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+SOMA . #19
No final da década de 1960, a música brasileira vivia um período tenso (e intenso), que era um microcosmo do zeitgeist do país como um todo. As preferências dos artistas, então, eram muito mais do que meramente estéticas ou mercadológicas: grupos de músicos (e artistas de outras áreas, como as artes plásticas, o teatro e a poesia) acreditavam poder defender e influenciar com suas opções o próprio futuro do país. Um grande vão ideológico separava três grandes grupos (que todo interessado em música brasileira conhece bem): a ala nacionalista, que defendia uma música puramente “brasileira” (leiase, basicamente: sem influências da música hegemônica anglófona); a ala tropicalista, que propunha uma música brasileira globalizada, “antropofágica”, capaz de digerir o pop mundial e dialogar com ele; e a ala da jovem guarda, que não propunha nem defendia muita coisa além de levar a vida em ritmo de aventura. À sua maneira, cada um desses grupos produziu obras extensamente influentes. Os desdobramentos da história fizeram utopias desmoronarem, ânimos se arrefecerem e idealismos se converterem em pragmatismo comercial. Alguns remanescentes desses anos, porém, seguiram levando as coisas exatamente da mesma maneira, adaptando seus princípios aos novos tempos. Representante da então ala nacionalista, o Zimbo Trio é um dos exemplos mais bem acabados dessa conduta. Em 46 anos de carreira e mais de 40 discos gravados, o trio teve papel central na definição do conceito contemporâneo de música instrumental brasileira. Os tempos, como dissemos, são outros: se em 1965 eles apareciam no programa O Fino da Bossa, em horário nobre na TV, hoje uma música tão refinada tem tanto espaço no terreno árido da indústria quanto um pé de hortelã no concreto paulistano. Mas o trabalho educacional do Zimbo Trio continuou firme no CLAM, Centro Livre de Aprendizado Musical, que vem formando músicos desde 1973, e nos shows que os veteranos fazem até hoje. A Soma teve a honra de conversar com Amilton Godoy, líder do trio, e traz tudo para você nas páginas seguintes. Também trazemos uma análise do trabalho do norte-americano Thomas Campbell, um dos grandes da street art mundial, que participou da mega mostra TRANSFER, que tomou o Parque do Ibirapuera em São Paulo. O ensaio é assinado por quem conhece Campbell de perto: Lucas Pexão, curador da TRANSFER, que falou com o artista sobre fanzines, skate, jornalismo gonzo e, claro, sua arte. Prestes a completar 20 anos de estrada (constatação assustadora para quem cresceu ouvindo a banda), o Garage Fuzz é tema de um especial inédito, cheio de imagens de arquivo e revelações de uma carreira que se confunde com a história do rock independente brasileiro. História, aliás, que continua sendo contada nas nossas páginas, por nomes como Porcas Borboletas, Península Fernandes, MC Funkero, Mini Box Lunar e Do Amor – sem deixar de lado os indies do Norte, em perfil sobre o Javelin, um dos maiores exportadores de beats do Brooklyn nova-iorquino. Também aproveitamos a passagem de Mark Lanegan pelo Brasil para arrancar tudo de um dos nomes seminais do rock underground norte-americano: os anos na SST, o grunge, a carreira solo com ares de Nick Cave e parceiros como Isobel Campbell e Queens of the Stone Age. Alma 100% brasileira, guitarras no talo, poemas roucos em atmosfera esfumaçada, cores e provocações que tomam skates e ruas, beats e rimas impossíveis de ignorar. A cada edição, nossa missão segue a mesma: entregar páginas de inquietação e discussão sem fronteiras. Leia e não deixe barato.
4ESCULTURA POR THOMAS CAMPBELL 4
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O projeto +Soma é uma iniciativa da Kultur, estúdio criativo com sede em São Paulo. Para informações acesse: www.maissoma.com KULTUR STUDIO . +SOMA Rua Fidalga, 98 . Pinheiros 05432 000 . São Paulo . SP www.kulturstudio.com REVISTA SOMA #19 Julho 2010 Fundadores . KULTUR Alexandre Charro, Fernanda Masini, Rodrigo Brasil e Tiago Moraes Editor . Mateus Potumati Editor Convidado . Alexandre Boide Repórter . Marina Mantovanini Fotografia . Fernando Martins Ferreira Projeto gráfico . Fernanda Masini Arte . Rodolfo Herrera, Jonas Pacheco e Natalia Lucki Conteúdo áudio-visual . Alexandre Charro, Fernando Stutz e Fernando Martins Ferreira Colunistas . Tiago Nicolas, Ricardo “Mentalozzz” Braga, Dr. Jacob Pinheiro Goldberg, Pedro Pinhel, Stêvz, Rafael Sica e Nik Neves Gostaríamos de agradecer ao CLAM, Ana Luiza Godoy, Flavio Samelo, Paulo Borgia, Alexandre “Farofa” Cruz, Ana Garcia, Stan Molina, Caroline Bittencourt, Pabo Capilé, Ney Hugo, Hick Duarte, a todos os nossos colaboradores de texto, foto e arte, aos que enviaram material para resenha, anunciantes e aos pontos de distribuição da revista. Muito obrigado! Agradecimento especial a todos que direta ou indiretamente colaboram para que a revista se tornasse realidade e nos apoiam desde o início. Capa . Thomas Campbell Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
Periodicidade . Bimestral Distribuição . Gratuita em lojas, restaurantes, galerias de arte, museus, centros
Publicidade . Cristiana Namur Moraes . publicidade@maissoma.com
culturais, shows, eventos e casas noturnas. Veja os endereços em: www.maissoma.com/info
Para enviar sugestões e material para review, entre em contato através do e-mail redacao@maissoma.com.
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Impressão . Prol Gráfica Tiragem . 10.000 exemplares
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+COLABORADORES
André Maleronka
Debora Pill
Marcos Diego
É jornaleiro, editor da Vice, não sabe
Jornalista, produtora e
É jornalista, gosta de som alto,
cozinhar e gosta de comer stognoff
investigadora musical. Em pleno
cerveja gelada, camisa xadrez e
de carne frio às três da manhã.
processo de desenvolvimento do
toca com a sua banda Zabaione.
ouvido de dentro. Acredito no caminho do bem e ainda ouço rádio.
Luciano Matos
Fotonauta
Raquel Setz
Jornalista, blogueiro e DJ nascido
O Coletivo Fotonauta é: Andrea
Jornalista musical apaixonada
em Salvador, em 1974. Colaborou
Marques, Daryan Dornelles e
por barulhos, experimentações
com o jornal A Tarde e o site da
Eduardo Monteiro.
e esquisitices em geral - e por
MTV Brasil. Atualmente, toca o blog
melodias bonitas também, porque
El Cabong e é um dos produtores
não tenho coração de pedra.
e apresentadores do Radioca, programa voltado a música brasileira contemporânea.
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Caroline Bittencourt
Arthur Dantas
Sean Edgar
31, fotografa desde os 23 anos.
31 anos. O capitalismo roubou minha
Escritor e fotógrafo, curte tirar
Natural de Jundiaí, vive em São
virgindade e atualmente sou contra
uma luta com seu cachorro. Divide
Paulo há 12. Em 2008 fotografou
TUDO que tá aí. Ama Crass, 4 Walls
seu tempo entre o Brooklyn e
os festivais de verão pela Europa
e Itamar Assumpção. A favor da
Columbus, Ohio. Colaborador da
e agora só quer isso da vida.
paz, do amor e da esperança.
Paste Magazine, da Self-Titled Magazine e do Stereogum.com.
Flavio Samelo
Lucas Pexão
Tiago Mesquita
Fotógrafo de skate, artista plástico
Skatista, jornalista, curador
Tiago Mesquita é crítico de arte,
e colecionador compulsivo de vinil e
independente, art dealer.
professor e está fantasiado de pirata.
gigabytes de mp3. Amante da boa
Proprietário da galeria FITA TAPE,
música, apesar de apenas funcionar
sócio do escritório noz.art e escreve
em mono. Dizem que, depois que foi
para as revistas Vista e Void. No
atropelado por um ônibus e ficou em
tempo livre, conspira pela abolição
coma, encontrou um rumo na vida.
do sistema monetário.
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COM KAMAU POR TIAGO NICOLAS
Marcos Vinicius da Silva, o KAMAU, guerreiro silencioso que tem muito a dizer e a rimar, abre as portas do seu armário de discos para a Shuffle e fala sobre o rap underground, que ele domina no Brasil desde 1997, e também sobre o skate, que domina desde muito antes. Bom, aí está Kamau, para responder e não ser respondido.
DISCO MAIS DISSEMINADO DENTRO DA ANHANGABAÚ FAMILY Hieroglyphics – Third Eye Vision. Hiero ainda é uma unanimidade entre todos da Anhangabaú Family. Trilha de vários vídeos, vários CDs compartilhados entre nós. Quando saiu esse primeiro, com todo mundo junto num álbum só – Pep, Souls, Del, Casual –, vixe! Era a versão Rap da A.F. Só faltou o Extra Prolific na banca.
UM DISCO QUE RIMA COM KAMAU Instituto – Coleção Nacional. Me sinto honrado de fazer parte desse coletivo desde 2003. Este é o único registro de estúdio, cabuloso, com muitas participações. Tem uma das melhores músicas do mundo: “#1”, do Daniel Ganjaman e M. Takara. Façam a “#2”!
O DISCO QUE JÁ TEM A BATIDA PERFEITA A Tribe Called Quest – Midnight Marauders. Talvez este seja o disco que mais escutei na vida. Quando não tinha, pegava emprestado com o Flavio Samelo e demorava um mês pra devolver. No walkman era repeat infinito. Agora tenho os meus exemplares em vinil e CD.
DISCO DE UMA POSSE OU DE UM COLETIVO Hall of Justus – Soldiers of Fortune. Disco cabuloso da banca do Little Brother com vários produtores, vários MCs e várias músicas boas. “Tour of Duty” e “Where I’m From” (Remix) são as melhores posse cuts do disco.
O DISCO DO MOCHILEIRO DAS GALERIAS Company Flow – Funcrusher Plus. Quando descobrimos o Company Flow, todo mundo queria ter, mas era difícil. Um vendedor de uma loja da Galeria [do Rock] disse que tinha fazia tempo, mas estava na casa dele. Encomendei o meu pela internet. Quando levei pra lá e mostrei pra rapaziada, o tal vendedor pediu pra ver se “a capa era igual” à da versão que ele tinha e copiou o código pra encomendar... Tsc, tsc...
UM DISCO QUE É SEU, MAS QUE ESTÁ MAIS PARA CÉSAR LOST DO QUE MARCOS KAMAU Chuck Treece – Dream’n. Conheci esse som na parte do Tommy Guerrero no [vídeo] Ban This, e encontrei o CD muito tempo depois, numa loja de usados na Galeria. Se pudesse, teria vários dos Pixies e do Dinosaur Jr. também. Talvez em vinil agora.
UM DISCO POSITIVÃO LMNO – Thankster Boogie. É um single que tenho em vinil. Acho bem legal o lance do LMNO, rapper “de Cristo” que não bate só nessa tecla e que se mistura de boa com malucões como Oh No, que assina a produção dessa faixa do single. O trocadilho do título (Gangster/Thankster) explica bem a ideia do som. Positivo?
2TIAGO NICOLAS É 1/6 DA CHAKA HOTNIGHTZ
UM PRESENTE PERFEITO E CLÁSSICO PARA O MEU ANIVERSÁRIO DE 34 ANOS, QUE É HOJE. Jay-Z – Reasonable Doubt. Gosto bastante desse álbum. Não sei se você acompanha o cara desde essa época, mas é legal ver o quanto ele evoluiu e o quanto esse disco ainda é relevante. 15
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POR DÉBORA PILL . FOTOS DO ARQUIVO PESSOAL
O FINO DO FINO
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ZIMBO é uma palavra africana que significa prosperidade. E não é preciso ir longe para concluir que a escolha do nome vingou. Na ativa há 46 anos e com mais de 40 discos gravados, o “trio dos trios” ainda mantém seu posto na esfera das entidades musicais de maior respeito e influência no Brasil e no mundo.
O
trio se consagrou como um dos principais expoentes da bossa nova nos anos 60, e foi um grande divisor de águas para a música instrumental brasileira. Sua formação original reuniu o baixista e criador do grupo Luiz Chaves (falecido em 2007), Rubens Barsotti, o “Rubinho”, na bateria, e Amilton Godoy no piano.
O sucesso veio em grande estilo: em 1964, eles se apresentaram ao lado da diva Norma Bengell, em um show produzido pelo grande Aloysio de Oliveira em São Paulo. Em 1965, depois de turnês pela América do Sul e Europa, invadiram a telinha no programa O Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues na TV Record. Entre experimentações e inovações, em 1973, o trio decidiu investir na formação de músicos. Criaram então o CLAM – Centro Livre de Aprendizagem Musical, voltado para a “formação musical ampla, sem separação entre erudito e popular”. E foi ali, entre instrumentos, capas de discos históricos e fotos de parcerias musicais das mais variadas, que Amilton Godoy contou à +SOMA um pouco dessa longa história de prosperidade. 1
Como o músico instrumentista era visto quando vocês começaram? Na época, músico instrumentista só tocava o que a gente chamava de “fundo de conversa”, música ambiente. Ninguém queria saber, ninguém queria ouvir. A gente queria tocar um som que dignificasse a música brasileira, mas sem depender de um cantor pra isso. 18
E tinha lugar pra se apresentar? Havia diversos bares bacanas na época. A Baiúca e o Michel, na Praça Roosevelt, eram os dois melhores bares de Sampa nos idos de 63. Todo mundo se encontrava na Praça Roosevelt. O Zimbo do lado de cá, o Hermeto [Pascoal] lá do outro lado, e assim por diante. E foi assim que vocês começaram? O Zimbo começou na Roosevelt e acabou conquistando a crítica. Na sequência a gente começou a ensaiar com a Norma Bengell, que havia acabado de chegar da Itália e procurou o Rubinho. Ela gostou do nosso som, e a gente começou a ensaiar. Como foi a grande estreia? Foi na boate Oasis, na Rua Sete de Abril, em 17 de março de 1964. Na época, já era um lugar perigoso, mas por outro tipo de violência: a policial. Como a TV Tupi e os Diários Associados ficavam ali, os militares fizeram barricadas e fecharam a rua. Nem desconfiavam que estavam atrapalhando nossa estreia! O começo foi difícil? Muita gente falava que não ia estourar. Como era possível dar certo sem um cantor? Nós fomos o primeiro grupo instrumental a fazer sucesso no Brasil. O Zimbo foi pai de muitas crianças: Manfredo Fest Trio, Pedrinho Mattar, Bossa Rio, Sambalanço Trio, Primo Trio, Dom Um Romão, Dom Salvador, Bossa Jazz Trio, Quarteto Novo, Medusa, Tenório Jr., J.T. Meirelles...
“Às vezes penso um pouco no futebol... Existem jogadores que são completamente realizados, já atingiram tudo que um jogador pode alcançar. Mesmo que não estejam bem, técnico nenhum do mundo tem coragem de tirar do time. Nós temos sofrido desse mal, e tem gente nova querendo e merecendo uma oportunidade e não tem. A questão é que não houve progresso no conhecimento musical de qualidade.” 19
4AS CAPAS E CONTRA-CAPAS DO ZIMBO TRIO SÃO UM DELEITE À PARTE: TRANSITARAM POR ALI FIGURAS DESDE WESLEY DUKE LEE, ATÉ MILTON NASCIMENTO, CHICO BUARQUE, HERMÍNIO DE CARVALHO E FRANCO PAULINO. O DISCO ZIMBO VOL. 2, DE 1965 GANHOU O MERECIDO PRÊMIO DE MELHOR CAPA NA ÉPOCA. SUAS COLAGENS MODERNISTAS IMPRESSIONAM ATÉ HOJE
“Acho que esse foi o grande legado do Zimbo: não precisar mais usar temas estrangeiros, poder fazer o jazz e tudo mais com tema brasileiro. Quem iria imaginar que no Brasil poderia ter um disco instrumental no primeiro lugar da parada de sucesso?”
O que mudou nesse cenário depois do Zimbo? Antes os músicos não eram valorizados. O Zimbo começou numa fase muito feliz, porque existiam disc-jóqueis que escolhiam o que havia de melhor pra tocar nas rádios. E então começou a aparecer quem até então fazia jazz, fazia outros gêneros, e passou a fazer música brasileira. Acho que esse foi o grande legado do Zimbo: não precisar mais usar temas estrangeiros, poder fazer o jazz e tudo mais com tema brasileiro. Fomos o primeiro grupo instrumental com essa proposta, mostramos que era possível, porque o disco foi pra parada de sucesso. Quem iria imaginar que no Brasil poderia ter um disco instrumental no primeiro lugar da parada de sucesso? Fala um pouquinho mais sobre como funcionavam as rádios naquela época. Na época em que começamos o rádio era bom. Os disc-jóqueis tinham muito conhecimento pra avaliar o que apresentavam. Os principais nomes eram o Walter Silva e o Fausto Canova. Foi o Fausto, inclusive, quem organizou o concurso pra dar nome ao trio. Mas isso faz tempo. Hoje em dia rádio está uma porcaria. Hoje só ouço futebol. Música não dá pra ouvir. 20
Como era o programa do Fausto? O Fausto cantava balada americana, swing... Tinha conhecimento, sensibilidade, e analisava o trabalho de um músico com uma propriedade incrível. Quando ele falava que era bom, era bom mesmo! Quando alguém se atrevia a levar uma porcaria ao programa dele, ele falava na cara! Não abria espaço pra coisa que não tinha qualidade. Além de tudo tinha uma voz linda, era gostoso de ouvir o som e os comentários que ele fazia. O cara metia uma banda americana que tinha acabado de lançar alguma coisa, fazia um comentário sobre o arranjador, falava do solista... Eles sabiam tudo! Eram profissionais perfeitamente preparados pra função. Eram de uma responsabilidade e de uma coerência muito grandes. E como vocês foram parar na televisão? Tudo começou em 64, com o disco O Fino da Bossa, que foi gravado em um show no Clube Onze de Agosto. A RGE gravou o show e lançou em disco. Além do Zimbo teve Jorge Ben, Alaíde Costa, Nara Leão… E muita gente pra assistir – mais de duas mil pessoas no show e mais mil do lado de fora!
E o programa de TV? O disco acabou servindo de inspiração pro programa, que surgiu no ano seguinte, em 65. O Zimbo participou do Festival da Record com a Elis. Simonal ganhou melhor cantor, Elis, melhor cantora, Zimbo, melhor grupo e Jair Rodrigues, revelação. O Simonal já tinha o seu programa, o Spotlight, na TV Tupi. O Maneco (Manoel Carlos, hoje conhecido como autor de telenovelas) queria fazer um programa com a Elis, o Simonal e o Zimbo, mas, como o Simonal já tinha o programa na concorrência, ele chamou o Jair Rodrigues. Como era O Fino? O programa era semanal e teve grande sucesso de 65 a 67, que foi um período de efervescência na música brasileira. Os convidados eram Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi, Baden Powell, Ataulfo Alves, Tamba Trio e Os Cariocas, Agostinho dos Santos, Nara Leão e Maysa, só pra citar alguns. Havia espaço pros novatos também? Claro! Havia um palco na parte de baixo do teatro voltado pros iniciantes, pra aqueles que ainda não tinham gás pro palco de cima. Essa parte preliminar do show não era televisionada. A questão é que os novatos naquela época eram gente tipo Gil, Toquinho, Taiguara, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia... E a CLAM, como surgiu? A escola CLAM nasceu em 1973, porque os três eram muito procurados pra dar aula particular. Não havia formação decente na época, as músicas eram executadas sem grande conhecimento de harmonia.
co sempre foi, e vai continuar sendo, o cartão de apresentação do músico. Você entrega um cartão de visita pra uma pessoa pra dizer quem é. A gente apresenta um disco. Estamos passando por um período muito complicado, as gravadoras estão acabando. Elas tinham uma porção de incentivos na mão, mas não prepararam o público pra ouvir uma coisa de qualidade. Não usaram isso, não formaram um público pra elas, estão sendo vítimas do próprio desleixo musical.
“Na época, músico instrumentista só tocava o que a gente chamava de ‘fundo de conversa’, música ambiente. Ninguém queria saber, ninguém queria ouvir. A gente queria tocar um som que dignificasse a música brasileira, mas sem depender de um cantor pra isso.” Qual era a proposta da escola? A ideia era formar professores de qualidade, que lecionassem um conteúdo diferenciado, completo. As escolas da época formavam intérpretes que executavam a música, mas não tinham o conhecimento da obra. Só focavam na forma, não no conteúdo, entende? E o tom? E a distribuição do acorde? Qual a harmonia? É basicamente a diferença entre Beethoven e Mozart. Por que o Beethoven foi tão importante? Mozart era primitivo, técnico. Beethoven ouvia com o ouvido de dentro. O que é um bom músico pra você? Um bom músico é um arranjador. Ele precisa ser criativo, pegar uma música e deixá-la da forma como ele acha que deve ser. Os DJs fazem isso. Põem aquilo do jeito deles, fazem outra proposta, repetem, misturam com um ritmo diferente. Deve ser muito legal pra um compositor ouvir a música dele produzida por um DJ. Fica diferente. Como você vê o músico instrumentista hoje? As pessoas fazem o seu trabalho sem esperar que sejam chamadas ou tenham um contrato com uma gravadora. Pagam do próprio bolso. Às vezes a pessoa consegue que esse disco que ela mesma pagou e produziu seja distribuído por um selo importante, e aí consegue ter um retorno. Naquela época os caras iam atrás da gente, as gravadoras procuravam, bancavam, pagavam royalties. O dis-
Explica melhor essa história de formação de público. Vi uma entrevista muito interessante com a Sandy. Ela parece estar em um processo de se liberar da necessidade do sucesso, de sair daquela coisa Sandy & Junior. Acho que ela se deu conta de que existe mais coisa além daquilo, então quis sair de um mundo em que ela estava acostumada a transitar com enorme sucesso e percebeu que onde estava querendo entrar não é tão fácil assim, entende? Porque ali tem um público que exige mais, uma outra condição, não aquele primitivismo da música sertaneja, que fica trabalhando com acordes fundamentais. Pra circular nesse campo aqui, você tem que ter uma outra bagagem. E é esse público que eles nunca contribuíram pra melhorar, pra aumentar. Não fizeram nada pra melhorar o nível da plateia que tinham, pra que ela pudesse exigir uma coisa melhor. No Brasil, quando você quer fazer uma coisa de qualidade, não tem público na mesma quantidade, na mesma dimensão que tem pra algo pior. E como é que a gente faz pra afinar os ouvidos? Uma coisa que não ajuda em nada é esse negócio de ficar repetindo, há anos e anos, que o rei é sempre aquele. Faz quinhentos mil anos que conheço o trabalho do Roberto Carlos, e ele jamais trabalhou com uma música mais elaborada. Aliás, os músicos dele são proibidos de usar acordes mais elaborados, ele não deixa. E ele é considerado o rei! Às vezes penso um pouco no futebol... Existem jogadores que são completamente realizados, já atingiram tudo que um jogador pode alcançar. Mesmo que não estejam bem, técnico nenhum do mundo tem coragem de tirar do time. Nós temos sofrido desse mal, e tem gente nova querendo e merecendo uma oportunidade e não tem. A questão é que não houve progresso no conhecimento musical de qualidade. Hoje em dia o acesso à música de qualidade, em um âmbito mais amplo, está difícil. Os maiores sucessos ainda são músicas primitivas. Então a solução que a gente encontrou foi através da escola. A gente tenta passar para os alunos cultura geral, informações do que o país tem de melhor e mais nobre: música bem feita e bem executada. 21
E as rádios de hoje não ajudam… São raras as exceções. Pois é. Quando eu vou pra Bauru, ouço um locutor da minha cidade falando com o mesmo tom do cara que fala aqui. E não só no jeito, mas também falando as mesmas coisas sobre música, enaltecendo uma música que não é nossa, e a música regional de qualidade que rola por lá não tem nenhum espaço. Aí você vê o que essa indústria fonográfica formou. O cara não tem o que dizer porque não tem conteúdo. É a mesma lógica de quando a gente leva o disco pra fazer divulgação na rádio e ouve: “Desculpa, essa aqui não vai tocar.” Por quê? “Ah, isso aqui não vende.” Mas é o contrário: não vende porque você não toca! Como é que o cara vai comprar se não conhece? Qual você acha que foi a maior conquista do Zimbo? Acho que foi o fato de a música instrumental ter tido no Zimbo um suporte de sua identidade. E sabe por quê? Por causa dos prêmios que nós ganhamos. Em 65, 66, 67, todos os prêmios que existiam no Brasil nós ganhamos. Todos! O Zimbo ganhou até o primeiro lugar no Onda Nueva, lá na Venezuela. O Astor Piazolla ficou em segundo! Ele veio dar a notícia pra gente, falando: “Pô, o futebol já não basta?!”(Risos)
E o Zimbo hoje em dia? Ainda hoje a gente faz o que mais gosta na vida. A gente vive disso, e leva a música brasileira pra mais de quarenta países. Acabamos de chegar da China, onde foi inaugurado um pavilhão de São Paulo, e nós fomos representar a cidade.
Por onde mais vocês andam? Teve um projeto muito bacana lá no Museu da Casa Brasileira. Eu fiz a direção musical do show, que além do Zimbo teve Yamandu Costa, Banda Mantiqueira, Paulo Moura… Pro Hamilton de Holanda eu pedi para trabalhar em cima das músicas do Baden e Vinicius. Pra Banda Mantiqueira eu pedi para fazer Bossa Nova, pra trabalhar o Carlos Lyra, porque eles nunca tinham arranjo desse tipo. E ele foi lá no concerto, adorou. Eu disse a ele: “Cara, você vai ouvir as suas músicas tocadas de forma completamente diferente hoje!” Porque sempre que se fala em bossa nova é Lenny Andrade, fica o Chico Pinheiro falando, o Menescal falando... Eu falei pra ele: “Você vai ouvir a sua música tocada por uma big band!” Outra coisa legal foi com o Yamandu Costa, que não tem nada a ver com a geração dele – eu falei pra ele pegar os violonistas importantes da música brasileira, o Garoto, o Laurindo de Almeida. Ele adorou, e fez um trabalho muito bonito em cima disso. O Paulo Moura refez aquele show no Carnegie Hall, que ficou famoso porque foi quando a bossa nova foi apresentada pros americanos pela primeira vez. Esse projeto ficou muito bonito, cada músico trabalhou em cima de uma coisa diferente, nada foi redundante.
E qual foi o repertório do Zimbo nesse projeto? O Zimbo ficou com Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Morais. Eu fiz o Canção do Amor Demais, disco que a Elizeth [Cardoso] lançou e foi produzido pelo Irineu Garcia. Por que esse disco? Porque esse cara simplesmente realizou o sonho do Rubinho e do Vinicius: fez o primeiro disco brasileiro com instrumentos sinfônicos. Isso aconteceu antes da bossa nova, saiu um ano antes. O João Gilberto até tocou violão numa faixa, na música “Outra Vez”, e a Elizeth era a intérprete. Muitas músicas acabaram se tornando conhecidas e viraram sucesso. Tinha “Chega de saudade”, que depois o João Gil-
“Te dou a notícia em primeira mão: o Zimbo vai ter dois bateristas fixos. Um é o Rubinho e o outro é o Persio Sá, professor-chefe do departamento de bateria da CLAM.” 22
berto acabou lançando. Depois vem “Serenata do Adeus”. Sabe o que eu fiz? Peguei o disco inteiro, são treze ou catorze músicas, segui a ordem e coloquei todas as músicas em forma de uma suíte, que chamei de “Suíte Canção do Amor Demais”. Escolhi os trechos e juntei tudo, como se fosse um pout-pourri.
4ACIMA, PRIMEIRA FOTO DO TRIO. NA PÁGINA AO LADO, ACIMA, COMO QUARTETO COM DOIS BATERISTAS E ABAIXO, NO FESTIVAL ONDA NUEVA
E tem também o seu disco novo. Eu sempre quis gravar um disco só com composições minhas, no melhor estilo “Zimbo trio interpreta Amilton Godoy”. Puxar sardinha pro meu lado, né! (Risos) Tenho muitas composições, mas nunca me preocupei em ser autor ou compositor. Sempre fui arranjador, tocando música dos outros. E agora chegou a hora de fazer um disco com minhas músicas próprias. Já estou ensaiando com o Pérsio e o Marinho. O Rubinho também vai tocar umas músicas, acho que vai ficar bonito. Já tenho umas quatro ou cinco ensaiadas, que inclusive já apresentamos ao vivo. E tem mais novidades? Nós estamos com um contra-baixista novo, o Marinho Andreotti, que além de ser um grande músico é também uma grande pessoa. Fiz uma pesquisa com músicos que respeito e a escolha foi unânime – todos os caminhos levavam ao Marinho. O Rubinho sofreu uma queda no começo do ano e está em processo de
recuperação, não sabemos ainda quando e nem se ele vai poder reassumir sua função de forma integral. Então a minha ideia é a seguinte, te dou a notícia em primeira mão: o Zimbo vai ter dois bateristas fixos. Um é o Rubinho e o outro é o Persio Sá, professor-chefe do departamento de bateria da CLAM, que se encaixou como uma luva no trio. A gente já se relaciona aqui há muitos anos, ele participa ativamente de todas audições da escola, então foi muito fácil esse encontro musical dar certo, em função da própria bagagem que ele tem. Pra fechar, o que você tem ouvido hoje em dia? Ouço muita música brasileira – a Banda Mantiqueira, a Lea Freire, o Arismar do Espirito Santo. Tem também o Marcelo Freitas, que é um músico que toca sax tenor e soprano, e a compositora e autora Dulce Auriemo. Ouço também muito jazz, porque os caras estão sempre vibrando em uma esfera superior, que é onde a gente gostaria de estar sempre. 3
2SAIBA MAIS clamzimbo.com.br 23
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4GABRIELLE SELLEN EM PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA DE SUAS INSTALAÇÕES
Não sei se pela pouca idade ou por fascínio, duas jovens artistas anglófonas resolveram recriar um mundo que passou distante delas. Uma recria um passado que não viveu, e que talvez nem tenha existido, enquanto a outra encontra em procedimentos de esculturas um país imaginário. A mãe de Gabrielle Sellen veio do interior de Minas Gerais, mas a menina demorou para estabelecer uma relação próxima com suas origens familiares. Jessica Jane Barlow aproveita-se da linguagem de outra época para encontrar uma forma livre de contar suas histórias. 1
m
uitos conheceram lugares distantes através da arte. Por exemplo, é bem provável que a maioria dos jovens falantes de língua alemã do começo do século XX tenha tido seu primeiro contato com o Oriente Médio por meio das estereotipadas aventuras de Hadji Alef Omar (Bin Hadji Abul Abbas, ibn Hadji Dawul Dalgossara), da série de romances iniciada com Através do deserto, de Karl May (o mesmo de Winetou). Fico a pensar no impacto que os relatos de Marco Polo ou as pinturas de Rugendas tiveram para construir a visão europeia sobre o extremo oriente chinês e a floresta tropical brasileira. O curioso é que a maior parte dos relatos foi feito por gente que nunca tirou os pés de seus domínios. Gente que inventava esses espaços distantes ou que imaginava como sua terra natal havia sido décadas atrás, séculos atrás.
POR TIAGO MESQUITA* . RETRATO DIVULGAÇÃO
NINGUÉM Espaço e tempo na obra de Jessica Barlow & Gabrielle Sellen
Esse uso da imagem, da imaginação, para recriar lugares onde nunca se esteve é muito antigo. A arte lida com isso desde que não tinha esse nome. Criar passados ideais, futuros assustadores e terras distantes. Muitas vezes se tratava apenas de uma oposição destinada a exaltar o lugar onde se vivia, depreciar as pessoas que vinham de fora ou expor acontecimentos poucos elogiáveis da história de determinado local. Nesse caso, o uso de Gauguin de imagens da vida do dia a dia da Polinésia parece ser exemplar.
Mas, se até algumas décadas atrás o recurso servia para atiçar a curiosidade dos lugares desconhecidos, hoje não parece ter a mesma função. A arte contemporânea continua a recriar lugares distantes, sobretudo lugares distantes que nunca estiveram em lugar nenhum, nem na história e nem na cartografia. No entanto, hoje essa criação não aponta para formas de vida que neguem as formas de organização da sociedade.
* TIAGO MESQUITA VIAJOU A LONDRES A CONVITE DA CONVERSE, PARA VISITAR A EXPOSIÇÃO COLETIVA DE LANÇAMENTO DA CAMPANHA “SPARK CREATIVITY”, QUE REÚNE JOVENS ARTISTAS DO MUNDO TODO.
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No ano passado, em Londres, pude conhecer duas artistas inglesas muito jovens que tentam, a partir de sua produção visual, reinventar um lugar distante no tempo e no espaço daquilo que elas imaginam que seja Londres. Uma faz isso no tempo, a outra, no espaço. Uma inventa o que seria uma arte contemporânea brasileira, e a outra, o que seria a produção gráfica de décadas atrás. Gabrielle Sellen inventa um Brasil mítico em suas esculturas, penetráveis e instalações. Já Jessica Jane Barlow não parece interessada em fazer a arte de outro país em sua terra natal, mas recria uma estética a partir da precariedade da linguagem de fanzineiros que publicaram seus trabalhos antes que ela nascesse. Sua estética parte das deficiências técnicas das artes gráficas da cultura xerográfica do punk hardcore da década de 1980. Assim, uma trabalha como se fizesse arte de um outro país, e a outra ilustra como um artista de outra época. Porém, esse uso de elementos de outros lugares aqui se assemelha mais a uma fantasia do que à recriação de outro lugar, o que me parece muito interessante. Gabrielle tem razões íntimas para refazer as experiências sensoriais do Brasil em sua obra. Filha de uma brasileira, só conheceu o país há bem pouco tempo. Conhecia as histórias e os sabores nacionais por meio da mãe, nascida no interior de Minas Gerais. Assim, antes de começar o curso de artes plásticas em Camberwell, pesquisou a cultura brasileira e se deliciava com a pronúncia de uma língua tão macia como o português do Brasil. Gabrielle se identificou com a arte sensorial produzida pelos neoconcretos e seus herdeiros. A obra de Hélio Oiticica dos anos 60 seria seu totem, mas ela associaria essa produção (sobretudo a instalação Tropicália, exposta na Tate) às obras de outros artistas contemporâneos brasileiros, como Ernesto Neto, Laura Lima, Cildo Meireles e Beatriz Milhazes. Mas Hélio Oiticica e as ações terapêuticas de Lygia Clark eram o que ela queria fazer. Interessava-se pelo uso de materiais baratos e a soma de sensações visuais, táteis, corporais. Ou seja, de um uso da arte como forma de atiçar todos os sentidos. No Brasil, se encantou com os tecidos de chita, e a escultura passa a ser algo para vestir e para entrar, para ter uma experiência mais íntima que a do olhar distanciado.
Jessica cria ilustrações e as associa ao texto como se fosse a editora de um fanzine que líamos (nós com mais ou menos 30 e 40 anos) quando adolescentes. Não vemos mais a linguagem como uma deficiência, ou fragilidade, mas como estilo. Assim, suas composições monstruosas e com forte comentário social acabam pensando o punk como somente mais um capítulo da história da arte. Curiosamente, é essa a versão que domina o pensamento crítico inglês hoje. Uma maneira de recriar o punk como uma forma estética igual a qualquer outra, que não parece ir contra nada, apenas o mau gosto. Acho inclusive que críticos como Simon Reynolds são responsáveis por essa associação entre a podreira e o bom gosto. Entendo que tal recriação do punk como estilo e não mais como uma forma crítica de pensar tem seus limites, mas isso fica para outro dia.
O curioso é que, ao contrário do que ocorre com Oiticica, por exemplo, não se trata de uma experiência de enfrentamento, mas do uso de materiais e formas bastante codificadas que emulem uma experiência de “brasilidade”. O risco de resvalar no estereótipo é tão grande como os dos europeus que fizeram dos desertos asiáticos um lugar “exótico”. De forma distinta, Jessica Jane Barlow se vale da produção punk DIY, cujo aspecto formal é o alvo de seu interesse. A artista tem como linguagem principal a produção de impressos, aos quais associa imagens improváveis. Um desenho feioso passa a atribuir sentido a uma foto misteriosa. Somos surpreendidos ao descobrir que a artista está reconstruindo narrativas da literatura contemporânea usando um expediente que parece precário e provisório. Ela se vale do modo de compor dos fanzines. É muito interessante observar, através de seu trabalho, como o punk agora se tornou um discurso completamente incorporado à cultura dos jovens ingleses. Não é mais feio, nem agressivo, mas um modo de reunir materiais.
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É muito interessante observar, através do trabalho de Jessica Barlow, como o punk agora se tornou um discurso completamente incorporado à cultura dos jovens ingleses. Não é mais feio, nem agressivo, mas um modo de reunir materiais.
2SAIBA MAIS gabbysellen.co.uk faultmagazine.wordpress.com
Gabrielle Sellen se identificou com
a arte sensorial produzida pelos neoconcretos e seus herdeiros. A obra de Hélio Oiticica dos anos 60 seria seu totem, mas ela associaria essa produção às obras de outros artistas contemporâneos brasileiros, como Ernesto Neto, Laura Lima, Cildo Meireles e Beatriz Milhazes
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4CAPA DE UM DOS FANZINES DE JESSICA BARLOW
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Em sintonia com o que se tornou a música mundial dos anos 90 para cá, a banda carioca DO AMOR vem se apresentando pelo Brasil há alguns anos e lançou seu disco de estreia de forma independente no último mês de julho. Apesar de ainda ser relativamente pouco conhecida, a Do Amor é formada por nomes que circulam na música brasileira já há bastante tempo: Gabriel Bubu (guitarra), que foi baixista do Los Hermanos durante boa parte de sua existência; Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo), integrantes da banda Cê, que acompanha Caetano Veloso desde 2006; e Gustavo Benjão (guitarra), que tocou com artistas de diferentes estilos, especialmente no Rio de Janeiro. 1
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s quatro pertencem a uma geração formada por influências díspares, que passam pela MPB mais tradicional, mas também pelo rock nacional dos anos 80 e pela música pop internacional, sem deixar de lado uma enormidade de referências independentes. Como bons cariocas, porém, eles foram influenciados de forma decisiva por duas bandas seminais da cena local: Mulheres que Dizem Sim e Acabou La Tequila. “Cada um tem sua influência: eu e o Marcelo somos mais do rock – o Marcelo curte um rock mais sessentista, Bob Dylan. Ricardo ouve punk de épocas diferentes, e o Benjão tem o lance com afro beat”, explica Bubu. Mas o som da banda inclui também coisas bem menos óbvias. “Tem um elemento meio dançante, que flerta com músicas regionais, axé, carimbó, influências adquiridas na estrada que acabam sendo uma maneira de a gente se aproximar do público.”
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Esse passeio por diferentes ritmos é uma das facetas mais aparentes e interessantes do grupo. Sem intenção de reinventar nada, a banda incorporou de forma bastante particular os sons que foram captando em viagens pelo Brasil. O humor no trato com os clichês do rock é outra marca característica, que às vezes chega até a soar estranha aos desavisados. Mas o grande trunfo da banda é sua capacidade de criar um pop brasileiro autenticamente atual.
O início
A origem de tudo está em outra banda, a Carne de Segunda, que atuou no underground carioca na virada dos 90/00. No grupo, Gabriel Bubu e Gustavo Benjão já misturavam referências de forma peculiar. Algumas das músicas tocadas pela Do Amor, inclusive, já faziam parte do repertório da Carne de Segunda, como “Morena Russa” e “Pepeu Baixou em Mim”. A Do Amor só foi formada de fato em 2006, com Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes se juntando a Benjão e Bubu. “A Do Amor é uma banda em que todos compõem juntos, não há uma liderança. A gente é amigo há muitos anos e já tem uma convivência musical grande”, garante Bubu. Talvez por isso o quarteto seja requisitado constantemente para acompanhar artistas como Nina Becker, Jonas Sá, Rubinho Jacobina e Lucas Santtana. 29
Apesar de carioca, a Do Amor tem uma ligação especial com a Bahia – é uma das poucas bandas nacionais a assumir a influência do proto-axé, de nomes como Luiz Caldas, Banda Reflexu’s e dos blocos afro. Foi lá também que eles se apresentaram pela primeira vez fora do Rio de Janeiro, motivo pelo qual resolveram incluir uma música no repertório, “Pepeu Baixou em Mim”, que acabou virando um dos hits do grupo. “A gente resgatou essa música quando foi tocar em Salvador. Fiquei matutando e comecei a fazer uma versão mais afoxé. Fizemos o arranjo todo em um ensaio, e ela tomou outra proporção”, revela o guitarrista.
O disco
A faixa é um dos destaques de Do Amor, o disco, que demorou um bom tempo para ser finalizado e só chegou às lojas em meados deste ano. “Fizemos no período entre 2008 até o meio de 2009. Na primeira parte, gravamos bases, bateria, baixo e guitarra, mais ou menos nessa ordem”, explica Gabriel. Com Marcelo e Ricardo na turnê de Caetano Veloso, a banda teve que dar uma pausa na gravação. “Em 2009, algumas coisas foram refeitas e, depois de fechar as vozes, fomos aos detalhes, ideias que a gente só conseguiu ter por conta do processo longo de gravação.” Com produção de Chico Neves (O Rappa, Los Hermanos, Skank), o álbum tem 14 faixas e é um exemplo bem acabado da personalidade da banda. As três primeiras faixas – “Vem me dar”, “Chalé” e “Morena Russa” – sintetizam bem seu pop essencialmente brasileiro, com composições caprichadas, que ficam gravadas na cabeça.
O primeiro som do disco é o latido da cadela de Chico Neves na faixa “Vem me Dar”, que num clima relaxado prepara o ouvinte para o que está por vir. Guitarra e baixo trabalham juntos em uma base que remete à música africana, enquanto o vocal quase preguiçoso de Benjão conduz a letra com segurança até o belo solo final. Um pouco mais agitada, “Chalé” traz teclados e clima festivo, com Ricardo nos vocais e as guitarras gritando. Já “Morena Russa” é um sambinha levado na guitarra, com corinho e clima amoroso. No decorrer do álbum aparecem também ecos dos anos 80, como em “Homem Bicho”, com direito a efeitos eletrônicos e um flerte com a disco music. O ótimo afoxéfrevo “Pepeu Baixou em Mim” faz alusão à música baiana pré-explosão da axé music, com percussão discreta e balanço de trio elétrico. Outra que revisita os carnavais baianos das antigas, mas de forma menos direta, é a deliciosa “Perdizes”, com groove ultra dançante e guitarrinha lambadeira que compõem uma das melhores faixas do álbum. O carimbó, a guitarrada e a lambada dão o tom em “Isso é Carimbó”, que traz o tempero do Pará para o baile Do Amor. O rock marca presença em “Shop Chop”, “I Picture My Self”, “Exploit” e “Dar uma Banda”, nas quais o quarteto visita com humor os clichês do gênero, como os agudos do heavy metal. Existe espaço até para um ska-dub safado em inglês, “Brainy Dayz”. Com seu jeito todo particular de falar de amor, a banda faz também uma homenagem
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Apesar de carioca, a Do Amor tem uma ligação especial com a Bahia -- é uma das poucas bandas nacionais a assumir a influência do protoaxé, de nomes como Luiz Caldas, Banda Reflexu’s e dos blocos afro.
à música romântica em “Meu Corpo Ali”. E, para fechar o álbum, há uma versão surpreendente de “Lindo Lago do Amor”, de Gonzaguinha – algo entre um eletro demente e uma disco-MPB. Uma cozinha suingada, um interessante trabalho de guitarras – que passeiam por reggae, ijexá, fricote, ska e rock sem nenhum estranhamento – aliado a vocais despretensiosos, antivirtuosos, quase desleixados, e arranjos cuidadosos, repletos de detalhes. Tudo isso a serviço de músicas bem-feitas e bem-humoradas. Um som para levantar qualquer astral. 3
2SAIBA MAIS myspace.com/doamor
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dinheiro
Fernando Schmitt
Cada vez mais a arte retrata as pequenas coisas da vida, sugerindo novos significados e novas leituras para o nosso cotidiano. Dinheiros seduz por sua simplicidade ilusória, um olhar astuto do fotógrafo sobre pequenos detalhes que geralmente passam despercebidos por olhos menos inquietos. Neste ensaio, ao se apropriar dos rostos dos ilustres personagens históricos impressos no nosso dinheiro, Fernando Schmitt desarticula a noção clássica de portrait existente no universo da fotografia. O artista transfigura os personagens num jogo ótico que combina foco Fernando cria portraits diecrítico e angulações improváveis. As cédulas, géticos, carregados de uma aparentemente objetos banalizados pela alta alucinação verdadeira: “Meus circulação e pelo manuseio diário, são reordemodelos estão cristalizados nadas digitalmente através de uma fotografia como imagem impressa, mas de autor, extrapolando o mero exercício plása interferência fotográfica, tico formal e provocando uma reflexão sobre fundada em um processo de o dinheiro como símbolo. apropriação e reconfiguração, faz com que eles abandonem seu caráter funcional e absorvam um sentido ficcional, como autores que incorporam um personagem”, ele explica.
Dinheiros foi exposto este ano durante o IV FestfotoPoa (Festival de fotografia de Porto Alegre), com curadoria de Jacqueline Joner, com uma montagem que interrogava as noções de escala por intermédio de enormes cópias. Estas imagens constituem um recorte de uma série maior, desenvolvida pelo fotógrafo desde 2007, batizada como Ready Model, numa referência explícita a Duchamp, cujo trabalho, ao ressemantizar objetos banais, encontra ressonância nas imagens produzidas por Fernando. 1
EDU MONTEIRO, FOTONAUTA
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2SAIBA MAIS flickr.com/fximiti 38
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EscavadoR PositivO Uma entrevista com Thomas Campbell
POR LUCAS PEXÃO FOTOS DE OBRAS DIVULGAÇÃO . RETRATO FLAVIO SAMELO
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Quando surgiu a possibilidade de trazer artistas americanos para a edição paulistana da TRANSFER, mostra da qual sou curador, THOMAS CAMPBELL estava no topo da minha lista, assim como na do co-curador americano Christian Strike, um dos criadores da exposição itinerante Beautiful Losers (e um dos eixos temáticos da TRANSFER). Ambos concordamos: Campbell é um dos principais expoentes de toda uma nova geração de artistas. Amo sua arte, sem dúvida, mas o mais interessante de tê-lo em um projeto sobre arte urbana e contemporânea, passando por skate e pelo espírito Do-It-Yourself, talvez seja o seu pioneirismo e a sua identificação com o universo abordado pela exposição. 1 43
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homas Campbell é um skatista californiano que fazia fanzines e foi parar na redação da Transworld Skateboarding, a maior revista de skate do mundo (pelo menos durante o fim dos anos 80 e a década de 90, período em que trabalhou lá). Da redação, passou à fotografia e entrou para o time dos escritores-fotógrafos da revista, viajando pelo mundo para produzir conteúdo de skate e influenciar gente de todo o planeta, pois a Transworld tinha forte distribuição internacional. Vale notar que seus textos raramente falavam de aspectos atléticos do skate, e sua fotografia sempre ia muito além das manobras, com paisagens que aproximavam a revista de uma National Geographic.
Paralelamente, Thomas começou a fazer suas primeiras exposições de arte, com fotos, pinturas e esculturas, na mítica Alleged, galeria independente de Aaron Rose em Nova York e embrião da megaexposição itinerante e do documentário Beautiful Losers. Seu trabalho como cineasta também partiu de uma relação da fotografia com o skate, principalmente com A Love Supreme, um retrato em movimento do skate na Nova York de 1995 ao som de duas das músicas mais importantes da história do jazz, “Acknowlegement” e “Resolution”, do disco homônimo, gravado em 1964 pelo quarteto de John Coltrane. O filme foi patrocinado pela hoje famosa Supreme Skateshop, o que também é um bom indício da maneira particular e bem-sucedida como Campbell obtém patrocínios para seus projetos. Além de morar em diferentes cidades (incluindo Nova York) e países (como Marrocos e Espanha), e de vagar pela Europa e Oceania, Thomas Campbell também conheceu muitos lugares viajando em função do skate, do surfe ou da arte, como Madagascar, Indonésia, Sri Lanka e África do Sul. Atualmente, está afastado da indústria do skate e encontrou na arte contemporânea e seu mercado uma via confortável para seguir criando. Como artista, pôde manter todas as suas pesquisas e seus experimentos ao mesmo tempo, pontuando sua trajetória com exposições como Sing Ding Aling, no museu holandês Het Domien, em 2006, onde mostrou suas pinturas, esculturas, seus trabalhos em tecido, suas fotos e seus filmes, além de transportar seu ateliê inteiro da Califórnia para colocá-lo no espaço expositivo na forma de uma instalação (todo o processo está registrado no belo livro de mesmo nome, lançado pelo museu). 44
Seu trabalho como cineasta também partiu de uma relação da fotografia com o skate, principalmente com A Love Supreme, um retrato em movimento do skate na Nova York de 1995 ao som de duas das músicas mais importantes da história do jazz, “Acknowlegement” e “Resolution”, do disco homônimo, gravado em 1964 pelo quarteto de John Coltrane.
O estilo de reportagem de Thomas e seus amigos ia do diário, escrito na primeira pessoa, a textos mais literários, na pegada do jornalismo gonzo (Hunter S. Thompson, via C. R. Stecyk III), ilustrados por imagens fascinantes de jovens aproveitando a vida e quebrando as regras. Ainda nesse período, Campbell fundou o selo de música independente Galaxia, para difundir ele mesmo a música de seus amigos, entre eles skatistas-músicos como Tommy Guerrero e Ray Barbee. Na Galaxia, ele e outros amigos, como Margaret Kilgallen (RIP) e Barry McGee, criavam as artes para as capas dos discos.
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Conversei com ele por telefone algumas semanas depois de sua passagem por São Paulo, onde o artista fez uma instalação complexa como representante beautiful loser da TRANSFER, e por San Francisco, onde esteve fazendo a mixagem do novo disco da banda Mattson 2, que será lançado em breve pela Galaxia. Campbell estava de volta a sua casa, em Santa Cruz, perto de uma floresta, onde fica seu ateliê-garagem entulhado de obras, fotos, pranchas de skate e surfe e, em frente, uma pequena rampa de skate. Minha primeira dúvida era sobre sua relação com a música e o seu selo. Ele explicou que mantém a Galaxia há mais de uma década, praticamente sem ganhar nem perder dinheiro, com um grande suporte do público japonês. “Eu dirijo o fluxo”, ele explica. “Meu trabalho é dirigir o ônibus sonoro até o lugar em que a música soe bem. Tenho uma visão externa. Às vezes os músicos estão tão mergulhados nas suas composições que não conseguem entender o que está acontecendo. De fora eu consigo dizer, ‘cara, isso tá chato’.” Esse processo aparece bem no DVD How Did, que acompanha o disco Ray Barbbee meets The Mattson 2 (Galaxia, 2008). Além de um making of do álbum, o filme mostra como Thomas encontrou esses prodígios do jazz que, não por acaso, são irmãos de Micah Mattson, assistente do artista que veio ao Brasil ajudar na sua instalação para TRANSFER. Detalhe: antes de se quebrar todo, Micah era integrante da equipe Zero Skateboards (ele aparece nos dois primeiros vídeos da marca). Eu também queria entender a transição do escritor para o artista visual. “Escrever é usar outro motor, diferente de pintar. Escrever de verdade. Eu ainda escrevo, gosto muito de escrever cartas mais líricas, com fluxo livre de 46
“Sempre penso em narrativas no meu trabalho. Minhas ideias são como placas de estrada. Afirmações curtas, ou movimentos que criam um processo de pensamento. É mais como uma ideia que faz referência ou examina a si mesma.”
é refletir coisas para mim e para as pessoas. Tento ser um minerador. Um escavador de afirmações positivas. Ver o mistério da vida e mostrar os pontos positivos. Ser negativo é muito fácil. Ser positivo, tentar evocar um movimento positivo, é provavelmente uma das coisas mais difíceis que você pode fazer.” A percepção de Campbell é claramente influenciada pela convivência com a imensidão do oceano, pelo ato de navegar sobre ondas em uma longa prancha, assim como contemplar e registrar o lado mais artístico da performance do surfe. Nos últimos anos, Campbell deu mais atenção para essa que é uma de suas raízes e fez três filmes de surfe, The Seedling (1999), Sprout (2004) e The Present (2009), sempre embalados pelo melhor som instrumental da Galaxia.
pensamento. Não escrevo mais histórias como escrevia antes. Na minha melhor fase, no contexto de escrever para revistas, foi um período interessante. Quando você está no seu melhor momento em algo, é porque está praticando bastante. Gosto do estilo com que as pessoas escrevem em revistas de skate nos Estados Unidos, principalmente na época em que eu fazia isso.” Ainda assim, suas pinturas e esculturas carregam palavras e pequenas frases, muitas vezes dentro de algo como balões de histórias em quadrinhos se projetando da testa (“terceiro olho”) de seus personagens. Sobre essa possível relação, ele conta: “Nunca pensei nisso. As HQs que eu fiz eram tão horríveis que eu tento esquecer. Estou interessado em arte que carrega emoções e ideias. Às vezes, a melhor maneira de comunicar pensamentos, ajudar as pessoas a se movimentarem com o trabalho, é incluir texto. Não entregar tudo, mas jogar com frases e palavras que façam as pessoas ter um diálogo consigo mesmas. Por outro lado, também acontece um diálogo comigo mesmo.” Quanto à ideia de narrativa em sua produção, outra possível relação com os quadrinhos, ele comenta: “Sempre penso em narrativas no meu trabalho. Minhas ideias são como placas de estrada. Afirmações curtas, ou movimentos que criam um processo de pensamento. É mais como uma ideia que faz referência ou examina a si mesma”. Essas “placas” podem dizer para olhar a sua volta, aproveitar os amigos, aproveitar o mar e seguir em frente. Definitivamente, as afirmações de sua arte são positivas. O universo paralelo de Campbell, ou T. Moe (ou T. Muck etc), como geralmente assina, emana energia positiva, impulsionada por um enorme sentimento de gratidão por estar vivo. “Sou grato por ter uma conexão com a natureza e observar sua profundidade. Isso me inspira muito. É meio psicodélico. Se você se abre a essa percepção, é algo além da compreensão (risos).” Sobre a transposição desse sentimento para sua produção, ele comenta: “Acho que um dos meus trabalhos como artista
A maneira de olhar e registrar a vida na Terra, sempre chamando atenção para a beleza e os aspectos positivos de estar vivo e, como ser humano, poder desfrutar do planeta, às vezes me fazem pensar em Thomas Campbell como um alienígena. “Sempre pensei nos humanos como um tipo de experiência. Qualquer coisa que você imagine que possa existir no universo provavelmente é possível. Possibilidades infinitas proporcionam possibilidades infinitas. Eu não me vejo como um alienígena, mas o que me empolga é não fazer parte da semana de trabalho padrão, do dia-a-dia.” Ok, talvez a situação atual dos humanos é que não seja tão humana, e é isso que ele quer influenciar positivamente: “Meu trabalho, como artista, é refletir o que vejo, ou incorporar o que vejo no meu trabalho. E o que vejo são muitas pessoas dentro de padrões profundos, formados por normas culturais. E também vejo um padrão muito intenso da existência natural. E um mundo incrivelmente diverso e profundo. Vejo que os padrões, as visões e as normas culturais da sociedade tendem a não perceber a profundidade do mistério do organismo, do planeta, do universo. Porque eles estão presos nos seus objetivos e suas preocupações monetárias. Eu não me sinto como um alienígena. Só estou olhando pela janela, que na verdade são meus olhos.” Então pergunto o que, na sua posição de ser humano com um ponto de vista singular, ele vê pela frente. “Sendo realista, o que eu vejo é que este planeta está sempre em um ritmo de mudança constante. Acho que tem muita mudança pela frente. Um dia as reservas de petróleo vão acabar. Não podem durar pra sempre. Acho que as coisas vão ficar bem mais regionalizadas. A vida de cada um vai precisar ser mais centrada em torno de onde você mora. Cada um tem suas conclusões, cada um está em pontos diferentes de seus ciclos e processos de aprendizagem. Então é difícil ter uma ideia muito rígida de como as coisas poderiam melhorar. A Terra é tão diversa, tem tanta gente.” Essa constatação levou nossa conversa para sua recente passagem pelo Brasil. “Ir a São Paulo, foi tipo ‘Cara, isso é insano, uma porrada de gente’. É fascinante. Isso abre sua cabeça ainda mais para pensar ‘Uau, quanta gente existe neste planeta’. É selvagem. Um organismo selvagem. É difícil fazer uma projeção do que seria certo para cada uma dessas pessoas. O que eu sei é que moro em uma floresta. Gosto da vibração de morar no campo. E para mim fica mais fácil ver a conexão com a natureza. Também gosto da energia das cidades, mas, para a vida diária, prefiro estar fora delas.” 47
“Gosto da vibração de morar no campo. E para mim fica mais fácil ver a conexão com a natureza. Também gosto da energia das cidades, mas, para a vida diária, prefiro estar fora delas.”
Ficamos flutuando entre assuntos, indo e voltando. Com Thomas Campbell as coisas avançam de uma maneira particular, relaxada e consciente de que todas as partes de cada processo devem ser aproveitadas. E agora? “Estou trabalhando em uma série nova de esculturas em bronze, usando porongos. Eu corto eles, coloco massa e outros materiais em cima e faço um molde. Vou ficar um tempo nas esculturas e pintando. Além disso, trabalho com uma marca, a Gravis, e estou fazendo um pequeno livro para eles com meus trabalhos dos últimos dez meses, provavelmente com fotos da TRANSFER.” Ele também contou do novo filme que está no forno, um aguardado retorno audiovisual ao skate na forma de road movie/documentário envolvendo piscinas vazias e encontros de diferentes gerações. Retorno apenas como cineasta, porque o skate esteve sob seus pés ao longo de todo caminho até hoje, inclusive em São Paulo, onde foi um dos primeiros a experimentar e acertar manobras na arquitetura skatável da TRANSFER. E foi só lá no Parque Ibirapuera, onde acontece a exposição, que ele conseguiu andar, pois sua instalação ocupou 99% do tempo nessa primeira vinda ao Brasil. O trabalho de Campbell foi uma grande cabeça de madeira pintada, com um “balão”, também de madeira, suspenso por cabos onde se lê “fuck yeah”, saindo do terceiro olho do personagem. A influência do oceano está presente em suas pinceladas fluidas, nas cores e formas orgânicas da natureza, nas transições das rampas de skate de fundo de quintal, construídas com a melhor técnica aleatória de um skatista-marceneiro, e no prazer de fazer algo com os amigos, como o assistente Micah e o novo amigo artista/skatista/arquiteto brasileiro Mateus Grimm. Um trabalho exaustivo, com acidentes de percurso (os cabos romperam e o “balão” se espatifou uma hora antes da abertura da exposição), mas que acabou dando certo e teve um processo de criação tão inspirador quanto seu resultado final. O que ficou de sua primeira passagem pelo Brasil é difícil de traduzir, mas é sem dúvida positivo. 3
2SAIBA MAIS thomascampbell-art.com
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4THOMAS PRODUZINDO PARA A TRANSFER
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KAEL KASABIAN
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POR MARINA MANTOVANINI . FOTO DE SHOW POR PAULO BORGIA
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O primeiro grave ecoou no Comitê Club em São Paulo como se os pulmões de MARK LANEGAN tivessem se soltado de seu corpo, para que sua voz fluísse sem o menor chiado. Era apenas a passagem de som, mas ele já havia tomado conta do lugar. Vestido de preto, um Lanegan concentrado supervisionava todos os detalhes: a iluminação, o posicionamento no palco, a afinação do violão de Dave Rosser, seu parceiro em projetos como The Gutter Twins. Era a segunda vez do artista em São Paulo, mas a primeira acompanhado apenas pelas seis cordas de Dave. 1
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om uma carreira extensa e sólida, o cantor se tornou conhecido no final dos anos 1980, como vocalista do Screaming Trees. O começo, com os amigos Van Conner, Gary Lee Conner e Mark Pickerel em Ellensburg, uma cidade próxima a Seattle, foi como o de qualquer banda: fizeram uma demo, chamada Other Worlds – posteriormente relançada –, encontraram o produtor Steve Fisk, que se interessou pela fusão sonora da psicodelia dos anos 1960 com o punk dos anos 1970 e o garage rock dos 1980, e gravaram o disco Clairvoyance, pela Velvetone Studios, de Steve. O primeiro álbum os levou para o selo independente SST Records, de Greg Ginn (Black Flag), com o qual lançaram três discos antes de partir para a Sub Pop: Even If and Especially When (1987), Invisible Lantern (1988) e Buzz Factory (1989), disco de despedida da SST, carregado de sujeira, em um presságio do que seria o rock dos anos 1990. Você acha que a sonoridade do Screaming Trees mudou quando a banda foi pra Sub Pop? Acho que não... Quer dizer, acho que não muito. Na verdade, o último álbum que gravamos com a SST foi produzido por Jack Endino, que produziu álbuns seminais pra Sub Pop. Quando mudamos pra Sub, ainda não existia o fenômeno Seattle, e quando tudo aquilo explodiu nós já tínhamos ido pra Epic.
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IGREJA”
Você gravou o seu primeiro álbum solo, The Winding Sheet (1990), pela Sub Pop, quando ainda estava no Screaming Trees. O que o fez buscar uma sonoridade mais acústica? Tinha um cara chamado Greg Sage (guitarrista e vocalista da banda The Wipers) que era uma grande influência pras bandas daquela região, mas que não fez muito sucesso fora dali. Ele gravou um álbum totalmente acústico, um disco meio soul, e eu gostei muito. Me fez pensar que eu poderia fazer algo assim também. E você gostou do resultado? Achei o disco do Greg muito melhor do que o meu (risos). O fato de o Screaming Trees não ter tido o sucesso comercial de bandas como Soundgarden, Nirvana e Alice in Chains ajudou no desenvolvimento da sua carreira solo? É difícil dizer isso. Eu sempre soube que queria viver de música. Quando pensava no futuro, me via fazendo isso. Na verdade, acho que o fato de não ter feito tanto sucesso comercial me ajudou a ter boas noites de sono (risos).
Na Sub Pop, a passagem foi rápida. O Screaming Trees gravou apenas o EP Change Has Come, e logo estava na Epic Records. Em meio a brigas e reviravoltas, a banda produziu hits como “Dollar Bill” e “Nearly Lost You”, do aclamado álbum Sweet Oblivion, e conseguiu arrastar seu conturbado relacionamento até o ano 2000. Com o fim do grupo, a fase grunge de Lanegan deu lugar a um som carregado de blues, soul e fumaça. A voz grave e intensa ganhou contornos mais trabalhados. No estilo soturno de figuras como Leonard Cohen e Nick Cave, o cantor construiu uma carreira de respeito. Os trabalhos solo, que já apitavam desde 1994, com o lançamento de seu segundo disco, Whiskey For The Holy Ghost, eram um prenúncio de um futuro promissor.
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A sua carreira solo trouxe boas surpresas, como o álbum de regravações I’ll Take Care of You (1999). Dá a impressão de que você mergulhou na história da música americana. A intenção era fazer alguma espécie de resgate? Não de forma intencional. Só quis cantar músicas das quais eu gosto, não pensei mesmo na história delas. São canções que eu escutava no meio dos anos 1990, que me transformaram em quem sou hoje. A maioria é coisa antiga, algumas dos anos 1980. Algumas eu já havia até gravado, mas não tinha colocado em nenhum disco. Escolhi músicas que eu sei que posso cantar, nas versões que mais me agradaram. Desde Bubblegum (2004) você não lançou mais nenhum álbum solo. Tem alguma coisa vindo por aí? Espero que em breve eu tenha algo pra compartilhar com o público. É essa a minha ideia. Bubblegum é um disco menos acústico e mais rock em relação aos anteriores. Você planeja algo nessa linha? Vou tentar fazer algo que tenha um pouco dos dois estilos. É meio difícil dizer neste momento, é complicado falar do futuro ,porque pra mim as coisas simplesmente acontecem. Às vezes começo com uma ideia e de repente estou seguindo outro caminho. 59
E como rolou a parceria com a Isobel Campbell? Ela mandou uma carta pra minha gravadora perguntando se eu cantaria umas músicas dela. Junto com a carta, enviou uma música. Eu já era fã do trabalho da Isobel, era fã do Belle and Sebastian, e também dos discos que ela tinha feito numa linha soul. Quando ouvi a canção, gostei e topei fazer o projeto. Nos discos com a Isobel, ela compõe todas as músicas e você apenas interpreta. É uma dinâmica interessante, porque geralmente é você quem escreve suas músicas. Entendo o que você quer dizer. É diferente porque, além de ser a composição de outra pessoa, é o ponto de vista de uma mulher, que obviamente é mais emocional. Ela faz um tipo de música que eu não consigo fazer. Eu gostaria também de ter uma certa dose de inocência, mas pra mim é muito difícil. Ao mesmo tempo, gosto de cantar o que ela escreve. A Isobel é uma pessoa muito foda, uma grande amiga, eu gosto da companhia dela. Tem como não gostar de fazer discos com ela?
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Ao mesmo tempo em que lançava discos com participações de parceiros como PJ Harvey e Greg Dulli, Lanegan se envolvia em diversos outros projetos. Em 2000, participou do álbum Rated R, do Queens of The Stone Age. Dois anos depois, foi convidado para ser membro oficial da banda – além de compor e cantar em algumas faixas do álbum Songs for the Deaf, participou de turnês e fez shows memoráveis com o QOTSA. Mesmo sem colocar nenhum disco solo nas prateleiras desde 2004, ele se manteve na ativa, lançando três álbuns em parceria com Isobel Campbell: Ballad of the Broken Seas (2006), Sunday at Devil Dirt (2008) e o recém lançado Hawk. Paralelamente, criou com Greg Dulli o projeto The Gutter Twins.
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Músicos como você e o Mike Patton têm uma rotina musical curiosa. Estão sempre tocando com gente diferente, criando novos projetos. Era isso que você buscava na sua carreira? As colaborações foram simplesmente acontecendo, e fico feliz com isso. Trabalhar com pessoas diferentes e fazer coisas que normalmente eu não faria faz com que a música continue interessante pra mim. Me mantém vivo. Quando estou fazendo uma coisa sozinho, que é minha, sei como quero que seja. Mas, quando estou trabalhando com outra pessoa, vejo também o ponto de vista do outro, e geralmente aprendo alguma coisa nova, experimento alguma coisa diferente. Isso é muito importante pra minha felicidade.
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Você e o Greg Dulli já eram amigos de longa data. Como rolou a ideia do projeto The Gutter Twins? Foi algo que surgiu de forma espontânea, justamente por causa da nossa amizade. Nós já tínhamos feito participações em trabalhos um do outro. Ele tocou teclado no meu projeto solo, eu cantei com o The Twilight Singers. Nós íamos junto pro estúdio às vezes, quando tínhamos tempo, geralmente na época do Natal, pra gravar umas músicas por diversão, sem nenhuma pretensão. Depois de alguns anos fazendo isso, percebemos que tínhamos quase um disco completo, com músicas que não eram apenas minhas ou dele, eram nossas. Aí decidimos montar a banda. Você mora em Los Angeles há 13 anos. Tem acompanhado a cena musical da cidade? Eu quase nunca saio. Só vou a um clube pra ver alguém que eu realmente queira, ou algum amigo que esteja fazendo um show na cidade. Tem um amigo meu que diz que me levar pra um clube é como levar um vampiro a uma igreja (risos). E o que você tem escutado quando está em casa ou na estrada? Geralmente, quando me perguntam isso, me dá um branco (risos). Quando estou viajando gosto de ouvir música ambiente, músicas instrumentais pra relaxar.
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E como gerenciar toda essa produção? Você impõe prazos a si mesmo? Depende do que estou fazendo. Se estou em casa, gosto de compor pela manhã e um pouco à tarde. Quando estou na estrada, o ritmo é diferente, crio quando tenho tempo. Em geral fico mais na estrada do que em casa, mas estou sempre compondo músicas novas.
Perguntado sobre o porquê de tanto mistério sobre o que planeja fazer daqui para a frente, Lanegan esclarece que esse ar de pouco-caso é apenas uma maneira de se manter protegido: “Com o tempo aprendi que existem muitas pessoas querendo te sacanear”. Sobre a amizade com Kurt Cobain e Layne Staley, ele prefere não comentar. O problema com as drogas é outro assunto que o músico quer deixar para trás. Melhor assim: o que realmente importa é o que está por vir. 3
Como foi o tempo que você passou com o Queens of The Stone Age? Era mais um lance de compor com o Josh [Homme] e cantar algumas músicas com eles. Foi demais, muito divertido. Eu não tinha como achar ruim. A minha vida não tinha rotina, tudo o que eu fazia era conversar com eles sobre música e levar o processo na boa. Pra mim, tocar nunca vai ser um trabalho, porque eu gosto de verdade do que faço.
2SAIBA MAIS myspace.com/marklanegan
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Como uma grande favela, parte de Kingston tem uma estética crua – como se ainda vivesse nos anos 1970. A música reggae, marca registrada da ilha, cresceu em dois bairros, que são fundamentais para a forTEXTO POR MARINA MANTOVANINI . FOTOS POR FABIO BITÃO mação artística da capital: o violento Trench Town e Red Hills Road. Nos anos 1960, Trench Town foi a base para a maior parte dos artistas, músicos e poetas. Hoje, eles vivem em Red Hills Road. história da Jamaica é muito Foi lá que o fotógrafo Fabio Bitão ficou hosparecida com a do Brasil: sua pedado nos 12 dias que esteve em Kingston. população indígena também foi dizimada, Instalado na casa da jamaicana Lorna Becksuas terras foram colonizadas por um país ford, Fabio teve a oportunidade de conhecer europeu e a economia era baseada no traprofundamente a história da música e dos prebalho de escravos africanos e na monoculceitos que envolvem o Rastafári. Durante sua tura da cana-de-açúcar. Com a abolição da passagem pela cidade, visitou Bobo Hills, uma escravatura, levantou-se uma questão: o comunidade rastafári ortodoxa, conheceu o que fazer com os ex-escravos? Sem solução, lendário estúdio Tuff Gong, a Randy’s, loja de a capital Kingston passou a abrigar uma podiscos mais tradicional do país, e assistiu a um pulação que não tinha nenhuma opção de dos maiores festivais de dancehall, o Rebel Satrabalho, e o empobrecimento crescente lute Festival. Enquanto fazia o rolê, ele regisse reflete até hoje nas ruas e na arquitetura trou todos os momentos e montou um ensaio da cidade. Localizada na Costa Sudeste da para mostrar um pouco do que é a Jamaica: ilha jamaicana, Kingston parece um labirinto música, religião e história.
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formado por avenidas principais, estradas secundárias, ruelas e bairros praticamente fechados. As casas são construídas de uma maneira muito específica: telhas de metal ondulado, chão de terra batida e paredes sem reboco, fruto da falta de dinheiro que acomete a maioria dos jamaicanos. 1
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O setlist é variado, e empolga desde quem nasceu depois do surgimento da banda até os mais antigos, que acompanham o grupo antes mesmo da época em que a multinacional Roadrunner soltou pelo mundo Relax in Your Favorite Chair (1994), o disco de estreia, com pedradas como “It’s Funny”, que em seus pouco mais de dois minutos de duração provoca uma avalanche de jovens subindo e pulando do palco, enquanto a banda se diverte aos risos. Em 1998, veio Turn the Page...The Season is Changing, com destaque para “Observant” e “Stream”. The Morning Walk, o trabalho mais recente, é de 2005, e sua faixa-título trata do quanto é importante, nos dias atuais, termos um tempo livre para nós mesmos. Em todos esses anos, por incrível que pareça, a única baixa na formação da banda aconteceu apenas no ano passado, quando o guitarrista Nando deu lugar a seu xará, Fernando, que ainda nem entrou em estúdio com o Garage Fuzz. “No início foi estranho, porque o Fernando procura as notas de um jeito diferente do Nando. Agora está muito tranquilo, a gente nem se olha mais enquanto toca”, explica Wagner Reis, o companheiro de guitarras. Mesmo sem grandes mudanças no escrete, é perceptível a evolução sonora ao longo dos três discos citados acima, assim como nos EPs lançados pelo grupo: Confortable Dimensions (1997), Instant Moments (2001) e Working on Title (2002), um split com o Solea.
As luzes do clube enfumaçado se apagam, e o público presente, com as bebidas nas mãos, começa a caminhar em direção ao palco. Os mais afoitos se aglomeram à frente, formando uma camada de fãs ardorosos que se destaca dos admiradores mais tranquilos (mas não necessariamente menos ardorosos) da banda, que nesse momento empunha seus instrumentos. “Boa noite, nós somos o GARAGE FUZZ”, anuncia Farofa, o vocalista, que prontamente recebe a resposta da plateia: um uivo de aprovação.
E, mesmo levando em conta a tal evolução da banda underground mais
O Garage Fuzz tem duas características marcantes: é difícil rotular o
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stamos em São Paulo, onde mora Farofa (também conhecido como Alexandre Cruz, ou Sesper), momentos depois deste bate-papo com a +SOMA. Mas poderíamos estar em qualquer lugar do Brasil. Quem sabe Santos, onde moram Wagner Reis, Fernando Basseto, Fabrício DeSouza e Daniel Siqueira, o restante do quinteto. Não importa. O fato é que a banda comove – como se diz – do Oiapoque ao Chuí.
respeitada do Brasil, ainda fica difícil definir qual é a sonoridade do quinteto. Música para skatista? Indie rock? Guitar? Hardcore melódico? Para sanar essa e outras dúvidas e curiosidades, nada melhor do que recorrer ao cara que, de boné na cabeça, pernas arqueadas e costas curvadas, canta suas últimas palavras antes de deixar o palco ovacionado pelas dezenas de fãs suados e satisfeitos com a alquimia entre seu vocal e as guitarras melódicas, o baixo pulsante e a bateria energética que preenchem com propriedade as vastas lacunas do rock independente atual. 1
seu som e é pouco comum uma banda ser respeitada por várias tribos diferentes. A que você atribui isso? A gente sempre foi meio mal interpretado, em todos os períodos. Quando a onda era guitar, a gente era considerado punk – isso nos anos 1990. Apesar de a gente escutar Dinosaur Jr. e Sonic Youth, os caras falavam que a nossa influência era Misfits, coisas assim. Aí, quando fizemos uma coisa mais influenciada pelo hardcore californiano, que estava mais em evidência por causa dos vídeos de skate, falavam que a gente era muito guitar – isso em 93, 94. Então a gente nunca se preocupou em tentar se encaixar num
Também, pudera. Em vez de tentar produzir hits consecutivos em busca de uma paixão passageira, o Garage Fuzz toma outro caminho, construindo um relacionamento de amor duradouro com o público, por meio de lançamentos selecionados (são apenas três álbuns de estúdio) e apresentações ao vivo de respeito em, precisamente, dezenove anos de existência.
rótulo. E crescer em Santos com uma galera que era muito desencanada desses lances ajudou também. Todo mundo escutava de tudo, de Barão Vermelho a Napalm Death, e não estava nem aí. Isso ajudou a renovar o público e criou uma certa credibilidade. Claro que isso gera consequências. Não adianta você ficar pensando assim e olhando pra grama do vizinho sendo mais verde. Você tem que se impor nas suas escolhas.
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São duas décadas de banda. Quais foram essas escolhas? Teve a evolução do nosso público. Ele foi se renovando, e isso fez a diferença dos anos 1990 pra esta década. Se a gente ficasse numas de manter o público, talvez a banda estagnasse. Mas a gente enxerga o lance de tocar mais pela amizade do que pra fazer sucesso e viver exclusivamente da música. Desde o The Morning Walk até esses projetos atuais (os recém-lançados CD e DVD ao vivo Definitively Alive), tudo é feito mais pra banda do que pra gravadora vender. The Morning Walk foi o divisor de águas? Acho que nos primeiros dez anos você ainda tem aquela inocência, tudo é novidade, a coisa tem mais poesia. Depois chega um período em que você já conhece o jogo, então só mantém o que prefere. A gente formatou a banda num esquema em que todo mundo conseguiria tocar feliz. Tem aquele lance mínimo pra gente fazer e beleza. Não existem sonhos ou esperanças de ser um lance melhor. O que a gente tem hoje em dia já está legal. Quais são as condições básicas pro Garage tocar? Todos os custos de passagem, estadia, rango... Não é nada de outro mundo, pode ser em um esquema bem low profile, com hotelzinhomanicômio, restaurante por quilo e um cachê mínimo pra custear isso, que beira o simbólico. A gente está nessa porque curte, fica feliz de ver a reação da molecada quando volta pra determinada cidade. Os caras falando: “Puta, achei que vocês nunca mais fossem voltar aqui”. Esse tipo de coisa é que é legal. Já tocaram no exterior? A gente fez uns shows na Argentina que o Boom Boom Kid agitou, e agora no ano que vem, depois que gravar o disco novo, queremos fazer uma turnê nos EUA. Nós recebemos muitas correspondências de lá da Europa, muito porque saíram os discos pela Roadrunner e a OneFoot Records. Hoje em dia a internet ajuda bastante a continuar esse contato com o público que conhece a banda há um tempão. Pouca gente toca com a mesma galera por tanto tempo. Você sente uma evolução? Como era tocar no início e agora? Em 91 a gente ainda era bem moleque, 19 anos mais ou menos, era menos responsável com a vida e acabava tretando mais, por ser cabaço e não saber as coisas. O período entre 94 e 97 foi um amadurecimento, quando a gente lidou com uma gravadora. Nessa época já fomos sacando qual era a nossa. E depois disso, de 2000 em diante, a gente já encarava tudo numas de “vamos nos entender melhor, adaptar as coisas” – isso foi na época do primeiro disco ao vivo [3500 Days Alive, de 2001]. Ajuda também o fato de que todos já se conheciam antes de formar a banda. Pra você ver, o Nando saiu dessa formação original por um lance de trabalho, uma opção que todo mundo respeitou, e colocamos o Fernando porque era um cara que ensaiava em uma banda de hard rock junto com a gente antes de existir o Garage – ou seja, ele tem uma ligação. O engraçado é que na equipe também é assim. Não muda o roadie, é o mesmo há anos, e o motorista da van também. A gente acaba criando um vinculo com a galera. Nunca houve um empresário, sempre foi o Fabrício que marcou todos os shows. Essa parte de logística está funcionando, e a gente sempre confiou nele. Isso ajuda a manter a saúde da banda. 74
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Como é o cotidiano de vocês? Cara, eu não ensaio muito, sou o mais preguiçoso há décadas. Sei que tenho que tentar sempre fazer o bagulho direito ao vivo, mas os caras são muito mais dedicados à banda do que eu. Eles ensaiam duas vezes por semana, estão sempre fazendo música nova. Hoje em dia todos têm trabalhos paralelos: o Fabrício tem produção de show, o Wagner trabalha com exportação de café, o Daniel no fórum trabalhista, e o Fernando tem um estúdio. Eu trabalho com essa parte de design. Então a banda é um lance que a gente respeita, é uma parada que a gente curte fazer, e fico feliz de estar em um show com mil ou com dez neguinhos. E pra fazer as músicas? Geralmente alguém das cordas – baixo ou guitarra – traz as bases, e a música vai sendo feita sem vocal. Isso até desenvolveu um estilo próprio pro Garage, porque não tem a melodia vocal logo de cara, então os caras têm que ficar enchendo de melodia a música pra suprir essa falta. Quando eu vou fazer o vocal, já tem muita coisa desenvolvida, e nessa tenho que fazer algo que não seja parecido com o que já está criado. Então a preguiça do vocalista desenvolveu mais as melodias nas cordas. E eu curto os resultados, acho que o melhor até agora foi o Morning Walk, um disco que a gente ficou uns três anos fazendo e, quando gravou, foi quase um mês direto, sem estresse, tudo com calma. Tinha disco que a gente fazia o vocal em dois dias e gravava treze, quatorze músicas. Nesse foram doze, uma por dia. Essas coisas fazem a diferença. Mas nós não somos muito xiitas, hoje em dia estamos indo mais pra esse lado digital mesmo, programas como o Pro Tools etc.
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E já estão na pegada de gravar outro? Já temos umas dez músicas. Acho que o desafio não é só fazer um disco, mas fazer algo original em cima do que já foi feito antes, não se repetir. Essa é a nossa preocupação. Acho que, pro próximo, esse lance vai ficar nítido, até pela mudança de guitarrista, e pelo período que a gente passou escutando outras bandas. Na época do Morning Walk, a gente estava ouvindo Pinback o dia inteiro – os dois primeiros principalmente –, Minus the Bear e outras bandas que soam diferente da levada do Garage, mais rápida, mais rock. Isso influenciou o nosso som, por exemplo, no lance de colocar 500 bases, 300 notas. Acho que o próximo material vai ser uma volta a um rock com mais repetição de base. Pra uma banda independente, como é lançar um disco hoje em dia? Pra um próximo lançamento a gente já pensa num formato em vinil, pra quem gosta mesmo de comprar o álbum, e focar também no download e na venda digital. Acho que é viável. Pra gente parece meio complexo comprar música pela internet, mas na gringa eu vejo que isso já rola. Tem gente escutando som pelo eMusic, por exemplo. Você paga 20 dólares por mês e se mata de baixar disco. É o futuro, não tem como fugir. Acho que pegar música de acervo não seja pirataria, e sim um modo de educar as próximas gerações a escutar música boa. O formato de venda funciona com discos novos. Logo que você lança, tem uma procura, e se você trabalhar direito consegue fazer uma venda. Funciona muito mais pra bandas que têm a prioridade na música, não na estética. Claro que ainda tem que fazer uma cota mínima de CD, mas nossas conversas vão por esses caminhos. A música digital fez com que eu me desprendesse dos meus discos. Você abre um iTunes e vê que consegue ouvir um ano inteiro de música sem repetir nenhum som. (Risos) 76
Hoje em dia banda brasileira que canta em inglês não é muito bem vista... Quando o Jello Biafra veio pro Brasil, ele pediu uma demo nossa e falou que o problema é que o nosso nome é na verdade um estilo. O estilo “garage fuzz” existe na gringa. Justamente por causa disso, a gente não mandou porra nenhuma. O lance de cantar em inglês é porque a gente até escutava hardcore em português, mas as bandas que faziam a nossa cabeça eram australianas, da Inglaterra, dos Estados Unidos. Além disso, não tinha essa “polícia” na época ditando que você tinha que cantar em português. A gente ouvia Pixies, Dinosaur Jr., Sonic Youth, Nirvana... A letra não era o mais importante, e sim a música. Não que seja algo descartável, claro. Quando surgiu o Raimundos, houve até quem dissesse que, se cantasse em português, a gente teria mais chances no mercado, mas a gente optou por continuar. E vai ser sempre assim. Acho que eu não mudaria, e nem a banda optaria por isso. Gosto de bandas nacionais que vieram dessa cena, mas que criaram outros projetos pra cantar em português, tipo Hurtmold, Polara. A mesma banda que cantava em inglês cantar em português acho que fica meio artificial. Você já fez algo em português? Em 94 a gente cantou uma marchinha de carnaval que ficou ridícula, foi a coisa mais horrível que a gente fez. Talvez se eu montasse um projeto novo eu cantaria em português, mas não sei. Recentemente, a gente tava viajando na Califórnia e ficou ouvindo música brasileira o tempo todo, coisas como Arthur Verocai, e dava sempre aquela sensação de que estávamos fazendo uma pesquisa musical mais do que escutando música – eu não estou zoando, eu gosto. Teve um outro dia lá que eu estava em uma mostra e tava tocando um Chico Buarque e de repente entrou um cara e tocou Van Halen e parecia que a música brasileira é que era estrangeira. Cresci naquela época dos anos 1980 que rolava uma massificação do mercado americano na rádio. Falando em mercado nacional e cantar em português, gostaria de esclarecer uma lenda: é verdade que o Charlie Brown Jr. certa vez tentou aliciar os guitarristas do Garage Fuzz? Isso rolou. O Chorão já tentou também gravar a gente, numa época em que estava pensando em montar um selo. Há muito tempo, antes de o Fabrício entrar, o Champignon chegou a ir na minha casa com o Daniel, que era amigo dele, e tocou aquela “(Anesthesia) Pulling Teeth”, do Kill’Em All, do Metallica. A gente falou que ele
era bom demais pra tocar com a gente. Não era zoeira. A gente ouvindo Sonic Youth e ele vem solar um Metallica. Era outra história. Depois eles começaram a falar da gente na mídia e, quando o guitarrista deles saiu, eles vieram conversar com o Nando, que não aceitou. Com 19 anos de estrada, o Garage se meteu em muita roubada? Gosto de um show que a gente tocou com o Wry em Sorocaba, em 1997, antes de gravar o Turn the Page. O show foi em um barzinho bem estilo centro de cidade do interior e devia ter umas 30 pessoas. Até lembro que os caras ficaram se desculpando pela falta de público e a gente na boa. Era um monte de engradado de cerveja e a gente tocou o disco inteiro, antes de lançar, naquela noite fria de sábado. Essas coisas que eu acho que vão marcando. Tipo a molecada de João Pessoa que espera até 4 horas da manhã para ver um show do Garage. Tocar com o Fugazi também foi legal, com o Seaweed, Samiam... Essas turnês com bandas que a gente tinha como influência acrescentaram bastante na nossa vida até para desmistificar um monte de coisa. A gente ia vendo que não era tão diferente de coisa que a gente faz aqui. Vocês foram talvez a atração mais falada do Festival JuntaTribo em 1994. De tarde, antes do show, teve uma entrevista e acho que naquela época nosso nível de sarcasmo estava alto e eu disse que nosso som era uma mistura de Bad Religion com Scorpions (risos). Então acho que os punks acharam que a gente era uns comédias quando na real a gente tinha passado da parte panfletária há pelo menos uns dez anos. Fizemos um cover de Exploited e tacaram lata, ficamos acuados e tocamos o set inteiro. Mas foi bom por dois motivos: para amaciar o couro para o que vinha pela frente, e também essa ação ofuscou o lance positivo das bandas que fizeram shows bons e no lugar deram mídia só para nós. Saiu em todos os jornais. 3
2SAIBA MAIS MYSPACE.COM/GARAGEFUZZ 77
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A A r t ed e Acima Tudo POR RAQUEL
K SETZ . FOTO HIC
DUARTE
Os mineiros da banda PORCAS BORBOLETAS não apenas produzem cultura: eles pensam a cultura, e têm uma noção muito clara de como querem comunicar sua arte. Em vez de se mudarem para um grande centro, optaram por continuar em Uberlândia e participar de festivais Brasil afora – eles acreditam que formar pequenos públicos em vários lugares é mais interessante do que uma divulgação massificada. No lugar de lançar montes de discos feitos de qualquer jeito, preferem entrar em estúdio quando as músicas já estão maduras e caprichar na produção e na gravação. E, enquanto alguns artistas ainda insistem em bradar contra a pirataria, disponibilizaram seu segundo disco, A Passeio, para download gratuito com boa qualidade de som e toda a parte gráfica incluída. 1
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música do Porcas é uma das coisas mais interessantes surgidas na cena independente atual. Seguindo a “tradição de artistas que desafiam a tradição”, segundo definição do vocalista e violonista Enzo Banzo, o som do grupo mistura elementos da Tropicália, da Vanguarda Paulista, do punk rock e até uma pitada da chamada música cafona. A história começou em 2000, quando quatro colegas da Universidade Federal de Uberlândia resolveram montar um grupo. A coisa era tão despretensiosa que o conjunto atendia pela singela alcunha de Pau de Bosta. Começaram a fazer shows na faculdade, logo passaram a tocar no circuito universitário e, dois anos depois, o feedback do público era tão positivo que eles resolveram levar a brincadeira a sério: chamaram um baixista e um baterista para completar a formação (que se resumia a violão, guitarra, percussão e voz) e trocaram o indigesto nome Pau de Bosta pelo mais palatável Porcas Borboletas. A linguagem da banda também mudou. Se antes os shows eram quase happenings, em que os integrantes tocavam usando roupão, óculos de natação, chapéu de palha e até fantasia de médico, na nova fase eles continuaram a ter um caráter performático, mas menos carnavalesco. As próprias composições ficaram menos escrachadas, dando espaço para canções líricas, atemporais. Isso não significa que a banda tenha encaretado ou perdido a vertente provocativa. Em “A Passeio”, por exemplo, há referências a ícones pop/trash como Sílvio Santos, Video Show, Sukita. “Se você for fazer provocação com um discurso engajado, reclamão, isso vai só aporrinhar as pessoas. Se a crítica for pelo viés do humor, você consegue chegar a elas”, explica Enzo.
As músicas são trabalhadas de maneira coletiva. Quando alguém leva uma ideia de letra, melodia ou riff para o ensaio, toda a banda participa da criação do arranjo. Depois de formatada, ela é testada em shows, para sentir sua recepção pelo público e sua sonoridade ao vivo. Cada composição tem um tempo para amadurecer: algumas necessitam de poucos dias, enquanto outras chegam a levar um ano até atingir a forma ideal. Se uma música vai para o CD, é sinal de que já foi suficientemente desenvolvida. O primeiro disco, Um Carinho Com Os Dentes, foi lançado em 2005 e é um trabalho de transição do Pau de Bosta para o Porcas Borboletas, tanto que metade do repertório é da banda antiga. Seu sucessor, A Passeio, veio apenas no ano passado e conta com participações especiais de Arrigo e Paulo Barnabé, Junio Barreto, Bocato, Arthur Faria, a atriz Leandra Leal e a escritora Clarah Averbuck, que assina a letra de “Menos”. Com calma e dedicação, a banda lançou um dos melhores discos nacionais de 2009, tocou em boa parte do Brasil (faltam só alguns estados nas regiões Norte e Nordeste no currículo) e fez uma pequena turnê pela Europa em julho de 2010, com apresentações em Londres e Paris. Em outubro, fará em São Paulo um show com o repertório completo de Às Próprias Custas S.A, o disco mais difícil do já normalmente complexo Itamar Assumpção. Para o ano que vem, o plano é dar um tempo nas viagens e se concentrar na produção de material novo. Tudo isso sem deixar de lado o espírito que pode ser resumido em uma frase de Enzo: “A gente gosta de arte, acima de tudo”. 3
2SAIBA MAIS myspace.com/porcasborboletas 79
POR ANDRÉ MALERONKA . FOTO POR PEDRO “GIGANTE” MARQUES
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Tem um negócio bem louco na sua mixtape, que é misturar funk carioca com rap muito bem. Você conseguiu chegar numa síntese legal disso aí. Pretende manter isso no disco? É o que sempre falo: eu faço a diagramação com o rap, mas a influência vem do funk. Eu morava num bairro, Jardim Catarina, que tem um baile super clássico. O primeiro rap que eu ouvi foi num vídeo da Furacão. Aquilo é hip-hop – hoje em dia vejo e falo “é rap de Miami da década de 80”. Mas processo de composição é um bagulho meio louco. Até agora as faixas estão muito pesadonas. Não consegui fazer uma que caia mais pra esse lado do funk. Como foi o começo da sua carreira? Fiz umas batalhas de freestyle, ganhei algumas, fui vice em outras, fiz uns programas de TV. Um dia o MC Frank me chamou e falou: “Te vi na TV, vamos lá fazer um free comigo”. Ele queria botar umas paradas de hip-hop no set dele. Aí comecei a trampar com o cara, e vi que é um nicho gigantesco. Vi o cara ganhar R$ 30 mil numa noite na rua, fazendo cinco shows. Trabalhando igual a um peão, mas ganhando uma grana. Você ainda faz circuito de baile? Bem pouco. É porque tem muito padrão, né? Hoje tem essa coisa de “as novinhas”. Não acho isso muito legal. Mas faço muito free. Vira e mexe nego me chama só por isso. Eu fazia no baile funk, sabe como? Levava “Capítulo 4, Ver80
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Em 2008, o MC carioca Funkero lançou Poesia Marginal, uma das melhores – e menos comentadas – mixtapes do rap brasileiro naquele ano. Funkero tem a história clássica da maioria dos MCs atuais: foi pichador e afiou suas habilidades em batalhas de freestyle e como integrante de uma turma de MCs e ativistas culturais, a Brutal Crew. Mas talvez seu maior diferencial seja fluir em funk carioca, grime e ragga sem que essas vertentes pareçam estilos distintos de hip-hop. Neste bate-papo com a +SOMA, Funkero falou um pouco sobre sua carreira, suas influências e sobre Carne Viva, seu primeiro álbum, ainda em fase de produção. 1
sículo 3”, que já é manjadona, e botava pra tocar, começava a cantar o rap do Mano Brown, e no meio puxava pra virar pra um freestyle meu. Parece meio estranho pra algumas pessoas, e funk é uma parada pra público de massa. Eu tinha um pouco de receio, o rap é uma parada meio conceitual demais pra gente que tá acostumada a receber o bagulho ali mastigadinho. Às vezes o cara faz um rap muito legal, mas que não é vendável, e tem que fazer uma música pra tocar. No nosso nicho, a gente ainda tá, graças a Deus, independente. Não tem muito essa preocupação de querer agradar. Tudo o que eu escutei me fez ser o que sou, não só o funk. Inclusive esse disco, o Carne Viva, a gente parou pra ouvir e viu que tá com uma influência bem carregada do rock. Hoje em dia ouço muito punk, e isso me influencia bastante. A gente é mutante, vai mudando, mudando, mudando... Mas as coisas vão ficando... É! Eu sempre gostei de escrever e ler, mas não via o rap como minha identificação. Achava melancólico, muito fraco. Lembro que só ouvia RZO e falava: “Nossa, mano, essa é a parada!”. Música com inteligência, vocabulário legal. Eu me apaixonei pelo barato, e procurei saber, ia pra [festa] Zoeira toda semana... E lá tinha uma roda de freestyle, o Marechal sempre abria o microfone pras pessoas. Um dia resolvei fazer – antes mesmo de escrever qualquer letra. E quando vi, já tava contaminado. É tipo um vírus.
No começo era isso, me baseava em outros artistas. Graças a Deus teve uma galera que teve coragem de chegar em mim e falar: “Ó mano, mas isso aí não parece seu”. E isso meio que mexeu comigo. Antes eu queria fazer rap, mas fazendo letra igual a de todo mundo, pagando de politicão. E, como sempre gostei de música pop, ficava nesse dilema de gostar daquela música que tava fazendo dinheiro. Então fui me afastando desses paradigmas. Com o funk é outra parada. Mesmo sendo pouco pensado, de ser muito simples e ir direto ao ponto, era aquele tipo de música que eu queria fazer. Então comecei a procurar minhas influências, a pesquisar, a ver com quem eu me identificava mais. Mas também comecei a ver que dentro do movimento rola um monte de picuinha, e isso foi me fazendo querer flertar com outros estilos musicais. No ragga, os caras cantam meio no contratempo, e eu trouxe isso pra minha música também. Faço ragga, faço funk carioca... Hoje em dia tenho ouvido umas paradas de electro, então se pá já vou começar a gravar uns bagulhos de electro (risos). Mas pro disco tô mais preocupado em fazer letras mais concisas. 3
2SAIBA MAIS myspace.com/funkero
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POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
RORSCHACH MUSICAL) 82
“É BONITO, PORQUE A GALERA TRANSFORMA ALGO SIMPLES – UM SINAL VERMELHO QUE ESTÁ PARADO HÁ MUITO TEMPO – EM ALGO CAÓTICO. PARECE QUE A DESTRUIÇÃO DO MUNDO ESTÁ ACONTECENDO AGORA, NA MARGINAL PINHEIROS, ÀS 10H”
Já vi você falando para o Trama Virtual que tirou a inspiração do Península Fernandes do Dan Deacon. Foi isso mesmo? Não foi isso, não. Eu falei que, depois que criei o Península, vi o Dan Deacon e pensei: “É a mesma coisa que ele faz, mas com muito menos recursos”. O começo foi o NYC Ghosts & Flowers, do Sonic Youth. Foi ali que pensei: “Você não precisa cantar a música, pode ser falada”. Poderia ter pensado no hip-hop também, mas para mim foi esse disco. Seu primeiro EP (Sozinho no Rolê) foi só violão? Foi, porque eu não sabia fazer outra coisa, mexer nos programas, usar os synths. Eu gravava uma melodia de violão, falava alguma coisa, uma bateria na caixa de papelão, uma escaleta. Foi tudo gravado em umas seis horas. Como surgiram seus três primeiros EPs? Cada um deles tinha um tema. O primeiro surgiu meio por acaso. Alguns dias antes eu tinha escrito sobre algumas experiências pessoais, e resolvi musicar um registro disso. O segundo (Até Domingo) era sobre a Zona Norte de São Paulo, e o terceiro (Tá Logo Ali), sobre Copa do Mundo.
PENÍNSULA FERNANDES é um estado mental, é uma referência a Manuel Bandeira, é um projeto paulistano de música experimental e é Daniel Monteiro. Baixista de grupos como Os Telepatas e Departamento Celeste, e filho orgulhoso da Zona Norte de São Paulo, Daniel escolheu o nome de um hotel do Rio para transformar suas imagens musicais em realidade. Seu primeiro álbum, Malta, foi lançado no início do ano, depois de uma série de EPs virtuais. Passeando por diálogos imaginários, narrações de jogos de futebol e boletins de trânsito, ele faz uma música eletro-orgânica e intuitiva – borrões para serem interpretados pelos ouvintes, como ele mesmo explica. 1
Você diz que usou temas nos EPs, mas o seu álbum não parece ter um conceito. Por que a mudança? A ideia era um ter um tema. O nome Malta vem de um coletivo, tipo “galera”, que rola mais no português de Portugal. Eu queria gravar diálogos reais, no busão, na sala, mas acabou não dando certo. Eu só tinha um MP3 player meia-boca, e a parada não ficava boa. Aí fui criando imagens para as coisas que fazia. Gravava uma música do nada e pensava em qual imagem ela passava para mim. É como um teste de Rorschach musical. “Do 16 ao 18” é um exemplo. Eu tinha uma ideia de música, mas não como fazer rolar – só tinha na mão um MP3 player que gravava rádio e uma bateria eletrônica.
E tem os caras que estão no carro, ligam para a rádio e colaboram com o boletim. Acho que nessa música tem a única intervenção da história dessa rádio em que um cara liga para elogiar o trânsito, para dizer: “A Marginal tá boa, tá correndo legal”. (Risos) Acho que nunca mais teve isso.
“Do 16 ao 18” tem esses sons de boletins de trânsito. Você lembra em que dia captou os boletins? Era um dia especialmente ruim do trânsito em São Paulo? Eu lembro dos horários, que são horários “tranquilos” de São Paulo. Tentei mostrar algo caótico, mas na verdade são boletins das 10h e das 19h. Usei a Sul América Trânsito. É bonito, porque a galera transforma algo simples – um sinal vermelho que está parado há muito tempo – em algo caótico. Parece que a destruição do mundo está acontecendo agora, na Marginal Pinheiros, às 10h.
Você nunca fez nenhum show. Pretende fazer alguma apresentação do Península Fernandes, no Brasil ou na gringa? Se surgisse uma turnê gringa, com gente interessada em ouvir, talvez eu até fizesse, mas não sei se vai ter gente suficiente no Brasil pra isso. Muita gente junta, conversando pra caralho, não vai nem prestar a atenção. Você pode ouvir o disco em CD, é uma contemplação individual – sozinho você escuta e pensa o que você quer. Transformar isso em uma experiência coletiva, que seria fazer um show, seria difícil, não ia dar certo. Eu não ia conseguir fazer com que a contemplação da arte fosse individual, não coletiva. 3
Como têm sido as reações em relação ao Malta? Qualquer reação é boa para mim. Em todo elogio ou crítica, o cara perdeu um tempo para ouvir e ter um argumento, a favor ou contra. Teve um cara de Glasgow que ouviu todas as músicas e escolheu uma de cada disco para colocar no site dele, e um da Nova Zelândia que colocou uma faixa em um bloco de dubstep no programa de rádio dele.
2SAIBA MAIS www.myspace.com/peninsulafernandes 83
POR ARTHUR DANTAS* . FOTOS NEY HUGO
O LADO ENSOLARADO DA LUA
“Sempre tem aquela questão: Acre e Amapá não existem. Essa distância do resto do país dá uma identidade esquizofrênica bem interessante.” A frase de Jenifer JJ, 21, uma das vocalistas do Mini Box Lunar, banda de Macapá e um dos maiores destaques do promissor circuito de festivais independentes nacional, sintetiza o que talvez seja o maior atrativo do grupo: enquanto nos grandes centros reverberam ecos de um revival de anos 90 em voga no Velho Mundo, o grupo se alinha a um fenômeno brasileiro de meia-idade, o Tropicalismo, o que provavelmente explica a “esquizofrenia” da sonoridade alegre e colorida do grupo. 1
Formado em maio de 2008, o Mini Box Lunar conta com Otto Ramos, Saddy, Alexandre e Ppeu Ramos, além das duas vocalistas. Belém, inclusive, foi importantíssima para o estabelecimento do grupo: a banda gravou a toque de caixa um DVD-demo, com o autoexplicativo nome de Sessão Vintage, para inscrição no festival Se Rasgum, um dos maiores do Norte do país. “Em um mês mais ou menos, compusemos umas 30 canções e gravamos o DVD. Não teríamos tempo de gravar em estúdio, e achamos que o DVD seria legal, porque o Mini Box Lunar tem um apelo visual muito forte”, conta Helô.
E
ssa declaração foi dada na sala de imprensa do Conexão Vivo, logo após a apresentação do Mini Box Lunar na lindíssima Belém do Pará. Com suas canções leves e lúdicas, o grupo tornou a noite estrelada à beira do rio ainda mais bonita. “Nós pensamos muito a música ao vivo, então descartamos muita coisa. Tinha uma porção de músicas que deixavam a peteca cair no show”, explica Heluana Quintas, a Helô, 27. “Acabaram ficando as mais animadas”, conclui JJ. Tristeza, definitivamente, não é com eles.
* ARTHUR DANTAS VIAJOU A CONVITE DO FESTIVAL CONEXÃO VIVO
A estética da trupe não chega a ser exatamente uma novidade no universo das faculdades públicas de humanas nas capitais e no interior do Brasil: rock and roll retrô com influências sessentistas e setentistas, psicodelia e um toque de cores locais. Seria o estereótipo de banda bicho-grilo padrão, caso o grupo não tivesse canções poderosas a ponto de chamar a atenção de gente como o produtor Carlos Eduardo Miranda (responsável pelo vindouro álbum do grupo, após um bem recebido EP de 2009). Seu repertório “pra cima” – nas palavras das próprias cantoras – mistura bossas tímidas, valsas psicodélicas, música country e marchinhas carnavalescas em um caldeirão com odores tropicalistas. Não foi só o acaso que os colocou ao lado de mestres da música brasileira como Jorge Mautner e Jards Macalé nos palcos.
“Se eu virasse um soldado rosa / Disparava doces num canhão / Bateria continência pro arco-íris / Trocaria o tanque por balão / Se eu virasse um soldado colorido / Fugiria sem nenhum tostão / Buscaria a minha Dulcinéia / Trocaria as medalhas por paixão”. O trecho da canção “Soldado Colorido”, um vaudeville de cabaré com vocação para hit radiofônico, resume exemplarmente o universo das canções, escritas em 90% dos casos pelas duas vocalistas. A boa química exibida no palco minutos antes é atribuída a uma sintonia forte entre os membros do grupo, todos integrantes do Coletivo Palafita, filiado ao circuito Fora do Eixo. “Não foi algo normal. Imagina, em um mês ter quase 30 músicas... Cada composição que um jogava pro outro acabava se transformando, e todo mundo achava que realmente estava melhor”, explica JJ. Com o Mini Box Lunar, Macapá – cidade com quase 400 mil habitantes com suas bandas de heavy metal, punk rock e outras pautadas no grunge dos anos 90 – pode vir a participar do que parece ser uma onda de grupos de Belém que está prestes a tomar o país de assalto com sua música despojada e colorida, com inspiração na música popularesca local. A simplicidade e a descontração das canções, apesar do “lunar” no nome do grupo, prometem um mundo mais ensolarado e feliz, alterando fatalmente nosso estado de espírito. É esperar para ver até onde vão chegar. 3
2SAIBA MAIS myspace.com/miniboxlunar 85
Quando Tom van Buskirk, o frontman barbudo do Javelin, admite que era “totalmente sem noção” na época do colégio, fica difícil avaliar se a afirmação é um elogio ou um insulto. Contextualizando: van Buskirk fez essa revelação enquanto contava como criou a melodia de uma de suas primeiras composições, o tema de abertura do programa do clube do audiovisual de sua escola. “Eu sampleei um som do Three Dog Night, mixei com o beat de um disco de break e gravei uns instrumentais por cima”, ele conta, aos risos. “Ficou bem brega.” 1
LIN
POR SEAN EDGAR . TRADUÇÃO DE ALEXANDRE BOIDE . RETRATO POR TIM SOTER
segundos. “Tinha uma lojinha a que eu ia direto, onde comprei nada menos que 75 discos bem bizarros, desses que são lançados para o mercado internacional. Muitos deles eram de disco music, e muito, muito bregas.” Langford, por sua vez, que nutria um gosto por Herbie Hancock no colégio, estava descobrindo Caetano Veloso, Os Mutantes, Gilberto Gil e muitos outros artistas da Tropicália no Brasil.
Quando voltaram aos Estados Unidos, por volta de 2005, os dois começaram a transformar anos e anos de escavações fonográficas em discos que foram imediatamente bem aceitos pela comunidade blogueira. O lançamento independente Jamz n Jemz, um CD-R de 25 faixas de beats retrô do hip-hop e melodias criadas em sintetizadores dos anos 80, chamou a atenção do Luaka Bop, o selo internacional de David Byrne. A gravadora propôs um contrato para o Javelin sem pensar duas vezes. “Quando eles entraram em contato, já estávamos conversando com outro pessoal. A gente tinha acabado de murega” e “sem noção” são duas definições dar para Nova York, e pensou: que van Buskirk usa com frequência para ‘Não deve ser só uma coincidescrever suas inclinações musicais. Tecnidência’”, recorda van Buskirk. camente, ele não deixa de ter razão. Junto com A Luaka Bop permitiu inclusiseu companheiro de banda George Langford, ve que a dupla co-optasse seu van Buskirk tem uma certa tendência a reciclar, podcast, plataforma na qual destilar e aglutinar uma determinada gama de surgiu Andean Ocean Tape, gêneros subestimados, e muitas vezes consideuma espécie de celebração esrados brega, do espectro pós-moderno. Porém, capista do verão. Logo depois, apesar de sua humildade um tanto irônica, o foi lançado No Mas, primeiro LP Javelin é hoje um dos maiores exportadores de de estúdio do duo. beats do Brooklyn, ostentando um bom número de mixagens premiadas em eleições feitas por blogs e uma reputação considerável por jams épicas em lofts da cidade.
B
Mas as origens do Javelin vão muito além das margens do East River. Van Buskirk e Langford têm muito mais em comum do que o amor pelos hits radiofônicos e pela produção nas picapes: eles são primos, e foram criados nos estados vizinhos de Rhode Island e Massachusetts. Passavam juntos com frequência os feriados prolongados e as férias de verão, trocando riffs de guitarra e mixtapes de quatro canais durante toda a juventude. Depois de se formarem na faculdade (ambos em Literatura Inglesa), eles viajaram para a América do Sul: van Buskirk para Buenos Aires, e Langford para Salvador e para o Rio de Janeiro. “No meu caso foi só uma temporada fora do país, com um objetivo mais ou menos definido”, explica van Buskirk. “Levei comigo toda a minha aparelhagem musical e ficava criando coisas no apartamento.” Para os futuros integrantes do Javelin, as lojas de discos locais ofereciam prateleiras repletas de obras-primas esquecidas e novos tesouros que os nova-iorquinos antenados devoravam em 86
No Mas representa um passo à frente muito bem pensado na evolução impressionante do Javelin. Poderia ser facilmente confundido com uma mix tape de funk, pop, dub e acid jazz para ninguém botar defeito, mas cada som traz consigo o DNA peculiar do duo. A lista de músicas do disco é um excelente exemplo da inquietude da dupla, que muda de estilo com frequência e delicadeza. “Vibrationz” pulsa por trás do som de uma guitarra com wah wah digitalizada, que se funde a um vocal feminino sampleado entoando o mantra sensual de uma só palavra da faixa. Logo em seguida, “Mossy Woodland” navega pelas águas de uma música pop executada por um conjunto de cordas, permitindo a van Buskirk exibir seu alcance vocal em meio a uma tempestade de reverbs. E músicas como “Tell Me, What Will it Be?” mergulham tão profundamente no mar de arranjos jazzísticos medianos que o limo acumulado durante os longos anos de esquecimento se torna quase palpável. É o tipo de trilha sonora capaz de dar sobrevida a uma festa mesmo depois de sua morte natural.
Levar essa mistura sofisticada para os palcos não era uma tarefa fácil, e nesse caso van Buskirk e Langford fizeram o qualquer músico de respeito que trabalha com mixagens faria: juntaram um estoque de vinte boomboxes antigas para amplificar suas batidas através de um rádio FM. Assim como em suas escavações sonoras, eles foram longe para conseguir os melhores sons reciclados. “Eu passava o tempo todo indo a lojas de artigos de segunda mão. A maior parte da aparelhagem do Javelin foi encontrada nessas lojas, assim como os discos, os cassetes e as fitas VHS. Achamos algumas coisas na rua uma vez, mas a maioria foi comprada por 10 ou 20 dólares em um bazar qualquer do Exército da Salvação.”
JAVEL OS MESTRES DA RECICLAGEM
Porém, apesar do contrato com uma gravadora de prestígio e da pirâmide de alto-falantes velhos, van Buskirk ainda não se acha muito diferente do moleque do colégio que incorporava beats a samples de sons do Three Dog Night. “Na música ‘Radio’, a letra que eu escrevi diz que ‘Eu sou o mesmo desde a quarta série.’ E é verdade – eu faço as mesmas coisas que fazia quando era moleque.” 3
2SAIBA MAIS wwww.myspace.com/hotjamzofjavelin 87
+QUEM SOMA
. DAVID QUILES GUILLÓ . Por Natalia Lucki
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avid Quiles Guilló é naturalmente inquieto. Nascido em uma família espanhola de classe média, escapou da rigidez da educação católica de seu país natal, onde estudava em uma escola da Opus Dei, para se tornar referência no mercado das novas artes, administrando uma rede multidisciplinar espalhada por mais de 25 países. Filho do dono de uma fábrica de sapatos, principal atividade econômica de Elche, cidade onde nasceu, e de uma mãe dona de casa, aos 13 anos ganhou uma bolsa para estudar em Nova York, graças a sua aptidão para os esportes. Educou seu olhar em visitas ao Guggenheim e ao MoMA, sempre atento a clássicos da arte moderna, como Jackson Pollock e Jean-Michel Basquiat. Foi introduzido à street art pelos trabalhos de Keith Haring – colecionava os adesivos e singles que ele ilustrou para artistas como De La Soul. Durante o tempo em que viveu nos Estados Unidos, mudou de colégio várias vezes, sem88
pre buscando escapar do excesso de rigor da educação formal. O último, com princípios mais liberais, foi o que possibilitou sua aproximação com a arte. David queria ser estilista, mas, como não encontrou nenhum curso especializado na época, optou por uma escola em Boston que oferecia um currículo de Belas Artes. Foi lá que aprendeu as técnicas de estamparia e fotografia. Ainda como estudante secundarista, tentou trabalhar por algum tempo com pintura e sound art. Como artista iniciante, porém, tinha dificuldades de se aproximar de revistas especializadas e galerias. Desistiu de investir em sua produção quando conheceu novos artistas e se deu conta de que sua arte não continha nada que se destacasse. Ao terminar o ensino médio, David resolveu voltar à Espanha, por saudade da família. Depois da experiência de Nova York, no entanto, Elche parecia pequena demais, e ele se mudou
para Barcelona. Na universidade, por influência do pai, se matriculou no curso de marketing, para que pudesse escolher um trabalho em um área mais abrangente. Acabou como estagiário no estúdio de design que criou o uniforme da seleção espanhola para as Olimpíadas de 1992. As referências que ele trazia dos Estados Unidos logo fizeram com que ele se destacasse e
“CRIEI O PROJETO PARA DAR VOZ E LUGAR PARA NOVOS ARTISTAS. A ROJO É MEU ALTER EGO.” se tornasse o responsável pela estamparia do projeto. Depois de um ano na área, porém, ele desistiu da carreira. Em 1995, recebeu uma proposta para trabalhar em São Paulo. A convite de uma marca de material esportivo, veio ao Brasil para represen-
tar uma linha de chuteiras. Trabalhou com os principais craques da época – Roberto Carlos, ainda no Palmeiras, e Ronaldo, que já estourava no Barcelona. O caos paulistano a princípio o assustou, mas ele logo aprendeu a gostar da cidade. Gostava de comer nos bons restaurantes paulistanos, frequentava o parque Ibirapuera aos domingos, ia bastante ao cinema. Na época, o cenário artístico estava restrito ao Mam e a Bienal, segundo ele. Passados dois anos, David percebeu que sua função na verdade se resumia a cortejar atletas e convidar pessoas para almoçar. “Se aos 25 anos é essa a sua preocupação, alguma coisa está errada”, ele analisa. Mais uma vez, David largou tudo e voltou para Barcelona, onde abriu um estúdio de criação. Quando as exigências do mercado fizeram com que tivesse que abrir concessões em seu projeto inicial, ele ficou descontente e decidiu fechar o estúdio depois de apenas um ano e meio para criar um novo projeto.
A ideia de criar uma revista surgiu da conversa com um parceiro brasileiro. No dia da inauguração do seu estúdio, conversavam sobre o crescimento da editora TRIP e como o mercado editorial parecia promissor. Foi quando nasceu a ROJO, em 2001, com o objetivo de ser uma multiplataforma de lançamento de
“A ROJO É UMA ILHA À PARTE DA MÍDIA. TENTAMOS FAZER ARTE CONSTRUTIVA, COLORIDA. NÃO PRECISA DE BULA PRA ENTENDER O QUE FAZEMOS.” novos artistas, com revista, rádio e canal de televisão. “Criei o projeto para dar voz e lugar para novos artistas. A ROJO é meu alter ego”, Guilló define. Na revista, investiu tempo e dinheiro para criar um formato atemporal, sem intenção de fazer crítica de arte e com
liberdade para publicar somente aquilo que fosse de seu interesse. “A ROJO é uma ilha à parte da mídia. Tentamos fazer arte construtiva, colorida. Não precisa de bula pra entender o que fazemos.” Morando hoje em São Paulo, casado com uma brasileira e pai de duas filhas, David Guilló concentra a parte criativa da ROJO na cidade, que considera um dos principais centros artísticos do mundo, ao lado de Los Angeles. Dez anos depois de sua criação, seu projeto tem revista, site, bases de trabalho em Barcelona e Milão e uma rede de 23 galerias associadas. Ele prepara ainda o lançamento da ROJO filmes e pretende levar seu mais recente projeto, o NOVA, para os Estados Unidos e a Europa. E se um dia se cansar de tudo isso? Simples, voltará a pintar.
2SAIBA MAIS rojo-magazine.com rojo-nova.com 89
Coisas que Gostamos de Guardar Realizador do desenho animado em stop motion A Batalha do Vinil (exibido no Cartoon Network), RAFAEL TERPINS trabalha com filmes e animações. Atualmente divide seu tempo entre trabalhos para o cinema (como a abertura do novo filme de Laís Bodanzky) e um documentário sobre a banda prépunk Joelho de Porco, que contou com a participação do seu tio, Tico Terpins. Mas Rafael não está aqui para falar sobre isso, e sim para mostrar à SELETA sua coleção de saquinhos de vômito (não usados). Eles podem ser bem parecidos com saquinhos para depositar lixo ou restos de comida, mas o texto de instrução de uso e as ilustrações não deixam dúvidas – eles são feitos para o enjoo aéreo, para você vomitar mesmo.
POR MENTALOZZZ “RADIOLA COM PITCH ACELERADO”, COM ASSISTÊNCIA TÉCNICA DO DR. JACOB PINHEIRO GOLDBERG 90
Quantos saquinhos tem a sua coleção? Tenho 83 saquinhos de todas partes do mundo. Como ela começou? Comecei cedo, aos 8 anos, porque a minha vó morava em Miami e eu viajava bastante. Eu achava bonitas as variações de desenhos e instruções contidas nos saquinhos. Pelo fato de serem de papel mas terem uma proteção plástica por dentro e poderem ser colocados em pé, vi que eram uma coisa especial, diferente, engraçada. É uma peça na qual o designer tem que resolver uma situação delicada, que deixa claro que a empresa aérea pode, sim, te levar de um lugar ao outro, mas talvez haja algum desconforto envolvido. A viagem de avião é sempre associada a um certo luxo, mas o saquinho está ali para mostrar que nem tudo vai ser uma maravilha. Pode ter diferença de classe, pode ter todo o glamour que envolve a viagem aérea, só que de repente surge o vômito, e ele é igual para todos, ele é bem de esquerda.
4TRAFAEL TERPINS: 83 SACOS DE VÔMITO E CONTANDO
Você continua a colecionar? Com o tempo os saquinhos foram mudando, perdendo a graça. O que sempre me chamou a atenção foi a encrenca que as empresas aéreas têm nas mãos com os enjoos aéreos. No início eles tentaram ser mais lúdicos – tenho saquinhos com florzinhas e decorados –, mas é sempre uma ação antimarketing oferecer um saquinho com sua logomarca para que seu cliente vomite nele. Por isso, eles foram deixando a marca da empresa aérea cada vez menor. Hoje muitas delas adotaram uma imagem mais asséptica, fazem saquinhos todos brancos.
Você observou alguma coisa curiosa ao colecionar esses saquinhos? Um fato curioso é observar que dentro do mesmo avião os saquinhos “O vômito no avião tem significado peculiar, e o saquinho de vômito mudam de qualidade quando se é o depósito da catarse que frequentemente envolve, aflige e assusta muda de classe econômica. Na prio viajante. Ele deposita ali seu medo, suas verdades. Mas a coleção de meira classe o saquinho é menor, talRafael trata de saquinhos intactos, que não foram usados – ou seja, é um vez porque o caviar seja vomitado em registro, uma amostra real de pessoas que viajaram e não vomitaram.” quantidades menores que um baião de dois. O da extinta Vasp chama a atenção por ter uma carinha bem trisComo você expunha a sua coleção? te e enjoada. Já no de outra empresa vem estampado o desenho de um rei, Eu gostava de colar os saquinhos abertos na parede do meu quarto. uma coisa tipo “sinta -se um rei ao vomitar com a gente”. O saquinho mexicano tem duas funções – uma é depositar o vômito, e a outra é avisar que E as pessoas lembravam de trazer novos exemplares para você quando o assento já está ocupado, o que dá a entender que o mexicano não para viajavam? quieto dentro do avião. Tenho saquinhos até da Aeroflot (antiga companhia Como ficava tudo exposto no meu quarto, as pessoas sabiam que eu coleaérea estatal russa). Meu tio viajou em um avião deles e contou que era tudo cionava, então comecei a receber saquinhos de todas as partes do mundo. de madeira, parecia mais um barco. Reparei também que as empresas com Um dia, no início dos anos 90, a artista plástica paulista Jac Leirner viu a saquinhos plásticos foram as que acabaram fechando. Meus preferidos são coleção no meu quarto e resolveu fazer um trabalho inspirado nela (Corpus os da Pan Am – por tudo o que ela representava, sua participação no mundo Delicti 1992). Ela acabou virando uma grande colaboradora, me passando do cinema. Parecia que ela nunca ia acabar, mas faliu em 1991. muitos saquinhos que não ia usar em sua obra.
Parecer do dr. Jacob Pinheiro Goldberg
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Michael Jackson . Ben (MOTOWN, 1972) Segundo disco solo da carreira de Jacko, Ben pode não ser tão brilhante quanto Got To Be There (1971), mas é tão delicado e harmonicamente rico quanto seu antecessor. O single com a faixa-título vendeu mais de um milhão de cópias em todo o mundo, e foi o primeiro hit do então juvenil MJ a despontar no topo das paradas estadunidenses. Era o início da fase de baladas românticas de Michael, caminhando em sentido contrário à musicalidade dos Jackson 5, que continuavam emplacando hit após hit, a grande maioria essencialmente dançante. Ben marca também uma notável evolução artística, coordenada por arranjadores e músicos de talento, como a máquina de hits da Motown à época, The Corporation, e os próprios J5, bastante participativos, especialmente em refrões, ao longo do LP. Composições a cargo de gente do quilate de Berry Gordy (chefão da gravadora) e Stevie Wonder, além de um punhado de versões de clássicos de outros grupos (por exemplo, as ótimas “People Make The World Go Round”, dos Stylistics, e “My Girl”, dos Temptations), fazem deste um dos mais abrangentes discos de Michael Jackson em termos criativos. A inocência dos vocais de Jacko em interpretações belíssimas – ouça “Everybody’s Somebody’s Fool” e tente não se emocionar – são o ponto alto desse clássico do pop interplanetário. Soul açucarado e perfeito para sessões românticas muito bem acompanhadas. 92
CONCEBIDOS DE FORMA QUASE SIMULTÂNEA, os LPs
lançados pelo então adolescente Michael Jackson e pelo já maduro Jorge Ben em 1972 são hoje clássicos da música pop negra em seus países de origem – e, no caso de Michael Jackson, em todo o planeta Terra. O elemento comum mais óbvio entre ambos é o nome, mas há também uma série de similaridades (e diferenças!) entre os discos e as próprias carreiras dos artistas. Confira.
OBRASPRIMAS DUAS VEZES BEN POR PEDRO PINHEL
2PEDRO PINHEL FAZ O RADIOLA URBANA E O BLOG ORIGINAL PINHEIROS STYLE.
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JA M E S B ROW N . HE L L (P O LY D O R , 1974) Muito pode se debater quando o assunto é a obra do mestre James Brown, e dizer que Hell é o último lampejo de genialidade do Godfather poderá causar a ira de centenas de equipes de som e puristas de todo o planeta Terra e região, mas o fato é que a produção de JB perdeu muita consistência após 74 – ano que marcou ainda o lançamento do ótimo Reality. Concebido como um álbum duplo, o disco é visto por muitos como o auge do período mais criativo da carreira do Ministro do Super Heavy Funk. Cada faixa aqui começa com o soar de um gongo, ao melhor estilo kung-fu, e o carro-chefe de Hell é a sampleadíssima “Papa Don’t Take No Mess”, uma pérola do jazz-funk que vale cada um de seus treze minutos de execução. As belíssimas “These Foolish Things”, “A Man Has To Go Back To The Crossroards” e “Sometime” fazem parte do catálogo das melhores baladas de James Brown – um hábito muito comum à época, em que um dos lados do LP era inteiramente composto por canções ao melhor estilo mela-cueca. Hell é também um microcosmo de tudo o que se tentou produzir nos EUA, e em todo o mundo, em termos de música funk de altíssima qualidade, definindo o padrão de produção do gênero a partir de então. O legado da fase áurea da produção funk de James Brown é incomparável na história da música contemporânea. Após um período de produções menos impactantes durante a segunda metade da década de 70, muito em função da chegada da disco music e da substituição gradual de bandas como The J.B.’s por sintetizadores e drum machines, The Hardest Working Man In Showbiz iria ainda ressurgir do inferno na metade da década seguinte com o clássico Living In America, mas aí nós descambaríamos para Rocky IV e você perderia o fio da meada.
Jorge Ben . Ben (PHILIPS, 1972) Produzido pela nossa Motown, a folclórica Philips, responsável por excelentes lançamentos no início da década de 70, Ben marca um dos pontos altos da carreira do alquimista dos ritmos. Misturando o melhor do soul norte-americano e do samba tupiniquim de forma absolutamente autoral, Jorge Ben conseguiu transformar seu violão em uma orquestra capaz de fazer frente aos Funk Brothers em termos rítmicos. O soul de faixas como “Que Nega É Essa” se mistura ao esoterismo funk-psicodélico de clássicos como “Fio Maravilha” (apresentado em sua primeiríssima versão!), sua ode ao então ídolo do Flamengo. A marcação do violão de JB serve como o fio condutor deste caldeirão de ritmos que caracteriza o pop brasileiro como poucos artistas nacionais foram capazes de fazer antes – e isso vale até os dias de hoje, obviamente. Até a irritante “Taj Mahal”, executada à exaustão em batizados, festas de quinze anos e formaturas, aparece por aqui em versão completamente palatável, cheia de cítaras, elementos indianos e…2violão, PEDRO é PINHEL claro. O FAZ talOsamba-rock, RADIOLA URBANA tão reE verenciadoOpela BLOG classe ORIGINAL média PINHEIROS paulistana, STYLE. está presente A PARTIR nas ótimas DESTA “Morre EDIÇÃO, o Burro”, ESCREVERÁ “Fica oSOBRE Homem” DOISe DISCOS “Paz e Arroz”. Ainda assim, APARENTADOS como no ENTRE caso de SI seu NESTA primo COLUNA. americano, Ben perde para outros clássicos da discografia de seu autor, como os lendários Força Bruta (70), A Tábua de Esmeralda (que seria lançado em 74), e África Brasil (em 76). Mas não se engane: trata-se de uma obra-prima do nosso Jorge. 93
+QUADRINHOS
STÊVZ
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4FLICKR.COM/STEVZ
RAFAEL SICA
4RAFAELSICA.ZIP.NET
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NIK NEVES
4NIKILUSTRADOR.COM
97
NIK NEVES
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1DISCOS
2VIOLINS 2THE ROOTS HOW I GOT OVER Def Jam 2010 Desde o início dos anos 90, a banda The Roots é um dos principais exemplos da evolução musical do hip-hop. Com uma formação jazzística liderada por Black Thought, responsável pelas letras, e Questlove, um dos melhores produtores de sua geração, o grupo é uma referência em um gênero que vem se mostrando desgastado. Desde 1999, porém, ano do já clássico Things Fall Apart, a banda não lançava um trabalho tão impactante como How I Got Over. Entre um e outro, vieram os bons Phrenology (2002) e The Tipping Point (2004) e os medianos Game Theory (2006) e Rising Down (2008), mais centrados na mensagem crítica ao governo americano do que na música em si. Agora, com o fim da era Bush, a banda se concentrou novamente na música, mas sem esquecer seu lado crítico. Outra mudança importante é o fato de o Roots ser, desde o ano passado, a banda residente do talk show de Jimmy Fallon, na NBC. Isso causou certa apreensão entre os fãs, que temiam a falta de tempo para um novo trabalho. Mas o que aconteceu foi o contrário. Passar a semana tocando e criando com artistas de diversas cenas fez o grupo evoluir. How I Got Over incorpora cada vez mais elementos de outros estilos, principalmente do folk, do indie rock e do gospel: climas melancólicos, mensagens reflexivas e produções densas. Apesar de não ser o trabalho mais pop da banda, o álbum deve satisfazer um público que não se interessa pelo hip-hop. As parcerias das novas músicas foram fundamentais para isso, a começar pela faixa de abertura, “A Peace Of Light”, cujo vocal é comandado pelo trio Amber Coffman, Angel Deradoorian e Haley Dekle, do Dirty Projectors. Outras versões que se destacam são a excelente “Right On”, que sampleia “The Book Of Right-ON”, da harpista e cantora Joanna Newsom, e “Doin’ It Again”, um upgrade de “Again”, de John Legend, que também participa na épica “The Fire”. Nomes como Phonte (Little Brother), Blu e crias da Filadélfia como Dice Raw, P.O.R.N. e Truck North colaboram nas rimas ao lado de Black Thought em pedradas como “Walk Alone”, “Radio Daze” e “The Day”, que traz também a cantora Patty Crash. How I Got Over ignora os clichês sobre fama, ego e mulheres, preferindo abordar temas mais existenciais: as adversidades da vida e a eterna luta para encontrar sentido no mundo em que vivemos. É possível dizer que o disco marca a transição de jovens adultos para sujeitos maduros de meia-idade. E não é difícil imaginar futuros produtores buscando inspiração nas batidas e nas ideias deste álbum, assim como James Brown e Curtis Mayfield foram revisitados por artistas do rap contemporâneo. E assim, The Roots mantém vivo seu papel de vanguarda. 3POR DANIEL TAMENPI 98
GREVE DAS NAVALHAS Monstro Discos 2010 Depois da desilusão romântica de Aurora Prisma (2003), do cinismo insolente de Grandes Infiéis (2005), da ironia patética de Tribunal Surdo (2007), do sarcasmo religioso de A Redenção dos Corpos (2008), e de renunciar às guitarras e ao nome que o consagrou no circuito independente nacional, num projeto precocemente abortado (batizado como Agravo), o Violins voltou à vida, depois de morto e enterrado por quase um ano inteiro. Em Greve das Navalhas, quinto disco da banda, o vocalista, guitarrista e principal compositor do quarteto, Beto Cupertino, moveu o foco do apocalipse místico de A Redenção dos Corpos, dando lugar a um apocalipse mais natural e humano (“Tudo está melhor agora/ Que o mundo acabou lá fora/ E a gente vai poder reinventar a roda.”). Ao mesmo tempo em que experimenta novos limites líricos, apertando rimas tortas numa métrica formal, Cupertino também carrega nas guitarras distorcidas (mas sem desprezar o requinte das melodias) e ensaia alguns poucos ataques de agressividade “clássica”, em refrões berrados que endereçam referências aos Deftones, numa espécie de conexão improvável com a calamidade pós-moderna descrita elegantemente num tom perdido entre o escárnio e a esperança, encoberta pela sombra sutil e perturbadora de um corrosivo humor negro. Greve das Navalhas marca o retorno de uma das bandas mais relevantes do novo rock goiano, ainda tão comprometida com a intensidade de melodias e compassos quanto com a qualidade literária de suas pequenas epopeias catastróficas. 3POR HÍGOR COUTINHO
2PENÍNSULA 2BURZUM BELUS Somber Music 2010 O Burzum é o projeto musical de Varg Vikernes – norueguês que toca todos os instrumentos, escreve todas as letras e compõe todas as músicas de seus discos –, mais conhecido pelas polêmicas do que pela produção artística. Em 1993, ele assassinou a facadas o líder da banda de black metal Mayhem e foi condenado a 21 anos de prisão. Mesmo preso, continuou produzindo discos, mas em 1999 decidiu abandonar a carreira. Ficou em silêncio por uma década, até o ano passado, quando anunciou sua volta com Belus, lançado em 2010, ano em que foi solto em liberdade condicional. Deixando a polêmica de lado e se concentrando na música, o que temos é um ótimo disco de metal, que não se prende às velhas fórmulas do gênero. Se nos últimos álbuns o Burzum flertava cada vez mais com a música ambiente, Belus marca a volta da agressividade dos primeiros discos. A bateria no estilo metranca e os vocais guturais estão presentes, mas sempre acompanhados de certos elementos experimentais, que elevam as canções a outro patamar. Riffs de guitarras simples mas poderosos, sempre carregados de distorção, se repetem em loop por diversos minutos, deixando o ouvinte numa espécie de transe. As linhas de baixo melódicas também abusam da repetição. Varg declarou em entrevista recente que, se conseguir fazer o ouvinte sonhar ao ouvir esse álbum, fez um bom trabalho. Com o metal pesado transformado em uma música ambiente de certa forma até agradável, não fica difícil pegar no sono durante uma audição mais profunda e ter os mais belos sonhos – ou pesadelos. 3POR GILBERTO CUSTODIO
FERNANDES MALTA Cloud Chapel 2010 O Península Fernandes não é uma banda ou um pseudônimo: é uma entidade sônica, um pressuposto atonal. Com três EPs temáticos já lançados, incluindo o mais recente Tá Logo Aí, sobre a Copa do Mundo, o projeto de noise do baixista dos Telepatas Daniel Monteiro se transforma em uma sucessão de platôs sonoros e terrorismos aurais dispostos sem muita cerimônia em nove faixas, que vão da construção em camadas da abertura “Petencostes” ao incômodo minimalismo de “Tel Aviv Allegro”. O disco não é nada confortável ou palatável, mas não deixa de ser fascinante. É fácil imaginar um paralelo entre os momentos mais caóticos de Malta e os desencontros urbanos de São Paulo, especialmente em uma faixa como “Do 16 ao 18 (Flui Bem)”, montada a partir de boletins radiofônicos de trânsito aleatórios, algo tão cotidiano na cidade que só volta a parecer estranho quando isolado de seu contexto inicial. Por outro lado, o disco encontra um componente bem-humorado em momentos como “Divertimento Gostoso”, em que a voz de Daniel, distorcida, aparece ironicamente declarando que “Península Fernandes é para relaxar”. Ele mesmo já definiu o projeto como “música pop de baixos recursos” e já foi comparado a Joy Orbinson e a Dan Deacon. Faz todo o sentido – descontração tensa e contraponto para um mundo onde o mp3 player levou a música de elevador para todo o cotidiano. 3POR AMAURI STAMBOROSKI JR.
2BLUNDETTO BAD BAD THINGS Heavenly Sweetness 2010 Nascido em Dijon, na França, e baterista por formação, Max Guiguet se tornou produtor quando mudou para um quarto em Paris onde não podia fazer barulho. Para suprir suas necessidades musicais, comprou uma MPC2000 e se viciou no equipamento, produzindo várias demo tapes sob a alcunha de Blundetto. Começou a traçar sua estreia lançando uma versão regueira do clássico jazz/funk “Nautilus”, de Bob James, que se tornou um hit nos sound systems de toda a Europa, dando a ele certa notoriedade e lhe permitindo fazer o disco da forma como queria. Com os contatos certos, cercou-se de um time de músicos de dar inveja e gravou um dos trabalhos mais interessantes do ano. Bad Bad Things tem como carro-chefe o reggae e o dub, que se misturam a elementos do jazz, funk, soul e downtempo em tracks que não saem da cabeça depois de ouvidas. Dentre os muitos convidados, Shawn Lee é quem mais se destaca, marcando presença na faixa “Ken Park”, que conta também com Tommy Guerrero, além de tocar bateria em “Nautilus” e dividir os holofotes em “La Carretilla” com a Budos Band, cujos metais preciosos protagonizam também a pesada “Mustang”. Outros destaques são a belíssima voz da cantora Hindi Zahra nas relaxantes “Voices” e “White Birds”, e o produtor francês General Elektriks, parceiro de Blundetto nas faixas “Party Animals” e “Sunset Stroll”. O disco conta ainda com as participações de Chico Man, na latina “Mi Condena”, e do rapper Lateef, em “My One Girl”. Ao contrário do título, Bad Bad Things é uma das melhores coisas que aconteceram na música em 2010. Um prazer para os ouvidos a cada audição. 3POR DANIEL TAMENPI 99
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2TULIPA RUIZ
2MECHANICS
EFÊMERA YB Music 2010
12 ARCANOS Monstro Discos 2010
Dizer que não gostou do álbum de estreia de Tulipa Ruiz, Efêmera, é quase uma ofensa ao bom senso. Fluido e sedutor, o trabalho é um périplo contemplativo e descompromissado pelo universo feminino da artista, no qual não há tempo para as exigências dos protocolos cotidianos. Fico tentado a qualificar o trabalho como essencialmente escapista, mas isso parece mais artifício do que proposta. Fatos concretos mesmo são as onze faixas do disco, cujo roteiro açucarado conduz do início ao fim a um dos trabalhos musicais mais bem resolvidos de 2010. Vital como o ar, o disco pode encontrar nessa mesma qualidade uma barreira intransponível: quantas vezes reparamos no ar e nos damos conta de sua importância fundamental? Tanto descompromisso pode ser confundido com banalidade pura e simples. Em “Do Amor”, por exemplo, a voz cativante de Tulipa conta a história de um amor descomplicado, com tempo próprio, “como uma história que inventa seu fim”, culminando nos versos finais “olho no olho/ e flor no jardim/ Flor, amor/ Vento devagar/ vem, vai, vem mais”. Bucólica e romântica, Tulipa nega com graça ímpar a lógica massacrante de um grande centro, encerrando o tema despojado com a sentença “Quero inventar um você para mim”. Tais elementos trabalham a favor de um anacrônico desbunde, nos transportando para alguma época anterior à nossa vida-vivida, com “bordados de chita filó” e um garoto que anda descalço e faz da vida o que sonha. Se em “Brocal Dourado”, “A Ordem Das Árvores” e “Pedrinho” essas características trabalham mais a favor de um kitsch caretão típico do cancioneiro radiofônico oitentista, há momentos mais interessantes e igualmente radiofônicos em “Do Amor” e “Só Sei Dançar Com Você”, além da faixa-título. Há quem busque familiaridade com o vanguardismo de um Itamar Assumpção no trabalho de Tulipa – talvez em razão de seu pai, Luiz Chagas, ter tocado com ele –, mas a equação aqui é mais simples e pende a um sabor passadista, à moda da Gal Costa pós anos 70 e para o bom humor de uma Rita Lee no auge de sua popularidade. Tulipa é decididamente mais “comunicativa e ensolarada”, para emprestar dois adjetivos usados por Pedro Alexandre Sanches, e uma pequena porção de supostos equívocos podem não ser suficientes para minar o promissor trabalho da cantora/compositora que parece brincar de forma consciente com o “efêmero” de se projetar no pop. Em sua quase totalidade, Efêmera é um trabalho feminino, contemplativo, desacelerado, descomplicado. Pode até vir a se confirmar como passageiro, mas é desde já cativante (e incomum), por agrupar um conjunto de músicas perfeitas para acalmar, tranquilizar, descansar, repousar, pensar e parar de pensar. 3POR ARTHUR DANTAS 100
Três anos após o ousado Música Para Antropomorfos (projeto que incluía um livro em parceria com o quadrinista Fábio Zimbres), o Mechanics apresenta seu novo álbum, o soturno 12 ARCANOS, e consegue novamente surpreender. A começar pelo idioma: em 15 anos de banda, foi a primeira vez que os goianos compuseram e gravaram um disco inteiro em português – e sem dar a impressão de algo forçado. Pelo contrário, as letras atendem às necessidades dos temas abordados, além de casar com a sonoridade intensa da banda, uma mistura de Nirvana com Kyuss, no melhor estilo Melvins. Em 12 faixas (que são na verdade “cartas”) e um bônus, ora o grunge e o stoner se fundem, ora caminham separadamente. A novidade fica por conta dos temas, inspirados no tarô de Marselha. Márcio Jr., vocalista da banda, é quem explica: “O tarô não é necessariamente místico, mas simbólico. O que me interessa é o poder imagético das coisas”. Sendo assim, mais uma vez a banda buscou um diálogo com outra expressão artística, ao convidar o artista Lauro Robertoum, um dos nomes mais talentosos e ativos dos fanzines nacionais nos anos 90, para ilustrar as cartas de tarô que fazem parte da arte do CD. “Quando fui escrever as letras, logo pensei na arte do Lauro. Ele seria o único capaz de traduzir graficamente a densidade psicológica e a tensão emocional que eu buscava”, contou Márcio. O resultado é um álbum poderoso, talvez justamente por ser menos ousado que o anterior, no qual a atenção era dividida com o livro, e deixar a música ocupar o lugar central. 3POR MARCELO VIEGAS
101
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2KARINA BUHR
2ONRA LONG DISTANCE All City 2010
MALTA Eu Menti Pra Você 2010 Escapando à tradição, Karina Buhr inaugura sua carreira solo longe do regionalismo aberto que orientou sua trajetória à frente do Comadre Fulozinha. Mas, aparentemente, o caso é menos de negação que de libertação estilística, e um breve perfume nordestino ainda se faz presente em alguns dos melhores momentos de Eu Menti Pra Você. Em meio a batidas incomuns, a cantora pavimenta uma via de mão dupla entre intenções vanguardistas e uma arrojada veia pop, ora jogando uma luz feminina e pós-moderna sobre aquela cadência invertebrada da escola de Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé (“Telephonen” e “Soldat”), ora experimentando o cruzamento de conceitos contemporâneos (“Ciranda do Incentivo” trata a polêmica das leis de incentivo à cultura sob o batidão iconoclasta do funk carioca), ora sinalizando certa inclinação latina (em “Solo de água Fervente”, o embalo sensual da salsa surpreende o tema numa síncope inesperada saborosa), e ainda reivindica seu direito ao ócio, no reggae rasteiro “Plástico Bolha”, onde procrastina, manhosa: “Hoje eu não tô a fim de corre-corre e confusão/ Eu quero passar a tarde estourando plástico bolha.” Em sintonia com sua geração, que aprendeu a desrespeitar o passado em nome de sua própria personalidade contemporânea e assumir o pop como uma influência tão (ou mais) importante que o cânone sagrado da MPB, Karina Buhr se equilibra habilmente entre o antes e o depois, reproduzindo em Eu Menti Pra Você a virtude combinada de cada um dos dois. 3POR HÍGOR COUTINHO
Com o disco Chinoiseries, em que sampleou musicas vietnamitas e chinesas, criando pedras de alto valor sonoro, o produtor francês Onra tornou-se um dos preferidos da casa. Depois disso, o álbum 1.0.8 pareceu uma continuação de sua obra-prima inicial, também sampleando raridades da música oriental. Long Distance, seu disco novo, trouxe uma responsabilidade grande: não se repetir. Em entrevistas, o produtor disse que considera Long Distance seu primeiro álbum e trata os anteriores como beat tapes. Como de praxe, o produtor trabalha sobre um conceito. O novo trabalho é focado na sonoridade da década de 80, com o funk timbrado eletronicamente, a disco music, o r&b, o nascimento da música eletrônica e do hip-hop como panos de fundo. É um disco club, com atmosfera de pista. E o êxito é grande. Onra se reinventa com faixas complexas em elementos criando ótimas trilhas. Músicas como “Send Me Your Love”, “Mechanical” “Oper8tor”, “Sitting Back” e “My Comet” comprovam sua maestria em beats instrumentais. É feliz também nas músicas com participações vocais que incluem nomes como T3, do Slum Village e os cantores Reggie B e Oliver DaySoul. “Long Distance” é uma espécie de encontro entre J. Dilla e Daft Punk, com grande resultado. O disco sai pelo selo All City, que vem desde 2009 lançando novidades de bom gosto como Hudson Mohawke, Devonwho, Dimlite, entre outros.
3POR DANIEL TAMENPI
2SPACE INVADAS SOUL:FI Invada 2010 Space Invadas é o novo projeto do cascudo Steve Spacek, cantor inglês que tem parcerias marcantes com Q-Tip, Common, Mos Def e, principalmente, J. Dilla. Atualmente morando em Sydney, na Austrália, Spacek juntou-se ao produtor Katalyst, que, além de beats, comanda o selo Invada ao lado de Geoff Barrow, do Portishead, lançando nomes australianos de peso como Fdel e Flow Dynamics. A parceria começou ainda em 2009, com diversos singles, oferecendo um trailer do que estaria por vir. Os singles conquistaram elogios rasgados de gente como Mark Ronson, Gilles Peterson e Benji B. Agora, chega o álbum de estreia, Soul:Fi, para comprovar todo o alarde feito em cima da dupla. O resultado é excelente! Steve Spacek é um artista em constante evolução. Foi assim com sua banda Spacek nos anos 90 e com seus discos solo. Seu estilo mostra o que há de mais original dentro do soul atual – produções modernas e futuristas com influências de jazz, funk e eletrônico, com o hip-hop sempre presente. Seu timbre vocal é único e, misturado a efeitos, cria um clima espacial, uma verdadeira viagem sonora. Katalyst se adequou de uma maneira perfeita a todo esse talento, produzindo um dos melhores trabalhos da carreira de Steve Spacek. O disco ainda tem ótimas participações, como a do americano Dank (metade da dupla de Detroit Frank-N-Dank) e a do integrante do Athletic Mic League, Buff 1, além de novos nomes da Austrália como a cantora Jade McRae e o MC RU C-L. As dezessete faixas que compõem o álbum, entre músicas e skits, trazem um conceito de vanguarda, mostrando a direção que o eletro-soul deveria seguir nas próximas décadas.
3POR DANIEL TAMENPI 102
1LIVROS
2GUIBERT, LEFÈVRE E 2WARREN ELLIS E JOHN CASSADAY ABSOLUTE PLANETARY VOLS. 1 E 2 Wildstorm 2010 Se a música de Danger Mouse ou Girl Talk fosse transformada em quadrinhos, o resultado seria algo como Planetary. Publicado originalmente pela DC/Wildstorm a partir de 1999 como um gibi mensal, este épico em 27 partes é uma colagem de arquétipos e analogias em uma espécie de mixtape em formato HQ. A história gira em torno de três “arqueólogos do impossível” e sua descoberta da “história secreta do século XX”. Resumindo, o figurão da ficção científica Warren Ellis e o artista John Cassaday fizeram uma abordagem revisionista (e muitas vezes perturbadora) dos aventureiros da era de ouro das décadas passadas, reposicionando mitologias em uma linha do tempo alternativa repleta de espaçonaves e capas manchadas de sangue. Em todas as edições você encontrará uma pitada de Tarzan, meio quilo de Quarteto Fantástico e uma tonelada de revistas pulp dos anos 50 misturadas no mesmo balaio, fermentando uma conspiração que demorou dez anos para ser concluída. O material é complexo, desafiador e estranhamente gratificante, com referências escondidas por toda parte. A série completa acaba de ser lançada em dois livros enormes de capa dura – e está melhor do que nunca. O lançamento dos gibis foi interrompido por atrasos, mas agora a história pode ser lida em todos os seus detalhes. É difícil fazer uma descrição à altura dos momentos de genialidade doentia presentes na HQ, que incluem criações surreais como um cérebro mecânico que processa universos em rotação; campos de concentração da Guerra Fria para crimes contra a experimentação científica; um HD metafísico repleto de fantasmas de lutadores de kung fu; um planeta mortífero composto apenas de ficção; a rocha de Uluru como um deus adormecido. Sim, nós também ficamos boquiabertos. 3POR SEAN EDGAR
LEMERCIER O FOTÓGRAFO – UMA HISTÓRIA NO AFEGANISTÃO (VOL. 3) Conrad 2010 O conflito dos EUA contra os talibãs no Afeganistão é um dos temas mais delicados da geopolítica mundial do século XXI. O que nem todos sabem, porém, é que esse conflito tem raízes profundas, que remontam ao ano de 1979. Naquele ano, a então URSS iniciou sua invasão ao país, no que foi um dos momentos mais tensos da Guerra Fria. A investida resultou na fragmentação do Afeganistão, que testemunhou o nascimento de uma resistência radical armada, patrocinada por Washington. Após 10 anos, os mujahidin, soldados dessa resistência, conseguiram expulsar os soviéticos, mas deixaram uma herança nefasta: a milícia talibã. A saga de O Fotógrafo se passa em 1987, fase final da invasão russa. Na trilogia, quadrinhos se unem a belas fotos em preto-e-branco para contar a história do fotógrafo francês Didier Lefèvre, que acompanha uma missão dos Médicos Sem Fronteiras pelo país. Neste terceiro tomo – que também pode ser lido separadamente –, Lefèvre narra seu retorno à França, após a separação do grupo da MSF. E o fato de ele realizar a jornada sozinho faz toda a diferença: sem a mediação experiente dos médicos, o fotógrafo se torna protagonista de uma travessia sempre à beira da tragédia. À medida que se aproxima da fronteira com o Paquistão, seus obstáculos se tornam cada vez piores: guias com péssimas intenções, autoridades corruptas, violência, doenças. O ponto alto do pesadelo é a aterrorizante cruzada do Desfiladeiro Kalotac, que o fotógrafo faz sozinho, de madrugada, sob um frio abaixo de zero. Indispensável a quem se interessa pelo mundo em que vive e irresistível a quem gosta de emoções fortes, O Fotógrafo é um livro único. 3POR MATEUS POTUMATI 103
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1JOGOS
2PAULO RAMOS BIENVENIDO – UM PASSEIO PELOS QUADRINHOS ARGENTINOS Zarabatana Books 2010 Alterando um pouco um famoso dito portenho, se a música é definitivamente domínio dos brasileiros, as histórias em quadrinhos são o território por excelência dos nossos hermanos. O livro do jornalista e professor Paulo Ramos é a introdução perfeita ao assunto para o público geral, uma obra de fácil leitura que apresenta os principais autores e como se desenvolveu o mercado das HQs por lá: a forte influência europeia, evidenciada pela temporada de Hugo Pratt no país, e a presença marcante da ficção científica e da aventura como plataformas para discussão da realidade imediata. Se por aqui conhecemos bem Mafalda, Maitena e um pouco do humor gráfico de Fontanarossa e Liniers, é possível dizer que, ainda assim, estamos longe de compreender como um todo a produção argentina, e o que desconhecemos talvez seja o que eles tenham de melhor: Sherlock Time, Ernie Pike, Mort Cinder, Isidoro, Alack Sinner, Perramus, Fulú e sobretudo El Eternauta – tida como uma das cem obras mais importantes do país em qualquer gênero literário, que narra a invasão de Buenos Aires por alienígenas e a resistência humana, numa parábola inigualável que incomodou a ditadura militar local. Além do bom apanhado de obras fundamentais, Ramos acrescenta ainda capítulos excelentes falando a respeito do parco intercâmbio entre Brasil e Argentina e da influência de quadrinistas argentinos em nosso bom quadrinho de terror dos anos 60 e 70. Um respeitável mundo novo de ficção a ser explorado. 3POR ARTHUR DANTAS
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2RED DEAD REDEMPTION Rockstar 2010 Não sei se a molecada de hoje ainda tem no Velho Oeste um cenário para aventuras imaginárias, mas eu sempre sonhei em ser o Clint Eastwood de Sergio Leone. Em Red Dead Redemption – para Xbox 360 e PS3 –, o protagonista se chama John Marston, mas as semelhanças com Clint não são mera coincidência. O jogo é, até certo ponto, uma transposição da violência urbana de GTA IV para o Oeste Selvagem. Porém, as diferenças são tão marcantes que o fato de os dois jogos terem a mesma dinâmica só acrescenta mais atrativos a RDR. Uma das particularidades do game é a mecânica “Dead Eye”, que permite a Marston disparar várias vezes contra seus inimigos com precisão incrível (e em câmera lenta). A física realista dá um toque extra, diferenciando o impacto de cada arma e as reações dos inimigos ao serem baleados. Já na apresentação cinematográfica, na qual as conversas dos passageiros de uma maria-fumaça inserem o jogador no mundo do Velho Oeste, fica claro que estamos diante de um forte candidato a jogo do ano. Red Dead Redemption é uma jornada de vingança, ódio e redenção, com todos os elementos do faroeste clássico, mas em estética spaghetti, com mais humor e menos moralismo. Nele, Marston é um fora-da-lei redimido que é obrigado por uma espécie de “pré-FBI” e eliminar sua antiga quadrilha. O jogo possui um mapa imenso e inóspito, mas em cuja vastidão raramente se fica sozinho. Diligências, carroças e cavaleiros percorrem as estradas, e a vida selvagem é abundante. Aliás, caçar e explorar o enorme cenário do jogo em busca de tesouros ou foragidos garante dinheiro e habilidades aprimoradas. Além das tradicionais missões, surgem histórias paralelas e tarefas aleatórias, como recuperar um cavalo roubado, salvar um inocente da forca ou uma prostituta de um cliente violento. E a vida em RDR não é feita apenas de aventuras e tiroteios. Há várias atividades para ocupar o tempo, como se dedicar à jogatina, encher a cara em algum saloon ou domar cavalos selvagens. São minigames rápidos, divertidos e não obrigatórios, que ajudam a inserir o jogador no universo do jogo. Ao longo de sua jornada, Marston vai percorrer desertos, pradarias, pântanos e cidades, passando por fazendas, inferninhos, revoluções e a inevitável morte desse período tão particular da história. O modo multiplayer ainda é um tanto rudimentar, mas tem como diferencial o “Free Roam”, no qual se pode cavalgar livremente, formar quadrilhas com até oito integrantes, realizar missões ou optar por outros jogos. Claro que nem tudo são flores. Assim como em outros games da Rockstar, alguns bugs – como personagens que surgem do nada ou ficam invisíveis por algum tempo – ainda acontecem, mas nada que atrapalhe essa incrível jornada por um lugar onde os fracos não tinham vez. 3POR RAFAEL ARGEMON
+ENDEREÇOS Carnegie Hall . carnegiehall.org CLAM . clamzimbo.com.br Comitê Club . comiteclub.com.br Converse . converseallstar.com Conexão Vivo . conexaovivo.com.br Element/Nixon . elementskateboards.com Galaxia . galaxia-platform.com af_anunciopintarSoma#19_lol01.pdf
Het Domien . hetdomein.nl
1
19/8/10
3:47 PM
MCD . mcdbrasil.net
+Soma . maissoma.com
Museu da Casa Brasileira . mcb.sp.gov.br
SST Records . sstrecords.com
Nikesportswear . nikesportswear.com
Sub Pop . subpop.com
One Foot Records . onefootrec.com
Supreme Skateboarding . supremeskateboarding.com
Pintar . pintar.com.br
Trama Virtual . tramavirtual.uol.com.br
RoadRunner Records . roadrunnerrecords.com
Universidade Federal de Uberlândia . ufu.br Volcom . volcom.com
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ARTE: BILLY ARGEL @ TRANSFER
P H O T O B Y: A T I L L A C H O P P A
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/ LUCAS XAPARRAL
BACKSIDE MELON
E L E M E N T S K AT E B O A R D S {C OM .BR } { FAC E B O O K . C O M / E L E M E N T S K AT E B O A R D S B R A S I L }107 @ E L E M E N T B R {T W I T T ER }