à noite. O que achou da senhorita Standish? perguntou Charis, quando se acomodaram diante da lareira do salão. Helena não sabia o que pensava Charis da prometida de seu irmão, de modo que optou pela cautela: - Achei atraente e muito… segura de si. -Estou totalmente de acordo com você. Adam diz que era uma menina muito alegre e vivaz, mas me dá a impressão de que bem pouco resta disso nela. Parece como se estivesse sempre… medindo, como se constantemente sopesasse minhas ações e eu sempre estivesse errada. Além disso, pareceu de muito mau gosto seu comentário sobre o luto, pois qualquer um que saiba como foi sua relação com seu pai pode compreender porque não o usa. Helena sorriu. -Acredito que não gostou muito de mim. -E compreendo: é tão rica quanto ela, e muito mais bonita. -Eu? -riu- Mas se ela tem olhos maravilhosos e um cabelo loiro muito formoso. E embora agradeça muito o elogio, qualquer um que me olhe com algo de imparcialidade, não poderia me definir precisamente como uma beleza.

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-Pode ser que não no sentido mais convencional do termo, mas você tem algo que é mais… uma espécie de intensidade que te faz parecer… é como se estivesse em movimento, inclusive quando está parada. É algo que todos os homens do jantar repararam. Helena soltou uma gargalhada. -Que coisas diz! -Enfim… tenho que admitir que, apesar de não me agradar muito a senhorita Standish, suponho que deveria agradecer a Adam, que se comprometeu com ela, porque com o dinheiro que contribuirá poderá restaurar Claygate, e meu irmão poderá me dar um dote. Não será bastante elevado para me proporcionar acesso aos degraus mais elevados da alta sociedade, mas não entra em meus cálculos um casamento dessa natureza. Preferiria me casar com um homem por quem me apaixone, ou ficar solteira. -Se seu coração não encontrar o homem adequado, pode vir viver comigo quando Darnell se instalar aqui com a senhorita Standish. Mas suspeito que o celibato não seja seu destino. -Pois eu estou segura de que seu estilo de vida será excitante, tanto se casar, como se não! Mas não sou tão valente quanto você. Eu preferiria me casar, se encontrasse um homem amável, sensível, que se preocupe comigo e queira retirar-se para viver no campo, em algum lugar parecido a Claygate, onde possa criar um montão de meninos que adorem sua querida tia Helena. -Então, esperemos que a querida tia Helena não estrague o brilhante futuro que sem dúvida aguarda a mãe desses meninos com um escândalo! Anda, vamos nos vestir. Abraçaram-se e saiu cada uma para seu quarto. Uma hora mais tarde, chegavam ao salão de Lady Pulôver, abarrotado de convidados. Enquanto esperavam para falar com a anfitriã, Helena reparou que as três chamavam a atenção de um bom número de convidados que, fingindo não fazê-lo, estudava-na dos pés a cabeça. Mas a anfitriã em seguida se aproximou, e fizeram as apresentações. Lady Pulôver contemplou abertamente o vestido de Helena. -Original senhorita Lambarth. E muito favorecedor. -Nesse caso, encaixa com minha pessoa - respondeu Helena, divertida pelo silêncio que havia feito nos convidados mais próximos a elas- porque temo que eu também sou bem pouco comum. JÁ que Lady Darnell é amiga sua a muito tempo, confio em que não a culpe de meus possíveis erros. A pobre está sofrendo invisivelmente na tarefa que se impôs de me civilizar. Lady Pulôver riu. -Sua preocupação elogia os esforços de sua tia, senhorita Lambarth. Tendo em conta o vivo contraste que oferecem com as senhoritas vestidas em água e leite, temos que esperar que você cause bastante alvoroço -sorriu- Espero não perder isso.

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Lady Darnell as conduziu depois até uma matrona acomodada em um canto do salão, que foi apresentada como outra das anfitriãs do Almack, a princesa Esterhazy. Helena reparou em uma mulher de idade e bem vestida, que a observava com atenção. Cada vez que tinha olhado a seu redor, tinha se encontrado com seus olhos. -Tia Lillian, quem é aquela dama de vestido verde? -perguntou. Lady Darnell se virou para olhar na mesma direção que sua sobrinha. -Ai, Deus! É… é Lady Seagrave, querida. A mãe do cavalheiro que… -O qual minha mãe amava - concluiu, olhando-a com a mesma avidez que ela mostrava- Devo me aproximar? -Posso te apresentar se quiser, mas não seria recomendável incentivar essa conexão. Embora tenham passado muitos anos desde aquele desafortunado incidente, se a vêm freqüentemente com Lady Seagrave, pode ser que haja quem recorde as circunstâncias que obrigaram sua pobre mãe a fazer o que fez. -É de meu pai que deveriam pensar mal!-explodiu Helena. -Certamente, querida, mas quando um matrimônio não prospera sempre se culpa à mulher. Inclusive, é possível que Lady Seagrave não seja muito amável contigo. Se sua mãe não tivesse se escondido com seu filho, ele poderia ter voltado para a Inglaterra. Eu acredito que o melhor é não mexer em velhas feridas. Certamente sua tia estava certa, já que era incapaz de decifrar a expressão de Lady Seagrave. Em qualquer caso, como, à sua tia, parecia se incomodar ter que apresentá-las, melhor deixar passar. Mas o que não podia deixar passar era o desafio do olhar fixo de Lady Seagrave, de modo que se ergueu e a saudou com uma leve inclinação de cabeça, a qual a mulher respondeu com o mais leve dos sorrisos, o que deixou Helena sem conhecer a opinião que tinha dela. De repente, um cavalheiro alto e loiro olhou para elas. Seus olhos escuros brilharam e se aproximou. -Como está, madam? -perguntou, pegando a mão de Lady Darnell e fazendo uma cortesiaPode ser que não se lembre, porque vocês se retiraram a Claygate pouco depois que Adam e eu nos tornássemos amigos, mas estivemos em Oxford juntos. Nathan Blanchard. -É obvio que o recordo lorde Blanchard!- respondeu tia Lillian, com um sorriso- Permita-me apresentar a irmã de Adam e a minha sobrinha, a senhorita Lambarth. -Senhorita Lambarth, é um prazer. Estava convencido de que este anjo loiro não podia ser outra que a irmã de Adam! A última vez que nos vimos era uma menina com tranças longas, que levava nos braços um animal e ia coberta de barro.

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Charis ruborizou. -As meninas crescem lorde Blanchard. -Mas poucas o fazem com tanta formosura. Lady Darnell, deve me permitir ir visitá-las enquanto estiver em Londres. -Será bem-vindo - respondeu. -Poderei ver também Adam, ou segue com o exército em Paris? -Não, voltou faz um mês. Ficará encantado de voltar a vê-lo, isso sim, no tempo livre que lhe deixe seu recente compromisso com a senhorita Standish. -Adam conseguiu apanhar a esquiva Priscilla Standish? Pois sim que esteve ocupado! Diga que irei vê-lo para lhe dar meus parabéns. E espero também ver todas em breve. Depois de trocar algumas palavras com a princesa, Lady Darnell conduziu as garotas à porta, após pronunciar-se muito satisfeita com a visita. Queria voltar para casa porque esperava que a senhorita Standish e sua mãe fossem agradecer o jantar do dia anterior, e queria descansar antes que chegassem. Era perfeitamente compreensível que precisasse descansar antes de receber à prometida de Adam e sua exaustiva mãe, pensou Helena. Menos mal que ela ia sair com o senhor Dixon. Seu acompanhante chegou na hora combinada. Decidida a escapar antes da chegada da prometida de Darnell, Helena desceu apenas um par de minutos depois que Harrison enviou-lhe seu cartão. -Você me surpreende senhorita Lambarth! –exclamou, ao vê-la entrar no salão já disposta para sair- Quase não tive tempo de esquentar as mãos no fogo. -Talvez devesse investir em luvas mais quentes, senhor - respondeu sorrindo, enquanto a conduzia a seu coche- Mas antes que possa elogiar minha pontualidade, direi que se deve mais ao desejo de fugir da visita de determinadas pessoas que a outra coisa. Demorou apenas alguns segundos em compreender de quem estava falando. -Nesse caso, o que me surpreende é não tê-la encontrado esperando no vestíbulo. O coche aberto no qual a ajudou a subir tinha um banco estreito suspenso sobre enormes rodas. -Espero que a altura do coche não a alarme - disse Dixon ao colocá-lo em movimento- Apesar do que possa parecer, é bastante seguro, sempre que quem o conduza seja competente. Tentarei não sofrer nenhum percalço. -Duvido que tenha voltado intacto de uma guerra se fosse tão torpe como diz. Eu adoro este coche! Comprarei um assim que aprenda a conduzi-lo. -Rogo que me perdoe, mas a risco de incomodá-la tenho que dizer que não permitiria que uma

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mulher conduzisse meu coche. Ela o olhou surpreendido. -Será que às mulheres não é permitido guiar um coche? Que chato! Então alugarei um e pagarei ao condutor para que me ensine a fazê-lo. Levei muitas vezes uma carruagem puxada por um pônei e presumo que, com um cavalo, funcionarão os mesmos princípios. A princípio sua desinibição o surpreendeu, mas se recuperou o suficiente para sorrir. -Se estiver tão decidida, ofereço-me a ensiná-la. Um coche elevado é um veículo próprio de homens, e correndo o risco de parecer presunçoso, tenho que dizer que tenho mais experiência em guiá-lo que muitos choferes profissionais. Meu coche está melhor cuidado e meus cavalos são de mais qualidade que os que possa contratar. Helena o olhou com ironia. -Mas, senhor Dixon, acaba de dizer que nunca permitiria que uma mulher levasse as rédeas de seu coche. -Uma mulher em geral, não, mas uma estudante aplicada é outra coisa. -Mas não sei se estaria disposto a arriscar seus magníficos cavalos ou seu estupendo coche colocando-o nas mãos de um torpe e inexperiente condutor. -Com minha ajuda, não será torpe. O debate continuou até que chegaram ao Hyde Park. Helena admirou sãs ruas bem cuidadas e sua exuberante vegetação. Quando ocuparam seu lugar na longa fila de coches, o senhor Dixon foi instruindo-a nos diferentes tipos de carruagens. Depois de meia hora de lento progresso, o entusiasmo inicial de Helena começou a desvanecer. -Ficam muito bem os de puro sangue, senhor Dixon, mas se este é o único lugar de Londres no qual se pode passear, bastará com um velho cavalo de carga. A exasperação de seu tom o fez sorrir. -Não se vem ao parque na hora de passeio para correr, mas sim para ver e ser visto. -Será que se pode passear melhor em outras horas do dia? Digo-o porquê é uma pena esbanjar uma carruagem como esta para avançar a passo de tartaruga. -Imagino que você preferiria galopar em campo aberto, não é assim? -E há outro modo? Ele se pôs a rir. -Presumo que não. A primeira hora da manhã soube que se pode ter todo o parque somente para você. -Então virei só nesta hora. O que prefere: montar, ou conduzir o coche? Embora, talvez não

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goste de madrugar… Dixon se virou para olhá-la e Helena descobriu em seus olhos parte da intensidade que tinha visto em Darnell. -Se o espetáculo for o suficientemente tentador, madrugaria sem dúvida nenhuma. Segue o horário do campo? Helena se sentia mais incômoda com o escrutínio de Dixon que com o de Adam, e ruborizou. Talvez Charis tivesse acertado quanto ao que os homens pensavam em sua presença. -Sei que não é o que fazem as pessoas de alto berço, conforme me disse tia Lillian, mas sim, me agrada levantar cedo. Sou uma alma inquieta, como imagino que já notou e apesar do ritmo lento do passeio, está sendo maravilhoso voltar a sair depois de ter passado semanas confinada em casa. -Tinha costume de passar muito tempo ao ar livre? Diante de seus olhos apareceu a lembrança de seu quarto, dos barrotes da janela que não se podia abrir. -Não tanto como teria querido. Com muita freqüência era… obrigada a permanecer em meu quarto e jurei que algum dia passaria tanto tempo quanto fosse possível montando e desfrutando do ar livre. -Adam comentou que vivia na costa. Imagino que o clima obrigaria às damas a permanecer dentro de casa. Posto que houvesse pouco que quisesse revelar sobre sua casa e sua juventude, respondeu: -A paixão de minha mãe era montar. Como era a amazona mais experiente e mais valente que conheci, eu já montava no pônei quase antes de andar, e praticamente cresci nos estábulos. Estou desejando voltar a fazê-lo. Se notou a sua mudança de assunto, não fez nenhum comentário. -Nesse caso, e enquanto avançamos a este vergonhoso passo, poderia me indicar que tipo de cavalos a interessam mais. Durante meia hora foram analisando os pontos fortes dos diferentes puro sangues e morfologias dos animais de cela com os que iam cruzando. Quase haviam concluído a primeira volta ao parque quando uma comoção de coches os deteve por completo. Acomodada em uma carruagem, o motivo do congestionamento era uma mulher de cabelo tão loiro que era quase branco, e que usava um vestido vermelho cujo decote era o mais amplo que Helena havia visto em sua vida. Naquela distância, não podia ter certeza da cor dos olhos da mulher em questão, mas levava os lábios e as bochechas tão rosadas que era óbvio que havia recorrido à maquiagem. -Quem é essa dama? -perguntou a seu acompanhante… que, por certo, a contemplava

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extasiado. Como se fosse um menino ao qual pegassem em uma travessura, o senhor Dixon afastou o olhar e ruborizou. -É uma dessas mulheres… complacentes? -insistiu, mas como viu que ele ruborizava ainda mais, não precisou esperar sua resposta- Imagino que sim. Desculpe-me, rogo. Charis já me avisou que não devia mencionar a existência dessas mulheres. Enquanto seu acompanhante permanecia mudo, Helena moveu a cabeça e suspirou. -Tenho que dizer que já encontrei com um grande número de assuntos interessantes dos quais se supõe que não se deve falar. Mas o incomodei, assim que, prometo não voltar a olhá-la e fazer que a conversa volte para assuntos mais convenientes. Embora, na realidade, o que pensava é que teria que encontrar um modo de falar com uma dessas mulheres, que certamente eram os únicos membros do sexo feminino que possuíam a experiência e a disposição de falar do fascinante assunto dos homens, as mulheres e o desejo. As carruagens voltaram a se colocar em marcha e, ao voltar-se para seu acompanhante, o encontrou olhando-a fixamente. Arqueou as sobrancelhas e ele riu. -Você é uma mulher surpreendente, senhorita Lambarth - disse, movendo a cabeça- Os cavalheiros não falam de certos… assuntos com as damas por temor de ferir sua delicada sensibilidade. Entretanto, e já que parece mais curiosa que sobressaltada, espero que, apesar de minha reação de um instante atrás, me faça qualquer pergunta que desejar. -Inclusive sobre os assuntos proibidos? As bochechas voltaram a colorir. -Especialmente. Admiro as pessoas que pensam livremente, e que não se limitam a aceitar as regras como cordeiros simplesmente porque as dita a sociedade. Pergunte o que desejar. Helena assentiu. -Assim o farei. Não é essa a entrada pela que chegamos? Podemos voltar já? -Tão cedo? Isso quer dizer que fui um acompanhante aborrecido. -Absolutamente. Foi encantador. O que ocorre é que se me vejo obrigada a seguir avançando a este passo tão lento, temo que não vá poder me controlar e vou saltar da carruagem para sair correndo como uma louca pelo parque. E seria uma cena que envergonharia você e sem dúvida a tia Lillian. Para evitar esse desgraçado episódio, prefiro voltar para casa. Não penso em voltar para o parque, a menos que esteja deserto e possa montar tão rápido quanto desejar. -Espero que me permita acompanhá-la. -Mas se antes disse que não o agrada madrugar. -Sempre que não tenha uma poderosa razão para fazê-lo.

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Helena sorriu. -Está seguro de que poderá seguir meu passo, uma vez esteja montada no excelente animal que vai conseguir para mim? -Acredito que poderei ficar à altura do desafio - respondeu com outro desses olhares famintos. -Muito bem. Nesse caso, o que opina você da dissolução dos estados italianos? Acabava de entrar em seu quarto onde Nell a aguardava para cuidar de sua jaqueta e seu chapéu quando, depois de bater na porta brevemente, Dickon entrou a toda corrida e ficou parado no centro do dormitório. -Sinto muitíssimo, senhorita! -soluçou o menino-. Eu não queria entrar assim - e voltando-se para sua irmã, acrescentou- Sinto muito, Nell! E afundando o rosto entre as mãos, chorou desesperadamente. Nell abraçou rapidamente o moço, mas antes que pudesse lhe tirar alguma informação, alguém mais bateu na porta e entrou. Era Charis. Trazia a expressão turvada e se aproximou rapidamente de Helena. -É certo o que Harrison disse a Belle-mère? Desgostou-se tanto que voltou a sofrer um de seus ataques. Olhou aos dois serventes que haviam se amontoados em um canto e baixou a voz: -De verdade contratou Nell e Dickon em uma casa de beneficência? ***

Capítulo 14

Depois da visita a sua Belle-mère, Adam havia levado sua prometida ao parque, onde teve o duvidoso prazer de ver, a certa distância, seu melhor amigo tão absorto na conversa com a senhorita Lambarth que nem sequer tinha notado sua presença. Os outros cavalheiros, que passeavam ou guiavam suas carruagens pelos caminhos, haviam reparado sem dúvida na senhorita Lambarth, em seu rosto oval que luzia como uma pérola sobre o cetim esmeralda de seu vestido, empoleirada naquela ridícula carruagem. Pareceu que o avanço do coche de Dix produzia tanto alvoroço como o da Divina Alicia, uma mulher cuja grande beleza só se via superada pelo alto custo de mantê-la.

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Sua inquietação não se apaziguou quando Priscilla lhe deu uma palmada na mão e disse que não parecia nada bem que o senhor Dixon mostrasse a senhorita Lambarth naquela carruagem quase como se fosse outro tipo de criatura. Talvez devesse falar com Lady Darnell ou seu amigo, já que a pobre garota não se dava conta de que sair nesse tipo de coche e com a única companhia de um cavalheiro, podia fazê-la parecer muito amalucada. Certamente essa não era a razão pela qual sentia um ardente desejo de arrancar os dentes, com um soco, de seu amigo, mas estava muito irritado para deter-se a examinar aquele impulso atentamente. Impaciente por voltar para St. James Square e assegurar de que Dix a havia levado de volta para casa diretamente, teve que se obrigar a serenar e aceitar o refresco que Priscilla ofereceu. Acabavam de sentar-se no salão da casa dos Standish quando um criado entrou levando uma nota de sua mãe. Lady Darnell implorava que voltasse imediatamente para tratar um assunto de grave importância. -Sinto muito, Priscilla, mas tenho que partir. Surgiu algo que requer minha atenção imediata. -É o coche! Espero que não tenha havido um acidente. Esse temor cruzou por sua cabeça antes de dar-se conta de que por mais instável que pudesse ser um coche, era muito pouco provável que tivesse acontecido algo, com Dix o conduzindo. -Espero que não seja assim, mas Belle-mère me roga que vá, e tenho que ir. -É obvio. Quererá me informar depois do ocorrido para que possa ficar tranqüila? Lady Darnell vai ser minha sogra dentro de pouco, e me preocupa seu bem-estar. Embora a idéia de ter que «informar» a alguém o fizesse trincar os dentes, não podia culpar sua prometida por preocupar-se, de modo que, contendo a irritação que havia produzido sua escolha de palavras, aceitou voltar quando solucionasse o problema. Quando, uma vez em casa, bateu na porta do quarto de sua mãe, ela praticamente se jogou em seus braços. -Ai, Adam! -exclamou, enquanto ambos se sentavam-. Quase não posso respirar! Deve falar com Harrison. Ele te contará a verdade. -Que verdade, mãe? -perguntou, mas um soluço a impediu de falar. -Eu não posso dizer. Fale com Harrison, rogo isso. Havia feito algo errado o patife do Dickson? Perguntava-se ao deixar o quarto de sua mãe. Havia deixado passar as anteriores travessuras do moço, mas se fosse causar mais comoção, teria que partir. Da biblioteca chamou o mordomo, quem em umas quantas e tensas frases lhe revelou o dilema.

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Não era de estranhar que o pessoal da casa estivesse alterado. -Quando o moço mencionou por acaso que havia vivido nessa casa, eu perguntei imediatamente por isso, e me confirmou. Falhei milord, por não ter investigado mais a fundo a proveniência e as referências dos empregados que chegam a esta casa. Se considerar que deve me despedir junto com eles, entenderei. -Ainda não falei de despedir ninguém-respondeu, tentando encontrar o modo de sair daquele embrulho - Tem alguma queixa do trabalho de ambos? Roubaram algo? -Ao contrário, milord. Seu trabalho é exemplar. Se não fosse porque ambos confirmaram suas origens, jamais teria acreditado que provinham de um lugar assim. -Então, não negaram quando lhes perguntou por isso? Sua sinceridade é elogiável. O que recomendaria você? Harrison parecia muito perturbado, o que era estranho em um homem de sua habitual contenção. -Tenho que admitir que me afeiçoei ao moço, mas o pessoal está muito alvoroçado, e não posso permitir. Os dois entraram na casa sob falsos pretextos e suponho que devem ir. -Causaria problemas se ficassem? -Eu… não posso dizer milord. Suponho que seria melhor que partissem. Eu me ocuparei de dar referências ao moço. -Está disposto a lhe dar suas referências e, entretanto, quer que partam? -Farei o que ordenar milord. Será que ninguém era capaz de tomar uma decisão? Perguntou-se exasperado. Mas, já que sua mãe era incapaz de enfrentar a situação e o mordomo desejava claramente evitá-la, corresponderia a ele fazê-lo, de modo que, embora preferisse evitar Helena na medida do possível, teria que falar do assunto com a pessoa que havia levado aquele problema para casa. -Quer pedir à senhorita Lambarth que venha me ver, por favor? -Imediatamente, senhor - respondeu Harrison, desejoso de sair do meio daquele embrulho. Já era suficiente ruim que a protegida de sua mãe tivesse roubado sua paz, para ainda por cima ter que suportar que acabasse também com a de sua casa. Mas o que o incomodava mais ainda era ver-se forçado a admitir ante Priscilla que havia acertado, ao imaginar que a origem daquele alvoroço era Helena, tal e como havia dito depois daquele jantar: que a falta de boa educação da jovem podia causar dificuldades na família. Uma opinião que, naquele momento, e já que nela se lia facilmente uma crítica para sua mãe, havia lamentado profundamente. Não poderia dizer o que esperava encontrar na senhorita Lambarth quando entrasse em sua

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biblioteca: Vergonha? Desconforto? Arrependimento? Certamente para o que não estava preparado era para o que claramente irradiava de sua pessoa ao entrar: desafio. Em lugar de uma tentadora sereia, parecia uma Valquíria disposta para a batalha, e não pode decidir que disfarce resultava mais tentador. -Bom… - disse decidindo-se a atalhar o assunto com bom humor - parece que o gato anda revolvendo às pombas. Imagino que o que se diz é certo, não é assim? Ao que parecia, ela esperava hostilidade, e o tom de seu comentário pareceu surpreendê-la. -Sim, é certo. -Como é que contratou a sua criada em uma casa de beneficência? -Desde o começo disse a todo mundo que não queria uma criada que pudesse me menosprezar. Um clérigo, que viajava no coche do correio no qual cheguei, vinha falando do pessoal dessa casa, pelo que deduzi que podia encontrar uma moça honrada e trabalhadora ali, estaria agradecida por ter a oportunidade de um emprego assim e trabalharia mais diligentemente que muitas das que Harrison pudesse considerar adequadas. E assim foi, ouviu uma só palavra de queixa a respeito de Dickson ou de Nell desde que chegaram? -A verdade é que não, mas… -Por acaso Dickson não idolatra Harrison e faz tudo o que ele ordena imediatamente, tentando sempre acrescentar algo mais para ganhar seus louvores? Neste momento, o moço está escondido em meu guarda-roupa, desfeito em lágrimas após saber que o homem para o qual trabalhou como um negro o rejeitou. Sabe que o que disse significará que sua irmã e ele terão que abandonar o lugar que para ele havia começado a ser seu lar. E por quê? Porque foi vago, desonesto ou ladrão? Não. Pelo pecado de ser órfão. -E isso a irrita - disse impressionado pela intensidade de sua lealdade e sua preocupação pelo moço. - Deixa-me furiosa! Mas claro, suponho que é coisa de meu passado tão pouco convencional, que me inspirou mais respeito pelo que uma pessoa faz que por sua posição. Sinto muitíssimo ter aborrecido tia Lillian e ter incomodado à criadagem de sua casa, mas não lamento absolutamente ter contratado Nell e Dickon, nem tampouco tenho intenção de expulsá-los de meu serviço. Uma vez que isso parece que vai causar problemas aqui, farei que partam para outro lugar, enquanto procuro uma morada para todos. Começarei a procurar imediatamente. Era uma oportunidade perfeita para deixar que partisse e dar fim a sua luta em resistir a ela, mas não era capaz de aproveitá-la. -Abandonaria a Belle-mère depois do que se desvelou por você? - perguntou para mascarar

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seus próprios sentimentos - Partiria-lhe o coração! Pela primeira vez viu que sua expressão se suavizava. -Não pretendo ser ingrata e eu… sentiria muita falta dela também. Mas que outra coisa se pode fazer? Aliviado por sua mudança, sorriu com tristeza. -Presumo que ela desejava que eu a convencesse de que Nell e Dickon tinham que partir. Que fácil senhorita Lambarth teria sido tudo para todos se tivesse deixado que Harrison se ocupasse disto. Helena deu um passo para frente e pegou sua mão. -Ai, milord, se você os tivesse visto lá! Com que diligência trabalhavam na lavanderia! Seu pai morreu pela Inglaterra, e sua mãe do excesso de trabalho tentando mantê-los. Sozinhos e abandonados, sem família que pudesse acolhê-los, não tiveram mais remédio que ir à casa de beneficência, isso ainda que significasse renunciar à escassa esperança que tinham de encontrar trabalho em outra parte. Baixou o olhar e sua voz ficou reduzida apenas a um murmúrio. -Sei o que é estar desesperada, afastada de tudo e de todos, e sem esperança alguma de receber ajuda. Seu olhar vagou na distância, perdida em recordações que ele só podia imaginar enquanto, esquecida, sua mão lhe queimava a pele. Mas antes que lhe ocorresse algo que dizer, ela voltou a olhá-lo e a afastou. Que lástima. -Quando os vi ali e conheci sua história, soube que tinha que ajudá-los. Havia se preparado para repetir o conselho de Harrison e convencê-la de que ambos os empregados deviam partir. Mas uma onda de compaixão por Nell, o menino… e ela o sepultou. Quantos anos havia passado Helena afastada do amparo de sua mãe, sentindo-se abandonada pelo mundo e traída por quem devia cuidar dela? Talvez os anos que ele havia passado no exército haviam lhe ensinado a julgar os homens não por seu berço, mas sim por seus atos: havia visto homens que se alistavam pelos escassos penis do pagamento, e terminar sendo soldados sobressalentes, e havia visto também os meninos mimados da nobreza dar um pulo, cada vez que soava um disparo. Não era justo despedir Nell e Dickon, cujo serviço havia sido exemplar, por terem tido a desgraça de ficar órfãos. De modo que se achou dizendo o que dez minutos antes jamais teria imaginado que ia dizer: -Não parta senhorita Lambarth. Sua partida afetaria muito mais a Belle-mère e Charis que saber que a criada provém de uma casa de beneficência.

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Ela o olhou como se não pudesse acreditar no que ouvia. -Mas… o que acontecerá com Harrison? E com a cozinheira e a governanta? Eu não quero que Nell e Dickon fiquem aqui somente porque eu desejo ficar e que vão ser desprezados pelo resto do pessoal. -Informarei Harrison de que considero ambos valiosos empregados, apesar de suas origens, e que quero conservá-los. Como ambos sabemos, ele sente um carinho especial por Dickon, e suspeito que se alegrará em segredo de que o moço não parta. E quanto ao resto, espero que meu pessoal se trate entre si com respeito. Não tolerarei que seja de outro modo. -De verdade vai fazer isso? Por quê? Ele sorriu encolhendo de ombros. -Porque você me convenceu que é o adequado. Ela ficou olhando como se não se atrevesse a acreditar. Logo, quando Adam estava a ponto de dizer que podia partir, um brilhante sorriso iluminou seu rosto, transformando suas já cativantes feições em uma beleza que o deixou sem fôlego. -Obrigada, milord. Prometo que nunca lamentará ter mostrado clemência. E prometo tentar não causar mais problemas em sua casa! Agora, vou prostrar-me diante de minha tia para lhe rogar que me perdoe. E depois de uma profunda e muito correta reverência que teria sido perfeita inclusive no salão da rainha, ergueu-se e saiu a toda pressa. Como enfeitiçado, Adam ficou imóvel durante alguns instantes. No escritório do advogado tinha se compadecido. Em sua biblioteca, naquela noite, a tinha desejado. Mas naquele episódio havia alcançado outro nível: Helena havia conseguido inspirar nele uma profunda admiração e respeito; era uma jovem que tinha combatido o isolamento e o cativeiro para conseguir a liberdade. Uma moça que, inclusive a custa de renunciar o lar com a tia que tanto a queria, estava disposta a brigar com valentia pelos desafortunados a seu cuidado. Jamais havia conhecido alguém nem remotamente parecido, e certamente nunca encontraria outra mulher que se assemelhasse. Sacudiu a cabeça para limpá-la. Devia falar com Harrison, embora, certamente, não lhe custaria convencê-lo. Logo poderia confiar em que o chefe do pessoal de serviço se asseguraria de que Nell e Dickon fossem tratados devidamente pelo resto da criadagem. Só ficaria para assegurar-se, pensou com um sorriso, de que a senhorita Lambarth havia conseguido convencer Lady Darnell com a própria apaixonada intensidade que havia empregado com ele.

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Mas seu sorriso se desvaneceu ao lembrar o compromisso que havia adquirido com Priscilla. Se deixasse para mais tarde a visita, a preocuparia, e lhe enviar uma nota, que era o que preferiria, podia ser interpretado como se não levasse em conta seus sentimentos. De modo que não lhe restava mais remédio que esperar. Uma hora mais tarde, depois que Harrison havia sossegado e tranqüilizado a criadagem, Adam retornou à casa da família Standish. Imediatamente o fizeram passar ao salão onde, ao que parecia, havia ficado esperando Priscilla. -Ah, por fim! Estava muito preocupada. Tudo bem espero. Adam beijou a mão que ela oferecia e se sentou a seu lado no sofá.

-Sim, era mais uma pequena dificuldade que um problema sério. Como certamente saberá, Lady Darnell possui um temperamento um pouco… nervoso, e às vezes se angustia por coisas que, examinadas com mais cuidado, não são graves. - Alegro-me de saber que não era nada de importante. Do que se tratava, se me permitir que lhe pergunte isso? Já que logo viveremos juntos, eu não gostaria de fazer algo similar que pudesse desagradar sua querida Belle-mère. Adam riu. -Estou convencido de que você nunca faria tal coisa. -O que? Não queria dar detalhes, mas em vista da preocupação de Priscilla e de seu elogiável desejo de acostumar-se aos costumes de sua casa, pensou que, possivelmente, deveria contar a ela. -Sua mãe tinha razões mais que de sobra para alterar-se, Adam! -exclamou atônita. Surpreende-me que uma garota, com a escassa formação da senhorita Lambarth, possa ter feito… mas tentarei lhe conceder o benefício da dúvida, embora admita que me custe muito depois de saber o muito que desgostou Lady Darnell. Suponho que terá despedido imediatamente os causadores do desastre. A senhorita Lambarth podia desconhecer, em efeito, as regras que regiam o comportamento da boa sociedade, mas havia sido sensível a uma questão de muita mais importância, e a tinha defendido com veemência. Surpreso pela falta de compaixão de sua prometida, Adam se deu conta de que, apesar da admiração que Helena havia despertado nele, não podia cometer o erro de defendê-la. -Ambos os empregados trabalharam sempre com diligência exemplar. Por que iria despedi-los? Priscilla abriu os olhos de par em par.

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-Não o fez, vindo de uma casa de beneficência? Não pode estar falando sério! Como vão se sentir seguras sua irmã ou Lady Darnell, sabendo que essas pessoas andam rondando pela casa? -Querida, estamos falando de uma criada e um moço de dez anos, e não de vilões que possam inspirar temor. -A maldade tem idade Adam. Ouvi que essas instituições são o campo de cultivo de todo tipo de delinqüentes. Adam tentou não perder a paciência. -Ambos estão sujeitos a estreita vigilância há mais de um mês, e não mostraram a mais leve inclinação a delinqüência. -É óbvio que são bastante inteligentes para esperar que a casa confie neles, antes de mostrar sua verdadeira natureza. Adam, rogo que se desfaça dessa… má erva imediatamente! -Como desconhece os detalhes do caso, tomarei seu conselho como bem-intencionado respondeu Adam, tenso - Mas o dono em minha casa sou eu e farei o que julgue mais adequado. -Certamente - respondeu, embora não parecesse satisfeita com que tivesse desprezado sua advertência - Mas confio em que, ao menos, quando eu for sua esposa, a senhorita Lambarth e seus… excepcionais empregados estejam em outra parte. -Disso pode ficar segura. Voltou a St. James Square pensativo. Embora fizesse apenas alguns dias que desejava ver desaparecer a senhorita Lambarth, agora a idéia de que o fizesse correspondia a uma estranha sensação. Uma jovem tão notável… e não teriam sequer a oportunidade de serem amigos. A prudência ditava que, enquanto continuasse em sua casa, seguisse mantendo distância, embora houvesse conseguido ficar na mesma sala que ela sem que a atração que sempre surgia complicasse a vida, mas não podia enganar-se. Por muito tentadora que fosse a possibilidade de conhecê-la melhor, seguia sendo uma tentação, só um ponto menos perigoso que o desejo que despertava nele. ***

Capítulo 15

Vários dias depois, Adam se levantou cedo e, em lugar de tomar o café em seu quarto como

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vinha fazendo desde que tinham uma convidada, preparou-se para descer e tomar o café da manhã com as damas. Naquela mesma noite, a senhorita Lambarth faria sua primeira aparição no baile, com as mulheres de sua família. Embora sua mãe houvesse dito que não era necessário que as acompanhasse, tinha decidido honrar a estréia de sua irmã e o reencontro de Belle-mère com a sociedade, indo buscá-las após o jantar com sua prometida, para levá-las ao baile. Mesmo sabendo que a senhorita Lambarth formaria parte do grupo, Priscilla havia apoiado sua decisão, um gesto que tinha conseguido suavizar a tensão que se acumulava entre eles, depois de seu desacordo em como resolver o problema doméstico. Mais alegre do que se sentia ultimamente, Adam decidiu surpreender sua mãe com a notícia no café da manhã, e de passagem, aproveitar a oportunidade de conversar um momento com a senhorita Lambarth, a quem não havia voltado a ver desde que a convocou à biblioteca. Esperou até ouvir várias vozes na sala de jantar para se assegurar de que não ia encontrá-la sozinha. -Adam, que surpresa! -exclamou Charis aproximando-se a abraçá-lo- A que devemos este prazer? Adam respondeu à cortesia da senhorita Lambarth e devolveu o abraço a sua irmã. -Por acaso devo ter algum propósito oculto para tomar o café da manhã com minha irmã favorita? -Espero que não, mas, como faz dias que a casa não recebe a visita dos comerciantes e seguimos sem te ver… presumo que um cavalheiro comprometido tem muitas obrigações, não? Adam se arriscou a olhar à senhorita Lambarth pela segunda vez. Aquela manhã usava um singelo vestido de gola alta de cor pêssego, quase do mesmo tom que as brasas que ardiam na lareira. E, como elas, irradiava um calor e uma energia que empurrava os outros a aproximar-se. -Senhorita Lambarth, já vejo que se reconciliou com as damas. Ela sorriu, e Adam lembrou a expressão que o tinha cativado em seu encontro anterior. -Tia Lillian segue estando algo desagradada, mas eu me mostrei muito arrependida. Não é assim, Charis? -Se se refere a Nell e Dickon, Adam, depois que Helena me revelou suas circunstâncias, compreendi perfeitamente porque sentiu a necessidade de contratá-los. Uma decisão muito valente de sua parte, não te parece? -E muito arriscada também. -Me aplicarei para não fazer algo que possa desgostar outra vez tia Lillian - declarou HelenaInclusive, tenho extremo cuidado com o que digo quando saímos, para não envergonhá-la. -Não acredito que tenha que preocupar-se por isso - interveio Charis - Desde que saiu outro

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dia com o senhor Dixon, Helena esteve rodeada de admiradores em cada visita que fazemos. Será o êxito desta temporada! Adam achou a idéia desagradável. Mas se devia casar-se, e era a melhor solução, teria que deixar de se incomodar que tivesse admiradores. -Simplesmente sou a última curiosidade - replicou Helena - mas assim que apareça a seguinte, me esquecerão. Ou quando os árbitros da alta sociedade achem outra a quem corrigir. O vermelho não é uma cor para uma jovem que acaba de ser apresentada em sociedade - entoou. Charis se pôs a rir e Adam ficou boquiaberto, pois havia entoado e imitado à perfeição a voz da senhora de Drummond Burrel, uma das anfitriãs indiscutíveis de eventos sociais. -Adam! -chegou a voz de Lady Darnell da porta- Quanto me alegro de te ver! -Qualquer um diria que me tornei um estranho para meus dois seres mais queridos protestou, beijando a mão de seu madrasta - Já vejo que vou ter que tomar o café da manhã mais freqüentemente com vocês. -Deus o ouça - disse Lady Darnell. -Se é que a senhorita Standish pode prescindir de você um pouquinho - acrescentou Charis. Por acaso sua irmã se sentia abandonada? Perguntou-se Adam, com uma pontada de culpa. Certamente havia estado evitando a casa, por razões que não podia confiar à sua irmã. Mas também havia a possibilidade de que, embora seus nervos seguissem palpitando cada vez que estava perto da senhorita Lambarth, seus encontros não fossem tão mal. Possivelmente se a conhecesse melhor, a imagem de cortesã que tinha ficado impressa em sua memória se visse dissipada pela de dama de alta sociedade… talvez pudesse arriscar a passar mais tempo com elas. -Precisamente, queria falar disso com vocês. Priscilla e eu combinamos que, como esta é sua grande noite, alguém tem que acompanhá-las ao baile, de modo que, após jantar com ela, voltarei aqui, se é que me outorgam o privilégio de acompanhar às damas mais encantadoras de Londres ao baile da senhora Cowper. O rosto de Charis se iluminou. -Seria maravilhoso, Adam! Estou muito nervosa, e me sentiria muito melhor com você a meu lado. A irmã que deveria proteger estava nervosa e ele estava muito absorto em seus próprios problemas para dar-se conta, pensou pesaroso. -Não iria querer estar em nenhum outro lugar. Sei que ultimamente descuidei de você. Perdoe-me, Charis, por favor. -É muito amável de sua parte pensar em vir buscar-nos - disse Lady Darnell - mas quando os

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cavalheiros virem minhas duas belas garotas em seu primeiro baile, não irá faltar acompanhantes, de modo que não tenha medo de que abusemos de sua generosidade e a de sua prometida. A idéia de que outros homens ocupassem seu lugar e o liberassem para poder se ocupar de sua prometida deveria lhe parecer atraente; mas não era assim. Depois de fixar a hora da saída, Adam partiu, pensando que sua irmã pequena havia crescido, e que durante o tempo que andou dando voltas com as finanças da família e de seu dote, não tinha se dado conta de que logo um homem reclamaria Charis como esposa, afastando-a definitivamente de sua casa e seu cuidado. A perspectiva agridoce de perdê-la o fez apreciar mais intensamente o que deveria estar sentindo desde seu compromisso, e prometeu saborear o tempo que lhes restassem juntos. Sentir-se-ia orgulhoso de estar a seu lado em seu primeiro baile, e com uma curiosidade tingida de ciúmes, admitiu que também estivesse muito interessado em observar a aparição da senhorita Lambarth.

Adam voltou a Darnell House antecipando o momento de chegar, para buscar às damas. Bennet Dixon havia prometido unir-se ao grupo, e também havia recebido uma nota de seu amigo Nathan Blanchard, que acabava de voltar para a cidade, e a quem ainda não havia visto. Lady Darnell foi ao seu encontro rapidamente, ao vê-lo entrar. Os olhos brilhavam de alegria, e ruborizou-se quando elogiou seu aspecto com aquele vestido verde escuro, advertindo-o que seria melhor que guardasse seus elogios para as jovens. Pendurada em seu braço, virou-se ao ouvir Charis, que descia lentamente as escadas. -Que tal estou, irmão? - perguntou, girando ante ele. -Parece a princesa de um conto! E era certo: da cabeça aos pés. Usava seus cachos de cabelo loiros recolhidos em um intercalar de pérolas e laços dourados, uma saia branca de seda salpicada de pequenos ninhos de pérolas e sapatinhos dourados. Com o respeitável dote que agora poderia lhe proporcionar, não iam faltar pretendentes. Depois de beijar a mão de sua irmã, voltou-se para o patamar, perguntando-se como estaria a imprevisível senhorita Lambarth. Mas de repente ouviu sua voz sair das sombras que ficavam a sua esquerda. Saiu do corredor para deixá-lo sem fôlego. Desafiando o que a tradição indicava para uma ocasião como aquela em uma dama jovem e solteira, ia vestida dos pés até o queixo em dourado. E

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enquanto se aproximava deles com o porte de uma imperatriz, seus olhos escuros e seu cabelo negro azeviche brilhando quase mais que o tecido de seu vestido, na cabeça de Adam apareceu a imagem de uma rainha pagã: Cleópatra. Deteve-se junto a ele, tão perto que todos seus nervos ficaram em tensão, e lhe custou vários minutos para recuperar o controle da respiração e o pulso. E ele que pretendia acostumar-se a conviver com seu atrativo. Tendo em conta sua própria reação, quem podia predizer o que ocorreria no baile? Mesmo assim, tinha que confessar uma pequena decepção: havia albergado a esperança de poder contemplar os ombros e os seios que os trajes para um baile estavam acostumados a deixar expostos. Entretanto, não passou despercebido o halo dourado que o tecido parecia criar em torno de seu corpo. Não tinha se dado conta de que estava à alguns minutos em silêncio, até que Charis disse, não sem certa impaciência: -Será que não se dá conta, Adam? Helena e eu somos complementares! Então reparou nas pérolas e os laços brancos que adornavam o cabelo da senhorita Lambarth, e as pequenas pérolas em seus ninhos de laço dourado que salpicavam seu vestido, como único adorno. -Inocência e… excentricidade - disse a senhorita Lambarth em tom jocoso- Acho que o aço é o metal que se costumava usar para as armaduras, mas eu terei que me contentar com o ouro. -Serão seus admiradores que precisarão proteger-se de você - respondeu Adam- Estão magníficas, todas. -Até Lady Pulôver predisse que Helena causaria sensação -disse Charis. Helena sorriu. -Acredito que disse que causaria impressão, que não é exatamente o mesmo. Mas espero que ao me ver -continuou, indicando seu vestido- todos se dêem conta que não estou disposta a entrar no mercado dos matrimônios. Se o consigo indo vestida como me agrada e sem que os amigos de tia Lillian deixem de lhe falar, ou que os pretendentes de Charis saiam fugindo, me darei por satisfeita. E se não… -voltou-se a olhar a sua tia- retirar-me-ei antes que possa causar mais estragos. -Tolices - replicou Lady Darnell - Só deve pensar no bem que vai passar no baile. Vamos! Contemplando o reflexo dourado de Helena no vidro do coche, enquanto iam ao baile, Adam pensou que ele também sentia curiosidade por ver a reação à chegada da senhorita Lambarth. Se fosse de desaprovação, interviria sem duvidar. Como Charis, ela estava também aos seus cuidados. Que moça mais valente: tanto defendia seus empregados a capa e espada, como era capaz de enfrentar toda a sociedade com seu vestido dourado… Custasse o que custasse, ia tentar que seu

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primeiro baile fosse todo um êxito. O escrutínio começou antes de entrarem no salão. As conversas cessaram a seu redor e todos os olhares se voltaram para eles ao entrar. E, imediatamente, os cavalheiros começaram a rodeá-los. Adam apenas teve tempo de aproximar-se de sua prometida quando já havia formado um grupo entorno das damas, todos esperando serem apresentados. Quase tinha esgotado sua paciência, apresentando aquela interminável sucessão de admiradores, quando seu velho amigo Nathan Blanchard apareceu. Utilizando suas habilidades diplomáticas, havia aberto caminho entre as pessoas e tinha chegado às primeiras posições. -Nathan! Quanto me alegro de ver você! -E eu de encontrá-lo intacto, depois do açougue de Waterloo. -Lembra-se de minha mãe, Lady Darnell? -Tive o prazer de me encontrar com ela faz alguns dias. Está bela, madam. Estava esperando que se dissipasse a multidão para me aproximar, mas sem êxito. Jamais havia me alegrado tanto de ter uma amizade antiga com alguém. Senhorita Darnell, senhorita Lambarth, estão ambas esplendorosas. Embora tenha de dizer, Adam, que sua irmã é muito bonita para ter um irmão tão pouco elegante como você. E que possui muito aprumo para quem acaba de sair da escola. -Lorde Blanchard, vejo que estudou bem a arte da diplomacia - respondeu Charis enquanto as bochechas se tingiam de vermelho. -Só disse a verdade - respondeu Blanchard- Senhorita Lambarth, espero que tenhamos a oportunidade de conversar um momento. Ouvi falar muito de você. -Confio que não tenha acreditado em tudo. Certamente nem a terceira parte dos rumores que circulam por aqui são certos. Blanchard riu. -Já vejo que é uma jovem independente e sagaz. Concederá a honra de dançar comigo mais tarde? Adam se deu conta de que Priscilla, de pé a seu lado, movia um pé com impaciência. Havia sido cortejada durante muitos anos e não estava habituada a ser evitada por um cavalheiro. Mas, para alívio de Adam, sorriu quando Nathan, com uma fineza que assegurava o êxito em sua carreira diplomática, inclinou-se ante ela para dizer que havia deixado à dama mais importante para o fim, já que devia ser uma mulher muito especial, quando ia tornar seu amigo o homem mais feliz de toda a Inglaterra. Ato seguido apareceu Bennett Dixon. Também havia aberto caminho entre outros e, ao unirse ao grupo, ofereceu-se para entreter às senhoras, enquanto Adam e Blanchard iam em busca de

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alguns refrescos. -Sinto que não tenhamos podido ver-nos antes - disse Nathan, quando se afastaram juntosQueria falar com você um momento, e suponho que esta vai ser nossa melhor oportunidade de fazêlo. Primeiro, quero felicitá-lo pela mão da senhorita Standish. É uma jovem encantadora, que levará magnificamente sua casa. Além disso, com seu dote poderá curar suas enfermidades financeiras. -Você também? -perguntou com um suspiro. Blanchard deu um encolher de ombros. -É meu trabalho me inteirar de tudo o que ocorre tanto dentro quanto fora de casa. Mas agora que seu futuro clareou com tanto brilhantismo, irá querer fazer o mesmo por mim? -Será que quer se casar? -perguntou surpreso. -Quando se pretende subir no corpo diplomático, terá que poder organizar recepções na embaixada, e para fazê-lo, necessita-se uma anfitriã tão educada quanto sua senhorita Standish… além de ser tão rica -voltou o olhar para as damas que acabavam de deixar - Sua irmã seria um delicado ornamento para as festas da embaixada. -Seria para qualquer tipo de reunião - respondeu com orgulho- Mas infelizmente e apesar de que seu caráter merece a melhor das posições, duvido que seu dote esteja à altura das circunstâncias. Meu futuro casamento me ajudará a reorganizar a fazenda para poder lhe proporcionar uma parte que eu descreveria como modesta. -Não há parentes ricos que queiram acrescentar algo a seu dote? -Desgraçadamente, não. -Está seguro? -Adam assentiu e Blanchard suspirou- Que pena. É a jovem mais encantadora que conheci em anos - depois de voltar a olhar para Charis, encolheu os ombros- Não tem sentido torturar-se sonhando com o impossível. Obrigado por ter sido tão sincero. Tem alguma sugestão a me fazer a respeito? Quando Adam voltou para o grupo, descobriu que uma jovem vestida de dourado saía apressadamente do salão. -Mas o que… ? -Senhorita Lambarth! - exclamou Adam. Algum homem teria se aproximado muito dela enquanto conversava com Nathan? Teria sido o próprio Dix? Preocupação e fúria explodiram em seu peito. -Diga às senhoras que voltarei em seguida. Devo ir a sua busca. E saiu rapidamente atrás dela.

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Capítulo 16 Helena se deteve no vestíbulo e tomou uma baforada de ar mais fresco. Mas se aproximava um grupo de recém chegados pela esquerda, de modo que deu meia volta e saiu em direção contrária. Simplesmente não havia podido suportar nem um minuto mais aquela sala tão cheia de gente. Enquanto esperava com a garganta seca e com as têmporas palpitando que Darnell e seu amigo voltassem com o vinho, havia tido a sensação de que com cada segundo o ruído ia se fazendo mais ensurdecedor e o ar mais denso, mais asfixiante. Estava o senhor Dixon apresentando alguém a Charis quando suas palavras ficaram perdidas em uma maré de ruído, e os rostos que havia a seu redor começaram a girar em volta dela. Respirou fundo, mas o ar parecia não chegar aos pulmões e o pânico a bloqueou. Quando seu atordoamento cresceu e começou a ver pequenas manchas ante seus olhos, um desejo irracional e irresistível de escapar apropriou dela. Deixou atrás o senhor Dixon e procurou a porta. Acabava de deter-se o final do corredor, ofegando. Se aquela mansão se parecia com a do Darnell, a porta que tinha mais perto daria a um pequeno salão ou à biblioteca. Empurrou-a e felizmente pareceu que não havia ninguém em sua penumbra. Entrava um débil resplendor pelas janelas que davam à rua, e tropeçando, correu para elas, abriu as cortinas e abriu a janela. Uma baforada de ar fresco com um frágil aroma de fumaça de lenha e a excrementos de cavalo deu em seu rosto. Da rua chegava o murmúrio de umas vozes e uma risada longínqua. Como desejava poder estar ali, livre para escapulir sob a camuflagem da escuridão! Ficou ali um momento, deixando que o frio e a tranqüilidade acalmassem seu pulso e seus nervos. Não havia voltado a sentir um pânico tão cego desde que os habitantes do povoado a haviam obrigado a voltar para castelo de Lambarth e seu pai, furioso, a havia trancado naquele buraco sem luz. Aquele dia havia gritado até ficar afônica, tinha golpeado a porta de carvalho até esfolar as mãos, e por fim ficou sentada no frio chão de pedra até que, esgotada pelo medo e a dor, terminou caindo adormecida. Tinha despertado com a determinação de desafiar à escuridão e encontrar um modo de sair dali. E o havia conseguido isso até, a seguinte ocasião em que seu pai voltou a encerrála naquele buraco. Apesar de tudo, o encarceramento não havia conseguido quebrantar seu espírito. Permanecer trancada naquele buraco sem luz a tinha obrigado a superar seu medo da escuridão e aguçado sua

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visão até tal ponto que agora era capaz de ver nos lugares mais escuros. Apoiada no batente da janela,fechou os olhos e deixou que o ar a refrescasse. Aquela noite havia sido muito mais fácil escapar. Estava tentando analisar o que a tinha assustado tanto do baile quando uma mão a segurou pelo ombro. Com um grito, virou-se para enfrentar seu agressor, a mão elevada, disposta a atacar. -Senhorita Lambarth! -exclamou o homem, detendo o golpe-. Sou eu! Darnell! Graças a seu hábil movimento de defesa, Helena não o arranhou o rosto. -Darnell! Assustou-me. -Está bem? A vi sair correndo do salão de baile. Alguém lhe fez mal? Diga-me por favor! -Não, não. É que… havia tanta gente e tão perto… tanto ruído que eu… não podia respirar. Tive que sair. -Ninguém a assaltou? -Não. É só que havia muita gente. Trouxe o vinho? Ele ficou olhando como tentando averiguar se de verdade estava bem e logo se pôs a rir. -Não, nem sequer cheguei a pegá-lo. Deu-me um susto de morte! Já se recuperou? Pode andar? Era a primeira vez que o ouvia rir assim e sorriu. -Sinto-me muito melhor. - Deixe-me acompanhá-la ao salão para tomar um ponche. Depois poderemos voltar para o baile. Belle-mère ficará preocupada. Helena não estava segura de porque o salão de baile tinha lhe afetado deste modo, mas do que não cabia dúvida era de que não queria voltar a ficar ali. -Não quero voltar. Se me fizer o favor de chamar um coche, irei para casa. Parece que os bailes não são de meu agrado. -Como vou enviá-la sozinha em um coche e ainda a noite? Se não quer ir ao salão, me espere aqui. Irei procurar Lady Darnell e… -Não, por favor! Tentará me convencer que fique, ou se sentirá obrigada a me acompanhar. E se ela partir, Charis também se sentirá obrigada a fazê-lo. As duas tinham tanta vontade de assistir a este baile que não quero estragar. Posso voltar para casa perfeitamente sozinha. Diga que me doía a cabeça. De fato é verdade, embora só um pouco. -As ruas de Londres não são seguras de noite. Se de verdade deve ir, eu a acompanharei. Vou procurar sua capa e pedirei a um criado que diga a Lady Darnell que não se preocupe. -De maneira nenhuma! O que pensaria a senhorita Standish se a abandonasse no primeiro baile que participam juntos desde que se comprometeram? Não me perdoaria.

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-Que não me perdoaria por me ocupar de uma dama a meu cuidado? Bem ao contrário: ela mesma insistiria. Tão forte era o sentido do dever na senhorita Standish? Ou talvez Darnell não tinha se dado conta do pouco que agradava a sua prometida? Embora certamente não fosse a mulher que ela teria escolhido para ele, tampouco queria que tivessem problemas por sua culpa. -Não quero discutir - disse- Eu me sentiria muito melhor voltando sozinha para casa que pensar que arrastei você e arruinei sua noite. -Nesse caso estamos em um impasse, porque eu não poderia desfrutar da velada sabendo que você está viajando sozinha pelas ruas de Londres. Antes que pudesse achar outro argumento, Darnell voltou a rir. -Vamos, senhorita Lambarth, assinemos a paz! No tempo que estamos discutindo, já poderia estar o coche nos esperando. Posso acompanhá-la a casa e voltar em tão pouco tempo que nem sequer terão sentido falta de mim. Ao que parecia não ia encontrar o modo de persuadi-lo, e embora seguisse considerando desnecessário que a acompanhasse, sua insistência a comoveu. Quando um homem havia se preocupado, além do advogado, por sua segurança? -Está bem - suspirou, voltando-se para fechar a janela- Vamos. Darnell sorriu. -Excelente. Obrigada por ser tão razoável. -E por satisfazer seus desejos - acrescentou. Ele lhe ofereceu o braço sem deixar de sorrir. -Certamente. Faz-me a honra, senhorita Lambarth? Ela aceitou, e um pequeno comichão subiu por seu braço. Distraída por sua reação, apenas se deu conta de que enviava uma mensagem a Lady Darnell, recolhia suas capas e a acompanhava até a carruagem. O veículo se pôs em movimento em silêncio. -Sinto muito causar tantas moléstias -disse- Não costumo ser tão covarde. Ele lhe deu uns tapinhas na mão. -Estou seguro disso. Mas a assistência a esse baile era transbordante, e você não está habituada às multidões. Ela apertou sua mão. O contato com sua pele era todo um luxo. -Não posso lembrar ter estado em uma sala em que tivesse mais de uma dúzia de pessoas. Por isso viajei no teto do coche até Londres: porque não podia suportar ir confinada dentro.

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-Veio do lado de fora desde Cornwall? Não me estranha que parecesse meio congelada quando a conheci! -Já estava há meio congelar dez anos… em todos os sentidos. Até que você me convidou a sua casa. Obrigado, Darnell. - Alegro-me tanto de que eu… de que nós tenhamos podido lhe proporcionar o calor que necessitava. Tão apanhada se sentiu na intensidade de seu olhar que demorou um momento em dar-se conta de que a carruagem havia se detido. Como haviam percorrido tão depressa a distância até a casa? Embora soubesse que Darnell devia tornar o quanto antes para baile, não se sentia inclinada a se despedir dele. Talvez estivesse tão encantado quanto ela, porque quando a viu se levantar, sobressaltou-se. -Como verá, não encontramos com nenhum salteador de estradas - disse por cima do ombro quando já descia- Por favor, não é necessário que me acompanhe -acrescentou ao ver que se levantava- Não acredito que vá ser atacada daqui até a porta. Mas ele saiu de todos os modos. -Não tenho por costume deixar uma dama na metade da rua. John faça caminhar os cavalos disse ao chofer- Vou retornar em seguida. Satisfeita apesar de tudo e com os sentidos alerta por sua proximidade, Helena estava entregando sua capa a um criado quando Harrison apareceu. -Senhorita Lambarth, ocorre algo? -Nada sério - respondeu Darnell- A senhorita tinha dor de cabeça e quis voltar cedo para casa. -Quer que chame a Nell para que a atenda? -Não, ainda não quero me retirar. Prefiro ler um momento na biblioteca… se não o incomodo - acrescentou, olhando Darnell. -É obvio que não. A acompanharei. No silêncio que suscitava a intensidade da conexão entre ambos, Helena subiu devagar as escadas. Não queria chegar a seu destino porque não queria ter que se separar dele. Mas quando Darnell abriu a porta, já não pode atrasar mais sua partida. -Obrigado por sua consideração com tia Lillian e por me trazer para casa - disse- Presumo que agora devo insistir que volte para o baile. -Suponho que sim. Mas irei tranqüilo sabendo que está aqui, tranqüilamente, lendo em minha biblioteca.

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Helena lembrou a noite em que haviam se encontrado ali, e se perguntou se ele estaria pensando no mesmo. Talvez sim, porque quando juntos se aproximaram da chaminé sentiu que a corrente que circulava entre ambos era ainda mais forte. Chegaram ao sofá que havia frente ao fogo mas ele, em lugar de despedir-se, ficou de pé frente a ela, a olhando, contemplando possivelmente como o fogo dançava em suas feições, em seus lábios… contemplando o mesmo que ela. -Posso lhe pedir um último favor? -perguntou, tentando amortecer a tensão-. No futuro, você poderia examinar os convites que receba e me recomendar só àqueles que não estejam tão massificados? -Ficarei encantado de fazê-lo, embora com isso suas saídas fiquem bastante limitadas, porque muitos dos eventos sociais ficam muito concorridos. -Não tenho necessidade de sair de festa em festa. Ajudará-me a convencer tia Lillian e Charis de que elas saiam e me permitam ficar em casa com meus livros? -Se estiver segura de que isso é o que quer… O que queria era… não devia arriscar-se a olhá-lo aos olhos e dizer o que de verdade queria, de modo que cravou o olhar no fogo. -Agora… deve ir. Por favor, desculpe-me ante tia Lillian e, sobretudo ante a senhorita Standish por tê-lo afastado dela. E… obrigado – não pode conter-se e voltou a olhá-lo no rosto: seu nariz reto, seu queixo firme e seus olhos de uma cor verde cinzenta que começavam a ser muito queridos para ela- Acho que é o cavalheiro mais atento que conheço. Ele ficou em silêncio um instante e seus olhos brilharam com o calor do fogo ao aproximar-se dela. -Oxalá pudesse ser algo mais que atento. Uma sensação doce e pesada oprimiu seu peito e sentiu seus membros arder. Com o olhar em seus olhos e sem ser consciente disso, elevou o rosto para ele, e ao sentir o calor de sua respiração nos lábios, fechou os olhos. Mas de repente o ar frio roçou o lugar no qual havia estado sua respiração. -Tem razão. Devo ir -disse Darnell- Boa noite, senhorita Lambarth. -Boa noite, Darnell. Suas palavras se dirigiram a suas costas, porque ele já havia se afastado e saía sem olhar para trás.

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Com o coração acelerado e sentindo-se quase abandonada, Helena se deixou cair no sofá e ficou ali imóvel, com os sentimentos imitando as chamas do fogo e saltando em todas as direções. O livro que estava lendo esperava na mesa, mas não lhe agradava ler, de modo que se levantou e se serviu um pouco de vinho para tentar colocar ordem em seus pensamentos. Darnell havia voltado a surpreendê-la e ainda mais, a comovê-la, como já havia acontecido no assunto de Nell e Dickon. Naquela ocasião e apesar de seu aborrecimento, havia sido capaz de escutá-la, e de mudar de opinião sem considerá-lo uma debilidade, tendo em conta que o argumento tinha sido apresentado por uma mulher. Tampouco aquela noite a havia repreendido por sua reação, nem tinha tentado convencê-la de que voltasse para o baile, nem havia se burlado de sua covardia. É mais: apesar dos inconvenientes que podia lhe provocar com a senhorita Standish, tinha insistido em acompanhá-la a casa. Certamente era o homem mais agradável que havia conhecido em toda sua vida, incluído o senhor Pendenning. Mas o advogado não inspirava nela o mesmo tipo de sentimentos que despertava Adam Darnell. E quanto ao ocorrido àquela noite na biblioteca, não sabia o que pensar. Darnell havia estado a ponto de beijá-la, disso não lhe restava dúvida, e ela certamente havia desejado que o fizesse. Tão somente lembrar o calor de seu fôlego notou que os mamilos endureciam e que um calor intenso a inundava nas coxas. Aquilo devia ser o desejo. E queria mais. Queria experimentá-lo em lugar de imaginá-lo. Mas não podia ser. Ele estava comprometido e ela não podia confiar em si mesma pela intensidade de suas emoções. Embora houvesse jurado que jamais se casaria para não voltar a pertencer a outro homem, também havia alcançado essa determinação para não ter que compartilhar sua cama com um marido que pudesse deixá-la grávida. Não queria ter um filho cujo sangue estivesse poluído pelo de um homem que havia abusado e encarcerado sua própria filha. Mesmo assim, gostaria de saborear o desejo, embora fosse só com um beijo. Possivelmente com o senhor Dixon? Era um homem atraente e encantador, um companheiro interessante… e havia se oferecido a satisfazer sua curiosidade em assuntos «proibidos». Teria que ser com ele. Mesmo assim, pensou com um suspiro quando abria o livro, preferiria e muito beijar Adam Darnell. ***

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Capítulo 17 Não desejava ter que dar explicações aquela noite, de modo que Helena decidiu retirar-se a seu quarto antes que o grupo voltasse do baile. Mas sabendo que sua tia ficaria preocupada, e posto que houvesse tido tempo suficiente para elaborar uma explicação, estava preparada quando ao dia seguinte Lady Darnell enviou Nell a procurá-la para que se reunisse com ela no salão da parte traseira da casa. Para surpresa de Helena, Adam Darnell também estava presente. Embora se limitasse a saudála com uma inclinação de cabeça, o olhar que cruzou entre eles foi quase tão potente quanto uma carícia. Depois de confirmar que se encontrava totalmente recuperada, Helena explicou seu repentino desaparecimento do baile. -Espero que a senhorita Standish tenha aceitado minhas desculpas por ter afastado Darnell de seu lado dessa forma - disse. Darnell franziu brevemente o cenho antes de responder. -Compreendeu perfeitamente a situação e estou seguro de que se alegrará de saber que volta a encontrar-se bem. -Tive uma enorme desilusão ao me inteirar de que tinha partido -disse Lady Darnell- Havia tantos cavalheiros… perdi a conta de quantos me pediram que a apresentasse e ficaram decepcionados ao saber que tinha partido. Darnell voltou a franzir o cenho. -Com certeza foi precisamente essa inundação de cavalheiros o que lhe provocou a dor de cabeça. -Pode ser que fosse só o calor. Havia tanta gente que eu também me senti um pouco acalorada. -Meditei cuidadosamente e concluí, coincidindo com Darnell, que foi a quantidade de pessoas o que me alterou. Cresci tão… isolada, que suponho que sou incapaz de me sentir cômoda em tais aglomerações. -Mas à medida que vá acostumando… -Não, tia Lillian - a interrompeu- Sinto te desiludir, mas a experiência me desagradou tanto que não desejo repeti-la. Mas nem Charis nem você devem evitar por isso os bailes. Como disse a Darnell, eu me sinto totalmente satisfeita em casa com meus livros. -Mas, querida, como vão conhecê-la se passar a vida escondida?

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-Tia Lillian, como já te disse em outras ocasiões, não tenho desejo algum de contrair matrimônio, e seria desonesto aparecer em eventos que pudessem incentivar idéia contrária. -Mas, querida! -insistiu Lady Darnell, até que um olhar severo de seu filho a fez desistir- Não pretendo te incomodar com minha insistência. Só quero que seja feliz. -Belle-mère está de acordo comigo em que só assista os acontecimentos que ache apetecíveis interveio Darnell- Não é assim? -Sim, Adam - respondeu a contra gosto - Mas a temporada acaba de começar. Sem dúvida encontrará muitas outras atividades de seu gosto. -Estou seguro - disse Darnell- A música a agrada, não é verdade? Belle-mère foi convidada a várias veladas musicais, que costumam ter lugar em salões reduzidos e que não está acostumado a atender mais de uma trintena de convidados. -Isso seria maravilhoso - respondeu Helena, satisfeita ao ver como o rosto de sua tia se iluminava. Graças a Deus que Darnell estava prestando a ajuda prometida. Voltando-se para ele, sorriu. Ele devolveu o sorriso, que fez brilhar seus olhos verdes e desenhou uma covinha em sua bochecha. Helena teve que manter a mão no bolso para conter o desejo de tocá-lo. Sua tia estava elogiando o talento dos distintos cantores que atuavam em Londres quando Harrison entrou para anunciar que o senhor Dixon acabava de chegar, Darnell se desculpou, mas tia Lillian disse que desceria com Helena ao salão. Seu convidado fez uma cortesia ao vê-las entrar e, depois de um intercâmbio de saudações, disse: - Alegro-me muito de vê-la tão recuperada, senhorita Lambarth. O baile se tornou muito entediado sem sua presença. Tia Lillian sorriu pelo elogio, mas Helena riu. -Não seja ridículo, senhor Dixon. As salas estavam cheias de convidados até os lustres do teto, e a metade deles eram encantadoras damas. -Nenhuma delas com uma conversa tão interessante como a sua… e muito menos com perguntas tão excepcionais. Gostaria de ir ver uns cavalos? Os animais que irão a leilão em Tattersall's estão nos estábulos. Se agradá-la podemos ir inspecioná-los. -Se tia Lillian me permitir isso, ficarei encantada. -É obvio que sim, querida. Depois de fixar uma hora para voltar a procurá-la, Dixon se foi. Entusiasmada ante a possibilidade de voltar a montar, mudou de roupa e já aguardava impaciente quando seu acompanhante chegou. Em alguns minutos, estavam já no faetón a caminho

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de seu destino. -Teve sorte de estar procurando cavalos precisamente agora - comentou Dixon enquanto guiava o coche pelas abarrotadas ruas. - Vários cavalheiros cujo entusiasmo pelo jogo supera sua habilidade nele, tiveram que se desprender de seus animais. Randall vende vários cavalos de sela e Bridgeman tem um par de formosos exemplares de parelhas. -Poderei ver todos agora? -Sim. Poderá me dizer qual gosta e eu puxarei por eles, já que como lhe disse as mulheres não podem participar dos leilões - e após lhe dedicar um sorriso, acrescentou- normalmente tampouco visitam os estábulos. De fato, me surpreendeu bastante que Lady Darnell tenha aceitado. -Sabe o muito que desejo comprar cavalos, e certamente imaginou que ia insistir em escolhêlos pessoalmente. Obrigado por arriscar-se a sua censura para me acompanhar. -É um prazer. Admiro sua independência, e certamente tampouco eu gostaria que outra pessoa escolhesse meus cavalos. Chegaram em seguida aos estábulos da casa de leilões. A nostalgia e a dor se mesclaram em seu interior quando percorreu os estábulos com Dixon e Masters, o encarregado de Tattersall’s. Quantas vezes sendo menina tinha acompanhado sua mãe aos estábulos enquanto dava instruções ao cavalariço, ou enquanto mostrava os potros a possíveis compradores? Meditando os relativos méritos dos cavalos de sela que haviam visto, Helena ficou um pouco atrasada quando um cavalo castrado chamou sua atenção. Era largo de peito, de patas retas e finas e garupa bem musculosa, e tudo isso sugeria a força e o vigor que ela desejava em uma montaria. Mas, além disso, algo em sua forma de parar, em seu olhar desconfiado e quase feroz, foi o que mais a atraiu. Como se o interesse fosse recíproco, o animal chutou a palha do estábulo e sacudiu sua crina antes de aproximar-se dela. Helena enfiou uma mão por entre os barrotes da porta, o animando a aproximar-se mais. O cavalo o fez muito devagar, com as narinas abertas como laranjas para cheirar o ar. Falando em voz baixa, Helena permaneceu imóvel para que o animal aceitasse sua presença até que por fim permitiu que lhe acariciasse seu focinho de veludo. Estava tão absorta nele que, quando a voz de Dixon soou justo a suas costas, deu um coice. O animal fez o mesmo. -Venha, senhorita Lambarth. Masters quer nos mostrar os dois animais de tração que lhe mencionei. -Como se chama este cavalo, Masters? -perguntou. -Pegasus, mas deveria chamar-se Diabo! Não é montaria para uma dama. -Por que não? Tem mau temperamento? Não é bom seu salto?

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-Seu salto é suave e não é que seja mau, mas é um animal muito forte e teimoso. Os moços dizem que os encurrala contra a parede assim que entram em sua quadra. Helena riu. -Assim não tolera nem que o ignorem, nem que o subestimem. Espírito e energia são necessários em uma montaria. Se não, para que montar? Quero este cavalo, Dixon. Os dois homens se olharam incômodos. -Senhorita Lambarth, é um animal esplêndido - reconheceu Dixon- mas se Masters disse que o cavalo é… difícil, rogo-lhe que respeite sua opinião. -É obvio que a respeito! Mas nenhum de vocês me viu montar. Masters, como já sabe o senhor Dixon, minha mãe criava cavalos. Subo em uma sela desde antes de saber andar, e montei praticamente em tudo animal de quatro patas, de um pônei a cavalos inexperientes aos quais colocavam a sela pela primeira vez, de modo que sou eu quem roga que respeitem meu conhecimento do que posso ou não posso dirigir. -Se você o diz, senhorita - respondeu o cavalariço- Deixarei que o discuta com o cavalheiro. -Covarde - murmurou Dixon vendo como se retirava- Vamos, senhorita Lambarth, seja razoável! Outro dia admitiu que fazia anos que não montava. Não seria mais lógico escolher uma montaria mais dócil? -Sem dúvida, mas quero este. Quanto a cavalos, e a homens, confio em meu instinto, e por enquanto nunca me falhou. Pegasus e eu encaixaremos à perfeição… e galoparemos como o vento, não é, precioso? -sussurrou ao cavalo. Dixon moveu a cabeça, pesaroso. -Sinto não poder agradá-la, mas não posso comprar este cavalo. Se fosse a égua baia, ou aquele… -Não se desculpe senhor Dixon! Eu mesma o farei. A expressão momentânea de alívio de Dixon deixou passo à consternação. -Não pode fazer isso, senhorita Lambarth! Não lhe expliquei que… -Certamente. Explicou isso com toda claridade. -Adam me cortaria a cabeça se comprasse um cavalo tão pouco apropriado para uma mulher como este! -Tranqüilize-se, que eu mesma o comprarei. -Ver-me-ia com uma pistola na mão ao amanhecer se permitisse que arriscasse sua reputação participando você mesma do leilão.

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-Nesse caso, temo que tenha problemas, porque não vou renunciar a este cavalo. Poderia dizer a Darnell que resultei tão ingovernável que lavou as mãos de minhas atuações, por exemplo. Vou falar com Masters e ver como posso dar lances por ele. Se for impossível que uma mulher entre na sala de leilões, contratarei alguém que dê lances por mim. Deu meia volta e começou a andar. -Isto é chantagem, senhorita Lambarth! -protestou, segurando-a por um ombro. -Eu não pretendia que fosse - respondeu, sorrindo. Mas ele havia feito um grande favor e não devia rir de seu dilema- Estou segura de que Masters pode me recomendar um cavalo de gancho, se prefere seguir meu conselho e desentender deste assunto. -Como se isso fosse importar um cominho a Adam, depois de ter sido eu quem a há trouxe aqui - disse, e passou as mãos pela cara- Muito bem, senhorita Lambarth: se está decidida a ficar com este animal, terei que comprá-lo em seu nome, mas só se me prometer que não sairá a montar sozinha com ele, sem que a acompanhe um criado ou eu. Helena decidiu fazer essa concessão. -Se lhe parece que é necessário, senhor Dixon, mas asseguro que poderei dirigir o cavalo - já não pode conter-se escapou a risada- Imagino que agora já não admira tanto o indivíduo livre pensador como antes. -Posto que me vencesse com minhas próprias armas, não posso lhe regatear a vitória, mas a advirto que a próxima vez estarei em guarda. -Eu gostaria que seguíssemos sendo amigos, mas eu sou quem sou,sendo assim é melhor que esteja prevenido. Vamos que temos que encontrar algo no que nos pôr de acordo. Se os cavalos de gancho forem tão bons como diz, seguirei seu conselho e os comprarei. Embora obviamente incômodo, o senhor Dixon era um homem de bom caráter, de modo que não ficou zangado muito tempo. Pararam para tomar um sorvete no Gunter's e quando voltaram para St. James Square, já havia recuperado seu bom humor. -Pode ser que esta seja a última vez que me vê inteiro, senhorita Lambarth - disse ao acompanhá-la até a porta- Voltarei para Tattersall's para completar seu encargo, e quando Adam ver o tipo de montaria que lhe comprei, amanhã estarei três palmos embaixo da terra. -Se Adam tiver que discutir com alguém, será comigo - respondeu Helena, oferecendo uma mão- A estas alturas já sabe que tomo minhas próprias decisões, mesmo que os conselhos bem intencionados digam o contrário. -Talvez. Mas vou fazer testamento assim mesmo! E com uma cortesia, a deixou na porta.

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Adam não se inteirou das compras de Helena até a manhã seguinte, quando foi aos estábulos. O cavalariço, ao tirar seu cavalo, perguntou se ia unir-se à senhorita Lambarth e ao senhor Dixon, que haviam saído a provar a nova montaria da senhorita Lambarth no parque. -Assim, afinal comprou um cavalo? -Sim, senhor. O trouxeram ontem pela tarde. E se alguém quer saber minha opinião, eu diria que é muito para uma senhora. Embora Adam tivesse intenção de ir ao escritório do advogado, o comentário do cavalariço o deixou preocupado. Lady Darnell havia dito que Dixon tinha se oferecido a ajudar a Helena a achar montaria, mas se seu cavalariço, em cujo conhecimento dos cavalos confiava, não aprovava o animal escolhido, tinha que ver o que ocorria. A plena luz do dia e em pleno parque seria capaz de manter seus apetites sob controle, não? Montou e saiu em direção ao Hyde Park. Era muito cedo, de modo que os caminhos estavam praticamente desertos. Não se via nenhuma carruagem, de modo que tomou direção de Rotten Row. No pico da primeira colina, viu um cavaleiro a distância. Um cavaleiro vestido de vermelho ao lombo de uma sela de mulher sobre um enorme cavalo negro, uma descrição que proclamava sua identidade inclusive antes de ver o cavalo de Dix trotando a seu lado. Com ansiedade crescente, Adam esporeou sua montaria para alcançá-los. Justo quando estava a ponto de chegar a sua altura, o nervoso animal, assustado ao ouvir outro cavalo aproximar-se , deslocou-se de lado e se encabritou, tentando desmontar seu cavaleiro. O medo gelou o sangue nas veias. Viu a senhorita Lambarth deitar-se para trás, e temeu vê-la cair sob os cascos de seu cavalo. Mas em seguida se deu conta de que em lugar de ver-se lançada contra o chão, ou de estar agarrando-se apavorada às rédeas ou à cela, a senhorita Lambarth havia jogado para trás a cabeça… para rir! -Muito bem, precioso! -exclamou, e devia pedir ao animal que repetisse a pirueta, porque o cavalo voltou a cabriolar suspendendo as patas no ar. Adam se deu conta de que, longe de estar assustada, a senhorita Lambarth parecia controlar por completo a sua montaria. E que espetáculo estava dando! A capa negra do cavalo, a mulher vestida de vermelho montando-o com tal desenvoltura que ambos pareciam fundir-se em um, como se tratasse de uma entidade pagã e antiga, a feroz excitação que geravam aqueles dois seres selvagens unidos crepitava no ar. A atração que Helena exsudava sepultou Adam sob sua onda o deixando sem fôlego e

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asfixiando-o com a necessidade de domar e possuir. -Magnífico, não é? -exclamou ela, com os olhos brilhando e sorrindo- Tinha que ver se era capaz de executar todas minhas ordens. E agora, um galope! Ao fazer soar a vara, o animal saiu para frente a toda velocidade. Quando Adam conseguiu afastar a vista daquele cavaleiro vestido de vermelho olhou seu amigo, que seguia com o olhar cravado na senhorita Lambarth e não devia ter notado sua presença. Uma primitiva pontada de ciúmes o fez explodir. -Maldito seja, Dix, será que perdeste a cabeça? Pode-se saber como compraste um cavalo assim? Pode pisoteá-la! Surpreso, seu amigo se voltou a olhá-lo. Ele também devia estar sentindo uma intensa emoção porque seu rosto sempre amável se tornou hostil. -Mas como terá visto, não ocorreu nada. De fato, manejou o cavalo tão bem quanto teríamos feito você ou eu, e melhor que qualquer mulher que eu conheça. Mesmo assim, fiz todo o possível para evitar que comprasse Pegasus. -Pegasus? Essa besta deveria chamar-se Caronte, porque é muito capaz de levar qualquer um até Hades! E já vejo o bem que conseguiste dissuadi-la. Não se dá conta de que sua forma de vestir já a faz bastante singular? Paraste para pensar que vê-la sobre essa besta, por mais atraente que possa te parecer, pode danificar sua reputação? Se tão pouco se preocupa cuidar de seu bom nome, terei que proibir que a acompanhe! -Chamaria a atenção levasse a montaria que levasse. Galopar pelo parque não danificará tanto sua reputação quanto apresentar-se no leilão de Tattersall's, que era o que ia fazer se me negasse a representá-la. Além disso… -Dix o olhou atentamente- suspeito que desfrutaste tanto do espetáculo quanto eu. Há algo nessa mulher que parece apertar o pescoço de um homem até deixá-lo sem respiração. Vou ter que me casar com ela antes que me torne louco - acrescentou, movendo a cabeça. -Talvez o que necessita é se manter afastado um tempo. -E talvez o que você necessita é seguir seu próprio conselho - espetou- Vi como a olha. Eu ao menos sou livre para agir como me agrada, mas tenho que te lembrar que você está comprometido? Sugiro que saia correndo a se refugiar com sua noiva e que deixe de colocar obstáculos no caminho daqueles que valorizam à senhorita Lambarth tanto por seu espírito quanto por sua… apaixonante beleza.

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Naquele momento Helena chegou galopando até onde estavam e se deteve a seu lado. As bochechas rosadas pelo vento, os olhos brilhando, desprendiam uma energia sensual que contraiu o peito de Adam e lhe acelerou o pulso. -São uns covardes Pegasus - disse, dando umas palmadas ao pescoço sedoso do animal- Nem sequer tentaram nos alcançar. A partir de agora - acrescentou, olhando os dois homens- será muito mais dócil. Precisava correr, e não ficar preso no estábulo dia e noite. Não sei como lhe agradecer, senhor Dixon. Darnell espero que não tenha ficado repreendendo seu amigo por ter comprado esta montaria. Como pode ver, não tenho problema algum para controlá-lo. É mais: entendemo-nos à perfeição. Antes que Adam pudesse responder, foi Dix quem falou: -Não. Estávamos comentando que juntos compõem uma… chamativa imagem, mas tão encantadora que espero que me permita vir montar com você cada vez que saia, para evitar que a importunem. Ela riu. -Que tolice! Ninguém poderia nos alcançar! Mas se decide montar cedo, ficarei encantada de desfrutar de sua companhia. Agora, vamos trotar um pouco para que Pegasus se tranqüilize antes que cheguem mais cavaleiros ao parque. Acompanha-nos, Darnell? -Não, senhorita Lambarth. Ia caminho do escritório de meu advogado. A deixo com a… inestimável companhia do senhor Dixon. Depois de se despedir do amigo com uma brusca inclinação de cabeça, Adam partiu. As palavras de Dix ardiam, sobretudo porque eram certas. A desejava. De fato, a luxúria o deixou tão ciumento e furioso que tinha necessitado recorrer a seu controle e sua boa educação para ceder a Dixon a companhia da dama e partir do parque. Menos mal que a senhorita Standish não despertava nele tão incômodo excesso de emoções. Andar da luxúria ao ciúme, do ciúme à ira para de novo voltar a começar, não seria um modo cômodo de viver. Melhor ter uma esposa a quem respeitar e admirar, e que lhe inspirasse emoções mais moderadas. Ou seria talvez o fato de que a senhorita Lambarth pudesse inspirar sentimentos nele, tanto luxúria quanto respeito muito mais intenso que os que despertavam sua prometida, um aviso, uma advertência de que tinha se precipitado em sua escolha? Seria um erro seu compromisso com Priscilla? ***

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Capítulo 18

Dez dias depois, ao entardecer, Helena estava sentada no sofá de diante da chaminé lendo… ou melhor, tentando ler. Estava inquieta, e resultava impossível concentrar-se na história. Depois de dar-se conta de que havia lido a mesma frase em grego pela quinta vez, deixou de lado o livro. Decidiu servir uma taça de vinho, mas o calor da bebida não conseguiu sossegar a sensação que a fazia sentir-se como uma fera enjaulada. Tanto precisava desfrutar de ar fresco e atividade que esteve a ponto de ir com tia Lillian e Charis ao baile daquela noite. Mas salas cheias de pessoas não conseguiriam limpar a agitação que a empurrava a se levantar e passear de um lado ao outro da biblioteca. Inclusive nas veladas musicais se sentia rodeada de muita gente, de modo que seu desejo de solidão havia chegado a manifestar-se quase como uma dor física. Como desejava sair sozinha, como fazia pelas noites nos bosques de Lambarth! Mas já podia ir esquecendo-se disso. Ao que parecia, uma moça de bom berço não podia sair da porta de sua casa sem ir acompanhada. Albergava a esperança de que montar Pegasus suavizaria a sensação de estar presa que crescia com cada dia que passava em Londres. Mas embora possuísse uma maravilhosa montaria e apesar de que se levantava ao amanhecer, tinha que levar um criado, cuja presença a impedia de escapar e explorar a cidade. E uma vez que correu a voz que estava acostumada a ir ao parque cedo, começou a encontrar-se não só com Dixon, mas também com muitos cavalheiros mais. Alguns eram o bastante descarados para apresentar-se em sua casa, embora sua manifesta indiferença acabava por desanimar a quase todos, exceto Dixon e lorde Blanchard. Ambos passavam quase diariamente, mas ao reparar como os olhares do diplomático estavam acostumados a parar em Charis, convenceu-se de que Blanchard não ia vê-la. Quando brincou com Charis a respeito disso, sua amiga respondeu com um suspiro que devia estar equivocada porque a posição de Blanchard exigia que se casasse com uma mulher de dinheiro, e era muito nobre e cortês para respirar uma esperança que não poderia satisfazer. Mas Charis havia mudado rapidamente de assunto, de modo que ficou sem saber a profundidade que tinham os sentimentos de sua amiga pelo atraente diplomata. Embora não podia estar segura dos sentimentos de Charis para o matrimônio, sim que estava dos seus, e apesar de que ia a poucos eventos sociais, seguia atraindo a atenção dos solteiros.

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Certamente consideravam uma provocação conquistar uma mulher que se vestia como lhe agradava e que rechaçava o matrimônio. Ou possivelmente fosse algo de sua pessoa o que os empurrava a olhá-la com luxúria… eles e Darnell. Deteve-se contra o fogo e seu calor a lembrou as sensações que Adam inspirava nela, um lembrança que precisamente não conseguiu acalmar sua agitação. OH, o que daria para ter nascido homem e poder ir onde desejasse a qualquer hora do dia ou da noite! Exclusivos hotéis, bordéis, salões de jogo… toda Londres estava a seu alcance, enquanto que uma dama nem sequer podia perguntar por todas aquelas coisas, nem muito menos as explorar. Decidiu aproximar-se da cozinha. Talvez um pouco do saboroso presunto da cozinheira a acalmasse o bastante para poder conciliar o sono. Desceu sem fazer ruído pela escada de serviço até chegar à cozinha, onde o fogo e um abajur que deixavam ardendo lentamente proporcionavam uma exígua luz. Sentado junto a ela, havia um criado de guarda. Estava a ponto de entrar na despensa quando ouviu que algo arranhava a porta. Sem fazer ruído se encostou à parede e tirou a adaga de fabricação caseira que seguia tendo atada à perna. Sustentava-a na mão disposta a defender-se quando a porta da cozinha se abriu e apareceu uma pequena figura. Dickon! Que alívio. Nell ou Harrison o fariam provar as delícias do cinturão de couro se o descobriam perambulando por ali de noite. O que traria entre mãos? Helena esperou que o moço tivesse passado diante da porta da despensa para sair e cobrir a boca com uma mão e pressionar a traquéia com o polegar da outra, tal e como Sally a louca havia lhe ensinado. O retendo assim, sussurrou ao ouvido. -Silêncio! Sou a senhorita Helena. Vem comigo a meu quarto. Não retirou a mão até estar segura de que havia compreendido. Com uma mão na garganta, a seguiu. -Pode-se saber no que estava pensando para andar a estas horas por aí? Se Charles despertou, Harrison e Nell teriam te dado uma boa surra. -Charles não desperta nunca. Quando está de guarda, posso sair e entrar sem que ninguém se inteire. -Assim já o fez antes? Dickon se deu conta de seu erro e tentou negá-lo a princípio, mas acabou por admitir que nas últimas semanas tivesse escapado várias vezes. -E o que faz lá fora?

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-Encontrar com meus amigos de antes, jogar cartas, beber cerveja e às vezes ganhar alguma moeda cuidando dos cavalos dos senhores enquanto eles entram em alguma casa de jogo clandestino. Não irá dizer a Nell ou ao senhor Harrison, não é? De repente lhe ocorreu uma idéia. -Deveria dizer a Nell. Mas pode ser que guarde seu segredo se… ajudar-me. - Peça o que quiser senhorita! -O primeiro que quero que faça é me conseguir roupa de menino. Em seguida quero que me leve a alguns lugares aos quais quero ir. Dickon a olhou fixamente. -De noite, e vestida de menino? Está louca, senhorita? Isso não posso fazer! -Não necessito que me leve a jogar cartas ou a beber com seus amigos. Só quero poder passear sozinha, sem ter que levar uma criada ou um criado colado nos calcanhares. Quero ver aonde vão os cavalheiros e observar o que fazem. O que pode ser mais seguro que me vestir de homem? -Mas as ruas não são seguras nem sequer para mim! Há homens muito perigosos por aí! -Evitaremos as áreas mais comprometedoras. E se ocorrer o pior, levo minha faca e a usaria. Esta noite o fiz bem, não te parece? -Bom… - respondeu Dickon, esfregando a garganta- Mas não posso ajudá-la. Se Nell ou o senhor Harrison se inteiram, cortariam-me a cabeça. -Não acredito que se conto que esteve escapulindo todas as noites, fiquem muito contentes. Se me levar, poderá seguir com suas excursões. Morrerei se não puder sair desta casa e explorar sem anáguas e mais anáguas, criadas e serventes! Por acaso não defendi Nell e a ti diante de lorde Darnell? -Isso é verdade, e bem que agradeço - respondeu Dickon, que a olhava sem deixar de tocar o pescoço- E o que a impediria de contar tudo depois, quando já tiver se cansado de sair? -Porque não poderia, porque se revelo suas saídas, você poderia dar conta das minhas. Seu segredo estaria a salvo comigo, porque se não corro nenhum risco, poderia escapar sem querer. -Imagino que lorde Darnell a enviaria a um convento se inteirasse. -Exato. Então, o que? Mais aventura, ou digo a Nell e ficas trancado em casa para sempre? Dickon a olhou zangado. -Não me deixa escolha, senhorita. -Excelente! -alvoroçou-se- Poderá ter a roupa para amanhã de noite? A senhorita Charis e Lady Darnell vão participar de outro baile, e Darnell acompanhará sua prometida, assim que todos ficarão fora até tarde.

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Dickon aceitou a agradá-la: entregaria-lhe a roupa assim que a tivesse e em seguida se reuniriam às doze da noite na câmara que dava ao jardim. Dali, pensava Helena, poderiam saltar facilmente ao jardim utilizando o grosso galho de árvore que já tinha localizado e sair ao exterior pela mesma porta que havia utilizado com Molly.

No dia seguinte, depois de passar horas indo e vindo de um lado para outro da biblioteca esperando que todos os serventes estivessem na cama, Helena voltou a seu quarto e se vestiu com as roupas de moço e desceu ao quarto de convidados que dava ao jardim. Um instante depois, uma suave chamada à porta anunciava a chegada de Dickon, e após rebater com tanta paciência quanto foi possível suas últimas tentativas por dissuadí-la da excursão saiu pela janela ao galho. -Caramba! -sussurrou Dickon uma vez saíam já pela porta lateral do jardim- Que maneira de subir às árvores! -Não imaginava quão fácil pode ser com calças - riu- Se as mulheres chegassem a descobrir quão úteis são as calças, jamais voltariam a usar saias! Bom, o primeiro que quero é ir a uma taverna, uma das quais está acostumado a visitar as pessoas comuns. -Mas para que? Não acredito que vai se pôr a beber cerveja ou a jogar cartas, não? -Quero ver como é. Onde costuma ir? Dickon suspirou. -Há um lugar que não fica longe… Nancy Jim's. É um tugúrio onde se bebe bem e se joga. Presumo que não lhe acontecerá nada se ficar com meus amigos. -Fantástico! Vamos já. Com o clipe clop dos cascos dos cavalos, a iluminação dos postes, ainda que bastante distantes entre si, e os abajures das carruagens, Helena descobriu que a noite em Londres não era tão escura nem tão silenciosa como nos bosques de Lambarth. Como iam a pé, podia deter-se e examinar as casas e as vitrines que a interessavam enquanto Dickon tentava não perder a paciência e explicar tudo o que ela queria saber. Helena estava desfrutando, tanto que não se importou ficar no pátio de Nancy Jim's, cujo ao dono Dickon a apresentou como um menino novo. Escutando em silêncio o bate-papo dos moços, que às vezes lhe resultava totalmente incompreensível, esperou que Dickon pedisse as bebidas. Descobriu que a cerveja não a agradava absolutamente, até o ponto que cuspiu o gole que havia tomado o que provocou um estalo de risadas, e esvazio o conteúdo da jarra no chão antes que

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Dickon pudesse impedir. Quando seu guia acabou sua jarra, voltaram a partir. Helena lhe propôs que fossem a St. James Street, que era a rua em que se encontravam os clubes de cavalheiros mais famosos. Conforme havia dito tia Lillian, às mulheres estava proibidas transitar por ali. -Eu gostaria de vê-los por fora, a ver se descubro o que gera nos cavalheiros tanta fascinação e lealdade. -Não tem nenhum segredo - respondeu Dickon- Você é bem vindo, se aposta forte nas cartas e não há mulheres que possam incomodar. Mas não é bom ir ali, senhorita. Poderiam me reconhecer. -Ficaremos só um momento e você pode se ocultar - respondeu Helena, que já havia começado a andar nessa direção. Murmurando entre dentes, Dickon correu atrás dela. A surpreendeu descobrir quão próximo um do outro estava os estabelecimentos mais famosos. Primeiro ficou contemplando o Brook's e o bate-papo entre os cavalheiros, que chegavam e partiam que eram principalmente sobre a colheita de milho, os pastos e os excessos do príncipe regente. Logo cruzou a rua e se plantou diante do White's, e pelo pouco que pode ouvir da porta, sua clientela parecia mais preocupada com o jogo e os rumores. Estava a ponto de partir quando chegaram dois homens e ouviu a voz de lorde Blanchard, seguida de seu acompanhante, quem ia falando dos encantos da senhorita Darnell. Apesar dos frenéticos gestos de Dickon para que partisse Helena não pode deixar de aproximar-se. Quando o amigo de Blanchard desmontou de seu cavalo, Helena aproveitou a oportunidade para aproximar-se ainda mais e imitando o tom e a voz de um garoto das ruas, disselhes: -Cuido do cavalo por um peni, chefe! Sem sequer olhá-la, o homem lhe lançou uma moeda e as rédeas, e logo se virou para Blanchard, que nem sequer a olhou. -Não me olhe assim, Nathan -dizia o cavalheiro- Se você não tiver interesse real na jovem, não deve ter nada que objetar que outros cavalheiros respeitáveis a cortejem. Blanchard suspirou. -Já sei. Oxalá pudesse cortejá-la, mas já conhece minha situação. Minha família e minha carreira exigem que me case com uma mulher de dinheiro, embora eu preferisse me casar com esse anjo. O outro cavalheiro riu. -Posto que deva ser outro quem a leve, melhor que seja um bom amigo como eu! Anda,

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vamos brindar por meu êxito. Blanchard sorriu com tristeza. -Obrigado, mas não. Desejo-te o melhor, mas teria que ser um santo para brindar por outro que se case com ela. -Poderia beber para que te acompanhe a sorte para achar uma rica herdeira. Talvez a amiga da senhorita Darnell, a senhorita Lambarth… -Ai, a senhorita Lambarth! -riu- Linda e única criatura! Dou graças diariamente por sua presença, que posso usar como desculpa para ir a casa de minha amada. -Para mim é muito, por mais encantadora e rica que seja. Eu prefiro uma esposa doce e tranqüila. -Espero que a encontre… sempre e quando não seja a senhorita Darnell. E levando a mão ao chapéu, Blanchard se afastou ao trote. Helena devolveu as rédeas ao amigo de Blanchard, quem lhe deu outra moeda, e voltou aonde a aguardava Dickon, com a cabeça ardendo. Assim lorde Blanchard estava apaixonado por Charis! Seria possível que sua amiga também albergasse esse mesmo sentimento, mas que conhecendo suas circunstâncias, tivesse renunciado a ele? E se fosse assim, pensou, pondo-se a andar com mais rapidez, ela tinha a solução. ***

Capítulo 19

Adam não desejava prolongar a velada tensa que havia passado com sua prometida e declinou seu convite para entrar, deixando-a na porta. Um passeio com o ar frio da noite o ajudaria a limparse, de modo que enviou à carruagem a casa e se dispôs a chegar a pé ao White's. Toda a noite havia ficado debatendo-se com as recordações que o assaltavam de seu último encontro com a senhorita Lambarth na biblioteca. Pouco a tinha visto após, e sempre acompanhada. Entretanto, várias vezes aquela noite o pulso tinha acelerado ao ver alguma dama de cabelo escuro ou ao chegar a seus ouvidos uma voz de timbre sensual e grave. O que era ridículo, pois depois da cena de pânico de seu primeiro baile, sabia que jamais voltaria a participar de outro. Apesar de Priscilla ter advertido que se Helena seguisse rechaçando a maioria dos convites que recebia acabaria em estado de ostracismo, era bem o contrário o que estava acontecendo. A novidade que uma dama rechaçasse os convites mais exclusivos tinha às mais reputadas anfitriãs

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tentando idear uma festa que pudesse tentar à rica herdeira. Certamente não carecia de acompanhantes nas escassas ocasiões em que decidia sair. Dix, de quem Adam tinha se afastado desde sua polêmica no parque, sempre estava disposto a lhe oferecer seu braço, e Nathan também estava acostumado a unir-se ao grupo. De fato, cada vez que ia a seu clube havia algum cavalheiro que o abordava para pedir ser apresentado à senhorita Lambarth. Inclusive havia alguns presunçosos abutres que se atreviam a solicitar permissão para pedir sua mão. Ele aceitava apresentar aos primeiros e mandava ao vento fresco aos segundos, informando-os de que a senhorita Lambarth não desejava receber nenhuma oferta, o que era para ele uma fonte tanto de ansiedade quanto de satisfação. Embora vendo quase ir o que restava de seu controle cada vez que ela estava perto, seria melhor que se casasse e desaparecesse de uma vez de sua vida. Porque ultimamente se mostrava tenso e mal-humorado com Priscilla, e analisava todas suas ações com um olhar crítico. Seria porque não podia se livrar da suspeita de que sua prometida não era mais como ele a lembrava, ou que havia mudado com o resultado de selar seu compromisso? Ou seria talvez porque agora que conhecia a resposta de Helena diante do mundo que os rodeava, Priscilla lhe parecia ridiculamente convencional? Antes de sair na noite passada da mansão Standish, Priscilla havia recolhido sua capa das mãos de um servente e seu manguito de pele de outro sem chegar a ver essas pessoas na realidade. Só havia agradecido ao mordomo. Se pensasse com atenção, não lembrava tê-la visto falar com nenhum servente exceto com sua criada, o mordomo e a governanta. Não podia imaginá-la descendo à cozinha ou entrevistando pessoalmente um servente. Seu comportamento quando estavam sozinhos também o preocupava. Enquanto que a princípio parecia tão desejosa como ele de escapulir ao jardim, ultimamente parecia evitar essas ocasiões de intimidade. Precisamente o dia anterior, para provar a si mesmo que sua prometida lhe resultava tão atraente quanto… outra mulher havia tentado compartilhar com ela um beijo apaixonado. Ela o havia rechaçado alegando que enrugava o vestido e o lembrando que sua mãe havia aconselhado que se limitasse a castos beijos até depois das bodas. Se tivesse sido a senhorita Lambarth quem tivesse estado em seus braços, não a imaginava baixando o rosto para que a beijasse castamente na testa. Bem pouco havia visto, desde o jantar de compromisso, aquela menina aventureira da qual guardava tão grata lembrança. A menina que uma vez desfrutava escapando da supervisão de sua mãe agora estava acostumada começar ou terminar suas argumentações dizendo «mamãe diz… » E quando ele, mais ou menos de brincadeira, fazia algum comentário a respeito, ela em seguida ficava

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na defensiva. Aquela mesma noite tinha pretendido dançar uma terceira valsa com sua prometida, precisamente para se desfazer dessa sensação de desassossego, mas Priscilla o enviou a dançar com uma amiga do colégio, Lady Cordélia. Lady Standish pensava que não era conveniente que dançassem muito juntos, porque logo iam se casar e os casais da alta sociedade não passavam todo o tempo juntos como pombinhos. De verdade duas pessoas apaixonadas uma pela outra, que ardiam em desejos de ficar juntos, não iriam querer compartilhar cada instante, particularmente dançando, o momento de maior intimidade que podia se ter em um salão de baile? Se fosse a senhorita Lambarth sua prometida, ele não permitiria que dançasse com nenhum outro. De repente o desapegado afeto que em sua opinião devia promover a felicidade conjugal tinha deixado de ter interesse para ele. O que seria da vida sem a corrente abrasadora do desejo, sem a paixão irredutível, com tão somente educados beijos na testa? Demônios… cada vez se parecia mais com Charis e seus condenados romances de amor. Havia feito sua escolha e não podia voltar atrás… nem podia fazer Priscilla passar pelo ridículo de se ver abandonada. Assim tudo aquilo tinha que terminar. Estava aproximando-se do White's quando viu Nathan Blanchard ao lombo de seu cavalo falando com outro cavalheiro. Não estava de humor para bate-papos, de modo que se deteve até que os dois terminassem. Enquanto esperava, algo no moço que sustentava as rédeas do amigo de Blanchard chamou sua atenção. Franziu o cenho olhando com atenção e amaldiçoou entre dentes: que lhe cortassem em pedaços se aquele garoto não era a senhorita Lambarth disfarçada. Nathan se afastou, o outro homem subiu a seu cavalo e o moço voltou a andar. Uma vez mais, algo naquela figura chamou sua atenção. Devia estar louco a ponto de trancar em um manicômio, porque apesar de ser consciente de que tal coisa era impossível, não pode evitar o impulso de aproximar-se com cautela. Quase tinha se convencido de que a intrépida senhorita Lambarth não teria a audácia nem a habilidade necessária para proporcionar tal disfarce quando outro moço saiu das sombras. À luz amarelada da luz, não foi difícil o reconhecer: era Dickon, o aprendiz de Harrison e o pesadelo do responsável pelas quadras. Assim que o moço escapava de vez em quando para ver com seus amigos… não hazia nenhum mau nisso. Havia decidido esquecer-se de suas ridículas suspeitas quando o ar da noite lhe levou um sussurro de Dickon:

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-Quase me dá um ataque! Mas como lhe ocorre aproximar-se deles assim? E se tivessem a reconhecido? -Mas não reconheceram - respondeu uma voz que o deixou gelado- Além disso, já podemos partir. Quero ir a Covent Garden. Há uma mulher que vi uma vez no parque… a divina Alicia, acredito que a chamavam… O coração primeiro parou e logo empreendeu uma corrida louca enquanto ouvia Dickon responder que já haviam visto suficiente para uma noite e que não iam visitar aquele tipo de mulher. Os dois haviam quase desaparecido rua abaixo quando Adam reagiu. Sua primeira intenção foi sair atrás deles, pegá-la pelos braços e colocá-la à força em um coche. Mas melhor procurar outra opção mais prudente, na qual os clientes do White's não se fixassem em Dickon e seu acompanhante. Benzendo sua experiência como correio de Wellington na Península, quando em várias ocasiões havia tido que escapulir para não ser detectado pelos franceses, começou a segui-los. Felizmente, a senhorita Lambarth e seu acompanhante não pretendiam ocultar-se, de modo que pode segui-los à distância. Iam em direção a Picadilly, e pareciam seguir discutindo. Adam esperou que pegassem a seguinte esquina perguntando-se se devia esperar e ver se Dickon se saía com a sua e convencia à senhorita Lambarth que voltasse para casa. O coração deu um tombo quando chegou à esquina e não os viu, mas recuperou seu ritmo normal quando os viu tomar uma rua lateral, felizmente em direção a casa. Mas antes que pudesse se alegrar por isso, um homem corpulento se colocou atrás deles pelo mesmo beco. O medo o fez apertar o passo, mas estava ainda a uns trinta metros quando o tipo segurou Helena por um braço. -Eh, ouça, você - disse olhando-a de cima abaixo- É muito bonito, hein? Eu gosto dos meninos bonitos, quase mais que tudo. Por um peni, te mostrarei quanto. Uma raiva assassina invadiu Adam de tal modo que não havia voltado a sentir desde Waterloo, quando um dragão francês atravessou seu camarada com a espada, derrubando-o de sua sela. Apertou os punhos e se dispôs a atacar. Mas antes que pudesse dar tão somente um passo, à escassa luz de uma tocha que iluminava a entrada de uma taberna Adam percebeu um brilho prateado. Em um abrir e fechar de olhos, a senhorita Lambarth tinha uma faca magra e de folha curva na garganta do boi que a tinha acossado. -Será melhor que deixe em paz os meninos bonitos, senhor, a menos que queira que o deixe incapaz de oferecer seus serviços seja a meninos ou a garotas - disse em voz baixa e ameaçadora. Com os olhos saindo das órbitas, o homem olhou a faca e lhe soltou o braço.

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-Não há por que se por assim! Não ia te fazer nenhum dano! Quando a senhorita Lambarth separou a faca, o tipo retrocedeu tropeçando em seus próprios pés, e olhando-a e a Dickon, que o ameaçava com uma pedra na mão, escapuliu-se ao pátio da taberna. Adam não ouviu depois senão o som de sua própria respiração. Logo a voz de Dickon quebrou o silêncio. -É… hora de ir para casa. Adam se apoiou na parede para ocultar-se nas sombras e os viu pôr-se a andar. Quando interpôs uma prudente distância, voltou a segui-los com discrição e suspirou aliviado quando por fim chegaram a Darnell House e entraram no jardim por uma porta lateral cuja existência havia esquecido. Viu fechar a porta e apoiou as mãos na parede. Aquele momento de debilidade foi seguido de outro de fúria dirigido contra a senhorita Lambarth. Como podia ser tão inconsciente, tão amalucada, tão despreocupada do vergonhoso escândalo que poderia acarretar caso alguém a descobrisse, ou o terrível perigo que havia corrido perambulando pelas ruas de Londres de noite, com apenas um estúpido moço como proteção? Ao mesmo tempo, tinha que reconhecer que havia mostrado uma imaginação única no modo de escolher como escapar das restrições que impunha a sociedade, e uma coragem fria e rápida ao enfrentar um potencial atacante. Não podia imaginar outra mulher mais atrevida ou com mais recursos. Agora que estava a salvo, esperava que essa admiração o ajudasse a lhe dar uma boa repreensão, mas que também o impedisse de estrangulá-la. Ou tomá-la em seus braços e lhe dar um beijo que a deixasse sem sentido, que era o que tinha desejado fazer ao vê-la diante da porta do White'S. Tentando controlar aquele primitivo impulso como já havia feito umas quantas vezes, imaginou que a senhorita Lambarth devia já ter tido tempo suficiente em casa para se desfazer do disfarce e voltado para sua leitura noturna na biblioteca. Virou na esquina. Sua iminente confrontação era uma batalha que devia ganhar, de modo que quase não prestou atenção a boa noite que lhe deu o adormecido criado que abriu a porta. Mas quando entrou na biblioteca, a achou vazia. Helena devia estar em seu quarto. Por um momento ficou frente à chaminé apagada sem saber o que fazer. Por muito que desejasse subir de dois em dois os degraus da escada e plantar-se em seu dormitório, inclusive àquelas horas não podia fazê-lo sem despertar algum servente, e não queria criar um alvoroço de que teria que prestar contas a Lady Darnell.

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Com um gemido desesperado, aproximou-se da mesa, serviu uma generosa taça de porto e a esvaziou de um só gole. Teria que encontrar o modo de falar com ela a sós. E por muito que o lamentasse, um calor abrasador circulou pelas veias ao dar-se conta de que em algum momento do dia seguinte ia voltar a tê-la só para ele.

Depois de dormir pouco e mau, Adam desceu a sua biblioteca à primeira hora. Devia falar com a senhorita Lambarth, mas não queria alarmar Charis ou a Belle-mère, assim teria que esperar até a noite, quando as mulheres saíssem, para tentar pegá-la a sós lendo na biblioteca… a menos que decidisse voltar a dar uma escapada por Londres. Não, não queria nem imaginar. Antes que pudesse decidir qual era o melhor proceder, alguém bateu na porta. Que surpresa foi ver aparecer Dickon, que lhe pediu alguns minutos para falar de um assunto muito importante. Adam suspeitava qual poderia ser a natureza desse assunto. -O que acontece, Dickon? -É a senhorita Helena senhor… que pode conseguir que um moço faça coisas que na realidade não quer fazer, sabe? O que sim, sabia? -Continua. -Uma noite me pegou saindo de casa e… bom, em resumo, disse que se sentia asfixiada, que só podia ir a reuniões de mulheres, sempre rodeada de pessoas, nunca só. Ameaçou que o contaria a Nell se eu não… se não a levasse comigo a explorar. E ontem à noite… o fiz. -Será que perdeste a cabeça, moço? -explodiu, dando rédea solta a parte da frustração que tinha contida. -Eu não queria! E ainda por cima não pense que saiu como uma mulher, mas sim com roupas de moço. Além disso, sabe usar voz de menino, juro. Nem sequer lorde Blanchard a reconheceu! acrescentou, sorrindo. -Graças a Deus! Deveria te despedir. -Juro que não deixei que me convencesse de que a levasse a um bordel! E vim contar-lhe quando ninguém teria se inteirado - olhou Adam. Parecia desesperado- A senhorita Helena não me escutaria, mas você poderia lhe ordenar que não saísse de casa, não é? -baixou o olhou e acrescentou com um suspiro- se quiser me despedir, e não posso culpá-lo. Mas pensei que tinha que saber.

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Adam esperou, mas Dickon não disse nada mais. Era de admirar a lealdade do moço para sua ama ao revelar só o fato nu de sua transgressão, omitindo o assunto mais daninho e perigoso do homem que a havia acossado. Adam se estremeceu ao lembrar. Melhor que o moço não se inteirasse de que havia presenciado. -Senhor Dickon, eu não gostaria de renunciar a um empregado que sabe diferenciar entre o que é importante e o que não o é. Guardarei o segredo do que me contou, mas sugiro que no futuro reserve seus passeios para horas mais razoáveis. Pode ir. -Sim, senhor - respondeu, claramente aliviado- Falará com a senhorita Helena? -Por favor, peça que venha me ver agora mesmo. Dickon suspirou. -Quando souber que a delatei me açoitará, mas vou procurá-la. Adam respirou fundo. Bendito fosse Dickon por sua sinceridade e por lhe proporcionar o modo de chamar Helena discretamente. Esperava ser o bastante convincente para impedir que os fatos voltassem a se repetir, porque embora não fosse confessar a Dickon, ordenar que não voltasse a fazê-lo seria esbanjar saliva. Um instante depois, alguém bateu na porta. Fechou os olhos e respirou fundo. Helena fez uma profunda reverência. -O que é que fiz que o obrigasse a me chamar? Seu vestido era verde grama, seu penteado perfeito; tudo nela era a viva imagem de uma dama de alto berço, uma imagem arrebatadora. Parecia impossível que algumas horas antes tenha enfrentado um malfeitor em um beco de Londres. -Que motivo pensa que possa ter? Ela roçou a bochecha com um dedo e fingiu pensar. -Será pelo que disse a Lady Pulôver ontem, quando ela comentou que como era possível que tivesse tantos admiradores apesar de ter dito claramente que o casamento não me agrada? Porque o que lhe respondi foi que a boa sociedade é como um grande gato: se tenta atraí-la te desdenha, mas se a ignora te sobe no colo. Apesar da urgência que sentia, Adam se pôs a rir. -Algo mais que lhe pese na consciência? -Talvez o bofetão que dei ao visconde de Frammingham por ter umas mãos, digamos… viajantes. -O que foi que fez? -perguntou Adam, alarmado- Terei que lhe quebrar os dedos.

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-Não se preocupe com os dedos de Freddie - riu ela- O arranhei tão forte que o sangue lhe manchou as calças. Não acredito que volte a tentar. -Me alegro de ouvi-lo. O assunto que me preocupa teve lugar… ontem à noite. Não estava seguro de como responderia a suas perguntas. Felizmente verificou que se limitava a adotar um ar perfeitamente inocente. -Suponho que Dickon falou com você, não? Esta amanhã tinha cara de culpabilidade. Já me disse ontem à noite não sei quantas vezes que havia lhe dado um susto de morte. -Não só a ele. Eu também a vi. Ela se ergueu e abriu os olhos de par em par. -O que, me viu? Onde? -Diante do White's, sustentando as rédeas do cavalo de um cavalheiro que falava com lorde Blanchard. Ela ruborizou. -Enfim… suponho que devo me alegrar de que não me arrastasse pelo cabelo ali mesmo. -Acredite que me senti tentado de fazê-lo! Mas não ia arriscar a criar um alvoroço que fosse colocá-la em evidência. -Suponho que devo lhe agradecer por isso. Tenho que permanecer calada enquanto dure a reprimenda? -Se pensasse que uma reprimenda fosse ser efetiva, gritaria até que me ouvissem nos céus. Sobre tudo tendo em conta que depois a segui até casa. Embora suas bochechas voltassem a se tingir de um vermelho mais intenso, limitou-se a dizer: -Deveria lhe felicitar por sua habilidade. É óbvio que suas habilidades para passar despercebido são maiores que as minhas. Descontente porque ainda não reconheceria a seriedade ou o perigo no qual havia incorrido escapando, Adam saltou da cadeira e explodiu: -Se quando esse rufião a abordou não levou um susto de morte, garanto que eu sim! Muito agitado para voltar a sentar-se, começou a passear de um lado ao outro da sala. -Demônios, senhorita Lambarth! Presumo que seja consciente de que o que fez ontem à noite foi tremendamente perigoso! E se esse homem tivesse cupinchas o aguardando? E se ele, ou outro, tivesse descoberto que era uma mulher, sozinha no meio da noite, com tão somente um moço que a defendesse? -as palavras saíam em uma furiosa turba, de modo que não podia interromper- Inclusive deixando de lado o perigo, como acredita que teria se sentido Belle-mère se alguém tivesse vindo com o conto? -não queria nem imaginar a cena- Como pôde fazer algo assim?

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Em um silêncio quebrado só pelo tic tac do relógio da chaminé, olharam-se fixamente. -Me alegro que não pretenda me repreender - disse ao fim. Mas antes que ele pudesse voltar a explodir, pediu-lhe silêncio. -Não foi uma idéia acertada… agora me dou conta - admitiu. -Por que correr esse risco? Dickon comentou algo como que se sente asfixiada, mas você sabe que pode ir onde quiser, com a devida companhia. O que a empurrou a sair assim no meio da noite? Ela entrelaçou as mãos e baixou o olhar. -Você sabe que meu pai me retinha… confinada. Mas o que certamente não sabe é que consegui encontrar o modo de escapar de todas as prisões nas quais desejou me encerrar. Aprendi a abrir fechaduras e descobri até o último modo de escapar dos muros de Lambarth. Pelas noites, abandonava o castelo e caminhava pelos arredores, ou ia visitar Sally a louca, uma anciã curandeira que vivia no bosque e que foi minha única amiga quando minha mãe se foi. E teria me tornado tão louca quanto dizia que estava se não pudesse falar com ela. Como compreenderá, passear pela noite é algo natural em mim. Adam tinha que admirar seu espírito indomável, embora lamentasse as circunstâncias que a empurravam a escapar de sua própria casa. -Mas aqui tem muitos amigos. -Só conhecidos, a maioria interessados mais em minha fortuna do que em meu caráter. Além disso, passei tanto tempo sozinha que estar agora sempre rodeada de pessoas me produz… afogamento. Aqui só posso sair a montar ou de visita, acompanhada sempre de alguém. Às vezes sinto a necessidade simplesmente de estar fora, só e livre para me mover como quero. -Mas terá se dado conta do perigoso que é fazer isso aqui. Ela assentiu. -Não havia me dado conta até ontem à noite. Agora reconheço que há boas razões para as regras que evitam que as jovens saiam sozinhas, algo que suponho que agora vai me proibir. -Não tenho esse direito, mas lhe rogo encarecidamente que não volte a fazê-lo, por sua própria segurança e pela tranqüilidade de todos os que se preocupam com você. -Prometo não voltar a fazê-lo, embora não estou segura do que possa fazer agora quando sentir esse afogamento - acrescentou com um sorriso. Adam sentiu que tirava um enorme peso de cima e por fim chegou a calma necessária para deixar de passear.

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A convidou a sentar-se junto a ele no sofá e disse: -Pode ser que em parte seja a própria Londres que a faz sentir-se presa: edifícios altos, que cortam o horizonte, multidões por toda a parte… Uma excursão ao campo poderia aliviá-la: Hampton Court, talvez. Poderia pegar um barco e descer pelo Tamisa. Os jardins estarão praticamente desertos nesta época do ano. E há um labirinto. No centro poderá descansar, respirando o aroma fresco dos arbustos e sentindo-se a única pessoa sobre a face da terra. Para sua satisfação, seu rosto se iluminou. -Perguntarei a tia Lillian se podemos ir. - Faça-me saber qual foi sua resposta. Eu… Não. Não podia oferecer-se a acompanhá-la, embora talvez pudesse convencer sua prometida de que se unisse à excursão, algo que era pouco provável já que não pensava que Priscilla gostasse do campo - Posso pedir ao senhor Dixon ou a lorde Blanchard que a acompanhe, a você e a Charis. Com a cabeça inclinada, ela o olhava atentamente e Adam ficou em silêncio. Olhando-a não estava sentindo um maior desejo como temia, mas sim uma estranha melancolia. Como gostaria de remar com ela pelo curso do rio, ver iluminar-se seus olhos nos jardins, brincar com ela no labirinto, se sentarem juntos no centro, satisfeito vendo-a feliz. Feliz de estar com ela. Não queria seguir pensando naquele estranho sentimento e tentava encontrar algo que dizer quando ela sorriu… e não foi seu sorriso de sereia, mas sim a doce curvatura de seus lábios o que lhe encolheu o coração e o deixou desejando poder tomá-la em seus braços. -É muito amável -disse-. Vai dizer algo a tia Lillian de minha…? -Não, Por Deus! Esse será nosso segredo. -Obrigada. Prometo tentar não voltar a lhe roubar a paz. Ele riu. -Parece-me que já ouvi isso antes. -Não se preocupe, em breve partirei para sempre e deixarei de incomodá-lo. Milord… despediu-se. Quando tinha saído, Adam passou uma mão pelo cabelo. Em Lambarth ou em Londres, imaginá-la em perigo o colocava de cabelos em pé. E embora lamentasse sua temeridade, não podia por menos admirar sua valentia. Uma jovem que levava uma faca e sabia usá-lo! Lady Darnell daria um ataque. Ele tampouco não poderia resistir em ajudá-la se ela confessasse sua necessidade de consolo.

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Menos mal que ia partir logo, porque Deus sabia que, apesar do que havia dito a noite em que fugiu do baile, sobre enviar Nathan ou Dix como protetores, desejava ser ele quem cuidasse dela e a protegesse. Contemplando as chamas da lareira, Adam se deu conta de que já era bastante difícil controlar sua luxúria como agora, ia por cima de tudo ter que ver-se com uma crescente certeza de que aquela mulher era uma alma única a qual detestaria perder… ***

Capítulo 20 Helena saiu da biblioteca inquieta e pensativa. A possibilidade de sair da cidade havia resultado tremendamente atraente. Embora preferisse ir com Darnell, ele não quis se oferecer a acompanhá-la, o que estava bem. A senhorita Standish seria sem dúvida um sepulcro em semelhante excursão, se é que aceitava a acompanhá-los. Além disso, só queria a companhia de Darnell se podia tê-lo só para ela, se podia pendurar de seu braço e caminhar juntos até encontrar o centro do labirinto, e uma vez ali, aproximar-se dele… e beijá-lo. Não. Melhor não pedir que a acompanhasse. Mas apesar de que a atração houvesse palpitado com mais força que nunca entre eles aquela tarde, também havia sentido algo diferente e mais profundo. Havia se surpreendido que ele compreendesse seu desassossego. Ao inteirar-se de sua excursão secreta, uma vez mais não havia tentado impor-se ou intimidá-la, mas sim compreendê-la, com uma empatia que não havia voltado a experimentar desde que sua mãe partiu. Adam Darnell estava empurrando-a a acreditar que existiam homens aos quais além de desejar, podia-se admirar e em quem era possível confiar. Admirar, confiar… e amar talvez, como havia querido sua mãe, e agora queria tia Lillian e Charis. Se isso fosse certo… em que sentido alteraria seus planos para o futuro? Mas o único homem que tinha conhecido com essas características era Darnell, e ele estava comprometido. Decidida a esquecer disso, encerrou suas emoções sob chave e se obrigou a pensar na informação que havia recolhido na porta do White'S.

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Decidida a saber a verdade foi ao quarto de Charis e a encontrou sentada diante de sua penteadeira, penteando-se distraidamente. -Pequena dorminhoca está tarde! - exclamou Helena, assinalando o relógio. -É que não tenho sua energia, Helena! Embora ontem à noite não estivesse levantada para nos receber quando voltamos. -Anda, ande depressa, que seu apaixonado chegará em breve. Charis deu um encolher de ombros. -Chalbury e lorde Newsome virão certamente, e Dixon também, é obvio, mas ele vem por ti. -E lorde Blanchard. Imagino que ele também virá. Charis olhou para outro lado e suas bochechas se coloriram. Assim que sua amiga não era indiferente a Blanchard. -Lorde Blanchard também vem vê-la -disse Charis. -Ouvi que quer casar-se. O que pensa dele? Charis a olhou angustiada. -Por acaso consideraria sua oferta se a fizesse? -Não é para mim que olha quando está sentado no salão… mas sim a uma encantadora dama loira. Charis baixou o olhar. -É verdade que me agrada mais que qualquer outro homem que conheci, mas não importa. Está procurando esposa, e Adam já me advertiu que deve ser rica. Eu acredito que tenho algumas mil libras, e um homem com a posição e os contatos de lorde Blanchard pode conseguir algo muito melhor. -É diplomático de carreira, pelo qual passará muitas temporadas no estrangeiro. Não tinha me dito que preferiria se casar e se estabelecer em algum lugar do campo? -Certamente prefiro Claygate a Londres, mas… seria tão excitante conhecer terras estranhas! Deve ser uma tremenda responsabilidade representar os interesses de seu país no estrangeiro. -Aceitaria você lorde Blanchard se ele lhe pedisse? -Seria um sonho feito realidade - admitiu Charis- Mas é impossível. Adam já me disse faz semanas, quando pensei que gostaria que viesse a nos visitar. Por que o pergunta? Helena sorriu. -Por nada. Só quero saber o que faria feliz minha irmãzinha. E após abraçar Charis, levantou-se com intenção de partir. -Estou segura de que ele estaria encantado de te pedir em casamento se você o animasse um

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pouco - disse Charis com uma alegria que soou forçada. Helena riu. -Deus não o queira! Eu sou só a desculpa que o permite vir a esta casa com tanta assiduidade. Acredito que se chegasse a pensar que eu penso que vem me cortejar, sairia disparado para Viena no primeiro transporte disponível. Charis foi discutir sua resposta, mas Helena lhe lançou um beijo pelo ar e saiu. Com uma grande excitação, foi para seu quarto, escreveu uma nota e chamou Dickon para que a levasse e esperasse resposta. Sua nota alcançou ao destinatário e foi respondida imediatamente. Uma hora depois de seu bate-papo com Charis, estava sentada a uma mesa do Gunter's, com Nell discretamente atrás dela. Um instante depois, lorde Blanchard entrou. -Perdoe se pareço descortês, mas dizia em sua nota que o assunto era grave e que tinha que ver com a senhorita Darnell, não é assim? –soltou aterrorizado. -Não pretendia preocupá-lo - respondeu Helena, que no fundo não lamentava nada ter presenciado aquela demonstração de preocupação- A senhorita Darnell está perfeitamente. Blanchard suspirou aliviado. -Graças a Deus. Nesse caso, como posso ajudá-la? -Lorde Blanchard, temo que eu também vá ser algo brusca, mas preciso saber se a… história que me contaram em relação a que você sente pela senhorita Darnell é certa. Blanchard afastou o olhar. -Espero - disse ao fim- não ter despertado expectativas que desgraçadamente minhas circunstâncias não me permitem satisfazer. Embora tenha tentado manter a distância, ela é… é uma criatura tão encantadora que me resulta muito difícil fingir que me é indiferente - de repente ficou olhando com os olhos muito aberto- Por favor, me diga que não causei nenhum problema! -Devo entender por suas palavras que se… digamos… um parente longínquo legasse uma considerável quantidade de dinheiro à senhorita Darnell, quereria você sabê-lo? Ele franziu o cenho. -Mas Adam me assegurou que esse não é o caso, e que seu dote provirá do que ele possa dispor. -Sim, mas e se a senhorita Darnell fosse receber, digamos, umas quinze mil libras? Depois de olhá-la inicialmente perplexo, um sorriso lento se desenhou em seus lábios. -Se seu dote transbordasse em um só peni as dez mil libras, eu seria o homem mais feliz de toda a Inglaterra.

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Helena sorriu. -Recomendo-lhe que vá visitá-la manhã. Acredito que terá notícias muito interessantes para você - levantou-se e lhe ofereceu a mão- Obrigado por me atender com tanta celeridade. Blanchard beijou sua mão com ardor. -Se está querendo dizer o que eu acredito que quer me dizer, senhorita Lambarth, então é um anjo e estarei agradecido até meu último fôlego. Helena soltou sua mão. -Poderá agradecer isso lorde Blanchard, uma vez que você possua um anjo, tratando-o como merece. -A venerarei toda minha vida - prometeu, e Helena fez uma breve cortesia e partiu. Muito satisfeita com a reunião, Helena se dirigiu ao escritório do senhor Pendenning. Depois de uma breve espera, seu estagiário a convidou a entrar. -Senhorita Lambarth! -exclamou o advogado, pegando suas mãos e olhando-a de cima abaixo com um sorriso satisfeito- Está maravilhosa! Sabia que viver com Lady Darnell seria bom para você. -E tinha razão. Charis e ela são tão queridas para mim como minha própria mãe - melhor não dizer nada do enteado de Lady Darnell- E falando de Charis, já decidi o que desejo fazer com a herança de meu pai. Pouco depois das doze do dia seguinte, Adam Darnell estava lendo a nota que havia recebido do advogado, muito estupefato para falar. -Então é verdade, não é? -perguntou Charis, seu rosto radiante- Adam, me permitirá aceitá-la, não é? Lorde Blanchard acaba de chegar e quer falar contigo. Helena me disse que viria. Diga-me que é verdade, por favor, e que nos dará sua bênção! Adam levantou o olhar aturdido. É obvio que não ia negar a sua irmã a felicidade, nem a ela nem a seu amigo Blanchard. Não por algo tão absurdo como o orgulho. -Diga ao Nathan que entre. Charis puxou seu pescoço e o abraçou com tanta força que quase o asfixia. -É o irmão mais maravilhoso, mais excelente que se pode ter! O sorriso no rosto de Nathan ao entrar era quase tão radiante como o de sua irmã. -Suponho que já sabe por que vim. -Sabia que admirava Charis, mas admito que não esperava que fosse se declarar. -Isso foi antes que certo parente interviesse. A prima Cornwallis, acho que se chama, não? Ou isso me disse a senhorita Lambarth. Cornwallis… repetiu Adam, lembrando a localização do castelo de Lambarth.

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-E se não tivesse herança? -perguntou, tentando deixar claro seu irracional aborrecimento. O sorriso se desvaneceu e após olhar Adam um momento, Nathan deu encolher de ombros. -Dá no mesmo. Cheguei a me dar conta de que toda uma vida de felicidade vale mais que subir na carreira. Adam tenho sua permissão para pedir a mão de Charis? -É obvio, Nathan - respondeu, algo envergonhado- Me sentirei orgulhoso de poder chamá-lo irmão. E por certo… a quantia de quinze mil libras já foi depositada em minha conta bancária. Venha ver-me mais tarde e falaremos com os advogados. O sorriso de Blanchard voltou. -Charis e um dote? É quase muito maravilhoso para ser verdade! Embora também compreenda seu… desgosto, amigo. Um homem tem seu orgulho. Baste dizer que sempre estarei agradecido à excêntrica natureza de sua parenta longínqua, a senhorita Cornwallis, por decidir-se a outorgar um presente tão generoso a sua única parenta feminina e solteira. -É certo que os… termos de sua herança é pouco comum. Aprecio sua discrição. E o desejo toda a felicidade do mundo. Blanchard lhe deu uma palmada nas costas. -Colocaremos seu nome em nosso primeiro filho, prometo isso! -disse e saiu apressadamente. Adam se sentou a contemplar o fogo. Era um fogo que ardia serenamente, e não com as labaredas quase obscenas de calor que preferia certa dama. Uma jovem cuja generosidade tinha que admirar, por muito que o fizesse sentir-se incômodo. Ao menos a história da fictícia prima Cornwallis o economizaria a vergonha de que todo mundo soubesse que o gesto de uma moça havia proporcionado os recursos a sua irmã e a alegria que ele não havia podido proporcionar. Justo então a porta se entreabriu e aquela dama de cabelo escuro o olhou sorrindo. -Se por acaso não sabia ainda, Charis e lorde Blanchard já estão comprometidos. Pediram que viesse buscá-lo para que se reúna com eles no salão. -Talvez antes devesse me pôr de joelhos e agradecer a prima Cornwallis - disse, sem poder dissimular a amargura em sua voz. Seu sorriso desvaneceu. -Tendo em conta que conforme me disseram a dama em questão vive perto do mar da Irlanda, demoraria muito em descer ao salão. Duvido que Charis queira esperar tanto para compartilhar sua felicidade. Além disso, seguro que a felicidade da jovem em questão é tudo o que a senhorita Cornwallis necessita como agradecimento.

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Ao menos não pretendia esfregar sua benevolência em seu nariz, o qual era de agradecer. -Teria gostado que a prima Cornwallis tivesse mencionado antes de gastar seu dinheiro tão alegremente, mas diga a Charis que desço em um instante. -Por que teria preferido tal coisa? -perguntou muito séria. -Porque como cabeça de família é minha responsabilidade proteger minha irmã e lhe assegurar o futuro! - espetou, furioso por ter que explicar algo assim. É obvio, a uma jovem com mais formação não teria ocorrido intervir sem consultá-lo antes, nem tampouco possuiria recursos em seu nome para fazer tal coisa- Não esperará que me sinta satisfeito de que alguém tenha demonstrado quão mal estou fazendo meu trabalho. -Eu não pretendia envergonhá-lo, ou diminuir sua autoridade. Será que não basta com que Charis possa casar-se com o homem que ama sem pensar no dinheiro? -É obvio que me alegro de que será feliz. E agora, se me desculpar, vou dizer isso a ela. Levantou-se da cadeira sem que sua fúria ilógica, o ressentimento e a humilhação tivessem diminuído. -Sinto que esteja zangado, mas não sinto absolutamente ter dado este presente a Charis - e colocando-se de lado para deixá-lo passar, acrescentou- Se tivesse que ser uma mulher convencional, submissa e obediente, morreria. Nem sequer aquela referência às indignidades que havia sofrido o fez duvidar. Por uma vez a fúria ardeu com mais força que a atração. Passando diante dela sem desejo algum de tocá-la, a menos que fosse para estrangulá-la, Adam desceu ao salão. Os olhares e os sorrisos que trocava sua irmã e Nathan lhe revolveram o estômago, e decidiu partir antes o possível. Pensou primeiro em ir ao clube, mas logo decidiu visitar a senhorita Standish. Por uma vez, o mais convencional lhe resultava o mais atraente.

Priscilla recebeu Adam no salão com mais entusiasmo do que o costume. Inclusive foi ela quem sugeriu que dessem um passeio pelo jardim, onde o permitiu beijá-la apaixonadamente. -Assim finalmente vamos ter algo de espontaneidade, não? -brincou, passando um dedo por seus lábios ruborizados. -Poderia ser. Minha amiga Lady Cordelia diz que às vezes uma dama deve relaxar um pouco seus costumes quando é necessário para combater fogo com o fogo. Adam não quis perguntar a que se referia. -Você é capaz de provocar um incêndio sozinha - respondeu, beijando-a na testa.

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-Parecia preocupado ao chegar, apesar da maravilhosa notícia sobre sua irmã - disse ela, se pendurando em seu braço enquanto avançavam pelo caminho do jardim- Há algo que o inquiete, Adam? Posso ajudar? Que agradável era estar com uma dama que se preocupava com o que ele queria, e que não lhe ocorreria nunca tomar as rédeas dos assuntos. Entretanto, sabia que a sua prometida não gostava da senhorita Lambarth, e embora nesse momento estivesse irritado com ela, não pareceu sensato admiti-lo diante de Priscilla. -É um assunto menor - disse. Como se quinze mil libras pudessem sê-lo!- Peço desculpas se pareci… distraído. -Não tem por que fazê-lo! Qualquer coisa que o preocupe, me preocupa. Minha função a partir de agora será suavizar sua carga na medida em que possa fazê-lo uma mulher, é obvio. -Espero que você também me permita compartilhar as tuas. -Eu tenho que pretender não ser uma carga para ti! Presumo que fiscalizar à senhorita Lambarth já é bastante exaustivo. É uma garota muito… teimosa. Desculpe-me, mas me parece que esse traço é muito perigoso, tendo em conta que carece da devida formação. Se ela soubesse… -Pode ser muito fastidiosa - admitiu. -Eu só sou um homem, e não um perito em mulheres, mas Lady Darnell tem nervos muito delicados, assim não costumo a consultar embora às vezes me sinta desorientado. Foi um grande alívio expressar parte de sua frustração. Com sua Belle-mère não podia falar sem ver-se na necessidade de dar detalhes, e Charis era o paladino da senhorita Lambarth até tal ponto que nunca admitia nenhuma falha nela. -Como se não tivesse suficientes responsabilidades sem ter que fiscalizar uma garota tão dissidente! Francis me contou que comprou um cavalo de sela totalmente inadequado que Randall pôs à venda porque não era de confiança. -Sim. Conseguiu convencer Bennett Dixon, que eu pensava que tinha mais juízo, para que desse o lance por ela. Eu não soube nada disso até que a compra estava feita, e embora tenha de reconhecer que é uma consumada amazona, não teria revogado tal decisão. -Deveria ter consultado a ti, e não o senhor Dixon! Aquela afirmação foi como um bálsamo para seu orgulho ferido. Ao menos sua prometida respeitava sua posição como cabeça de família e confiava em sua capacidade. -Como já está feito, não tem sentido dizer nada mais. -Espero que tenha sido a última de suas loucuras!

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Movendo a cabeça, suspirou. -Nem sequer o do cavalo foi tão mau quanto… Mas não continuou. Embora tivesse sido agradável arejar seu desconforto, sobre aquela história devia se calar. -Há algo pior? -Não, nada. Não deveria ter mencionado. -Adam, querido! -disse ela, lhe dando umas palmadas no braço- Sei que não quer preocupar Lady Darnell com suas inquietações, mas eu sou muito mais forte. Seria para mim uma honra que me confiasse suas preocupações e te proporcionar a perspectiva de uma mulher razoável. Acabava de se meter na boca do lobo. -É um assunto muito delicado do qual preferiria não falar. Tinha ficado sem sorte. Ferida, Priscilla se soltou de sua mão. -Compreendo. Eu pensava que como dentro de pouco vou ser sua mulher, confiaria em mim, mas vejo que estava equivocada. Perdoe-me. -Não é que não confie… -Por favor, Adam, não necessito que me dê explicações. Se não deseja me consultar, está em seu direito. E dito isto se virou, compondo a viva imagem da dignidade ferida. Como demônios havia se metido naquele dilema? Não queria ferir os sentimentos de Priscilla. Além disso, logo ia ser sua mulher, e com suas exigentes regras de comportamento não queria que soubesse nenhuma palavra da aventura da senhorita Lambarth, tendo em conta que formava parte da família a qual logo ia unir-se. Talvez pudesse sair do atoleiro contando parte da história. -Se estiver segura de que não se importa que a incomode com minhas coisas… sei que posso contar com sua discrição. Não quero que fale disso nem sequer com sua mãe. Ela se virou. -Nada do que possa fazer por ti será nunca um incômodo. Adam respirou fundo. -É que acabo de descobrir que a senhorita Lambarth… escapou de noite para explorar a cidade. Priscilla conteve o fôlego e abriu os olhos de par em par. -Escapado? Sem um acompanhante como é devido, quer dizer? Mas… mas como pôde sair sem… o que? Com tão somente um criado? E se alguém a tivesse reconhecido?

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-Não levou nenhum criado. E não acredito que tivessem podido reconhecê-la. -Vestindo como se veste, e sendo alta como é? Eu não estaria tão segura. Que horror! Não me estranha que estivesse tão angustiado. Não quero nem imaginar como teria ficado a pobre Lady Darnell se alguém a tivesse visto e tivesse vindo dizer-lhe. -É pouco provável. -Como pode estar tão seguro? Será que saiu com capa e máscara? -Não exatamente. Ia… disfarçada. -Disfarçada? De… criada? Adam! Não posso acreditar nisso! -Não, não. Ia disfarçada de moço. Surpreenderia-me se alguém a tivesse reconhecido. Os olhos de Priscilla iam sair se de suas órbitas. -Saiu vestida com… calças? Oxalá tivesse ido ao clube em lugar de ir vê-la. -Agora compreenderá porque não quero que se saiba uma palavra de tudo isto. -É obvio! É um comportamento atroz, inclusive para uma mulher que carece de princ… de formação como ela. Meu pai teria me trancado em um quarto a pão e água por algo assim! Adam lembrou que Helena tinha relatado ficar trancada em um buraco desse tipo. -Eu bem acredito que é por ter ficado muito tempo trancado ao longo de sua vida o que a conduziu a fazer algo assim. -Mas não pensará deixar sem castigo semelhante atentado ao decoro. -Não posso castigá-la severamente sem explicar o porquê a Lady Darnell, e isso devo evitar. -Pobrezinha! Teria um ataque se inteirasse! Mas tem que fazer algo para que compreenda que esse tipo de comportamento não pode ser tolerado porque mais cedo ou mais tarde, arrastará à família ao escândalo. -A repreendi com a suficiente dureza para que tenha compreendido. -E eu acredito que é muito indulgente com ela, Adam. Não deve permitir que se aproveite de sua amabilidade e sua bondade, como fez na noite do baile da senhora Cowper, o arrastando atrás dela com um ridículo pretexto. -Não foi um pretexto. Já falamos disso, querida, e pensei que tivesse compreendido. -O que compreendi bem foi a humilhação de ficar sem acompanhante durante a metade da velada enquanto meu prometido partia com outra mulher vestida como… como uma perdida. Embora ele jamais houvesse se acovardado no campo de batalha, sentiu vontade de dar meia volta e pôr-se a correr. Como as coisas haviam escapado das suas mãos daquela maneira? -Priscilla, se acalme. Tanta… veemência não é própria de ti.

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A senhorita Standish respirou fundo e depois de um momento de incômodo silêncio respondeu: -Me desculpe por ter-me… deixado levar deste modo. Entramos? Mamãe estará se perguntando o que foi de nós. -Certamente, querida - respondeu ele, perguntando-se o mesmo que sua querida mamãe. E ele que pensava que a artilharia de Waterloo fosse temível… Adam se achou desejando que todas as mulheres, e os homens que eram o bastante estúpidos para confiar nelas, sofressem um ataque de varíola.

À manhã seguinte, depois de revisar pela última vez a gravata, Adam desceu ao salão do café da manhã com um pequeno pacote nas mãos. Depois de escapar à inquisição das perguntas da senhora Standish sobre o inesperado compromisso de sua irmã, as felicitações que recebeu quando por fim pode chegar ao clube o ajudaram a acalmar-se. A camaradagem masculina e várias garrafas de clarete não conseguiram, entretanto, ajudá-lo a acalmar o desconforto que criou para ele descobrir que a aversão que Priscilla sentia por Helena era muito maior do que imaginava. Sua desagradável discussão havia servido também para dar-se conta de que, embora dissesse se submeter de bom grado a sua autoridade, Priscilla tentava manipulá-lo racionando os beijos, zangando-se quando parecia necessário ou inclusive mostrando sua raiva quando não aceitava um conselho. Nesses momentos valorizava mais a franqueza da senhorita Lambarth e sua carência das artes femininas. Também havia tido tempo de meditar por que havia irritado tão irracionalmente o presente de Helena. Parte de sua ira se devia ao fato de que outra pessoa se deu conta antes dele de que a felicidade de Charis dependia de casar-se com Blanchard. Ele deveria ter sido o artífice dessa união. Mas mais arrevesados eram seus sentimentos sobre se havia cometido ou não um engano pedindo a mão de Priscilla. Necessitava desesperadamente reparar a situação financeira da família, é obvio, mas em sua decisão havia pesado e muito o desejo de poder proporcionar um dote a Charis de modo que não tivesse que considerar a riqueza na hora de escolher um par. A doação da senhorita Lambarth havia feito desnecessário esse sacrifício. Teria tomado outro caminho, se pudesse escolher livremente? Porque embora envergonhasse reconhecê-lo, outra parte de sua ira se devia à inveja que despertou nele ver a evidente felicidade que irradiava dos rostos de

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Blanchard e de sua irmã, uma alegria que ele não havia sentido em nenhum momento durante seu compromisso. Por último, havia permitido que seu orgulho ferido e a vaidade que haviam inspirado as palavras de Priscilla o empurrassem a trair a confiança da senhorita Lambarth. Essa indiscrição o tinha envergonhado. E embora aquele pequeno presente que havia procurado para ela não podia compensá-la de seu erro, ao menos o ajudou a suavizar a sensação de culpa. O bate-papo animado que saía do salão indicava que sua irmã e sua mãe faziam planos de casamento. Não ouvia a voz mais profunda da senhorita Lambarth, mas foi um alívio vê-la ao entrar sentada também à mesa, escutando. Usava um traje de montar em veludo cor safira, e tomava café tranqüilamente. Depois de saudar a todas, se aproximou. Ela fez gesto de afastar-se, mas ele roçou seu braço, um contato que sentiu como se o veludo não existisse e tivesse tocado sua pele. - Permita-me desculpar por minhas irracionais palavras de ontem. Fui um estúpido. Você empregou uma elogiável discrição para garantir a felicidade de minha querida irmã. Obrigada outra vez. Para surpresa sua, ela apertou sua mão e as sensações se multiplicaram. -Eu também queria me desculpar. Embora agora me pareça óbvio, não me ocorreu antes que devia consultá-lo. Minha experiência anterior não me ensinou a confiar em ninguém antes de iniciar a ação… e tampouco me empurrou a acreditar que a principal preocupação do cabeça da família é a felicidade daqueles que tem a seu cuidado. Lamento se o coloquei em uma posição difícil. Estava a ponto de sugerir que esquecessem tudo quando Lady Darnell interveio: -Adam, o que tem aí? É um presente de compromisso? -Não. É uma tolice para a senhorita Lambarth. Como tivemos algumas discussões, acreditei que gostaria. Lady Darnell aplaudiu encantada. -Vamos, Helena, abra! Helena o olhou surpreendida, retirou o papel e contemplou o presente. -São lápis de desenho - explicou. -Lápis-carvão e um lápis. Que maravilha! -exclamou Charis- Agora poderá demonstrar seu talento. Helena olhou Adam maravilhada. -Não sei o que dizer. -«Obrigado» seria suficiente - riu Charis- Será que não ganhou nunca um presente?

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Helena olhou à janela e Adam comprovou com o coração encolhido que tinha os olhos cheios de lágrimas. -Justo antes de… ir, minha mãe me deu de presente um louro de cores brilhantes. Meu pai o soltou no jardim, e um falcão o alcançou. Enquanto Charis e Lady Darnell continham o fôlego, dedicou a Adam o sorriso que tornava arrebatador seu rosto. -Obrigada é pouco, mas terá que valer até que me ocorra algo melhor. -Seu desfrute, e o que seus desenhos nos farão desfrutar, bastará - respondeu ele, e o calor de sua gratidão o esquentou da cabeça aos pés. -Helena, quer acompanhar Belle-mère e a mim a comprar alguns tecidos agora pela manhã? perguntou Charis- Se minha roupa deve estar pronta antes que Nathan volte para Viena, temos que começar agora mesmo. - Dê-me um minuto para me trocar - disse, e após envolver de novo os lápis no papel, acrescentou- Obrigada de novo, Darnell. Era absurdo, mas se sentia enormemente satisfeito por tê-la feito feliz. -A seus pés, senhorita Lambarth - respondeu com uma saudação. Quando saíram sua Belle-mère e sua irmã, Adam entrou na biblioteca, sentou-se atrás da mesa e sorriu à imagem da senhorita Lambarth no sofá. Como se alegrava de fazer as pazes com ela. Deveria ir ver Priscilla e tentar suavizar seu outro desacordo, mas não tinha vontade de lançarse ao que sem dúvida seria um incômodo encontro, assim pegou seus livros de conta. Estava lendo um relatório de seu agente quando um grito de mulher crispou o ar. Era Charis. Soltou o documento e, jogando a cadeira no chão em sua precipitação, subiu correndo as escadas. ***

Capítulo 21 Assustada com o grito de Charis, Helena soltou o lápis que estava usando e se virou. A jovem estava na porta de seu quarto. -Helena… - sussurrou Charis. - Suas costas!

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Helena se cobriu rapidamente. -Sinto muito! Estava a ponto de me vestir, mas… Nesse momento lorde Darnell chegou como uma exalação. -O que acontece, Charis? A moça se jogou nos braços de seu irmão e rompeu a chorar. Helena sentiu o olhar acusador que Darnell lhe lançou por cima da cabeça de sua irmã como se fosse uma bofetada. -Nell, ajuda lorde Darnell a levar a senhorita Charis a seu quarto - ordenou com secura, e angustiada, recolheu o lápis que havia caído ao chão e se quebrado. Um momento depois, soou na porta a chamada que havia estado esperando e pediu a Darnell que entrasse. -Que demônios ocorreu? -inquiriu. - Não consegui tirar nada razoável de Charis. Helena se levantou devagar da cadeira e desabotoando os botões superiores do vestido expondo seus ombros, virou-se e lhe mostrou as costas. Depois se virou e contemplou a expressão de estupor e repulsa de Darnell. -Espero que agora compreenda melhor porque insisti em contratar a uma criada em uma casa de caridade. E em usar roupa que me cubra até o queixo. Ele continuou em silêncio. -Por acaso é prática habitual nas melhores famílias tratar às filhas indisciplinadas a chicotadas? - acrescentou com severidade. - É… uma vergonha - balbuciou. A desafiante fachada que havia conseguido compor começava a ruir, e contendo as lágrimas disse: - Então, não falemos mais isso. E virando-se, voltou a abotoar o vestido. Quando voltou a olhar para a porta, Darnell já não estava.

Mortificada por ter assustado desse modo a Charis e incapaz de falar disso com tia Lillian, logo que Nell voltou pediu que a ajudasse a colocar um vestido de passeio e que pedisse um coche. Iria dar um passeio por Hatchards enquanto ainda não tivesse visitantes, ou talvez fizesse uma visita ao Museu Britânico. Lorde Blanchard ia levar Charis e a tia Lillian para jantar com sua família aquela noite, algo que

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com certeza conseguiria recuperar a jovem do susto. Necessitava tempo para pensar o que ia fazer antes de encontrar-se com alguém da família, de modo que pensou em não voltar para St. James Square até que todos tivessem saído. Mas quando horas mais tarde se dirigiu cansada à biblioteca, encontrou Adam Darnell, que estava ainda ali. - Darnell! Estava convencida de que já teria partido. Perdoe-me. Não queria vê-lo. Em sua memória estava gravada a fogo sua expressão de horror e desgosto. - Não vá, senhorita Lambarth, por favor! Prometi a Charis que não partiria até que tivesse falado com você. Certamente para pedir que abandonasse a casa antes que voltassem as mulheres, pensou. Ao menos teria a decência de dizer em pessoa. - Não é necessário que me diga nada. Sinto-me… terrível pelo que aconteceu esta amanhã. Acredite se disser que não pretendia incomodar ninguém. Ele foi responder, mas ela pediu silêncio. - Como já sei que disse essas mesmas palavras em algumas ocasiões mais, quase não espero que acredite. Basta dizer que já causei bastante comoção nesta casa. Iniciei os passos para me deslocar a outro local assim que o senhor Pendenning consiga uma casa adequada, mas se… se preferir que saia imediatamente, procurarei um hotel e… - Senhorita Lambarth! - a interrompeu. Através da névoa que tinha se interposto em seus olhos, a Helena pareceu que indicava o sofá. - Venha esquentar-se junto ao fogo. Deve esquecer-se dessa ameaça de nos deixar. Helena tomou assento. - Primeiro, me permita me desculpar em meu próprio nome e no de Charis. Nossa reação deve tê-la magoado, e é óbvio que já sofreu suficiente. O sorriso com que tentou responder tremia. - É que eu era uma menina muito desobediente. - Embora tivesse sido o próprio diabo, esse tratamento não ficaria justificado! - explodiu. - O que disseram a tia Lillian? - Não se preocupe. Charis, que é uma garota esperta, disse que tinha se furado em um lugar… delicado com um alfinete que levava no vestido. Por certo que, assim que se recuperou, voltou correndo a seu quarto, mas você já tinha partido, e me encarregou que lhe rogasse que ficasse conosco para que possamos nos assegurar de que ninguém volte a lhe fazer mal. A expressão de preocupação quando o que ela esperava era repúdio, acabou com o escasso

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controle que Helena tinha naquele momento sobre suas emoções. - São… são todos tão bons comigo - murmurou, ardendo a garganta pelas lágrimas. Darnell deu alguns passos até o fogo para logo voltar-se para olhá-la. - No dia em que nos encontramos no escritório do advogado soube que havia sofrido, mas jamais poderia imaginar …não me estranha que sua mãe fugisse! Deus bendito, como conseguiu sobreviver? - As surras não começaram até que ela partiu… quando meu pai descobriu que eu também havia tentado escapar e me aprisionou. Imagino que queria me assustar para que não voltasse a tentar, embora soubesse que era desnecessário. As pessoas do povoado me achavam louca, me devolveram ao castelo a única vez que consegui chegar até ali. - Mas deixou de fazê-lo, não é assim? Essas cicatrizes não são… recentes. Helena sorriu com tristeza. - Acredito que de verdade conseguiu que eu perdesse um pouco o juízo. A última vez que me encostou, peguei o chicote decidida a não suportar mais. Embora estive a ponto de perder o polegar o arrebatei e disse que se voltasse a me atacar, o usaria para me defender - olhou a cicatriz da mão. Não curou bem, como vê. Se não fosse pela Sally a louca e suas poções, certamente teria morrido. Ele não podia acreditar no que estava ouvindo. - É uma moça incrível! Será que ninguém suspeitou? Não recebiam visitas de seus parentes? - Ninguém nunca veio. Pode ser que agora compreenda minha surpresa e o quão pouco útil me parecia ter família quando nos encontramos pela primeira vez. - Espero que agora saiba que tem uma família que a quer. Helena engoliu com dificuldade. - Obrigada. Não lembrava a última vez que havia chorado, exceto quando lhe comunicaram a morte de sua mãe, mas apesar de seu férreo controle, uma lágrima escapou e rodou por sua bochecha. Embora virasse a rosto, Darnell foi sentar-se a seu lado. - Ah, Helena, não chore - disse com suavidade.

Toda sua vida havia enfrentado os castigos e a raiva com insolência. Mas ouvir seu nome nos lábios de Darnell pela primeira vez, um som tão delicado que parecia uma carícia, derrubou as defesas que havia levantado para sobreviver à solidão e aos abusos. Horrorizada se deu conta de que essa primeira lágrima era seguida de outra, e outra mais. E de repente, sem saber quase como havia acontecido, encontrou-se em seus braços, apoiando

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o rosto sobre seu peito enquanto ele acariciava sua nuca. - Perdoe-me - disse quando conseguiu controlar-se e se separou. Ele passou o polegar por sua bochecha. - Dói-me o coração saber o que sofreu. Confiará em mim no futuro, Helena, se alguma vez necessitar ajuda? Já não tem que voltar a ficar só. Olhou o mais fundo de seus olhos verdes e sentiu dor no peito ao encontrar força, bondade e honra neles. - Sim, Adam: confiarei em você. Suas íris logo mudaram e sua cor se fez mais escura, e Helena fechou os olhos e deixou que ele empurrasse suavemente seu queixo. O suave toque dos lábios de Adam nos seus foi tão excitante quanto havia imaginado, mas tão intensamente doce que quase não podia respirar. Havia desejado antes, mas aquele sentimento era de algum modo… diferente. Mais intenso mais profundo. Mais. Ao final ele se separou e a fez recostar-se nos almofadões. - Não esqueça: já não está só. E após roçar uma vez mais sua bochecha, partiu. «Já não está só». Sua mãe havia sido tão sábia, obrigando-a a descobrir aquele sentido de participação, de aceitação. Agora tinha uma família que havia chegado a lhe amar como ela os amava. E Darnell… Adam, por quem sentia admiração, afeto e um desejo que fazia desejar sua presença e seu contato. Adam, a quem temia ter se apaixonado.

Depois de tirar da cama um criado para sair a galopar quase antes que tivesse amanhecido Helena se apressou a voltar para ver Charis. Apesar das palavras tranqüilizadoras de Adam, queria vê-la a sós, assegurar-se de que tudo havia ficado esclarecido antes de encontrar-se com Lady Darnell para tomar o café da manhã.

Também queria perguntar a Charis sobre o compromisso de Adam. Aquela noite tinha se deixado arrastar pela fantasia para sonhar o maravilhoso que seria dar rédea solta à paixão e à ternura em seus braços, mas a mais prosaica luz do dia, a amabilidade de Adam da noite passada só dava ênfase no enorme abismo que separava o caráter de um verdadeiro cavalheiro do de seu progenitor, o que reforçava sua decisão de não permitir que uma só gota de seu sangue pudesse passar a

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seguinte geração. O sangue é o sangue, dizia sempre Sally. Caso chegasse a ser algum dia a esposa de um homem honrável, a esposa de Adam, como iam poder ambos suportar o horror de ver crescer um filho para descobrir depois que era o retrato de seu avô? Negaria a si mesma a paixão e o amor mil vezes antes de permitir que acontecesse algo assim. Além disso, o que viveu desde que chegou a Londres havia demonstrado como estava pouco preparada para converter-se na esposa de qualquer homem do mundo, de Adam, a menos que esse homem estivesse disposto a abandonar a sociedade e mudar-se para um lugar tão selvagem e isolado como o castelo de Lambarth. Tanto a casa de Adam em Londres como a de campo em Claygate requeriam uma mulher capaz de dirigir um grande grupo de serventes além de saber receber convidados em sua casa. Adam havia prometido protegê-la. Por acaso não devia ela lhe devolver o favor? Se para isso tinha que suportar vê-lo casar-se com outra, faria com intento de assegurar que ao menos tinha uma oportunidade de ser feliz, embora não estava certa de que a senhorita Standish, apesar de suas outras virtudes, possuísse a doçura de caráter necessária para consegui-lo. Assim que entrou no quarto de sua amiga, Charis dispensou sua criada para abraçá-la. Depois de ambas se desculparem e que Charis derramasse algumas lágrimas, sua amiga serviu chocolate em duas xícaras e convidou Helena a sentar-se enquanto terminava de arrumar-se. - Está radiante! -comentou Helena. - Foi bom o jantar com lorde Blanchard e seus pais? - Sim. Deu-nos sua bênção de todo coração. - Então são pessoas muito inteligentes - disse Helena com um sorriso. - Não pude evitar reparar que Adam não parece tão contente como vocês com seu iminente casamento. Ou será que não fica bem em um cavalheiro fazer demonstrações de afeto? Charis suspirou e deixou a um lado a escova. - Não é isso. Adam está acostumado a ser muito afetuoso. Tenho que admitir que esperava que se sentisse inclinado por outra pessoa, mas antes que isso pudesse acontecer, já havia pedido a mão de Priscilla. Quando me disse isso, expressei minhas reservas, mas ele me disse que tinha em grande estima à senhorita Standish e que esperava que essa estima crescesse com o tempo. E isso é o que me preocupa. - Em que sentido? - Porque ela segue merecendo a mesma opinião. Como poderia olhá-la de outro modo se aproveita a menor ocasião para te atacar? Mas, sobretudo é que, depois de tê-los observado atentamente em muitas ocasiões, eu não vejo o carinho crescer entre eles. Sei que deve sentir algo por Adam, mas temo que uma moça tão reservada e crítica como ela não possa fazê-lo feliz.

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No fundo lhe agradava que Charis compartilhasse sua mesma opinião sobre a prometida de Adam. - Se o afeto não cresceu como ele esperava, por que não admitir que cometeu um erro e romper o compromisso? Parece uma idiotice seguir adiante com um casamento que não mostra sinais de alcançar o êxito. - Não o entende. O compromisso se selou publicamente pelos bailes e demais eventos aos que assistiram juntos. Se Adam o rompesse, a senhorita Standish ficaria humilhada, e suas possibilidades de contrair matrimônio se veriam seriamente danificadas. Também se consideraria uma mancha na honra de Adam que faltasse a sua palavra. Embora ela fosse três vezes mais fria e resmungona, Adam não o faria. - Embora com isso seja infeliz por toda sua vida? Charis suspirou de novo. - Desde que já não se pode fazer nada para libertá-lo, só me cabe esperar que uma vez que tenha conseguido afastá-la da influência de sua insuportável mãe e dessa amiga, Lady Cordelia, Priscilla mostre mais do caráter que o atraiu em um primeiro momento. - Está segura de que não se pode fazer nada? - insistiu. Agora que Charis havia confirmado suas suspeitas, tudo nela se rebelava contra a idéia de abandonar Adam ao deserto emocional que ia ser seu matrimônio com Priscilla. -Não a menos que a senhorita Standish mude de opinião. Que uma mulher deixe um cavalheiro é perdoável, embora também haja censura. Mas não falemos mais da infelicidade de Adam, que é horrível. Confio em que a divina providência ache o modo de arrumar as coisas. Vamos? Se de momento não lhe ocorria um modo honroso de evitar as bodas, teria que tentar tolerar à senhorita Standish com toda a graça que fosse possível, apesar de sua contínua hostilidade. Uma resolução que teria que colocar em prática imediatamente. Com o alvoroço do dia anterior, não havia lembrado de que ia se encontrar com ela em duas ocasiões aquele mesmo dia. A primeira havia sido programada dois dias antes, quando as damas da família Darnell foram visitar a princesa Esterhazy e se encontraram ali com a senhorita Standish e sua mãe. Para surpresa de Helena, a senhorita Standish se aproximou dela abrindo caminho na roda de admiradores. Aproveitou um instante de calma na conversa de vários cavalheiros que tentavam tentar Helena com uma corrida de cavalos e disse: - Ouvi falar muitíssimo de seu cavalo, senhorita Lambarth. Que pena que seja tão instável que não possa montar durante a hora de passeio para que todos possamos admirar sua perícia. - Acredito que Pegasus poderia comportar-se bem inclusive durante essa hora - respondeu

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Helena, tentando manter a cordialidade no tom, embora não sem esforço. - Mas prefiro galopar a avançar ao passo lento que terá que manter no parque pelas tardes. - Estou de acordo! Ensinar um cavalo a ir a passo é muito mais difícil que deixar que se saia com a sua. Embora a noiva de Adam tivesse direito a manter seus próprios pontos de vista, Helena não pode reprimir a sensação de que seus comentários estavam destinados a desacreditá-la. Antes que pudesse responder, interveio um dos cavalheiros. - Bem, senhorita Lambarth! Isso me pareceu um desafio! Por que não montar Pegasus no parque para nos mostrar como pode manejá-lo? - Senhorita Lambarth, se lhe parece possível, ficaria encantada de que montasse com meu primo Francis quando Darnell me leve ao parque. Como assiste a tão poucos eventos sociais, não tive oportunidade de conhecê-la bem. Darnell a tem na mais alta consideração. Não viu modo de evitar sem ser descortês, de modo que aceitou, e a saída tinha sido combinada para aquela tarde, antes do jantar dos Darnell na mansão Standish, outro evento que Helena não aguardava com muito entusiasmo. Pelo menos o senhor Dixon estaria presente na primeira excursão. Desde a noite musical mais recente que havia assistido que tinha tido a necessidade de arranhar a mão que Francis Standish havia deixado deslizar até seu traseiro, alegrava-se de contar com uma companhia que evitasse ter que prestar atenção ao odioso primo da senhorita Standish. De modo que aquela tarde, com seu vestido vermelho, que era seu favorito, Helena e o senhor Dixon foram ao parque um pouco antes da hora combinada para poder dar rédea solta aos cavalos antes de confinar Pegasus, e a si mesma, ao aborrecimento de um passeio. Haviam percorrido o parque de cima a baixo quando viram chegar o grupo. Suspirando, Helena sorriu e pôs Pegasus ao passo do landau dos Standish. Durante a ronda de saudações, não pode evitar olhar Adam, nem sentir a excitação que sua presença sempre desencadeava, aprofundada agora por um intenso afeto. Ele devolveu o sorriso e o olhar, até que a senhorita Standish, ao dar-se conta do que passava, roçou sua manga para reclamar sua atenção. O afeto se transformou em dor ao pensar que aquele formoso semblante e seu maravilhoso caráter iam se esbanjar em Priscilla Standish. Uma irritação aguda e venenosa cresceu por dentro. Ciúmes, certamente. Tão distraída estava por aquele emaranhado de emoções que quando o senhor Dixon se desculpou para adiantar-se a falar com um amigo e Francis Standish sugeriu que desmontassem para

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caminhar ao lado da carruagem, ela aceitou sem pensar. - Vá, senhorita Lambarth, admito que estou impressionada -disse Priscilla a contra gosto. - Seu Pegasus parece comportar-se melhor do que haviam feito acreditar. Ou será que antes deu um galope ao redor do parque para cansá-lo? Mais divertida que perturbada por aquelas contínuas tentativas de depreciá-la, Helena respondeu: - Demos uma volta ao redor do parque, mas continua tendo vigor. - Estou seguro - disse Francis aproximando-se de Helena, aproveitando que acariciava o pescoço de Pegasus. - Os cavalheiros sabem apreciar uma criatura apaixonada - murmurou, tão perto que ela sentiu o calor de sua respiração no pescoço. Helena se separou, desejando poder montar de novo e alcançar o senhor Dixon, e Adam dedicou um olhar de advertência ao primo de Priscilla, que este recebeu com um macio sorriso. - Não querem sentar-se conosco na carruagem? -sugeriu Priscilla. - Podem atar os cavalos atrás. Poderíamos conversar melhor, não te parece, Adam? -perguntou, colocando ostensivamente sua mão sobre a dele. A familiaridade do gesto remexeu o estômago de Helena. De maneira nenhuma desejava sentar-se junto ao casal enquanto Priscilla demonstrava quem detinha a propriedade de Adam, se é que isso era o que pretendia. Tampouco confiava em que sua espirituosa montaria se comportasse amarrada perto de outro cavalo, sem cavaleiro que o controlasse. - Obrigada, mas não acredito que Pegasus goste de trotar atrás de nós como se fosse um dócil pônei. E eu prefiro montar. -Entretanto soube que pretende comprar uma carruagem - disse Priscilla. - Espero que não seja um desses altos faetóns, conforme ouvi! Embora seja apto para que um cavalheiro demonstre sua habilidade o guiando, Francis diz que controlar semelhante coche requer uma força que uma dama não pode possuir. O que queria dizer que se ela escolhia um faetón, mostraria falta de boa educação e desejaria com isso chamar atenção. Mas antes que pudesse controlar sua irritação para dar uma inócua resposta, surpreendentemente Adam tirou a mão de debaixo da dela e franziu o cenho. - Embora como norma geral não seja aconselhável que uma mulher guie esse tipo de coche, uma dama que possua suficiente experiência não teria mais problemas com um faetón que com qualquer outro tipo de carruagem. Além disso, recordo que a senhorita Lambarth mencionou que estava acostumado a guiar uma caleche. Animada pelo louvor de Adam e pelo brilho recriminatório que viu nos olhos de Priscilla,

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Helena disse: - Sim. Quando era pequena. Mesmo assim, pretendo tomar aulas antes de tentar guiar um faetón. - Uma amazona tão intrépida como a senhorita Lambarth deve ficar aborrecida mortalmente indo ao passo ao nosso lado - interveio Francis. - O que me diz senhorita Lambarth? Pegamos um caminho lateral e colocamos os cavalos ao trote? Por mais detestável que fosse a companhia de Francis Standish, a preferia a seguir ali entre as provocações de Priscilla. - A senhorita Lambarth já admitiu que Pegasus não seja bastante dócil para trotar no parque, abarrotado como está -interveio Priscilla. - Se não se atrever a atá-lo ao coche, será melhor que sigam assim, a pé. Já não podia suportar mais. Com pessoas ou sem ela, confiava que Pegasus e ela poderiam deixar atrás Francis Standish e ir a busca do senhor Dixon. Tentando não olhar Adam, virou-se e disse: - Sim, senhor Standish. Preferiria montar. Ignorou as mãos que ele oferecia para ajudá-la a montar e escolheu a ajuda de um criado. Ansiosa por afastar-se dali, saltou à sela e Pegasus se inclinou e deu coices para equilibrar seu peso. Mal tinha pego as rédeas quando o animal retrocedeu um passo e saiu a galope inclinado. ***

Capítulo 22 Enquanto Pegasus dava saltos e coices como se estivesse possuído pelos demônios, Helena não podia fazer outra coisa que tentar manter-se sobre a sela. Uma vez garantido o equilíbrio, inclinou-se para frente para tentar acalmar o cavalo falando ao ouvido enquanto utilizava as rédeas e os calcanhares para diminuir sua marcha.

Acabava de conseguir colocá-lo sob controle quando ouviu o som de cascos que se aproximavam de toda velocidade. Preocupada porque o animal que se aproximava provocasse um novo ataque de pânico em Pegasus, voltou-se com intenção de despedir o cavaleiro quando viu que se tratava de Dixon.

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- Estamos bem! -disse em voz bem alta. - Não se aproxime. Ele diminuiu a marcha. - Está ferida? - Não. Não me aconteceu nada. - Graças a Deus! Pegasus bateu em algum galho? Está sangrando. - Não acredito - respondeu, e assim que seu cavalo, maneando e deslocando-se lateralmente, deixou de trotar, Helena desmontou de um salto. - Onde? - Ali - disse ele, desmontando e aproximando-se a tomar as rédeas, - justo na beira da manta. Sem deixar de falar em voz baixa ao cavalo, Helena passou a mão pela beira da manta até que de repente se furou com algo. - Segure-o bem - ordenou. Levantou a beira da manta para descobrir a ferida… e um enorme e retorcido espinho cravado no centro. De um puxão arrancou o babado do punho de seu vestido e com ele puxou o espinho para soltá-lo; em seguida limpou o sangue da ferida e colocou o pedaço de linho entre a manta e a pele do animal. - Não me estranha que o pobre saísse disparado - disse a Dixon com o cenho franzido. - Não recordo ter passado por nenhuma área de espinheiros a caminho daqui, assim alguém deve ter colocado o espinho intencionalmente. E se é uma brincadeira, não acho a menor graça. Helena ouviu mais cascos de cavalo e elevou o olhar. Só então se deu conta de que o tráfego no caminho das carruagens havia se detido. Cavalheiros e damas faziam gestos indicando-os, enquanto vários cavaleiros haviam cortado caminho através do campo e se dirigiam para eles. E surpreendentemente descobriu que o cavaleiro que estava mais perto era Adam, que ia em uma montaria emprestada. - Vejo que demos um bom espetáculo - disse com secura. - Embora pudesse ter sido ainda mais divertido se Pegasus tivesse conseguido me jogar. - Divertido? -replicou Dixon. - Poderia ter se matado! Se colocar a mão em cima de quem… Justo naquele momento, Adam chegou a sua altura e quase sem deter seu cavalo saltou da sela. - Não diga nada, por favor! -pediu Helena a Dixon em voz baixa. – Deixe-me ocupar disto a minha maneira. Só teve tempo de assentir embora a contra gosto antes que Adam a segurasse pelos ombros. - Está ferida? -perguntou, olhando-a de cima abaixo, com a voz destilando medo e ira. - Que o demônio leve esse cavalo! Se estivesse armado, lhe daria um tiro agora mesmo. - Não estou ferida, assim não deve falar mau do pobre Pegasus, mas não quero voltar

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montando a casa e piorar a ferida que sofreu o pobre animal. - Certamente. Um criado se ocupará dele. Volte na carruagem conosco. A senhorita Standish ficará muito aliviada ao saber que não lhe aconteceu nada. «Com certeza que sim», disse-se, decidida a voltar a pé com intento de não compartilhar uma carruagem com Adam e Priscilla. - Posso lhe pedir que leve Pegasus para casa, senhor Dixon? Você saberá o que terá que dizer ao Johnson quando o deixar nos estábulos. - Assim o farei, senhorita Lambarth - respondeu muito sério. Alguns cavaleiros mais os alcançaram e ofereceram sua ajuda. Depois de declinar agradecendo seu interesse, Helena sentiu um enorme prazer quando Adam insistiu em que pegasse seu braço enquanto o senhor Dixon os seguia com os cavalos. Muito cedo para ela, chegaram à carruagem e Adam a soltou. - Senhorita Lambarth, está ferida? Adam ajude-a a subir! Que susto levou à pobrezinha! Eu só em ver fiquei a ponto de desmaiar. Pensar que alguém havia ferido deliberadamente seu animal em uma tentativa de fazê-la cair em ridículo fez arder a ira em seu interior. Mas embora suspeitasse que aquele convite ao parque havia sido feito com a intenção de colocar a prova suas habilidades como amazona, a menos que a senhorita Standish fosse uma atriz consumada, sua palidez e o tremor de seus lábios pareciam aduzir que não havia jogado nenhum papel naquela parte da aventura. Helena recordou de repente de Francis Standish aproximando-se a dar uma palmada em Pegasus. Havia ficado bastante próximo para poder deixar o espinho sob a manta, que teria terminado cravando-se ao montar. Francis Standish, que parecia ter sido engolido pela terra. Seria aquele o modo em que havia decidido devolver o arranhão da outra noite? Embora não podia provar que fosse responsável, tampouco lhe ocorria de que outro modo havia chegado o espinho até ali. Teria que urdir com cuidado o modo de lhe devolver a bola. - Estou bem - assegurou. - Eu não gostaria de manchar a carruagem com o vestido sujo como estou. Senhor Dixon, quereria me pedir um coche? - Sim, e a seguirei até sua casa. Para sua surpresa, e deleite, com sua prometida e a pessoas os olhando, Adam reclamou de novo seu braço. - Eu acompanharei à senhorita Lambarth ao coche e voltarei em um momento, Priscilla. - Adam, estou segura de que o senhor Dixon pode…

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- A senhorita Lambarth é minha responsabilidade - cortou Adam asperamente. A cor tingiu as bochechas da senhorita Standish. - Coloque a gravata antes de voltar - disse. Enquanto Adam puxava sua mão para colocá-la no braço, Helena saboreou sua delicadeza tanto como seu contato, e após despedir-se, afastaram-se. Uma vez haviam se afastado das pessoas, ele pegou sua mão para detê-la. - Com certeza que está bem? Tem sangue na manga. - Não é meu. - Está certa? -ela assentiu e ele respirou fundo. – Meu Deus! Que susto me deu! Pensava que ia a… - Mas não foi assim - disse com suavidade, desfrutando do calor de sua mão e da força que palpitava em seu olhar. Adam elevou a mão como se quisesse lhe acariciar a bochecha e ela fechou os olhos, antecipando a carícia, mas a mão se deteve a meio caminho. Adam fechou o punho, deixou cair o braço e com um suspiro, a animou a seguir. Chegaram junto aos coches e Adam deu instruções a um dos choferes. - Tenho que voltar com Priscilla - disse, olhando por cima do ombro para as carruagens. - É obvio. Adam a ajudou a subir sem afastar a mão de seu braço até o último momento, e sorriu forçadamente. - Tente não fugir com esta carruagem e chegar a casa. - Tentarei - sorriu. - E quanto ao que aconteceu com o cavalo… falaremos disso mais tarde. «Não até que eu tenha decidido o que vou fazer», pensou. E rápido, porque aquela noite era o jantar. Adam fechou a porta e o coche se pôs em marcha.

Ao entrar na sala de jantar, Helena se deu conta de que a haviam colocado junto a Francis Standish, o que encaixava com seus planos. Percebendo que se Priscilla soubesse não lhe teria feito aquela honra, perguntou-se se seria coisa de seu pai, ou o próprio Francis desejava verificar o efeito de sua mutreta do parque.

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Fosse como fosse, pensou apertando os lábios, confiava em que ao terminar o jantar, Francis Standish tivesse alcançado a determinação de evitá-la permanentemente. O mesmo que havia tentado ao evitar Adam, adiando até saber que a carruagem estava preparada, para sair de seu quarto e descer. Tinha se sentido tentada a arejar a prova que possuía do verdadeiro caráter de sua prometida e o primo desta, mas posto que não ia poder quebrar o compromisso, melhor economizar a dor de conhecer seu comportamento. - Tenho que elogiar sua fortaleza - disse Priscilla assim que se sentaram à mesa. - Recuperou-se rapidamente da odisséia desta tarde. Menos mal que o senhor Dixon pode deter seu cavalo! Oxalá Adam tivesse escolhido sua montaria - apertou a mão de seu prometido com um sorriso. - Estou segura de que teria encontrado outra mais apropriada. - Meu pai sempre me advertiu que um comportamento irrefletido está acostumado a conduzir ao fracasso - acrescentou Lady Cordelia, a amiga da senhorita Standish, sentada frente a Francis Standish. - Embora é obvio todos nos alegramos de que não caísse, senhorita Lambarth. Para surpresa de Helena, Adam afastou a mão de sua prometida. - Não só não caiu, mas também controlou maravilhosamente bem seu cavalo, sem necessidade de ajuda de ninguém. Foi uma magnífica demonstração de seu conhecimento em equitação. O sorriso de Priscilla empalideceu o mesmo aconteceu com a expressão de suficiência de Lady Cordelia. Mas antes que Helena pudesse intervir, lorde Blanchard afastou o olhar de sua adorada Charis e disse: - Oxalá eu também tivesse podido presenciá-lo! Seu sangue-frio e sua habilidade eram a fofoca de White's esta tarde. No breve silêncio que seguiu ao comentário de Blanchard, a expressão de Priscilla se azedou ainda mais. A recompensa a tanto esforço havia sido insatisfatória, de modo que se virou a falar com sua mãe. No outro extremo da mesa, enquanto o senhor Standish monopolizava seus companheiros de jantar, Helena pode concentrar-se em Francis. A princípio ele parecia mostrar-se reservado, mas Helena decidiu ganhar sua confiança respondendo com deferência a seus comentários, de modo que o jovem relaxou e começou a contar anedotas nas que, é obvio, ele era o principal protagonista.

Chegaram as frutas, as nozes e os doces. Helena escolheu uma maçã e uma faca de ponta afiada e esperou a que tivesse uma pausa em seu monólogo. - Viajou ao estrangeiro, senhor Standish? Francis engoliu e a olhou com condescendência.

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- Não. Embora tenha quem elogie o Grand Tour, não há mais que recordar a violência dos franceses e a incapacidade das demais nações européias para deter as tropas de Napoleão para saber que todos os benefícios de uma cultura superior se acham aqui, na Inglaterra. - Mas existe uma variedade tão incrível de civilizações no mundo! Eu tenho lido os relatos escritos por viajantes que chegaram até terras longínquas e os acho fascinantes. Começou a tirar uma muito fina e longa casca da maçã. - Ler muito sobrecarga o intelecto, sobre tudo o das mulheres. Faria melhor seguir o exemplo de Priscilla, que permite que seus pensamentos sejam guiados pelos cavalheiros. - Mas será que alguém não perderia tantos… detalhes, se deixasse a observação nas mãos dos homens. E sempre terá que procurar a verdade do que acontece a nosso redor, não lhe parece? Seu equilíbrio se rachou um pouco. - Imagino que sim, senhorita Lambarth. - Mas falávamos de culturas estrangeiras. Recentemente li um assustador relato a respeito de uma viagem realizada pelas terras dos peles vermelhas da América do Norte -explicou, sem deixar de cortar a maçã. - Parece que os selvagens continuam com a bárbara prática de cortar o cabelo de seus inimigos amparando-se na escuridão para assaltar suas vítimas enquanto dormem. Não parece incrível? Seguiu cortando, desta vez uma parte maior da maçã. Francis baixou o olhar ao consciencioso trabalho de suas mãos e tragou saliva. - Sim. É… incrível. - Suponho que é culpa de minha deficiente criação, mas eu sinto bastante simpatia para os selvagens. Se alguém fizesse mal a algum objeto ou pessoa querida para mim, a um cavalo por exemplo, pensaria seriamente em cobrar justa vingança. Quando terminou, deixou a maçã cortada no centro do prato junto à casca e o olhou fixamente e sem pestanejar. - As noites de Londres são muito escuras, não é certo? Com os olhos arregalados e o rosto da cor da cera, Francis a olhou. A seguir puxou o guardanapo no prato e se levantou de repente, de modo que sua cadeira ficou a ponto de cair ao chão. - Por Deus, Francis! -exclamou sua tia. - O que houve? - Sinto-me… indisposto. Desculpem-me, por favor. E com a mão na boca, saiu correndo da sala. De sua posição na mesa, Adam teve que sorrir ao ver Francis perder a compostura.

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Clandestinamente havia estado estudando ele e Helena a noite toda. Embora sua raiva tivesse esfriado um pouco, continuava furioso depois de ter falado com Johnson ao voltar do parque. Por incrível que pudesse parecer que alguém fosse perverso o bastante ou imprudente para causar semelhante reação em Pegasus, não parecia haver outra explicação para o espinho que Dix tinha dito ao cavalariço que a senhorita Lambarth havia extraído do flanco do animal. Além disso, Pegasus tinha se comportado perfeitamente até que Helena havia voltado a montar após passear junto a Francis, que era a única pessoa que havia ficado perto o bastante do animal. Embora a atuação da senhorita Lambarth com a maçã houvesse sido sem dúvida escandalosa, só podia aplaudir o modo que havia conseguido inspirar tanto medo em Francis Standish, o que demonstrava que o tipo era um covarde, e também baixo. Merecia algo mais que um bom susto, já que se não fosse pela excepcional habilidade de Helena como amazona, bem podia ela estar naquele momento em sua mortalha, e não sentada à mesa. Um calafrio lhe percorreu as costas e deu graças a Deus que a tivesse salvado. Não podia imaginar o motivo pelo qual Standish havia feito algo assim, e embora se negasse a acreditar que Priscilla tivesse sido a instigadora, tendo em conta os comentários desdenhosos que havia feito no passeio e no jantar, suspeitava que pudesse ter animado Francis a fazer algo que pudesse colocar Helena em evidência. Tinha pensado em interrogá-la assim que tivessem um momento de intimidade. Falaria a sua prometida sobre Helena do mesmo modo quando ele estava presente para defendê-la que quando não? Perguntou-se de repente. Embora Helena não houvesse se queixado nunca, também teria que lhe perguntar sobre esse particular. A senhora Standish se levantou para conduzir às damas a outra sala e ele se pôs em pé para despedir-se. Helena, vestida uma vez mais de sua cor favorita, o escarlate, foi a última a sair, a cabeça alta e seu porte cheio de elegância. Mal haviam se visto desde aquela noite na biblioteca. E não sabia o que ia dizer quando se vissem. Ele só desejava consolá-la dando seu abraço… mas quando ela havia se acalmado, não tinha sido capaz de deixá-la ir sem provar por fim seus lábios. Havia feito com delicadeza, e não lhe devorando a boca, que era o que sonhava com inquietante assiduidade. De fato, refletiu, embora o desejo e o prazer andassem pelas veias, não havia desejado saltar sobre ela, mas sim a luxúria, a ternura, a compaixão e o afeto haviam se misturado em seu interior até não ser capaz de reconhecê-los separadamente. Lamentava e ao mesmo tempo se alegrava de tê-la beijado. A alma inteira tinha se expandido

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de gozo e adoração ao depositar sua confiança nele… ela, que tão poucas razões tinha para confiar em um homem. Deus, que confusão. O único que podia dizer com segurança é que havia sentido um pânico mortal ao ver Helena agarrar-se à sela de montar, havia sentido ternura e afeto ao tomá-la em seus braços, havia sentido mais desejo ao beijar delicadamente seus lábios do que havia sentido jamais por sua prometida. Seria uma desonra romper o compromisso que havia estabelecido com Priscilla Standish, mas como poderia ser honrável casar-se com uma garota a quem não amava e que nunca chegaria a amar? E ainda mais quando estava começando a acreditar que era Helena Lambarth quem lhe havia roubado seu coração. ***

Capítulo 23 Havia celebrado com alegria escapar da companhia de Grosvenor Square, mas durou pouco. Na metade da noite musical que as damas da casa Darnell participavam depois do jantar, elevou o olhar e viu o grupo Standish chegar. Estavam na entrada da sala pegando alguns refrescos, quando o segundo grupo de músicos afinava seus instrumentos. Embora Charis e Lady Darnell se aproximassem imediatamente para saudá-los, Helena titubeou. Não estava segura de ser capaz de mostrar-se educada com Priscilla três vezes em um mesmo dia. Surpreendentemente foram a senhorita Standish e Lady Cordelia quem a saudou com a mão e se aproximaram dela. Satisfeita após ter intimidado o primo de Priscilla, duvidava que Francis tivesse tido tempo suficiente de contar a sua prima. Além disso, que dano ela podia fazer em uma sala como aquela? Só precisaria repetir as palavras enganosamente afetuosas de Priscilla sem perder os nervos… por mais difícil que pudesse parecer. - Querida senhorita Lambarth! -disse Priscilla. - Ainda não tivemos oportunidade de conversar tranqüilamente hoje. O que lhe parece se retificarmos essa omissão? Cordelia esteve relatando as extraordinárias aventuras que contava hoje no jantar. - Eram somente coisas que tenho lido.

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- É tão letrada - comentou Priscilla. - Charis me disse que está estudando filosofia… e em grego, nada menos! - Ainda que meu pai chegasse a me permitir estudar uma língua tão infernal, o qual estou certa que jamais aconteceria -interveio Lady Cordelia, - nunca me consideraria o bastante preparada para estudar um assunto normalmente reservado aos homens. Cansada de ouvir o que as mulheres deviam ou não deviam fazer, e como não tinha obrigação nenhuma com Lady Cordelia, Helena respondeu: - É uma sorte ser consciente das próprias limitações. Lady Cordelia a fulminou com o olhar. - Mas entendi que é mais empreendedora que a maioria das mulheres de boa família, senhorita Lambarth. - Certamente - disse Priscilla. - Viajou até Londres no coche do correio… sem nem sequer uma criada! Pela extremidade do olho Helena viu que se aproximavam outros convidados e que alguns se inclinavam para elas em seus assentos tentando ouvir a conversa. A senhorita Standish já a tinha feito objeto de seus prejudiciais comentários em outras visitas, isso sim, quando Adam não estava presente, de modo que a hostilidade de sua prometida para ela certamente era de conhecimento de todos. Por que não oferecer aos presentes o espetáculo que esperavam? Estava farta de ter que passar por cima os comentários de Priscilla. - Sentada no teto do coche. Não omita esse detalhe. - Mesmo assim, essa não foi a mais atrevida de suas aventuras! -disse Lady Cordelia. - Priscilla, não foi você quem me disse que a senhorita Lambarth havia passeado por Londres durante a noite, disfarçada de homem? OH! -exclamou, levando a mão aos lábios e fingindo desmaio, - Que torpe sou! Havia esquecido que não devia mencioná-lo. Desculpe-me, senhorita Lambarth! Alguém conteve o fôlego e as matronas sentadas perto ficaram imóveis. Um repentino silêncio se estendeu pela sala, até que inclusive Darnell e lorde Blanchard, que conversavam perto da porta, voltaram-se.

A senhorita Standish olhou Helena, e a ansiedade e o triunfo brilharam em seus olhos. - Estou convencida de que são só falatórios, não, senhorita Lambarth? - Não são! -interveio Lady Cordelia. - Você jurou que era absolutamente verdade! Darnell havia divulgado sua escapada. Helena estudou Priscilla, que não parecia capaz de

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decidir se alegrava ou lamentava ter traído a confiança de Darnell. Mas embora a senhorita Standish houvesse proporcionado uma possível via de escape, não quis refugiar-se em uma mentira. Além disso, a verdade ou não e acrescentado a suas outras inaptidões sociais, o rumor conseguiria de todos os modos o propósito da senhorita Standish: criar um escândalo que bastasse para desacreditar à pessoa que considerava sua rival. - Não, não. O que disse a senhorita Standish é verdade - respondeu Helena com calma. Inclusive cuidei do cavalo do amigo do senhor Blanchard diante da porta do White's - e assinalando o diplomata, mudou seu tom de voz pelo dos marotos das ruas, e repetiu: - Cuido do cavalo por um xelim, chefe? Suas palavras se transportaram por toda a sala. Lorde Blanchard a olhava boquiaberto e os mais próximos a ela tinham cara de incredulidade e surpresa. Sabia que a quantidade de excentricidades que a boa sociedade podia digerir tendo em conta sua riqueza tinha um limite. E ao ver os olhares que lhe dedicavam, soube que o havia transpassado. Mas quando seu olhar desafiante se encontrou com a de Lady Darnell, soube que não cairia só. A menos que atuasse rapidamente para se distanciar da família que tão querida era para ela. Charis, depois de recuperar-se do que acabava de ouvir dos lábios de Cordelia, aproximava-se até ela enquanto Adam, furioso, caminhava até sua linha. Mas antes que pudesse alcançá-la, disse ao ouvido de Priscilla: - Se empregasse tanta paixão tentando agradar Adam como gasta em idealizar formas de me desacreditar, ambos seriam muito mais felizes. Enquanto, como marionetes controladas pela mesma mão, o resto dos convidados retrocedia. Helena interceptou Adam antes que continuar. - Não se preocupe por mim. Atende tia Lillian e Charis. - Não pensará que vou abandoná-la… -Adam, por favor! Não permita que minha desgraça seja a sua. Adam duvidou, mas ao reconhecer que tinha razão, assentiu: - Está bem… mas só por agora. Isto não terminou ainda. E após dar um apertão a sua mão, passou diante dela e foi a sua prometida.

Adam segurou Priscilla por um braço e a conduziu para Charis, com Lady Cordelia colada aos calcanhares. Só no centro da sala, Helena quase podia ler em seus olhares as opiniões que haviam estar trocando entre eles. «Que triste é esta sociedade», pensou. Todas aquelas pessoas pegas em seu ridículo código de

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regra pelo que matronas e pretendentes que a adulavam e solicitava sua companhia uns momentos antes já não se atrevessem nem em olhá-la aos olhos. Inclusive Lady Pulôver, que havia movido afligida a cabeça, se virou sem lhe dirigir a palavra. Outros convidados se apressaram a seguir seu exemplo e Helena se perguntava se devia aguardar a que tivessem saído todos antes de partir quando uma voz reverberou no silêncio. - Senhorita Lambarth, por favor, permita me apoiar em seu braço? Helena se virou. Era Lady Seagrave quem se aproximava. Depois daquele primeiro encontro no salão de Lady Pulôver, Helena tinha se dado conta de que Lady Seagrave a observava cada vez que coincidiam em uma reunião. Inclusive haviam trocado algumas palavras. Para a mãe do jovem a quem sua própria mãe havia amado e com quem tinha fugido Helena sentia a mesma mistura de gratidão e ressentimento que sempre havia albergado pelo filho. Em qualquer caso, a aproximação de Lady Seagrave lhe causou estranheza. Por acaso o exílio de Gavin Seagrave após matar um marido ciumento em um duelo a tinha tornado sensível para as vítimas de qualquer escândalo? - Madame -saudou com uma cortesia. Lady Seagrave pôs a mão em seu braço. - Tenho a impressão de que nesta sala faz frio de repente, e quero voltar para casa. Seria tão amável de me acompanhar? Helena também tinha que voltar para casa, e não poderia fingir ter um lugar na carruagem dos Darnell. - Está segura de que quer que a acompanhe? -perguntou. A mulher sorriu. - Está você certa de que quer vir comigo? Sim? Nesse caso, vamos. Depois de agradecer a anfitriã, que havia ficado sem palavras, Lady Seagrave pôs sua mão sobre a de Helena e a guiou com firmeza fora da habitação. Como se o houvessem combinado previamente, nenhuma falou até que estavam na carruagem. - Obrigada por seu apoio, Lady Seagrave - disse Helena. - Se me deixasse em Darnell House, estaria muito agradecida. Creio que o mais sensato de minha parte seria preparar a bagagem o quanto antes - acrescentou com um sorriso irônico. - Não deseja saber por que intervi? Helena encolheu de ombros e a olhou zombadora. - Porque a divertiu fazê-lo? Foi toda uma surpresa ver que as lágrimas começavam a brilhar em seus olhos.

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- Ai, quanto se parece com ele… sempre desdenhosa e disposta a desafiar o mundo inteiro! Igual a seu pai. Helena ficou imóvel. - Agradeceria que não voltasse a me comparar com Lambarth, madame. Lady Seagrave sorriu entre lágrimas. - Jamais o faria querida! Refiro a seu verdadeiro pai: meu filho Gavin. - Meu verdadeiro… - o estupor não a deixava falar. - Está me dizendo que Gavin Seagrave era meu pai? -perguntou finalmente. - Sim. É uma história bem longa. Por que não me acompanha a casa e me permite lhe contar isso? Atônita, incrédula, doída e curiosa, Helena permitiu que Lady Seagrave a levasse a North Audley Street, ao salão de sua casa. Quando as duas estavam sentadas, Lady Seagrave começou a falar: - Desde muito jovem, meu filho Gavin era um jovem indômito, apaixonado e impulsivo, disposto sempre a brigar, e também a perdoar. Havia conquistado a um bom número de mulheres, mas quando conheceu sua mãe, apaixonaram-se imediatamente e profundamente. A partir daquele momento, Diana só teve olhos para Gavin, ignorando Vincent Lambarth, que levava meses cortejando-a. Embora sua família, seus avós mortos, acreditava que Gavin era muito instável e não o julgava bom para sua filha, Diana teria se casado com ele de todos os modos, se não tivesse sido pelo duelo. Lady Seagrave suspirou. - Um assunto forjado. Para proteger o amante que a dama em questão tinha naquele momento, deu o nome de Gavin pelo de seu amante com a esperança de que meu filho o negasse e que seu marido se esquecesse do assunto. Mas o haviam insultado, e Gavin insistiu em obter satisfação. Bateram-se, o marido morreu e Gavin fugiu da Inglaterra. - E o que a faz pensar que é meu pai? - Diana, como pode imaginar, ficou destroçada quando meu filho teve que partir tão repentinamente. E naquela mesma semana, sua família anunciou que ia casar-se com Lambarth. Inclusive então me pareceu que tanta pressa era uma tentativa de distanciá-la da desgraça de Gavin, mas posto que eu havia sido declarada pessoa non grata pelos Forester, não me permitiram vê-la. E embora a tivesse visto, e lhe revelado minhas suspeitas, como pedir que rechaçasse Lambarth e esperasse Gavin, se nenhum de nós sabia onde estava ou quando voltaríamos a saber dele? Quando se pôs em contato comigo, já era muito tarde. Diana tinha se casado com Lambarth e vivia em Cornwall.

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- Mas tem alguma prova do que está dizendo, não são só hipóteses? - Paciência, querida. Alguns anos mais tarde, soube que havia nascido uma menina. Eu seguia esperando que Lambarth a trouxesse para sua família em Londres, mas não o fez. Então meu filho me disse que havia enviado agentes a Cornwall para que contatassem com sua mãe e através deles soube que era tremendamente infeliz. Estava decidido a resgatar ela e à menina, e levar a ambas a suas propriedades do Caribe. Como já sabe o resgate não teve êxito. Quando seus homens levaram sua mãe, completamente histérica, até ele, foi que disse que a menina que havia nascido, a menina a que não haviam podido libertar, não era filha de Lambarth, mas sim dele. - Minha mãe lhe disse isso? - Sim. - Jure que é a verdade. - Juro. - Mas… minha mãe me escreveu cartas, muitas cartas, ao longo dos anos. Nem sequer quando soube que estava morrendo disse que Lambarth não era meu verdadeiro pai. Por que não ia fazê-lo, se fosse verdade? - Quando a segunda tentativa de resgate falhou, Diana e Gavin acreditaram na ameaça de Lambarth: que preferiria vê-la morta que te libertar. Então Gavin contratou os melhores advogados de Inglaterra para encontrar um modo legal de que Diana te arrancasse das mãos de Lambarth. Mas sendo legalmente reconhecida como filha dele, não pôde fazer nada, de modo que Lambarth teve sua vingança, os deixando viver sabendo que retinha em seu poder à filha querida de Diana. - Isso tampouco explica por que minha mãe não iria me contar isso em uma de suas cartas. Ou por que você mesma esperou tanto para me dizer isso quando nos encontramos já em várias ocasiões mais. - Posto que Lambarth se negava a divorciar-se de Diana ou a te soltar, que sentido tinha dizer isso. A única esperança de seus pais era que sobrevivesse até que Lambarth morresse ou ficasse bastante incapacitado para que pudesse escapar e que então, como herdeira dos bens de Lambarth ou em posse da fortuna de Diana, pudesse reclamar o posto que te correspondesse na sociedade. Um lugar ao qual nunca teria podido aceitar a filha ilegítima de um homem que havia abandonado a Inglaterra em desgraça. Fez uma pausa e acrescentou: - Por essa mesma razão, eu não me atrevi a mostrar muito interesse por você, porque embora seus traços e sua voz sejam os de Diana, a cor de sua pele e sua estatura é de Gavin. A semelhança seria evidente se seu pai não tivesse estado longe da Inglaterra tanto tempo. Inclusive agora, é tão

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evidente que há quem poderia lembrar aquele velho escândalo e fazer você pagar por ele se passasse muito tempo em minha companhia. E por isso… a observava a distância, sofrendo terrivelmente porque Gavin não pudesse estar aqui e vê-la. Sofrendo por ter uma única neta a qual não poderia me aproximar. Helena ainda não sabia se acreditava. - Uma neta que causou um escândalo quase tão grave quanto o que organizou o homem que você diz que é meu pai. Está segura de querer me reconhecer? - Minha menina querida, por mais egoísta que possa parecer, seu escândalo me devolveu a ilusão! Se não fosse pela vilania da senhorita Standish, nunca teria me aproximado de você. E se deseja tentar se recuperar voltarei para meu afastamento anterior. Mas não podia deixar passar a oportunidade de que conhecesse a verdade. Espera um momento, que não faço mais que falar quando o que queria fazer primeiro era te mostrar isto. Pegou Helena pela mão e, saindo do salão, entraram em uma elegante sala de estar, onde lhe indicou o retrato de um jovem pendurado na parede da chaminé. - Seu pai, Gavin Seagrave. Helena ficou sem fôlego porque se não tivesse em conta a diferença de sexo, aqueles olhos escuros e penetrantes, o cabelo negro e ondulado, a estatura e o queixo arrogante, bem que poderia estar olhando-se em um espelho. Tudo fazia sentido: sentido perfeito e pavoroso. A ira de Lambarth, as surras, seu retorcido desejo de reter uma prisioneira que parecia querer e desprezar ao mesmo tempo. - Lambarth sabia? -perguntou a Lady Seagrave. - Embora ele também tivesse os olhos e o cabelo escuros, imagino que ao menos suspeitava. A tratava… mal? Mal? Aquela breve palavra não podia abranger o que o homem que chamava pai havia feito. - Sim - limitou-se a responder, apertando sua mão enrugada coberta pela luva. Lady Seagrave fechou os olhos como se tivessem lhe dado uma bofetada. - Minha menina querida… quanto o sinto. Essa era a tortura de sua mãe: pensar que a tinha deixado a mercê de Lambarth. Perdoe-me! Se tivesse insistido em ver Diana antes que se casasse com ele, talvez tivesse podido evitar. Helena prometeu a si mesma que devia lhe ocultar o que tinha sofrido. - Você não podia fazer nada, tendo só suspeitas - respondeu, pegando sua mão. - Não deve se reprovar nem sequer agora. Lady Seagrave sorriu trêmula.

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- Obrigada, querida. Apesar de sua frivolidade, Lady Darnell é uma mulher inteligente e se desejar, com certeza a ela ocorrerá um modo de salvar sua reputação. Talvez o melhor seria manter a ficção de que sou só uma conhecida que, como no passado teve que enfrentar outro escândalo, sentiu compaixão de ti. Bastaria saber que sabe que é minha neta. - Não tenho intenção de permitir que tia Lillian volte a arriscar seu status social para tentar me redimir. Assim que possa recolher minhas coisas, abandonarei a casa dos Darnell. E… e se continua decidida a me apoiar, eu gostaria de ficar com você até que saiba o que vou fazer. - Está segura? Helena assentiu e os olhos da mulher ficaram cheios de lágrimas. - Nada no mundo poderia ser mais de meu agrado. Por que não envia uma nota a casa dos Darnell e diz que vai passar a noite aqui? Tenho tantas coisas que te contar!

Na manhã seguinte, quando despertou, Helena demorou um momento em recordar onde estava. Apenas havia dormido algumas horas. Tinha ficado quase até o amanhecer escutando Lady Seagrave descrever tudo o que sabia do amor entre Diana e Gavin, de seu encontro depois do resgate de Gavin e sua vida juntos. Seus pais haviam se casado de acordo com a lei caribenha, mas desgraçadamente não haviam podido ter mais filhos. Depois de acumular uma verdadeira fortuna como corsário, Gavin havia montado uma empresa naval para comercializar o rum e açúcar. E enquanto tecia sua rede de correspondentes e mantinha alguns contatos menos respeitáveis de seus dias como corsário, esperava que chegasse o dia em que a filha a qual não atrevia aproximar-se pudesse ser libertada. Estava recordando maravilhada todas aquelas revelações quando Lady Seagrave entrou com uma bandeja em que trazia chocolate quente. - Bom dia, minha menina! Teria te deixado dormir mais, mas me disse que queria se levantar cedo. - Obrigada - respondeu, pegando uma xícara, - mas você também deve estar cansada. Não deveria ter trazido nada. - Teria querido que mandasse uma criada? De maneira nenhuma! Precisava me assegurar de que está aqui de verdade, que não é só um sonho. - Sou real… vovó - respondeu Helena com acanhamento. Indecisa, Lady Seagrave lhe estendeu os braços e Helena se deixou abraçar antes de devolver o

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abraço com uma onda de gozo. Por fim tinha se livrado de Lambarth, do homem cuja crueldade havia enjaulado seu espírito com muito mais eficácia que os muros do castelo haviam aprisionado seu corpo. Lady Seagrave tinha os olhos chorosos quando se separaram. - Decidiu já o que quer fazer? - Ainda não. Devo partir de St. James Square, e certamente o melhor seria que abandonasse também Londres. - Está segura de que não quer tentar reparar sua reputação? Lillian Darnell pode obrar maravilhas. - Não. Vi o suficiente da boa sociedade para poder viver perfeitamente bem sem ela. O único que lamento é que este escândalo possa prejudicar à família Darnell. Pelo resto, estou disposta a partir daqui. Não poderia suportar ficar para presenciar o casamento de seu querido Adam com Priscilla Standish, embora fosse a distância, lendo os ecos de sociedade no Morning Post. Era muito doloroso imaginá-lo casando-se com a detestável Priscilla ou sabendo como a vida ao lado da mesquinharia de sua mulher iria apagar sua qualidades, sua compaixão, até que a decisão ditada pela honra ficasse reduzida ao amargo cumprimento do dever. - Você gostaria de viajar? -perguntou Lady Seagrave, interrompendo seus escuros pensamentos. Helena encolheu de ombros. - Poderia ser. - Se estiver segura de que quer que se saiba nosso parentesco, você gostaria de tomar um navio e ir a St. Kitts? Para meu filho não poderia haver maior alegria que a de conhecer por fim à filha que amou e teve saudades toda sua vida. O Caribe… longe do Adam e da dor de saber que nunca poderia ser seu. É obvio sentia curiosidade por conhecer homem que havia amado sua mãe, e com quem ela se parecia tanto. Talvez Gavin, que havia suportado a dor e a perda, poderia lhe ensinar a agüentá-la. - Sim… acho que eu gostaria. - Maravilhoso! Quererá ficar comigo até que organize tudo? - Voltarei amanhã, quando tiver… deixado à família Darnell - disse, e aquelas poucas palavras apenas eram um débil reflexo da dor que ia lhe causar. - Excelente! -exclamou Lady Seagrave. - Desfruta de seu chocolate, querida. Vou sair imediatamente para o escritório que Gavin tem em Londres para ver como se pode organizar.

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Chama meu pessoal se precisar de algo. Ficaram de se encontrar para jantar e Lady Seagrave partiu. Na nota que Helena havia enviado a Darnell House a noite anterior pedia a Nell que levasse roupa limpa aquela manhã. Enquanto esperava sua chegada, escreveria algumas notas mais. A tia Lillian, desculpando-se pelo escândalo que havia causado e dizendo que voltaria a tarde, quando elas estivessem fora, para buscar suas coisas. A Lady Pulôver, pedindo que sua transgressão não pesasse em seu ânimo contra a família Darnell. Ao senhor Pendenning, avisando que passaria em seu escritório aquela mesma tarde para falar de seus planos futuros. Mas a Adam não ia enviar nota alguma. Instintivamente sabia que aquela noite a esperaria, que não a deixaria partir sem vê-la pela última vez, e Helena desejava e temia o encontro. A incerteza podia abater-se sobre seu futuro, mas um fato permanecia claro como o dia: agora que sabia que em seu sangue não circulava nenhuma só gota do depravado capaz de maltratar, encarcerar e privar de mantimentos a uma menina havia uma última coisa que queria fazer antes de abandonar Londres. Embora não quisesse tentar forçar a honra do homem que admirava por não romper suas promessas, Adam Darnell seguia solteiro, de modo que estava disposta a seduzi-lo. Antes que se visse obrigada a abandoná-lo a um matrimônio sem amor, daria a ele uma noite de prazer nos braços de uma mulher que o amava apaixonadamente. E se dispunha de tempo suficiente antes de voltar para St. James Square reuniria-se com a cortesã que uma vez viu no parque para perguntar qual era o melhor modo de agradar um cavalheiro.

Depois de escrever todos os recados e jantar com Lady Seagrave, Helena estava disposta a realizar sua última e mais importante missão quando Nell entrou para anunciar que o senhor Dixon havia ido vê-la. Embora houvesse assegurado Nell e Dickon que Lady Darnell lhe encontraria outro posto após sua partida os dois haviam respondido com uma lealdade que havia chegado ao coração, que prefeririam segui-la onde quer que fosse. Consumida por seu iminente encontro com Adam, esteve a ponto de dizer a Nell que o despedisse para sair imediatamente ao endereço em Covent Garden que sua criada, a contra gosto, havia feito que Dickon conseguisse. A cortesã, conforme tinha descoberto Dickon sairia em seguida para reunir-se com seu amante na ópera.

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Mas o senhor Dixon havia mostrado sua amizade desde o começo, e que fosse vê-la depois do acontecido só podia significar que pretendia lhe oferecer seu apoio, e não podia pagar a lealdade o evitando. Resignada a pospor o encontro com a cortesã, Helena se alegrou recordando que conforme haviam falado em uma ocasião, talvez pudesse fazer a Dixon algumas pergunta das que pretendia fazer a aquela mulher. Quando Helena entrou no salão um momento depois, seu amigo se levantou e se aproximou a beijar sua mão com ardor. - Minha querida senhorita Lambarth! Como lamento que uma entrevista para jantar com minha tia avó me impedisse de assistir ontem à noite à noite musical! Jamais a teria deixado plantada no meio do salão, o garanto! Não posso compreender como Darnell foi tão covarde! - Obrigado, Dixon, mas não deve pensar mal de Adam. Fui eu, consciente de que devia proteger a reputação das mulheres de sua família, quem pediu que me deixasse para se ocupar delas. Então Lady Seagrave se ofereceu a me ajudar. - De verdade foi você quem cuidou do cavalo do amigo de Blanchard diante do White's? Por todos os Santos, como gostaria de ter visto! - Sim, mas melhor não falarmos disso. - Não se falava de outra coisa nos clubes! Não imagino outra mulher tão intrépida nem com sua mesma capacidade para fazer algo assim. - Certamente não uma dama - observou Helena com secura. - Em lugar de falar disso, posso abusar uma vez mais de sua amizade e lhe fazer algumas perguntas… pouco delicadas? Os olhos se iluminaram e sorriu. - Certamente. - O que é que os beijos fazem que os homens os desejem? Embora Dixon tenha ruborizado, respondeu sem duvidar: - Beijar… e as demais demonstrações de afeto que procedem dele… é algo muito prazenteiro. Quer que demonstre quanto? - Se fosse beijá-lo, como poderia fazer dessa experiência algo ainda mais prazenteiro? -seguiu perguntando, ignorando sua sugestão. Enquanto esperava, Dixon ruborizou até a raiz do cabelo. Estava a ponto de concluir que havia excedido inclusive sua ampla tolerância quando ao fim disse com voz áspera: - Poderia me aproximar de você para que sentisse todo seu corpo junto ao meu e abrir os… lábios para que pudesse acariciar sua língua com a minha.

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- Fazendo isso você desejaria… mais? Ele respirou fundo. - Tão somente olhá-la me faz desejar mais. Mas se quer receber uma aula sobre o ato de beijar, sou muito melhor nos fatos que nas descrições. - Você… quer me beijar? - Mais que respirar. Suas perguntas deviam ter inflamado seu desejo, e talvez por isso lhe devesse um beijo. Um beijo de despedida para um amigo fiel. Possivelmente um beijo que demonstrasse se sua paixão podia ser despertada só por um homem. - Então, me beije. Rapidamente se aproximou dela e a rodeou com os braços. Felizmente seu beijo, embora insistente, manteve-se delicado. Seu contato resultou… agradável, mas não despertou nela a urgente necessidade de apertar-se contra ele ou de abrir os lábios. Totalmente o contrário do beijo de Adam. Em um instante lembrou como as chamas a haviam devorado por dentro com tão somente um toque de seus lábios. Como havia ardido o peito com o desejo de abraçá-lo. Separou-se devagar dele, mas antes que pudesse desculpar-se por utilizá-lo daquele modo, Dixon cravou o joelho no chão. - Case-se comigo, Helena! Nenhum homem poderia admirar mais que eu sua mente curiosa, afastada de convencionalismos, sua força, sua paixão desinibida. Poderá montar o cavalo que escolha, conduzir um faetón tão rápido como queira. Inclusive poderemos explorar as ruas da cidade disfarçados os dois! Que a pessoas murmure o que quiser. Eu jamais a abandonarei! - Por favor, senhor Dixon, se levante! -rogou. - Me interpretou mal! Não deveria ter sido necessário que saísse disfarçada se quisesse conhecer a cidade. Tampouco escolhi um cavalo brioso para escandalizar ninguém. Jamais tentei incitar as falações, mas sim viver de acordo com minhas idéias. - Então, me deixe viver com você, protegê-la, amá-la. - As palavras não podem expressar o honrada que me sinto com sua proposta, mas não posso aceitá-la. Temo ter abusado em excesso de sua amizade, porque eu não desejo me casar. - Pode ser que o cavalheiro adequado a convença do contrário. - Ninguém pode me convencer… e consegui lhe colocar em uma posição incômoda. Rogo

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que me desculpe. Dixon se elevou e deu vários passos pela sala. - É Darnell, não é? -virou-se para ela. - Ele nunca faltará à palavra dada à senhorita Standish. Sabe disso. Um pouco alarmada porque conhecesse seu segredo, Helena evitou lhe dar uma resposta direta. - Eu não iria querer que rompesse. - Então, por que não considerar minha proposta? - Vou partir em breve de Londres. Não poderíamos nos separar como amigos? - Está decidida? - Sempre desejei viajar, e me acabam de oferecer a oportunidade perfeita de fazê-lo. Lady Seagrave está a ponto de sair para o Caribe, e aceitei acompanhá-la. - Não posso dissuadi-la? Para mim seria uma honra estar sempre ao seu lado, apoiá-la, embora fosse só como amigo. - E eu me sinto honrada com sua amizade, mas devo ir. Dixon ficou olhando durante um momento e logo suspirou. - Presumo que não resta nada por fazer salvo expressar uma vez mais minha mais profunda admiração e minha devoção. Desejo que faça boa viagem, e lembre: se alguma vez mudar de opinião, eu e a Inglaterra nos alegraremos de lhe dar a boas-vindas a casa. Dixon beijou sua mão e saiu. A sensação de culpa que sentia aliviou ao pensar que não parecia um homem cujas mais altas esperanças e desejos acabassem de ser esmagados. Suspeitava que, se tivesse sido bastante imprudente para aceitar sua oferta, a admiração que sentia por seu espírito tão pouco convencional logo teria se apagado: assim que descobrisse que sua escandalosa noiva o impediria de assistir a bailes e jantares, que além disso por culpa dela negariam a admissão a clubes, e que muitos de seus conhecidos deixariam de falar com ele. E quanto a seus planos com Adam, estava claro que o beijo de Dixon não havia despertado nela a intensidade de desejo, a ternura e a sensação de plenitude do de Adam. Um estremecimento a sacudiu dos pés a cabeça. Posto que parecesse óbvio que só ele podia criar a magia que tinha sentido, estava mais ansiosa que nunca por voltar a encontrar-se em seus braços. Embora estivesse agradecida a Dixon por mostrar por onde começar continuava necessitando algo mais de instrução na arte da sedução. Se andasse depressa, ainda poderia chegar a casa da divina Alicia antes que ela saísse.

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Pouco depois, a carruagem de Lady Seagrave a deixava na casa dos Darnell. Ao entrar, se encontrou com Harrison que a esperava junto à porta. - Bem vinda a casa, senhorita Lambarth! -exclamou. - Lady Darnell pediu que diga que a senhorita Charis e ela desejam vê-la quando puder lhes dedicar um instante de seu tempo. Surpreendida e comovida pela preocupação evidente no rosto sempre impassível de Harrison, Helena entregou sua capa. Embora suspeitasse que sua tia não a deixaria partir alegremente, sentiu uma dor no peito diante daquela nova demonstração de apoio de sua família, apesar de que temesse o que sem dúvida seria um doloroso encontro. Razão a mais para enfrentá-lo o quanto antes. - Irei imediatamente - respondeu, e respirando fundo, o seguiu escada acima. Assim que Harrison anunciou sua chegada, Lady Darnell e Charis correram a abraçá-la. - Essa odiosa moça! -disse tia Lillian entre soluços. - Abandonarei esta casa assim que Adam a traga aqui como sua esposa. Mas não deve se desesperar, querida, que eu sigo sendo alguém. Se nos retirarmos ao campo até que o próximo escândalo atraia a atenção de todos, ainda poderemos… - Minha querida tia Lillian… - interrompeu, sentindo-se mais culpada que nunca. Em lugar de lhe dirigir as recriminações que merecia pelo escândalo que se abateu sobre eles, sua tia só pensava em como recuperar sua reputação. - Não sei como expressar meu agradecimento, mas me nego a comprometê-la mais ainda. - Não pensará que vamos abandoná-la! -interveio Charis. - Não deveria ter aceitado que me separassem de seu lado ontem à noite, e não o teria feito se não fosse porque Adam e Nathan insistiram que era melhor te deixar com Lady Seagrave e colocar ponto final com rapidez ao incidente em lugar de prolongá-lo discutindo. - Todos ficaremos a seu lado - disse Lady Darnell. - Assim que Charis se casar, podemos ir a Claygate. Dentro de alguns meses, os falatórios terão cessado. Duvido que os mais suscetíveis voltem a te receber, e certamente Almack's ficará entre eles, mas meus amigos, que a valorizam por quem é nos enviarão suficientes convites para nos manter entretidas. - Minha muito querida tia, se retire a Claygate se o desejar, mas eu não poderei acompanhá-la. Pode ser que mais adiante, quando tudo for esquecido, poderei voltar a visitar… você ou a Charis, esteja onde esteja a embaixada que tenha o prazer de contar com ela como anfitriã. Se é que quer seguir sabendo de mim então. Veja tia: é que há mais neste escândalo do que ontem à noite disse Lady Cordelia. Um pouco verdadeiramente surpreendente, que eu acabo de saber. Quer se sentar enquanto te conto? Brevemente, Helena detalhou o que Lady Seagrave tinha relatado, e concluiu dizendo que ia

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sair de viagem com sua avó para encontrar-se com Gavin. Embora sua tia houvesse ficado a ponto de desmaiar, ao recuperar-se declarou que se Helena pretendia reconhecer Seagrave como seu pai, a família Darnell a apoiaria. - É muito boa, tia! Não é que pretendo publicá-lo no Times, mas desejo passar algum tempo com Lady Seagrave, e mais cedo ou mais tarde, o segredo sairá à luz. Não estou segura do que poderia ser pior para vocês: se que os relacionassem com a marota que passeia pela cidade vestida de homem, ou o fato ter albergado em sua casa à filha ilegítima de um corsário. - Para nós é só Helena, e a queremos - defendeu Charis. - Não podemos te convencer de que fique? Se fosse só por elas, poderia aceitar, mas sabia que não poderia ficar e ocultar a força do que sentia por Adam… e já os havia exposto suficientemente ao escândalo. - Sinto muito - disse, sentindo de novo a ardência das lágrimas. - Quero muitíssimo as duas, e lamentarei enormemente perder seu casamento, Charis, mas tenho que ir. Enquanto Lady Darnell levava o lenço aos olhos, Charis a olhou fixamente. - Entendo - disse abraçando a Helena. - Maldita Priscilla! Faça o que deve minha querida Helena. Lembra que vá aonde vá, sempre será bem-vinda em nossa casa. Houve muitos mais abraços, e Helena insistiu que não cancelassem seus planos de assistir um baile acompanhadas por lorde Blanchard. Enquanto elas terminavam seus preparativos, Helena voltou a seu quarto para dar instruções a Nell de que começasse a preparar a bagagem. Em seguida, quando as mulheres haviam partido, foi à biblioteca esperar Adam. ***

Capítulo 24 Várias horas mais tarde, Helena estava sentada diante das chamas da chaminé com a mesma camisola branca de seda e a bata que usava na primeira noite que encontrou Darnell na biblioteca. A primeira vez que tinha visto em seu rosto o que mais adiante chegaria a reconhecer como desejo. Um desejo que aquela noite tentaria satisfazer ao máximo. Posto que estivesse muito nervosa para ser capaz de concentrar-se na leitura, sentiu um enorme alívio quando depois de ter ficado alternadamente passeando pela sala e sentando-se no sofá, ouviu seus passos no vestíbulo e uma chamada na porta. O coração inflamou de gozo ao voltar a ver suas feições tão queridas para ela, embora sua

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expressão fosse solene. O comichão que sua presença despertava nela a envolveu com intensidade. Confiava em que esse comichão passasse em breve a outro nível completamente distinto. Adam se deteve no centro da sala ao vê-la, e uma intensa emoção apareceu em seu rosto antes que pudesse controlá-la. Deu alguns passos mais, mas não chegou ainda ao sofá, como se não confiasse em si mesmo para sentar-se a seu lado. - Falei com Belle-mère esta tarde e disse que vai nos deixar. Que parte de Londres. Ao ouvir sua voz forçada, Helena sentiu também que suas palavras saíam tremendo. - Acredito… que é o melhor. - Como vou poder me desculpar por ser responsável pelo que aconteceu? Jamais me ocorreu pensar que Priscilla fosse contar a alguém uma confidência como essa… uma confidência que eu não deveria ter falado com ninguém. Estou profundamente envergonhado de ter traído sua confiança. Helena apertou os punhos para não deixar-se levar e acariciar as linhas de preocupação de seu rosto. - Tendo em conta o interesse que Priscilla demonstra por meus equívocos, suponho que não deixaria passar a oportunidade de te arrancar o segredo. - E assim foi - confessou ele pesaroso. - Mas isso não desculpa minha falta porque fui eu quem lhe deu a oportunidade de fazê-lo. Ainda não pude falar com ela do incidente de ontem à noite porque em duas ocasiões que estive em sua casa, sua mãe me despediu dizendo que Priscilla se achava indisposta, mas falarei com ela amanhã embora tenha que derrubar a porta de seu dormitório.

- O que está feito, está feito. Não seja muito severo com ela. Eu… eu sempre fui um impedimento entre vocês, e quero que isso mude. Partindo conseguirei e ao mesmo tempo libertarei tia Lillian da ameaça constante que são para ela meus desastres sociais. - Mas não deve permitir que este incidente a expulse de Londres! Belle-mère pode arrumar perfeitamente com as pessoas, e de Priscilla me ocupo eu. Não vou permitir que volte a te exilar, e tampouco Charis permitiria que o fizesse. - Ela não causou nem de longe os problemas que eu causei. Mas não quero discutir contigo. Deixe-me explicar o que soube ontem e que muda radicalmente tudo. Em poucas palavras resumiu o que Lady Seagrave havia lhe confiado. - Pode ser que você saiba melhor que ninguém o que sofri nas mãos de Lambarth. Depois do

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que ocorreu ontem à noite iria querer partir de Londres de todos os modos, mas agora tenho uma razão de peso, e não é só evitar o descrédito: é que quero conhecer meu pai. Não pode me pedir que deixe de fazê-lo. -É obvio que não - respondeu com o sorriso que a ela tanto gostava. - Deve estar muito feliz de saber que não há nada de Lambarth em ti. - Vejo que compreende. Outros verão só que reconhecendo Seagrave como pai me transformarei em filha bastarda. - Melhor ser um bastardo que o filho de um homem que era o escárnio de palavras como pai e cavalheiro. Nesse caso… deve nos deixar. Quando? Helena engoliu saliva. - Amanhã irei a casa de Lady Seagrave. Partiremos assim que ela possa conseguir a passagem. - Então, esta noite… - Devemos dizer adeus - concluiu ela, aproximando-se dele. O coração pulsava desbocado, e de tão nervosa como estava, tremia. Obrigou-se a pegar sua mão: a primeira vez que procurava seu contato deliberadamente. Ele retrocedeu um pouco a princípio, mas logo beijou seus nódulos. Tinha a respiração tão alterada quanto ela, e o calor que emanava dele nada tinha que ver com o fogo. Com certeza. - Dê-me um beijo de despedida… na boca - sussurrou. A princípio pensou que se negaria, mas em seguida seus olhos se escureceram como sempre que o desejo palpitava nele. - Adeus, Helena - sussurrou um segundo antes que seus lábios se tocassem. Sentiu aquele contato até nos dedos dos pés e ouviu um gemido, que não poderia dizer se havia surgido de sua garganta ou da dele. Então, antes que se separassem, pôs as mãos em seus ombros. - Ah, Helena - murmurou, mas o que quer que fosse dizer ficou perdido porque aproveitou o momento para deslizar a língua no interior de sua boca. A surpresa o deixou imóvel um segundo, e os joelhos dela ficaram a ponto falhar. Felizmente ele puxou seus ombros para que se aproximasse mais, e Helena, apoiando-se contra seu corpo, perdeu-se no delicioso jogo de suas bocas, avançado para tentar, retirando-se para esperar que a seguisse. Sentia palpitar o coração no peito e mais abaixo, onde seu membro duro pressionava contra a fina seda que cobria seu abdômen. Enredando os dedos em seu cabelo, o puxou enquanto seguiam beijando-se. Tudo nela parecia estar derretendo por um calor que partia em ondas de seu ventre e que

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alcançava desde seus mamilos até os joelhos, das mãos aos pés. Sentiu uma desconhecida palpitação entre suas coxas, que crescia ao ritmo em que se moviam suas línguas. Acabava de decidir que precisava sentir-se mais perto dele quando Adam se separou dando um passo para trás. - Não, Helena - murmurou, abrindo os olhos de par em par, desfocados. - Isto é… uma loucura. - Sim - respondeu, e voltou a puxá-lo para capturar sua boca. Um segundo depois, com um gemido abafado, apertou-a contra seu corpo. Aquela vez foi ele o agressor; sua língua era a que perseguia, acariciando-a, enquanto ela tirava desesperadamente sua jaqueta tentando encontrar sua pele. Com a outra mão tratou de alcançar seu membro ereto, e o gemido dele ficou abafado em sua boca quando alcançou seu objetivo e o cobriu e o acariciou por cima de suas calças. Começava a lhe desabotoar os botões quando ele a deteve. - Não, Helena - ofegou. - Não… devemos. Mas ela não afastou a mão, e ao sentir que ele estremecia, avivou-se ainda mais. - Não quer isto? Não me deseja? - Sim… não! - Uma noite, Adam. Só uma noite roubada do resto de nossa existência. Uma noite em que não exista nada: nem deveres, nem obrigações… nada exceto você e eu. E só nos dois saberemos. Pode me afastar de ti sem provar isto uma só vez? - perguntou, lhe acariciando, e o puxando, voltou a beijá-lo.

Depois de um instante Adam se separou de novo. - Está segura? Estou tentando resistir, mas um momento mais assim - disse, esfregando-se contra ela, - e já não poderei parar. - Não resista. Tinha seu lábio entre os dentes e o mordeu, e ele se apoderou de sua língua com a mesma intensidade como se fossem amantes que tivessem ficado um longo tempo separados. Mas quando Helena conseguiu desabotoar o primeiro botão de suas calças, ele voltou a separar-se. - Aqui não. - Virá a meu quarto? -sussurrou.

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- Sim. - Promete? Porque juro que se não tiver aparecido em dez minutos, irei te buscar. Voltou a beijá-la e deslizou suas mãos pelas costas para lhe apertar as nádegas. - Lá estarei. Prometo isso. Como cúmplices de um delito, saíram sem fazer ruído da biblioteca e correram escada acima. Uma vez em seu quarto, Helena acendeu umas velas, afastou a roupa da cama e deixou a bata no chão. O que preferiria Adam? Encontrá-la esperando entre os lençóis, ou que o recebesse na porta, revelando seu corpo a contraluz sob a camisola? Então a porta se abriu e Adam entrou. O gola de uma camisa aparecia sob o roupão e estava com o cabelo alvoroçado, como se tivesse se despido rapidamente. - Adam, meu amor - sussurrou, aproximando-se dele. Ele pegou seu rosto entre as mãos. - É tão linda… - disse com voz afogada. - Faz tanto tempo que a desejava que já não posso lembrar um instante no qual não me sentisse assim. Tomou sua mão, o conduziu até a cama e retirou o roupão. Debaixo usava só a camisa, que descia até além da cintura. Suavemente o empurrou sobre os almofadões e quando ele foi tirar a camisola, ela não permitiu. - Ainda não. Deixe te agradar antes, Adam. Adam obedeceu sem deixar de olhá-la nem um instante. Helena apoiou uma mão a cada lado de seu corpo e voltou a beijá-lo. O calor que transpassava a camisa de linho era mais intenso que o que emanava da chaminé da biblioteca, mas ela queria mais, queria sentir sua pele nua. Ainda beijando-o, foi desabotoando a camisa e afastando-a deslizou brandamente a mão por seu peito. Ele conteve a respiração, e a beijou com mais veemência quando ela esfregou seus mamilos entre os dedos. Sentiu desejo de saborear, de provar a pele de seu peito, seus mamilos, o vão na base de sua garganta, e despedindo-se momentaneamente de sua boca foi descendo pelo queixo, percorreu a mandíbula, subiu a sua orelha, desceu pelo pescoço antes de estender-se sobre ele e com uma mão acariciar o seu ventre. Adam ficou tenso quando sua mão lhe roçou o pênis e emitiu um gemido abafado quando o encerrou em sua mão. Uma gama de sensações deliciosas chegou ao centro de seu ser ao senti-lo tremer. A pele era tão suave, tão tensa, com aquela gota de umidade de seda brilhando no centro… Riscou com um dedo a fenda que encontrou e perguntou em um sussurro:

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- Gosta? - S-sim - gemeu Adam. Mas já não queria lhe empurrar a falar, mas sim só desejava que respondesse com o movimento dos quadris. Ainda percorrendo com os dedos a extensão de seu membro, aproximou os lábios a seus mamilos e mordeu primeiro um, logo o outro, e foi descendo por seu abdômen lambendo, mordendo, deslizando a bochecha por sua pele. Por fim se colocou escarranchada sobre ele, e aferrando seu pênis com ambas as mãos seguiu lhe acariciando enquanto conhecia seu corpo à luz das velas, maravilhada da beleza de suas formas ali sobre a cama, os olhos fechados, a cabeça caída para trás, as mãos tensas, agarradas ao lençol. - Quero beijá-lo… aqui - disse, desenhando seu pênis com um só dedo. - Posso? Adam abriu os olhos. - Sim - respondeu sem fôlego, apertando ainda mais o punhado de lençol que tinha em cada mão. Seu corpo saltou ao sentir o contato com seus lábios e Adam gemeu silenciosamente. Algo dentro dela saltou também, uma chama de sensação naquele ponto úmido e palpitante entre suas pernas. Murmurando, gemendo, o lambeu da base até o extremo de tato acetinado, esfregando seu corpo contra ele, e o enfiou na boca. O coração ia tão depressa que se sentia enjoada. Quase não podia ouvir o que lhe dizia, de modo que quando o viu mover a cabeça de lado a lado e o ouviu gemer com mais força, não sabia se devia parar ou continuar, mas o movimento de seus quadris parecia indicar que queria mais. E continuou. Seu sabor e seu tato eram indescritíveis, o mesmo que a paixão que corria por suas veias, o palpitar de seu clitóris que crescia e crescia. A deixava louca o ouvir ofegar, o véu de suor que cobria seu peito e seu abdômen, ver os punhos apertados e os músculos e tendões dos braços a ponto de saltar. Quando por fim gritou, todo seu corpo se tornou rígido e sentiu encher a boca de um fluido de sabor salgado. Adam ficou um instante com os olhos fechados, recuperando o fôlego, e Helena temeu ter lhe feito mal. - Adam, está bem? -perguntou apoiando-se no travesseiro. Ele abriu os olhos e riu. - Se estou bem? Não. Estou estupefato. Transformado - respondeu, acariciando sua bochecha. - Eu não queria que fosse assim, só para mim, mas é que é… incrível. Não pude me controlar. - Então, gostou? Desejava tanto poder te satisfazer que acredito que aprendi de cor as instruções da divina Alicia.

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- Agradar é um termo que nem sequer se aproxima de… -de repente se levantou apoiado em um cotovelo para olhá-la com os olhos de par em par. - A divina Alicia! De verdade quer dizer que foi…? - Consultá-la? Pois claro. Estava querendo falar com ela desde que a vi no parque aquele dia. Depois do que ocorreu na noite musical, pensei que minha reputação não podia piorar se fosse visitá-la. Queria saber como te satisfazer, e pensei que ela falaria sem dissimulações sobre o que ocorre entre um homem e uma mulher - seu sorriso se tornou malandro ao acariciar seu peito com um só dedo. - E o fez. Adam levou sua mão aos lábios. - E o que te disse - perguntou, mordiscando um a um seus dedos - a divina Alicia sobre como eu agradaria você? As sensações que despertavam sua língua e suas pequenas dentadas estavam afetando seriamente à fala de Helena. - Não… ocorreu-me… perguntar - murmurou. Adam riu. - Então me deixe ser seu tutor, minha tentação, e conseguirei te satisfazer tanto como me satisfez você - disse a envolvendo em um abraço. Helena se aconchegou para inalar seu aroma, mais feliz do que havia sido em toda sua vida, e pela primeira vez com a sensação de estar por fim em casa ali, nos braços de Adam. Não quis escutar uma voz interior que a advertia do pouco que ia durar aquela felicidade. A tormenta de sensações que tinha crescido em seu interior deu passo à calma junto ao calor de seu corpo, e quase estava ficando adormecida quando sentiu as mãos de Adam no decote da camisola. -Adam -disse, segurando a camisola- minhas costas. Eu… preferiria que não tirasse a camisola. - Será que não sabe que cada centímetro de você é formoso para mim? Cada cicatriz, um emblema de sua honra e sua valentia. Quero vê-la, acariciar todo seu corpo. E enquanto a beijava, foi descendo devagar a camisola. Em seguida, pouco a pouco, sua mão foi percorrendo a perna, o joelho, a face interna e sensível da coxa. Gemendo sem se afastar de sua boca, abriu as pernas para oferecer-se a ele, mas sua mão avançava tão devagar, deleitando-se de tal maneira em seus descobrimentos que Helena começou a retorcer-se inquieta. Ao alcançar as mechas frisadas que cobria sua virilha, Adam abandonou seus lábios para desfrutar de seus seios, e ao tempo que encontrava seu clitóris alcançou seu mamilo.

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Uma descarga aguda de prazer a sacudiu de parte a parte. - Gosta? -sussurrou ele sem deixar de acariciá-la. - Oh, sim… Adam foi a busca de seu outro mamilo para avivá-lo com os dentes, amassando-o, enquanto com a outra mão separava as dobras de sua carne para entrar em seu corpo. O prazer que Helena estava sentindo crescia e crescia sem fim até que sentiu que ou explodia, ou ficaria desfeita em chamas, porque aquele era um tormento que não podia suportar mais tempo. Até que de repente algo em seu interior se abriu como uma comporta que enviou um prazer inimaginável até o último rincão, até o último nervo de seu corpo. As ondas de sensação foram amainando pouco a pouco e Helena permaneceu imóvel, muito exausta para sequer falar. Adam lhe beijou a testa com um sorriso. - A satisfiz, meu amor? Helena tentou sorrir. - Jamais sonhei que existisse algo assim. - Só para ti, minha doce Helena - sussurrou. - Por toda a noite. E durante o resto daquela esplêndida noite permaneceram juntos, Helena apoiando a cabeça em sua coxa e devolvendo a força a seu membro com as carícias das mãos, ou suave e esgotada sobre seu peito enquanto ele acariciava sua pele já saciada. Mas quando despertou quase ao amanhecer perseguida por aquela voz implacável que insistia que seu tempo acabava, Helena soube com desesperada urgência que não podia deixá-lo sem provar uma vez a união completa que, para protegê-la, ele havia estado negando. Aproximou-se a mordiscar o lóbulo da orelha enquanto deslizava uma mão por seu abdômen, e o ouviu rir quando seu pênis se avivou sob sua mão. - Mais, minha insaciável vampiresca? -murmurou. - Sempre - respondeu ela, o beijando nos lábios. Em um movimento inesperado, Adam se colocou sobre ela, segurou as mãos por cima da cabeça e penetrou entre suas pernas para mover os quadris e acariciar o centro de seu ser com o extremo de seu pênis seguindo o mesmo ritmo que o de sua língua. Consciente de que, se seguiam daquele modo, Adam logo a faria perder o controle, Helena gemeu: - Não… posso respirar. Embora não fosse mentira, o rogo conseguiu seu objetivo porque Adam se virou e a puxou

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para que ficasse sobre ele. Com os olhos brilhantes e turvos, o peito coberto de suor e a respiração intensa a olhou de cima abaixo: - Assim está… melhor. Posso ver… quão formosos são seus seios - disse, os sopesando com as mãos ao falar. - Os mamilos… rosados de meus beijos. A curva de seu ventre… assim posso te tocar - e empurrou suas pernas para as separar. Mas antes que sua mão pudesse operar o milagre de colocá-la a beira do precipício, Helena moveu os quadris e colocando seu pênis, sentou-se devagar sobre ele. A princípio sentiu uma estranha queimação até que por fim o sentiu dentro de seu ser. O instante de desconforto passou rapidamente, deixando lugar à sensação de estar completa e cheia. Sem pensar nem planejar, começou a mover-se dentro e fora, e a intensidade do que sentia a fez gemer. Vagamente se deu conta de que Adam lhe segurava os braços. - Não, meu amor, não… Helena se inclinou para cobrir sua boca com a sua e agarrar-se a seus quadris com os joelhos. - Me ame, Adam - sussurrou. - Me ame sem barreiras. Por um instante ele permaneceu imóvel, resistindo, mas quando ela voltou a mover-se, com um gemido animal, agarrou-se a suas nádegas e arqueou para cima as costas. Embora tivesse que enganá-lo para conseguir, em seguida foi ele quem tomou as rédeas, diminuindo a marcha, segurando seus quadris depois de cada assalto. Embora houvesse chegado várias vezes a reter-se ao precipício entre a loucura e o êxtase, daquela vez a manteve suspensa a um pé do abismo tanto tempo que Helena gritou pedindo salvação. Em seguida, com um grito igualmente selvagem, penetrou-a uma vez mais e a abraçou contra seu corpo enquanto os dois tremiam e se estremeciam juntos. A intensidade do que acabavam de experimentar, similar e ao mesmo tempo tão diferente do prazer que havia proporcionado sua língua e suas mãos, deixou Helena sem respiração e encheu seus olhos de lágrimas. Uma só carne. Um só coração pulsando em uníssono. Mas, apesar de que havia desejado ignorá-lo, não ficou mais remédio que reconhecer que uma pálida luz começava a transpassar as cortinas fechadas sobre as janelas, rivalizando com o dourado resplendor das velas. Quando Adam se moveu, ela se levantou na cama. Até a última fibra de seu ser se negava a perdê-lo. Não podia limitar-se a embarcar e deixá-lo para trás. Tendo experimentado aquele êxtase, não

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podia imaginar a vida sem ele. Seu coração, sua alma, não poderiam suportar a perda. - Adam, o satisfiz, não foi assim? Ele abriu os olhos e sorriu. - Agradamos um ao outro, não? - Maravilhosamente - respondeu, devolvendo o sorriso. - Então… embora é obvio não quero impedir que cumpra com suas… obrigações, não seria possível que pudéssemos ter um tempo para ficar juntos? Poderíamos procurar uma casa nos subúrbios de Londres. Um lugar próximo que pudesse ir sem dificuldades. Seu sorriso se desvaneceu. - Está propondo o que acredito que está me propondo? -disse ao fim. - Helena, não quero que seja minha amante! O que eu quero… melhor não falar disso agora. Sentiu o peito como se tivesse aberto pela metade, tragou saliva e piscou para evitar as lágrimas. - Não, claro que não. Perdoe-me. É obvio que não a amava. Por acaso não havia causado bastante caos em sua vida? Por que ia querer suportar uma mulher marcada, mal educada, problemática, que ia de escândalo em escândalo, quando por sua educação e encanto podia ter qualquer mulher entre as melhores para uma aventura discreta? O dia estava abrindo, a luz rosada que passava pelas janelas crescia a cada momento. Escada abaixo, os servos deviam estar despertando. Com um frio que a gelava até os ossos e que nada tinha com a temperatura, Helena desceu da cama e recolheu sua bata de cetim. - Deveria ir agora, antes que a criada venha acender o fogo. Não desejaria preocupar mais tia Lillian com um último escândalo estando sob seu teto. Recolheu também o roupão de Adam e a camisa e os ofereceu. Ele ficou contemplando a roupa em silêncio, como se não quisesse tomá-las de sua mão. Talvez detestasse tanto como ela que acabasse a noite. Por fim disse: - Tem razão. Deixou a camisa sobre a cama, levantou-se e pôs o roupão, alguns instantes mais que Helena teve para desfrutar a beleza de seu corpo nu, o corpo que havia beijado e acariciado, lambido, mordido, desfrutado de todos os modos imagináveis durante as longas horas da noite, do mesmo modo que ele havia acariciado e satisfeito ao seu; inclusive as cicatrizes das costas, recordou

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contendo a respiração. Quando o viu voltar-se para a porta, apertou os dentes para sossegar a imperiosa necessidade de confessar seu amor naqueles últimos minutos que iam ter para estar juntos. Mas Adam não demoraria para sentir o peso da culpa de noite que haviam compartilhado juntos sem que ela acrescentasse além disso o peso de seu amor por ele. Melhor que a acreditasse uma libertina que havia decidido não abandonar sua vida sem antes provar a paixão que havia ardido entre eles desde aquela primeira noite na biblioteca. Um ato mais de irresponsabilidade e incorreção de uma moça que tinha cometido já tantos outros. Transtornada caminhou até o centro do quarto, fechou os olhos e esperou a que soasse o clique da porta ao fechar-se, que marcaria o início dos dias de vazio que se estendiam ante ela. O sentiu passar a seu lado… e dar a volta. Pegando seu rosto entre as mãos a beijou com tanta ternura que teve que morder depois os lábios para não começar a chorar. - Ficará na casa de Lady Seagrave? -perguntou. Helena assentiu. Não podia dizer o que sentia, mas ao menos poderia dizer: - Obrigada, Adam, por… Ele pôs um dedo sobre seus lábios. - Não. Sou eu quem devo agradecê-la, minha querida Helena -sussurrou, devorando seu rosto com os olhos, como se quisesse memorizar cada curva, cada linha, antes de voltar a abraçá-la. Havia jurado que o deixaria partir livremente, mas apesar de suas nobres intenções, agarrou-se a ele, o apertando forte com as mãos, como se quisesse deixar vestígios em sua pele. Ao fim foi ele quem a separou. - Nada está decidido ainda, de modo que não se precipite - disse, acariciando com um dedo a bochecha. Em seguida deu meia volta e saiu. Helena se deixou cair sobre a cama e ocultou o rosto no travesseiro sobre a qual havia descansado a cabeça de Adam e que cheirava a seu sabão de barbear. Havia arrancado uma só noite de paixão. Agora se dava conta de que teria que pagar por ela com grandes doses de amargura durante o resto de seus dias. Apenas uma hora mais tarde, Helena chegou a casa de Lady Seagrave. Depois de ficar um tempo indeterminável na cama desordenada pela paixão, tinha se levantado com a feroz determinação de estar fora da casa antes que se levantasse algum membro da família. Não se acreditava capaz de enfrentar Charis ou tia Lillian sem que elas suspeitassem imediatamente do que havia acontecido. Devia dar graças a Deus pelo convite de Lady Seagrave. Só interpondo um oceano podia

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garantir a distância necessária de Adam e que permitisse viver a vida que sua honra o obrigava a viver. Quando entrou nas pontas dos pés na casa, surpreendeu-lhe a presença do mordomo, que a informou que a senhora levantou a várias horas e que a esperava na biblioteca. Tentando compor uma expressão fácil, bateu na porta e entrou. - Bom dia, querida Helena - saudou Lady Seagrave. - Espera um segundo, que termino de redigir estas instruções e… -as palavras ficaram suspensas no ar quando elevou o olhar e viu seu rosto. - Minha pobre menina… dizer adeus foi difícil, não? - Sim. - Espero que minhas notícias a animem. Ontem quando estive no escritório de Gavin, encontrei com um de seus mais experientes capitães. Ia embarcar no Falmouth assim que chegasse o resto da carga, mas quando o informei de quem ia viajar comigo, propôs zarpar imediatamente. Conhece Gavin a muito tempo e sabe que para ele sua querida filha tem um valor imensamente superior ao de mil garrafas do melhor vinho espanhol. Podemos sair hoje mesmo… se você estiver preparada. Nem sequer o fato de encontrar-se com seu pai podia animá-la, mas sabia que devia abandonar Londres sem demora. - Estou. - Excelente! Farei que Stephen carregue seus baús no coche - aproximou-se e acariciou a bochecha de sua neta. - Não sofra tesouro, que tudo sairá bem ao fim. Helena conseguiu sorrir, mas embora fosse embarcar no tipo de aventura com que sempre havia sonhado, não podia imaginar como ia sair algo bem. ***

Capítulo 25 Tinha passado metade da manhã quando Adam despertou. Cruzou os braços atrás da cabeça. Sentia-se satisfeito e cheio de excitação e otimismo. Não podia lembrar a última vez que havia ficado até tão tarde na cama, mas Helena havia resultado ser tão criativa, tão maravilhosamente cheia de desejo, que não quis esbanjar dormindo mais do que o tempo necessário para recuperar seu vigor antes de voltar a fazer amor. Ainda não podia acreditar que tivesse tido a coragem de seduzi-lo. Mas se tratava de Helena, aquela criatura única que se regia só por suas próprias regras. E fazendo honra à verdade, ele não

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havia tentado resistir com muito afinco. Vê-la aproximar-se dele, com as curvas de seu corpo traindo-se através daquela camisola de seda era como contemplar a personificação da fantasia com a que tanto havia sonhado. Sua sensualidade pura e instintiva o havia cativado mais que poderia lhe oferecer a mais experiente cortesã. Quem era ele para negar o que seu apaixonado espírito levava anos sentindo falta? E menos ainda quando já havia decidido que, apesar da mancha que pudesse supor para sua honra ou da vergonha para Priscilla, não a podia deixar escapar. Estava há muito tempo amadurecendo a decisão de romper seu compromisso, mas após presenciar o comportamento de Priscilla duas noites antes, havia chegado à conclusão de que, embora não houvesse se apaixonado por Helena, não poderia casar-se com uma mulher que parecia disposta a fazer qualquer coisa, inclusive a perder seu respeito traindo a confiança que havia depositado nela com intento de desacreditar a jovem que considerava sua rival. Embora gostaria de escutar o que teria a dizer a modo de explicação, sua resolução era firme. E embora seu encontro daquela tarde fosse ser desagradável, quase tinha vontade de que chegasse. Porque uma vez concluída sua relação, iria direto à casa de Lady Seagrave. Um sorriso se desenhou em seu rosto. Ao diabo com a boa sociedade de Londres. Se decidiam marginalizá-lo por deixar Priscilla e casar-se com Helena, se é que conseguiria convencê-la disso, que assim fosse. Sua família apoiaria sua decisão, disso estava seguro. Com eles, Claygate e Helena, teria tudo o que poderia desejar para ser feliz o resto de seus dias. Louco de felicidade, puxou o cordão para pedir o café da manhã, vestir-se com seus melhores adereços, se livrar de Priscilla e ir em busca de Helena.

O olharia descaradamente quando fosse vê-la, sorrindo ao lembrar o que haviam compartilhado, ou com os lábios ainda inflamados de seus beijos, ruborizaria e baixaria o olhar com o acanhamento de uma donzela, algo que também formava parte da complexidade de seu caráter? Não podia esperar para voltar a vê-la. Sentia-se tão feliz como um daqueles personagens loucos de amor das novelas que lia Charis. Lembrar como tinha se burlado dela por dizer que o amor devia ser muito mais que respeito e admiração mútua o fez rir. Muito ignorante era então. Tinha que estar agradecido à divina providência, e a Helena, porque tivessem intervindo antes que se condenasse a um matrimônio sem amor. Mas o casamento que desejava não era ainda uma certeza e disposto em assegurá-lo saltou da cama. Resultou que ao final, Adam não teve que derrubar a porta do dormitório de Priscilla. Quando

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chegou à mansão Standish, já o aguardava no salão. Por um instante ficou olhando-a em silêncio, perguntando-se como podia ter permitido que algumas quantas impressões, as adulações e a opinião pública o empurrassem a declarar-se antes de ter chegado de verdade a conhecê-la. Ou não teria manifestado seu caráter se não tivesse que se enfrentar com uma rival a qual estava decidida a esmagar? Priscilla lhe devolveu o olhar com frieza, mas transcorreram alguns segundos em silêncio e ao fim o afastou, ruborizando. - Quer se sentar, Darnell? Adam se sentou. - Bom… - disse quando já não pode suportar mais o silêncio, - imagino que quer me perguntar por minha saúde, porque ontem não me encontrava bem. - E eu suponho que começará me explicando por que traiu minha confiança quando me prometeu explicitamente que não revelaria o que contei da senhorita Lambarth. Entretanto contou a Lady Cordelia… e fez que revelasse de tal modo que causasse o máximo de dano possível à protegida de minha mãe. - Jamais pensei que Cordelia fosse repetir! Tentei tirar importância, mas a própria senhorita Lambarth o corroborou. Não pode me culpar disso! - E você não pode negar que aproveitou cada oportunidade que se apresentou para desprezá-la ou para chamar a atenção sobre suas supostas deficiências. Aquele episódio do parque, por exemplo. Meu cavalariço me disse que alguém havia colocado um espinho debaixo do protetor da sela… e esse alguém teve que ser seu primo Francis.

- Eu não tive nada com isso! -exclamou. - Embora admita que quando Francis me animou que a convidasse a ir ao parque conosco, albergava a esperança de que não se saísse tão bem parada entre as carruagens como parece que acontece em seus passeios matinais. - Embora pudesse deixar de lado o fato de que traísse minha confiança, como pode ser tão malvada com uma garota que não desfrutou das vantagens de uma educação privilegiada como a tua? - Deveria haver imaginado que você a defenderia… como faz sempre. Alguma vez parou para considerar como me sinto? Vi como os homens a olham. Como você a olha. Todo o mundo se deu conta da parcialidade que mostra em sua companhia. Por acaso tenho que suportar que digam que terá uma amante inclusive antes de nos casar? Embora pudesse ter razão em sentir ciúmes, que colocasse em julgamento sua honra,

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especialmente após ter tido que lutar severamente para mantê-lo, se enfureceu ainda mais. - Pois teria esperado que falasse disso comigo, em lugar de dar ouvidos a rumores mal intencionados… de sua amiga Cordelia, talvez? Priscilla ruborizou ainda mais. - De verdade são somente rumores? Porque eu não estou disposta a oferecer minha mão e minha fortuna a um homem que leve meu dinheiro enquanto que não tem olhos mais que para essa criatura selvagem e sem princípios. A curiosidade ganhou a partida e perguntou: - Por que me concedeu sua mão, Priscilla? - Porque foi o herói de minha infância! Mas se soubesse então até que ponto podia mostrar essa falta de… cavalheirismo, jamais teria me precipitado desse modo! - Então por fim estamos de acordo em algo, porque descobri o muito que significa para mim essa criatura selvagem e sem princípios que fez tudo o possível por encaixar em um mundo do qual não sabia nada, e a pouca consideração que teve uma manipuladora ciumenta com tendência à crueldade mais detestável. Priscilla abriu os olhos de par em par. - Como… como se atreve! Essa mulher… essa bruxa o enfeitiçou, com seus vergonhosos vestidos e seu irreverente comportamento! Já se meteu em sua cama? Cordelia disse que o faria! Espero que lembre mais adiante, quando descobrir que a está compartilhando com a metade dos homens de seu clube, que eu o adverti… Adam se levantou e cobriu sua boca com a mão.

- Acredito que já disse suficiente - disse, contendo o desejo de sacudi-la pelos ombros até que estalassem os dentes. - Então, estamos de acordo em colocar ponto final neste compromisso, não é assim? Tem permissão para me difamar quanto queira, mas se ouvir uma só palavra desagradável sobre Helena Lambarth, saberei de quem provém, e recorda que posso difundir alguns feitos sobre Francis que não beneficiarão em nada a sua reputação. Baixou a mão e se afastou. - Posso lhe desejar boa saúde e felicidade no futuro, senhorita Standish? Ela levou a mão aos lábios como se não pudesse acreditar o que acabava de ocorrer e o olhou sem falar. - Desejo que tenha um bom dia. E com uma leve inclinação e a sensação de que havia tirado um enorme peso dos ombros,

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Adam partiu. Tão excitado estava que se sentiu tentado a percorrer correndo a distância que o separava de North Audley Street. Com muita dificuldade podia conter sua impaciência conduzindo seu coche a curta distancia que o separava de Grosvenor Square. Quase antes que o coche se detivesse ante a porta de Lady Seagrave, saltou a terra, subiu os degraus de dois em dois e bateu na porta. O servente que abriu não pode dizer nem um palavra porque ele se adiantou: - Devo ver a senhorita Lambarth imediatamente! Sou Darnell - continuou, lhe entregando seu cartão. - Devo ver a senhorita Lambarth imediatamente por um assunto de família extremamente importante. O servente leu o cartão e fez uma cortesia. - Acompanhe-me ao salão, milord. Depois de cinco minutos de ir e vir pelo elegante salão de Lady Seagrave, Adam estava a ponto de ir por sua conta escada acima e procurar a Helena quarto por quarto quando a porta se abriu. Em lugar da encantadora carinha que esperava encontrar, encontrou-se com outro servente de libré. O homem executou uma reverência. - Sou Chambers, o mordomo de Lady Seagrave. Thomas me disse que procura à senhorita Lambarth. - Assim é. Estão as senhoras em casa? Como disse ao criado que me abriu a porta, tenho que falar com a senhorita Lambarth agora mesmo. - Sinto muito, milord, mas as senhoras já partiram. - Partiram? Aonde? - Não estou seguro de poder divulgar… mas - acrescentou rapidamente ao ver que Adam avançava franzindo o cenho, - posto que é da família, creio que poderei dizer que as senhoras saíram esta amanhã para tomar o navio para St. Kitts, para visitar o filho de Lady Seagrave. A senhora me disse que não os esperássemos em uns seis meses. - Seis meses! -repetiu Adam, atônito. - E partiram… esta amanhã, diz? De que porto saía o navio? - Sinto muito, milord, mas não sei. Talvez alguém no escritório de Londres do senhor Seagrave possa sabê-lo. - Onde fica esse escritório? Adam saiu a toda pressa quase antes que as palavras tivessem terminado de sair de lábios do mordomo.

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Lá lhe disseram que o bote que levaria às damas até o navio que aguardava em Falmouth saía de Portsmouth. Depois de escrever uma nota a Lady Darnell e Charis lhes contando seus planos, contratou um coche e saiu atrás delas sem nem sequer levar uma muda de roupa. Mas apesar de espremer ao máximo os animais e percorrer a distância que o separava do porto sem quase deter-se, parando só o necessário para mudar de cavalos, quando chegou no dia seguinte à Portsmouth, cansado e cheio de barro, achou o cais vazio. O navio do capitão Blackman, conforme lhe disse um marinheiro de outro navio, havia zarpado com a maré.

Seis semanas mais tarde, Helena se abanava sentada em um banco do jardim de sua mãe, na propriedade de Gavin Seagrave. A casa e seus jardins, nas colinas que davam ao porto de St. Kitts ofereciam uma vista panorâmica do mar que ficava aos seus pés e do pico do monte Liamuiga. Seu pai e sua avó estavam em casa, planejando um jantar em que a apresentariam aos residentes da ilha. O trajeto havia durado um mês e havia estado cheio de tormentas, mas exceto o tempo que tinha dedicado a cuidar da pobre Lady Seagrave, que junto com Nell e Dickon haviam passado muito mal, Helena havia permanecido no convés, sentada sobre a carga para não atrapalhar os marinheiros, com o vento uivador e o mar enfurecido, que encaixavam à perfeição com seu estado de ânimo.

Durante a viagem, o capitão Blackman havia relatado numerosas histórias de Gavin Seagrave em sua época de corsário, e lembrando suas próprias escapadas noturnas em Lambarth, havia chegado à conclusão que tinha bastante em comum com seu pai. O único lugar com vida no panorama desolado de seu coração era a imediata conexão que havia se estabelecido entre Gavin Seagrave e ela assim que se viram em St. Kitts. Apesar de ter visto seu retrato, tinha tido uma grande surpresa ao vê-lo e descobrir olhos iguais aos que ela via quando se olhava em um espelho. Nas duas semanas que haviam transcorrido desde sua chegada, já tinha se afeiçoado ao homem que ganhou o coração de sua mãe, mas foi seu próprio sofrimento que derreteu o ressentimento que tinha mantido pelo homem que sempre culpou por afastar sua mãe de seu lado. Agora compreendia melhor porque, desafiando todas as leis, Gavin havia investido tantos

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esforços e boa parte de sua fortuna em libertar à mulher que amava. E por que sua mãe tinha arriscado tudo para voltar junto ao homem que nunca havia deixado de amar. E embora se preocupava de manter sempre oculta sua mão danificada, já que havia jurado que não acrescentaria nada mais ao sofrimento de seu pai o deixando ver até que ponto Lambarth a tinha maltratado, imaginava que não poderia compreender a devastação de seu coração ao ver ambos separados de sua filha até que não tivesse filhos próprios. Uma possibilidade que lhe parecia bastante remota. Talvez o calor da família conseguisse recuperar algo de gosto pela vida, mas não imaginava a si mesma desejando casar-se, ou permitindo que outro homem a tocasse como havia feito Adam. Charis já devia ter se casado e partido a Viena com lorde Blanchard. Talvez Adam e Priscilla houvessem marcado também a data de seu casamento. - Ai, meu amor… - sussurrou, e os olhos se encheram de lágrimas, - oxalá possa ser feliz, apesar dela! Ultimamente não fazia mais que chorar, disse com impaciência, secando as lágrimas. Talvez fosse o calor, pensou, abanando-se com mais rapidez. Sua avó, consciente de que não podia fazer muito mais lhe fazia companhia, mas muitas vezes preferia ficar só, caminhando naquele jardim de flores exóticas que sua mãe havia criado, ou montando à égua que era a favorita de sua mãe na pequena granja que havia estabelecido ali. Seu pai a havia animado a ficar e a cuidar da granja com ele, mas ainda não tinha se decidido, embora isso a animasse um pouco. Gavin Seagrave tinha oferecido aos acompanhantes de sua filha a mesma hospitalidade. Dickon se aproximava freqüentemente aos estábulos, e seu pai, certamente consciente de que um moço devia estar ocupado para não meter-se em confusões, deu ordens ao cavalariço de que o ensinasse a montar. Ele próprio havia presenciado a primeira lição e tinha estimado que Dickon possuía condições naturais para a equitação, e havia prometido que se trabalhasse duro, algum dia poderia ser o responsável pela granja, de modo que o moço sentia por seu pai o respeito próximo a veneração que previamente havia mostrado por Harrison. Nell também havia dito em várias ocasiões o quanto gostava daquela linda ilha, seu clima temperado e a hospitalidade das pessoas. Embora Helena suspeitasse que o jovem e bonito secretário de seu pai, cuja atenção havia sido despertada por Nell no instante em que desembarcaram, era a razão principal de seu gosto por aquela terra. Desde que sua avó, é obvio, estava encantada de ver-se ao lado de seu filho, Helena tinha às vezes a sensação de ser a única na ilha de tristeza no mar de felicidade que a rodeava. Levantou-se a passear pelo jardim. O toque de sua mãe era evidente em toda a vegetação, com

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a preponderância do amarelo e o branco, suas cores favoritas. Inclusive havia um pequeno labirinto que a lembrou a viagem que Adam havia proposto a Hampton Court. A dor lhe contraiu o peito. «Por favor, mamãe», implorou naquele lugar que com tanta força sentia sua presença, «você viveu anos sem papai antes que pudessem voltar a se reunir. Ensina-me a sobreviver sem o homem que amo». Como se seus pensamentos tivessem conjurado seu pai, elevou o olhar e o viu aproximar-se; Helena correu a seu lado e apoiou a cabeça em seu peito, abraçando-se a ele. - Sinto ser uma convidada com o ânimo tão baixo, papai. Gavin colocou a mão de sua filha no braço e juntos passearam. - Você não é uma convidada, carinho… você é a alegria de meu coração. Oxalá pudesse te ajudar a que florescesse algo dessa alegria no teu. Olhou seu pai nos olhos, tão parecidos com os seus. Sua avó devia ter lhe contado algo do ocorrido em Londres, certamente, e sem se poder perguntou: - Como suportou os anos que mamãe e você passaram separados? Embora suponha que, sendo um homem, teve aventuras e deveres que o distraíram. Seu pai riu silenciosamente. - Aventuras tive, e muitas, mas a dor de perder sua mãe estava sempre aqui -tocou o peito, muito dentro. Só posso te aconselhar uma coisa: que não empregue seus dias lamentando algum erro que tenha podido cometer. É o amor que sente o que faz com que a vida valha a pena. Se agarre a ele. - Mas e se esse amor já não for possível… como ocorre a ti agora, desde que mamãe se foi?

- Perdê-la foi um golpe que sigo sofrendo diariamente, mas tudo o que compartilhamos vive em meu coração. Um dia voltaremos a ficar juntos. E embora seja uma reação natural que alguém tente proteger-se atrás de um muro quando sofreu muito, asseguro que a felicidade que proporciona querer alguém sempre vale a pena. As lágrimas voltaram a lhe arder nos olhos, mas antes que pudesse agradecer a seu pai por aquele consolo, a porta do jardim se abriu e Dickon se apresentou ante eles correndo. - Senhor Seagrave! O senhor Wittington me envia para buscá-lo. O Gray Star está chegando! - Então, melhor ir a lhe ajudar a atracar, moço? Diga a Wittington que estou a caminho enquanto Dickon saía outra vez a toda pressa, Gavin se virou para sua filha. - Vem? - Ficarei aqui um momento mais. Logo me aproximo cavalgando. - Não fique fora muito tempo. O sol no trópico é muito forte e ainda não está habituada.

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- Não se preocupe. Obrigada por falar comigo, papai. Espero ser tão sábia quanto você algum dia. Gavin sorriu. - Me custou muito sofrimento acumular essa sabedoria… uma experiência pela qual espero que não tenha que passar! Até mais tarde, filha. Seu pai saiu do jardim assobiando e pegou o caminho que conduzia aos estábulos. Helena se sentou em um dos bancos do jardim, mas pouco depois voltou a sentir-se inquieta. Embora estivesse mais quente, montar lhe faria bem. Um bom galope sempre a ajudava a clarear pensamentos. Saía já pelo portão quando viu um homem que se aproximava pelo caminho leste, uma silhueta negra recortada ao sol da manhã. Não desejava companhia e estava a ponto de se ocultar a sua vista quando algo em sua forma de caminhar, em seu porte, chamou sua atenção. O fôlego ficou na garganta. Mas não, o sol ardente do Caribe devia estar provocando alucinações. De todos os modos ficou olhando, amaldiçoando-se por ser tão idiota para ficar ali plantada esperando que fosse um homem que estava do outro lado do globo, um homem que talvez já estivesse casado com Priscilla Standish. - Depois de viajar tantas milhas, esperava pelo menos um olá. - A... Adam? Moveu a cabeça, mas o rosto que se materializou ante ela parecia ser o dele, tão querido para ela que o coração se encolheu. - Adam - repetiu, e elevou a mão para lhe roçar o rosto. Seu pai já havia advertido que não devia ficar ao sol muito tempo, mas aquela ilusão era tão maravilhosa que não a importou padecê-la. - Sim, sou Adam, meu amor - disse ele, rindo. - Ai, Helena, Helena, quanto senti sua falta! Aquela alucinação era cada vez melhor, porque inclusive a estava abraçando. Até podia cheirar, por cima do aroma ao redor, o perfume almiscarado de seu sabão de barbear. - Beije-me! -murmurou decidida a desfrutar do prazer que lhe proporcionava aquela fantasia antes que determinassem encerrá-la em um quarto escuro com um pano frio na testa. Ah… era tal e como lembrava: seu sabor, a dança de suas línguas… se encostou a ele e a surpreendeu que uma fantasia pudesse ter uma ereção. - Carinho, a menos que queira causar outro escândalo, recomendo que deixe de me beijar assim no meio do jardim. Faz tanto que não estamos juntos que não vou poder resistir. Helena olhou aqueles olhos verdes tão queridos, cheios da luz de seu sorriso. - Adam? -sussurrou. - É você de verdade? Mas como…?

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Ele a conduziu por um braço para que se sentasse no banco. - Teria que torcer seu pescoço, furacão! Disse que não se precipitasse, e em menos de vinte e quatro horas parte às colônias sem nem sequer me dizer! Antes que pudesse te dizer que Priscilla e eu tínhamos terminado. Antes que pudesse te dizer que a única mulher que amo é uma dama cativante que roubou meu coração… você, meu amor. - Você… me ama? - Mais que a minha vida. E esperava que você também tivesse… carinho por mim, depois da última noite que passamos juntos. - Quer que sua seja amante? - Minha amante e muito mais. Embora sei que o casamento não te inspira muita confiança, o que quero é que se case comigo. Adam a beijou suavemente nos lábios, quase reverentemente, como se fosse um prezado tesouro ao qual teria que tratar com infinita delicadeza. - Minha querida Helena, confiará em mim? Quererá ficar ao meu lado toda a vida para que eu possa lhe demonstrar quão importante é para mim? A queria… era importante para ele. Suas palavras encheram o vazio que tinha dentro até que sentiu o coração transbordante de felicidade. «Confia no amor», havia dito seu pai. - Sim, Adam. Casar-me-ei contigo. Ele abriu os olhos de par em par. - Ah, sim? - Sim! O amo tanto, Adam! Com um grito de triunfo, Adam a pegou nos braços e a fez girar no ar. - Que maravilha! Belle-mère e Charis ficarão encantadas! Antes de partir, Charis me confessou que era sua maior esperança. Sinto-me honrado por sua confiança, apesar de tudo o que passou. - Depois de ficar com meu pai, com meu verdadeiro pai - respondeu, tomando a mão - dei-me conta de que não é o matrimônio em si, mas sim o caráter e o grau de compromisso das duas pessoas que formam parte dele é o que supõe a diferença entre a felicidade e a desgraça. Sei que você nunca fará mau uso dos direitos que a lei garante a um marido, e eu não posso imaginar nada mais maravilhoso que compartilhar minha vida contigo. Mas… está seguro de que queria se casar comigo? Já sabe que careço das habilidades que se esperam de uma esposa. - Possui todas as qualidades que mais me importam: coragem, integridade, compaixão e… a capacidade de me tornar louco só me tocando - acrescentou, beijando seus nódulos. - Mas e o escândalo?- perguntou ainda preocupada. - Não iria querer que se visse afastado por

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seus amigos. - Quando voltarmos, terão tido lugar dúzias de escândalos mais. Além disso, as pessoas que me importam sempre nos valorizarão pelo que somos como, por exemplo, Dix, que me deu sua bênção quando disse que vinha te buscar. E em qualquer caso, e se você quiser, podemos viver em Claygate… sempre que não estejamos cruzando o oceano para que o avô conheça seus netos beijou-lhe a ponta do nariz. - Insolentes moços como Gavin Seagrave e meninas aventureiras e ousadas como… - seu entusiasmo se esfriou de repente. - Porque você quererá ter filhos, não, carinho? Sei que sua infância não foi… Ela pôs um dedo em seus lábios. - Desejo ter filhos e muito, porque tive uma mãe cujo amor me sustentou durante meus anos de exílio e tortura. E meus filhos terão um pai cujo amor e compaixão nunca os abandonará. O qual me lembra que a maior bênção destes últimos tempos foi conhecer meu pai. Não posso esperar para que o conheça, Adam! É um homem maravilhoso. - E deve sê-lo, para ter tido uma filha como você. Por favor, me leve diante dele agora mesmo para que possa lhe pedir sua mão. Casará comigo sem demora, não é, meu amor? Além dos bons desejos de Charis e sua tia, trouxe uma licença especial se por acaso concordasse. - Então poderíamos nos casar aqui, no jardim de minha mãe? - Assim que possa encontrar a um padre, o que espero que seja hoje mesmo. Não posso esperar para começar nossa nova vida juntos… nem que me faça outra demonstração de suas habilidades como esposa - acrescentou, piscando um olho. A felicidade e a paixão que viu brilhar em seus olhos despertaram um fogo nela que depois da desolação do último mês, foi abrasador. - Agora mesmo, meu pai está ocupado com uma égua no cio, e faz tanto tempo - disse, puxando ele para a sombra de uma murta, - que temo que minhas habilidades de esposa necessitam um repasse para ficar em dia. Antes que vá procurar meu pai, talvez deveríamos… praticar. Ele a rodeou com seus braços e murmurou: - Nunca me cansarei de praticar… inclusive aqui fora, no meio de um jardim, minha querida e selvagem esposa.

FIM

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