Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 11 de Maio de 2012 | Ano II | N°29 | E-mail: r.literatas@gmail.com
No ensino de Português na África do Sul:
51% de alunos são de nacionalidade sul-africana Págs. 03 & 04 AMEI UM BICHEIRO:
Ritmo e Planejamento Por Guido Bilharinho
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Nova vaga de poesia moçambicana carregada de crítica Por Dinis Muhai
Pág. 13
Poeta até no parlamento! Lopito Feijoó
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A Língua Portuguesa e suas (trans) formações
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esde o sábado passado Maputo tem vindo a ser palco de vários acontecimentos que giram em torno da língua portuguesa dentro dos países em que ela é falada oficialmente e nos que a tem apenas por influência das imigrações, como é o caso da Suazilândia, Zimbabué, Namíbia e África do Sul, estes dois últimos com o português como disciplina curricular. A cinco de Maio, celebrou-se através de um evento realizado no Centro Cultural Brasil – Moçambique, o dia da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tendo havido no mesmo acto um debate em torno das transformações que a língua vem tendo desde os tempos, com principal destaque para os últimos anos em que o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa está na senda dos acontecimentos. Portanto, há já para discussão assuntos culturais, para além da integridade regional e económica dos países membros, por sinal, o que é mais discutido. Enquanto isso, o Instituto Camões realizou durante dois as sextas Jornadas de Língua Portuguesa, na Faculdade de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes da Universidade Pedagógica, um evento que discutiu essencialmente, a língua, a sua evolução, as transformações e académicos de oriundos dos diversos países apresentaram comunicações visando dar conhecer as investigações levadas a cabo sobre o português. Desses académicos, a Literatas conversou com Rui de Azevedo, Coordenador do Programa de Ensino da Língua Portuguesa na África do Sul, Namíbia, Suazilândia e Zimbabué, a fim de nos inteirarmos dos acontecimentos nesses países e a relação que se pode ter com os países oficialmente falantes do português. A realidade que se pode construir segundo Azevedo é que a língua do Camões é mesmo atractiva. Ela não só atrai luso-descendentes, atrai na grande maioria os próprios sul-africanos.
REPRESENTANTES PROVINCIAIS Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa
Olhando para esse cenário, que é bom, não nos devemos calar perante as transformações/formações que a língua portuguesa tem vindo a sofrer nos últimos tempos, tendo em conta a implementação por parte de Portugal do novo acordo ortográfico.
COLABORADORES FIXOS Pedro Do Bois (Saranta Catarina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa - Portugal), Mauro Brito
Opiniões ainda diverge quanto à aplicabilidade dessa nova grafia, enquanto outras, preferem acreditar que as mudanças que a língua vai sofrendo servem para mantê-la e viva, dinâmica e internacionalizada. Aliás, o português está na luta pela aprovação para que seja um dos idiomas de trabalho nas Nações Unidas. Aí está o motivo das mudanças.
COLABORAM NESTA EDIÇÃO João Tala - Angola Frederico Ningi - Angola COLUNISTA Marcelo Soriano (Brasil) FOTOGRAFIA Arquivo — Kuphaluxa Eduardo Quive ARTE E DESIGN Eduardo Quive PARCEIRO Centro Cultural Brasil—Mocambique
Mariza Mendonça ainda considera que a ratificação por parte de Moçambique do novo acordo ortográfico vai trazer melhorias no ensino e aprendizagem da língua no país! a verdade ou mentira, lendo ou imediato, Mendonça alerta que chegará uma altura em que Moçambique não terá o que escolher, a solução será uma e única: ratificar o acordo ortográfico, já que todos já estarão envolvidos. Mas nesta edição, destacamos o poeta que se divorciou com a Assembleia Nacional da Angola, como deputado. Agora, reformado depois de 16 anos de legislador, depois de 11 anos de polícia, voltou a fazer as pazes com a poesia de que era já vitma de acusações de a ter traído. Mas ele vem a Literatas para afirmar “eu sou poeta. Entrei no parlamento como poeta e saí continuamente poeta”. Então é isso caro leitor, Lopito Feijóo é poeta e no seu último livro “Lex & Cal Doutrina” vem a entrar no concretismo e na trans/formação do português na sua linguagem rigorosamente poética.
Eduardo Quive eduardoquive@gmail.com
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Destaque
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NA ÁFRICA DO SUL
51% de alunos de português são sul-africanos De acordo com Rui de Azevedo, Coordenador do Programa de Ensino de Língua Portuguesa do Instituto Camões na África do Sul, Namíbia, Zimbabué e Suazilândia, são 3.600 alunos que vão do ensino pré-escolar ao superior, leccionados por 36 professores divididos pelos quatro países. No entanto, onde há mais alunos é na África do Sul, onde os números atingem 2.600, com 51% dos quais representados por cidadãos nativos, contra 49% de cidadãos luso-descendentes. não tem aquele efeito massificador que nós queremos.” Disse Rui Azevedo acrescentando que “só os privilegiados é que podem ter português porque não temos professores suficientes, então a ideia é que tenhamos mais professores de português para que possam chegar onde não chegamos.” Na África do Sul temos neste momento, cerca de 2600 alunos, distribuídos dos níveis pré-escolares e secundário. Não estou a incluir os de ensino superior. Esses alunos estão distribuídos em 86 escolas, isto é, estamos só em algumas zonas na maioria de Joanesburgo. Só algumas escolas têm o privilégio de ter o ensino do português com o apoio do governo português. Há escolas que tem professores de português que são eles quem contratam, mas são em números reduzido. Isso acontece também porque não há professores de português, alguns professores vindo de Moçambique estão a trabalhar aqui mas não é tão fácil, daí a necessidade de formar sul-africanos. Para que sejam eles a leccionar. Nisso estamos aptos a investir, no entanto, são necessárias parcerias, temos já com a UEM que nos fornece leitores que colocamos nas universidades da África do Sul e na região para formarem professores, vamos estabelecer um protocolo com a UP também para esse efeito. língua portuguesa no Zimbabué, Suazilândia, Namíbia e África do Vamos formar professores locais para manter a continuidade do ensino Sul tem ganhado mais espaço, com principal incidência neste últi- da língua. mo país, com 2.600 alunos de português nos ensinos pré-escolar e secundário. O ensino da língua portuguesa nesses países que tem como línguas oficiais Porquê o interesse dos sul-africanos ao português? o Inglês, é intensificado pelo Instituto Camões sendo que na África do Sul, onde se situa a representação desta instituição, que mais se expande a língua principalmente, em Joanesburgo e Cape Town, através das instituições “Por causa da proximidade com Moçambique obviamente. Pela visão do futuro dos filhos por parte dos pais. Eles incentivam os filhos a aprender de ensino locais. Dados fornecidos pelo Coordenador do Programa de Ensino de Língua Por- o português por vários motivos, dentre os quais, o facto de serem lusotuguesa nos quatro países, na Suazilândia e Zimbabué o Camões tem apenas dois professores sendo por isso, a principal aposta da instituição, apoiar a formação de professores de português nesses países, o que só acontece, até o momento, no Zimbabué através de um curso de leitores que também é levado a cabo na Namíbia. Rui de Azevendo fez saber que na África do Sul não há nenhuma instituição que forma professores de português o que constitui constrangimento diante de muita adesão ao ensino da língua. “Quem está a suportar essa rede de procura é o Instituto Camões o que exige esforços financeiros adicionais e numa altura de crise tem que se ver melhores estratégias de modo a reduzir os custos. Uma das estratégias é apoiarmos na formação de professores locais, pois, a língua portuguesa na África do Sul tem futuro. Há já um número considerável de falantes dessa língua, tal como já acontece na Namíbia.” Na Namíbia, de acordo com Azevedo, há um protocolo entre o Instituto Camões e autoridades de educação namibianas de modo a formar mais professores, estes que virão a aumentar o número dos seis professores daquela nacionalidade espalhados pelo país a dar português no ensino secundário como uma disciplina curricular. “É isso que queremos fazer nos outros países, por isso estamos a negociar com as autoridades académicas de Joanesburgo e de Cape Town, para descendentes, outros porque são portugueses, uns moçambicanos, apoiar a formação de professores, mas sem nos desligarmos do ensino, outros porque são mesmo sul-africanos e tem a necessidade de ver o vamos é mais do que levar professores para algumas escolas, que depois
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filho a aprender uma língua estrangeira. Se tem que aprender uma língua estrangeira e não as nacionais que são muitas na África do Sul, o português é o que mais faz falta por causa da proximidade com Moçambique e com Angola. E vem aí o futuro posto às relações com o Brasil, por exemplo.” Considera a nossa fonte.
SOBRE O NOVO ACORDO ORTOGRÁFRICO Ainda na conversa que tida com a Literatas, o Coordenador do Programa de Ensino de Língua Portuguesa na África do Sul, Suazilândia, Zimbabué e Namíbia, Rui Azevedo, informou que o novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa já está a ser implementado no sistema de ensino da língua nos quatro países. Entretanto, ciente da polémica que esse assunto cria no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tece comentários. “Sei que faz essa pergunta porque essa é uma questão polémica, inclusive, aqui nas jornadas há pessoas que defendem e outras que não o acordo, mas eu, defendo-o. Ele vai internacionalizar mais a língua portuguesa, vai facilitar aos portugueses e pessoas de outras línguas que queiram aprender o português.” A coordenação do ensino a nível da África do Sul, Suazilândia, Zimbabué e Namíbia já está a trabalhar com o novo acordo ortográfico desde Janeiro do presente ano, isto porque “o acordo já foi ratificado por Portugal, foi publicado no Diário da República e o Ministério da Educação já começou a trabalhar com o novo acordo ortográfico desde Setembro do ano passado. Os nossos manuais escolares já tem o novo acordo ortográfico portanto para nós não é nenhuma polémica e estamos no processo de transição.” Afirmou a fonte. Rui Azevedo disse ainda que as mudanças não devem ser preocupantes porque “o português é uma língua viva” e como língua viva “se sofre essas mudanças ainda bem. Antigamente escrevíamos Farmácia com Ph, agora já não escrevemos, ao princípio foi difícil para os que assim escreviam mas adaptaram-se.” O nosso entrevistado, considera que a demora da ratificação do acordo por parte de países como Moçambique e Angola está no envolvido de outras razões como, por exemplo, a guerra civil a que os dois países estiveram envolvidos sendo por isso, achar necessário que se dê tempo ao tempo. Contudo, “é útil haver uma única grafia da língua portuguesa, assim chegamos mais pessoas, internacionalizamos mais a nossa língua, é mais fácil para escreventes da nossa língua escrever numa única grafia. Obviamente somos humanos e não podemos agradar a gregos e troianos.” Rematou.
“INDEPENDENTEMENTE DE MOÇAMBIQUE RATIFICAR OU NÃO ELE VAI TER QUE ADOPTAR O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO” Marisa Mendonça, directora da Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes (FCLCA) também teceu seus comentários sobre o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em via de ratificação por Moçambique. Mendonça deu a conhecer que a Comissão Nacional do IILP - Instituto Internacional de Língua Portuguesa, comissão da qual faz parte, já apresentou ao ministro da Educação moçambicano, a proposta daquilo que serão as transformações que advirão da adopção do novo acordo. Por outro lado, o documento já devia ter sido apresentado ao Conselho de Ministros, mas por uma série de constrangimentos ainda não foi, mas, a nossa entrevista, considera que “muito brevemente este documento será analisado pelo executivo para que o Governo Moçambicano possa decidir se ratifica, ou na totalidade, ou com observações ou se ratifica com algum condicionalismo o novo acordo ortográfico.” Entretanto, Marisa Mendonça ainda afirma “eu penso que vai haver algum condicionalismo, no sentido de poder se ajustar melhor o texto de base deste acordo. Falar das empatias ou antipatias perante o acordo, elas existem. O acordo provoca mudanças e tudo que provoca mudanças, por um lado há pessoas que concordam e por outro há os que discordam. Mas também as mudanças provocam essas posições as pessoas ou são muito a favor porque acham que é melhor em alguma coisa ou são totalmente contra porque acham que é a pior coisa do mundo.” Apesar dos constrangimentos que poderão advir das mudanças como avalia, Marisa Mendonça entende que para a aprendizagem do português em Moçambique o acordo vai ajudar. “Alguns elementos que constam do acordo vão ajudar as nossas crianças a escrever melhor no português.
Sou também um pouco crítica a outros aspectos envolvidos no acordo porque quando começo a ler o
acordo com atenção percebo que há alguns elementos que concorrem para não harmonização da escrita, mas que permitem as duas variedades, então se estamos a criar um acordo no sentido de harmonização, devíamos em todos momentos desse acordo ter presente essa perspectiva.” Mendonça vai longe ainda, ao dar a conhecer que “independentemente de Moçambique ratificar ou não ele vai ter que adoptar” considerando que vários países da CPLP já aderiram, apesar de mesmos nesses, haver um certo cepticismo. “ Moçambique será obrigado a adoptar o acordo.” Reitera. Refira-se que estas declarações, as fontes consideram em exclusivo a Literata, a margem das VI Jornadas de Língua Portuguesa, que tiveram lugar nos dias 8 e 9 do mês em curso no Centro de Línguas da Universidade Pedagógica em Maputo onde o acordo ortográfico não foi o foco das discussões, nem dos temas como questão específica destas jornadas da língua portuguesa.
Festival Conexão Lusófona A organização de jovens da Lusofonia, Conexão Lusófona, leva a cabo, até ao dia 12 de Maio, diversas iniciativas pela cultura dos países de língua portuguesa na cidade de Lisboa. No dia 12 de Maio, o encerramento das iniciativas ficará marcado pelo Festival Conexão Lusófona, que conta com o apoio da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa). Sara Tavares, Yuri da Cunha, Susana Félix, Manecas Costa, Júlio Pereira, Tito Paris, Couple Coffee, Luiz Caracol, Pierre Aderne, Aline Frazão, Costa Neto, Tubias Vaiana e Kay Limak são os nomes confirmados para o festival de encerramento, que terá lugar no Mercado da Ribeira.
Mais informações em http:// interculturacidade.wordpress.com/contactos/
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Dany Wambire - Beira
Aborto recompensado por um copo de cerveja
O
contado. Com efeito, irrompeu no grupo de bêbedos uma jovem mulher. Jovem como quem diz, a mulher não tinha competência para tal orgulhosa consideração, pois as polpas lhe haviam arredondado em demasia o corpo, s dias de calor exigem-nos muita criatividade, mas
eles reservam-nos pouca. Anda-se de mãos dadas com a preguiça e não sei se chegamos a ser alcançados pela pobreza.
a beleza se evadido do seu rosto depois de tantas bofetadas, a voz se adensado masculinamente. Ademais, a mulher era portadora de imensas carnes debaixo do ven-
Num desses dias, saí a acompanhar amigos. Éramos quatro, eu,
tre, produto de duas práticas, uma longínqua e outra recente. Barriga se
Fiodélio, Cornélio e Orquídio. Aonde íamos, eu não sabia de início. Bas-
avolumara, primeiro, à conta de cerveja, formando uma notável saliência,
tava a confiança que neles eu depositava para confiar o destino. E não
que os bêbados homens chamam curva de felicidade, segundo, por causa
foi serôdio para que desaguássemos no destino. Adivinhem onde era!
de um recente aborto que ela engendrara duma gravidez de quase cinco
Numa barraca, localizada aí nas imediações do bairro Sem Nome. Os
meses.
meus amigos queriam se livrar do calor socorrendo-se da cerveja, bem fresquinha, diziam eles.
A mulher irrompeu a acachorrar-se entre os bêbedos, mendigando copo de cerveja. As estratégias aplicadas até ao momento redundaram num
No seguido, pediram os três, as respectivas cervejas e os competentes copos. Eu resignei. Eu não bebia. Ou melhor, ainda não bebia, assim corrigir-me-ia minha avó. É que os que afirmavam, de forma categórica, que não bebiam, segundo a minha avó, se tornavam excelentes
fracasso. Foi, então, a partir desse momento, que a mulher mudou de estratégia, atentando-se ao Fiodélio e fitando-lhe nos olhos lamentou, absorta: ― Fiodélio, você não pode pagar um copo de cerveja a mulher que tirou tua barriga de cinco meses!
bêbedos. Tudo por força da maldição. Podiam ser-lhes rogadas pragas.
Atónitos, todos desataram a rir incluindo o próprio Fiodélio. Mas ele é
Cervejas, a bem dizer. Cerveja é maldição? Não respondo só em benefí-
que devia agir, silenciar outros segredos que podiam ser revelados, even-
cio dos bêbedos.
tualmente, por aquela mulher. E acabou mesmo afiançando a paga do soli-
O mais importante é que nesse momento de ingestão e digestão
citado copo.
da cerveja, sucedeu um facto engraçado com proficiência de ser croni-
Artes
Exposição de Desenho de Fernando e Manuel Júlio (Guiné-Bissau)
12 de Maio | Sábado Os irmãos Fernando e Manuel Júlio estão entre os mais originais e populares desenhadores-autores da Guiné-Bissau. Há pelo menos duas décadas que os seus cadernos de banda desenhada circulam com êxito generalizado tanto no país como na diáspora guineense, graças ao traço apurado e ao humor certeiro. É com um enorme prazer e com uma pontinha de orgulho que o Centro InterculturaCidade apresenta agora em Lisboa, em estreia absoluta em Portugal, uma exposição destes dois notáveis e originais artistas da GuinéBissau. Significativa e importante e em qualquer momento, esta é uma iniciativa que gostaríamos também que fosse lida como um grande
fiança ao povo da Guiné-Bissau nos dias complexos e
abraço e uma mensagem calorosa de ânimo e con-
difíceis que hoje vive. (interculturacidade)
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Reflexões
AMEI UM BICHEIRO: Ritmo
e Planejamento
Guido Bilharinho - Brasil
A
receptividade e curso ente os espectadores, nesse fazer contribuindo, porém, para o avanço da cinematografia brasileira com reflexos também, como não poderia deixar de ser, no segmento marcado por preocupações artísticas.
Além, pois, da chanchada e das tendências realista e intimista que predominaram no período, nitidifica-se, perfeitamente caracterizada, a corrente influenciada pela linguagem e visão cinematográfica estadunidense aplicáveis a assuntos brasileiros.
Mal grado seu esquematismo, é filme que possui ritmo célere, ação contínua e até mesmo certas passagens destacáveis por sua condução e suspense, quando, por exemplo, Grande Otelo esconde-se da batida policial na caixa de gás.
o se assistir Amei Um Bicheiro (1952), de Jorge Ileli (Rio de Janeiro/RJ, 1925-) e Paulo Vanderlei (Rio de Janeiro/RJ, 1903-1973), percebe-se que se tem pelo menos quatro diretivas cinematográficas no Brasil na década de 1950.
A linha realista reporta-se ao neo-realismo italiano, investigando e focalizando deliberada e conscientemente a situação social brasileira, com e a partir principalmente de Rio, 40 Graus (1955), de Nélson Pereira dos Santos, porém, com a anterior tentativa de Agulha no Palheiro (1953), de Alex Viani, e seu clímax nessa década com O Grande Momento (1958), de Roberto Santos. O perfil intimista é representado, notadamente, por Ravina (1958), de Rubem Biáfora, do qual Floradas na Serra (1954), de Luciano Salce, não está alheio, devendo ser lembrada ainda a obra de Válter Hugo Curi, iniciada justamente nessa década. A referida diretiva fílmica que ainda se observa nesses anos, que tem como parâmetro o cinema hollywoodiano, evidencia-se em O Cangaceiro (1953), de Vítor Lima Barreto, e antes, também muito nitidamente, em Amei Um Bicheiro, além de permear inúmeras outras realizações do período. Conquanto policial e centrado no brasileiríssimo jogo do bicho, o esquema ficcional, a maneira de filmar e o ritmo imprimido à narrativa sofrem a influência do cinema ianque, largamente consumido pelas plateias brasileiras desde a mais tenra idade, por força de sua extensa produção e imperativo domínio do mercado distribuidor e exibidor. À evidência que, mercê da carência industrial brasileira, a infra -instrutora cinematográfica posta à disposição dos realizadores é limitada, quando não precária, o que se reflete em todos os pormenores do filme, notadamente nos décors dos interiores. Não por razão da aludida influência e menos ainda em decorrência das limitações orçamentárias e tecnológicas, o filme não é autoral, não atingindo nível artístico-cultural. É que não foram esses os objetivos dos realizadores e da produção. Modestamente, prentendeu-se apenas realizar película que tivesse
Aliás, um dos aspectos mais relevantes do filme é a performance interpretativa desse ator triangulino, um dos maiores do cinema. Seu desempenho é tão natural, autêntico e espontâneo que, ao contrário de todos os demais atores de Amei Um Bicheiro, transmite a impressão de não estar representando, mas, de estar vivendo as situações das quais participa. Do ponto de vista, pois, da construção e futura consolidação de cinematografia brasileira, Amei Um Bicheiro, pelas qualidades que possui, mesmo no contexto limitativo que o orienta e o concretiza, é dos filmes mais marcantes dos anos 50 no país. Por força de seu planejamento, a estória se perfaz completa e lógica, seguindo desdobramentos pautados pelo desencadeamento contínuo de causas e efeitos, ao qual seletiva e apropriada montagem imprime cadenciamento ágil e atrativo, uma das normas mais importantes do espetáculo cinematográfico, já que ele é isso e é disso que se trata. Não ainda de arte. * (do livro O Cinema Brasileiro Nos Anos 50 e 60 editado pelo Instituto T r i a n g u l i n o d e C u l t u r a e m 2 0 0 9 www.institutotriangulino.wordpress.com) __________________________________ Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Brasil e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema e história regional e nacional. (Publicação autorizada pelo autor)
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O PERÍODO FEMININO
Poesia
JOÃO TALA - Angola
Homenagem à mãe África
A Ilha da Poesia
Vivaldo Terres - Brasil
Jessemusse Cacinda - Nampula
estás húmida e m’esperas de nascentes insurrectas olhos dois espelhos em confronto dois rios me afundam porém posso respirar no moinho
Oh minha querida mãe Fazes parte do velho mundo!
Vive em Muipiti
A nossa história Decorada em Muralha
Continente místico... De conhecimentos profundos Teus filhos não esqueceram
Vive em Muipite A nossa lenda Conservada em mobília clássica
Dos teus cultos sagrados Entre eles a Umbanda Pois são todos abençoados
de teu ventre pura ventania velocidade absoluta da paciência dormida força teu beijo vulgar absoluta incorporação linfa e humores, o sangue monólogo em ciclo de chuva.
Parte da história Do povo lusitano Encontra-se aqui conservada
Do Poemário FORNO FEMININO Oh minha querida mãe... Te falo de coração! Ao ler a tua história Que se passou há dois séculos
Ilha dos Xpicos Que deixaram ao mundo Seus fragmentos Em poesia ou mesmo em versos
Me trás indagação Pois muitos dos teus filhos queridos Deixavam o teu seio amado
Ilha que inspirou Camões Nelson Saúte e Rui Knophlili Que inspirou o tufo E que guarda até a cultura islâmica
Forçados a trocarem à liberdade Para aqui serem escravizados Transportados em navios Com fome e acorrentados
Sem falar da saudade
Mulheres de seus maridos Para o nosso país
Onde o pescador Parte ao alto mar E o poeta Casa com as letras
glossário: alego insanidade em sorrisos e nada explico além dos signos traduzidos.
As mulheres de N’sunki E mussiro na face Os homens de cofió Circulam debaixo do sol de Muipite
É uma mancha que esta sempre... ...presente! Europeus endinheirados
O adine é o relógio Alah aki baru É hora de despertar
Maltratando os inocentes E brasileiros de mãos dadas Com esse tipo de gente Mãe África tu és pátria. Minha pátria tão querida! Enquanto vida eu tiver Por mim... ...jamais serás esquecida!
Prefácio: apresento a obra na delicadeza da palavra escrita a obra: fechada em si lamenta a entonação cortante nos desvios sobrepostos ao texto
Dos seus entes queridos Filhos lembrando de mães
Pedro Du Bois - Brasil
Ilha dos Jesuitas Ilha dos portugueses Ilha de Moçambique Ilha de África e do Mundo
Muitos deles morriam Por esse péssimo estado
OBRA
INTELIGÊNCIA Chomane Cossa - Maputo A inteligência é como bílis faz-nos vomitar pelos neurónios, A verde da esperança. A inteligência faz-nos levitar aos cosmos; Aos cosmos da ciência; Torna-nos astronautas dos demais cérebros; Cérebros rotantes e lunáticos.
Ilha de Moçambique Onde embarcaram nossos parentes Para Açores, São Tomé e não sei aonde E acreditamos que haverão de voltar
A verde da esperança uniovula-nos à natureza gêmea Os cosmos da ciência excitam-nos a violar a mulher tecnologia Porquê astronautas? Hum! Já foi dito.
Ilha da poesia Que me inspira sempre que a visito Aqui vai por ela o meu louvor
A inteligência namora o pensamento e a imaginação E as ideias cruzam-se com a mente Oh! Doce mente que age docemente! Os nossos lábios berram o suor da tua existência.
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Texto: Eduardo Quive
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| Foto: Frederico Ningi
“Escrevi muita poesia no parlamento”
E
stivemos sentados a mesma mesa no seu quintal a beira-mar, no bairro nobre chamado Binfica, em Luanda no dia 22 de Abril. Era domingo de churrasco composto por uma boa Moamba, Caldo, Fungi, Batata-doce pratos típicos de Angola e poesia por si proporcionados a propósito da ida dos escritores moçambicanos para Angola.
Hoje, tempo depois da realização desta entrevista que foi em Maputo, no restaurante Escorpião, sentados ele acompanhado de um vinho e eu, de uma coca-cola com gelo e limão a gravar o seu discurso que era sempre interrompido por mim, que colocava sempre as perguntas. Mas publico só agora esta conversa porque fiz uma grande descoberta. Descobri que J.A.S. Lopito Feijóo K ou João André da Silva Feijó ou ainda, Lopito Feijóo é resultado da condensação dos tempos em que a literatura precisava duma “circuncisão”. Tempos de rotura entre a literatura de combate ao colonialismo e de conquista da independência em Angola e a necessidade de se criar “uma nova e outra literatura” como ele próprio diz. Aí, cria, com outros jovens, a Brigada Jovem de Literatura de Luanda (BJLL), agora liderada por poeta/militar Kudidjimbe, para trazer essa escrita “renascentista”. E depois? Depois, Lopito Feijóo se evidencia como poeta ao lançar Doutrina (1987). É reconhecido como representativo pela política e levado para a Assembleia Nacional da Angola – fica deputado. Na altura se nomeou ex-poeta, mas convulsiona-se nesta entrevista confessando que “escrevi muita poesia no parlamento”. Ainda diz “Enquanto os políticos faziam o blá, blá, blá, eu fazia os meus apontamentos de versos.” É caso para dizer, ex-deputado e definitivamente, poeta, com a sua relutante expressão a registar-se no seu Lex & Cal Doutrina, lançado no princípio deste ano em Maputo.
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Entrevista
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Texto: Eduardo Quive
Lopito Feijóo (L.P) - Quando surge a Charrua em Moçambique, em Angola, surge a revista Aspiração, pertencente a Brigada Jovem de Literatura de Luanda, em que eu sou membro fundador. Em 19980. Nós mantivemos um intercâmbio acesso, entre os escritores Moçambicanos e Angolanos, em que os daqui iam a Angola e os de Angola, vinham para cá, isso com outros países africanos de língua portuguesa, através da LEC – Liga dos Escritores dos Cinco, uma associação de escritores de cinco países de língua portuguesa. Faziam reuniões em cada um dos países membros. A LEC, em Angola era presidida por Luandino Vieira, em Moçambique, por Rui Nogar, em São Tomé e Príncipe por Alda Espírito Santo, na Guiné-bissau era o Vasco Cabral e esses congregava as associações de escritores desses cinco países africanos. Assim, era possível a interacção dos escritores e os livros dos escritores desses países eram lançados nos países dos cinco e as vezes simultaneamente. Eu mesmo em 1987 lancei o livro No Caminho Doloroso das Coisas que nem se quer foi lançado em Angola, em primeira mão, foi em Cabo Verde numa reunião dos escritores dos 5, que eu me lembro até o Calane da Silva esteve presente. Literatas (L)- Atendendo que estava-se em tempos difíceis economicamente para os países, com que recurso era possível manter esse intercâmbio?
L.F - Era possível porque os nossos estados e governos dos nossos países tinham regras mais ou menos uniformes. O sistema do partido único tinha herdado algumas reminiscências do governo colonial. Mas também nessa altura, ainda não havia a questão do negócio da cultura. A cultura era como se fosse um jogo de futebol, praticava-se por amor a camisola, por amor a arte. Hoje em dia, já ouvimos que há cultura comercial, músicos comerciais, escritores comerciais, hoje os escritores já escrevem porque tem editoras por onde entregar livros todos anos. Hoje a cultura é feita em função comercial, enquanto naquela altura era tudo em função dos interesses da nação e do patriotismo e em função da própria arte. A grande diferença é essa. Então interessava aos que estavam no atlântico saber o que se faz no indico e ao do indico saber o que fazem os do atlântico. Que diz que havia uma ponte que depois de 20 anos, o instituto Camões de Portugal, tentou revitalizar ou reconstruir essa ponte, fazendo as correntes lusófonas. As pontes de escritas ou pontes lusófonas, era um encontro em que os escritores dos cinco se reuniam. E esses encontros aconteceram, primeiro em 1997 e em Lisboa depois em Maputo e depois pararam. Mas isso deve-se, se calhar a questões políticas e elas vão se destruindo, depois revitalizam-se e reconstroem-se. Mas as novas gerações a mais recente da literatura moçambicana e angolana devem fazer, que seria, restabelecer e reconstruir uma ponte, uma ligação que sempre existiu entre as nossas literaturas. L - Estamos a falar dos anos 80 tempos em que tanto Angola, assim como Moçambique saiam da colonização. Como era fazer a literatura nessa altura?
L.F - Fazer poesia era acima de tudo, criar e trocar o produto da nossa criação e partilhar, com outros autores da nossa geração. Hoje em dia, até tenho conversado com novos escritores em Angola, uns tem receio de mostrar o seu trabalho, se calhar por causa da crítica e bom que assim aconteça também, e outros não o fazem porque não querem aprender, porque não vejo problema em alguém escrever e ir ter com outro para mostrar a sua produção. É preciso saber ouvir a opinião do outro. Naquela altura era assim. Nós escrevíamos e íamos ter com um amigo para mostrar de modo que não ficávamos fechados. Não precisamos mostrar um crítico literário, mesmo um leitor atento, que lê muito que tem uma capacidade crítica e esse dá a sua opinião sobre o que escrevemos. Nos nossos tempos até era normal receber sugestões de palavras do outro. A poesia no fundo anda em nossa volta. É só olhar em tudo que nos rodeia e vamos achar a poesia. Agora ver é uma coisa e escrever é muito outra, porque escrever já implica o exercício de escrita e para que se tenha esse exercício é preciso praticar, tem que cultivar diariamente. Da necessidade de se fazer uma nova e outra literatura L - Nessa altura em Moçambique surgia a nova poesia com a criação da revista Charrua, que hoje é nome duma geração. Um dos objectivos dessa revista era trazer as novas formas de exercer a arte de escrita. E disse que surgia nesse momento em Luanda a Brigada Jovem que objectivos norteavam esse movimento?
L.F - Nós descobrimos, por volta dos anos 80 a 83, que as reminiscências de luta de libertação nacional, estavam a propiciar a criação ou a efectivação de uma poética cantalonitista, ou seja, que era feita através de palavras de ordem e que apoiavam o partido no poder, de vivas ao sistema e que daí não passavam. Claro que esse tipo de poesia também trás uma artisticidade. Também de grau de literariedade, mas estava a margem e longe de reflectir a real vivencia do povo. Então eu e outros jovens, como António Panguila, Luís Kandjimbo, Frederico Ningi, decidimos criarmos no seio da brigada uma corrente chamada OHANDAJI, a apartar do qual criamos um colectivo de trabalhos literários com mesmo nome que visava fazer uma espécie de investigação da cultura local para fazer poesia com uma dose acentuada de teorismo falando das coisas da terra e do povo que nos identificavam, porque afinal, antes falava-se na poesia, do partido dos vivas daqui dos camaradas etc, enquanto tínhamos uma cultura e uma tradição, uma terra com motivos da angolanidade que nos permitia fazer coisas novas. Uma nova e outra
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| Foto: Frederico Ningi
literatura. Porque não é só fazer uma nova literatura tinha que ser uma outra literatura, diferente daquela que vinha da lá. L - Então queriam substituir os Agostinho Neto… L.F - Em termos literários não há insubstituíveis e também não se substitui ninguém. Cada um de nós a seu tempo e tem seu espaço. Há espaço para todos. Dentro duma literatura há espaço para todos, o que deve haver é criatividade autoral. Porque se quiserem, para o caso dos jovens, podem ir a procura do novo e conquistam o seu espaço. Posso dar o exemplo de um jogo de futebol. Cada equipa tem 11 jogadores e cada um tem a sua posição em campo. E sabes o que é jogar bem? Jogar bem é procurar espaços vazios e jogar a bola por esses espaços e assim fazem o show nesse espaço. Assim fazemos o nosso sucesso. Substituir Agostinho Neto, António Jacinto, Ângelo Almeida Santos, Mendes de Carvalho ou Uanhanga-xitu, José Craveirinha, Rui Knopfli, Eugénio de Lisboa, eu lhe digo, esses são insubstituíveis. Esses conquistaram seu espaço, fizeram a sua literatura no seu devido tempo e espaço. O que temos que fazer é criar a nossa literatura no nosso espaço. O que vocês devem fazer é criar a vossa literatura no vosso próprio tempo e não pensarem em substituir algo ou alguém. Porque os processos são dinâmicos e se rejuvenescem. Cada tempo com seu contexto e cada contexto com seu texto. Tem um texto para cada contexto, agora o contexto que vocês vivem hoje não é o contexto que eu vivi que era o contexto da guerra interna ou da destabilização. O contexto que Agostinho Neto e José Craveirinha viveram, era o do nacionalismo e da conquista da independência, esse era o contexto deles e o texto deles estava de acordo a esse contexto. O nosso texto foi de acordo com o nosso contexto por isso que escrevi As Marcas da Guerra. Vocês também escrevam o vosso texto no vosso contexto. L - Mas vocês também viveram uma guerra (a guerra de destabilização) e você veio a escrever As Marcas da Guerra, não seria esse o regresso aos tempos do Agostinho Neto e Craveirinha ou nunca se saiu da lá?
L.F - Não. Em primeiro lugar os poetas não relatam nada. Os poetas são criadores por excelência. Os poetas são “deuses”. Eles criam tal como Deus criou a humanidade. Eles criam o texto poético. Quem relata são os locutores e jornalistas. Os poetas não relatam. O que nós fizemos é expressar por via da palavra poética uma realidade em nossa volta. O fazemos por via da palavra poética e essa palavra implica o poder simbólico que depois se revê no próprio criador, que é o poeta.
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L.F - Eu não quero ser compreendido. Não quero ser compreendido e nem espero ser compreendido hoje. Há autores que não foram compreendidos no seu tempo, mas que hoje são chamados autores clássicos. E mesmo nas nossas literaturas, um Craveirinha durante o seu tempo não foi compreendido, no seu próprio país e eu gosto muito duma expressão que os meus amigos do Kuphaluxa têm sempre usado. A escrita, as vezes é como uma lâmina e uma lâmina fere e fere mesmo, e geralmente os poderes constituídos, não gostam das lâminas, porque os ferem e José Craveirinha e outros autores que não convém agora cita-los o que escreviam, eram autênticas lâminas que feriam e que eram várias vezes inconvenientes, politicamente e socialmente. Mas fizeram a sua arte e é isso que hoje vamos bebendo. O problema é que nós nunca podemos nos assumir como escritores dum determinado sistema e de um determinado poder. Contextualmente hoje a literatura se faz de quatro em quatro anos ou de cinco em cinco anos, conforme as constituições. Mas não se faz a literatura nessa periodicidade. Poetas não se fazem de cinco em cinco anos. Fazem-se todos dias. Eu mesmo tenho uma experiência parlamentar. Fiquei 16 anos como deputado da Assembleia Nacional da Angola, e sou agora reformado. Tenho a vida razoavelmente realizada, recebo a minha mísera reforma e vivo da poesia. Eu não vivo de sistema e nem do Estado. L - E mesmo falando do compreender e não compreender a poesia, vamos falar do seu novo livro que lança em Maputo, Lex & Cal Doutrina. Traz-nos aqui o que não habituamos da sua escrita. Será esta uma nova forma de escrever sua?
L.F - É muito exigente. Um processo de criação que tem princípio e não tem fim. É um processo difícil e complicado que chego a chamar de processo experimentalista e concretista. É concreto porque faço uma junção entre a realidade concreta mais os exercícios de todos os dias. Por isso que sempre digo que, a poesia é o pão de cada dia. Nós temos que comer pão todos dias. Para nós isto é poesia. Porque todos dias nós lemos poesia em voz alta, que é um bom exercício. Escrever por dia um verso e pensar poesia diariamente. Isso implica um exercício experimentalista que por via da língua ou da linguagem, que são coisas diferentes, nos levam a um apuramento estético que resultam em textos que de manhã escreve, a tarde ré lê ou rescreve e de noite, deita fora ou arquiva, para que no dia seguinte volte a ler, reler e arquivar e noutro dia, ler ler e arquivar. Mas cada leitura e releitura implicam reescritas, ou seja, implica um exercício de escrita até chegar aquele ponto da insaciedade total. Até chegar num momento em que me parece que um pássaro sai da garganta e quer voar. Quando é assim, é porque o poema acha-se pronto para sair e mostrar-se ao leitor. Mas também costumo dizer que eu, como autor, se faço um trabalho exigente da escrita, que consiste na elaboração e reelaboração da língua e exijo que os meus leitores o façam quando lêem os meus poemas.
L.F - Uma nova e outra poesia. Não vale a pena ser nova, tem que ser outra e não vale a pena ser outra sem ser nova. Não podemos fazer o que já foi feito. Eu tenho um grande problema no meu país que é o de ser chamado mestre. Dizem que sou mestre da poesia angolana embora eu me chame de aprendiz, mas isso porque cada livro meu é uma proposta de literatura. Se você ler As Marcas da Guerra é uma proposta, ler o Lex & Cal Doutrina é uma outra proposta e ao ir mesmo ao encontro da própria obra Doutrina, verá que é uma outra proposta. Isso eu chamo de poesia angolana com influência de poesia chinesa, o que me levou 10 anos para fazer um livro com 50 textos. Cada livro meu é um livro. É uma experiência nova, o que vou a procura todos dias. E quando faço sempre uma nova proposta, a juventude vem e decide seguir e vem a traz de mim chamando-me de mestre. A perspectiva do Lex & Cal Doutrina é nova e lanço o livro aqui em Maputo em primeira mão, acabando de sair da gráfica. Em Angola ninguém conhece nem se quer a capa. Quando eu chegar lá com certeza serei perguntado, como é que você fez esta poesia, mas a poesia não se explica. A realidade dessa poesia tem a ver com coisas locais, isto são tem símbolos da angolanidade e foi feito conscientemente. A poesia tem 10 porcento de inspiração, que é o Dom dado por Deus e mais 90 porcento de transpiração. Quer dizer que tem que escrever a palavra certa, ou a fórmula certa e outros elementos, num processo contínuo que vem a posterior. A poesia se escreve em qualquer lugar. Eu escrevi muita poesia no parlamento. Enquanto os políticos faziam o blá, blá, blá, eu fazia os meus apontamentos de versos. Escrevia a minha poesia. Mas o labor artístico literário solicita um escritor, já bem sentado.
L - O Lopito Feijóo chega a lançar três livros no mesmo ano, mas diz-se não ser escri-
L - A que se inspira o Lex & Cal Doutrina?
“Tenho três mesmos que nada” L - Estamos a falar do poeta como um criador. Fale-nos do seu processo de criação poética.
tor consagrado. Como é que chega a essa conclusão?
L.F - Eu aprendi que para quem quer-se verdadeiramente artista, numa vertente artístico literário, um dia não existe, um ano não conta e 10 são mesmo que nada. Agora eu tenho 30 anos de prática literária e de publicação, 10 vezes 3 dá 30 e trinta a dividir por 10 dá 3, quer dizer que tenho três mesmos que nada. O que significa dizer que quanto mais eu caminho, quanto mais o tempo anda, eu vou aprendendo e descobrindo que tenho mais caminho a andar. Em literatura não se pode dizer que já cheguei. Nunca se chega porque não há meta. A única meta é aprender todos os dias, escreve todos dias. Por isso eu digo que não me sinto realizado, sinto-me satisfeito, porque hoje poderei fazer algo que não possa agradar. Apenas sinto-me satisfeito. Em literatura nunca se deve desafiar o mais velho porque cada qual com a sua experiência. É como se diz, a antiguidade é um posto. Nunca se deve duvidar da capacidade e da experiência dos que nasceram primeiro que nós. Por uma razão muito simples. A minha experiência não é só a minha experiência, é aquilo que eu vivi, mais o que os da minha geração viveram, mais o que a vossa geração está a viver. Eu já vivi a minha experiencia, já ouvi falar da experiencia duma outra pessoa e ainda vivo a vossa experiência. O que significa que quanto mais caminho a gente caminha mais caminho temos para caminhar. L - E os livros que já publicou, dentre eles, Doutrina, Rosa Cor-de-rosa, As Marcas da Guerra e este último, Lex & Cal Doutrina, o que li dizem?
L.F - Dizem-me que ao longo desses 33 anos das publicações poéticas cresci. Conheci gente desta África toda, principalmente a chamada África negra. Desde a Nigéria, Senegal… tenho amigos poetas de toda África negra. Partilho experiências com poetas doutros continentes, na Europa e na América onde temos oportunidade de editar livros. Temos editoras muito interessadas em literaturas africanas e acreditam nelas. Poetas não se fazem de cinco em cinco anos. Fazem-se todos dias L - Acha que a sua poesia é compreendida?
L.F - Há um segredo que não lhe vou contar. Para além de tudo que nos rodeia como as cores da África. Então são essas coisas que nos rodeiam que inspiram os poetas. Nós temos muita coisa boa que nos deve inspirar. Nós não somos filhos do além, somos do aquém e é aqui na terra onde encontramos o que nos inspira e temos que nos revelar e não depois de partir para o além. L - Disse que enquanto os políticos faziam o seu blá, blá, blá, na Assembleia Nacional escrevia os seus poemas. Estava a ser deputado ou poeta no seu mandato?
L.F - Devo dizer que eu só cheguei à Assembleia Nacional graças a representatividade poética e se não tivesse essa representatividade lá não estaria. Porque não tenho representatividade política, mas mesmo assim, como poeta, foi escolhido porque tinha representatividade suficiente por ser entendido pela juventude. Então se hoje eu sou este reformado deputado e tenho o meu salário como aposentado, é graças ao ser poeta. Se não tivesse sido poeta não teria sido deputado. E se assim não fosse, não teria a reforma que me sustenta até hoje. L - O que acha sobre a interacção literária entre os países da CPLP. L.F - A cultura nos nossos países não pode ser tida como enteada do Estado. A cultura deve ser promovida cabalmente. Tratada com maior investimento possível porque podemos exportar, vender e arrecadar divisas para o melhoramento da condição dos fazedores da cultura, que na verdade é o povo. A cultura vem do povo e quem a faz é o povo. Se o povo quer viver bem, principalmente nos países africanos de língua portuguesa os governos devem fazer alguma coisa. O José Craveirinha dizia que se os nossos dirigentes fossem poetas do que políticos não poderíamos viver no contexto em que estávamos.
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O passo certo
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FILOSOFONIAS Marcelo Soriano - Brasil
no caminho errado Nelson Lineu - Maputo nelsonlineu@gmail.com
Penduras no dia dos trabalhadores?
P
O Sobrado de Kafka Dei-me ao luxo de chegar até aquele lugar comum... E tocar nas paredes sólidas do sobrado concreto... Sensação de lápide abstraída... Aqui e ali... Praga... Onde vivemos... E escrevemos... Ou vice versa... Kafka e todos nós que o evocamos
assaram-se dois anos depois da burocracia que vai nos
enquanto o lemos...
caracterizando, hoje 1 de Maio, pela primeira Gomes tem a
Amém.
oportunidade de desfilar como os outros, vestido de inquietações caprichando na sua indumentária (necessidades), tem
consciência que a sua empresa tem mais número de pessoas nessa marcha. Sente-se orgulhoso por ser ele a dar essa dignidade a ele e ainda mais aos outros. No igual número de anos atrás, estava ele vendo os outros a fazerem a manifestação, dum lado triste por não poder entregar curriculum vitae numa empresa por ser feriado, e do outro embora com muitos motivos para se manifestar, fazer-se ouvir, por coisas que segundo ele não o beneficiariam apenas, não o podia fazer, porque todos manifestantes eram
Pensei em escrever... Na esquina torta, sobrou-me sombra, faltou-me altura. Escrever não creio seja coisa deste, talvez vício de um outro, extremo mundo.
empregados. Ele nem esse direito tinha, era preciso subir alguns degraus para ter necessidades como a dos outros, as que tem direito de ser ouvidas. Ficou assistindo toda a cerimonia, lendo cada rosto, inclusive a dos governantes, em muitos casos parecia que entre eles e marchantes vivia-se momentos diferentes, assim como os locais. Naquele 1 de Maio foi o último a sair, muito cansado, mas com vontade de trabalhar não só com o corpo também com o pensamento, porque segundo ele poucos faziam isso, remetendo essa função a barriga. Chegado a casa um abraço na mulher, beijo na filha, e um olhar no espelho para ver se era ele mesmo, pós nesses dias duvidava de tudo, vivia de Zé-fastudice, o número de anos da sua formação era o mesmo que andava desempregado até surgir a sua ideia magnífica, associação. Via todos os dias surgirem independentemente da pertinência do motivo, foi perce-
Sobrou-lhe um sobrado. E uma sombra assombra, em plena luz do dia, com sua frieza cotidiana.
bendo como elas funcionavam, assim como as legalizar. Era peremptório sublinhar que não tinha fins lucrativos, para ele se calhar o nosso estado era assim também, o resultado via-se nos nossos os dias. Foi conversando com algumas pessoas da sua situação, falando da sua ideia, que começara com os do seu maxaquenado bairro, a nível do distrito, município, depois de tantas lutas, conseguiram legaliza-la graças ao apoio de empresas de cidadãos que saem dos seus países só para nos ajudarem, sabemos que algumas dessas nações vivem a mesma situação que nós. São tão generosos que não vem os seus compatriotas, é isso mesmo Moçambique é um país especial, sem dizer maningue nice. Nessa era que os discursos nos dizem ser de empreendedorismo, o deles chamou-se: associação dos desempregados de Moçambique.
Imagens: Registro fotográfico coletado pessoalmente por este que vos escreve, em Praga - República Tcheca.
Claro, ele foi eleito o presidente, quando uma empresa quisesse recrutar algum pessoal, eles é quem intermediavam, tratavam de receber currículos e escolher os adequados consoante as vagas. Era verdade que nem todos se beneficiavam, mas como sempre ouviu nos discursos calmava-os dizendo: é um processo. Assim hoje pelas cidades todas do país eles estão a manifestar-se, uns formalmente outros nem por isso. O importante é que já tem direito por serem membros dessa associação, que também como noutras áreas não é para qualquer um, é preciso seguir alguns requisitos, alegam que é assim para ter mais credibilidade.
E Tenho Dito!
Vida Herberto Hélder de Oliveira nasceu no Funchal, ilha da Madeira, a 23 de Novembro de 1930, no seio de uma família de origem judaica. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Viajou por diversos países da Europa realizando trabalhos corriqueiros, sem nenhuma relação com a literatura. Colaborou em diversas revistas (Graal, Cadernos de Poesia, Búzio, Poesia Experimental 1 e 2, entre outras). Ligado ao movimento da poesia concretista (ou experimental), é conhecida a sua aversão a aparições públicas ou manifestações de reconhecimento da sua notoriedade. Considerado um dos grandes escritores portugueses contemporâneos, a sua poesia tem uma densa imagética, frequentemente associada a temas ligados ao questionamento do eu, à presença de medos, ao conhecimento do humano, temas ligados por vezes a um certo misticismo, servidos por uma linguagem original e de grande riqueza metafórica. Poesia: Poesia - O Amor em Visita (1958) A Colher na Boca (1961) Poemacto (1961) Retrato em Movimento (1967) O Bebedor Nocturno (1968) Vocação Animal (1971) Cobra & etc. (1977) O Corpo o Luxo a Obra (1978) Photomaton & Vox (1979) Flash (1980) A Cabeça entre as Mãos (1982) As Magias (1987) Última Ciência (1988) Do Mundo, (1994) Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973) Poesia Toda (1ª ed. em 1981) Ficção: Os Passos em Volta (1963).
Afrodite Formosa Esses peitos pequenos, cheios. Esse ventre, o seu redondo espraiado! O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado, as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo, o coto de um braço, o tronco robusto, a linha cariciosa do ombro... Afrodite, não chorei quando te descobri? Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia e de Roma! Tantas figuras graves, de gestos nobres e de frontes tranquilas, abstractas... Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necrópole. Era uma assembleia de amáveis espíritos, divagadores, ente si trocando serenas, eternas e nunca desprezadas razões formais. Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo... O descanso desse teu gesto! A perna que encobre a outra, que aperta o corpo. A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre. E um fumo, uma impressão tão subtil e tão provocante de pudor, de volúpia, de reserva, de abandono... Já passaram sobre ti dois mil anos? Estranha obra de um homem! Que doçura espalhas e que grandeza... És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo. Não és mística, não exacerbas, não angústias. Geras o sonho do amor. Praxíteles. Como pudeste criar Afrodite? E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de a vencer, gozar! Tinha de assim ser. Eternizaste-a! A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne... ...
Foto: internet
Herberto Hélder
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Ensaio
NOVA VAGA DE POESIA MOÇAMBICANA CARREGADA DE CRÍTICA O Texto Poético e suas Transfigurações – Análise de Alguns Casos
Dinis Muhai - Maputo
A
ntes de discutirmos a poesia de Ruy Ligeiro e Hélder Faife, importa fazer um exercício de abstracção ao redor desta magna arte de comunicar que é a poesia. Quanto a nós, cremos somente existir possibilidade de avançar com proposições criativas quando o poeta adquire consciência sobre as contradições que em primeira linha, sãolhe intrínsecas e em segunda, apreensão dos fenómenos extrínsecos. Tendo consciência desta dinâmica da vida, “ter consciência duma coisa não é pensar nela, mas senti-la” (Narciso Irala, 1968), e estando reunidas as premissas intelectiva, volitiva, afectiva e orgânica como o Irala muito bem desenvolve no livro “Controle cerebral e emocional”, o poeta aparece fecundo de verbo, que mais são palavras com propriedade de gerar emoções, incitar a reflexão e, por conseguinte, ser uma força motriz para uma compreensão e por que não, mudança. É por isso, que o poeta assume a posição privilegiada ou não, dum interlocutor, que ao lançar os dados e revelar seus desígnios, as suas palavras tem um poder transfigurado de criar-recriar-modificar a vida; como aliás, a poesia ou texto poético é o testemunho do mesmo poder anímico. Então, nesta asserção o poeta é um mago; detém habilidades superiores sobre o conhecimento-sentimento. As palavras são poções mágicas e os seus versos feitiços. Não importa a reflexão teórica sobre o que é bom ou mau; portanto, o valor ético de que o poeta é enfermo. Interessa-nos sim, analisar a validade artística da sua obra dentro duma ambiente social, económico, político e cultural. Uma tarefa que revela-se ingrata em virtude de o crítico colocar-se quase sempre, na posição de intérprete, mais ainda embaraçosa quando trata-se de descortinar os sentimentos dissimulados pela estética das palavras. Não é por acaso que Henriques Marcelino diz “A crítica literária é uma análise concreta de uma determinada obra ou assunto literário. Criticar uma obra de arte é penetrar no estado de espírito do autor, ou melhor interpretar os signos utilizados na feitura da obra e desvendar o sentimento do autor”1 Começamos, desde já, por abordar, o nosso ponto de vista, em relação a poética do Ruy Ligeiro, pseudónimo de Carlos Maurício que em 2001 estreia com o livro “País do Medo”, com poemas inéditos e alguns publicados de forma dispersa pelos vários jornais e revistas literárias (Oásis, 2007). Oriundo do bairro do Chamanculo, fecundo em manifestações culturais e até actividades políticas, Ruy Ligeiro na sua primeira “aparição”, não consegue fugir aos cheiros, cores e azáfama do local em que nasceu e cresceu. É assim que quando a sociologia geral informa-nos “o Homem é o produto do seu meio social” encontramos algum conforto nesta factualidade. Existe uma simbologia em todo discurso poético de Ruy Ligeiro “um símbolo não significa”: “evoca e focaliza, reúne e concentra, de forma analogicamente polivalente, uma multiplicidade de sentidos que não se reduzem a um único significado, nem apenas a alguns.”2 O poeta brinca com os símbolos que aprendeu a respeitar, por isso, em jeito de homenagem ao jornalista Carlos Cardoso, que morre em Maputo no ano de 2000, vítima de assassinato; no poema “Drácula Negro” junto ao título coloca “receita para uma morte atenuada” e depois discursa: … Agora que a morte chegou vá tú sozinho na sua bolei
Não perguntarei se vais ao céu Com esses teus olhos de santo E ironicamente adverte: …E não te esqueças, Carlos que no céu Também há estradas nocturnas sem semáforos reduza a velocidade Porque ainda não fugiste do tráfego Urbano e nem do congestionamento das auroras Fugiste apenas do silêncio ardente do mundo…(LIGEIRO, 2003, p.31) É aqui importante referir que o jornalista Carlos Cardoso, morre investigando a corrupção que acontecia em algumas instituições bancárias participadas pelo estado moçambicano.3 Tal é a dimensão sociopolítica a qual o Ruy Ligeiro, não consegue fechar os olhos e imbuído de “uma mistura subtil de crença, de sabedoria e de imaginação constrói diante dos nossos olhos a imagem constantemente modificada do possível” (Jacob 1982, p. 10). Dizemos ainda que o tema morte, permeia outros poemas do Ruy Ligeiro tais como: “Ode Libertina” (p.10), “Cemitério das Aves” (p.15), “Galileu Galilei” (17), “Paralelo 76” (p.27); mas nem só da morte vive o sujeito poético personificado na figura do Ruy Ligeiro. Um dos poemas que não podemos deixa de trazer para esta análise é o “Pauta Quotidiana” Este poema É para ser vendido Numa banca do Mercado Central Como se vende Tomate Cenoura Ou cebola (….) Comprem-lhe este poema Sem graça Que é desgraça para a sua vida Poema lindo Poeminha barato Mesmo que seja um só verso para sustentar a sua vida …(LIGEIRO, 2003, p.43) É assim que o autor, com a sua mania de dizer as coisas, como quem faz troça do que não disse, mas quer dizer, mostra que por detrás do sujeito poético, existe um homem com todo o universo de necessidades. Quanto a nós, a dúvida que ocorre é saber como o poeta consegue vender o poema no Mercado, num país em que a oralidade norteia a consciência colectiva? é aqui que a nosso ver, o pensamento do Ruy Ligeiro pretende chegar; ou seja, a necessidade de as autoridades que tutelam a cultura participarem de forma pró-activa nos destinos da literatura. A necessidade de valoração da arte da escrita e sua massificação. Não é fruto do acaso, que o poeta quer vender o seu poema num grande centro de comércio. É deste “País do Medo” como o autor intitula a sua obra, que tem medo o sujeito poético; onde as dificuldade sociais crescem “os homens murcham nas ruas (p.3)”, a liberdade de imprensa pode significar a morte “… agora a morte chegou” (p.31), onde existe uma corrida para o enriquecimento ilícito e pode-se ser “atropelado por um cardume de ambição” (p.28). Enquanto este e outros propósitos não acontecem o Ruy Ligeiro, com
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Ensaio
alguma desilusão no penúltimo poema conclui: “Antes ser homem – depois poeta”. Do Hélder Faife, existe alguns aspectos que logo a partida importa reter: a simplicidade e simbolismo. Felizmente, tanto na poesia de Ruy Ligeiro quanto a do Hélder Faife, pouco há para depurar. Temos alguma dificuldade em rotular as gerações literárias, preferimos sim, deixar o tempo enunciar esse postulado, aliás é essa a sua vocação. Hélder Faife, também com publicação de poemas na revista Oásis 4, estreia de forma airosa com um livro de contos “Contos de fuga” e de poesia “Poemas em sacos vazios que ficam de pé”. Porque propusemo-nos falar do texto poético, é sobre a poesia que concentramos a nossa atenção. Assim, a simplicidade na poesia deste autor cheia de artifícios, críticas ao sector formal, num jogo de sentidos duplos: …dumbanengue é Mercado com muita acção sem venda e compra de acções não cota na bolsa de valores mas conta em muito para os valores nos bolsos (FAIFE, 2010, p.45)
Para Gilberto Durand “o símbolo revela-nos, portanto, um mundo” (1963, p.13). De facto, Hélder Faife, fulminado por uma luz suprema demonstra que ela, a capulana não é um pedaço de pano…está presente na vida, como, o meio social que o rodeia está impregnado na sua consciência. A capulana dá dinâmica a vida! e portanto, revela uma cultura, um símbolo e um mundo. Tal é a transfiguração do verbo, os sacos vazios são homens e mulheres que diariamente sustentam o peso da miséria e, até, são heróis da vida porque como o autor coloca “… a dureza da vida subverte o provérbio / sacos vazios ficam de pé…”(p.8). Só a transfiguração logra trazer esta complexa realidade; não é por acaso que Joanne Kathleen Rowling nas aventuras fantásticas – Harry Potter, afirma “Transfiguração é uma das formas mais complexas e perigosas formas de magia”. Por fim, a magia que o Hélder Faife quer aqui colocar, está eivada de esteticismos próprios do exercício poético, ao transformar as pessoas em sacos e viceversa. Esta é uma crítica ou quiçá uma representação anímica do seu universo social. ____________________________________ 1
Seminário de Maputo, 4º, 2002, Maputo. LUSOGRAFIA. Maputo: Imprensa Universitária, 2002, p. 15 2
E essa simplicidade também é revelada pela maneira como o autor escolhe os títulos dos seus poemas, palavras que povoam no universo social do povo “mola”(p.13), “velhice”(p.15), “pagamento” (p.25), “amendoins torrados” (p.27), “puto” (p.29), “barraca” (p.39). Podemos arriscar em afirmar que, a poesia do Hélder Faife é preenchida de detalhes e só apreendidos quando se tem o necessário distanciamento para colher o essencial, em cada acto de olhar as coisas que existem a volta. Também é um poeta de símbolos; na página 22 o poema tem como título “capulana”
RODRIGUES, M. da Conceição. Arqueologia, Análise do Simbólico, Odivelas: Editores e distribuidores de puplicações, Lda, 1991, p. 13 3
SOROKOBI, Yves. O Assassinato de Carlos Cardoso, New York, http://www.cpj.org
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OÁSIS. Maputo: Publicação regional Maputo, Gaza e Inhambane, 1997, p. 21
Referências Seminário de Maputo, 4º, 2002, Maputo. LUSOGRAFIA. Maputo: Imprensa Universitária, 2002, p. 15 RODRIGUES, Maria da Conceição. Arqueologia, Análise do Simbólico, Odivelas: Editores e distribuidores de puplicações, Lda, 1991.
crepúsculo pano sofrido na cor motriz a vida
SOROKOBI, Yves. O Assassinato de Carlos Cardoso, New York, www.cpj.org
http://
OÁSIS. Maputo: Publicação regional Maputo, Gaza e Inhambane, 1997.
embrulha ancas veste trouxas nina crias e montra no chão alimentos informais (FAIFE, 2010, p.22)
IRALA, Narciso: Controle cerebral e emocional, São Paulo, Edições Loyola, 1968. FAIFE, Hélder. Poemas em sacos vazios que ficam de pé, Maputo: Edição Gráfica A2 Design, Lda. 2010. LIGEIRO, RUY. O País de Medo, Maputo: Edição AEMO, 2003.
SEXTA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2012
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LITERATAS
ANDANDO Cruz Salazar - Maputo Cruzsalazar02@gmail.com cais. 10, só!
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O Cantador da Rua alimento do trigo sagrado.
inguém imagina quanto me custou
Não me custou pagar essa nota. Era urgente que ouvisse aquele músico que agora é
esta foto. Foram apenas 10 meti-
meu ídolo. Quando levei a moeda em sua direcção, uma descoberta…é um cego. Verdade. Os mais cautelosos chamam de deficiência física. E é, não é?
A partir do tão baixo preço tive a oportunidade de
Então quer dizer que o meu marrabentista é cego? Canta e
experimentar este prazer que já nem sei onde encon-
nem se quer tem a felicidade de ver gente a sofrer com o seu
trar. Este prazer de um cantador da rua. Tocador de
talento! Isso me enche de comoção. Sinto que vem uma dor e
sons que relevaram a minha nostalgia. Ah! Sinto meus
frio pela espinha dorsal. Nada disso. Nada de pena porque
antepassados nas canções deste velho poeta, canta-
pena só tem galinha. Música é os seus olhos. E este menino
dor e tocador das ruas. Algo me uniu a este artista
sofre como eu. Sofre que até chora. Sucumbe. Este cantador
anónimo que canta também para alegrar os deuses.
não tem piedade!
Foi na noite de quarta-feira na Av. Karl Marx na baixa
Deixo a moeda de 10 na sua mão. O homem a roça enquanto
da cidade de Maputo. Fazia a minha Marcha desde a
a leva para o bolso. Alegre volta para sua guitarra acústica.
Av. Da Malhangalane, de onde buscara entrevista do
Dedilha profundamente. Navega com ternura pela melodia
músico José Manuel Luís, ou JOMALU como é cari-
que ele mesmo é quem escolhe. E canta. Ai ngoma ya ma
nhosamente tratado, a propósito dos seus 20 anos de
kanjôôô! Do Makandza. Ah, essa música mexe com minha
carreira. Uma entrevista que já mais publicarei porque
alma! Mexe com o meu esqueleto. Vibro. Canto. É urgente
o gravador me fintou. Desgravou sem que eu me aper-
que me movimente. É de vital importância, caso ainda me
cebesse. Algo que já mais me acontecera. Nunca, na
queira vivo. Danço com os pés secos de admiração. É mesmo
minha profissão que aprendi em linhas tortas e que a
fantástico. Um cantador pelas ruas do Ka Mpfumo retornado,
amo como a mim próprio. Em fim…
que pretende ser Maputo. Isso lembra-me os Fanny Mpfumo
Caminhei enquanto observava as margens, as gentes,
com sua bandolina nos quintais da Matola Gare a cantarolar
atento aos veículos que intercalam as ruas e às vitrinas
em troca de Aguardente. Cachaça. Três palavrinhas: ton-ton-
por onde se expõem electrodomésticos e vestuários.
to. Ni Tchelelani ni ta tsaka. Cantava tocando e dançando
Confesso que sou louco por manequins. É verdade,
Fanny Mpfumo que tanto admiro. Dr. Honoris Causa da Mar-
principalmente do sexo feminino. Vejo nelas uma ter-
rabenta.
nura vital. Respiram como eu, tão silenciosamente
E lembro-me do Dilon Djindji que se quer Rei da Marrabenta
como se não vivessem. E continuava a caminhada.
quando diz “swi ni nyika usiwana, loko ni vona va tsonguana,
Pela segunda vez ganhei a coragem de andar pelo
va nyenya marrabenta” (me entristece ver crianças a odiar
lado do cemitério da ronil. Lá onde defuntos repousam
marrabenta). Mas esta criança não. Sofre cada vez mais. Esta
desde tenra idade. Lá onde os mortos partilham espa-
e várias crianças. Então volto a pensar, será mesmo que a
ço com amorfo, ladrões, cobras, ratazanas, capim e
marrabenta, originalmente feita é má para esta geração?
degradação. Uma degradação que vai para além do
Ah, este cantador de ruas é mesmo bom. Tiro as fotos
social, atingiu a moral do homem urbano. Vida dura
enquanto persisto em ouvi-lo. Agora toca a dobrar. Toca a
essa dos mortos, pois não?
viola e a gaita que se encontra pendurada por cima da viola.
E não é que andar me agrada mesmo? Caminhava e
Ele é mesmo bom. Ritima o ar que se expande por toda a par-
descia pela Karl Marx. Para minha atenção, lá do longe
te. Vem mais gente. E, apesar de não ver, sente que é um
vinha um som. Já passavam das seis da noite. Eram
herói. Herói das ruas. Um artista anónimo mas guardado por
praticamente sete. Ouvi de longe o som da viola com percussão de gaita ao fundo. Quem
todos. Castidade é o que se tem quando de si fala-se. Mas não o conheço. Nem sei
será o músico? Algum espectáculo por perto? E qual é a banda que o acompanha? …os
quem é. Pergunto as crianças enquanto faço o registo fotográfico. Nada, elas não sabem.
bailarinos? Quanto custa a entrada?
Pergunto à vendedeira que também aplaude com outros adultos. Nada, eles não sabem.
E ia que não ia. Ia me aproximando do local onde vinha aquele som que embaraçou os
Meu Deus é urgente saber quem é este homem. Mas de que importam os nomes na
meus paços já mendigos daquele cantar. Ainda de longe, vi um grupo de crianças de
metáfora da vida. Da arte? Em nada vale. Viro-me. Dou as costas ao meu novo ídolo.
mãos na cintura a remexer na vontade do dedilhar da guitarra daquele homem. Como
Ícone que vem das ruas, está nelas e delas vive.
gesto de agradecimento o músico soprava ainda a gaita que o acompanha. Cansado? A
A hipocrisia de um homem honesto aí está: vive de pão seco porque a ninguém rouba. Mas este
voz não fica, decide cansar. Era canção de Abílio Mandlase, Juro Palavra D’ora Sincera-
homem tem o pão da vida nas mãos, na voz e no coração. Há riqueza maior?
mente vou Morrer Assim, diz a letra. Cantava enquanto a plateia delirava e fazia o coro:
Termino o dia feliz. É mesmo incrível essa coisa de ser cidadão nenhum como sou. Não
vou morrer assim. Ah, nostalgia sinto, ao som desta marrabenta que arrebenta com a
temer o esgoto, as águas negras, os ladrões, mendigos e as grandes bocas. Nada de
minha vontade. Sinto que é urgente aproximar-me. É caso de vida ou morte. Ou vou ou
preservação de imagem como figuras públicas. Nada de chiliques. Sou cidadão comum e
morro ainda peando por este alcatrão intercalado de acácias que se extinguem. Ando
futuro poeta. Mas o futuro é incerto, amigos. Prevê-lo é mesmo um exercício de loucos. O
mais depressa. Corro. Chego. Paro de olhos fechados a respirar fundo. Agora sinto que
importante é preparar a morte a cada um desses Deus que imprevisivelmente amanhece
vai se recuperando em mim a vida que ia para o além sem esta música. Foi mesmo
enquanto respiramos, afinal, vivos estamos reféns da morte e, o justo, seria mesmo que
supremo ter chegado a tempo naquele Show-miss. A tempo não se assiste espectáculo
vivêssemos preparados para morrer. Aquele cantador das ruas está preparado. Plantou a
de boa marrabenta nesta cidade. As novas formas de fazer a música, o tal de música
ternura na terra que não conhece a cor. Alegrou gente e proporcionou derradeiros
comercial, roubou o espírito arrabentista deste ritmo. Agora não se faz boa e pura marra-
momentos de masturbação para os bons ouvidos.
benta neste país. Faz-se Pandza, Dzukuta e reticências (…). Moçambique, o país da
Continuo pela mesma avenida que me leva até às entranhas da Rua de Bagamoyo,
Marrabenta?
outrora designada Rua Araújo. Caminho enquanto aprecio prostitutas. Mulheres expostas
De repente a música pára! Ele precisa de 10 meticais para cantar, se queres ouvir, paga.
noutras vitrinas. Vitrinas da vida que satisfaz os homens. Entro pelo bar ao lado, tomo
Me era já cobrado o bilhete. Custa 10 meticais. E o que é 10? Uma moeda de ferro e
umas quantas tantas cervejas enquanto prevejo o horário do TPM, Transportes Públicos
bronze. E o que compra? Um pão e um copo de sumo na pastelaria ao noutro lado, na
de Maputo, esse companheiro de todos dias para o meu dormitório que fica na Matola.
Av. Samora Machel. Eu que o diga, sei muito bem o quão essa refeição é divina para
Quanto à vida, faço-a aqui, pelas ruas de Maputo, andando, errante ou com destino, mas
estas barrigas negras de pobreza que se mantém absoluta. Ao meio dia vou para lá e
sempre encontrando o que poço.