Corpo, Movimento e conhecimentos fisiológicos

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CORPO, MOVIMENTO E CONHECIMENTOS

FISIOLOGICOS Luciana Carletti

Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo

Educação Física

Licenciatura 1


C

orpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos é uma das disciplinas que se apropriaM dos saberes das áreas biológicas e fisiológicas para promover o conhecimento das minúcias do funcionamento do corpo humano ao movimentar-se. Adentraremos na última disciplina de estudo do organismo humano de nosso currículo vigente, mas esperamos convencê-los de que este não deve ser o término dos investimentos nessa área de estudo, pois o conhecimento da dinâmica fisiológica humana é certamente mais profundo e mutável do que imaginamos. Organizamos esta disciplina em quatro unidades. Na primeira estudaremos o metabolismo energético para o movimento, enfatizando os processos de transferência e mensuração da energia para a contração muscular. Em seguida será abordado o sistema neuromuscular e o controle do movimento, com destaque para a fisiologia da contração muscular. Na terceira unidade nos dedicaremos ao sistema cardiovascular no exercício, viabilizando a compreensão de respostas fisiológicas mensuráveis ao esforço, tais como pressão arterial e frequência cardíaca. Finalmente, vamos nos debruçar no estudo do sistema respiratório durante o esforço, interpretando variáveis ventilatórias e de troca gasosa. Como podem vislumbrar, há muito trabalho pela frente, mas a motivação em nos apropriar de novos saberes certamente será o nosso guia. Profª Luciana Carletti

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UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO Núcleo de Educação Aberta e a Distância

CORPO, MOVIMENTO E CONHECIMENTOS

FISIOLOGICOS

Luciana Carletti

Vitória 2011


Dilma Rousseff

Reitor Prof. Rubens Sergio Rasseli

Ministro da Educação Fernando Haddad

Vice-Reitor Prof. Reinaldo Centoducatte

Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky

Pró-Reitor de Graduação Prof. Sebastião Pimentel Franco

DED - Diretoria de Educação a Distância Sistema Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa

Diretor-Presidente do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Prof. Reinaldo Centoducatte

Presidente da República

Diretora Administrativa do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Maria José Campos Rodrigues Coordenadora do Sistema Universidade Aberta do Brasil na Ufes Maria José Campos Rodrigues Diretor Pedagógico do ne@ad Julio Francelino Ferreira Filho

Diretor do Centro de Educação Física e Desporto Valter Bracht Coordenação do Curso de Educação Física EAD/UFES Fernanda Simone Lopes de Paiva Revisora de Conteúdo Silvana Ventorim Revisora de Linguagem Alina Bonella Design Gráfico LDI- Laboratório de Design Instrucional ne@ad Av. Fernando Ferrari, n.514 CEP 29075-910, Goiabeiras - Vitória - ES (27)4009-2208

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) C281c

Carletti, Luciana.    Corpo, movimento e conhecimentos fisiológicos / Luciana Carletti. - Vitória : UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2011. 66, [2] p. : il.    Inclui bibliografia.    ISBN:    1. Fisiologia humana. 2. Movimento. 3. Exercícios físicos - Aspectos fisiológicos. I. Título. CDU: 612.766.1:796

LDI coordenação Heliana Pacheco, Hugo Cristo e Ricardo Esteves

Ilustração Leonardo Trombetta Amaral e Gustavo Rodrigues

Gerência Isabela Avancini

Capa Gustavo Rodrigues

Editoração Thiago Dutra

Impressão GM Gráfica e Editora

A reprodução de imagens de obras em (nesta) obra tem o caráter pedagógico e cientifico, amparado pelos limites do direito de autor no art. 46 da Lei no. 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reprodução realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil. Copyright © 2010. Todos os direitos desta edição estão reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física, na modalidade a distância.


“Vivo em mim próprio como num trem em movimento. Não entrei nele por livre e espontânea vontade, não pude escolher e sequer conheço o local de destino. Um dia, num passado distante, acordei no meu compartimento e senti o movimento. Era excitante, escutei o barulho das rodas, pus a cabeça para fora da janela, senti o vento e me deliciei com a velocidade com que as coisas passavam por mim. Eu queria que o trem jamais interrompesse a sua viagem. De maneira nenhuma eu queria que ele parasse para sempre em algum lugar.”

Gregórius, personagem de Pascal Mercier no romance “Trem Noturno para Lisboa”, 2004.


UNIDADE 1 Metabolismo energético para o movimento humano

UNIDADE 2 O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano

UNIDADE 3 O sistema cardiovascular no exercício

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UNIDADE 4

CARTA AO ALUNO

O sistema respiratório no exercício

68 APÊNDICE A REFERÊNCIAS

66 GLOSSÁRIO

65 CONSIDERAÇÕES FINAIS

07 INTRODUÇÂO


MANUAL DO FASCÍCULO Para melhor aproveitamento dos recursos oferecidos pelo EAD nesta disciplina, seguem algumas orientações: 1- Ao final do fascículo, na página 66, disponibilizamos um glossário de termos que no decorrer da leitura dos capítulos aparecerão sinalizados na cor azul. 2- Observe também os ícones que aparecem ao lado do corpo de texto. Veja a seguir:

Conteúdos audiovisuais na plataforma - Este ícone sinaliza que um conteúdo audiovisual sobre o assunto abordado poderá ser visto na plataforma. Os conteúdos disponíveis por meio da plataforma constituem uma forma dinâmica e interativa de suporte ao conteúdo escrito e merecem sua atenção. Também estão disponíveis no Apêndice A, devidamente identificados segundo a página em que se encontram e acompanhados por um link que pode ser digitado no browser do seu navegador de internet para acesso direto. Sugestões de leitura - No decorrer do fascículo este ícone virá acompanhado de um número. Acesse cada sugestão de leitura pelo número correspondente na plataforma ou diretamente no browser do seu navegador de internet pelo link disponível no Apêndice B.


Queridos alunos e alunas, sejam todos bem–vindos aos estudos da disciplina “Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos”. Sou a professora Luciana, atualmente responsável pela mesma disciplina presencial do curso de Licenciatura em Educação Física da UFES. Sinto um enorme prazer em participar deste desafio de estudar os conhecimentos fisiológicos à distância, junto com vocês. Acredito no nosso potencial para avançarmos neste trajeto, e por isso cunhei um material diferenciado para atender as necessidades do curso à distância. Nesta disciplina estudaremos os fenômenos fisiológicos que ocorrem no corpo em movimento, desbravando as aventuras dos movimentos internos dos nossos sistemas fisiológicos – metabólico, neuromuscular, cardiovascular e respiratório. Pretendo conduzi-los ao desfrute desta interessante disciplina, focalizando tópicos básicos e atuais de estudo. Mas tudo isso só se tornará útil na formação de vocês se eu conseguir envolver-lhes na tradução destas informações em conhecimento aplicado. Imagino que o trajeto percorrido por muitos de vocês, na atuação com a área de Educação Física Escolar, já foi capaz de enriquecê-los com experiências acerca da resposta fisiológica do corpo em movimento. Por isso, esperamos continuar alimentando-os em suas curiosidades, bem como despertá-los para analisar com mais propriedade este foco. Compreender a produção do movimento e os fenômenos fisiológicos atrelados é um estudo bastante excitante! Portanto convido-os para iniciarmos a nossa jornada.

Um abraço apertado, Luciana Carletti


INTRODUÇÃO Iniciaremos os estudos dos fenômenos fisiológicos que ocorrem no corpo em movimento remetendo-os a pensarem na célula humana, por onde a vida começa. Vamos fazer a leitura da citação seguinte. A célula, ao adquirir a capacidade de se duplicar, tornou-se capaz de formar um ser humano com aproximadamente 10 trilhões de unidades celulares. Bryson (2006, p. 379), em seu livro Breve história de quase tudo, retrata brilhantemente a fisiologia celular quando sugere: Suas células são um país de 10 mil trilhões de cidadãos, cada um dedicado de forma intensivamente específica, ao seu bem-estar geral. Não há nada que elas não façam por você. Elas permitem que você sinta prazer e formule pensamentos. Graças a elas, você se levanta, se espreguiça ou dá cambalhotas. Quando você come, são as células que extraem os nutrientes, distribuem a energia e eliminam os resíduos [...], mas também se lembram de deixá-lo com fome, antes de mais nada, e o recompensam com uma sensação de bem-estar depois, de modo que você não esquecerá de comer novamente. Mantêm seus cabelos crescendo, seus ouvidos com cera, seu cérebro ronronando. Administram cada cantinho de seu ser. Virão em sua defesa no instante em que você estiver ameaçado. Não hesi-

tarão em morrer por você – bilhões delas fazem isso diariamente. E durante toda a sua vida você jamais agradeceu a uma delas que fosse. Dessa forma, percebemos que, pela capacidade funcional complexa dos organismos celulares, alcançamos a harmonia para o adequado funcionamento de nosso corpo, até mesmo em situações intensamente estressantes, como é o caso do exercício físico. Foss e Keteyian (1998) retratam essas adaptações com informações sobre a dinâmica cardiovascular durante exercícios de intensidade leve, moderada e máxima. Façam a leitura do parágrafo abaixo para auxiliar essa compreensão. Sabe-se que, quando executamos pequenos esforços como aqueles das tarefas cotidianas de deslocamentos, serviços domésticos, ou de lazer, ocorrem alterações na dinâmica do fluxo sanguíneo com elevações no fornecimento de sangue pela bomba cardíaca de 5.000ml/min em repouso para até cerca de 9.000ml/min, dadas as alterações substanciais de demandas energéticas do metabolismo humano. Agora, se pensarmos em atividades motoras de alto rendimento, como provas de corrida e natação, que são duradouras e extenuantes, o aporte sanguíneo exigido pode ser superior a 25.000ml/min! Ademais, os músculos em atividade, que são os principais consumidores dessa demanda aumentada, alteram o seu fluxo de 1.200ml/min, em repouso, para

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cerca de 22.000ml/min, no exercício máximo (FOSS; KETEYIAN, 1998). Todas essas modificações e tantas outras mais que ocorrem nos sistemas fisiológicos são possíveis, uma vez que a lógica dos organismos vivos é buscar a homeostase, ou seja, “[...] a capacidade de manter o meio interno relativamente estável” (SILVERTHORN, 2003, p. 6). Segundo a mesma autora, homeostase é um processo contínuo que envolve o monitoramento de múltiplos parâmetros, acompanhado da coordenação de repostas adequadas para minimizar quaisquer distúrbios. As modulações de fluxo sanguíneo anteriormente citadas configuram um processo de adaptações de homeostasia com características sistêmicas e propagadas com o intuito de prover os músculos esqueléticos com os nutrientes necessários para a realização de esforço físico. Vamos

pesquisar sobre homeostase apresentando

O interesse pela Fisiologia do Exercício surgiu principalmente na Grécia antiga e na Ásia Menor, porém a influência para a civilização ocidental veio dos médicos gregos da Antiguidade – Herodicus (5º século a.C.), Hipócrates (460377 a.C.) e Cláudio Galeno (131-201 d.C.). Os temas de interesse na época eram voltados à medicina preventiva, com ênfase na alimentação saudável, treinamento físico e medidas higiênicas nas quais se destacam as leis da saúde de Galeno que preconizavam benefícios da prática de exercícios físicos (McARDLE et al., 2003). Galeno dizia que as finalidades do exercício era garantir dureza aos órgãos, o que resultaria, de acordo com o entendimento da época, em benefícios individuais, como: maior força para as tarefas; metabolismo acelerado; melhor difusão de todas as substâncias, resultando daí que os sólidos são amolecidos, os líquidos diluídos e os ductos dilatados (McARDLE et al., 2003).

outros exemplos e discutindo sobre eles?

UM POUCO DE HISTÓRIA - Atualmente o estudo da Fisiologia se ampliou consideravelmente ao associar as técnicas de biologia celular e molecular. Tem sido possível compreender como os sinais químicos no corpo são recebidos e interpretados pelas células, e isso permite desvendar os mistérios de muitos processos. Porém, nem sempre tivemos o privilégio atual de dominar tantas técnicas de investigação, porque tudo que se produziu inicialmente nessa área se deve às observações de causa e efeito, bem como de intervenções com dissecação de animais.

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Se refletirmos sobre essas descobertas, vamos constatar que é notável a influência desses grandes estudiosos na Fisiologia do Exercício, mesmo que tenham se passado mais de mil e quinhentos anos!


METABOLISMO ENERGÉTICO PARA O MOVIMENTO HUMANO


UNIDADE

METABOLISMO ENERGÉTICO PARA O MOVIMENTO HUMANO

Ao observarmos crianças se movimentando com tanta “energia” durante suas horas de lazer, é comum mencionarmos: “Quanta energia tem esses pequenos!”. Então, podemos nos perguntar: “De onde vem tanta energia?”. Essas e tantas outras perguntas devem ser estudadas pelos profissionais de Educação Física, a fim de compreenderem com mais propriedade o metabolismo energético e sua importância para o funcionamento do corpo em movimento. Vamos começar nos fazendo alguns questionamentos: a) De onde provém a energia para a contração muscular e o funcionamento dos órgãos? b) Todos os movimentos humanos utilizam as mesmas fontes energéticas? c) Como é possível mensurar o gasto energético no movimento humano? Essas perguntas serão nosso direcionamento para nos aprofundarmos na compreensão do metabolismo energético durante o movimento humano.

INTRODUÇÃO A TRANFERÊNCIA DE ENERGIA  11

TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA PARA O MOVIMENTO HUMANO  13

MEDIDA DO CONSUMO DE ENERGIA HUMANA  18


INTRODUÇÃO A TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA De onde provém a energia? O movimento humano gera um trabalho biológico, nem sempre perceptível, mas que consome muita energia. Esse trabalho biológico pode ser de três tipos: Trabalho mecânico  traduzido pelo esforço da contração muscular, solicitado em todas as tarefas motoras, bem como para a contração dos músculos cardíaco e liso, que compõem as paredes musculares dos órgãos internos; Trabalho químico  dispêndio energético para a síntese de moléculas celulares. Para ilustrar esta via, podemos citar a conversão de moléculas de glicose em glicogênio, para servirem de estoques hepáticos e musculares; a síntese de triglicerídeos a partir dos ácidos graxos e glicerol, a fim de ser depositado no adipócito; e a formação de proteínas pelos aminoácidos, que irão catalisar inúmeras reações químicas no nosso organismo, ou servir como transportadores de moléculas no sangue e na célula; Trabalho de transporte  consiste no gasto de energia para transporte de substâncias de ambientes intra ou extracelulares nos quais a molécula se direciona contra um gradiente de concentração. Podemos ilustrar o transporte de sódio (Na+) para o meio extracelular e o de potássio (K+) para o meio intracelular, que são cruciais para manter o potencial de repouso da célula. A energia necessária para a realização de trabalho mecânico, químico e de transporte provém da molécula de ATP (trifosfato de adenosina). O ATP, que se encontra estocado especialmente nas células, possui moléculas de adenosina e ribose, bem como ligações entre fosfatos que concentram grande quantidade de energia. A presença da água (H2O) associada a uma enzima, ATPase, provoca a reação de hidrólise do ATP, liberando uma molécula de fosfato mais energia, formando o ADP (adenosina trifosfato). Veja o esquema da Figura 1.

UNIDADE 1 - Metabolismo energético para o movimento humano  | 11


Molécula de ATP Ligação de alta energia

ade P

rib

P

ade - adenosina rib - ribose Pi - fosfato inorgânico

P

ATP

Liberação de energia pelo ATP ATP

=

Adenosina

Energia

Pi

Adenosina

ATP

Energia

Pi

Pi

Pi

Pi

Pi

Pi

Energia

Pi

ATPase ADP

Figura 1  A molécula de ATP liberando energia

Adenosina

+ Pi +

Energia

O ATP não é encontrado na corrente sanguínea. Existe em pequenas quantidades nas células, por isso ele precisa ser constantemente ressintetizado. Diariamente, ressintetiza-se ATP correspondente a cerca de 75% da massa corporal Isso significa dizer que o organismo de uma criança de 15kg trabalha diariamente para ressintezar cerca de 11kg de ATP; ou que um adulto de 75kg ressintetizaria cerca de 56kg de ATP (McARDLE et al., 2003). Como não é possível estocar grandes quantidades de ATP nas células, o sistema energético humano funciona voltado a dois objetivos: 1  formar e conservar ATP; 2  utilizar a energia química do ATP para o trabalho biológico. Veja no esquema da Figura 2 o fornecimento de energia pelo ATP e o processo inverso de ressíntese de energia, demonstrado pela reação da direita para a esquerda, na qual o ADP sofre fosforilação. Figura 2  Hidrólise do ATP

Miosina

Nota: O ATP encontra a molécula de água, e mediante ação da enzima miosina ATPase, presente no músculo, sofre fracionamento em ADP e fornece energia para a movimentação dos músculos.

ATPase

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ATP +H2O

ADP + P(7,3 Kcal/mol)


Energia para ressíntese de ATP A formação da molécula de ATP necessita da energia proveniente dos alimentos, que serão digeridos e armazenados na forma de substratos energéticos. Os estoques de substratos são assim distribuídos no organismo:

Fosfatos de alta energia  ATP e Fosfocreatina (PC). Os estoques de ATP são de 3 a 8 mMol/kg de músculo, e os de PC são 4 a 5 vezes dos de ATP;

Carboidratos  glicose plasmática (15g), glicogênio hepático (110g)

Essa estimativa foi baseada num indi-

e muscular (250g);

víduo com peso corporal médio de 65kg e 12% de gordura corporal, conforme

Gorduras  reservas musculares (161g) e subcutâneas (7.800g).

Wilmore e Costill (2001).

TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA PARA O MOVIMENTO HUMANO A formação do ATP, a partir dos substratos energéticos disponíveis – fosfatos de alta energia, carboidratos, gorduras e proteínas – se dá por meio de processos bioquímicos complexos. Nessa etapa, vamos apenas apresentar uma síntese de alguns elementos importantes a serem recordados (Quadro 1), para que, em seguida, seja detalhado o metabolismo energético no movimento humano. Quadro 1 – Sistemas de fornecimento de energia Substratos

Via bioquímica

Potência máxima (moles de ATP/min)

Potência máxima (moles de ATP/min)

Energia imediata (ATP-PC)

ATP e PC (fosfagênios)

Anaeróbica alática

3,6

0,7

Energia de curta duração (anaeróbico lático)

Glicogênio e Glicose

Anaeróbica lática ou glicolítica

1,6

1,2

Energia de longa duração (aeróbico)

Glicogênio, ácidos graxos e proteínas

Aeróbica ou oxidativa

1,0*

90*

Sistema energético

*A partir da molécula do glicogênio

UNIDADE 1 - Metabolismo energético para o movimento humano  | 13


Todos os tipos de movimentos utilizam as mesmas fontes energéticas? Para analisar essa questão, vamos compreender o movimentar-se do ser humano na especificidade dos esportes e atividades lúdicas. Como vislumbrado no Quadro 1, existem três vias para ressíntese de ATP. A contribuição de cada uma dessas vias depende primariamente do requerimento de intensidade e duração do esforço físico realizado. Sendo assim, vamos fazer uma breve análise de cada uma dessas vias.

Sistema de Energia Imediata – ATP-PC Para realizar esforços intensos e de curtíssima duração, é preciso utilizar uma via energética de ressíntese de ATP que ofereça uma grande produção por minuto, mesmo que a capacidade total seja limitada. Essa via consiste na cisão anaeróbica da molécula de fosfocreatina (PC). Veja a reação esquematizada abaixo: CP

C + P = Energia

Figura 3  Sistema de energia imediata Nota: A fosfocreatina sofre cisão por ação da enzima creatina quinase, liberando energia da ligação fosfato (1). Essa energia será aproveitada pela célula para a ressíntese do ATP a partir da molécula de ADP (2). Finalmente, o ATP será disponibilizado para o processo de contração muscular (3).

ATP + H2O

ADP + P + Energia

Contração muscular

Assim que aumenta a disponibilidade de ATP, como é o caso do período de recuperação do esforço, a reação segue no sentido oposto, e a molécula de ATP é clivada para ressintetizar a fosfocreatina. Essa via de ressíntese é bastante rápida, mas de duração muito breve, alcançando seu potencial máximo de produção em cerca de dez segundos após a solicitação. Sendo assim, podemos exemplificar alguns tipos de atividades que predominam na utilização dessa via, tais como: 1  corridas de 100m, natação de 25m, levantamento de peso; 2  brincadeiras, como pular corda e amarelinha, e estafetas, desde que executadas por período breve.

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Faz-se necessário relatar que, nas transições de intensidades de esforço, como acontece em muitas modalidades esportivas, como futebol, vôlei, handebol, e na maioria das brincadeiras de crianças, o sistema ATP-CP é que garante a maior parte da transferência de energia. Para depletar os estoques intramusculares de fosfatos de alta energia (ATP-PC), é necessário: 1 minuto de caminhada; 20 a 30 segundos de corrida num ritmo de maratona; ou 5 a 8 segundos de corrida máxima?

Sistema de Energia de Curta Duração - Anaeróbico Lático Para que o exercício extenuante possa continuar após 10 a 15seg, o ATP deve ser ressintetizado por outra via com maior capacidade. Essa via, conhecida como anaeróbica lática ou glicolítica, é mais duradoura que a via alática, predominando a partir de 40seg de exercício e permanecendo como principal via de ressíntese de ATP até cerca de 2min a 3min. Como pode ser observado no Quadro 1, esse sistema de ressíntese de ATP apresenta capacidade e potência intermediárias, quando comparado com o sistema ATP-PC e com o sistema aeróbico. O único substrato energético metabolizado nesta via são os carboidratos, por isso é denominada via glicolítica. O esquema a seguir apresenta resumidamente o trajeto bioquímico deste sistema de ressíntese de ATP (Figura 4). Glicólise anaeróbica Glicose (6 carbonos)

Glicogênio

Divisão Glicose - 6 - fosfato (2 moléculas de 3 carbonos)

Cascata de reações Produto final

2 Ácido pirúvico + 2NADH + 2ATP Figura 4  Reação da glicólise anaeróbica

Ciclo de Krebs mitocôndrias

Ácido lático

Nota: Etapa citoplasmática de produção de energia com concomitante formação de ácido lático.

UNIDADE 1 - Metabolismo energético para o movimento humano  | 15


Observe que a molécula de glicose é fosforilada e clivada em duas moléculas de três carbonos cada uma que darão origem a duas moléculas de ácido pirúvico, que carregarão com elétrons (H) duas coenzimas nicotinamida-adenina dinucleotídeo (NAD+ → NADH) e formarão dois ATPs. Na ausência de oxigênio, que é o caso desta via, o ácido pirúvico se liga a dois íons hidrogênios do NADH, convertendo-se em ácido lático, com o auxílio da enzima desidrogenase lática. No sangue e nos músculos, o ácido lático se desvincula de um íon hidrogênio e se converte para lactato. O lactato produzido é prontamente oxidado pelas células musculares vizinhas com uma alta capacidade oxidativa, ou nos tecidos mais distantes, como o coração. Dessa forma, o acúmulo de lactato não se torna significativo nos exercícios de intensidade leve a moderada, uma vez que seu ritmo de produção se equilibra com a capacidade de remoção. Entretanto, nos esforços mais duradouros, a capacidade do organismo de oxidar o lactato é inferior à sua produção do mesmo. O acúmulo torna-se, então, significativo e impacta no nível de acidose muscular causando fadiga. As atividades de intensidade elevada e duração entre 40seg e 2min estão relacionadas com a alta produção de lactato, resultando, consequentemente, em fadiga muscular, como as corridas de 400m, as provas de 200m de nado livre, muitas brincadeiras infantis e atividades esportivas que se enquadram nas características de intensidade e duração requeridas por esse sistema de fornecimento de ATP.

Sistema de Energia de Longa Duração - Aeróbico A energia aeróbica é derivada de um espectro mais amplo de substratos energéticos – carboidratos, gorduras e proteínas. É considerada uma fonte de ressíntese de ATP ilimitada, dada a sua grande capacidade de produção. As demandas advindas do metabolismo de repouso são quase totalmente supridas pela via aeróbica. Nossos músculos respiratórios, os batimentos cardíacos, a sustentação da postura e o movimento dos

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órgãos internos são alguns exemplos do contínuo suprimento de energia solicitado por nosso organismo em repouso. Como observado no Quadro 1, a via aeróbica requer a presença de oxigênio para as suas reações catabólicas e possui velocidade de ressíntese de ATP bastante lenta. Os movimentos corporais que solicitam duração de esforço superior a 3min se enquadram nesta categoria, como provas de corrida 2 milhas (3km), nado livre de 1.500m e atividades contínuas de duração prolongada, como caminhada e ciclismo. As reações do metabolismo aeróbico são apresentadas na Figura 5, destacando alguns trajetos bioquímicos que ajudam os alunos na sequência do nosso estudo. Essa figura retrata as etapas metabólicas do fracionamento de gorduras, carboidratos e proteínas. A etapa anaeróbica da reação compõe todas as fases que antecedem o ciclo de Krebs. Observa-se que, a partir da molécula de glicose/glicogênio, é possível formar duas moléculas de ATP, com fracionamento incompleto da glicose. A partir da conversão do ácido pirúvico em acetil e da acoplagem da coenzima A, forma-se a acetil-coA que dará prosseguimento às reações de fracionamento da molécula de glicose. Esta etapa, composta do Ciclo de Krebs e cadeia de transporte de elétrons, é denominada fase aeróbica e acontece no interior da mitocôndria. GORDURAS

CARBOIDRATOS

PROTEÍNA

ácidos graxos + glicerol

Glicose/ glicogênio

aminoácidos

Figura 5  Vias metabólicas de fracionamento dos carboidratos, gorduras e proteínas

Liberação de CO2 Formação de 2 ATPs

GLICÓLISE

BETA OXIDAÇÃO

Carregamento do NAD e FAD com elétrons do hidrogênio

DESAMINAÇÂO

Piruvato Lactato

Oxalacetato

Ciclo de Krebs

Acetil-CoA

Formação de 2 ATPs na etapa anaeróbica da glicólise

UNIDADE 1 - Metabolismo energético para o movimento humano  | 17


1 Assista ao vídeo sobre o processo de ressíntese aeróbica do ATP e em seguida responda as questões postadas na plataforma Moodle.

Em síntese, até esta etapa de nossos estudos, compreendemos que a energia química dos alimentos é transferida para o nosso organismo a fim de ressintetizar moléculas de alta energia – o ATP. Aprendemos também que o consumo de energia é variável de acordo com a intensidade e duração do exercício e que a energia do nosso corpo, embora não seja estocável em quantidades suficientes para o nosso esforço diário, é continuamente reciclada por meio das vias metabólicas de ressíntese de ATP.

MEDIDA DO CONSUMO DE ENERGIA Como é possível mensurar o gasto energético no movimento Humano? Agora que entendemos um pouco mais das necessidades energéticas para o movimento humano, vamos aprender sobre as formas de avaliar o consumo energético. Sabe-se que todos os processos metabólicos humanos resultam em produção de calor. Portanto, a mensuração do calor produzido é utilizada para a determinação da taxa metabólica. A essa técnica denominamos calorimetria direta (Figura 6). Água fria

Isolamento

Calor

Saída de ar

Figura 6  Câmara de mensuração do metabolismo humano, por meio de calorimetria direta Nota: O calor produzido pelo corpo é transferido para o ar e para as paredes da câmara. Esse calor é mensurado pelo registro da alteração da temperatura no ar e na água que fluem em volta da parede da câmara.

Calor

Entrada de ar

Água aquecida

Absorvedor de CO2

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Suprimento de O2 Circuito de resfriamento


Outra medida laboratorial do metabolismo se baseia na premissa de que todas as reações que liberam energia no corpo dependem essencialmente da utilização de oxigênio. A mensuração do consumo de oxigênio de uma pessoa durante as atividades físicas fornece uma estimativa indireta, porém altamente precisa do dispêndio energético – calorimetria indireta (teste cardiopulmonar). O teste cardiopulmonar, aplicado num esforço progressivo, vem sendo uma boa alternativa na prática clínica para avaliação das condições do sistema cardiorrespiratório em fornecer oxigênio para as funções fisiológicas. Quando a mensuração da capacidade de produzir energia é aplicada para atividades duradouras, referimo-nos à medida da capacidade aeróbica, classificada pelo consumo máximo de oxigênio – VO2 máx. No entanto, a energia pode ser proveniente de reações rápidas e de grandes intensidades de esforço físico. Neste caso, dizemos que a mensuração é da capacidade anaeróbica – lática ou alática. Embora muito eficientes, os métodos laboratoriais de mensuração da capacidade energética humana são bastante onerosos e pouco acessíveis aos profissionais que atuam no campo da Educação Física Escolar. Contudo, conhecer e aplicar esses testes de medidas fisiológicas tornase importante aos profissionais da Educação Física, uma vez que eles lhes permitem apropriar-se de informações relacionadas com a aptidão física e melhorias nas condições físicas advindas do treinamento, que são necessárias para a utilização no âmbito educativo.

UNIDADE 1 - Metabolismo energético para o movimento humano  | 19


20 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos FisiolĂłgicos


O SISTEMA NEUROMUSCULAR E O CONTROLE DO MOVIMENTO HUMANO


UNIDADE

O SISTEMA NEUROMUSCULAR E O CONTROLE DO MOVIMENTO HUMANO

O estudo do controle do movimento humano é fascinante! Pense no emaranhado de conexões neuromusculares que envolve o controle motor durante uma partida de futebol. Enquanto o jogador se desloca no campo, ao mesmo tempo, é necessário dominar o movimento da bola, protegê-la da abordagem do adversário, manter a visão de seu posicionamento no campo e de seu alvo... Tudo isso somado ao som e à visão da multidão que esbraveja, do técnico que orienta... (grita!) Enfim, são múltiplas as informações sensoriais e as respostas motoras que dependem de aprendizagem e controle emocional. Vamos agora, então, adentrar por esse interessante campo de estudo, iniciando pelo (re)conhecimento das características morfológicas e funcionais dos músculos e do sistema nervoso. Vamos lá!

MÚSCULO ESQUELÉTICO: ESTRUTURA E FUNÇÃO  23

A TEORIA DOS FILAMENTOS DELIZANTES  26

CONTROLE NEUROMUSCULAR DO MOVIMENTO  27

CONTRAÇÃO MUSCULAR  29

TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES  31


MÚSCULO ESQUELÉTICO: ESTRUTURA E FUNÇÃO Como é organizado o tecido muscular? No fascículo de Corpo, Movimento e Conhecimentos Biológicos, vocês viram que existem três diferentes tipos de tecidos musculares com características morfológicas e fisiológicas diferenciadas: os músculos liso, cardíaco e esquelético. Neste capítulo, vamos abordar especialmente o músculo esquelético, uma vez que se trata do tecido muscular responsável pelo movimento locomotor humano. No entanto, destacamos que muitas informações que aqui serão tratadas servem de base para a compreensão da funcionalidade dos outros tipos musculares.

A constituição da fibra muscular A organização do tecido muscular pode ser compreendida melhor no detalhamento da Figura 7, na qual se observa um músculo em um corte transversal, recoberto externamente por um envoltório de tecido conjuntivo – epimísio; mais internamente veem-se feixes de fibras musculares envoltos pelo perimísio; e cada fibra muscular, por sua vez, é recoberta pelo endomísio. Essa organização interna do músculo garante a perfeita fixação do tecido muscular nas alavancas ósseas, pela formação dos tendões, e ainda favorece a contração do músculo esquelético em conjunto, visto que as fibras musculares que estão em contração arrastam as demais para o encurtamento, pois se encontram ancoradas umas às outras. Figura 7  Organização estrutural da fibra muscular

Epimísio Endomísio

Sarcômero

Feixe Muscular

Miofilamento

Fibra Muscular Perimísio

Miofibrila

Sarcolema

Músculo

UNIDADE 2 - O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano  | 23


Debaixo do endomísio e circundando cada fibra muscular, existe o sarcolema, que é constituído da membrana plasmática (plasmalema) estrutura responsável por envolver o conteúdo celular, permitindo o transporte seletivo de íons e substâncias para o interior e exterior da célula (Figura 7). Dessa forma, a fibra muscular conduz uma onda eletroquímica capaz de produzir a contração muscular, como veremos mais adiante. O interior aquoso da célula, denominado sarcoplasma, é composto de enzimas, íons, substratos energéticos, vesículas e uma organela importante no processo contrátil – o retículo sarcoplasmático. O retículo sarcoplasmático (RS), ilustrado na Figura 8, é essencial para o armazenamento e fornecimento de cálcio (Ca++), um íon crucial para disparar o processo de contração muscular. Essa organela encontra-se dilatada nas suas extremidades, formando as cisternas terminais, que interagem com o plasmalema na região dos túbulos transversos (túbulos “T”). Miofibrila

Sarcolema

Banda I

Banda A

Zona Z

Túbulo Transversal

Zona H Túbulos do retículo sarcoplasmático

Figura 8  O sistema de condução eletroquímica da fibra muscular Nota: Cada miofibrila possui retículos sarcoplasmáticos muito desenvolvidos que terminam em cisternas terminais, que interagem com invaginações do plasmalema (túbulos transversos)

Banda I

Zona Z

24 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos

Cisterna terminal do retículo sarcoplasmático


Cada fibra muscular é formada pela agregação de unidades funcionais menores, localizadas paralelamente ao eixo longitudinal da fibra – as miofibrilas (Figura 9) – que são constituídas principalmente por filamentos de proteínas motoras (85%) actina e miosina; e em sua menor parte, por proteínas estruturais ou proteínas modulatórias da contração muscular.

Figura 9   Esquema da estrutura microscópica do músculo Nota: Observa-se a fibra muscular extensivamente capilarizada e as miofibrilas, constituídas das proteínas contráteis actina e miosina, que formam os sarcômeros Tendão

As proteínas estruturais (nebulina, proteína C, proteína M, α-actinina, desmina e titina) mantêm a integridade do sarcômero; enquanto as proteínas modulatórias (troponina e tropomiosina) formam um complexo proteico que libera a interação entre a actina e miosina. As miofibrilas apresentam faixas claras e escuras, que conferem um aspecto estriado para o músculo. Na Figura 10, observa-se a menor unidade contrátil do músculo – o sarcômero que é delimitado por duas linhas “z” nas extremidades, formando as faixas “I” ou isotrópicas, constituídas de filamentos finos de actina, que apresentam coloração mais clara, e as faixas “A” ou anisotrópicas, formadas por filamentos grossos de miosina e actina, e com coloração escura. No centro do sarcômero na faixa “A”, encontra-se a zona “H”, que é uma região onde se concentra a parte filamentosa da miosina.

Músculo Membrana

Fibras musculares Capilares

Feixe de fibras Miofibrila

A compreensão da organização dos componentes da fibra muscular, das proteínas contráteis (actina e miosina), da existência de proteínas modulatórias (troponina e tropomiosina) e proteínas estruturais (nebulina, proteína C, proteína M, α-actinina, desmina e titina) certamente facilitará o entendimento do mecanismo de contração muscular, que é sem dúvida um evento fisiológico muito importante para o nosso aprofundamento acadêmico.

Sarcômero

Filamento grosso

Disco Z Filamento grosso (miosina) Filamento fino

Disco Z Figura 10   O sarcômero e sua organização estrutural em faixas claras e faixas escuras, dada pela distribuição das proteínas actina e miosina.

Cabeça de miosina

Molécula de actina Molécula de miosina

UNIDADE 2 - O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano  | 25


A TEORIA DOS FILAMENTOS DELIZANTES Como o músculo contrai? Muito bem! Agora que vocês leram com atenção o assunto anterior, e após analisarem com muito cuidado cada uma das figuras apresentadas, podemos nos concentrar em compreender o mecanismo da contração muscular. A teoria dos filamentos delizantes  Inicialmente, é necessário esclarecer que a explicação para o processo de contração muscular ainda é considerada uma teoria, uma vez que não há comprovações conclusivas para explicar o fenômeno. No entanto, as evidências que sustentam a teoria do “Modelo do filamento deslizante” proposto por Hugh e Andrew Huxley, na década de 1950, são consideráveis (SILVERTHORN et al., 2003). A teoria propõe que um músculo se encurta ou se alonga porque os filamentos espessos (miosina) e finos (actina) deslizam uns sobre os outros. As pontes cruzadas de miosina, que se fixam à actina, rodam e se separam ciclicamente dos filamentos de actina com a energia proveniente da hidrólise do ATP. Isso modifica o tamanho dentro das zonas e faixas do sarcômero, produzindo força ao nível da linha “z” (Figura 11). Faixa A Zona H

Linha Z

Repouso: comprimento do sarcômero = 4,0 μm

Filamento fino

Figura 11  Arranjo estrutural das proteínas motoras actina e miosina no repouso e em níveis diferentes de encurtamento muscular

26 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos

Filamento espesso

Contração: comprimento do sarcômero = 2,7 μm

Linha Z


CONTROLE NEUROMUSCULAR DO MOVIMENTO A inervação do músculo Agora que já entendemos o processo mecânico da contração muscular, precisamos compreender como é disparado o estímulo nervoso que permite a propagação de potencial elétrico no músculo (despolarização) para iniciar a contração muscular. O sistema nervoso é didaticamente dividido em sistema nervoso central (SNC), compreendendo as regiões protegidas pelo esqueleto da calota craniana e coluna vertebral (encéfalo e medula espinhal) e sistema nervoso periférico (SNP), no qual se incluem todos os nervos sensoriais ou aferentes, que levam informações sensitivas para o SNC; e os nervos motores ou eferentes, que executam as ordens do SNC, ou seja, levam informações motoras para a periferia do corpo (Figura 12). Cérebro

No sistema nervoso central, mais especificamente no córtex motor, é disparado um estímulo nervoso que trafega por um nervo motor até a unidade motora que, por sua vez, distribui para as diversas junções mioneurais ou placas motoras, que consistem no ramo de um nervo motor em conexão com uma única fibra muscular (Figura 13). A porção neural da placa motora e é constituída de vesículas sinápticas que armazenam o neurotransmissor acetilcolina, que irá interagir com receptores na fibra muscular, despolarizando-a (Figura 14).

Sistema nervoso central

Medula espinhal

Sistema nervoso periférico

Figura 12  Organização do sistema nervoso.

UNIDADE 2 - O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano  | 27


Córtex motor Cérebro

Córtex sensitivo

Medula espinhal

Nervo sensitivo Nervo motor

Pele

Figura 13  O trajeto sensitivo e motor cortical

Placa motora

Receptores sensitivos

Músculos

Nota: O córtex motor envia um estímulo através de um nervo motor para a unidade motora, e esta distribui para cada fibra muscular, através da placa motora ou junção neuromuscular

Vesículas sinápticas

Bulbo axônio

Figura 14  A placa motora (junção mioneural)

28 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos

Fenda sináptica

Neurotransmissores


A CONTRAÇÃO MUSCULAR Sequência de eventos da contração muscular Assim que o estímulo chega à placa motora, é liberado o neurotransmissor acetilcolina, que se encontra armazenado na porção terminal do nervo motor. A acetilcolina age em receptores de membrana na fibra muscular, abrindo canais iônicos de sódio (Na+), despolarizando a fibra, ao longo de toda a membrana, inclusive nos túbulos transversos. A mudança de voltagem interna da célula favorece a liberação de cálcio, armazenado no retículo sarcoplasmático, e a entrada de cálcio (Ca++) extracelular. Essa abrupta alteração na concentração intracelular de íons Ca++ estimula a proteína troponina, que possui um sítio de ligação para esse íon. A tropononina, que é ligada à tropomiosina, ao ser ativada, movimenta este complexo (troponina-tropomiosina) liberando o sítio de ligação da actina com a miosina, favorecendo a interação para a formação das pontes cruzadas (actina-miosina), que irão se movimentar, encurtando o músculo. Além da ativação das proteínas motoras, mediada pelo Ca++, outro elemento essencial para a contração muscular é a presença de energia (ATP). A hidrólise do ATP ocorre continuamente na cabeça da miosina, mediada pela enzima miosina ATPase, liberando energia para a movimentação da miosina e interação com a actina. Portanto, sem a presença de Ca++, mesmo que haja energia suficiente para movimentar a miosina sobre a actina, não há interação entre elas, pois é esse íon que permite a liberação da área de acoplagem. Os eventos elétricos e mecânicos responsáveis pelo processo de contração muscular podem ser sintetizados na Figura 15.

Vamos

agora assistir a alguns vídeos sobre o sistema muscu-

lar e a teoria da contração?

15

2

Em

seguida, retomem a

Figura

Este vídeo está dividido em 4 partes

para verificar a compreensão do assunto.

UNIDADE 2 - O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano  | 29


1

Vesículas sinápticas

As vesículas saciformes dentro do axônio terminal liberam ACh que se difunde através da fenda sináptica e se fixa aos receptores especializados de ACh sobre o sarcolema.

Túbulo T

2

O potencial de ação do músculo despolariza os túbulos transversos na junção A-I do sarcômero.

ACh Onda de despolarização

3 Fenda sinápticas

Receptor de ACh

muscular cessa, a 8 Quando a estimulação 2+

concentração de Ca cai rapidamente e o Ca2+ desloca-se de volta para os sacos laterais do retículo sarcoplasmático graças ao transporte ativo que depende da hidrólise do ATP.

2+ 9 A remoção de Ca restaura a ação inibitória de troponina-tropomiosina. Na presença de ATP, actina e miosina continuam no estado dissociado e relaxado.

Ca2+ Ca

Ca2+

2+

Ca

2+

Ca2+ Ca2+

Ca2+

Ca2+ Ca

Ca2+

Ca2+

4 Retículo Ca +2 fixa-se à troponina-tropomiosina sarcoplasmático nos filamentos de actina. Isso elimina a inibição que impedia a combinação de Miosina ATPase actina com miosina.

Filamento de actina

Ca2+ Ca2+

Ca2+

Ca2+

Locais de fixação da miosina

ADP

Durante a contração muscular, a actina combina-se com miosina ATPase para fracionar o ATP com liberação de energia. A tensão produzida pela liberação de energia produz movimentação das pontes cruzadas de miosina

Ca2+

Ca2+

2+

Ca2+

Ca2+

Ca

2+

Ca2+ Ca2+

A despolarização do sistema de túbulos T acarreta a libaração de Ca2+ pelos sacos laterais do retículo sarcoplasmático.

Ca2+

Complexo troponina

Ca2+

ATP

Movimento da ponte cruzada

5

Ca2+ Filamento de miosina

Ca2+ Ca2+

ATP

A ponte cruzada se dissocia

ATP

6 A ativação das pontes cruzadas prossegue quando a concentração de Ca2+ continua alta (em virtude da despolarização da membrana) para inibir a ação do complexo troponina-tropomiosina

Ca2+

7

O ATP une-se à ponte cruzada de miosina, rompendo a ligação actina-miosina permitindo que a ponte cruzada se dissocie da actina. Isso dá origem ao deslizamento dos filamentos espessos e finos, que acarreta o encurtamento do músculo

Figura 15  Eventos elétricos e mecânicos da contração e relaxamento muscular. Nota: O neurotransmissor acetilcolina (ACh) é liberado pelas vesículas saciformes dentro do axônio terminal, facilitando a transmissão nervosa na junção neuromuscular; o sinal eletroquímico “salta” através da fenda sináptica chegando à fibra muscular, na junção da banda A e I (A-I); ativando a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, que vai acionar a maquinaria contrátil do músculo.

30 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES Todas as fibras musculares possuem as mesmas características? Nossos estudos, até o momento, esclareceram sobre o mecanismo da contração muscular em sua base molecular. No entanto, podemos observar que, no cotidiano, somos capazes de realizar diferentes intensidades e durações de contração muscular. Quando trabalhamos em nossas aulas de Educação Física atividades, por exemplo, o futebol, notamos que nossos alunos correm mais intensamente nos momento de contra-ataque e que eles se deslocam mais lentamente para movimentar-se e posicionar-se no jogo. Vemos ainda que o chute para marcação de um pênalti pode ser mais forte que um passe para um colega que está próximo. Todo esse controle motor é ditado por estruturas do SNC que são capazes de interpretar o ambiente e a situação do jogo para solicitar as fibras musculares mais capacitadas para essa ação. Portanto, ao seguir esta lógica, somos capazes de concluir que existem diferentes tipos de fibras musculares, que exibem o mesmo mecanismo de contração muscular, mas com capacidades energéticas e contráteis diferenciadas. No Quadro 2, são apresentadas as características das fibras musculares, de acordo com a capacidade contrátil – contração lenta (tipo I) e contração rápida (tipo II A e IIB).

A

análise do

Quadro 2

deste capítulo revela a presença

de diferentes tipos de fibras musculares.

Com

base nesse

conteúdo, faça uma lista de pelo menos três atividades que podem ser trabalhadas nas aulas de

Educação Física,

ca-

racterizando o tipo de fibra muscular mais solicitada em cada uma delas.

UNIDADE 2 - O sistema neuromuscular e o controle do movimento humano  | 31


Quadro 2 - Características morfológicas, histoquímicas e contráteis das fibras musculares Contração Lenta

Contração rápida

I

IIA

IIB

Cor

Vermelha

Vermelha/branca

Branca

Diâmetro

Pequeno

Intermediário

Grande

Volume mitocondrial

Alto

Intermediário

Baixo

Capilares (mm2)

Altos

Intermediários

Baixos

Miosina ATPase

Baixa

Alta

Alta

Capacidade manipular Ca++

Baixa

Intermediária

Alta

Capacidade glicolítica

Baixa

Alta

Alta

Capacacidade oxidativa

Alta

Intermediária

Baixa

Velocidade contração

Lenta

Rápida

Rápida

Velocidade relaxamento

Lenta

Rápida

Rápida

Resistência à fadiga

Alta

Intermediária

Baixa

Capacidade força

Baixa

Intermediária

Alta

Morfologia

HISTOQUÍMICA/BIOQUÍMICA

FUNÇÃO E CONTRATILIDADE

32 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


O SISTEMA CARDIOVASCULAR NO EXERCÍCIO


UNIDADE

O SISTEMA CARDIOVASCULAR NO EXERCÍCIO

A evolução da vida se configurou pela associação dos organismos unicelulares em colônias cooperativas, que passaram a ter maior facilidade de sobrevivência nessa relação simbiótica e evoluíram posteriormente para organismos multicelulares. Embora essa evolução representasse um extraordinário avanço, que culminou na formação do fabuloso organismo humano, um problema foi instalado: esses seres multicelulares precisavam trocar nutrientes e oxigênio com o ambiente, e o processo de difusão tornara-se bastante limitado, dado o aumento de tamanho dos organismos. A solução encontrada pela natureza foi o desenvolvimento evolutivo do sistema cardiovascular, uma vez que a centralização das estruturas corporais que ocorreu nesse trajeto de aprimoramento da vida exigiu um sistema de distribuição de elementos vitais e integração entre os sistemas corporais. Atualmente sabemos que o sistema cardiovascular se constitui de uma bomba cardíaca que propulsiona o sangue através de um sistema de vasos arteriais fechados, onde o fluxo sanguíneo tramita numa rota unidirecional, distribuindo nutrientes, gases, moléculas sinalizadoras e removendo resíduos das células e líquidos corporais.

ESTRUTURA E FUNÇÃO CARDIOVASCULAR  35

DISTRIBUIÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO NO REPOUSO E NO EXERCÍCIO  42

PRESSÃO ARTERIAL NO REPOUSO E NO EXERCÍCIO  45


No entanto, na Antiguidade, acreditava-se que o sangue era produzido pelo fígado e distribuído pelo corpo através das veias, e que os pulmões recebiam o ar atmosférico e enviavam ao coração, onde era digerido e transformado em “espíritos vitais” a serem distribuídos para o corpo pelas artérias. Essa teoria foi contestada por William Harvey (Figura 16) que calculou a quantidade de sangue bombeada pelo coração em uma hora, constatando que o peso dessa produção era superior ao peso corporal, e com isso comprovou a incapacidade do fígado de produzir essa quantidade total de sangue para prover o corpo com os elementos vitais. Atualmente muitos conhecimentos foram produzidos, o que nos permite conhecer, com bastante propriedade, o funcionamento do sistema cardiovascular. Portanto, eu os convido a percorrermos algumas trilhas deste fascinante campo de estudo.

Considerando

a teoria antiga de que todo o

sangue necessário ao corpo era continuamente produzido pelo fígado, analisem, assim como necessário para uma hora de

Harvey, o total de sangue vida. Como referência, vamos

Figura 16  William Harvey (1578 – 1657) Nota: Esse cientista descreveu detalhes do sistema cardiocirculatório no século XVII

considerar que o coração bombeia cerca de cinco litros de sangue por minuto.

ESTRUTURA E FUNÇÃO CARDIOVASCULAR O sistema cardiovascular é formado por uma conexão contínua de uma bomba – o coração; um circuito de distribuição de sangue com alta pressão – as artérias e as arteríolas; os canais de permuta – os capilares; e um circuito de coleta e de retorno do sangue, de baixa pressão – as vênulas e veias. Esse circuito disposto em linha reta pode atingir uma extensão de 160.000km de vasos sanguíneos (McARDLE et al., 2003) figura 17.

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 35


Cabeça e braços Veias provenientes da parte superior do corpo

Artérias para a parte superior do corpo

Artéria pulmonar Aorta

Veia cava superior

Veia pulmonar

Pulmão

Pulmão

1 3

4

2

Veia cava inferior

Veias hepáticas

Artérias hepáticas

Veias provenientes da parte inferior do corpo

Legenda 1 - Átrio esquerdo 2 - Ventrículo esquerdo 3 - Átrio direito 4 - Ventrículo direito

Fígado Veia porta Canal alimentar

Rins

Pernas

Figura 17  O sistema cardiovascular Nota: A bomba cardíaca direciona o sangue para os vasos arteriais onde seguirá para a circulação sistêmica ou pulmonar

36 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos

Artérias para a parte inferior do corpo


Cada um dos constituintes do sistema cardiovascular esboça propriedades funcionais importantes para garantir a homeostasia do sistema.

O coração O coração é o órgão central do sistema cardiovascular, também chamado de bomba cardíaca. Localiza-se na região ventral da cavidade torácica, entre os dois pulmões (Figura 18). A parte inferior do coração é denominada ápice e a parte superior é a base. Externamente, o órgão é envolvido por uma membrana de tecido conjuntivo com fluido, que permite a movimentação da bomba cardíaca reduzindo o atrito. Glândula tireóide

Traqueia Primeira costela

Pulmão

Diafragma Ápice do coração

A

Diafragma

B

O coração está na parte ventral da cavidade torácica, posicionado entre os pulmões.

O coração é constituído de quatro câmaras, os átrios direito e esquerdo, e os ventrículos direito e esquerdo (Figura 19). Os átrios estão posicionados na base do coração e recebem o sangue proveniente do retorno venoso da circulação sistêmica (veias cavas superiores e inferiores), ou dos pulmões (veias pulmonares direita e esquerda), após o processo de hematose.

Pericárdio

O coração está envolvido dentro de um saco embranoso, preenchido com fluido, o pericárdio.

Figura 18  A bomba cardíaca Nota: Localizada na cavidade torácica entre os dois pulmões (A), e o coração envolvido pelo pericárdio (B).

Na Figura 19, é possível observar ainda as grandes artérias pulmonares, a aorta ascendente e descendente, as válvulas atrioventriculares (tricúspide e mitral), válvulas pulmonares e aórtica.

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 37


Veia cava superior Aorta

Artéria pulmonar direita

Artéria pulmonar esquerda Veia pulmonar esquerda

Figura 19  Anatomia cardíaca: ventrículos, átrios, artérias pulmonares e aorta, veias cava superior e inferior, veias pulmonares e válvulas cardíacas.

Átrio direito

Válvula pulmonar Válvula átrio-ventricular esquerda-mitral (bicúspide)

Válvula átrio-ventricular direita-tricúspide

3 Para complementar os seus estudos, veja alguns vídeos sobre o ciclo cardíaco disponíveis na plataforma. Esse conteúdo encontra-se dividido em 3 partes.

Veia cava inferior Ventrículo direito

Ventrículo esquerdo

Aorta descendente

Miocárdio - o músculo cardíaco O músculo cardíaco, denominado miocárdio, possui propriedades contráteis semelhantes às do músculo esquelético, ou seja, é constituído de proteínas motoras que deslizam umas sobre as outras para promover a contração do miocárdio – sístole; ou relaxam para ocorrer a diástole. As duas etapas, sístole e diástole, são respectivamente os momentos de ejeção cardíaca e enchimento cardíaco. A contração do miocárdio é também mais dependente de cálcio extracelular, uma vez que o retículo sarcoplasmático cardíaco não apresenta capacidade suficiente de armazenamento de cálcio. Sendo assim, o coração é mais sensível a alterações de cálcio plasmático. Apesar de muitas similaridades entre o miocárdio e o músculo esquelético, é necessário destacar também particularidades importantes que favorecem o funcionamento do órgão cardíaco. O coração exibe fibras musculares mais curtas que se organizam à maneira de uma treliça, favorecendo o contato entre as células do miocárdio – os cardiomiócitos. Existem ainda as junções comunicantes, que são canais proteicos continuados entre dois cardiomiócitos (Figura

38 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


20). Essas características permitem a propagação da estimulação, ou seja, a despolarização de uma única célula se difunde para as seguintes. Consequentemente, o coração funciona tal como uma unidade, bombeando o sangue com eficiência. Retículo sarcoplasmático Junções comunicantes

Desmossomos

Sarcômero

Túbulos “T”

Figura 20  Ilustração esquemática do músculo cardíaco com as junções comunicantes e zônulas de adesão.

Zônulas de adesão

A condução elétrica cardíaca o sistema de His- Purkinkje Vocês observaram, no vídeo indicado, que o coração possui um sistema especializado para condução do impulso elétrico. É como se o impulso, à semelhança de uma via de tráfego urbana, devesse seguir por ruas e avenidas específicas para chegar mais rapidamente ao seu destino. Esse sistema denominado sistema de His-Purkinkje, consiste em um trajeto de células especializadas do miocárdio que possuem capacidade de despolarização mais rápida, e por isso coordena a condução do impulso cardíaco e, consequentemente, a contração sincrônica do miocárdio (Figura 21). O sistema de condução elétrico-cardíaca se inicia no nodo sinusal ou sinoatrial (SA), posicionado junto à entrada da veia cava (átrio direito), e é considerado o marca-passo cardíaco, pois é nele que se inicia o impulso de propagação. Em seguida, o impulso é distribuído aos átrios direito e esquerdo pelas vias internodais;

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 39


passando para o nodo atrioventricular (AV), que retarda o estímulo para permitir que a contração atrial anteceda a contração ventricular. Posteriormente, o estímulo tramita pelo septo interventricular e adentra para o interior das paredes ventriculares, favorecendo a contração ventricular.

Nodo sinusal - SA Ramos atriais Nodo atriventricular

Feixe de HIS Ramos direito e esquerdo de purkinje Ramos direito e esquerdo de HIS

Figura 21  Sistema de condução elétrica do coração

4 Veja a animação da condução cardíaca e a relação desta com os sinais eletrocardiográficos.

Eletrocardiograma  A condução elétrico-cardíaca é registrada na clínica médica por meio dos sinais eletrocardiográficos. A observação do eletrocadiograma (ECG) nos permite identificar se há anormalidades no ritmo cardíaco, revelando importantes patologias que podem ser tratadas por intervenções dos profissionais de saúde.

Os vasos sanguíneos Os vasos sanguíneos constituem o sistema de transporte e distribuição do sangue. A estrutura dos componentes vasculares é variável de acordo com a solicitação hemodinâmica imposta. Sendo assim, encontramos nas artérias, que são tubos de alta pressão para impulsão do sangue para os tecidos, uma espessa camada de músculo liso, que garante o controle da tonicidade vascular e, consequentemente, do diâmetro da luz vascular, ou lúmen (Figura 22). A tonicidade vascular diz respeito ao nível de contração sustentada do músculo liso vascular. Pode ser modulada por mecanismos neurais, hormo-

40 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


nais ou parácrinos, determinando o aumento da luz vascular – vasodilatação ou a redução da luz vascular – vasoconstrição.

Capilares

Adventícia Músculo liso vascular Endotélio Lúmen vascular

Do coração - Artéria

Figura 22  Os vasos sanguíneos provenientes do coração - artérias, arteríolas e capilares; e de retorno cardíaco – vênulas e veias

Para o coração - Veia

À medida que se progride em direção aos tecidos, os vasos tornamse menos calibrosos e mais ramificados – são as arteríolas que formam uma extensa rede de distribuição sanguínea em direção aos capilares teciduais. Nos capilares, encontramos vasos com parede muito delgada, denominada endotélio, e ainda mais ramificados. É nos capilares que ocorre o processo de troca entre os elementos vasculares e intersticiais, para provimento dos tecidos corporais. Após passagem pelos capilares, o sangue reduz seu estoque de oxigênio, uma vez que uma importante fração desse gás é destinada aos tecidos, tais como: músculos esqueléticos, músculos lisos do trato gastrointestinal, rins, cérebro, fígado, pele e demais vísceras e glândulas corporais. Você sabia que alguns tecidos extraem uma fração pequena de oxigênio do sangue arterial? É o caso do músculo esquelético, que geralmente aproveita apenas 20% a 25% do oxigênio circulante, enquanto o miocárdio, em geral, extrai cerca de 70% a 80% de oxigênio ofertado. O retorno do sangue é garantido pelos vasos venosos, ou seja, as vênulas e veias. As veias possuem camadas teciduais semelhantes

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 41


às artérias, porém mais delgadas. O fluxo sanguíneo que passa pelos vasos venosos segue de maneira unidirecional para o coração, uma vez que existem válvulas que impedem o contrafluxo de sangue causado por ação gravitacional.

DISTRIBUIÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO NO REPOUSO E NO EXERCÍCIO A cada batimento cardíaco, o coração de um homem adulto, de estatura mediana, ejeta cerca de 71ml de sangue na circulação sistêmica; e, a cada minuto, o coração é capaz de contrair e, consequentemente, ejetar em torno de 70 vezes. Então, conforme ilustrado, podemos dizer que, por minuto, a bomba cardíaca trabalha com a capacidade de ejetar cerca de 4.970ml de sangue, ou seja, quase 5l/min! Esse parâmetro é denominado débito cardíaco, que consiste na quantidade de sangue bombeada pelo coração durante o período de um minuto. Débito Cardíaco = Frequência Cardíaca x Volume Sistólico É importante ressaltar que o débito cardíaco é um parâmetro bastante variável, que se adapta às solicitações metabólicas de nosso corpo. Portanto, quando observamos elevações da frequência cardíaca de nossos alunos durante as aulas de Educação Física, podemos concluir que isso ocorre para elevar a quantidade de sangue disponibilizada pelo coração – o débito cardíaco. Então, se o coração responde às necessidades sanguíneas do corpo, como é distribuído o débito cardíaco ao longo dos sistemas corporais? Para responder a essa pergunta, vamos observar o quadro 3, que apresenta a distribuição do débito cardíaco através dos órgãos corporais, no repouso e no esforço físico. Observa-se que, no repouso, a região do abdome, que representa uma área corporal pequena, comparada com a massa muscular de todo o corpo, recebe cerca de 24% de todo o débito cardíaco. Nesse

42 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


mesmo raciocínio, nota-se que os rins são também claramente mais perfundidos, com um fluxo de 19%, assim como o cérebro (13%). Quadro 3 - Distribuição do débito cardíaco nos órgãos e áreas corporais, em repouso, no exercício leve, extenuante, e máximo

Repouso

Exercício leve

Exercício extenuante

Exercício máximo

Cérebro

750 (13%)

750 (8%)

750 (4%)

750 (3%)

Coração

250 (4%)

350 (3,5%)

750 (4%)

1000 (4%)

Músculo

1200 (21%)

4500 (47%)

12500 (72%)

22000 (88%)

Pele

500 (8,5%)

1500 (16%)

1900 (11%)

600 (2,5%)

Rim

1100 (19%)

900 (9,5%)

600 (3,5%)

250 (1%)

Abdôme

1400 (24%)

1100 (11,5%)

600 (3,5%)

300 (>1%)

Outros

600 (10,5%)

400 (0,5%)

400 (2%)

100 (<1%)

Total

5800 ml (100%)

9500 (100%)

17500 (100%)

25000 (100%)

Esse privilégio na perfusão sanguínea desses órgãos (vísceras gastrintestinais e rins) se justifica pela intensa atividade metabólica dessas áreas no processo de digestão e filtragem sanguínea. Quanto ao cérebro, é perceptível a necessidade de maior aporte sanguíneo, em qualquer situação (repouso ou esforço físico), uma vez que se trata do sistema primário à manutenção da coordenação de todas as demais funções fisiológicas. No entanto, à medida que nos movimentamos da intensidade leve até o esforço máximo, observa-se que ocorre aumento expressivo do débito cardíaco de até cerca de 25.000ml (FOSS; KETEYIAN, 1998). Um aumento de quase cinco vezes do parâmetro de repouso! E para onde se destina esse aumento do débito cardíaco? E para quê?

Continue observando o quadro 3, para analisar quais órgãos e estruturas corporais são mais privilegiados com aporte sanguí-

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 43


neo durante o exercício.

Discuta com os colegas sua interpretação. Sugestão de leitura: McArdle et al. (2003, cap. 17). As adaptações de fluxo sanguíneo decorrentes do exercício físico não poderiam ser explicadas apenas pelas alterações na capacidade de bombeamento cardíaco, uma vez que o território vascular também interfere na distribuição de sangue para os tecidos corporais. Então, precisamos entender ainda o que acontece com os vasos sanguíneos durante o esforço físico. Como mencionado, os vasos arteriais exibem capacidade de se dilatarem ou contraírem, modulando a passagem do sangue pelo lúmen. Dessa forma, o mecanismo de vasodilatação torna-se predominante nas áreas onde o metabolismo se encontra mais elevado. No caso do exercício, podemos destacar os músculos esqueléticos ativos e o miocárdio como as regiões preferenciais para desvio seletivo do fluxo sanguíneo mediado pelo mecanismo de vasodilatação (Figura 23). Óxido nítrico (ON) Luz arterial Células endoteliais

Células musculares lisas Figura 23  Mecanismo de regulação local do fluxo sanguíneo. Vasodilatação mediada por fatores relaxantes derivados do endotélio (óxido nítrico)

Tecido conjuntivo fibroso

Ao contrário, nas áreas de menor atividade metabólica (vísceras abdominais), o fluxo sanguíneo encontra-se limitado pelo mecanismo de vasoconstrição. Portanto, mesmo com o aumento do débito cardíaco, essas áreas passam a receber menor quantidade de sangue por restrição mecânica do vaso sanguíneo. A vasodilatação metabólica é um mecanismo miogênico, ou seja, acontece apenas no músculo liso vascular, mediado pela liberação de fatores relaxantes derivados do endotélio, por exemplo, o óxido

44 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


nítrico, enquanto o mecanismo de vasoconstrição é de ordem neural, controlado pelos estímulos do sistema nervoso autônomo simpático.

PRESSÃO ARTERIAL NO REPOUSO E NO EXERCÍCIO Agora que já conhecemos as alterações cardiovasculares do exercício, vamos estudar um importante parâmetro clínico que tem merecido a atenção dos profissionais ligados à área de saúde - a pressão arterial. A pressão arterial é a tensão gerada no sistema arterial quando da passagem do sangue. Dessa forma, a cada contração do ventrículo esquerdo, uma onda de sangue é impulsionada através da aorta. Os vasos periféricos não permitem o escoamento do sangue para dentro do sistema arterial com a mesma rapidez com que é ejetado pelo coração, e isso faz com que a aorta, que é distensível, armazene parte do sangue, criando uma pressão no sistema arterial (Figura 24). Válvula pulmonar fechada

Válvula aórtica fechada

Sístole atrial

Válvula aórtica aberta Diástole

Válvula pulmonar aberta Figura 24  O ciclo cardíaco e a pressão arterial Sístole ventricular

Diástole ventricular

Abertura das válvulas atrioventriculares

Fechamento das válvulas

Nota: no momento do relaxamento ventricular (diástole) A, a válvula aórtica está fechada e o sistema arterial, que se inicia na aorta, exibe a mais baixa pressão de todo o ciclo cardíaco – pressão arterial diastólica. Assim que o ventrículo se contrai (sístole), a aorta recebe bruscamente uma onda de sangue, gerando a mais alta pressão do ciclo cardíaco – pressão arterial sistólica.

Nos vasos arteriais, é possível mensurar duas fases distintas de pressão arterial – sistólica e diastólica - que são apresentadas graficamente na Figura 25. Portanto, podemos concluir que a pressão arterial reflete os efeitos combinados do fluxo sanguíneo arterial por minuto (débito cardíaco)

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 45


Pressão arterial sistêmica (mm Hg)

e da resistência a esse fluxo oferecida pela árvore vascular periférica: Pressão arterial = Débito cardíaco X Resistência periférica total.

120

100 Pressão arterial sistólica 80 Pressão arterial diastólica 60 Legenda 40

20

0 1

2

3

4

5

6

Distância do ventrículo esquerdo Figura 25  Medida intra-arterial da pressão arterial ao longo do sistema arterial e venoso

5|6 Assista as animações disponíveis na plataforma para conhecer mais sobre a técnica de medida da pressão arterial.

7

8

9

1

Aorta

2

Artérias grandes

3

Artérias pequenas

4

Arteríolas

5

Capilares

6

Vênulas

7

Veias pequenas

8

Veias grandes

9

Veia cava

Pressão arterial no exercício Agora, vamos compreender as alterações de pressão arterial decorrentes do exercício físico, para identificarmos a importância fisiológica desse parâmetro. Para tal tarefa, sabemos que será necessário relembrar as alterações do débito cardíaco e da resistência vascular ao exercício. O débito cardíaco, como visto no quadro 3, aumenta progressivamente com a elevação da intensidade do esforço, estabelecendo uma relação estreita com as demandas metabólicas corporais, enquanto a resistência vascular periférica, determinada pela vasodilatação nos grandes vasos arteriais dos músculos em atividade, tende a reduzir. Dessa forma, temos mecanismos concorrentes a modulação da pressão arterial no exercício, pois, enquanto o aumento de débito cardíaco se torna favorável à elevação da pressão arterial, especialmente a sistólica, a redução da resistência vascular pode favorecer a queda da

46 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


pressão arterial, especialmente a diastólica. O que temos, durante o exercício, é a elevação da pressão arterial, mais nítida no momento da sístole, acompanhada de uma alteração discreta da pressão diastólica, geralmente na cifra de 15mmHg. O aumento da pressão arterial durante o exercício tem importante papel na impulsão do sangue para os capilares, onde ocorre a troca de nutrientes e gases. Volte para o quadro 5 e observe como a pressão nos capilares é proporcional à pressão arterial gerada nos grandes vasos. Portanto, a elevação da pressão arterial no exercício, dentro de limites aceitáveis, é um mecanismo favorável à perfusão vascular dos tecidos corporais. Entretanto, não podemos confundir a elevação aceitável da pressão arterial, durante o exercício, com a hipertensão. Esta se trata de uma doença crônica que causa intensos danos à estrutura vascular, ao coração e aos demais órgãos do corpo, como rins, pulmões, cérebro e olhos.

Avaliação nível II Ver atividade avaliativa

7 Para complementar seus estudos, veja este pequeno documentário sobre a hipertensão arterial.

na plataforma moodle.

UNIDADE 3 – O sistema cardiovascular no exercício  | 47



O SISTEMA RESPIRATÓRIO NO EXERCÍCIO


UNIDADE

O SISTEMA RESPIRATÓRIO NO EXERCÍCIO

O sistema respiratório dos mamíferos terrestres surgiu a partir da necessidade de se manter uma área de troca gasosa com uma membrana aquosa a qual os gases hidrossolúveis que mantêm a vida podem atravessar. Segundo McArdle et al. (2003, p. 259): Se o suprimento de oxigênio aos seres humanos dependesse apenas da difusão através da pele, não se poderia atender à demanda energética basal, e muito menos os 4 a 5 litros de consumo de oxigênio por minuto e de eliminação de dióxido de carbono necessários para correr uma maratona [...].

A função respiratória é essencial à vida, ou seja, garante a homeostase dos sistemas corporais, pois realiza a difusão do gás oxigênio (O2) advindo do ar fresco, e do dióxido de carbono (CO2) proveniente das reações químicas do corpo. Nesta unidade vamos transitar pelos conhecimentos básicos que nos permitem interpretar melhor as funções respiratórias e sua importância para prover o corpo durante o movimento humano.

ESTRUTURA E FUNÇÃO PULMONARES  51

VOLUMES E CAPACIDADES PULMONARES  55

MECÂNICA RESPIRATÓRIA  52    PERMUTA E TRANSPORTE DE GASES  57

RESPOSTAS VENTILATÓRIAS NO EXERCÍCIO  60


ESTRUTURA E FUNÇÃO PULMONARES As estruturas pulmonares atuam para garantir o processo de ventilação, ou seja, o processo pelo qual o ar ambiente penetra nos pulmões e é permutado pelo ar existente em seu interior. Didaticamente, são compreendidas três vias morfofuncionais vinculadas ao processo de ventilação (Figura 26): Vias de transporte ou condução  cavidade nasal, faringe, laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos; Vias de transição  bronquíolos respiratórios; Vias de troca gasosa  pulmões (alvéolos). Rede capilar sobre a superfície alveolar

Cavidade nasal Alveólo

Faringe

Capilares pulmonares

Laringe Traqueia

Pulmão

Bronquíolo

Figura 26  Estrutura morfofuncional do sistema respiratório.

Brônquios principais

O ar que penetra nas vias de condução é aquecido para se ajustar à temperatura corporal, e umedecido devido à intensa rede vascular que perfunde a cavidade nasal. Também é filtrado pelos cílios que com-

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 51


põem a mucosa das vias de condução. Quando chega à traqueia, o ar está quase completamente preparado para o processo de troca gasosa. Ao longo dos dois brônquios, o ar continua sendo condicionado e propulsionado em direção aos numerosos bronquíolos que o conduzem aos microscópios alvéolos que compõem o tecido pulmonar. Os pulmões proporcionam a superfície de permuta gasosa, essencial para a aeração do sangue. A superfície úmida e altamente vascularizada dos pulmões se encaixa dentro da cavidade torácica, envolvida pela pleura – uma dupla membrana (parietal e visceral) constituída entre elas de uma cavidade (cavidade pleural), que é ocupada por uma pequena quantidade de líquido para a lubrificação das pleuras, denominado de líquido pleural (Figura 27). Pleura

Figura 27  Vista frontal dos dois pulmões envolvidos pela pleura.

A função do líquido pleural é a lubrificação e facilitação dos movimentos dos pulmões durante a mecânica da ventilação pulmonar.

MECÂNICA RESPIRATÓRIA O processo de inspiração e expiração do ar depende de mudanças de pressão na cavidade torácica, provocadas pela expansão ou pela retração do tecido pulmonar, garantido pela contração dos músculos da ventilação (Figura 28).

52 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


Esternocleidomastóide

Escalenos

Intercostais internos Intercostais externos

Diafragma Figura 28  Músculos da ventilação.

Abdominais

Inspiração

Expiração

Nota: Do lado esquerdo, os músculos inspiratórios (diafragma, intercostais externos, escalenos, esternocleidomastoides); à direita, os músculos expiratórios (intercostais internos e abdominais).

Durante a inspiração, a cavidade torácica aumenta de tamanho no sentido anteroposterior e vertical, porque as costelas sobem, por ação dos músculos intercostais externos; e o diafragma desce, ao se contrair. Isso reduz a pressão intratorácica, comparada com a pressão atmosférica, fazendo com que o ar penetre nos pulmões (Figura 29). Durante a expiração, as costelas oscilam para baixo e o diafragma retorna a uma posição relaxada. Isso reduz a cavidade torácica, aumentando a pressão intratorácica, e o ar é expelido.

Costelas e o esterno se elevam com a contração dos intercostais externos

Figura 29  Mudanças nos diâmetro anteroposterior e vertical durante a inspiração.

O diafragma se move inferiormente durante a contração

Nota: as costelas se elevam por contração dos músculos intercostais externos, e o diafragma se contrai, abaixando e aumentando o diâmetro vertical, o que propicia redução de pressão intratorácica, sugando o ar do ambiente.

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 53


Você sabia que no exercício, os movimentos altamente eficientes do diafragma, das costelas e dos músculos abdominais são sincronizados de forma a contribuir para a expiração e inspiração?

8 Veja como funciona a mecânica respiratória nesta interessante animação

A expiração, durante o repouso e o exercício leve, representa um processo passivo de movimento do ar para fora dos pulmões, provocado pelo recuo elástico dos pulmões, e pelo relaxamento dos músculos inspiratórios. Apenas durante o exercício extenuante é que os músculos intercostais internos e abdominais são estimulados para promover o recuo da cavidade torácica favorecendo a exalação vigorosa e rápida.

Mecânica da Respiração  Vamos fazer uma experiência? Nosso objetivo é simular a ação do músculo diafragma na expansão pulmonar. Para isso, vamos precisar de: a) uma garrafa pet veite a parte

(600ml) cortada horizontalmente. Aprosuperior do gargalo;

b) um tubo de plástico (pedaço de mangueira) de aproximadamente

20cm (com diâmetro próximo ao do gargalo da garrafa);

c) uma bola de soprar grande (bexiga) amarrada ao tubo de INSPIRAÇÃO

plástico;

O diafragma desce

d) uma membrana de borracha (pode ser uma bexiga cortada) amarrada à garrafa pet; e) um metro de barbante para amarrar a bola ao tubo e para amarrar a borracha à garrafa (veja a

Observe

Figura 32).

que as manipulações na membrana

(simulando

os

movimentos do diafragma) provocam alterações internas na EXPIRAÇÃO O diafragma sobe

pressão da garrafa (cavidade torácica) que favorecem a expansão ou a retração pulmonar. movimentos do diafragma) provoca alterações internas na

Figura 30  Experiência da mecânica da respiração. Ação do diafragma.

pressão da garrafa (cavidade torácica) que favorecem a expansão ou retração pulmonar.

54 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


VOLUMES E CAPACIDADES PULMONARES Como já sabemos, os movimentos respiratórios são garantidos por contrações de músculos esqueléticos, que resultam em mudanças de pressões intratorácicas. Dessa forma, mobilizam volumes de ar para dentro e fora dos pulmões. Então, vamos interpretar os volumes pulmonares para entendermos a capacidade humana de modificar a profundidade da respiração. A Figura 31 apresenta as mensurações dos volumes pulmonares que afetam nossa capacidade respiratória. Faça a atividade proposta em seguida, comparando sua vivência com o registro da espirometria representado na figura.

Volume / capacidade pulmonar

Figura 31  Mensurações estáticas dos volumes pulmonares

Valores Médios (ml)

Definição

Homens

Mulheres

Volume corrente (VC)

Volume inspirado ou expirado por incursão respiratória

600

500

Volume reserva inspiratório (VRI)

Inspiração máxima no final da inspiração corrente

3.000

Volume reserva expiratório (VRE)

Expiração máxima no final da expiração corrente

1.200

Capacidade pulmonar total (CPT)

Volume nos pulmões após uma inspiração máxima

6.000

Volume pulmonar residual (VPR)

Volume nos pulmões após uma expiração máxima

1.200

Capacidade vital forçada (CVF)

Volume máximo expirado após uma inspiração máxima

4.800

Capacidade inspiratória (CI)

Volume máximo inspirado após uma expiração corrente

3.600

Capacidade residual funcional (CRF)

Volume nos pulmões após uma expiração corrente

2.400

1.900 800 4.200 1.000 3.200 2.400 1.800

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 55


Para

compreender melhor sobre os volumes pulmonares, faça

os seguintes procedimentos: a)

Observe a profundidade de sua respiração em residual pulmonar repouso. Esse é o volume corrente, representado na figura como 500 a 600ml. b)

Em

seguida, faça uma inspiração bem profunda.

seu volume de reserva inspiratório

(1900

a

Esse 3000ml).

é o

c)

Retorne ao volume corrente (respiração de repouso) e exale todo o ar que for possível. Esse é o seu volume de reserva expiratório (800 a 1200ml). d)

A soma de toda a sua capacidade inspiratória e expiratória de reserva compreende sua capacidade vital forçada (3200 a 4800ml). e)

Embora

você tenha feito bastante esforço ao expirar, nem

todo o ar dos pulmões foi exalado. pulmonar residual

(1000

a

Existe

ainda o volume

1200ml).

Os volumes pulmonares até então estudados são chamados de volumes estáticos, pois são medidos a cada incursão respiratória e apresentam relação com o tempo despendido para mobilizá-los. Os volumes pulmonares dinâmicos são determinados em função do tempo para mensurá-los. Por isso são mais eficientes para detectar doenças pulmonares graves e para interpretar as variações ventilatórias do exercício físico. A ventilação pulmonar representa um volume dinâmico, pois depende de dois fatores: o volume corrente e a frequência respiratória. A frequência respiratória normal durante o repouso é, em média, de 12 incursões por minuto, e o volume corrente médio é de 0,5 litros de ar por incursão. Consequentemente, o volume de ar respirado a cada minuto, denominado ventilação minuto, é de aproximadamente seis litros. No entanto, esse volume ventilatório pode aumentar em até 20 vezes, no exercício intenso. Durante o exercício moderado, a ven-

56 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


tilação aumenta para 75 litros/min e, no exercício vigoroso, pode atingir níveis de 150 litros/min! Veja no quadro seguinte: Quadro 4 - Valores típicos de ventilação pulmonar durante o repouso e o exercício moderado e vigoroso Condição

Frequência respiratória (incursões/min)

Volume corrente (l/incursão respiratória)

Ventilação pulmonar (l/min)

Repouso

12

0,5

6

Exercício moderado

30

2,5

75

Exercício vigoroso

50

3,0

150

Como vimos, o nosso sistema respiratório é capaz de atender às demandas de ar fresco para o nosso organismo, modificando a profundidade da respiração e a velocidade das incursões respiratórias. Vamos agora prosseguir em nossos estudos interpretando o mecanismo de troca gasosa em nível alveolar e tecidual.

PERMUTA E TRANSPORTE DE GASES Como pode ser contemplado na Figura 26, existe uma proximidade estreita entre a membrana alveolar e os capilares, que facilita o processo de troca gasosa. Adicionalmente, o gradiente de concentração entre os gases que se encontram no alvéolo (onde a concentração de O2 é mais elevada) e no capilar pulmonar (onde a concentração de CO2 é mais elevada) favorece o deslocamento desses elementos para o ambiente menos concentrado. Sendo assim, durante o processo de hematose, o O2 se desloca para os capilares, para, em seguida, ser distribuído para todos os tecidos corporais; e o CO2, para os alvéolos, a fim de ser eliminado. Em nível tecidual, o deslocamento dos gases é contrário ao que ocorre nos alvéolos, pois o gradiente de concentração do O2 é menor no músculo, o que atrai esse gás para os tecidos, enquanto o CO2 é atraído para os capilares a fim de ser eliminado. Observe,

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 57


na Figura 32, a representação gráfica da dinâmica de troca gasosa alveolar e tecidual. Ar inspirado Po2 = 159 mm Hg PCo2 = 0,3 mm Hg Traquéia

Po2 149 mm Hg PCo2 0,3 mm Hg

Sangue venoso

Figura 32  Trocas gasosas em nível alveolar e pulmonar Nota: O movimento dos gases nas membranas alveolocapilar e tecidual-capilar se processa sempre de uma área de pressão parcial mais alta para uma de pressão parcial mais baixa. PO2 – pressão parcial do oxigênio; PCO2 – pressão parcial do dióxido de carbono.

Sangue arterial

Po2 40 mm Hg

Po2 100 mm Hg

Po2 100 mm Hg

PCo2 46 mm Hg

PCo2 40 mm Hg

PCo2 40 mm Hg

Alvéolo Capilar pulmonar Capilar tecidual

Po2 46 mm Hg PCo2 40 mm Hg

Po2 46 mm Hg

Po2 40 mm Hg

PCo2 40 mm Hg

PCo2 100 mm Hg

Capilar tecidual

Transporte do oxigênio A passagem do oxigênio pela membrana alveolocapilar deve ser muito rápida a fim de garantir que o sangue que transita no alvéolo em repouso, durante apenas 0,75 segundos, seja capaz de capturar esse O2 para as células vermelhas, ou seja, as hemácias, que, por sua vez, contêm as hemoglobinas, importantes carreadores do oxigênio (Figura 33). A hemoglobina é uma molécula proteica, formada por quatro subunidades de cadeias polipeptídicas, que possuem um único átomo de ferro em cada uma delas, que atrai o oxigênio.

58 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


Glóbulo vermelho

Molécula de Hemoglobina Heme

A

Os glóbulos vermelhos contém várias moléculas de hemoglobina, que transportam oxigênio

B

Os glóbulos vermelhos contém várias moléculas de hemoglobina, que transportam oxigênio

Figura 33  As hemácias contendo o composto proteico hemoglobina (A), e a fixação do oxigênio no grupo heme onde o ferro irá atrair esse gás, para transportá-lo pela corrente sanguínea (B)

À medida que se intensifica a intensidade do exercício físico, o tempo de trânsito do sangue pelos capilares alveolares encurta para cerca de 0,4 segundos, porém ainda continua sendo suficiente para que haja aeração completa no pulmão sadio. O oxigênio pode também ser carreado dissolvido no sangue, no entanto, dada a sua baixa solubilidade, uma porção pequena consegue ser transportada dessa forma. Essa pequena quantidade de oxigênio que é possível transportar dissolvida no plasma seria capaz de manter a vida por cerca de quatro segundos (MCARDLE et al., 2003). Visto de outra forma, se o oxigênio em soPlasma lução fosse nossa única fonte de oxigênio para o corpo, cerca de 80 litros de sangue teriam que circular a cada Hgb · CO2 minuto para atender às demandas em repouso, e um fluxo duas vezes maior seria necessário para o exercício (MCARDLE et al., 2003).

Líquido interstical CO2

CO2 Hgb + CO2 + H2O Anidrase carbônica

H2O

Transporte do dióxido de carbono O dióxido de carbono (CO2), formado na célula, é difundido para o sangue venoso e precisa de um mecanismo eficiente para seu transporte até os pulmões. Uma pequena parte do CO2 é transportada em solução no plasma (5%), e o restante é encaminhado à hemácia, onde poderá ser convertido para bicarbonato (60 a 80%), ou competirá com o oxigênio pela hemoglobina (Figura 34).

HHgb

H2CO3 HCO3- + H+

Cl-

+

Hgb -

H2O C02 transportado como:

ClHCO3

-

Hemácia

CO2 = 7% Hgb · CO2 = 23% HCO3- = 70%

Capilar Figura 34  As formas de transporte do dióxido de carbono na corrente sanguínea

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 59


Em síntese, o sistema respiratório tem um papel importante na reciclagem gasosa do sangue. Para exercer essa função, é necessária uma adequada ventilação e difusão alveolar, somadas à competente extração de oxigênio tecidual. Dessa forma, observa-se a necessária integração dos sistemas respiratórios, cardiovascular e muscular para suprimento de oxigênio, transporte e utilização (Figura 35). Figura 35  Os sistemas respiratório e circulatório trabalham juntos intimamente para atender, em todas as condições, às demandas de permuta e transporte de gases por parte das células.

Coração esquerdo

Átrio

Sangue arterial Capilar pulmonar Ventrículo

Capilar muscular O2

O2

CO2

Aovéolo

CO2 Fibra muscular

Sangue venoso

Átrio Ventrículo

Coração direito

RESPOSTAS VENTILATÓRIAS NO EXERCÍCIO Agora que conhecemos os princípios básicos da fisiologia respiratória, vamos compreender a dinâmica do sistema respiratório na solicitação do exercício físico. Para articular esses conhecimentos, baseamo-nos em três importantes variáveis que revelam a eficiência

60 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


respiratória no exercício: a ventilação pulmonar, a difusão alveolar e a diferença arteriovenosa de oxigênio.

Ventilação pulmonar Como já mencionado, a ventilação consiste no processo pelo qual o ar ambiente penetra nos pulmões e é permutado pelo ar existente em seu interior. Esse parâmetro é um importante indicador da capacidade pulmonar de disponibilizar o oxigênio para o processo de difusão alveolar. A ventilação é modulada por ajustes na frequência e na profundidade da respiração. Fatores neurais e humorais garantem a afinada sintonia da ventilação, à medida que se praticam atividades físicas. Os estímulos neurais são disparados pelo córtex motor antecipadamente ao início do exercício e se amplificam com a retroalimentação de informações advindas do movimento corporal, tais como: informações de sensores mecânicos do músculo e articulações, sensores mecânicos de distensibilidade dos pulmões, sensores de temperatura central (hipotálamo), sensores químicos da corrente sanguínea (artérias aorta e carótida) e sensores químicos centrais, localizados no tronco encefálico (bulbo). Na Figura 36, observa-se o comportamento da ventilação durante diferentes intensidades de exercício. Verifica-se, neste registro, que a ventilação é proporcional à intensidade do exercício e que, no início do estímulo do movimento, ocorre um aumento rápido da ventilação, ocasionado por estímulos neurais antecipatórios, seguido de aumento adicional, que será mantido numa característica estável, indicando que se atingiu a sintonia respiratória adequada à solicitação do esforço físico. Nesse estado estável, é reconhecida a participação integrada dos mecanismos neurais e hormonais para garantir o ajuste fino da ventilação. Entretanto, no esforço mais intenso, não ocorre o estado estável de ventilação, que pode ser atribuído à grande intensidade do exercício que dificultaria os ajustes humorais necessários para atingir o equilíbrio respiratório no esforço.

Ventilação pulmonar (I/min)

120

Início

Interrupção

100 80 60 40 20 0

-2  -1  0   1

2  3  4  5  6  7 Tempo (min)

Figura 36  Comportamento da ventilação pulmonar durante exercício de carga constante, nas intensidades leve, moderada e intensa.

Legenda Intenso Moderado Leve

Sabe-se, portanto, que, no exercício intenso, quando a produção continuada de ácido lático é tamponada, geram-se reações químicas

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 61


que irão provocar a produção adicional de dióxido de carbono e este, por sua vez, pronuncia os mecanismos humorais de modulação respiratória. Veja o esquema abaixo: 1  O ácido láctico produzido na célula muscular encontra na corrente sanguínea o bicarbonato de sódio: -

C3H6O3 (ÁCIDO LÁTICO) + NaHCO3 (BICARBONATO DE SÓDIO) 2  O ácido lático perde um íon hidrogênio para o bicarbonato, formando lactato de sódio e ácido carbônico: NaC3H5O3 (LACTATO DE SÓDIO) + H2CO3 (ÁCIDO CARBÔNICO) 3  Nos pulmões, o ácido carbônico se dissocia formando água e dióxido de carbono: H2O + CO2 (eliminado pelos pulmões) 4  O aumento na produção de CO2 ativa os quimiorreceptores centrais e periféricos aumentando a ventilação.

Difusão alveolar Agora, que já estudamos a capacidade de ajuste da ventilação ao esforço físico, é necessário compreender se os aumentos ventilatórios são acompanhados de elevação na capacidade difusora dos alvéolos. A capacidade difusora de oxigênio depende da aeração alveolar somada ao aumento da perfusão sanguínea. Em repouso, cerca de 23ml de oxigênio difundem-se no sangue pulmonar a cada minuto. Durante o exercício, ocorre um aumento da capacidade difusora de 50ml/min ou mais, chegando até taxas de 80ml/min, encontradas em remadores altamente treinados (WILMORE; COSTILL, 2001). Essa melhoria na difusão se explica pelo aumento significativo no débito cardíaco, que irá proporcionar maior aporte de sangue para os capilares alveolares, aumentando a área de troca gasosa.

62 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


Dessa forma, verificamos que a eficiência ventilatória aumentada, somada a uma capacidade de transporte de oxigênio para o sangue implementada, garante ao corpo uma maior oferta de oxigênio durante o exercício. Portanto, resta-nos agora compreender como fica a extração muscular desse oxigênio ofertado.

Diferença arteriovenosa de O2 Suprimento tecidual A diferença arteriovenosa (dif. A-V O2) é um indicador da extração tecidual de oxigênio. Em repouso, o conteúdo arterial de oxigênio é cerca de 20ml por 100ml de sangue. Esse conteúdo cai para 15 ou 16ml de oxigênio para cada 100ml de sangue, quando o sangue circula dos capilares para o sistema venoso. Essa diferença reflete a diferença arteriovenosa de O2, que, em repouso, consiste em 4 a 5ml de oxigênio para cada 100ml de sangue que perfundem os tecidos corporais. A quantidade de oxigênio captada é proporcional à utilizada, por isso, durante o exercício intenso, a diferença A-V O2 pode atingir 15ml de O2. Veja na Figura 37 a elevação progressiva na diferença arteriovenosa de O2 observada com o aumento na intensidade do esforço físico. terial

Capacidade ar

20 Conteúdo em oxigênio do sangue  mI/dI

Conteúdo arterial 16

12

8 Con

teúd

4

1

2

o ve

nos

om

isto

3

Figura 37  A diferença arteriovenosa de O2 durante esforço progressivo. 4

Captação de oxigênio (I/min)

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 63


Utilizando

a

Figura 37,

calcule a diferença

A-V O2

pra um

exercício cuja intensidade se encontra a dois litros de consumo de

O2

por minuto.

Assim, somos capazes de concluir que os parâmetros respiratórios são ajustados para ofertar mais oxigênio para o corpo em atividade.

A redução do conteúdo de ferro da hemácia, ou do número de hemácias, caracteriza um quadro de anemia que, por sua vez, reduz a capacidade de o sangue carrear oxigênio. Essa condição compromete também a resposta cardiovascular ao esforço físico.

Observe,

no quadro abaixo, a resposta da frequência

cardíaca de indivíduos anêmicos, comparados com os normais, e discuta com os grupo sobre o motivo do comportamento diferenciado da frequência cardíaca nos anêmicos.

Quadro 5 - Níveis de hemoglobina (Hb) e respostas da frequência cardíaca ao exercício de indivíduos normais e anêmicos Hb (G por DL de sangue)

Frequência cardíaca máxima do exercício

Homens

14,3

14,3

Mulheres

13,9

13,9

Homens

7,1

7,1

Mulheres

7,7

7,7

Normais

Deficiência de ferro

Fonte - McArdle et al. (2003).

64 |   Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queridos alunos, chegamos ao fim desta disciplina com o desejo de que hoje vocês compreendam muito mais o nosso incrível corpo humano, e se vitalizem para continuarem em constante aprendizagem. Para provocá-los a esta busca incessante por conhecimentos, deixo um pequeno trecho da intrigante letra da música de Chico Buarque – Almanaque: “Diz quem foi que fez o primeiro teto que o projeto não desmoronou/Quem foi esse pedreiro, esse arquiteto, e o valente primeiro morador/ Diz quem foi que inventou o analfabeto e ensinou o alfabeto ao professor/ Me responde por favor/Pra onde vai o meu amor/Quando o amor acaba (...)” Um abraço a todos, e que o trajeto da vida seja marcado por muito crescimento pessoal!

UNIDADE 4 - O sistema respiratório no exercício  | 65


GLOSSÁRIO Actina  também denominada filamento fino, é uma pro-

Neste processo o ocorre o reabastecimento de oxigênio (O2) e

teína globular com propriedade contrátil que é formada

a extração de dióxido de carbono (CO2).

por uma dupla cadeia de monômeros entrelaçada. A actina interage com a miosina promovendo o encurtamento da

Hidrólise  reação química de catabolização de moléculas

contração muscular.

orgânicas complexas em formas mais simples, para que o corpo consiga absorver e assimilar.

Anisotrópicas  propriedade que uma estrutura possui de dispersão não uniforme da luz.

Humorais  diz respeito aos fatores que modificam o estado químico do sangue, tais como alterações no conteúdo

Clivada  cortada, fragmentada.

de oxigênio, dióxido de carbono, pH.

Córtex motor  é uma região do cérebro, no lobo frontal,

Isotrópica  propriedade que uma estrutura possui de per-

responsável pelo controle dos movimentos voluntários.

mitir o deslocamento da luz em velocidade uniforme.

Depletar  diminuir a quantidade no organismo.

Miogênico   capacidade autônoma do músculo de responder a estímulos

Despolarização  A despolarização de uma célula é um fenômeno de mudança na voltagem interna da mesma, (que

Miosina  também denominada filamento grosso, tem uma

em repouso é negativa) provocado pela entrada de íons

porção filamentosa e possui peptídeos enrolados em hélice,

sódio (carga positiva).

que possuem uma saliência globular (cabeça), com locais específicos para combinação com o ATP e dotada de ativi-

Endotélio  é um tecido epitelial específico dos vasos san-

dade ATPásica. Nesta parte existe também o local de com-

guíneos que permite a troca de elementos entre os tecidos

binação com a actina.

vasculares adjacentes, e ainda libera substâncias reguladoras da tonicidade vascular.

Nervo Motor  é formado pelos axônios de células nervosas que conduzem estímulos do sistema nervoso central para a

Fosfocreatina (PC)  também conhecida como creatina

periferia do corpo.

fosfato ou PCr, é uma mólecula de creatina fosforilada que é um importante depósito de energia no músculo esquelé-

Neurotransmissores  são sinalizadores químicos libera-

tico, já que transporta uma ligação fosfato de alta energia

dos pelos neurônios, que agem em receptores de membra-

similar às ligações do ATP.

nas para promover a sinalização nervosa.

Fosforilação  é a adição de um grupo fosfato (PO4) a uma

Oxidação  reações que envolvem perda de elétrons, com

proteína ou outra molécula.

ganho correspondente em termos de valência.

Hematose  consiste no processo de troca gasosa, que ocorre

Perfundidos  relativo à perfusão; perfusão - passagem de

entre os capilares pulmonares e os alvéolos pulmonares.

líquido através de um órgão.

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Pressão parcial  pressão parcial é a pressão que um gás

Unidade motora  é a unidade funcional do movimento;

exerce numa mistura de gases. Está diretamente relacio-

essa unidade anatômica consiste no neurônio motor e nas

nada a sua concentração.

fibras musculares específicas que inerva.

Proteínas estruturais  as proteínas estruturais tais como

Valência  é um número que indica a capacidade que um

a nebulina, proteína C, proteina M, α-actinina, desmina e

átomo de um elemento tem de se combinar com outros áto-

titina; mantêm a integridade estrutural do sarcômero.

mos, capacidade essa que é medida pelo número de elétrons que um átomo pode dar, receber, ou compartilhar de forma

Proteínas modulatórias  as proteínas modulatórias, tro-

a constituir uma ligação química.

ponina e tropomiosina, estão localizadas no filamento fino e formam um complexo protéico que bloqueia o sítio de in-

Ventilação  processo pelo qual o ar ambiente penetra nos

teração da actina com a miosina. Quando ativados pelo cál-

pulmões e é permutado pelo ar existente em seu interior.

cio, a movimentação do complexo troponina-tropomiosina, libera a interação entre a actina e miosina. Redução  envolve qualquer processo no qual os átomos em um elemento ganham elétrons, com redução correspondente de valência. Sistema nervoso autônomo  localiza-se no bulbo (tronco encefálico), e é responsável pelo controle de atividades vitais tais como: batimento cardíaco, respiração, digestão, etc. Sistema nervoso autônomo simpático  é um dos componentes autonômicos que no sistema cardiovascular tem efeito excitatório sobre o coração e vasos sanguíneos. Tonicidade vascular  diz respeito ao nível de contração sustentada do músculo liso vascular. Pode ser modulada por mecanismos neurais, hormonais ou parácrinos, determinando o aumento da luz vascular – vasodilatação ou a redução da luz vascular – vasoconstrição. Túbulos transversos  ou túbulos “T” são invaginações da membrana plasmática que permitem a passagem da onda de despolarização (ver definição neste glossário) com maior eficiência ao longo da fibra muscular.

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Apêndice A

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Luciana Carletti Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo (1991); mestrado (1998) e doutorado (2005) em Ciências Fisiológicas (PPGCF) pela Universidade Federal do Espírito Santo; professora da disciplina Corpo, Movimento e Conhecimentos Fisiológicos (Licenciatura em Educação Física) e da disciplina Corpo, Movimento e Fisiologia Aplicada I (Bacharelado em Educação Física) do Centro de Educação Física e Desportos da UFES. Atualmente é coordenadora do Laboratório de Fisiologia da UFES (LAFEX), desenvolvendo pesquisa na área de Fisiologia cardiorrespiratória do exercício em adolescentes e também estudos epidemiológicos de atividade física e sedentarismo em crianças.

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www.neaad.ufes.br 70 |

(27) 4009 2208


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