Literatas Sai às Terças-feiras
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COMUNICADO Abertas as inscrições (sem custos) para Oficina Literária a ter lugar nos dias 1 e 2 de Agosto com escritora brasileira Ana Rusche que estará em Maputo. Informações no Centro Cultural Brasil-Moçambique ou pelo email: kuphaluxa@gmail.com Movimento Literário Kuphaluxa
Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona Director Editorial: Eduardo Quive * Maputo * 26 de Julho de 2011 * Ano 01 * Nº 03 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz
Moçambique entra no Acordo Ortográfico Ressuscitar para contar estórias pg. 3
No Discurso Directo Victor Eustáquio fala de
“O Carrossel de Lúcifer”
pg. 6 e 7
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- Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Educação será sector prioritário na introdução
Albertina, Lourenço do Rosário e Calane da Silva, dirigentes da Comissão Nacional do IILP - Moçambique
Eduardo Quive - Maputo
Tendo em vista a divulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP), a nível do País, a Comissão Nacional do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) iniciou o ciclo de seminários, pelo menos a nível da cidade de Maputo, juntando as províncias de Gaza e Inhambane. A divulgação do AOLP tem como objectivo, o conheci-
mento do seu conteúdo, seu significado e de um modo geral suas implicações, procurando-se auscultar a opinião geral e colher subsídios sobre a implicação da aplicação do acordo nas diversas áreas, como educação, comunicação social escrita, administração pública, área editorial, artes e letras, entre outras. No seminário de Maputo, ficou decidido que o sector da educação seria prioritário na introdução do Acordo Ortográfico, dado a relevância deste sector na compreensão deste novo instrumento linguístico. Segundo Lourenço do Rosário, presidente da Comissão Nacional do IILP, o encontro “ não visava discutir se Moçambique deve ou não ratificar o acordo, pois, o País, deve cumprir com os seus compromissos, uma vez que assinou a elaboração deste documento”. Entretanto, “depois de ratificado, vamos aconselhar o governo a revisitar o texto do acordo, porque há questões que precisam de ser revistos a favor do nosso país, de modo a não entrar na onda dos outros.” Disse do Rosário. Por outro lado, no seminário, não foi possível se saber se em quantos anos vai se implementar as normas do novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa em Moçambique e, para tal, vai-se submeter um estudo.
Lourenço do Rosário e a sua comissão, aconselham ainda
e pelo uso da expressão língua oficial como referência à LP
ao Governo de Moçambique, a não menosprezar os técnicos nacionais, no processo de participação do vocabulário linguístico moçambicano. Quanto aos custos, manteve-se a previsão dos mais de 108 milhões de dólares.
(nunca tratada como língua nacional/moçambicana, apesar de ser símbolo da unidade nacional Resistência/Contestação/problematização do uso da Língua Portuguesa. “África tem um problema único que deriva da sua situação multilingue e do facto de haver línguas ex-coloniais lutando pela supremacia no continente. Uma vez que estas muitas línguas estrangeiras são conhecidas por um número insignificante, a única forma de trazer muitos africanos para as nossas próprias iniciativas de desenvolvimento é através da mudança na política linguística. devemos desenvolver as nossas línguas para se conseguir uma efectiva comunicação com as massas. Nós propusemos o Kiswahili como a língua mais adequada para ser desenvolvida como língua para a união africana. Se tal for não fácil de obter a curto prazo, podemos desenvolver inicialmente um número delínguas africanas. Para este fim, podemos escolher Hausa na África Ocidental, Árabe no norte; Zulu na África do Sul, Kiswahili na África Central e Oriental, ao mesmo tempo que se encoraja o desenvolvimento contínuo do Kiswahili. Se, por razões válidas, Kiswahili não é aceitável, eu votarei por uma outra língua, desde que seja uma língua africana” Por outro lado, Gregório Firmino ainda continua a questionar sobre a situação do Português e se até onde a visão generalizante de estudiosos africanistas se enquadra ao caso do Português em Moçambique? Gregório também questiona se pode haver uma língua que seja símbolo da nação/língua da unidade nacional sem ser língua nacional e por que geralmente não se aceita a designação línguas nacional/língua moçambicana para o Português? “O Português em Moçambique pode ser visto como um continuum que oscila desde as formas do “mau” Português (pejorativamente chamadopretoguês) até às formas mais próximas do Português europeu” respondeu
A Língua Portuguesa é ou poderá ser uma Língua Moçambicana (izada)? Esta foi a questão de fundo da dissertação do docente
da Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Gregório Firmino, que defendia igualmente haver aspectos Linguísticos Sócio-simbólicos que justificam o pressuposto de que a Língua Portuguesa está num processo de nativação, justificando-se assim a sua moçambicanização. A explanação deste docente, no que diz respeito a nativação da língua, teve base com os fundamentos do especialista Kachru que define esse processo, também chamado de indigenização ou endogeneização. “Pode ser definida como um processo de aculturação através do qual uma língua ex-colonial se aproxima do contexto sócio-cultural de um país pós-colonial. Através da nativização, uma variedade não-nativa é culturalmente integrada na ecologia social da pós-colónia e adquire novas funções sociais. Além disso, ela desenvolve inovações linguísticas que ganham significado comunicativo e social no contexto destas novas funções.” Gregório Firmino, defende que essa nativação é motivada pelo uso da expressão língua(s) moçambicana(s)/língua(s) naciona(l/is) como referência às línguas bantu (nunca tratadas como línguas étnicas)
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Contos do Fantástico Jorge de oliveira - Maputo
É uma obra de muitas culturas (religiosas, locais, naturais, espirituais), mostrando o quão diversificado é este povo e, no fundo, olhando para esse tempo longínquo com a possibilidade que a distância temporal permite... De Aníbal Aleluia, escritor moçambicano já falecido, publicaram-se duas obras, “Mbelele e outros Contos”, “O gajo e os Outros” e, agora, “Contos do Fantástico”. Esta última, escrita em 1988, é de natureza totalmente diferente do que têm sido, ao longo dos últimos anos, as obras literárias moçambicanas. 1. Com uma linguagem erudita, muito apurada, temáticas comuns, mas tratadas de forma bastante diferente, a obra trouxe estórias de ficção baseadas no além, naquilo que as pessoas muito falam, só que ninguém alcança. A maior parte dessas peripécias são resultantes do que ouviu ao longo das suas viagens por este país fora;
2. Até a leitura e crítica social apresentada tem um cunho e uma forma não muito simplista, o que obriga o leitor a recorrer a uma análise baseada na conotação; 3. “Cria, inventa, procura, experimenta. Observa com os teus próprios olhos. A ti é que mais interessam os fracassos e os triunfos. A eles não os afectam. Se tiveres aborrecimentos não serão eles a saná-los, embora, caso tenhas louros, sejam os primeiros a enviar relatórios às suas direcções para valorizarem as suas informações de cada ano, com vista a futuras promoções”; 4. É um texto com linguagem muito apurada, dir-se-ia mesmo um português arcaico que nem a todos atinge, exigindo muitas vezes o recurso ao dicionário, mas de uma
beleza acima do comum. Um estilo agradável, diferente do usual, e que nos faz sorrir e perceber que a língua também é um espaço infinito de que nenhum humano se pode apropriar na totalidade; 5. A dado momento recorda o “Piratas das Caraíbas”, com seres meio humanos meio aquáticos a viverem em baixo da água, com muita escravatura à mistura, e, por outro lado, vale pela mostra de aspectos culturais que, em tempo de colonização, diferenciavam a visão do colonizador da do colonizado; 6. “Meteu-se imediatamente no mato. Estava ansioso e já antegozava o seu triunfo sobre os javalis. Gostava que os animais alvejados dessem luta. Quando o javali eriçava as cerdas, expedindo chispas dos olhos pequenos, e o seu rosnar transformava-se num som agudo, Luís sentiase mais homem, porque o animal parecia lançar-lhe um desafio. Então os seus músculos ganhavam dureza, rilhava os dentes e avançava afoito como se se quisesse entregar a um violento corpo a corpo”;
que pareça, se tornarem defensáveis por alguns charlatões. E alguns dos exemplos mostram isso, como o caso de um fantasma de mulher que apanha um mulherengo, das profecias amaldiçoadas que são feitas entre humanos e se cumprem, de contactos com mortos, de Homens – Animais, de pessoas que não se pode prender ou bater e até sereias; 9. “E todos tinham medo dele. Os conselheiros, em vez de conselhos, gritavam ditirambos. O ‘censor público’ instituído pelo régulo velho para moralizar a corte e a sociedade não teve similar no Sudoeste. Aliás, Macarala não deixava os indunas falarem, salvo para proferirem elogios. E o Sudoeste começou a empobrecer, acabando por cair numa indigência generalizada, enquanto o régulo vizinho, herdeiro do Velho, com uma política sã, desenvolvia as suas terras, promovendo a felicidade do seu povo”; 10. Contos do Fantástico deve ser lido para se ganhar várias coisas, dentre elas relembrar algumas realidades dos tempos de outrora, desfrutar de uma leitura agradável
7. É uma obra de muitas culturas (religiosas, locais, naturais, espirituais), mostrando o quão diversificado é este povo e, no fundo, olhando para esse tempo longínquo com a possibilidade que a distância temporal permite, como vários tabus e preconceitos (que sempre foram demasiados) foram sendo ultrapassados sem nunca terem sido explicados (o que é óbvio, porque sempre se basearam em mentiras e lendas sem base científica nenhuma); 8. Livro de enorme riqueza narrativa, apresenta episódios que se vêem, logo à partida, tratar-se de imaginações que nunca existiram, assentes em dogmas e mentiras embutidas, ao longo de décadas, nas pessoas, até, por mais incrível
(até pelo desconhecimento de alguns termos, o que é caricato), para se aprender novos termos (os tais arcaicos) e se poder avançar na direcção de novos momentos na nossa civilização. 11. É um mergulho nas amarras de um povo que tem tanto de belo como de inexplicável.
Texto e Foto do Jornal O País de Moçambique.
Poemas que surgem sem véu “As memórias escondem-se todas nas paredes impregnadas de nós mesmos e os sons dos passos soam como se sob os pés hibiscos murchos chorassem”, assim escreve Lica Sebastião em “Restos Intactos”, do livro “Poemas sem véu”. Largou o pincel e agarrou numa caneta para destapar as
Nesta obra, que faz uma incursão a diversas sonoridades
palavras cobertas por um véu. Lica Sebastião, na sua estreia literária, enveredou por “Poemas sem véu”, que para Francisco Noa, que prefaciou a obra, “não haveria título mais sugestivo e apropriado” para esta sua obra de estreia. Noa escreve ainda que “estamos perante uma escrita que afirma de modo quase cortante a sua condição de poesia, num intenso e concentrado investimento na própria palavra. Esta, mais do que procurar desvendar mundos, institui como que uma celebração de si própria, através da exploração das suas múltiplas sonoridades, como, por exemplo, em “Condidências de uma sexta-feira”.
artísticas, desperta para uma atenção que rebusca a experiência de fruição curiosamente pontenciada pela forma tensa, mas inteligente como se escolhem e se interligam as palavras aqui trazida por Lica, tal como sugere no fim do prefácio Francisco Noa. Mesmo escrevendo há muito tempo, só agora Lica Sebastião estreou-se em livro com “Poemas sem Véu”, numa mistura de poesia e artes plásticas que procura explorar as diferentes vertentes da arte e vai desvendando os diversos momentos que fazem uma sociedade como se estivesse a celebrar sua própria existência.
Em“Poemas sem véu”, a autora desnuda a palavra no ver-
dadeiro sentido, ou seja, Lica destapa várias questões relacionadas com o amor, desamores, o dia-dia, as crianças, a rua, entre outras. Quem leu os versos de Lica Sebastião vai ao encontro da ideia expressa no prefácio de Noa, de estarmos perante uma escrita que afirma de modo quase cortante a sua condição de poesia. referimo-nos a forma tensa como se escolhem as interligações
Texto e Foto do Jornal O País de Moçambique.
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- Festival Internacional de Teatro de Língua Portuguesa Moçambique abre o maior festival da CPLP Rosa Langa* - Rio de Janeiro
O festival internacional de teatro da língua portuguesa já
mexe com os amantes deste género de arte. Iniciaram as exibições dos vários grupos convidados na última quintafeira em diversas salas da cidade carioca, Rio de Janeiro, e um dos grupos de Moçambique, foi chamado à responsabilidade de inaugurar a sessão de estreia. Trata-se do grupo teatral Kudumba, liderado pela conceituada actriz Cândida Bila, que levou em cena a obra “Ser Mulher” cuja direcção de actores esteve a cargo da actriz. A cenografia da peça é de Mário Mabjaia, também de reconhecido mérito, com elenco constituído por Margarida Madina, Messias Grachane, Paulo Sérgio, Nilza Utuy, Raimundo Manuel e Elliot Allex, este último chamado a substituir um dos actores ausentes. A obra em questão reporta o grito de liberdade da Mulher, o estado de alerta para a consciencialização sobre o direito da mulher de fazer as próprias escolhas de rumo na vida, as mesmas oportunidades, acesso à educação, saúde, etc. Mas como a violência doméstica, moral, verbal, física e sexual, constituem o pão diário de muitas mulheres, sobre as quais a directora do grupo, apresentou como proposta ao público do Rio de Janeiro. Os presentes na Sala Nelson Rodrigues (local da exibição), foram unânimes ao afirmarem que a questão da violência doméstica, é igualmente a realidade presente em muitos lares dos brasileiros, mas com a diferença de que maior parte dos homens, pautarem por crimes passionais usando
como instrumento a arma de fogo ou armas brancas para tirar a vida a sua vítima. A sala do teatro estava cheia. As risadas eram constantes pelo desenrolar de factos mas quando algumas cenas de pancadaria surgiam durante a peça, o silêncio era notório. Algumas vezes, ouviam-se vozes exclamando em forma de piedade. Afinal estava-se diante de um facto comum entre os povos. Com uma hora e quinze minutos em cena, “Ser Mulher”, foi repetida no dia 22 e será ainda, vista no dia 30 de Julho corrente no teatro Nelson Rodrigues. Outras exibições foram registadas em outras salas de teatro, casos dos grupos de Cabo Verde, Angola e Portugal. Para na mesma semana, exibiram-se os grupos de Portugal, nomeadamente Grupo Teatral Peripécia com a obra “Novecentos”, Sikinadacia de teatro de Cabo Verde com a obra “Um homem, uma mulher e um frigorífico” e Angola com o grupo Elinga e a obra “o armário e a cama.” De Moçambique, estão igualmente convidados os grupos Lareira e Kuvona da actriz Lucrécia Paco. O grupo Lareira constituído por Sérgio Mabombo, Diaz Santana, Rosa Langa e Elliot Allex, levam como principal atracção a obra “a Cavaqueira do poste”, obra que reporta a crise financeira mundial. O grupo estará em cena nos dias
Um pouco sobre Amin Nordine
É UM poeta pós-modernista. A sua poesia é epigrámica. Ou
seja, compacta. Também é um poeta discreto. Nunca grita para que o vejam. Ou o oiçam. Não se preocupa com as pessoas que o reconhecem ou deixam de o reconhecer. Porque ele próprio sabe que é um poeta. Um poeta predestinado. Nunca se vai querer ser poeta, segundo suas palavras. ...Um poeta é. Amin Nordine publicou três obras que passaram mais ou menos despercebidas. Mas elas transportam uma grande carga de sabedoria. E um dia as pessoas vão entendê-las. São elas Vagabundo Desgraçado, Duas Quadras para Rosa Xicuachula e Do Lado da Ala-B. Agora tem Soladas, título com o qual concorreu para o prémio Muncipal/2007. E ganhou. Ele diz que o mundo do poeta e tão hipotético e subjectivo que prefere ficar calado para não abalar a fé que transporta consigo. Ele é um misto caneco, que os amigos chamam, a brincar, de mudjinthi, ou mujahidine. Mas o poeta diverte-se com isso e diz: “sou um preto de cabelos desfrisados. Minha mãe tinha um salão de cabeleireiro no ventre dela”. E numa situação destas, não podíamos perder a oportunidade de entrevistar este poeta da compactação. (entrevista de Alexandre Chaúque, no jornal Notícias no ano 2007)
NOSSO LAR DA MAFALALA Amin Nordine Nosso íntimo lar, Zé Meio despedaço de zinco tonto ao cubo Numa banga de tontono. Petiscos sons delirando Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé Nossa a lua macua! Desmascarada com carícias de m’siro Nosso íntimo lar da Mafalala, Zé Por morada Nossa eterna namorada!
DO LADO DA ALA-B Amin Nordine Desaguada Carícia dentária Desenfeijoada em desprateada meia-lua de xima Do lado da Ala-B Qual sol se atreva na treva! Sinto saudade de mim...
30 e 31 de Julho corrente a partir das 20h00 locais no SESC Rio, casa da Gávea (centro do Rio de Janeiro). Recorde-se que palestras, oficinas de teatro e amostras de gastronomia típica dos países convidados, fazem parte desta quarta edição do FESTLIP liderado pela prestigiada
actriz Tânia Pires em parceria com a jornalista Luciana Rodrigues, ambas produtoras da Talu Produções
Rosa Langa é para além de atriz, Jornalista da Rádio Moçambique. BLOG DA REVISTA LITERATAS AGORA É NO SAPO MOÇAMBIQUE -
http://literatas.blogs.sapo.mz
Caros leitores da revista Literatas, Este é o início de um novo percurso da Revista Literatas, no que concerne à criação de um novo espaço (http:// literatas.blogs.sapo.mz), onde possamos nos encontrar pela arte. Trata-se de um novo blogue que criamos já com a terminologia MZ, referindo-se ao país em que a revista é editada (Moçambique), para além de que a entidade que nos concede o alojamento é sem por cento lusófono, facto que, une-se aos objectivos da nossa revista. Em deliberação, a Direcção Editorial da Revista Literatas, com o conhecimento da Associação Movimento Literário Kuphaluxa, entidade proprietária deste órgão, pautamos por essa mudança, sem com isso pretendermos deixar de ser o que somos. A mudança do endereço da revista, não terá implicações na linha editorial e na abrangência das colaborações. Apenas, pretendemos que mais artistas lusófonos, profissionais e amadores, tenham um espaço inteiramente seu. Pelos transtornos que eventualmente tenhamos causado, apresentamos as sinceras desculpas. A Direcção Editorial
FICHA TÉCNICA Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 * Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) Coordenador: Amosse Mucavele (amosse1987@yahoo.com.br) Editor - Canto da Poesia: Rafael Inguane (inguane.rafael@hotmail.com) Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane. Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza* Brasil: Itapema - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas. Design e páginação: Eduardo Quive
Terça-feira, 26 de Julho de 2011
CRÓNICA / OPINIÃO
POEMAGRAFIA AO AZAGAIA
Filosofonias
Amosse mucavele - Maputo A musica (o RAP) é uma bomba nuclear que explode no ouvido de quem a escuta e a sua radioactividade desperta consciências adormecidas neste tapete politicamente correcto. No pais de mim (Eduardo white) existe um homem versus uma voz, que carrega uma trocha muito pesada,( estou a vos segredar ele disse-me que não descarregara nunca, mas sim irá aumentar o peso). Onde a cada viela e beco vai relatando as convulsões sociais que adentram a trocha por si carregada. Este homem é a voz do povo( tal como sintetizou o povo e que esta no poder) Colocaram-lhe pedras no seu caminho – não caiu continuo firme, Mandaram-lhe parar, e ele respondeu – eu paro oh oh oh.............. Mandaram-lhe calar, e ele respondeu eu não calo oh oh.................... A sua babalaze é de turbilhões de homens desde os bêbados da cerveja, vinho, mal cuado, cachaça, e.t.c......... Por causa do seu factor interventivo chamaram – o de oposição e agora pergunto eu que país democrático é este sem oposição?
Aline Pereira - Rio de Janeiro
Prosa Poética
alinepereiraletras@hotmail.com Distraído ouvindo a gaiola canariar, o coronel palita os dentes quando, de repente, um menino empregado interrompe a leitura da pequena hóspede de olhos verdes, que atende por Clara. O homem na cadeira de balanço é também o dono de todas as coisas ali. Na estranheza de seu olhar a distância do impressentido amor: “Que é?” O menino responde: “Uma onça matou meu pai.” O silêncio das coisas que não estão acontecendo se fez. No estômago de Clara uma perna de carneiro chutava com força. “Por favor, devo ser apresentada.” O menino empregado, que é também a infância do meu herói, parecia intratável, talvez uma pedra, talvez uma testa enorme e desfigurada, por isso os demais criados o levaram antes que pudesse devolver à jovem o cumprimento. Clara mal abre a boca. O herói infante arqueja: “Sabe, hoje ouvi tantas modas! Todas sobre peixes...” Cantava sempre uma que parecia ter sido escrito de propósito para ela. De algum modo livre, o menino aproxima a boca do ouvido de Clara: “Conheço uma adivinha, toda em poesia, e toda sobre peixes.” Ela queria ver tudo, numa sensação imediata da vida desperta. O coronel só sabia da dívida que tinham com a terra e que era preciso pagar. A terra era uma prisão. Observando a aia parda que lhe atraía tanto, o velho proprietário pensou: “Que é que eu vou fazer?” Uma das sobrancelhas erguidas, bateu o cajado-estaca no chão e levantou-se: “Onde está o criado que devia responder?” A luz já não fazia parte do cenário. Seguiu-se então um confuso rumor. Eram as moscas. Na medida em que as moscas avançavam, os pombos fugiam. Confuso, o dono pediu aos pombos que v o l t a s s e m submissos. Então Clara, numa voz que parecia mais um arrulho: “Seria um prazer.” E voltandos e ao anfitrião de bigode: “Posso?” O bode não responde sim: “Primeiro o peixe deve ser pescado, depois comprado.” Num sussurro simulado, a jovem olhou para o homem como se visse um condenado a morrer. “Muito obrigada, mas de fato não preciso do seu lugar.” Nisso, o menino sentiu a existência embalar seu corpo e, então, eles dois, Clara e o pequeno sertanejo, caminharam por cima das posses. Ele pôs a enxada ao ombro e seguiu lentamente a caminho da roça, até que puderam ver o capim ainda molhado de sangue. Do cenário exalava um cheiro novo, e ela reconheceu o contraste no ato. Era o sangue do soldado morto tingindo o descampado verde. O menino não sabia que a cidade existia, nem mesmo que havia um país. Ele ignorava o que eram os pintores, mas conhecia a poesia. Ao ver Clara perseguindo o xale que flutuava, enxergava também a música. A pequena era tão fria quanto a terra, e porque o céu o odiava, ele começou a sacudi-la de um lado para outro com força. Ela não opôs a menor resistência, mas seu rosto foi ficando cada vez menor, e os olhos maiores, muito grandes e verdes a ponto de se fundirem em apenas um. O olho de mulher crescia como o sol na alvorada, e o menino empregado não teve mais dúvidas. Era ela a bruxa que procuravam. No palco do desmantelo, a sombra que absolve os pecados da terra numa enorme cova. Só depois, com a falta do sonho fugaz da realidade, o herói que perdera o pai maldisse todas as onças. Nesse exato momento, a menina rosnou. Ele sabia, tristonho, que não tinha capacidade para matar a onça, mas podia tocar no segredo íntimo dela: “Em que você se transformou?” Clara respondeu: “Na sua vida, tenho certeza.” O herói finalmente chorou: “Se você realmente estivesse no meu sonho teria gostado, ouvi tantos poemas, todos sobre peixes!” Enfim, algumas horas depois eles retornaram. Pela primeira vez, pediu a morte o meu heróico infante. A menina voltaria logo para casa, tão longe dali, enquanto ele mastigava uma vida inteira para chegar ao seu destino
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Rapsódicas
Marcelo Soriano - Brasil
m.m.soriano@gmail.com
Nota preliminar: Antes de prosseguir com este artigo, lembro ao leitor que me dirijo à CPLP(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), portanto, podemos encontrar gerúndios, futuros do pretérito, expressões etnocêntricas, familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros. Oxalá, que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS BR. 14/07/2011.
1. Miniconto da Auto-Aparição
Acordei-me num dia taciturno, cinzento, inundado por pés-de-vento opacos. Dentre as cortinas enlouquecidas, aproximei-me da vasta, altíssima, intimidadora janela. Entreabri a veneziana. No vão, precipitei meu olhar para o nada, suicidando todo e qualquer presente possível. Lá fora, estávamos nós, todos nós, mundo a dentro: eu criança feia; eu menino apagado; eu rapazola silencioso; eu homem dos pontos cegos; das esquinas vencidas; eu velho indolente; eu cadáver desconhecido; eu poema desnaturado, ossos descarnados, alma sem luz... Almas sem melancolias... Nadas atemporais... O melhor - o mais humano - seria voltar a dormir. 2. Pequena Chave
Não desperdicemos nosso precioso tempo a buscar respostas para tudo. O caminho da verdade se estende a partir de uma única pergunta. A pergunta primordial. A primeira pergunta feita a alguém. A pergunta original que impeliu o homem a manter-se vivo até aqui. Que pergunta? Encontremo-la e tudo será respondido. 3. Monólogos Póstumos com Quintana Parte II
“A poesia não se explica, ela já é a explicação” Mário Quintana [Literaltura Árvore] Eu a ele: Homem-Deus! Hoje avoei taum alto (tão auto), taum lã pra cima, que meu sol apareceu-me uma laranja pútrida adormecida na sombra d’árvore meu pé. [Quadrinha Teórica Sobre a Ascensão e Queda da Amizade] Ele a mim: Amizade, a mil, na tenra idade. Cresceu, na sociedade, com dinheiro e conveniência. Morreu sem solidariedade, dor nas costas, Nenhum amigo, solitude e intransigência. (3.) continua na próxima edição... ___________________ Marcelo Soriano é natural de Santa Maria - RS - Brasil (1967). Engenheiro, poeta e novo autor (apesar de estar em estado de literatura desde 1985). É cronista das Revistas Tempo e Literatas (Moçambique)
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- Discurso directo
“O Carrossel de Lúcifer” -
E lá voltamos ao mal como uma condenação. Em síntese,
Primeiro de Janeiro (PJ): Antes de mais nada inquietação que reside a razão deste livro. Contudo, tentei construir uma narrativa sobre o fim dos tempos, com começo por lhe pedir que desmonte o título do gostava também que ficasse claro que este é apenas uma textura e cadência próprias de um thriller psicológico seu livro – «O Carrossel de Lúcifer». o fio condutor, o fundamento da cosmogonia que (que é um formato que me agrada particularmente, e digo Victor Eustáquio (VE): Pensei que podia dar uma boa capa (risos). Na verdade, foi um desafio para a Bertrand: como interpretar no plano gráfico um título destes de forma a evitar um posicionamento transversal? Já vi o livro em pelo menos duas livrarias de renome na secção da ficção estrangeira em inglês, ou seja, por traduzir, na categoria de terror... Bom, pelo menos estava ao lado de Stephen King (risos). O que quero dizer, ao contar este episódio que faz ressaltar a dificuldade que alguns livreiros têm em catalogar o livro (e ainda bem que assim é), é que o título é deliberadamente provocador, porque é esse o seu mote mas no sentido de induzir no leitor sentimentos diversos, dúvidas, interrogações. Afinal, do que trata este romance? Porque lá dentro, cada leitor pode encontrar vários caminhos, várias interrogações, e catalogá-lo como bem entender. E é esse precisamente o objectivo da narrativa: não ser simplista ao ponto de se descobrir nela uma única camada de leitura, mesmo correndo o risco de a envolver numa forte carga simbólica. Para isso, precisava de ter um título que não fosse redutor, que traduzisse na medida do possível algumas ideias centrais, o fio condutor de uma história em aberto que espero que possa ser lida de modos bastante diferenciados. Agora, é óbvio que eu tenho a minha leitura pessoal do título, que presidiu à sua escolha, embora, como disse, fico feliz que outros o desmontem doutra maneira. Assim, e respondendo finalmente à sua questão, para mim, o título «O Carrossel de Lúcifer» remete acima de tudo para a luta entre o bem e mal, usando dois universos: o das crianças, simbolizado pelo carrossel, e o mundo dos adultos (um mundo manietado por Lúcifer, o Diabo, como metáfora da descida aos infernos que é preconizada por algumas personagens do romance). Uma segunda abordagem possível é a ideia da desordem, do caos, das doenças da sociedade moderna, não só no sentido patológico mas também metafísico. No fundo, é uma síntese possível da descrição de uma cosmogonia que vê a realidade, o nosso quotidiano, como o próprio Inferno, como um carrossel desgovernado em que todos somos obrigados a andar, em círculos, como se se tratasse de uma condenação dos seres humanos. E daqui resulta a segunda provocação que se segue ao título: «uma visão do mal com acto estratégico de Deus”.
tento descrever no romance. Não escondo que é uma história do mal, uma possível abordagem do mal, mas «O Carrossel de Lúcifer» não é só isso. Pelo contrário, é também uma história intensa de amor, um triângulo amoroso aliás, uma história do primeiro amor, da perda da inocência, é uma história sobre vivências no campo e na cidade e a forma como realidades sociológicas
formato em vez de género literário, para fugir precisamente a essa catalogação que, do meu ponto de vista, seria muito redutora para aquilo que tento exprimir), exorcizando demónios pessoais nos quais, julgo eu, muitas pessoas se podem rever.
distintas podem afectar a nossa relação com os outros. Ou como a forma com que vivemos a infância e a adolescência pode determinar o nosso rumo. É uma história sobre comportamentos patológicos, situações-limite, desvios sexuais, a eterna discussão entre loucura e sanidade e a definição da fronteira a partir da qual os nossos actos passam a ser considerados erráticos. É finalmente uma viagem em busca da redenção, uma espécie de «road-book espiritual», uma demanda pela reposição da ordem moral num mundo manifestamente imoral.
literatura são recorrentes nesta sua obra, nomeadamente Sófocles, Sartre, Nabokov, Camus, André Malraux, Trotsky, Steinbeck ou Dostoievski. Porque recorreu a eles, são estas também as suas influências?
PJ: Além de Maquiavel, outros ‘monstros’ da
PJ: Acha realmente que se pode resumir esta história a “uma visão do mal como acto estratégico de Deus”? Acredita, então, que “os homens acabam sempre por se revelar maus se a necessidade não os obriga a ser bons”, como um dia escreveu Maquiavel. VE: Por muito que possa incomodar, é uma premisssa defendida pela Igreja católica: a de que os homens são maus por natureza. E o que Maquiavel faz, mais não é do inclui-la no seu célebre manual de governação política, «O Príncipe», escrito curiosamente para cair nas boas graças de um príncipe florentino e obter benesses políticas. Mas isso já é outra história. Para responder à sua pergunta, permita-me que vá por partes. A história de «O Carrossel de Lúcifer», enquanto obra de ficção, é uma possível abordagem do mal. E dizer que é um acto estratégico de Deus é simplesmente recuperar a própria explicação teológica da origem do mal no mundo. Porquê? Por que Deus concedeu-nos o livre arbítrio, a possibilidade de escolha. E isso mais não é do que uma estratégia, um teste à nossa capacidade de optar entre o bem o mal. De resto, é esse o príncipio recorrente na Bíblia. Logo, diria que sim, pode resumir-se esta história a “uma visão do mal como acto estratégico de Deus”. E mesmo acreditando ou não na existência de Deus, de uma maneira ou de outra – basta olhar o mundo que nos rodeia e ler os seus sintomas – somos forçados a chegar à mesma conclusão de Maquiavel. Daí ter de lhe responder também que sim, que suspeito que os homens são maus por natureza, o que infelizmente poderá contrariar os princípios românticos de Rosseau e o mito do “Bom Selvagem”, mas ainda bem que assim é, pois é nessa
VE: Como leitor, tenho o pecado de venerar certos autores. Para mim, há escritores de livros (que vendem um produto, que é o livro, como podiam vender outra coisa qualquer) e autores de literatura. Está na moda ser escritor. Não tenho
Terça-feira, 26 de Julho de 2011
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- discurso directo
uma visão do mal como acto estratégico de Deus nada contra. Ainda bem. Lê-se mais também. Agora, incomoda-me seriamente a presunção de que se se vende é porque é bom. Há já uns bons anos, quando era jornalista, entrevistei um escritor português, que havia acabado de publicar o seu primeiro romance e estava a tornar-se campeão de vendas... e também de críticas demolidoras. Não está em causa se a sua prosa é boa ou não. Cada um é livre de escrever o que lhe apetecer, ser editado e ter grande sucesso. O que me chocou foi uma afirmação que essa pessoa fez durante a entrevista: “Eu, como o Hemingway, escrevo sobre...”. Nem queria acreditar no que estava a ouvir! Ou seja, não me incomoda que cada um ponha no papel o que quiser, mas daí dizer que se trata de literatura vai uma grande distância. Escrever ficção não é propriamente, ou não devia ser, encher páginas de disparates e apelar à mediocridade. A literatura é uma manifestação de arte e talento. Requer no mínimo domínio da língua e verosimilhança. E já agora convém que se tenha algo minimamente interessante para contar. Talvez eu seja demasiado purista e daí dizer que tenha o pecado de venerar certos autores. Todos os nomes que citou, e outros, fazem parte da galeria de autores cuja obra me marcou profundamente em diferentes fases da minha vida e pelos quais tenho um profundo respeito que me obriga, em privado e em jeito de desabafo, a fazer o papel de advogado do Diabo: “Alto lá!” – digo eu para mim próprio, indignado por vezes com o vejo ou leio. – Há escritores e escritores. Esta história dos bestsellers faz parte da venda do livro como produto: não é uma questão de literatura”. Agora, por que recorri a tantos destes “monstros” da literatura? Objectivamente, porque se tornou uma necessidade da narrativa: uma das personagens de «O Carrossel de Lúcifer» tem a mania de usar citações de livros para justificar tudo o que lhe acontece, com vista a provar aquilo a que ele chama de «infabilidade da literatura». É uma brincadeira e se calhar, inconscientemente, uma forma de prestar homenagem a alguns desses autores que tanto respeito e de extravasar a minha ira contra a presunção desses tantos “escritores” que por aí abundam.
PJ: O que o motivou a escrever este romance? VE: A mesma razão que me levou a rabiscar duas novelas e não sei quantos contos e centenas de textos dispersos desde os meus 11 anos, que terá sido mais ou menos a época em que descobri a minha paixão pela escrita: escrevi este romance porque precisava de o fazer. Na verdade, se pudesse seria a única coisa que gostaria de fazer na vida. Mas apenas ficção. Sei que soa a rebuscado e a frase feita, mas preciso da ficção para reinventar o mundo à minha medida. Numa palavra, catarse. É claro que tento comunicar, porque só assim faz sentido ser publicado. Um romance, ou qualquer outra coisa transformada em livro, não passa de um conjunto de folhas e palavras impressas se não tiver leitores. Não passa de um objecto. Só adquire sentido quando alguém pega nele e começa a lê-lo. Mas como dizia, nem é tanto pela necessidade de comunicar que escrevo; é sobretudo pelo subterfúgio que descobri na escrita enquanto forma de exorcizar inquietações pessoais.
E o fantástico que a ficção tem é que posso fazê-lo à minha medida, tal como dizia, reinventando todos os meus demónios da forma que bem entender. Não precisa de ser autobiográfico. Somos nós que definimos o grau de exposição a que queremos nos submeter. É que a ficção permite recorrer a algo simplesmente extasiante: ao inesgotável e maravilhoso mundo da imaginação onde tudo é permitido. Somos inteiramente livres
de trabalhar o material que quisermos, apropriando-nos de histórias alheias, usando experiências pessoais, seja o que for. Agora, porquê este romance em concreto? Talvez responda a isso daqui a mais cinco ou seis livros, quando tiver obra e estatuto que tornem interessante para os leitores a minha longa e intricada relação pessoal com este universo das forças do bem e do mal.
PJ: Os nomes das personagens são quase todos bíblicos: João de Deus, Pedro Cruz, Madalena, Damásio Assunção, Miguel (como o arcanjo). Há alguma razão por detrás desta escolha ou foi aleatória? VE: Foi intencional pois queria reforçar a simbologia do romance com elementos cristológicos e messiânicos. Alguém poderá dizer que é redudante e perigoso para a verosimilhança da narrativa, mas se estava a escrever sobre o fim do milénio e os tempos do fim, tentando criar uma visão apocalíptica do mal, decidi correr o risco de usar nomes que apelam no imaginário do leitor justamente a essa dimensão bíblica.
PJ: Neste seu livro transparecem histórias de amor a um nível platónico, veja-se o caso de João de Deus/Madalena, ou Pedro Cruz/ Madalena, ou ainda, a obsessão de Pedro Cruz por Sara, sem esquecer a atracção doentia que sente por Maria. Isto ao mesmo tempo que estabelece um paralelismo entre o passado e o presente das vidas das suas personagens. Não teme que o seu romance se assemelhe demasiado à realidade? VE: Pelo contrário, se o leitor sentir que estou próximo da realidade ou que as minhas histórias de amor são reais, é porque a minha ficção é verosímil. E isso, penso eu, é o que um escritor mais deseja: que as pessoas se identifiquem e se revejam ao máximo na história. Não é por acaso que o “true story” ou o “baseado em acontecimentos reais” atraia sempre mais audiências. Pena que não o possa fazer aqui, porque as histórias de amor de «O Carrossel de Lúcifer» são pura ficção, embora evidentemente relevem de vivências pessoais ou de terceiros das quais eu me apropriei como material para trabalhar. Tal como disse, o fantástico de escrever ficção é poder reinventar e reconstruir a realidade com total liberdade criativa.
PJ: Em «O Carrossel de Lúcifer» também sobressaem os sentimentos mais crus e animalescos que um homem pode ter dentro de si. A cada linha, a cada parágrafo sentemse gestos intensos de dor e de uma crueldade, por vezes brutal, como é o caso da morte dos animais, mas também a descrição do assassínio de Damásio Assunção. De onde lhe vem esta inspiração mórbida? (Perdoe-me a expressão!) VE: Há duas questões aqui. Uma é que este romance contém deliberadamente muitos “ruídos de fundo”, a descrição de actos isolados de crueldade e violência, que não interferem no avanço da história e que só existem, por um lado, para manter um clima de tensão e angústia permanente e, por outro, para dar indícios adicionais, à margem da narrativa, dessa maldade inerente à natureza humana, quer no campo quer na cidade, a tal descida aos infernos que pretendia retratar. De resto, não há uma localização espacial concreta para a narrativa justamente porque procurei imprimir um sentido de universalidade. O que acontece em «O Carrossel de Lúcifer» pode situar-se em qualquer país (pelo menos europeu, já que seria difícil extrapolar para outras regiões determinados elementos de
natureza cultural e sociológica com que trabalho). A outra questão é à inspiração mórbida propriamente dita. Devo dizer que ela criou e continua a criar grandes autores de ficção e nada tem de pejorativo. Agora, no meu caso, não sei se se trata de inspiração mórbida mas sinceramente também creio que não me compete ajuizar sobre isso. Prefiro deixar a questão para os leitores, pois é a eles que se destina esta obra e é o crivo deles que decide da natureza das minhas pulsões narrativas. É evidente que escrevi «O Carrossel de Lúcifer» com a intenção clara de provocar sensações. Deixar-me-á infeliz, porque significa que não consegui atingir o meu o objectivo, se alguém ficar indiferente a este romance. No seu caso, vê o livro como fruto de uma inspiração mórbida. Fanstástico! Há quem o veja como sanguinário, angustiante, há quem chegue ao fim e me diga: “Podias ter ido mais longe” ou “Não vejo em que é que este livro seja pesado. Até me deu vontade de rir em certas passagens”. É isso que procuro: reacções. E quanto mais díspares melhor.
PJ: É mesmo preciso “fazer crer que somos bons, mesmo que sejamos odiosos”, porque “só assim nos toleram”? VE: Nada a dizer. A tese, que cito no romance, entre outras, é de Maquiavel. Por muito que possa incomodar, Maquiavel teve a coragem de dizer o que muitos pensam sem jamais ousarem em verbalizá-lo. Deixo-a para reflexão do leitor.
PJ: Considera que este seu livro é um elogio ao mal, ou tal com a personagem Pedro Cruz, acredita que a nossa vida se resume “a uma tremenda obsessão pelo sexo e pela morte”? VE: Este romance pretende ser apenas uma metáfora dos tempos modernos que observa o mal como uma condição inalienável da existência humana. Não há nesta narrativa juízos de valor. Apenas interrogações, inquietações. Este livro trata do mal, é certo, e convida o leitor a mergulhar nalgumas das suas possíveis manifestações e mecanismos, mas o mal é sempre descrito como um indício, como um sintoma de uma sociedade doente, pelo que cabe a cada um de nós exercer o seu livre arbítrio e fazer as suas escolhas. Por isso, «O Carrossel de Lúcifer» está muito longe de fazer o elogio do mal. Pelo contrário. Aliás, a missão de Pedro Cruz, uma das duas principais personagens do romance que acabou agora de referir, é precisamente descobrir a forma de expurgar o mal do mundo. Porque ele não sabe lidar com a sua “obsessão pelo sexo e pela morte”, algo que ele pensa partilhar com muitas pessoas em seu redor, algo que o angustia profundamente. E, por essa razão, Pedro tem a necessidade urgente de encontrar um antídoto para a maldade. Só que o faz com a prática do próprio mal. Parece irónico, mas não vemos isto todos os dias à nossa volta, no nosso mundo real?
PJ: Para finalizar, diga-me: tudo se resume à maldade que todos temos dentro de nós, à semelhança do que defendia Maquiavel? VE: Não, por todas as razões que já apontei, mas que ele está entre nós lá isso está. E está a revelar-se cada vez mais. Como disse, é um dos sintomas mais evidentes de que vivemos numa sociedade doente.
PJ: Gostava de terminar com uma pequena provocação: “Só se escolhe a loucura quando se sabe que não vale a pena ser são”? VE: Não vou entrar na eterna discussão da fronteira entre loucura e sanidade, mas no meio de tanta insanidade, que reconhemos às vezes nos mais pequenos pormenores, nos mais pequenos gestos, não há a tentação por vezes de termos um dia de raiva, de completa loucura, de agirmos da forma mais tresloucada possível, mesmo que seja para repor, lá está, uma determinada ordem moral, a nossa ordem, a ordem que consideramos que deveria ser a adoptada? No meio de tanta insanidade, não apetece às vezes imaginar que, afinal, os loucos é que são os sãos? Deixe-me ser eu a deixar uma pequena provocação: se se reconhece o mal por oposição ao bem, talvez só se possa reconhecer a insanidade, quando a sanidade não nos basta..
Entrevista publicada no diário «Primeiro de Janeiro», em Portugal, em Fevereiro de 2008
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Terça-feira, 26 de Julho de 2011
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No recanto de apolo... A Rua e o Menino Celso Munguambe - Maputo Menino da rua Sob o olhar do imenso lixo Menino da rua Caminhando sem destino Menino da rua Nas noites sombrias e frias Menino da rua Caminhando na rua Menino da rua, menino da rua Olhar brilhante Esperança inoperante Tristeza inquietante Temor vibrante Dor consistente Agora já não sou mais Menino da rua mas sim Menino das avenidas Do nosso Maputo Vestes rasgadas Imundas, de cheiro insuportável Como a vida k levo Sem saber se existirá o Amanhã para mim Se até o presente é incerto Sobrevivo na esperança De no futuro me tornar Algo melhor.
Vista a Minha Pele Silas Correia Leite - Itararé Para Júlio Hendrix Silva Rodrigues Assuma a minha cor Seja você quem for Capture radicalmente a minha dor Bem lá dentro de mim E procure me compreender melhor assim Vista a minha pele Eu sou igualzinho a você Ser Humano, porque Corpo, Mente, Banzo, Coração Então questione racismo e discriminação Vista a minha pele Sou vermelho por dentro E negro sempre cem por cento Afrobrasilis, Afrodescendente Muito além de para sempre Inteiramente ser humano e sobretudo gente Vista a minha pele Vista-se epidermicamente de mim E procure me entender como seu igual assim Seu irmão da humana cósmica raça E sinta tudo o que dentro de mim se passa
Gurúè Japone Arijuane - Maputo O Mundo onde o nada diz tudo. Bendito seja dito somente para ti! Obra da arte natural Verde com nunca Firme com sempre A mãe natureza tem aqui um sossego divino A contemplação infinita reside nas entranhas desta vista Beleza, as fertilidades ostentadas pela sua superfície Fazem de ti, O pulmão, O celeiro, O oxigénio, O tudo zambeziano Se foi deus adeus pelo embelezamento, Alias, que haja deus embelezador.
Teatro Nilton Pavin - Brasil Furtaram o pseudônimo do ator. Delinquência de ação nefasta, Tórrida intriga burra, insensata. Código soslaio de pavor, louvor Minuta de um ente protuberante Que agoniza na vida pústula, Intenção maligna de uma fístula Reinante em um submundo rutilante Filmico de sensível infausto Repleto de atos e rumo funesto De uma vida simples e inclemente Reluz de um ato vil e sincrético, Ao transformar o mundo maléfico Em um pandemônio atroz e inerente
A Xitsuketa
Amélia Matavele - Maputo Somos dois… Dois corpos, duas almas, dois animais Mas quem somos?
Assim você muito bem confere Assim você vai realmente se sentir Lá dentro da minha própria pele Como eu quero ser árvore de leite e florir Como eu quero ser janela de pão e me abrir Como eu quero ser estrada de açúcar e prosseguir Como eu quero o fim de diáporas e sorrir Sem nenhum branco para me ferir E você vai captar essencialmente então A verdadeira pureza do que é primordial E o que eu quero é total libertação E todos iguais na aquarela da coloração Numa brasileiríssima democracia racial
Podemos até ser três! Vigora a dita geração de viragem Mas quantos somos?
Vista a minha pele Seja um pouco eu mesmo um negrão aí Dentro de você - Para você sentir Sou preto brasileirinho Sou negrão e sou negrinho Sou Negro e Ser Humano de igual valor E tenho a África nas moendas e engenhos no meu interior
Hum! E assim começamos Dois corpos, dois instintos Uma lua aberta Um sol nú e estrelas Aplaudindo a nossa mais nova dança!
Depois de me vestir e depois de se sair de si Deixando de ser eu negro aí Venha me estender a sua mão E, de coração para coração Abrace-me como um seu completo irmão A pele espiritual sendo uma só então Numa sagrada e sideral celebração.
Realizar Pedro Du Bois - Brasil Realizo o sonho ao destino ofertado. Retiro a irrealidade e a contemplo em matéria rio do segredo descubro avanço o tempo à semeadura e retorno em colheitas a casa serve ao senhor o estio ao crescimento da planta depois do cultivo sobre a terra em inundações lavo a sombra da irrealidade. Deposito diante do homem a sobra na satisfação do todo.
Tarde de domingo Afonso Almeida Brandão (para Anifa) A monotonia o acaso o tempo que se alonga. Tardes de domingo O calor aceso nas janelas como uma flor ao Sol. E o teu corpo quieto e perfumado no branco do lençol.
(in «Reconciliação das Palavras», a sair brevemente)
Que culpa temos nós? Mukurruza - Lichinga Á Jorge Viegas
Somente saberemos isso Ao gosto das palmas A lua aberta, a sol nú E a estrelas ousadas… Somos um! Mesmo desejo e agressividade animal Que faz gerar dinamismo no brutalismo Dum sentimentalismo
Uma dança… Uns instintos únicos… Uma xitsuketa! Abalando os corações dos que a assistem Uma dança com dois Pode até ser com três! Dança que renasce após a adolescência… A dois!
Gentil nossa alma, Nossa esperança, dores, mágoas, enfim, roubadas. Penúrias penduradas n’angústias Desfeitas de graças. Estas vaidades traduzidas nas danças de batuques marimba, enfim. Oh! danças de ekuetthe danças desconhecidas! -Será que não lembram destas danças? -Isto é mesmo que não lembrar do filho desta terra esquecida ah! Que esperança falhada nesta terra de moldes, desfeita de estragar tijolos de adobe! Tristeza é a palavra que só se vos diz. Nestes gritos esquecidos; Gritos sem referentes, sem donos. Ah! que tristeza nos acolhe nestes abrigos sem reflexos! Que pena nos impedem de sonhar! Esperança desfeita de mistérios dos magnos xicuembos
Terça-feira, 26 de Julho de 2011
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“Canto da poesia”
Mulher mecânica
PALAVRAS LATEJANTES
Raffael Inguane
Augusto Almeida
Deixa-me sentar nos assentos do teu corpo Apalpando a tua chaparia Aconchegando-me em ti, Protegido pelos teus braços de segurança Espelhando-me no retrovisor dos teus olhos
É tudo tão escuro É tudo tão eu, um bocado obscuro Ouve o sussurro que se espalha pelo furo Que se abre na traseira do teu canal Não faz mal, uma apologia meio sexual
A muito vens dizendo que és boa na cama Robusta como um “four by four” na lama Deitada de cócoras Por cima das quatro patas Ou melhor, com as rodas arreadas Pronta para obedecer as minhas manobras Deixa-me manejar a tua caixa de velocidades Dominar teu corpo a cada mudança que eu for a engrenar Farei da nossa cama um auto-estrada Enfrentando as mais perigosas curvas do teu corpo Quiçá cair no precipício perto do teu canal vaginal E sem tirar o pé do acelerador Contigo subirei as zonas mais montanhosas da nossa casa Transpassarei desertos enfrentado todas dunas Quero pôr a funcionar as válvulas do teu motor Violar os teus filtros e o radiador Farei subir o ponteiro do teu conta-quilómetros Pegarei com uma mão o volante dos teus cabelos E a outra mão apalpará a tua bunda bagageira Acelerarei o teu corpo, Nas mais altas velocidades sexo-automobilísticas Até acabar o combustível que alimenta o teu carro corpo.
Pietro Petrosse Na nau embarquei, Em suas aguas singrei. Tempestades, enfrentei E delas escapei.
Sem forxas e nortes naufraguei, Como vencido nao me dei, E continuar a nado tentei.
Triste Paisagem no escuro Necromante Manes
Ele, te curva e te penetra como se fosse um penetra Motivado por um desejo que brilha a cada novo dia Porque trilha um caminho doloroso enquanto chia A revelia dos teus esforços de dar a receber Sem perceber se isso é sexo ou prazer de sofrer. Cada pedaço de ti é uma montanha de masoquismo Mas eu sei subir de nível em alpinismo Muda-se o ismo mas o prazer te conflitua Não compactua com o teu desejo de me esbranquiçar De me iluminar como se eu portasse o mal E fosse fundamental encontrar a luz Na verdade mentida numa bênção papal.
P’ra quê lágrimas? Sem que viva um horror Se somente precido d’um verdadeiro amor
Primeiro veio a provocação Depois veio o pré-eliminar dessa tua ebulição Agora tenho o teu ângulo aberto bem de perto Numa imagem de Monalisa a derreter E eu só a pensar em meter. Grita tudo que quiseres que eu dou-te volume Sou o teu Ferrari então chama-me Shumi Estou no cume da vida a querer descer para o inferno Para ser julgado pelo pecado capital sem terno Porque aqui a imagem é sempre figura de montra.
Nao aguentei e me afoguei, Quando despertei, Em teu seio me encontrei.
Fabião
Encontrei te deserta perdida num bosque feita a noiva vestido ensanguentado figurava a morte cabelos desfeitos pulmões sem vida será devido ao vício ou a atmosfera dessa mira mal respiravas senão fôlego de uma substância medonha o álcool com o qual ti relacionavas traíra-te segredamente sem dares a conta num passado ou num presente que desconheço sua fronta alias como eu e tu viemos cá parar não vejo o sol, apenas uma pequena fonte luminosa a brotar sinto frio, o coração palpita mas não sinto o pulsar tenho a sensação da matéria porém perco ao caminhar da última vez que ti vi estavas tão feliz por cima do altar dizias que ele é o homem da sua vida e que fariam juntos um lar onde esta todo mundo sinto algo que desconforta-me não é presente, é infinito é algo que assombra-me gritei por ti e não me ouvias gargalhadas sinistras amorteciam em ecos as minhas suplicas.... Oh! tempo dai me de volta a sua miragem! Grupo do facebook: http://www.facebook.com/home.php?sk=group_185846178099556&ap=1
P’ra quê lágrimas? Se tenho um lugar Para magoas desabafar P’ra quê lágrimas? Se a natureza tenho a merecer Vendo flores florecer
Neste meu crime perfeito A cena do crime aperfeiçoa-se deixando marcas Uma mordidela seria uma imagem bela Enquanto as minhas mãos tipo barcos a vela Navegariam o teu mar a salgar-se pelo suor A pingar pelos poros da tua pele em ebulição Arde com todo fogo que me deixa fazer furor Porque quando passas por mim Eu sou estupidamente desrespeitoso.
Com suplicios me deparei, Nao desaminei, Velas icei E em tua sanha continuei.
Nico Tembe
Até dá prazer sentir assim o mal a gotejar A lacrimejar desejo impuro e corrente Assente no teu dia-a-dia de pura correria. Alia a tua fome por um novo dia Com o medo que se espelha na tua face Dá um volte e face e pensa como se ele se calasse Como se ele acabasse e teu mundo acabasse hoje.
Eu sou um sinal bem na ponta do teu peito Dou aquele pinar bem no centro do teu leito Não tem outro jeito de caracterizar o meu feito Palavras são estímulos com fins pré-determinados Mas mesmo que eu fosse mudo, os meios Podiam ilustrar-se no lamber dos teus peitos Como um pasteleiro a pintar bolos Com rolos a pingar saliva pelo teu corpo Não para embelezar, não para aclamar Simplesmente para abrir a tua história por um mar Onde eu possa nadar sem respirar E caminhar sem pisar, mas a penetrar.
MAR AMOR
P’ra quê lágrimas?
Ruth boane Quanta tolice! Padeces de uma estúpida doença, a criancice Embora te foste, seu cão Oh, Fabião! Te foste na calada da noite Como um ladrão te foste Te foste como o Julião O ladrão da rua Marcos Sebastião Na calada da noite Te foste com tudo Os meus sentimentos Os meus pensamentos Oh! Te foste seu cão Nem pintado de ouro Te quero mais ver Seu Sacana!
P’ra quê lágrimas? Se não tenho porquê mentir Pois no fim irás descobrir
P’ra quê lágrimas? Não tenho mais nada a dizer Não é só de lágrimas que irei viver.
A PROSA DA NOITE Izidine Jaime - Mulher que nunca tive. Os segredos do silêncio na noite calma, São uma nova nota a melodia da lembrança Em mim se cala o infinito dos meus desejos Os caminhos se metamorfam onde nunca houve nada Os medos me afogam na incerteza do que faço, “Mas o que sepulta não é o medo de fazer, mas a coragem de não fazer” Preciso acreditar, a confiança tem poder. Dobram-me os sentidos e as sensações se exaltam. Baloiço os olhos famintos de um corpo relusente de todas as raças. Não! Orbitro o rosto, há mais coisas por olhar no mundo. A árvore da vida, me chama com um nome, Quem sou? – O sonho é incompleto O dia me acorda na voz da luz, O galo grita o temor da morte, mas a morte é bela, Democrática, nem os homens conseguem suborna-la. Coitados são vós todos que tendes o mesmo destino que eu! Mas eu, nem destino tenho. A vida não me leva, A vida não sabe levar nada, ela só é ela. Cada um se leva na vida e eu vou me levando, De verdade e espírito conhecendo-me como ninguém. Minhas fraquezas estão nas vírgulas mais fortes que tenho Por onde a minha fortaleza as apalpa pedaço a gota. Os desafios so me procuram coroar vencedor. Ah, Essa vida! Meus reflexos farejam pedaços de mim, As sombras não me apelidam, o subdito canto me entrelaça E envolve-me no inconsciente. Ah, cá estou eu! Pensando inutilmente como quem abre o olhar fechando os olhos. As sílabas prosam e a verdade me mostra o seu garimpo. As mentiras me apetrecham tanto que já nem é segredo aos ventos, Mas em que labirinto há mais pedras que a minha vida? A poeira cansou-se de beijar-me os pés Meu peito se lembra de todos os rostos, Mas há um que não soa na lembrança porque nunca tive, O Y sabe o nome dela, quando me embalo no frio do AC Me lembro do nome que o Y me diz. Eis-me aqui escrevendo pateticamente como quem ama sem o saber dizer, A luz se invoca em minha alma, meus dedos transpiram letras, Me escondo de mim onde me encontro, o pensamento não me obedece, As janelas despem a rua. Não há lá ninguém? Ninguém passa. A rua está só como eu, mas eu tenho a mim, e a rua que tem? Se for para passar alguém que seja ela, assim poderei ter ela comigo E a rua já não mais estará solteira porque nos terá a nós.
Terça-feira, 26 de Julho de 2011
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Em Outras palavras
O coronel de Ébano (Para além da dor, para além da vida) Samuel da Costa - Brasil --- Em memória de João Carlos Pereira
Enquanto cortava a grama, da casa nova, o coronel Alencastro pensava na sua difícil caminhada até ali. Estava usando sandálias de couro, camiseta regata e bermuda floral, estava vestido bem à moda do litoral. Cortava a grama da casa, que ficava a poucos metros do batalhão que iria assumir o comando no dia seguinte. Pensou na desconfiança de alguns e, mesmo na ira de outros, era sempre assim, seu pai e avô passaram pela mesma coisa, eram ambos policiais militares. Seu pai com muito custo chegara a primeiro sargento ainda na ativa, mas seu avô acabara como cabo na reserva. Chegar até aquele posto sem fazer inimigos e contrariar interesses era praticamente impossível. O cheiro de clorofila que deveria estar impregnado no
ar, mas não estava, no lugar um cheiro agradável de flores pairava no ar. Alencastro na naquela altura pensava estar enlouquecendo, pois era o cheiro de impatiens, o mesmo do jardim de sua mãe. Um cheiro de saudade liberalmente pairava no ar, o coronel estava com a mente atormentada por pensamentos que o levavam muito longe, para além do tempo e espaço. Foi quando uma viatura, com três policiais, parou bem defronte à nova casa do coronel Alencastro. - Oh negão me chama o coronel ai, tenho um recado pra dar ‘’prar’’ ele! Anda negão, chama o coronel logo!- Diz o solado que estava atrás do volante. O sotaque interiorano irritou Alencastro, o soldado, de cara gordo e sardenta, olhava para Alencastro com um certo desprezo, o coronel estava diante de mais uma batalha, um confronto que parecia não ter fim, e se acentuava toda vez que subia alguns degraus. - Pode falar soldado, diz antes que te mande prender por não bater continência na presença de seu superior
A Virgem Sagrada Eduardo Quive - Maputo
Outros demasiados séculos se passaram antes que o inverno imperasse na zona. Renunciara-se antes, os deuses dos sacerdotes e dos Cabrais e elegera-se o rei Ngonhama (1) como o régulo mais rei do Deus me livre, como se antes não fosse! Mas motivara-se a sua acessão ao rei Cuhanha (2), como coroamento do seu trono que era promissor e demasiado aterrorizante o suficiente para proteger as terras que já eram designadas Livre-me Deus, tendo na mesma altura, se elegido duas raças humanas distintas: as donzelas e os não me toques, cujos seus deuses divergiam, igualmente. Era o princípio do fim das misturas entre as impurezas e as mulheres que seriam do futuro mais promissor da terra e inventariam um Deus me livre que trouxesse mais deuses poderosos, com potenciais para conquistar outras redondezas. Acreditara-se desde os anos descendentes que as donzelas eram as maiores e melhores feiticeiras que as terras podiam produzir com tamanha produtividade e excesso de conquistas sem fim, principalmente, se se efectuasse o sacrifício da donzela mais frondosa, oferecendo-a ao homem mais forte da zona, que não ejaculara nunca, e se uniam na noite do luar mais inominado. Todos concordavam com estas deontologias satânicas e promissoras, compro metendo-se a não abandonar as tradições mais antigas dos deuses da sorte e prosperidade. Os não me toques também foram distinguidos dos Zéninguém e de outros adimonizados, foi como se tivesse separado a água do óleo. Estes já nasceram diferentes. Aproximavam-se outros tempos em Deus me livre. Acompanhando o abandonar das tradições que já ganharam e tomaram espaço entre as raparigas de Maputo e doutras cidades. Passava-se da era dos acontecimentos, tendo se assinalado no próximo século com a ascensão dos não me toques e os seus respectivos deuses. Contara-se que os não me toques sempre foram intocáveis. Nunca alguém os pudesse tocar, nem eles mesmos, podiam o fazer... sob decreto nenhum! Nasceram numa altura em que o Deus mais poderoso distribuíra os poderes mais satânicos e temidos da terra, por isso foram sempre temidos e aveniados, como um ferro quente. Nunca antes se vira coisa igual! Nem mesmo o Umbeluzi (3), com a quantidade de crocodilos já foi tão temido algum dia, muito menos o Zambeze com a sua energia eléctrica dispersara gente da sua aproximação, pelo contrário, pela natureza da desgraça, as maiores comunidades, são dependente de tal água para sobrevivência, mesmo a cada dia haver relatos de mortes. Cada vez mais a verdade se expressava na vida dos nativos. As donzelas tomaram por outro lado, o seu poder, na noite de transição onde, habitualmente, faziam-se grandes mudanças na zona. As virgens perdiam a virgindade, as corujas tomavam o espaço e outros terrores faziam-se de habitantes em todo Deus me Livre.
Juntando todos os feiticeiros, desde o nordeste ao sudoeste, mesmo passando pelos céus e pelas terras, escavando qualquer verdade que fosse, mas nenhuma donzela seria descartada. Nenhuma mesmo. Mandaram encerrar todas as fronteiras, principalmente a mais infernal, do lado da vila do Leproso, para não permitir que nenhum ser humano daquela espécie se fizesse presente nas escolhas e para não aborrecer os deuses que consagrariam a distinção, tão esperado. Seria uma cerimónia que contaria com a presença de todos os espíritos mais temidos. Prepararam todas as mulheres da zona, incluindo as mais férteis, como as esposas dos casa sessenta e cinquenta, que pareciam um jambaloeiro de tanto dar filhos, aliás, foram assim chamados porque constituíam famílias com esses números, Sessenta e cinquenta. Essas nem mesmo os cegos as desconhecem, mas tinham que estar lá, na lista de adivinhamento das virgens sagradas. Recolheram todas as mulheres, incluindo os bebés mais recentemente nascidos. Não podiam em hipótese alguma a virgem não se achar. Estavam todas no centro da vila, nas palhotas da praça dos deuses, lugar sagrado que fizera a vila merecer o Nome de Deus me livre, bem em frente das matas de outros Swikwembos (4) e estavam nuas, do jeito como chegaram a aquelas terras. Todas estavam sem roupas, feitas de galinhas depenadas na sexta-feira santa! Nunca antes vira coisa igual. Todas as mulheres estavam expostas aos olhares dos homens, alguns não tinham coragem. O Padre Couto, não tivera coragem de olhar para a mulher com a qual trai o seu deus, por outro lado, o a honra de outras raças nobres estava em causa. Todas as mulheres estavam lá. Filhos que olharam as suas mães em estado de nudez atormentador, e o rei Ngonhama, todo atento aos detalhes de cada mulher. Nunca antes vira o corpo de uma mulher com tanta inteireza! Nada estava oculto, o rei fazia questão de confirmar. O Deus das donzelas e a virgem sagrada descobriram-se naquela assustadora cerimónia, recheada de verdades, antes obscuras em muitos olhos. Pousaram todas as mulheres do Deus me livre, algumas com peitos a bater os joelhos e outras mais lisas que uma parede. Surge uma voz repentina no meio do silêncio! - Grandes homens, mulheres e mais novos. Deuses dos mulungos (5) e dos Ngonhamas. Deuses dos Ngunis (6) e outros espíritos das nossas terras. Eis as donzelas... - Faltou o envocamento dos nossos deuses! Reclamaram de imediato os espectadores da cena. O rei silenciou-se perante os gritos que vinham de forma abstracta, mas eram vozes diferente reclamando o envocamento dos seus deus mais supremos.
- Nós somos os Ndaus (7), mas não ouvimos os nossos deuses! - E os Ngungunhanes (8), Zuid (8), Nwamatibsana (8), nós é Changana (9) e Ronga (10)!?
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Sair para o jardim A claridade do dia O lado do poente Um quadro esplendido... Diante daquela magnificência! Ouvi vozes vindas da rua... Uma mulher falava numa voz suave... animadamente Uma mistura de rara beleza Que a todos encanta...Doces lembranças... Tenho vivido momentos de infinita alegria Mesmo assim, sinto a necessidade... De experimentar...Uma nova vida... Em um outro lugar. Patrícia Raphael
Todos e outros reclamavam, incluindo os macuas e Macondes (11) que também viram os seus filhos a tombarem para a libertação daquelas terras! O rei não sabia o que dizer e determinara instantaneamente! - Esta terra não é dos Ndaus, nem dos Changanas, e se mais um quer reclamar, mandarei os feiticeiros mais temidos e confiados para os amaldiçoar. Vocês são imigrantes desconhecidos. Deus me livre não é vosso – Disse. Retomando ao seu discurso e sem mais interferências, proclamara. - Daqui sairá a donzela de que se precisa para oferecer os espíritos para o sacrifício que salvará os filhos desta terra, e mais nova delas, será sacrificada para o mais poderoso homem na noite mais próxima de lua cheia. Iniciava-se assim o rito que punha a prova o feiticeiro de confiança do Rei Ngonhama para adivinhar quem são as donzelas e que de seguida o faria sobre o respectivo Deus que mereceria o presente sagrado. E foi assim, até que se distinguira Mhoki, como o Deus representante mais supremo das mulheres preparadas para o futuro do Deus me livre e escondera-se a divida mulher para o sacrifício da noite de luar. Assim, As trevas estavam libertadas para dominar naquelas terras e o céu se encheu de escuro que até hoje conduz os destinos de muitos. Nem todos a reconhecem como a terra do Livre-me Deus, mas a verdade é que os dias já se passaram e a virgindade depois de passar por muita valorização, passou a ser a meta que nenhuma mulher quer atingir, e a sociedade, essa, nem se quer a valoriza mais
Pequeno Glossário 1. Ngonhama – Leão (também usado como nomes tradicionais em Moçambique) 2. Cuhanha – Viver, vida. 3. Umbeluzi – nome de um rio que atravessa a província de Maputo. 4. Swikwembos – Deuses, espíritos. 5. Mulungos – Brancos (em XiChangana, língua predominantemente falada nas províncias de Gaza e Maputo, no sul de Moçambique) 6. Ngunis – Tribo da região centro de Moçambique, concretamente na província de Sofala. 7. Ndaus – Idem 8. Ngungunhane, Zuid, Nwamatibsana – heróis combatentes da zona sul de Moçambique, no antigo império de Gaza. 9. Changana – Tribo da zona sul de Moçambique, concretamente na Província de Gaza. 10. Ronga – Tribo da zona sol de Moçambique, concretamente da província de Maputo. 11. Maconde – da província do Cabo Delgado.