Metodologia de Pesquisa

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Metodologia de Pesquisa 1 Eduardo José Zanoteli

Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo

Ciências Contábeis

Bacharelado


O

céu, as estrelas, o sol, o movimento dos corpos, os fenômenos da natureza e tantas outras coisas, sempre provocaram no homem um desejo incontido de descobrir e entender como elas funcionam, como se modificam, como se adaptam. Enfim, de descobrir o porquê das coisas acontecerem assim, sempre do mesmo jeito e em todo lugar. Essa curiosidade humana nos levou a descobertas incríveis e a avanços nunca antes imagináveis. E tudo isso graças à ciência. Em ciência tudo deve ser meticulosamente analisado, testado e comprovado. Para tanto, é necessário o uso de um conjunto de métodos e técnicas, o qual chamamos de metodologia. Esta disciplina, na verdade, é um grande convite a novas descobertas, talvez não tão incríveis quanto as de Galileu, de Newton, de Darwin e de Einstein. Mais descobertas pessoais de cada um de vocês meus alunos e alunas. Descobertas que vão acompanhá-los por toda vida profissional de vocês.


UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO Núcleo de Educação Aberta e a Distância

Metodologia de Pesquisa 1

Eduardo José Zanoteli

Vitória 2010


Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky DED - Diretoria de Educação a Distância Sistema Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

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Zanoteli, Eduardo José. Metodologia de Pesquisa 1 / Eduardo José Zanoteli. - Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e à Distância, 2010. 56 p. : il.

Z33m

Ilustração Lucas Toscano

Editoração Thiago Dutra Capa Thiago Dutra Lucas Toscano Impressão GM Gráfica e Editora

Inclui bibliografia ISBN:    1. Pesquisa - Metodologia. 2. Ciência - Metodologia. I. Título. CDU: 001.8

Copyright © 2010. Todos os direitos desta edição estão reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Ciências Contábeis, na modalidade a distância. A reprodução de imagens de obras em (nesta) obra tem o caráter pedagógico e cientifico, amparado pelos limites do direito de autor no art. 46 da Lei no. 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reprodução realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil


Sumário Unidade1

A ciência e o conhecimento científico

pág. 9

Unidade 2

A evolução da ciênca

pág. 19

Unidade 3

O método científico

pág. 27

Unidade 4

A teoria e a pesquisa científica

pág. 35

Unidade 5

A pesquisa científica

pág. 43 Considerações finais pág. 55

Referências

pág. 56


Boas vindas! O céu, as estrelas, o sol, o movimento dos corpos, os fenômenos da natureza e tantas outras coisas, sempre provocaram no homem um desejo incontido de descobrir e entender como elas funcionam, como se modificam, como se adaptam. Enfim, de descobrir o porquê das coisas acontecerem assim, sempre do mesmo jeito e em todo lugar. Essa curiosidade humana nos levou a descobertas incríveis e a avanços nunca antes imagináveis. E tudo isso graças à ciência. Em ciência tudo deve ser meticulosamente analisado, testado e comprovado. Para tanto, é necessário o uso de um conjunto de métodos e técnicas, o qual chamamos de metodologia. Portanto, tudo o que descobrimos e todo o conhecimento que geramos somente se tornaram possíveis a partir do momento que criamos uma metodologia de pesquisa. E esta pesquisa planejada, direcionada, bem conduzida, com erros e acertos, fracassos e conquistas nos trouxe onde estamos hoje. Esta disciplina, na verdade, é um grande convite a novas descobertas, talvez não tão incríveis quanto as de Galileu, de Newton, de Darwin e de Einstein. Mais descobertas pessoais de vocês meus caros alunos e alunas. Descobertas que vão acompanhá-los por toda vida. Sejam todos muito bem vindos à disciplina Metodologia da Pesquisa I. E motivados pelas palavras de Einstein, que dizia: “a mente que se abre a uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original”, espero que possamos concluir esta disciplina com a nossa mente mais aberta, mais evoluída e com um senso crítico ativo, o que é fortemente desejável aos alunos e alunas de 3º grau.


Objetivo e ementa Esta disciplina tem por objetivo geral proporcionar aos alunos e alunas conhecimentos sobre os diversos tipos de conhecimentos, com ênfase sobre o conhecimento científico, bem como capacitá-los para o desenvolvimento e apresentação de trabalhos de forma científica. Os objetivos específicos são: - Compreender a pesquisa científica e as suas implicações. - Padronizar as formas de condução dos trabalhos de investigação científica. - Uniformizar as formas de apresentação de trabalhos científicos. - Entender quais são os caminhos genéricos para se fazer ciência. - Despertar-se para a necessidade do rigor metodológico.

Dessa forma, a ementa propõe que sejam discutidos: o quê, como, para quê e para quem serve (este último no contexto do curso de Ciências Contábeis) a disciplina Metodologia da Pesquisa I. As formas de conhecimento. O método científico. As hipóteses, as leis e as teorias científicas. Os sistemas científicos. A pesquisa científica. A elaboração e a apresentação de trabalhos científicos. Aqui cabe um comentário. O objetivo de uma disciplina somente tem sentido de existir e somente trará resultados se for o firme propósito de um grupo e não apenas uma proposta pedagógica de um departamento ou de um professor. Digo isto, pois é necessário que antes de seguir adiante nesta disciplina, você, aluno e aluna, assuma o seu papel no processo de ensino-aprendizagem que estamos iniciando. Além do objetivo proposto por nós para esta disciplina, que a partir de agora deve ser de todos, defina também os seus objetivos pessoais para esta disciplina e os mantenha sempre à vista para que você não os esqueça. Sempre que você realizar alguma atividade relacionada a esta disciplina, lembre-se dos seus objetivos e persiga-os.


Orientação para os estudos É importante ressaltar que esta disciplina tem carga horária de 30 horas e que estará disponível por cinco semanas. Portanto, é de suma importância que você planeje as suas atividades de estudo. Recomendo que você distribua a carga horária desta disciplina em pelo menos dez horas de estudos semanais da forma que melhor lhe convier. A leitura deve ser a sua principal aliada. Mas não uma leitura desatenta, descompromissada e sem muito interesse. Deve ser uma leitura atenta, curiosa e a sua mente deve estar disposta a novas descobertas. Permita-se se encantar com estas descobertas e que estas o levem a se motivar cada vez mais e mais. Quando eu era criança a minha mãe sempre dizia: “filho, o saber não ocupa espaço”. Mais tarde, eu aprendi que a nossa mente é como o universo – está sempre em expansão – e não há limites para esta expansão. Lembre-se das palavras de Einstein: “a mente que se abre a uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original”. Hoje percebo que ela estava realmente certa. Pense nisso você também e bons estudos. Ou melhor, boa expansão mental.



10    Metodologia de Pesquisa 1


UNIDADE

A ciência e o conhecimento científico

1

Introdução A ciência desenvolveu-se a partir do ímpeto humano de querer entender o funcionamento das coisas. Não se imaginou, entretanto, que tanta curiosidade e tanta persistência pudessem gerar tanto conhecimento e tantas descobertas. Mas como você pode imaginar, tudo isto não se formou e se consolidou de uma hora para outra. Muito tempo e muito esforço tiveram que ser empreendidos para chegar ao que temos hoje. O senso comum, muitas vezes imposto pela tradição, foi dando aos poucos lugar ao saber científico. Vamos começar a entender este processo nesta unidade.

Desenvolvimento Desde o início de sua existência, o homem elabora seu saber a partir de sua experiência e de suas observações pessoais. Desta forma, desenvolveu habilidades que outras espécies não possuem como, por exemplo, manipular o fogo, construir casas e edifícios, confeccionar roupas para as diferentes estações do ano, dentre outras; pois somente o homem desenvolveu a habilidade de pensar. O pensar associado às observações do que estava ao seu redor permitiu-o, na maioria das vezes por intuição,1 formar o seu saber. Por sua vez, essas explicações espontâneas, chamadas por nós hoje de “senso comum”, são, com frequência, enganadoras. Vejamos um exemplo: Por muito tempo acreditou-se que o Sol girava

1. Intuição: “percepção clara, reta, imediata de verdades sem necessidade da intervenção do raciocínio” (Bueno, 2000, p. 446). É, por excelência, o tipo de saber espontâneo.

Unidade 1  A ciência e o conhecimento científico   11


em torno da Terra, pois, quando observávamos o seu movimento, ele nascia de um lado da Terra e se punha do outro, sugerindo, assim, um movimento circular do Sol em torno da Terra. Essa explicação pareceu lógica para muitos, embora sem mais provas do que a simples observação, e foi aceita por quase todos durante séculos. Hoje, entretanto, sabemos que a Terra gira em torno do Sol e que a sua órbita é elíptica e não circular. E tudo isso por causa da gravidade, daquela lei2 proposta e provada por Newton no século XVII. Quando estas explicações da realidade pareciam suficientes eram passadas de geração em geração, pelas famílias, pelas escolas e até pelas igrejas. Sim, pelas igrejas, quando algo aqui na Terra não podia ser explicado pelas observações, era explicado pelo sobrenatural, pelo divino. Este conjunto de saberes e de explicações espontâneas, constitui o que chamamos de tradição.3 A tradição, com frequência e sem provas sistematicamente elaboradas, era transmitida por entidades, algumas já foram citadas neste parágrafo, que detinham autoridade e credibilidade. Assim, por séculos, o saber humano foi constituído somente por conhecimentos advindos da intuição, das explicações espontâneas e da tradição.

Tipos de conhecimento 2. “A Lei da Gravitação Universal de Newton foi um passo muito importante para a ciência; afinal, ele mostrou que a mesma força que faz os objetos caírem aqui na Terra causa a órbita da Lua em torno da Terra e dos planetas em torno do Sol. Assim, a física que explica os movimentos terrestres é a mesma que explica os movimentos nos céus.” (Gleiser, 2003, p. 39). 3. Tradição: “Transmissão oral de lendas ou narrativas; transmissão de valores espirituais de geração em geração; conhecimento ou prática proveniente da transmissão oral ou de hábitos inveterados; costume; uso.” (Bueno, 2000).

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O conjunto dessas explicações espontâneas, intuitivas, baseado apenas nas observações – “senso comum” – constitui o que chamamos de conhecimento popular. O saber racional foi desejado muito cedo pela humanidade, entretanto, a sua consolidação como saber científico ocorreu no Ocidente há pouco mais de um século. Neste aspecto, o conhecimento filosófico teve um papel relevante, visto que buscava sistematizar o saber a partir da razão. Lakatos e


Marconi (1991, p. 16), afirmam que o conhecimento filosófico “[...] é caracterizado pelo esforço da razão pura para questionar os problemas humanos e poder discernir o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da própria razão humana”. O conhecimento científico, por sua vez, desenvolveu-se bem depois, atingindo o seu auge nos séculos XVIII e XIX. Caracterizado pela sistematização do conhecimento e por sua verificação por meio de fatos e dados, o conhecimento científico, assim como o popular e ao contrário do filosófico, é falível, pois não é definitivo, absoluto ou final. Costuma-se dizer que em ciência tudo é verdade até que se prove o contrário. Aparentemente oposto ao que chamamos de conhecimento científico, o conhecimento popular se diferencia deste não pela veracidade e nem pela natureza do objeto conhecido, mas sim pela forma, pelo modo, pelo método e pelos instrumentos de se obter conhecimento. Outro tipo de conhecimento é o religioso, também conhecido como teológico. O conhecimento religioso é fortemente difundido pela tradição e diferentemente dos outros a sua fonte é inspiracional, pois são reveladas pelo sobrenatural. Logo, a adesão a este tipo de conhecimento é sempre um ato de fé. Suas proposições não estão sujeitas à verificação, visto que são infalíveis, embora possam ser sistematizadas. Cada um dos quatro tipos de conhecimento dá uma contribuição efetiva para a constituição do saber de um indivíduo e nenhum deles deve ser entendido como mais importante do que o outro. Todavia, para esta disciplina, interessa o conhecimento científico e sobre ele todo o conteúdo será construído e direcionado. O Quadro 1 resume os principais aspectos dos quatro tipos de conhecimento discutidos nesta seção.

Unidade 1  A ciência e o conhecimento científico   13


Conhecimento Popular

Científico

Filosófico

Religioso

Valorativo

Real (factual)

Valorativo

Valorativo

Reflexivo

Contingente

Racional

Inspiracional

Assistemático

Sistemático

Sistemático

Sistemático

Verificável

Verificável

Não verificável

Não verificável

Falível

Falível

Infalível

Infalível

Inexato

Aproximadamente exato

Exato

Exato

Quadro 1 – Os quatro tipos de conhecimento Fonte: Trujillo apud Lakatos e Marconi, 1991, p. 15 (adaptado).

Conceito de ciência Até agora não discutimos o que vem a ser ciência e você provavelmente deve estar se perguntando o que é; melhor ainda, a esta altura você já deve ter formado uma visão pessoal do que vem a ser essa tal de ciência. Vejamos duas propostas de conceito. Ander-Egg, citado por Lakatos e Marconi (1991, p. 19), conceitua ciência de forma mais abrangente como “um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza”. Já Trujillo, também citado por Lakatos e Marconi (Op. cit.), conceitua ciência de forma mais específica como “todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação”. Observe que fazer ciência exige do pesquisador postura e atitude, pois este deve buscar com persistência a verdade que os fatos lhe apresentam, de forma que seja possível tanto estabelecer o conhe14    Metodologia de Pesquisa 1


cimento de forma racional como obter resultados válidos sujeitos à verificação.

Classificação das ciências Segundo Martins e Theóphilo (2007) e Lakatos e Marconi (1991), uma classificação bastante aceita das ciências é a proposta por Bunge, que as organiza em dois grandes grupos: formais e factuais, sendo diferenciadas pelo seu conteúdo. O grupo das ciências formais é formado apenas pela lógica e pela matemática, pois é característica deste grupo o estudo de objetos abstratos que dispensam a experimentação, são as ditas ciências das ideias. O grupo das ciências factuais, as ciências dos fatos, contempla todas as outras ciências que não sejam a lógica e a matemática, pois tratam de objetos concretos e que dependem de verificação ou teste de suas hipóteses. Por sua vez, as ciências factuais são subdivididas em dois outros grupos: as ciências naturais e as ciências sociais. A Figura 1 ilustra a classificação proposta por Bunge.

Ciências

Formais

Lógica Matemática

Factuais

Naturais

Física Química Direito

Sociais

Antropologia Direito Economia Política Psicologia social Sociologia

Figura 1 – A proposta de Bunge para a classificação das ciências Fonte: Lakatos e Marconi, 1991, p. 24 (adaptado).

Unidade 1  A ciência e o conhecimento científico   15


Características do conhecimento científico E aí? Como fomos até aqui? Vocês devem estar compreendendo um pouco mais o universo das ciências e, ao mesmo tempo, devem estar repletos de dúvidas. Fiquem tranquilos, isso é bom! Um dos aspectos mais interessantes da ciência é o seu poder em esclarecer dúvidas. É realmente bom ter dúvidas, mas as dúvidas devem nos motivar a buscar as respostas que procuramos. Permita que as dúvidas lhe motivem a seguir em frente e a aprender muito mais, mesmo que isto signifique desaprender algumas coisas para depois aprender outras. Ou, como prefere dizer Demo (2000), mesmo que as dúvidas façam você reconstruir o seu conhecimento. Tendo discutido os tipos de conhecimento, o conceito de ciência e a sua classificação, é importante entender agora os aspectos mais relevantes do conhecimento científico, pois este é o foco desta disciplina. Para pensar cientificamente é importante entender a abrangência deste tipo de conhecimento. O conhecimento científico, no âmbito das ciências factuais, apresenta as seguintes características: racional, objetivo, factual, transcendente aos fatos, analítico, claro e preciso, comunicável, verificável, dependente de investigação metódica, sistemático, acumulativo, falível, geral, explicativo, preditivo, aberto e útil (Lakatos e Marconi, 1991). Para a geração de conhecimento científico nas ciências factuais, é importante certificar-se que ele esteja sendo gerado de forma racional e não emocional, orientado por sensações, percepções e imagens pessoais. O conhecimento deve ser gerado de forma a estruturar as ideias, combinando-as de forma lógica de modo a produzir novas ideias. Essas ideias e o conhecimento delas advindo devem ser produzidos de modo objetivo, ao contrário do que acontece com o conhe16    Metodologia de Pesquisa 1


cimento popular que é fortemente subjetivo. A consistência das conclusões deve repousar sobre os fatos observados e somente por eles deve ser influenciado. Desta forma, o conhecimento científico é também factual, já que os fatos são a “matéria-prima” da ciência. Os fatos, por sua vez, não podem constituir-se em uma barreira para a produção de conhecimento e descoberta da verdade. Por isso o conhecimento científico deve transcender aos fatos, deve ir além deles, permitindo que novos fatos possam ser gerados, estudados, sistematizados e analisados. O que nos permite concluir que o conhecimento científico também é analítico, não se limita à periferia dos fatos, aprofunda-se no seu estudo a ponto, inclusive, de gerar síntese. Portanto, o conhecimento científico deve ser claro e preciso. Não pode suscitar dúvidas. Seus objetivos devem ser definidos com transparência e precisão, de forma a orientar a busca pela verdade dos fatos. Desta forma, é necessário ainda que o conhecimento científico seja comunicável. As descobertas devem ser divulgadas de forma tal que todos possam ter acesso e se beneficiar do conhecimento adquirido. É importante destacar que, para ser comunicável, o conhecimento científico deve ser escrito de forma clara e precisa, simples e objetiva, sem exageros, deixando de lado a busca de termos rebuscados, complexos e excessivamente técnicos. Conforme Nobrega (1996), a ciência é a linguagem que explica o universo. Desta forma, a linguagem científica deve ser compreendida por todos, sem exceção. A explicação do universo depende de investigação metódica, orientada pelo conhecimento já existente e transcendente aos fatos. Deve ser planejado e obedecer a um método preestabelecido que possa conduzir a resultados cientificamente válidos. É, portanto, verificável. Deve passar pela prova da experiência e esta deve ser confirmada.

Unidade 1  A ciência e o conhecimento científico   17


O conhecimento científico é, sobretudo, sistemático, pois deve ser constituído por um sistema de ideias, logicamente correlatas, metodicamente estudada, testada, avaliada e validada. O registro das descobertas, dos sucessos e fracassos torna o conhecimento científico acumulativo, o que é altamente positivo já que contribui para a geração de novos conhecimentos. Todavia, o conhecimento científico não é perfeito, não se constitui um fim em si mesmo e por não ser definitivo e absoluto é falível. Aqui, um aspecto louvável da ciência, porque mesmo errando, mesmo não atingindo objetivos previamente definidos, a ciência aprende e gera mais conhecimento. Toda teoria deve ser posta à prova, como dizia Popper,4 e cada vez que se tenta provar que uma teoria é falsa e não se consegue, acaba-se por contribuir para que ela seja fortalecida, e assim criou-se o método do falseamento. O conhecimento científico é geral e irrestrito, deve conduzir a conclusões válidas em todo o mundo, não só em um país ou em uma determinada localidade. Deve explicar como os fenômenos acontecem sempre e em todo lugar, do mesmo jeito e da mesma forma. Como diz Lakatos e Marconi (1991), deve procurar, na variedade e unicidade, a uniformidade e a generalidade, deve permitir a elaboração de modelos e sistemas mais amplos. Nesta perspectiva, o conhecimento científico deve ser explicativo, além de inquirir como são as coisas, deve responder ao porquê. Prospecção, o conhecimento científico é preditivo. A partir das teorias, das leis, das generalizações, do conhecimento anteriormente 4. Karl Raymund Popper (Viena, 28 de Julho de 1902 — Londres, 17 de Setembro de 1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico. É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do totalitarismo. Ele é talvez melhor conhecido pela sua defesa do falsificacionismo como um critério da demarcação entre a ciência e a nãociência, e pela sua defesa da sociedade aberta (http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Popper).

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adquirido pode-se realizar previsões, não adivinhações. No campo científico, trabalhar com o futuro também é importante. Antecipar situações indesejáveis como as consequências do aquecimento global ou do efeito estufa são bons exemplos do poder preditivo que o conhecimento científico pode permitir. Ao conhecimento científico, a priori, não se impõe limite. A ciência não é um sistema dogmático e fechado, pelo contrário, é


aberto. Tudo aceita desde que metodicamente apresentado e sistematicamente comprovado. Por fim, o conhecimento científico deve ser útil. É somente no século XIX que a ciência deixa os laboratórios para ter aplicações práticas: ciência e tecnologia encontram-se (Laville e Dionne, 1999). A vida das pessoas agora pode ser melhorada e até prolongada, tendo em vista as novas descobertas da ciência. Empresas podem ser mais bem administradas, pessoas podem ser estudadas e compreendidas, as crianças passam a ser vista com mais propriedade, a natureza, tão devastada pelo capitalismo, ganha defensores e o que antes era impossível, agora é mais do que provável.

Leituras complementares Como forma de complementar as discussões promovidas nesta unidade e consolidar aspectos importantes, recomendamos com ênfase as seguintes leituras: a)  Capítulo 1 (A coisa mais preciosa) do livro “O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro” de Carl Sagan, editora Companhia das letras. b)  Capítulo 1 (Marketing e inovação: de Galileu e Newton à Coca-Cola) do livro “Em busca da empresa quântica” de Clemente Nobrega, editora Ediouro.

Unidade 1  A ciência e o conhecimento científico   19


20    Metodologia de Pesquisa 1


UNIDADE

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A evolução da ciência Introdução Tendo nos familiarizado com o conhecimento científico e entendido o papel da ciência em nossa vida cotidiana e já compreendido que a Contabilidade é uma ciência social, nesta unidade, vamos nos deparar com o processo de evolução da ciência. A partir da contribuição de grandes nomes da ciência, cujas descobertas foram impulsionando e motivando novas descobertas, chegaremos aos dias de hoje e vamos nos posicionar no mercado de trabalho e sociedade atuais.

Desenvolvimento Como vimos na unidade anterior, desde muito cedo o homem se questionou quanto ao porque das coisas acontecerem da maneira com as vemos e sentimos, entretanto, nem sempre buscamos estas explicações na razão, no raciocínio lógico e estruturado, na compreensão factual dessas coisas. Muito tempo foi necessário para consolidarmos esta visão. O homem, por séculos a fio, buscou explicação para as coisas no sobrenatural, nas crenças e na religião. Na Grécia antiga, os filósofos foram os primeiros a proporem um caminho pautado na razão humana e nas evidências que dispomos para explicar e compreender o que nos cerca. Tales de Mileto5 é considerado o primeiro dos filósofos. Ele foi seguido mais tarde por outros

5. Fim do século VII a.C. a início do século VI a.C.

grandes filósofos, dentre os quais se destacam Demócrito,6 Pla-

6. Cerca de 460 a.C. a cerca de 370 a.C.

tão7 e Aristóteles,8 que abriram caminho para o que, bem mais

7. De 428 ou 427 a.C. a 348 ou 347 a.C.

tarde, pôde ser chamado de ciência.

8. De 384 a.C. a 322 a.C.

Unidade 2  A evolução da ciência   21


A contribuição dos grandes filósofos foi dar o primeiro passo na busca das explicações pautadas na razão, mas não se preocupavam com as evidências, bastava a lógica do raciocínio ou até mesmo de um argumento para suportar uma conclusão. Por isso não podemos chamá-los de cientistas, uma vez que, a ciência exige comprovação, experimentação, confirmação, prova. Nesse sentido, o italiano Galileu Galilei (1564 a 1642) é considerado por muitos o primeiro cientista moderno, porque, além de usar argumentos lógicos, racionais e sistemáticos, ele desenvolveu um método que ficou conhecido como experimental. O método experimental de Galileu é suportado pelo processo indutivo, no qual primeiro se deve observar os fenômenos de forma que, em seguida, se possa fazer uma análise dos elementos constitutivos do fenômeno objeto de estudo. Somente a partir daí pode-se inGalileu Galilei

duzir hipóteses que devem, enfim, ser verificadas por meio de experimentos. Busca-se, em seguida, a generalização dos resultados obtidos para casos similares e, quando confirmadas as hipóteses, pode-se criar leis gerais aplicáveis a todos os casos. Galileu ganhou notoriedade a partir de um experimento realizado em público, nas palavras de Gleiser (2003, p. 21): “um teatro da física”, quando convidou uma multidão de pessoas para assistir a uma série de experimentos que havia planejado a fim de demonstrar que a velocidade dos corpos quando caem são as mesmas e não diferentes como afirmara séculos atrás o filósofo Aristóteles. Por não se ter detalhes muito claros deste episódio, imagina-se que Galileu deva ter deixado cair diversos pares de objetos de formas, tamanhos e pesos diferentes e ter solicitado às pessoas que o assistiam para lhe informar quais objetos chegavam primeiro ao solo. A grande constatação e surpresa para a época foi que os pares de objetos chegavam sempre juntos ao solo, no máximo, com pequenas variações, tendo em vista o atrito com o ar. Na verdade, Galileu não queria apenas demonstrar que a velocidade dos corpos, independentemente da sua massa, é a mesma quando caem. O que

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ele pôde concluir e provar é que a velocidade é influenciada pela aceleração e que esta é provocada pela ação gravitacional da Terra sobre estes objetos. Com isso, pôde ainda desenvolver uma fórmula matemática para prever quanto tempo demora para um objeto cair de uma certa altura. Galileu acreditava que a natureza deveria ser descrita por meio da matemática, o que mais tarde contribuiu significativamente para a formação da corrente positivista do pensamento científico. Muito mais do que ter conseguido provar a sua teoria, Galileu havia inaugurado o período científico. Não bastava mais o argu-

Johanes Kleper

mento filosófico e a razão pela razão, era necessária agora a sua verificação. As teses e as teorias tinham que ser postas à prova da verificação, no modelo de Galileu, à prova da experimentação. Galileu abriu caminho, portanto, para que ideias como a do astrônomo polonês Nicolau Copérnico9 (1473 a 1543) fossem finalmente testadas. O astrônomo alemão Johanes Kleper (1571 – 1630), que foi o primeiro a propor que os planetas são movidos por forças que emanam do Sol e obteve as famosas três leis do movimento planetário, entre elas a que diz que as órbitas são elípticas e não circulares, muito incentivou Galileu a tentar pro-

Isaac Newton

var as teorias de Copérnico. Obviamente, Galileu não parou por aí e obteve muitos outros sucessos na comprovação das suas teorias. Isaac Newton10 (1642 a 1727), sem dúvida um dos cientistas mais influentes de toda a história, é um capítulo à parte. Além da Lei da Gravitação Universal, obteve as três leis que descrevem o movimento dos corpos como sendo causado por forças. Descreveu, também, as propriedades ópticas da luz e inventou o cálculo diferencial e integral. Quem não se lembra da segunda lei Newton? Aquela que diz que toda ação corresponde a uma reação de igual força e intensidade. Aliás, penso que o método das partidas dobradas,11 aquele que diz que todo

9. Copérnico ganhou fama por sugerir, no século XVI, que o Sol e não a Terra era o centro do cosmo. 10. Matemático, físico, astrônomo e filósofo inglês. 11. Método de registro contábil utilizado desde o Século XIV. É atribuído ao Frei Franciscano Luca Bartolomeu de Pacioli (1445 a 1517), o qual dedicou em sua obra “Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et propornaliti” (colecção de conhecimentos de Aritmética, Geometria, proporção e proporcionalidade) um capítulo sobre escrituração contábil, no qual descreveu o método das partidas dobradas. É considerado o pai da Contabilidade moderna.

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débito corresponde a um crédito de mesmo valor e vice-versa, foi, de alguma forma, influenciado pela segunda lei de Newton. Com o caminho aberto por Galileu e amplamente expandido por Newton, muitos outros cientistas, em diferentes áreas de conhecimento, deram grandes contribuições para a ciência e para a humanidade. Vejamos alguns excelentes exemplos (Gleiser, 2003, p. 34 e 35):

Antonie Lavoisier (1743 a 1794), químico francês. Demonstrou que as coisas queimam devido à combustão de oxigênio. Estudou a composição química do ar, da água e das plantas. Obteve a Lei de Conservação da Massa, seguida em todas as reações químicas.

Michael Faraday (1791 a 1867), físico inglês. Estudou as propriedades da eletricidade e do magnetismo, mostrando a íntima relação entre as duas forças. Suas descobertas levaram a inúmeras invenções, incluindo o motor elétrico.

Charles Darwin (1809 a 1882), biólogo inglês. Propôs a Teoria da Evolução, segundo a qual espécies animais vão se transformando no tempo em razão do processo de seleção natural.

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Max Planck (1858 a 1947), físico alemão. O primeiro cientista a propor que os processos atômicos não ocorrem continuamente, como no nosso dia-adia, mas em saltos discretos, chamados “quanta”.

Albert Einstein (1879 a 1955), físico alemão. O mais famoso dos cientistas, revolucionou a física em várias frentes. Sugeriu que a luz era feita de pequenos pacotes, hoje chamados fótons, e desenvolveu as duas Teorias da Relatividade, a Especial e a Geral, que modificaram profundamente nossa compreensão do que são espaço e tempo, e de qual é a estrutura do Universo.     Niels Bohr (1885 a 1962), físico dinamarquês. Propôs um modelo do átomo onde elétrons giram em torno do núcleo em órbitas circulares. Eles só podem pular de uma órbita para a outra descontinuamente, de acordo com as ideias de Planck.     Edwin Hubble (1889 a 1953), astrônomo americano. Mostrou que as galáxias distantes estão se afastando umas das outras. Interpreta-se esse movimento como a demonstração da expansão do Universo.

Unidade 2  A evolução da ciência   25


Esses e outros grandes nomes da ciência abriram caminhos para novas e surpreendentes descobertas. A conclusão dessa unidade que tratou da evolução da ciência depende da realização das atividades propostas na Unidade I, sem as quais vocês não contextualizarão como o passado da ciência influenciou o nosso presente e deve modificar o nosso futuro.

Leitura complementar Como forma de complementar as discussões promovidas

Nisso é coerente, porque sabe desconstruir-se, pela

pelas Unidades I e II e consolidar aspectos importantes,

simples razão de que nunca se constrói até o fim,

recomendamos com ênfase a leitura do texto a seguir:

fica pelo caminho, perde-se em paradigmas, quando pergunta não tem todas as respostas, e quando responde deixa tanto mais perguntas.

Um texto para reflexão Extraído do livro Metodologia do Conhecimento Científico de Pedro Demo, Editora Atlas, 2000, páginas 208 e 209.

Essa ambivalência é, na verdade, sua força e temeridade. Porquanto, conhecimento sempre implica crítica. Não é conhecimento ver apenas o que já se

Talvez a marca mais profunda do conhecimento

viu ou se vê. Seria cópia. Conhecimento, pela própria

seja sua ambivalência, não sua racionalidade es-

tessitura hermenêutica, vê a seu modo, acrescenta,

trita. Esta está abalada, seja porque emoção para

diminui, interfere. Por isso, é freqüentemente proibi-

o ser humano não é menos importante, seja porque

do, temido. Quem sabe pensar é um perigo. Sobretu-

a certeza e a verdade deixaram de ser opostas fe-

do para a ordem vigente. E aí está sua importância

chadas. Todo processo de conhecimento também é

para as mudanças sociais. O sistema não teme po-

de acobertamento, porque, ao aprofundar-se, dei-

bre que pede esmola. Cesta básica e primeira dama

xa de lado o que considera menos relevante. Esse

geralmente resolvem. Teme o pobre que sabe pensar.

olhar seletivo pode ser compensado pela visão mais

Não segue daí que conhecimento seja, de si, emanci-

vertical e traído pelo fato de que nunca sabemos,

pador. O modernismo é a “contraprova”. Todavia, tem

até ao fim, o que é mais relevante. Se soubéssemos,

essa potencialidade embutida na crítica desconstru-

estaria resolvido o problema do conhecimento. Em

tiva que lhe perpassa a alma. Para que o pobre possa

tudo que o conhecimento diz, há sempre dívida não

sacudir sua miséria, precisa, primeiro, disso: descons-

paga, pressupostos, pontos de partida sem ponto.

truir sua história de subalternidade, para, depois,

Por isso, precisa ser crítico, sobretudo autocrítico.

construir seu projeto de história própria.

26    Metodologia de Pesquisa 1


O pós-modernismo escancarou as fragilidades do

não-linearidade e saltos emergenciais. O olhar éti-

conhecimento, mas, sem querer, indigitou a dinâ-

co torna-se fundamental, para trazer esse marca

mica que o faz central para qualquer desenho do

indomável a serviço dos excluídos.

futuro. Como não seria de outra forma, o mercado neoliberal apressou-se em apoderar-se dessa pro-

Ao mesmo tempo, qualquer olhar mais crítico reco-

priedade inventiva, aprisionando a energia indo-

nhece que somos mais ricos e sabidos, mas igual-

mável na mercadoria. Pena! Tanto conhecimento

mente mais infelizes. Primeiro, porque somos mais

e tanta desigualdade. Volta a ambivalência: co-

ricos e sabidos apenas no topo da pirâmide social.

nhecimento crítico é essencial para combater a

Segundo, porque o conhecimento tem tomado o

desigualdade, mas, fechado no mercado, cultiva-a.

rumo exclusivo da competitividade. Não é possível

Entre as artes mais refinadas do conhecimento está

ser feliz, nem sendo colonizado, nem colonizando

a produção da ignorância. Sabemos fazer isso com

os outros. Com isso, estamos apenas preparando o

extraordinária perícia e chamamos a isso de “siste-

confronto. Isso também deve ser lembrado, na re-

ma de ensino”. Saber pensar, ao contrário, aponta

clamação de Brecht: se o conhecimento não nos

para a marca indomável do conhecimento em sua

torna mais felizes, não pode ser científico.

Unidade 2  A evolução da ciência   27


28    Metodologia de Pesquisa 1


UNIDADE

o método científico

3

Introdução Imagino que depois de termos estudado as Unidades I e II, vocês já tenham percebido que o conhecimento científico para ser reconhecido como válido deve ser posto à prova, deve ser verificado, confirmado. Mas, como isto é possível? Esta é uma boa pergunta, mas me permitam responder-lhes com outra pergunta: Como devemos escovar os nossos dentes? Calma, pensem antes de responder. Se eu pudesse listar agora as inúmeras maneiras de escovar os dentes que vocês devem ter imaginado, com certeza, eu precisaria de algumas folhas de papel em branco para registrá-las. Mas o que isto significa? Significa que cada um de vocês tem um método, uma maneira, um modo de escovar os dentes. Alguns desses métodos provavelmente serão mais eficientes do que outros e alguns devem até ter imaginado que uma boa escovação deve ser complementada pela utilização do fio dental. Observem que mesmo as coisas simples, para serem realizadas de maneira mais eficiente, dependem de um método. Até mesmo o simples ato de escovar os dentes ou preparar um cafezinho. Pergunte para a sua mãe como ela faz um cafezinho. Depois, pergunte para a sua avó, para o seu pai, para a sua tia... Perceba as diferenças entre os métodos que lhes serão apresentados. Quem sabe até vocês os coloquem à prova e tentem verificar e confirmar os resultados! E compará-los é claro! Em se tratando de ciência não poderia ser diferente. Então, retornando à nossa primeira pergunta: Como é possível colocar o conhecimento científico à prova da verificação e da confirmação? Vocês respondem... Calma, pensem, eu espero... Isso mesmo, Unidade 3  O método científico   29


a partir do método científico. A questão é que o método científico deve ser criteriosamente observado, sistematicamente aplicado e devidamente documentado de forma que os seus resultados possam ser verificados e reconhecidos como válidos. Esta unidade vai apresentar a vocês uma breve introdução aos métodos científicos, visto que o aprofundamento desse conteúdo caberá à disciplina Metodologia da Pesquisa II. Entretanto, ao final desta unidade, vocês deverão ser capazes de compreender a necessidade da utilização do método científico para a realização de pesquisas científicas.

Desenvolvimento

Conceito de método científico “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio que eu moverei o mundo” (Arquimedes).

A palavra método vem do grego méthodos que significa “caminho para chegar a um fim”. Quando esse fim é científico dizemos que o método é científico. A literatura nos oferece diversos conceitos para o método científico. Entretanto, utilizaremos aqui o conceito proposto por Cervo e Bervian apresentado por Lakatos e Marconi (1991, p. 39-40), qual seja: Em seu sentido mais geral, o método é a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado [...] é o caminho a seguir para chegar à verdade. Nas ciências, entende-se por método o conjunto de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade.

Leiam novamente e com muita atenção o conceito proposto. Observem a importância do método não só para a ciência, mas tam30    Metodologia de Pesquisa 1


bém para a nossa vida profissional e pessoal. Consideraremos nesta disciplina, como alguns autores também o fazem em suas obras, que o método científico corresponde à teoria da investigação. Imaginem... Como fazer uma auditoria ou uma perícia contábil sem um método? Como registrar as modificações do patrimônio de uma entidade sem um método? A disciplina Contabilidade Introdutória I apresentou a vocês o “método das partidas dobradas”, o qual permite o registro das modificações do patrimônio de uma entidade. As disciplinas de Auditoria e Perícia, que vocês ainda farão, vão apresentar a vocês os métodos específicos de cada uma dessas áreas para atingir os seus objetivos. Notem, portanto, que o estudo dos métodos é algo extremamente necessário para a formação de um profissional, em qualquer área do conhecimento.

Evolução histórica do método científico Como vimos na Unidade II, a ciência evoluiu com o tempo e essa evolução dependeu também da evolução do método científico. Diversos são os métodos científicos propostos. Alguns mais gerais como, por exemplo, os métodos indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialético12 e outros mais específicos como, por exemplo, os métodos histórico, comparativo e estruturalista, aplicados às ciências sociais. Nesta breve introdução aos métodos científicos, vamos nos ater apenas aos caminhos genéricos mais usuais para se fazer pesquisas em Ciências Contábeis e, por isso, vamos abordar apenas os métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo. Galileu,13 embora não tenha se preocupado em formalizar isso, desenvolveu o método indutivo. Bacon,14 embora também seja adepto do método indutivo, propôs um caminho diferente de Ga-

12. Busca a descoberta de verdades por meio da contraposição de raciocínio, limitação e abrangência do contexto na exposição dos fatos estabelecidos pelo raciocínio. 13. Já apresentado na Unidade II. 14. Francis Bacon: nasceu em Londres em 1561 e morreu na mesma cidade em 1626. Sua educação orientou-se para a vida política, na qual alcançou posições elevadas. Foi o autor do primeiro esboço racional de uma metodologia científica (http://educacao.uol.com.br/ biografias/francis-bacon.jhtm).

Unidade 3  O método científico   31


lileu. Descartes,15 por sua vez, contestou fortemente o método indutivo e desenvolveu o método dedutivo. Popper16 propôs as bases do método hipotético-dedutivo e com Hegel17 o método dialético atingiu o seu apogeu. Inúmeras foram as contribuições dos pesquisadores aos métodos científicos ao longo do tempo e da história da ciência. Uns os desenvolvendo, outros os aplicando e criticando e todos fomentando o que hoje entendemos por método científico. Vocês também terão a oportunidade de utilizar pelo menos alguns desses métodos científicos e, por que não, dar a contribuição de vocês.

Método indutivo Lakatos e Marconi (1991, p. 47) conceituam a indução como... Um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, inferese uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam. 15. René Descartes: nasceu em La Haye en Touraine em 1596 e morreu em Estocolmo em 1650, também conhecido como Renatus Cartesius (forma latinizada), foi filósofo, físico e matemático francês. Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma das figuras-chave na Revolução Científica (http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ren%C3%A9_Descartes). 16. Já apresentado na Unidade II. 17. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, nasceu em Estugarda em 1770 e morreu em Berlim em 1831. Foi um grande filósofo alemão (http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Wilhelm_ Friedrich_Hegel).

32    Metodologia de Pesquisa 1

Exemplo:     A conta caixa é devedora.    A conta clientes é devedora.    A conta tributos a recuperar é devedora.   Ora, as contas caixa, clientes e tributos a recupe      rar são contas do ativo.   Logo, (todas) as contas do ativo são devedoras.

Observem que, como destacam Lakatos e Marconi (1991, p. 4849), a indução deve ser realizada em três etapas: a) Observação dos fenômenos: buscar as causas da manifestação desses fenômenos.


b) Descoberta da relação entre eles: identificar, a partir da comparação, a relação constante existente entre os fenômenos. c) Generalização da relação: generalizar a relação encontrada nas premissas ao conjunto total dos fenômenos, mesmo que muitos deles não tenham sido observados.

Método dedutivo Segundo Cooper e Schindler (2003, p. 48), a dedução “[...] é uma forma de inferência que parece ser conclusiva – a conclusão deve necessariamente partir das razões dadas. Diz-se que essas razões implicam a conclusão e representam uma prova”. Exemplo:   Todos os itens registrados no ativo são aplicações.18   Ora, todos os bens são registrados no ativo.   Logo, todos os bens são aplicações.

Argumentos dedutivos e indutivos A partir dos exemplos de Lakatos e Marconi (1991, p. 57), vamos identificar a diferença entre os argumentos dedutivos e indutivos.

Dedutivo   Todo mamífero tem um coração.   Ora, todos os cães são mamíferos.   Logo, todos os cães têm um coração. Indutivo

Todos os cães que foram observados

tinham um coração.   Logo, todos os cães têm um coração.

Podemos observar que as conclusões no método dedutivo sacrificam a ampliação do seu conteúdo para garantir a “certeza”, en-

18. Na disciplina Contabilidade Introdutória I, vocês aprenderam que, no Balanço Patrimonial, são apresentadas do lado esquerdo as “aplicações” e do lado direito as “origens” e que, como toda aplicação tem uma origem, o lado esquerdo do balanço será sempre igual ao lado direito. Aliás, o fato de que toda aplicação corresponde a uma origem e vice-versa, justificase, ainda, porque, no “método das partidas dobradas”, todo débito corresponde a um crédito e vice-versa. Vocês devem ter aprendido, ainda, que as “aplicações” correspondem ao conjunto de bens e direitos da entidade e que as origens correspondem ao conjunto de obrigações da entidade, sejam elas exigíveis (passivo) ou não exigíveis (patrimônio líquido).

Unidade 3  O método científico   33


quanto as conclusões no método indutivo aumentam o conteúdo das premissas, mas sacrificam a precisão dos resultados obtidos. No Quadro 2, podemos observar as duas características básicas que distinguem os argumentos dedutivos e indutivos. Dedutivos

Indutivos

1)  Se todas as premissas são verdadeiras, a

1)  Se todas as premissas são verdadeiras,

conclusão deve ser verdadeira.

a conclusão é provavelmente verdadeira, mas não necessariamente verdadeira.

2)  Toda a informação ou conteúdo da conclusão já estava, pelo menos implici-

2)  A conclusão encerra informações

tamente, nas premissas.

que não estava, nem implicitamente, nas premissas.

Quadro 2 – Características básicas dos métodos dedutivo e indutivo Fonte: Salmon apud Lakatos e Marconi, 1991, p. 57.

Analisem os exemplos dados anteriormente e verifiquem se as afirmações de Salmon apresentadas no Quadro 2 são coerentes.

Método hipotético-dedutivo O método hipotético-dedutivo pode ser esquematizado como apresentado na Figura 2. Expectativas ou Conhecimento Prévio

Problema

Hipótese, Conjectura e/ou Suposição

Testagem / Falseamento

Figura 2 – O método hipotético-dedutivo. Fonte: Lakatos e Marconi, 1991, p. 66 (adaptado).

Segundo Popper citado por Lakatos e Marconi (1991, p. 67), no processo investigatório devem ser observados os seguintes momentos: 1) Problema – surge das lacunas, conflitos ou questionamentos das expectativas e teorias existentes. 34    Metodologia de Pesquisa 1


2) Hipótese, conjectura, suposição – consiste na proposta de uma solução prévia para o problema, deduzida da teoria e passível de teste. 3) Teste/falseamento – tentativas de refutação das hipóteses, conjecturas e/ou suposições, geralmente por meio da observação e experimentação. Em síntese, conforme concluem Lakatos e Marconi (1991, p. 65), o método hipotético-dedutivo proposto por Popper consiste [...] na construção de conjecturas, que devem ser submetidas a testes, os mais diversos possíveis, à crítica intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicidade crítica e ao encontro com os fatos, para ver quais as hipóteses que sobrevivem como mais aptas na luta pela vida, resistindo, portanto, às tentativas de refutação e falseamento.

Sintetizando as ideias, ampliando a visão Nesta breve introdução, vocês devem ter percebido que a escolha do método depende do que pretendemos fazer ou pesquisar. Os métodos vão se apresentar mais ou menos adequados ao que pretendemos fazer, dependendo dos objetivos que traçamos. A escolha do método é muitas vezes imposta pelos objetivos que queremos atingir. Entretanto, a sua escolha e a sua aplicação dependem fortemente do conhecimento que temos tanto a respeito dos objetivos que definimos quanto dos métodos que deveremos usar. Esta compreensão será muito útil quando na Unidade V formos tratar da “pesquisa científica”.

Unidade 3  O método científico   35


36    Metodologia de Pesquisa 1


UNIDADE

A teoria e a pesquisa científica

4

Introdução Depois de termos concluído a Unidade III e termos discutido um pouco sobre os métodos científicos, imagino que uma pergunta deva ter se formado na mente de vocês: Qual a referência utilizada pelos pesquisadores na coleta, compilação, ordenação, interpretação e análise dos fatos (fenômenos) estudados? Alguns podem até estar pensando assim: Se o método nos mostra o caminho a percorrer na busca da verdade, o que nos permite concluir que chegamos até ela? Se essas indagações estiverem presentes nas mentes de vocês, significa dizer que caminhamos bem até aqui. Mais ainda, significa dizer que vocês estão exercitando o que tenho tentado estimular em vocês com as avaliações, com as leituras complementares e com as atividades propostas nas unidades anteriores. Do que eu estou falando? Do senso crítico, da habilidade de pensar e de questionar e até de saber buscar por respostas. Afinal, essa é a essência desta disciplina. Para aqueles que não começaram a desenvolver essa inquietude mental ainda, por favor, peço que retornem à Unidade I e refaçam o percurso das unidades anteriores. Leiam atentamente os textos propostos, questionem-se, incomodem-se. Sim, incomodem-se, saiam da zona de conforto de vocês e ponham-se a pensar. Lembrem-se de uma das frases do texto proposto como leitura complementar na Unidade II: “Quem sabe pensar é um perigo”. Mas não se preocupem. O perigo é apenas para a ordem vigente, não para vocês ou para a humanidade e muito menos para a ciência.

Unidade 4  A teoria e a pesquisa científica   37


Voltando aos nossos questionamentos, a resposta para as duas perguntas é a mesma. Venham descobri-la comigo nesta unidade. Se é que vocês ainda não sabem a resposta. Entretanto, se vocês já sabem a resposta, venham comigo assim mesmo e pensem um pouco mais sobre esse assunto.

Desenvolvimento

Teoria é importante? De modo geral, quando se ouve falar em teoria, imagina-se algo distante da prática, pelo menos é o que a minha experiência profissional e pessoal tem me mostrado. Mas porque muita gente pensa assim? Eu tenho uma “teoria” sobre isso. Muitas pessoas vêem uma lacuna entre a teoria e a prática que não as permitem visualizar a sua aplicação. Em outras palavras, não sabem como operacionalizar na prática as orientações da teoria.19 Muitos profissionais da contabilidade não conhecem suficientemente as teorias que orientam o registro das modificações do patrimônio e acabam cometendo erros elementares. Em diversas oportunidades, lecionando as disciplinas de Contabilidade Introdutória e Contabilidade Intermediária, ouvi alunos e alunas dizerem: “[...] mas professor isso não funciona na prática!” ou “[...] na empresa/escritório em que eu trabalho não é feito assim!” Isso nos permite identificar duas situações: 1) Essas pessoas aprenderam a prática antes da teoria. 2) Essas pessoas não conseguiram visualizar ainda como a prática 19. Em verdade, algumas teorias acabam não tendo aplicações práticas mesmo.

38    Metodologia de Pesquisa 1

deve ser orientada pela teoria. Em ambos os casos, a minha “teoria” se aplica. Vejamos.


Essas pessoas aprenderam talvez a utilizar o método das partidas dobradas, mesmo sem saber do que se tratava e, provavelmente, conseguem até realizar lançamentos a débito e a crédito, mas não aprenderam ainda a teoria20 que os fundamentam e os orientam. Desta forma, essas pessoas repetem o que aprenderam, mas não têm consciência do que estão fazendo. Por isso, a cada fato novo não sabem como proceder, não sabem como fazer o lançamento contábil correto e acabam perguntando a alguém que supostamente conhece aquele assunto, geralmente por já ter se deparado com aquela situação. Ao passo que, se conhecessem a teoria que o fundamenta, poderiam até parar, pensar, analisar para, em seguida, definir o procedimento a ser seguido, mas, sem dúvida, conseguiriam definir sozinhas como contabilizar um fato ainda não visto ou não conhecido. Vocês percebem como é importante o senso crítico? Como é importante a referência teórica para orientar a conduta prática? Essa, sem dúvida, é uma das maiores contribuições das teorias: oferecer uma referência genérica que possa ser aplicada a fatos de mesma natureza. Entretanto, compreendê-las depende de senso crítico, do saber pensar e do saber aprender. Leonardo Da Vinci dizia: “Somente a prática deve ser edificada sobre a boa teoria”. É importante entendermos as palavras de Da Vinci. Quando ele diz “somente a prática deve ser edificada”, está dizendo que não deveria existir a prática sem a teoria.21 E quando diz “sobre a boa teoria”, está impondo o senso crítico, pois teorias podem existir várias, mas somente a boa teoria deve edificar a prática. A escolha cabe a cada profissional. Desta forma, os profissionais de Contabilidade, e todos os outros, devem conhecer as teorias que orientam e fundamentam as suas ciências, estudá-las, entendê-las e pô-las em prática. Questioná-las, pô-las à prova, criticá-las e, por que não, contribuir para melhorá-

20. Diversas foram as teorias desenvolvidas, aceitas e refutadas ao longo da história da Contabilidade como, por exemplo, as teorias do Contismo, do Reditualismo, do Aziendalismo e do Patrimonialismo. Na disciplina de Teoria da Contabilidade, vocês serão apresentados a estas e outras teorias e vão descobrir que o Patrimonialismo é a teoria mais aceita nos dias de hoje. Aliás, há bastante tempo, o Patrimonialismo vem sendo a teoria contábil mais aceita. 21. É importante destacar também que uma teoria que não tenha aplicação prática tem pouca ou nenhuma utilidade. A escola Italiana do pensamento contábil começou a declinar, e assim abriu espaço para a ascensão da escola Americana, quando as suas teorias perderam o sentido da aplicação prática. Mas, esse é um assunto para a disciplina de Teoria da Contabilidade.

Unidade 4  A teoria e a pesquisa científica   39


las ou até mesmo modificá-las ou refutá-las. O Bacharel em Ciências Contábeis deve conhecer a sua ciência e entender o porquê das coisas e não somente a técnica de registro dos fatos contábeis. É esse saber que o diferencia do Técnico ou Técnica em Contabilidade. Nessa perspectiva, nada mais oportuno do que o momento que estamos vivendo agora na história da Contabilidade mundial e brasileira. A tão desejada convergência das normas e práticas internacionais de Contabilidade nunca esteve tão perto de ser uma realidade. A Lei nº 10.637/2007 decretou de vez a inserção do Brasil neste processo, o que vem se consolidando desde então pela publicação dos inúmeros CPCs,22 os quais deveriam se constituir em adaptações das normas internacionais de contabilidade (IFRS).23 Digo deveriam, porque na prática tenho constatado que são traduções quase literais dos IRFS correspondentes. O que talvez vocês não tenham percebido ainda é a significativa mudança de paradigma que nos será imposta pela adoção desses pronunciamentos. Os CPCs, assim como os IFRS, permitem aos contadores e as contadoras diversas opções de procedimentos contábeis, cabendo única e exclusivamente a esses profissionais da Contabilidade a escolha e a definição de qual ou quais procedimentos serão adotados. A questão é que essa escolha deve ser 22. CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), órgão brasileiro responsável pela análise, adaptação e publicação de pronunciamentos contábeis no Brasil, os quais devem estar alinhados com as normas internacionais de Contabilidade. Esses procedimentos técnicos têm recebido o mesmo nome do órgão que os tem publicado: CPC. Vocês podem ter acesso aos CPCs no site: http://www.cpc.org.br/.

justificada e fundamentada para ser aceita como válida.

23. International Financial Reporting Standard (Padrões/Normas Internacionais de Relatórios Financeiros). Correspondem aos pronunciamentos técnicos da Junta de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB – International Accounting Standards Board). Vocês podem ter acesso aos IFRS no site: http://www.iasb.org/Home.htm.

áreas afins como a administração, a economia, a matemática, a

40    Metodologia de Pesquisa 1

E por isso aqui eu faço uma pergunta a vocês: Como fundamentar essas escolhas, essas opções, senão pela teoria? Mais do que nunca os profissionais da Contabilidade terão que demonstrar conhecimentos suficientes das teorias da Contabilidade, além de outras estatística, dentre outras. Não que isto não fosse importante antes, sempre foi, entretanto, em países como o nosso, em que as leis fiscais interferem signifi-


cativamente nos procedimentos contábeis, os profissionais tendem a pensar menos e a seguir mais aquilo que as leis determinam. Pois bem, aqui está a mudança de paradigma que os profissionais da Contabilidade no Brasil vão ter que enfrentar: migrar do modelo em que tudo o que eu devo fazer a lei diz e eu sigo para o modelo em que os CPCs orientam e eu escolho e fundamento qual procedimento vou adotar. Deixo aqui uma pergunta para vocês: A teoria é importante?

O que é Teoria? Laville e Dionne (1999, p. 93) ressaltam que as teorias são “[...] generalizações da ordem das conclusões ou das interpretações[...]. São generalizações das generalizações”. E concluem que as teorias são uma “[...] explicação geral de um conjunto de fenômenos; pode ser aplicada, em princípio, a todos os fenômenos semelhantes”. Destacam que o valor de uma teoria é, principalmente, explicativo. Kerlinger, citado por Lakatos e Marconi (1991, p. 113) e Martins e Theóphilo (2007, p. 28), conceitua teoria como “[...] um conjunto de construtos (conceitos), definições e proposições relacionadas entre si, que apresentam uma visão sistemática de fenômenos especificando relações entre variáveis, com a finalidade de explicar e prever fenômenos da realidade”. Usando as palavras de Martins e Theóphilo (2007, p. 28) “[...] a função mais importante de uma teoria é explicar: dizer-nos por quê? como? quando? os fenômenos ocorrem”. De forma semelhante, Cooper e Schindler (2003, p.60) conceituam teoria como “[...] um conjunto de conceitos, definições e proposições sistematicamente inter-relacionados, que são antecipados para explicar e prever fenômenos (fatos)”. Os autores destacam

Unidade 4  A teoria e a pesquisa científica   41


a importância de se reconhecer a amplitude e o valor da teoria e relacionam várias formas em que essas são úteis, quais sejam: a) A teoria estreita o leque de fatos que precisamos estudar. b) A teoria sugere que abordagem de pesquisa tem possibilidade de gerar melhor resultado. c) A teoria indica um sistema para o pesquisador ordenar os dados a fim de classificá-los da melhor forma possível. d) A teoria resume o que é sabido sobre um objeto de estudo e informa as uniformidades que vão além da observação imediata. e) A teoria pode ser usada para prever fatos adicionais que podem ser descobertos.

Ante o exposto, e contando com o senso crítico de vocês, podemos voltar às questões que propus no início desta unidade: Qual a referência utilizada pelos pesquisadores na coleta, compilação, ordenação, interpretação e análise dos fatos (fenômenos) estudados? Se o método nos mostra o caminho a percorrer na busca da verdade, o que nos permite concluir que chegamos até ela? Imagino que esteja na mente de vocês a mesma resposta que está na minha: A teoria. Na medida em que as teorias apresentam conceitos, definições, proposições e generalizações sobre fatos de mesma natureza e os antecipam, ela nos permitem explicar fatos passados e presentes e até prever fatos futuros. As teorias apresentam, portanto, expressivo valor explicativo e preditivo, o que, por sua vez, é extremamente útil para a nossa vida pessoal e profissional. Inúmeros avanços na medicina, odontologia, engenharia, psiquiatria, dentre outros, contribuíram para a melhora da nossa qualidade de 42    Metodologia de Pesquisa 1


vida e aumentaram a nossa expectativa de vida. Esses avanços somente foram possíveis a partir das teorias e das pesquisas científicas. Uma análise histórica da teoria da Contabilidade deve nos mostrar que, de modo geral, a Contabilidade esteve sempre reagindo às necessidades da sociedade e não antevendo essas necessidades, de forma a apresentar alternativas viáveis. A Contabilidade de Custos, por exemplo, não se desenvolveu por que os contadores e as contadoras a criaram e a disseminaram junto aos seus usuários como ferramenta de gestão. Ao contrário, esta surgiu como uma reação imposta pela Revolução Industrial. Para que a teoria da Contabilidade se desenvolva e possa ser mais pro ativa e produtiva é necessário não só mais investimentos em pesquisa como também pesquisadores com aguçado senso crítico, de forma a permitir descobertas mais significativas. Espero que vocês, futuros contadores e contadoras, tenham percebido o desafio que temos pela frente. A minha geração até agora não tem correspondido a essas expectativas, espero que a de vocês produza contribuições mais significativas.

Leitura complementar Como forma de contextualizá-los nesse novo ambiente

preendidos, mas lembrem-se que o objetivo desta leitura

em que a Contabilidade mundial e brasileira está sendo

não é entender e compreender tudo, mas sim visualizar

inserida e ao mesmo tempo proporcioná-los uma discus-

e perceber a necessidade e as contribuições da teoria à

são conceitual e teórica sobre alguns aspectos importan-

prática da Contabilidade.

tes da Contabilidade, recomendo com ênfase a leitura do CPC 00: Pronunciamento Conceitual Básico, o qual apre-

A compreensão de todos os aspectos conceituais e teó-

senta a estrutura conceitual para a elaboração e apresen-

ricos deste CPC, e de todos os outros, somente será pos-

tação das demonstrações contábeis.24

sível ao longo do curso de Ciências Contábeis. Mas, para tanto, será necessário que vocês adotem a postura crítica

Para alunos e alunas de início de curso como vocês, alguns dos aspectos apresentados e discutidos neste CPC deverão gerar dúvidas e outros podem até não ser com-

que estamos discutindo nesta disciplina. 24. Os pronunciamentos do CPC podem ser encontrados no site: www.cpc.org.br.

Unidade 4  A teoria e a pesquisa científica   43


44    Metodologia de Pesquisa 1


UNIDADE

A pesquisa científica

5

Introdução Chegamos à última unidade desta disciplina. Agora é hora de vocês consolidarem todos os conhecimentos adquiridos e as experiências vivenciadas a partir das atividades das unidades anteriores. Essa unidade, ao tratar da pesquisa científica, reúne todo o conteúdo discutido nas unidades anteriores. A compreensão do que vem a ser ciência e a noção dos atributos necessários à geração do conhecimento científico, discutidos na Unidade I; a motivação pessoal de vocês para fazer ciência, estimulada na Unidade II; a necessidade do rigor metodológico proposto pelos métodos científicos, sintetizados na Unidade III; e o suporte necessário da teoria, apresentada na Unidade IV, são o alicerce da Unidade V. Em cada uma das quatro unidades anteriores, vocês foram convidados a fazer pesquisas e a compartilhar com os demais colegas de curso as suas descobertas, as suas dificuldades, os seus sucessos e insucessos, de forma que alguma experiência em pesquisa fosse gerada. Agora vocês serão orientados, a partir do conteúdo das unidades anteriores, a como conduzir uma pesquisa científica, como planejála e como apresentar os seus resultados sob a forma de relatórios.

Desenvolvimento

Conceito de pesquisa e pesquisa científica Uma simples consulta a um dicionário da língua portuguesa já nos revela não só o significado do ato de pesquisar, mas também os desafios que este nos impõe. Observem o significado do verbo Unidade 5  A pesquisa científica   45


(ação) “pesquisar” apresentado por Bueno (2000, p. 594): “[...] buscar com diligência;25 inquirir;26 indagar;27 informar-se acerca de; investigar;28 examinar minuciosamente”. Notem que a ação de pesquisar e, portanto, de fazer pesquisas exige a iniciativa, a motivação de buscar informar-se a respeito de algo, um fenômeno, por exemplo. A questão está justamente em como deve ser conduzida29 essa busca por informações (conhecimento). Não pode ser uma busca desorientada, conduzida ao acaso. Ao contrário, para ser considerada uma pesquisa científica, deve ser uma busca cuidadosa, zelosa, diligente, minuciosa; deve-se buscar por informações de maneira a averiguar e a examinar em profundidade o fenômeno em questão. Essa busca deve ser orientada por questionamentos e perguntas, quase sempre originadas da teoria já existente, as quais dão foco à pesquisa científica. Conduzir adequadamente uma pesquisa científica significa caminhar firmemente na direção das descobertas reveladoras da verdade sobre os fenômenos (fatos) objeto de estudo. Este é o maior objetivo da pesquisa científica. Durante o curso de vocês, diversas oportunidades vão surgir para a realização de pesquisas. É importante que cada uma dessas pesquisas seja conduzida de forma científica como estamos discu25. Zelo; cuidado; investigação oficial; pesquisa; antiga carruagem. (Bueno, 2000, p. 258).

tindo aqui, nesta disciplina. Vocês precisam estar motivados a isso. Essa decisão pela busca do conhecimento é individual, ainda mais em se tratando de educação a distância.

26. Procurar informações sobre; indagar; investigar. (Bueno, 2000, p. 438). 27. Averiguar; examinar; investigar; inquirir; questionar; perguntar. (Bueno, 2000, p. 430). 28. Indagar; pesquisar; fazer diligências para achar; inquirir; descobrir. (Bueno, 2000, p. 447). 29. A disciplina Metodologia da Pesquisa II vai se ocupar em apresentar as ferramentas para a condução dessas pesquisas.

46    Metodologia de Pesquisa 1

Planejamento da pesquisa científica Tudo em nossas vidas deve ser planejado. Uma viagem de férias, o passeio de final de semana com a família, um investimento que desejamos fazer, uma empresa que gostaríamos de ter, o curso


superior que pretendemos fazer, a nossa carreira.30 Um bom planejamento é a chave para o sucesso de qualquer empreendimento que se deseje implementar. Para a pesquisa científica essa necessidade é ainda maior. Quais são os nossos objetivos? Como atingi-los? Qual metodologia utilizar? Que teoria usar como referência? Essas questões essenciais devem ser respondidas a priori e apresentadas no planejamento de uma pesquisa. Normalmente, esse planejamento é chamado de projeto de pesquisa, o qual se constitui no plano de ação do pesquisador. Deve apresentar o caminho a ser percorrido para atingir os seus objetivos. Todo projeto de pesquisa deve responder a três perguntas básicas: O que? Por quê? Como? Qual é o tema de pesquisa? Qual problema de pesquisa derivase deste tema? Quais são nossos objetivos? Ao responder a estas questões, estamos apresentando “o quê?” vamos pesquisar. Qual a justificativa e relevância deste tema? Por que devemos estudá-lo? Vale a pena investir recursos (humanos, financeiros, tecnológicos, etc.) neste projeto? As respostas destas questões apresentam “por quê?” devemos pesquisar. Qual caminho tomar para atingir nossos objetivos? Que método científico seguir? Quais os métodos e técnicas de coleta e análise de dados devem ser utilizados? Responder a estas questões demonstra “como?” vamos pesquisar.

Projeto de pesquisa Um projeto de pesquisa pode ser estruturado de várias formas diferentes, não existe consenso entre os autores sobre isto. Entretanto, todas devem permitir uma avaliação adequada da exequibilidade da pesquisa proposta. Proponho aqui a seguinte estrutura:

30. Aliás, vocês já fizeram um planejamento da carreira de vocês? Ainda não? Pois deveriam fazê-lo logo. Não percam tempo. Se não definimos para onde queremos ir ou onde queremos chegar, como saberemos escolher o caminho até lá? Como saberemos que chegamos? Tão importante quanto estabelecer objetivos é fazer um plano de ação para atingilos. Nisto a pesquisa científica imita a vida... Ou, seria o contrário?

Unidade 5  A pesquisa científica   47


1)  Tema e problema. 2)  Justificativa e relevância. 3)  Objetivos (geral e específicos). 4)  Hipóteses/conjecturas/suposições, quando for o caso. 5)  Referencial teórico. 6)  Metodologia. 7)  Orçamento, quando for o caso. 8)  Cronograma. 9)  Referências.

A primeira seção de um projeto de pesquisa deve apresentar o tema a ser estudado. Alguns autores preferem chamar de “introdução”, eu prefiro chamar de “tema e problema”, pois costumo pensar mais nos leitores desse projeto, em especial naqueles que não entendem do assunto proposto, do que naqueles que já dominam o assunto. Nesta seção, vocês devem contextualizar o tema, apresentá-lo aos leitores. Uma estratégia interessante para fazer isto é começar tratando de aspectos mais gerais até chegar aos aspectos mais específicos desse assunto, meio que levando os leitores a irem mergulhando no tema proposto junto com vocês. Uma vez contextualizado e apresentado o assunto, nada mais razoável, do que apresentar aqui o seu problema de pesquisa.31 Os problemas de pesquisa se constituem em questões que mere31. Alguns autores preferem apresentar o problema de pesquisa em uma seção à parte, geralmente sugerindo um certo distanciamento entre o problema de pesquisa e o tema que o originou. Parece-me mais adequado mantê-los juntos, uma vez que, o problema deriva do tema. A escolha é sua, a final o projeto de pesquisa é seu. Mas cuidado, em algumas ocasiões, você deverá se submeter a um padrão pré-definido.

48    Metodologia de Pesquisa 1

çam ser estudadas e respondidas, portanto, devem ser apresentados sob a forma de uma pergunta. O objetivo da pesquisa científica é dar uma contribuição à ciência. Desta forma, busca-se responder às questões (problemas de pesquisa) ainda não respondidas anteriormente; que sejam de interesse para a comunidade científica; e que sejam relevantes para a sociedade.


Definir o problema de pesquisa é uma das etapas mais difíceis na elaboração de um projeto de pesquisa. Essa é uma tarefa que depende muito do quanto se sabe sobre o tema proposto. Por isso, antes de tentar definir ou encontrar um problema de pesquisa, deve-se ler bastante sobre o tema a ser estudado. Somente a partir do conhecimento prévio sobre o fenômeno (fato) a ser estudo, é que se torna possível estabelecer um problema de pesquisa, as hipóteses, as conjecturas e as suposições. Se for necessário, retorne à Unidade III e leia novamente sobre os métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo. Você perceberá que isto é uma premissa em todos os métodos científicos sintetizados nesta disciplina. Tendo apresentado o tema e o problema de pesquisa que dele deriva, é oportuno apresentar em seguida os argumentos que justificam a realização desta pesquisa, bem como demonstrar a sua relevância tanto para a teoria quanto para a prática. Aqui vale a mesma recomendação feita para a apresentação do tema: comece tratando dos aspectos mais gerais e vá se dirigindo aos aspectos mais específicos. Agora que vocês já apresentaram o tema, o problema, a justificativa e a relevância da pesquisa, é hora de apresentar os objetivos da pesquisa. Os objetivos podem ser geral ou específicos. Toda pesquisa deve ter um objetivo geral e, quando necessário, objetivos específicos. O objetivo geral é, portanto, obrigatório e diz respeito à pesquisa como um todo. O objetivo geral deve estar intrinsecamente relacionado ao problema de pesquisa, de tal forma que atingir o objetivo geral signifique responder ao problema de pesquisa. Já os objetivos específicos, são facultativos, mas comumente necessários, pois são como etapas, passos intermediários para se

Unidade 5  A pesquisa científica   49


atingir ao objetivo geral. Geralmente, eles oferecem mais clareza ao pesquisador quanto ao caminho que se deve percorrer para se atingir o objetivo geral. Alguns pesquisadores mais experientes podem julgar não precisar dessa ajuda. Entretanto, para aqueles que estão sendo iniciados à pesquisa científica, como é o caso da maioria de vocês, os objetivos específicos são muito úteis. Se, por um lado, o objetivo geral deve ser intrinsecamente relacionado ao problema de pesquisa, por outro lado, os objetivos específicos devem ser intrinsecamente relacionados ao objetivo geral. Como vimos na Unidade III, as hipóteses, as conjecturas e as suposições apresentam uma resposta prévia ao problema de pesquisa proposto. Assim como o problema de pesquisa, derivam da teoria que as fundamentam, cabendo à pesquisa testá-las de modo a confirmá-las ou refutá-las. Dependendo do tipo de pesquisa que se proponha a fazer, não há necessidade de se apresentar hipóteses, conjecturas ou suposições. Na disciplina Metodologia da Pesquisa II, vocês serão apresentados aos métodos de coleta e análise de dados, tanto quantitativos32 quanto qualitativos;33 e a partir deles saberão quando será necessária ou não a proposição de hipóteses, de conjecturas ou de suposições. O referencial teórico, também chamado de marco teórico, plataforma teórica, dentre outras nomenclaturas, refere-se às teorias, à literatura que fundamenta e dá suporte à pesquisa proposta. 32. Nas pesquisas quantitativas os fenômenos são descritos e analisados por meio de dimensões quantitativas. O fenômeno é descrito por variáveis de natureza quantitativa, em uma escala de base numérica. 33. Nas pesquisas qualitativas os fenômenos são descritos e analisados por meio de fatos pelo seu significado semântico. Faz-se uma interpretação semântica das ações, percepções, opiniões relativas ao fenômeno.

50    Metodologia de Pesquisa 1

Como vimos na Unidade IV, a teoria é a rocha firme onde deve ser alicerçada a pesquisa científica. A construção do referencial teórico depende de uma pesquisa bibliográfica sobre a literatura existente sobre o tema em questão. Aqui cabe uma recomendação importante. Deve-se pesquisar tanto a literatura clássica quanto a literatura contemporânea.


A literatura clássica apresenta a teoria já consolidada e, em sua grande maioria, já registrada por meio de livros. A literatura contemporânea, geralmente em construção, apresenta as discussões mais recentes sobre as antigas e as novas teorias. É normalmente apresentada sob a forma de artigos científicos, os quais podem ser encontrados em periódicos especializados, na internet e em anais de congressos, fóruns, simpósios, dentre outros. Outra fonte muito rica de consulta são as dissertações de mestrado e as teses de doutorado. O que deve ficar claro para vocês é que a construção do referencial teórico depende da pesquisa bibliográfica, a qual deve se consubstanciar nos livros e artigos científicos, na literatura clássica e contemporânea. Uma vez concluída a pesquisa bibliográfica, essa deve ser registrada, escrita e deve fundamentar conceitualmente a coleta e a análise dos dados da pesquisa. Aqui cabe mais uma recomendação. O registro da pesquisa bibliográfica deve ser feito, como discutido na Unidade I, de forma clara, simples e objetiva, pois assim deve ser o conhecimento científico. Devemos primar pela comunicação com os leitores. Existem normas específicas para a citação das fontes consultadas. O direito autoral deve ser respeitado.34 Relembro agora um trecho da leitura complementar proposta na Unidade II: “[...] conhecimento sempre implica crítica. Não é conhecimento ver apenas o que já se viu ou se vê. Seria cópia. Conhecimento, pela própria tessitura hermenêutica, vê a seu modo, acrescenta, diminui, interfere” (Demo, 2000, p. 208). O relato da revisão da literatura não pode ser uma cópia do que se leu ou se viu. Deve ser um registro crítico da literatura consultada e estudada. As citações que quase nada acrescentam à pesquisa devem ser evitadas. Também não se deve citar qualquer autor que foi lido ou consultado.

34. Para aprender como devem ser apresentadas as citações em uma pesquisa, consulte: UFES. Biblioteca Central. Normalização de referências: NBR 6023:2002. Vitória, ES: A Biblioteca, 2006.

Unidade 5  A pesquisa científica   51


Deve-se ter critério em escolher as citações a serem realizadas em uma pesquisa científica. O autor ou a obra deve merecer ser citado em sua pesquisa. Avalie a contribuição da obra e do autor tanto para a ciência ou determinada área do conhecimento quanto para a sua pesquisa. Notem, na Figura 3, que a revisão da literatura se inicia pela seleção dos textos, a qual deve ser orientada pelo problema de pesquisa. Devemos ler apenas o que precisa ser lido e para tanto tomamos o problema de pesquisa como referência. É neste momento que buscamos identificar os livros, os artigos, as dissertações, as teses e os demais textos que serão lidos e estudados. De posse do material recolhido na primeira etapa da pesquisa

bibliográfica

(ou

revisão

da

literatura),

deve-

se então avaliar o material selecionado e, em seguida, proceder à criteriosa e crítica leitura de todo o material bibliográfico. Para que, após a análise, a síntese e a interpretação dos textos, se possa então ser redigida a revisão da literatura.

Formulação do problema de pesquisa

Seleção dos textos

Avaliação dos textos

Leitura crítica dos textos

Análise e interpretação dos textos

Redação do referencial teórico

Figura 3 – Etapas da revisão da literatura.

52    Metodologia de Pesquisa 1


O referencial teórico, via de regra, sugere as metodologias mais adequadas aos tipos de problema de pesquisa propostos. Por isso, geralmente depois do referencial teórico costuma-se apresentar a metodologia proposta. A metodologia, tema central desta disciplina, como visto nas unidades anteriores, deve apresentar o caminho que o pesquisador vai trilhar para atingir os objetivos da pesquisa. Devem ser apresentados aqui, dentre outras informações, a natureza da pesquisa, o tipo de pesquisa e as estratégias e instrumentos de coleta e análise dos dados.35 Em alguns projetos, é necessário ainda apresentar um orçamento, o qual deve detalhar os recursos necessários à realização do projeto e o valor a ser investido nesses recursos. São exemplos de recursos a serem empregados em uma pesquisa: 1)  Recursos humanos: bolsas de pesquisa para pesquisadores e alunos de iniciação científica; cursos e treinamentos para os envolvidos na pesquisa, etc. 2)  Recursos tecnológicos: aquisição de hardwares e softwares. 3)  Recursos financeiros: montante em dinheiro a ser investido em cada um dos recursos necessários à execução do projeto. Por tratar-se de um planejamento, o projeto de pesquisa deve apresentar o cronograma da pesquisa. O cronograma, por sua vez, deve apresentar as atividades a serem realizadas e o período de tempo em que se planeja executá-las. Geralmente, é apresentado sob a forma de uma matriz em que, na primeira coluna, se listam as atividades a serem realizadas e, nas demais colunas, se apresenta a linha do tempo em que essas atividades serão realizadas. A Figura 4 apresenta um exemplo de cronograma de pesquisa.

35. Esse conteúdo será oferecido a vocês na disciplina Metodologia da Pesquisa II.

Unidade 5  A pesquisa científica   53


ANO DE 2009

Pesquisa bibliográfica

Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

Coleta de dados Análise e interpretação dos dados

x

Redação da monografia

Jun

Jul

Ago

x

Revisão de português e ABNT

x

Apresentação e defesa Figura 4 – Exemplo de cronograma de pesquisa.

Por fim, devem ser apresentadas as referências36 bibliográficas que serviram de base para a realização do projeto e da pesquisa propriamente dita. Devem ser incluídas apenas as obras que verdadeiramente foram lidas, consultadas e utilizadas durante o planejamento e execução da pesquisa. O importante não é a quantidade de obras citadas, mas sim a sua qualidade e adequação ao tema e problema da pesquisa.

Relatórios de pesquisa Toda pesquisa científica deve apresentar os seus resultados, as suas descobertas, os seus erros e acertos, os sucessos e os insucessos. Em diversas situações, é possível até chegar a conclusões e proposições. Tudo isso deve compor o relatório de uma pesquisa. Mas, como preparar um relatório de pesquisa antes da pesquisa ser realizada? Impossível, vocês devem estar imaginando. Eu concordo com vocês. Por isso, quando sou procurado por alunos e alunas para orientar as suas monografias, a primeira coisa que peço a eles é: esqueçam a monografia. Vamos primeiro pensar na pesquisa que vocês farão. 36. Para aprender como devem ser apresentadas as referências bibliográficas de uma pesquisa, consulte: UFES. Biblioteca Central. Normalização de referências: NBR 6023:2002. Vitória, ES: A Biblioteca, 2006.

54    Metodologia de Pesquisa 1

A monografia, o artigo científico, o paper, o trabalho acadêmico são apenas exemplos de relatórios de pesquisa. Só podem ser escritos depois da pesquisa concluída. Costumo dizer para os meus


orientandos e orientandas: o relatório de pesquisa deve contar a história da sua pesquisa, portanto, nos empenhemos primeiro em definir qual será a sua pesquisa. Vamos planejá-la e depois executar o plano traçado. Em outras palavras, realizar a pesquisa propriamente dita. Por fim, faremos o relatório da pesquisa. Todo relatório37 de pesquisa deve apresentar três partes fundamentais: elementos pré-textuais, elementos textuais e elementos pós-textuais. Os elementos pré-textuais são: •  Capa*. •  Folha de rosto*. •  Folha de aprovação. •  Dedicatória, agradecimentos e/ou epígrafe. •  Resumo*. •  Lista de ilustrações, de tabelas,    de abreviaturas,de siglas e/ou de símbolos. •  Sumário*. Os elementos textuais são: •  Introdução*. •  Desenvolvimento*. •  Conclusão*. Os elementos pós-textuais são: •  Referências*. •  Glossário. •  Apêndice. •  Anexo. •  Índice. Os itens assinalados com um asterisco (*) são elementos considerados obrigatórios. Em princípio, eles devem ser apresentados em todos os relatórios de pesquisa, inclusive nos trabalhos acadêmicos. No Guia de Normalização e Apresentação de Trabalhos Científicos e Acadêmicos, publicado pela Biblioteca Central da UFES,

37. As normas para a apresentação de relatórios de pesquisa da UFES encontram-se no Guia de Normalização e Apresentação de Trabalhos Científicos e Acadêmicos, publicado pela Biblioteca Central da UFES.

Unidade 5  A pesquisa científica   55


vocês vão encontrar todo o referencial necessário à elaboração e apresentação dos elementos listados acima. Por fim, gostaria de destacar o cuidado na redação dos relatórios de pesquisa. Como já dito antes nesta unidade, é necessário se comunicar com o leitor. Clareza, transparência, objetividade são apenas alguns exemplos das características que devem estar presentes em um texto científico.

Leituras complementares Como leitura complementar para esta unidade, recomendo com ênfase a leitura dos guias publicados pela Biblioteca Central da UFES, quais sejam: a)  Guia para Normalização de Referências: NBR 6023/2002. b)  Normalização e Apresentação de Trabalhos Científicos e Acadêmicos.

56    Metodologia de Pesquisa 1


Considerações finais Desejo ardentemente que esta disciplina tenha propiciado a vocês diversas oportunidades de terem se encantado com as novas descobertas. Gostaria, como tenho tido a oportunidade de fazer com os meus alunos e alunas dos cursos presenciais, de olhar nos olhos de vocês e vê-los brilhando, surpresos, muitas vezes, com as descobertas que podemos fazer em sala de aula e com a pesquisa científica. Vou confessar aqui um segredo a vocês, mas fica entre nós. Os melhores trabalhos que fiz como consultor e auditor de empresas foram os realizados depois que concluí o meu curso de mestrado, pois, a partir daquele momento, eu descobri e entendi como a metodologia e a pesquisa poderiam contribuir para a minha vida profissional. Espero que vocês façam essa descoberta o quanto antes possível, de forma que vocês possam se beneficiar ao máximo. Obrigado e espero revê-los em breve.

Considerações finais   57


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58    Metodologia de Pesquisa 1


Eduardo José Zanoteli Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Ciências Contábeis pela Fundação Getúlio Vargas/RJ, Graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Superior de Ciências Sociais de Vila Velha. Atualmente é professor Assistente do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem ampla experiência na área de Ciências Contábeis, pesquisando e atuando principalmente nos seguintes temas: contabilidade internacional, auditoria, planejamento tributário, controle interno, suporte à decisão e sistemas de informações contábeis.

Considerações finais   59


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60    Metodologia de Pesquisa 1

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www.neaad.ufes.br (27) 4009 2208


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