Cartilha Não à Redução da Maioridade Penal

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Expediente Não à Redução da Maioridade Penal - Cartilha

Organizada pelos mandatos coletivos Vereador Henrique Vieira e Deputado Estadual Flavio Serafini - PSOL Textos: Carlos Bittencourt, Francisco Barros, Franco Castro, Matheus Rodrigues Projeto Gráfico e Capa: Flávia Mattos

Impressão: Gráfica EDG - 1.000 unidades - Distribuição gratuita

Câmara Municipal de Niterói Av. Amaral Peixoto, 625 – Centro

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ALERJ Gabinete 213

FlavioSerafiniPSOL

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Sumário

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Apresentação

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“O problema é a falta de prisão!” Será?

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Os jovens no Brasil MORREM muito!

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E quanto aos adolescentes em conflitos com a lei?

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E como funciona nos outros países?

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Mudanças de paradigmas

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Conclusão


Não à Redução da Maioridade Penal

Apresentação Depois de décadas de tentativas frustradas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal acaba de votar pela constitucionalidade da PEC 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Esta atitude é um claro exemplo de populismo penal. Ou seja, através de um aumento do rigor da lei, os deputados que votaram a favor da PEC 171 pretendem fazer parecer que estão tomando atitudes drásticas contra a violência, quando, na verdade, estão fazendo com que o Estado deixe de cumprir com as suas obrigações para com a juventude do país (que nunca foram cumpridas!) que poderiam de fato dar resposta ao problema da violência envolvendo a juventude no Brasil. Esta cartilha traz dados para demonstrar como este discurso punitivo não apenas não traz soluções para os nossos problemas como ainda piora a nossa realidade. A partir dela, podemos desmentir ideias comumente repetidas, como por exemplo: “No Brasil um jovem de 16 anos já tem idade para votar, mas não para ser punido”. Isto simplesmente não é verdade. A lei Já permite que um jovem perca a sua liberdade desde os 12 anos de idade. O que muda com a redução da maioridade penal é que um jovem de 16 a 18 anos pode vir a ser preso, não importa o delito que tenha cometido, junto com adultos. Todo mundo sabe que a cadeia não torna as pessoas melhores. 95% dos adolescentes apreendidos no estado do Rio de Janeiro não completaram nem o ensino fundamental, o que revela um completo fracasso das políticas públicas brasileiras. Ao prendermos esses jovens junto com adultos que, muitas vezes, cometeram delitos graves, nós não estaremos apenas desistindo de dar a eles uma chance de mudar, estaremos, muito provavelmente, criando as condições para que eles se tornem pessoas piores quando retornarem ao convívio social. Nesta cartilha você verá que, ao contrário do que se diz, o Brasil não é o país da impunidade. Pelo menos não para os mais pobres e oprimidos... Nosso país prende muito e o resultado disso não tem se mostrado bom. Além do mais, adiante demonstraremos que os jovens não são os que cometem mais crimes. Na verdade eles têm sido as maiores vítimas de violência.

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Mandatos Vereador Henrique Vieira e Deputado Estadual Flavio Serafini - PSOL

É possível mudar esta realidade e vivermos num país com menos violência. Se olharmos para países com índices de violência bem menores do que os nossos, veremos que o que eles fizeram para ter essa realidade não foi aprisionar seus jovens e sim educá-los. A educação é o caminho! Por estarmos convictos de que a nossa sociedade precisa de mais escolas e não de mais presídios, afirmamos que reduzir a maioridade penal NÃO é a solução! Deputado Estadual Flavio Serafini

Lissandro Garrido

Vereador Henrique Vieira

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Não à Redução da Maioridade Penal

“O problema é a falta de prisão!” SERÁ? Ao mesmo tempo em que observamos altos índices de homicídio no Brasil, vemos a expansão do encarceramento da população brasileira, movimento que atinge com especial violência a negros e pobres. Alguns números: a nossa massa carcerária aumentou de 90 mil presos em 1990 para 550 mil em 2012. Um espantoso aumento de 611%! É a quarta maior população carcerária do mundo em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos, com 2,2 milhões de presos, e da China, com 1,7 milhão e Rússia com 676 mil. Se tomarmos em conta a evolução histórica das taxas de homicídio, comumente usadas para medir os índices de violência de um país, veremos que o Brasil apresentou um aumento de 19,1 homicídios por 100 mil habitantes em 1992 para 29 por 100 mil em 2012. A taxa de homicídio de jovens, por sua vez, subiu de 49,6 por 100 mil em 1992 para 53,4 em 2012. Isso a despeito do hiperencarceramento que citamos acima. No mesmo período, a população brasileira cresceu apenas 13%. Se somarmos o fato de que as taxas brasileiras de reincidência giram em torno de 70%, fica bem claro que a via carcerária não tem servido para fazer diminuir ou sequer para estancar os nossos índices de violência. Dos presos brasileiros, segundo o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 55% têm entre 18 e 29 anos e 61% são negros. Em 74,4% dos casos os indivíduos foram incriminados por crimes patrimoniais ou tráfico de entorpecentes (49,1% e 25,3%, respectivamente). Além disso, cerca de 80% dos presos vai do analfabetismo ao ensino fundamental completo

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e apenas 0,39% deles possuem o ensino superior completo. Ainda mais grave, cerca de 40% dos que estão hoje encarcerados no Brasil são presos provisórios, ou seja, estão sendo mantidos atrás das grades sem que haja qualquer tipo de condenação.

Perfil da população carcerária brasileira

61% 55% São negros

Entre 18 e 29 anos

80% 0,39%

Analfabetismo ao ensino fundamental completo

Ensino superior completo

Prisões

49,1%

25,3%

Crimes patrimoniais

Tráfico de entorpecentes

40% SÃO PRESOS PROVISÓRIOS 7


Não à Redução da Maioridade Penal

Os jovens no Brasil MORREM muito! O Brasil registrou em 2012 mais de 56 mil pessoas assassinadas. Dessas, segundo a Anistia Internacional, cerca de 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos e, desse total, 77% eram negros e negras. Se considerarmos a taxa de homicídios entre os jovens de 15 a 29 anos, veremos que os jovens brancos são assassinados numa proporção de 30,1 para 100 mil, enquanto os jovens negros são massacrados em uma proporção de 80,7 assassinatos por 100 mil habitantes. Além disso, de acordo com a UNICEF, entre 2006 e 2012 foram assassinados cerca de 33 mil jovens com idade entre 12 e 18 anos. Ocupamos atualmente, em termos relativos (por 100 mil habitantes) a sétima colocação entre os países com mais homicídios na população geral, e a sexta colocação entre os países com mais crianças e jovens até 19 anos assassinados. Estamos à frente, por exemplo, de países como México, Rússia e Iraque. No Brasil, como podemos ver, a juventude é constantemente chacinada, através do que a socióloga Vera Malaguti Batista chama de “filicídio”. Precisamos pensar não em como encarcerar essa juventude, mas sim em como preservar a sua vida. Olhando desde a perspectiva histórica é impossível não notar as conexões entre o massacre da população pobre e negra (evidente nos dados apresentados) e a larga história de diáspora e escravização das mais diversas etnias africanas no país. Os povos negros viveram mais tempo sob a escravidão do que o período que já têm de liberdade. Portanto, esses números não são uma coincidência, demonstram que o racismo é mais do que um comportamento. Ele molda as relações econômicas, sociais e culturais do país e é um dos motores do punitivismo que impulsiona a aprovação da redução da maioridade penal.

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Pessoas assassinadas em 2012

56 mil 30 mil 77% Mortos

Entre 15 e 29 anos

Negras e negros

Proporção de assassinatos entre os jovens de 15 a 29 anos

80,7 30,1 Brancos

Negros

A cada 100 mil habitantes ENTRE 2006 E 2012 Entre

33 mil 12 e 18 anos

Jovens assassinados

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Não à Redução da Maioridade Penal

E quanto aos adolescentes em conflitos com a lei? Quando o assunto são os adolescentes, a situação não é menos caótica: em 2010 eram 67.045 os adolescentes que cumpriam algum tipo de medida socioeducativa, número que pulou para 89.718 em 2012 (aumento de 33%). Se considerarmos apenas as medidas que impõem privação ou restrição de liberdade, que ainda são as mais aplicadas, veremos que em 1996 havia 4.245 adolescentes encarcerados no Brasil, número que saltou para de 20.532 em 2012: um aumento de 384%! Do total de jovens internados, 71% estão privados de liberdade por roubo, tentativa de roubo, furto ou tráfico. Por outro lado, os atos infracionais contra a pessoa, comumente usados para justificar a redução da maioridade penal, vêm diminuindo ano a ano: em 2010, 14,9% dos jovens que estavam internados por homicídio, 5,5% por latrocínio (roubo seguido de morte), 3,3% por estupro e 2,2% por lesão corporal. Em 2012 esses números caíram para 9%, 2,1%, 1,4% e 0,8% respectivamente. Ou seja, estatisticamente, são uma ínfima minoria os jovens que cometeram crimes contra a pessoa. Por conta dessa minoria, nossos políticos estão propondo que todos esses jovens passem a ser presos junto com adultos em vez de passarem por medidas socioeducativas. Vemos o crescente encarceramento de jovens como uma medida que visa sobretudo criminalizar a juventude negra e de periferia. Alguns números mostram bem isso: recente audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) deu conta de que 95% dos adolescentes apreendidos no estado não concluíram o ensino fundamental. Se considerarmos que o Brasil tem uma das maiores taxas de evasão escolar do mundo (atualmente em 24,3%), poderemos começar a entrever um dos principais problemas referentes à nossa juventude. Um país que não disponibiliza escolas aos seus adolescentes não tem o direito de oferecer prisão como alternativa.

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Medidas socioeducativas EM 2010

EM 2012

67.045 mil

89.718 mil

Adolescentes

Adolescentes

AUMENTO DE 33% Medidas que impõem privação ou restrição de liberdade EM 1996

EM 2012

4.245 mil

20.532 mil Adolescentes encarcerados

Adolescentes encarcerados

Brancos

Negros

AUMENTO DE 384%

Atos infracionais contra a pessoa EM 2010

EM 2012

14,9% homicídio 5,5% por latrocínio 3,3% por estupro 2,2% por lesão corporal

9% homicídio 2,1% por latrocínio 1,4% por estupro 0,8% por lesão corporal

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Não à Redução da Maioridade Penal

E como funciona nos outros países? É costume dos que defendem a redução da maioridade penal fazer comparações com outros países. Bradam, sem um mínimo de compromisso com a verdade, que enquanto países como a Alemanha e a Argentina penalizam jovens a partir dos 14 ou 16 anos, no Brasil o adolescente infrator goza de imunidade até completar os 18 anos. É mentira! Na verdade, o que há é uma confusão entre a idade de responsabilidade penal e a maioridade penal. Aqui no Brasil, por exemplo, um jovem pode pode ser responsabilizado e encarcerado pelos seus atos a partir dos 12 anos (dois a menos do que na Alemanha). Tanto Alemanha quanto Argentina adotam a maioridade penal aos 18 anos de idade. A Alemanha vai além e adota o modelo de jovensadultos, que permite que ao jovem entre 18 e 21 anos, a depender de seu discernimento, sejam aplicadas as regras do sistema de justiça juvenil. Na mesma linha vão cerca de 70% dos países do mundo, que segundo a UNICEF estabeleceram a maioridade penal aos 18 anos, embora permitam a responsabilização juvenil antes disso. Alguns exemplos: na Argélia a responsabilidade juvenil começa aos 13 anos, e a maioridade penal é aos 18. Na Áustria começa aos 14 e aos 19, respectivamente. Na China, aos 14 e aos 18. Na França, aos 13 e aos 18. Na Grécia, aos 13 e aos 18, com sistema de jovens-adultos até os 21. Na Inglaterra, aos 10 (sendo a privação de liberdade permitida somente a partir dos 15) e aos 18, com atenuação das penas até os 21. No Japão, aos 14 e aos 21.

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Maioridade penal em outros países Argentina

18 anos

Alemanha

18 anos e modelo jovens-adultos

Argelia

18 anos e modelo jovens-adultos

Áustria

19 anos e modelo jovens-adultos

China

18 anos e modelo jovens-adultos

França

18 anos e modelo jovens-adultos

Grécia

18 anos e modelo jovens-adultos

Inglaterra

18 anos e modelo jovens-adultos

Japão

21 anos e modelo jovens-adultos

jovens de 18 a 21 anos, dependendo de seu discernimento, podem ser submetidos ao sistema juvenil

Responsabilidade juvenil: 13 anos

Responsabilidade juvenil: 14 anos

Responsabilidade juvenil: 14 anos

Responsabilidade juvenil: 13 anos

Responsabilidade juvenil: 13 anos

Responsabilidade juvenil: 10 anos, sendo a privação de liberdade a partir dos 15 anos, com atenuação das penas até os 21 anos

Responsabilidade juvenil: 14 anos

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Não à Redução da Maioridade Penal

Mudanças de paradigmas É essencial mudarmos de paradigma no que tange ao tratamento oferecido aos adolescentes em conflito com a lei. O que aconteceu em São Paulo pode nos ajudar a entender essa necessidade: lá, até 2006, os adolescentes em privação de liberdade cumpriam as medidas socioeducativas na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), que virou sinônimo de violação de direitos, superlotação, torturas e maus-tratos. Desde 2006 algumas mudanças têm sido postas em prática nesse sistema. Até o nome da instituição mudou deixando de ser FEBEM e passando a se chamar Fundação Casa. Desde então, mais espaço tem sido dado a atividades educacionais e de cultura e lazer, num processo que podemos chamar de humanização da instituição. Sabemos que essa humanização é muito limitada, que é preciso pensar formas alternativas para se lidar com o conflito e que ainda é possível observar diversas denúncias de violações de direitos humanos, notadamente de torturas por parte dos agentes do Estado. Entretanto, não podemos deixar de notar que a reincidência de adolescentes em conflito com a lei no estado de São Paulo caiu de 29%, antes de 2006, para 14% após a reformulação da Fundação Casa. Para se ter uma ideia, em nível nacional, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a reincidência juvenil gira em torno de 43%, enquanto entre os adultos do sistema prisional a reincidência chega a 70%.

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Conclusão A situação de violência generalizada em que nos encontramos é uma verdadeira tragédia. É trágico quando uma criança atira ou quando é atingida por um tiro; é trágico quando um adolescente assalta ou é assaltado; é parte da mesma tragédia quando uma criança abandona os estudos, o lar. Um crime cometido por uma criança é sempre também um crime contra a mesma criança. Também morre quem atira. Essa cartilha é um compromisso com a vida, com a educação, com uma sociedade mais justa e menos desigual. A maioria do Congresso Nacional – tentando ocultar seus desvios, suas mazelas, seus podres – se esconde atrás do populismo penal, de uma falsa ideia de justiça. Não escondem assim, seu profundo elitismo, suas raízes racistas e descompromissadas com os interesses das partes mais vulneráveis de nossa população. Definitivamente precisamos de mais escolas e menos cadeias. A violência perpassa a nossa História - com o nosso passado colonial e escravocrata, a repressão violenta às revoltas sociais, ditaduras e violações de direitos - e se apresenta no presente de maneira alarmante através dos abusos promovidos pelo Estado e do nosso cotidiano de permanentes conflitos violentos. Não será com ainda mais violência que resolveremos tudo isso. Para mudarmos essa realidade é preciso atacarmos a raiz dos problemas que é a desigualdade social. Isso só será possível através da construção de uma outra cultura de garantia de direitos, cidadania e vida plena à nossa juventude.

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