Manuscrita #1

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mitologia Era uma vez, no Olimpo... Os deuses como você nunca viu!

justiceiro Jão das Faca promove a revolução mais arretada da história da política

restart Encontre nesta edição o manual básico dos seres coloridos

inception Nem em sonho você veria o filme de Nolan com estes olhos

MOSKA Ele quer discutir abundância e escassez na medida certa

revista mais do raro


manifesto


N

asceu de um conselho de mãe, seguido de um lampejo, em 23 de agosto de 2010.

Noite fria, solitária e insone, onde o que me ladeava eram apenas idéias borbulhantes, ecoantes e incessantes. Vontade de gritar ao mundo o que não cabia mais em mim. Escrever minhas rimas nas paredes, rasgar minha ira e despir meu orgulho. Conceber-me apenas em palavras, letra e escrita. Mas a solidão ainda imperava. Então, num feixe de luz, decidi que esse reino pertencia a mim e aos que me refletissem inteiramente. Ali eu renascia. Mas não mais sozinha. Manuscrita. Uma alma plena para servir de pergaminho. E meus iguais para nele imprimirem suas marcas indeléveis. Um legado de letras, sentimentos e audácias. Cada um contando o seu conto. Cada qual dando o seu ponto. Mais do raro e nunca do mesmo. Maestria e alquimia criando a magia que não mais se via. Limpa, livre e visionária. Sem os vícios mundanos dignos de quem se ofende com o brilhantismo alheio e, não obstante, tenta subjugá-lo com falsos lapsos de ímpeto ou caráter. Diário de bordo de vidas e mentes transcendentais. E inquietas. Marco inicial de caminhos perpétuos e evolutivos. Manuscrita com delicadeza de pérola, fada e mago. Mas com a força imensuravelmente cortante de um exército laminado. Muitos pares de mãos concebendo, em letras diversas, o rebento singular, fruto da cumplicidade coesa, magistral e elegante, entre o papiro e caneta. Roupagem de conectividade imponente, abrangente, desconcertante, inebriante e contagiante. A modernidade misturada,

em doses precisas, com heranças deixadas pelos antigos. Seres únicos e, ainda assim, plurais em essência. Paradoxais, desconexos e contraditórios. Mas desbravadores, questionadores e desafiadores. Dilacerantes com o que é torpe, banal, vil, maculado e forjado. Edificantes com o que figura a antítese literal da mesmice. Romancistas, cronistas, poetas, contistas, arquitetos, cientistas, letristas, cineastas, roteiristas, juristas, economistas, jornalistas, filósofos, fotógrafos, comunicadores e mestres. Uma verdadeira orquestra escrita em acordes de tinta. Ed, o grande maestro; Paulo, o gênio; Gilbert, o guerreiro alado; Sayeg, o protetor nato; Erika, a indomável; Cristiane, a rainha de Pasárgada; Thamiel, o raro; Hugo, o irascível; Maçao, o nobre; Vera, a mãe-leoa; Pawel, the outrageous wizard; André, o piromaníaco; João Paulo, o dialético; Juarez, o enciclopédico; Patrícia, a sereia; Yasmine, a princesa; Amanda, a pipoca ruiva; Franklin, o meteorologista amador; Pedro, o implacável; Saravá, o iluminado. Conclamados, em uníssono, os gladiadores abriram a caixa de Pandora, varreram a solidão, o frio e a insônia, e me fizeram reflexos deles. Hoje eu sou inteira. E irremediavelmente Manuscrita.

Bijou Monteiro

fundadora e editora


editorial

A

revista que você tem no ponteiro do mouse neste momento foi feita por um punhado de mentes inquietas e abençoadas com o dom da despretensão. Cabeças que estão aqui para passar o tempo. Cada manuscrito descreve, analisa, explica, cria e se desdobra para que o resultado de sua matéria seja raro. Na maciota, vamos passear por vários assuntos nesta edição de estreia. Entra turno, sai turno, nos encontramos cercados por discussões soberbas sobre política. Com os dedos preparados para acariciar a urna eletrônica, falamos sobre eleições de uma maneira sincera e, digamos, inconveniente. Além de se deparar com alguns sermões sobre o assunto, você será apresentado ao ilustre Jão das Faca. Acredite: talvez isso mude seus próximos votos. O cantor Moska, que ilustra nossa capa, conta detalhes de seus novos trabalhos (isso mesmo, no plural). Você também está convidado a mergulhar na vida do vovô com nariz de Papai Noel mais famoso de todos os tempos no Brasil. Vinicius de Moraes lhe espera, sentado e sorridente, nas próximas páginas. Mas o lado negro da força também aparece por aqui. Não conte para ninguém, mas declaramos guerra às calças coloridas. Não existe questão complicada o suficiente para intimidar os manuscritos. Eles apontam a origem do preconceito e até mostram, sem medo de errar, quando a morte cai bem (com direito a bons exemplos, ok?). Até os deuses estão em polvorosa com nossa primeira edição... Zeus & Cia na berlinda! E se você prefere as preliminares... Temos um divã sincero para seus problemas amorosos, um colo quente de mãe, uma auto conversa afiada e uma passagem perolada pela cozinha. Quatro colunas vertebradas ao cubo. Manuscritos mutantes. Nossas lentes são gringas, nossas tiras não trazem desenhos, nossas batalhas ganhariam facilmente o Oscar de melhor trilha sonora. Contudo, você não descobrirá se comida enlatada em excesso faz mal, muito menos se o bonequinho aplaudiu de pé Inception, o filme mais comentado do ano. No sofá, na beira do palco ou no elevador, seja bem vindo às páginas da Manuscrita. Edckson Félix

editor


expediente OS MANUSCRITOS Amanda Souza

amanda@manuscrita.com.br

André Oliveira

andre@manuscrita.com.br

Bijou Monteiro

Outubro de 2010

bijou@manuscrita.com.br

Cristiane Sita

cristiane@manuscrita.com.br

Edckson Félix

edckson@manuscrita.com.br

Erika Bueno

erika@manuscrita.com.br

Franklin Dassie

franklin@manuscrita.com.br

Gilbert Antonio

EDIÇÃO Bijou Monteiro

bijou@manuscrita.com.br

gilbert@manuscrita.com.br

Hugo Mendonça

Edckson Félix

edckson@manuscrita.com.br

hugo@manuscrita.com.br

João Paulo Sá

joaopaulo@manuscrita.com.br

Juarez Cruz

Maçao Filho

PLANEJAMENTO EDITORIAL E DIAGRAMAÇÃO

Marcelo Saravá

Edckson Félix

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Marcelo Sayeg

marcelo@manuscrita.com.br

Patrícia Coelho

patricia@manuscrita.com.br

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o que temos pra hoje? colunas Diálogos Notívagos Comigo Mesmo

Consultório Sentimental

Papo de Mãe

Cozinhando com Mademoiselle Bijou

seções

Sátiras - Tiras Sem Desenho

Duelo de Mixtapes


sirva-se: Conversas batidas Seu voto em pontos Quanto mais idiota melhor Wheels of fortune Alternatividade, sonhos e moralidade

Alien-nação

Mitologia? Ahã, senta lá...

Auto tratamento

Ars longa vita brevis Brasil teatral Só comédia e musical?

A verdadeira arte da escrita

Qu’est-ce que c’est?

As múltiplas asas de Moska Enlatado é alienação em doses semanais?

O justiceiro do cangaço

Saber votar

Instrumentos de efêmero prazer Vinicius, o infinito sem enquanto


JOÃO PAULO SÁ em


diálogos notívagos COMIGO mesmo E assim me faço Chega a dúvida. Por que tanta atração pelo fácil, pelo previsível? Por que tantos preenchedores de gaveta e tão poucos carpinteiros? Tanto compromisso e tão pouco improviso? Por quê? Faço-me de desentendido, eu sei. Não porque queira essas respostas. Essas, infelizmente, eu já tenho. Já se transformaram em certeza. Coisa que, aliás, também não me atrai tanto.

ponto de interrogação em meio à imensidão de um intenso olhar. Não quero enxergar esse fundo. Não quero. Não quero a frustração de uma fala esperada. De um carinho roteirizado. Quero um beijo provocante. Uma porrada. Aqui, bem no meio da minha alma. Quero mais angústia. De não saber como falar. Ou escrever. Mais angústia. Pra poder brigar com ela, que tanto amo. A palavra. Maldita palavra que teima em ser essa intransponível fronteira do meu sentir. Deixe-me ir além, maldita. Mentira.

Faço-me assim porque prefiro as perguntas. Sempre. E prefiro pagar o preço dessa ilusão de uma dúvida impulsionadora, pra saber que, agora, você está aí se questionando, entrando em sintonia comigo. Mesmo que esse você também já tenha suas respostas.

Sim. É mentira. Faço-me assim porque prefiro as perguntas. Sempre. É verdade. Mas, não porque prefiro pagar o preço dessa ilusão de uma dúvida impulsionadora, pra saber que, agora, você está aí se questionando, entrando em sintonia comigo.

Vá lá. Corra atrás da sua pergunta. E não me conte a resposta. A sua resposta. Ela é sua, só sua. É um peso que você vai ter que carregar. O fim da dúvida. O fim do impulso.

Não, não é só isso.

Chega a angústia. De já entender a fraqueza das pessoas. De já compreender o medo. Chega a necessidade. Preciso de perguntas. Preciso que me desafiem. De alguém rico em entrelinhas. De um belo e suculento

Faço-me assim por um pretexto. Um pretexto de escrever e de clamar por perguntas, dúvidas, interrogações, provocações. Chega a angústia. De já entender a minha fraqueza. De já compreender o meu medo. É. Faço-me assim por medo. Por medo dela. Da solidão.


AMANDA SOUZA em

Mande suas dĂşvidas sobre o universo afetivo para o email: amanda@manuscrita.com.br


CONSULTÓRIO sentimental Sou bonitinha, bem humorada e corpinho legal. Por que só me aparece homem casado cheio de amor pra dar? Lídia, capricorniana, engenheira, 40 anos Primeira coisa: esqueça os diminutivos. O uso de palavras como “bonitinha” e “corpinho” passa-me a impressão de que sua auto estima, no fundo, é uma “auto-estiminha”. Assuma-se: “Sou bonita, sou gostosa, tenho um corpão, chamo a atenção”. Valorize seu produto para que os outros assim o façam também. Dessa forma, você começará a perceber que merece muito mais do que anda obtendo. E mais: que esse negócio de “homem-casadocheio-de-amor-pra-dar” é pura patifaria. O que existe é “homem-casado-louco-pra-pegarmais-uma-pra-coleção”.

Até quando meu marido vai ter ciúme de mim com o nosso filho, um bebê de oito meses? Valentina, canceriana, arquiteta, 30 anos Quando ele finalmente entender que o filho é 50% de cada um. Com isso, quero dizer: será mesmo que ele está com “ciúme” do seu bebê ou você, agora na função de mãe, se esqueceu da de esposa e assumiu a função de cuidar do bebê sozinha? Será que você tem envolvido seu marido nos cuidados com o bebê? Tem distribuído as tarefas? Se o tempo pra vocês anda curto (o que é algo absolutamente normal nessas situações), tentem curtir um ao outro no processo de descoberta que é cuidar de um ser que é fruto da história de vocês. Deem banho nele quando estiverem juntos, dividam a função na hora da alimentação, revezem os horários durante a noite... tudo vale. Não se sobrecarregue e encare que, sim, você precisa trazer mais seu marido pra perto de você nesse momento novo para ambos.

Por que será que eu enjôo das mulheres? Não consigo estabelecer uma relação saudável por muito tempo. Matheus, libriano, jornalista, 28 anos Talvez isso aconteça porque você não perde muito tempo ou energia tentando descobrir o que as mulheres podem te proporcionar além de uma boa transa. Quando tentamos conhecer o que está além daquele corpo que a gente toca, o outro passa a ser uma descoberta diária, um processo de desbravamento, de surpresas diárias. E, quando não há essa disposição, estar com o outro torna-se óbvio, previsível e superficial. E o descontentamento gera sempre essa falta de “salubridade” na relação a que você se refere. Quando algo não está dando certo, às vezes nem precisamos mudar a tática. Basta mudar o ângulo de visão com que enxergamos a questão.

Por que, de tanto amar, a gente acaba concluindo que o resultado inevitável do amor é o sofrimento? William, geminiano, analista de sistemas, 43 anos Porque o amor é que nem cartão de crédito: é legal, quebra um galho, nos proporciona coisas que não teríamos em situações normais mas, quando a gente o usa sem controle, pagamos uns juros mais altos do que podemos suportar. Discordo daquela massa romântica de “Polianas” que diz que o amor é 100% cor-derosa. Isso pra mim é um engodo da sociedade moderna. O amor traz consigo um fardo pesado, duro, uma série de desafios a serem superados, descobertas sobre nós mesmos que nem sempre se mostram a coisa mais agradável do mundo. E não: não existe grandes amores sem grandes neuroses. Nem em comédias românticas o amor é a lindeza que certas pessoas pregam. É duro e difícil sim e, definitivamente, não é uma brincadeira pra qualquer um entrar.


VERA MONTEIRO em


papo de MÃE Amor é amor... Meu recado não é extenso. Tampouco óbvio. O que proponho é uma pausa reflexiva. Na primeira quinzena de outubro, comemora-se a Semana Nacional da Vida e, também, a ecologia humana, o meio ambiente e o nascituro. Pode não parecer, mas tema e datas se completam em tudo. O amor é o maior e único tributo à vida e, mais ainda, à prole. É esse sentimento que faz toda diferença ou até mesmo as diminui, especialmente quando falamos em vidas. Somos responsáveis por elas e não seus donos. Somos administradores e não proprietários, tangendo todas as esferas já mencionadas. Agora vamos aos termos práticos. Você já abraçou seu filho hoje? Já enviou um sms dizendo apenas que o amava? Sentou com ele ontem para saber sobre o seu dia? São essas pequenas doses de afeto que surtem efeitos construtivos. Não estou falando em conivência com os erros, mas da aproximação tendo o amor como foco.

Conviver com diferenças não é tarefa fácil. Na maioria das vezes, as escolhas de nossos filhos são contrárias às nossas e, mesmo assim, nosso amor não diminui, uma vez que eles sempre serão nossos pequenos. Então, já que amor é amor, diminuamos as distâncias e apenas celebremos a vida. Amamos os filhos politicamente corretos, mas também amamos os contrários perante os olhos do preconceito. Nossa função não é a de julgar, mas de promover um diálogo digno e justo, envolvendo duas pessoas que, em suas diferentes opiniões, gerações, experiências, sonhos e frustrações, visam chegar a um ponto de vista comum, sendo que o amor é o fermento disso tudo. O encanto por nossos filhos começa na gestação e é eterno. Pouco importa a tribo, a orientação sexual ou o número de seus cromossomos, uma vez que a essência está nos braços abertos, na aceitação e no aconchego. Filhos são dádivas e presentes nós não escolhemos. Apenas recebemos e agradecemos, mesmo quando diferentes de padrões estabelecidos. Filhos são filhos. E amor é amor.


BIJOU MONTEIRO em


COZINHANDO com Mademoiselle Bijou Meu cabelo não é branquinho, eu não tenho programa culinário e nem um bonequinho falante para me fazer companhia na cozinha. Mas, mesmo assim, aparecerei aqui a cada edição para preparar várias receitas do meu caderninho ou, até mesmo, as que você me sugerir pelo bijou@manuscrita.com.br. Para começar, um lanchinho rápido, simples e irresistível: cupcake. Já que selecionar – e devorar – um só é pura maldade, escolhi três opções de lamber os beiços e deixar feliz qualquer barriguinha. Agora coloque seu avental e corra para a cozinha porque a Mademoiselle Bijou chegou!

1° passo: a massa do cupcake 1 xícara e meia de açúcar; 300 gramas de manteiga amolecida; 3 ovos; 2 xícaras de farinha de trigo; 1 xícara de leite; 10 gotas de extrato de baunilha; 1 colher de sobremesa de fermento em pó; 1 colher de café de bicarbonato de sódio. Para preparar, bata a manteiga na batedeira até que ela se dissolva. Em seguida, acrescente o açúcar e os ovos, batendo um de cada vez. Separadamente, num outro recipiente, peneire a farinha, o fermento e o bicarbonato. Acrescente esse conteúdo peneirado à mistura na batedeira. Por fim, inclua o leite e pare de bater. Asse de 10 a 20 minutos, usando tanto forminhas próprias para cupcake quanto as velhas forminhas de empadinha da sua avó, desde, é claro, que elas sejam forradas com forminhas de papel. Ao retirar as massas assadas do forno, rendendo elas em torno de 20 unidades, deixe-as esfriar, corte a tampinha delas, bem na altura da borda da forminha, e, ao separá-las em duas partes, faça um recorte no corpo da massa (eu disse no corpo, ok?) com a ajuda de uma colher de café. É nessa abertura que colocaremos as opções de recheios, tamparemos com o resto da massa e, com ajuda de um bico de confeiteiro ou até mesmo uma espátula, cobriremos essa tampinha com o mesmo sabor do recheio escolhido.

Cupcake 2° passo: os recheios a) De Nutella: misture 180 gramas de Nutella com meia caixa de creme de leite leve à geladeira por 40 minutos. Retire o creme da geladeira e guarneça os cupcakes. Mas atenção: já que Nutella não foi feita para ficar na geladeira, esses bolinhos devem ser consumidos em até 24 horas. b) De cheesecake de limão: derreta 200 gramas de chocolate, junte 60 gramas de cream cheese e misture até obter uma mistura homogenia. Acrescente suco de 1 limão e 4 bolachas maria trituradas. Leve à geladeira por uma hora. Enfeite os bolinhos e, se quiser, acrescente raspas de limão sobre o creme. c) De brigadeiro: junte 1 lata de leite condensado; 4 colheres de sopa de chocolate em pó e 2 colheres de sopa de margarina. Misture os ingredientes e mexa, até atingir o ponto de brigadeiro. Se quiser um creme mais consistente, cozinhe-o por mais tempo.

3° passo: lave as mãos, apanhe um guardanapo e coma até dizer chega. Bon appetit!


Conversas

BATIDAS por HUGO MENDONÇA


S

abe aqueles momentos da sua vida que ficam marcados como os que você desejaria estar em diversos outros lugares do mundo? Então. Essa é a pior época. Eleições. Você se esquiva, finge falar ao celular, aumenta o volume dos fones de ouvido ou os usa, mesmo sem ouvir nenhuma música, procura em alguém uma forma de fugir da situação constrangedora iminente, mas, na maioria das vezes, não consegue. Eles vencem. Os pseudo-analistas políticos. Amigo, não adianta balançar a cabeça, balbuciar alguma coisa, dizer o famoso assassino de conversas: “ahã”. Eles não desistem. Eles são guerreiros. Empunham a espada do “conhecimento político rasteiro” e só vencem uma batalha quando conseguem invadir mentes com sua ideologia. No claustrofóbico elevador, na fila do banco, no ponto de ônibus, no banco da praça, esperando um lanche do McDonalds na madrugada de sábado para domingo. Eles estão lá, sorrateiros, malandros, observando seus movimentos e esperando uma falha, um descuido, para soltar a frase que é o quebra-gelo mais sem vergonha de todos: “E esse candidato (nome do fulano), hein? Nós ‘tâmo’ ferrado se ele ganhar...”.

É o fim. Ou o começo do fim. Ali, naquele momento em que você procura a lâmina mais próxima e afiada para cortar os pulsos ou enfiar nos ouvidos, o pseudo-analista político é o rei. Ele é o “seu mestre mandou” e comanda os seus movimentos. É o inatingível. E você amigo, ah... você escorregou até o sétimo círculo do inferno. Não importa qual a sua posição política, porque, se você não tiver nenhuma, ele vai tentar te convencer que votar num candidato acéfalo é uma boa idéia enquanto você pensa que poderia tomar “Sex on the beach” em Ibiza com a Elza Soares. Claro, a imagem não é das mais interessantes, mas não importa, uma vez que é melhor do que ouvir uma opinião sobre a candidatura de alguém banal ao Senado, baseada nas capas de revistas de fofoca. Nesses meses pós-Copa do Mundo e pré-eleições, a maioria das pessoas se torna alienada. Tudo que lê ou ouve é motivo para a formação de uma opinião que será distribuída, gratuitamente, na padaria. Majoritariamente, essas opiniões são contraditórias e não fazem o menor sentido. Se eu pudesse dar uma dica para o futuro próximo, amigo, seria esta: use fones de ouvido. Sempre.


Quanto mais

IDIOTA melhor


por BIJOU MONTEIRO

M

uita gente pensava que, por ter nascido na década de 80, perdeu a melhor parte do rock.

A era foi marcada por cabelos com corte de poodle, mullets, ombreiras gigantescas, polainas coloridas, figurinos dignos de escola de samba e maquiagens circenses, usadas fora do picadeiro sem nenhum peso na consciência. Não obstante, o rock padecia com a descoberta – e também o uso irrestrito - dos sintetizadores. Era ligeiramente desesperador ver Rolling Stones, David Bowie e Kiss perdidos, numa época pós-disco, lançando seus álbuns sem os referenciais das décadas anteriores. Não obstante, a MTV americana ainda engatinhava, oscilando entre causar frisson e desconforto nos músicos que a ela se adaptavam, sem ao certo saberem como conceber um vídeo-clipe. Em meio a sintetizadores iniciantes (marca registrada de Depeche Mode, New Order e Kraftwerk), uma eclosão pop (digna de Michael Jackson, Madonna e George Michael) e bandas descompromissadas (como The Bangles, Twisted Sister e Culture Club), o rock parecia sucumbir, vendo seus maiores representantes cedendo aos dissabores de um cenário musical confuso e cheio de excessos. Mas, obviamente, não foi o que aconteceu. Chegados os anos 90, o rock descobriu que o underground poderia perfeitamente flertar com o mainstream sem perder sua característica de guerrilha e, assim, com o movimento grunge despertando cada vez mais bandas em Seattle, fez-se luz entre outros expoentes notórios, tais como Guns N’ Roses, R.E.M e Red Hot Chili Peppers. O rock, finalmente, encontrava rumo e meio-termo entre livrar-se de excessos visuais


e, principalmente, focar-se apenas em suas características fundamentais. Para coroar – e até ironizar – esse longo caminho, em 1992, Mike Myers, ainda principiante, lançou “Quanto Mais Idiota Melhor”, interpretando Wayne Campbell, um roqueiro fã de Alice Cooper e outros figurões do rock, dono de um programa televisão direcionado para quem cultivava mullets generosos e era adepto do headbang esportivo. A moral da história – até aqui – é que o rock segue os preceitos evolucionistas de Darwin, ou seja, mesmo quando tudo parece perdido, há sempre uma forma natural para sobreviver e recriar seu legado. Veio o século XXI e, com ele, as boy bands. Uma chuva de meninos bonitos, rebolativos e cantantes, tipicamente estereotipados, mas bem produzidos. Música fácil de digerir, com refrões grudentos e melodias certeiras. Também nos anos 2000, com o advento da internet, veio o Napster e, logo, tornou-se plenamente possível resgatar toda uma história musical e convertê-la em mp3, finalmente recuperando o tempo que muitos pensaram ter perdido ao nascerem na década de 80. É aí que nosso enredo muda de figura, o caldo entorna e parece um caroço no angu. A música é um exercício democrático e atemporal, uma vez que você pode, a qualquer momento da sua vida, usar a tecnologia como aliada para ouvir grandes clássicos ou escavar raridades anônimas.

Não conhece o filme? Então, dê play agora mesmo!


Mas e se, de repente, essa história musical gringa começasse a ser prostituída por bandas tupiniquins? E se o tiro saísse pela culatra e a internet começasse a ser usada como arma de massificação por debilóides aculturados? Recado de fã para o Restart

A história da música brasileira é bastante peculiar, baseando-se em ritmos diferentes dos estrangeiros e, mesmo quando influenciada por estes, capaz de ainda soar nacional e própria. No entanto, há quem discorde e, de quebra, criando uma miscelânea musicalmente repulsiva, cultue o grupo Restart, a aberração mais mórbida de que se tem notícia, desde o Baba Cósmica ou até mesmo dos Virgulóides. Para começar, junte quatro garotos tão vazios quanto um balão estourado e, obviamente, que acreditem que o rock começou com a invenção do Linkin Park. Mas não se esqueça que o quarteto deve conter acne suficiente para usar maquiagem, mesmo que não seja aquela circense dos anos 80. Feito isso, desde que eles tenham noções básicas para manipular guitarras, baixo e bateria, compre bloquinhos dos Ursinhos Gummy e lapiseiras perfumadas para cada um, pedindo que eles escrevam suas emoções em forma de notas musicais. Mas isso não é tudo. Até porque vesti-los, com a finalidade de criar um estilo bizonho, é mais do que necessário. Assim sendo, vale recorrer a qualquer loja de departamento, dessas com cheiro de baunilha mentolada e


repleta de roupas que se desfazem na primeira lavada. Outro dado importante é que esse visual todo seja insuportavelmente colorido, digno de fazer inveja a Boy George em seus tempos áureos, que também contenha óculos gigantescos – mesmo que ninguém ali tenha problemas oftalmológicos – e, por fim, que todos eles desfiem os cabelos com facas de bolo Pullman, tentando recriar o visual repicado e com mullets de Mike Myers e Dana Carvey em “Quanto Mais Idiota Melhor”. Pronto, agora sim está formatado o Restart, com instrumentos porcamente tocados, nenhuma habilidade vocal, composições risíveis, visual alegórico e um mundo de influências não creditadas e absorvidas por osmose. Contudo, o mais assustador dessa soma de fatores antagônicos não é a falta de aptidão musical, mas o efeito colateral que esse quarteto de bípedes causa. Imagine uma horda de seres descontrolados, com hormônios à flor da pele e vítimas de lavagem cerebral (ou até hipnose), capazes de qualquer loucura para satisfazer seus mestres. Pois bem. Esses são os fãs do Restart, aqueles mesmos que, mediante chiliques, histerias, síncopes, ataques de

pelanca e total-freak-descontrol, acham tudo uma puta falta de sacanagem e, quando contrariados, xingam muito no Twitter. A alienação é tão grande que, se perguntados sobre os Beatles, esses adolescentes se declararão maiores e melhores do que o quarteto de Liverpool e, de quebra, se anunciará como o novo paradigma do rock. Agora vamos aos fatos: recortar várias referências visual-musicais dos anos 80, colá-las aleatoriamente e traduzi-las não forma nem uma banda e muito menos um referencial de rock. Todos os excessos e falhas da década de 80 foram espontâneos, ou seja, aconteceram porque a música ainda se ajustava e buscava o seu rumo. Logo, por mais cafona que tenha sido usar calça centro-peito, permanente no cabelo e dançar “Walk Like An Egyptian”, do Bangles, tudo era de fato original.

O Restart, além de desmerecer a música, envergonhar o rock e envenenar almas sem qualquer referencial, apela ao imperdoável crime de ridicularizar uma cultura legítima, que é rica mesmo quando parece falha. Talvez o ônus de tamanha mediocridade musical nem seja do quarteto de bípedes, contudo, é pouco provável que esses


garotos não percebam que não são donos de Wayne’s World e que, tampouco, realmente sabem quem é Alice Cooper. Mais injusto ainda seria comparar o Restart a qualquer boy band que tenha existido, uma vez que estas continham meninos bonitos e, em sua maioria, talentosos, independente da histeria ou dos hits-chiclete que produzissem. Nacionalizar tendências musicais gringas não incorre, em nenhum momento, em sujá-las por incompetência e muito menos criar a impressão de que nada dig-

no foi deixado pelos anos 80. Ser insólito, inconsistente e indigerível não é hype. Talvez esse seja o dado imprescindível que o Restart deva aprender e, assim, efetuar um reboot antes de ser considerado algo pior que o Milli Vanilli. Ou, ainda, antes de ter sua imagem ironicamente usada num pôster do terceiro filme de “Quanto Mais Idiota Melhor”, onde Wayne e Garth, a dupla mais dinâmica desde Batman e Robin, sai à caça do quarteto de bípedes. Com a ajuda evolutiva e darwiniana de Alice Cooper, claro.


Alternatividade,

SONHOS e moralidade: Divagações sobre Inception por PAULO SEGUNDO

P

assar feriados prolongados na capital paulista remete, em geral, a um trinômio que de quadrado perfeito não tem nada: shopping, parque e bar/ balada — coloco os dois últimos como um mesmo componente, na medida em que, não raro, tornam-se atividades sequenciais e nitidamente interligadas. Não menciono, é claro, prostrar-se deliciosamente na casa de um amigo ou parceiro ou mesmo ir a algum restaurante, uma vez que tais práticas são extremamente rotineiras para o paulistano. O sete de setembro, portanto, seria dificilmente diferente. O tempo, manifestação irônica dos deuses do clima, em uma combinação de punição e bênção, resolveu trazer uma dose de frio e chuva, arruinando os possíveis planos de visitar os parques e, provavelmente, a viagem ao litoral de muita gente, ao mesmo tempo em que restaurou, para o alívio dos que vivem na Paulicéia Desvairada, a umidade pseudoausente de nosso ar, vigente naquele momento. Sobraram, portanto, os elementos situados ao extremo do nosso trinômio.

Divago. No entanto, faço-o para contextualizar o cenário e explicitar uma das razões que me impeliram a ir ao cinema assistir ao novo filme de Christopher Nolan, Inception (“A Origem”), no feriado que celebra a nossa querida “independência”. Em geral, quando muitas pessoas, em caráter aleatório, começam a sugerir que eu assista a determinado filme, acabo entrando em um estado de questionamento ‘levemente’ paradoxal — se é que posso aplicar tal atenuador ao adjetivo paradoxal. Se uma massa de pessoas de concepções estéticas e existenciais, práticas, valores e identidades bem díspares me estimulam a assistir à mesma obra cinematográfica, é quase certo que se trata — com as devidas exceções — de grandes produções milionárias de Hollywood, em que os efeitos e a ação alucinada imperam sobre a narrativa, o que, em princípio, me desestimularia, uma vez que mais do mesmo é nitidamente cansativo, ainda que divertido. No entanto, o caráter mais chamativo da contradição reside no fato de que o mesmo aspecto que abriga a raiz do desestímulo é justamente aquele



que desperta a curiosidade de verificar o que, de fato, está proporcionando prazer e atraindo atenção de tantas pessoas. Resolvo, então, assistir. Não me arrependo. Trata-se de uma das exceções. O filme centra-se na possibilidade, permitida pelo desenvolvimento técnico-científico, de se invadir os sonhos de outras pessoas, de modo a extrair ideias, concepções e informações da mente das pessoas ou mesmo implantar esses elementos no cérebro dos indivíduos — há uma constante menção ao termo subconsciente no longa, construído como um locus mental inacessível e intensamente fortalecido, aspecto que, com certeza, agradará aos interessados em Psicologia que não queiram se embrenhar nas teias acadêmicas propriamente ditas dessa ciência. O longa assume como argumento principal a tentativa de incutir na mente de um jovem herdeiro de um bilionário império energético a idéia de dividi-lo, o que atenuaria — ou liquidaria com — o monopólio da gigante corporação no setor. DiCaprio, protagonista, aceita a missão por razões pessoais que prefiro não esboçar aqui, a fim de não revelar muito ao leitor que, eventualmente, ainda não tenha visto o filme. Como este texto não se constitui em uma resenha, não pretendo me alongar sobre sua execução. A arte e a fotografia merecem destaque, o roteiro é suficiente, as

Trailer de Inception


Trailer de Memento

cenas de ação são sucessivas e bem intercaladas com os dramas e questionamentos substanciais da narrativa. Definitivamente, não tem a engenhosidade de Memento (“Amnésia”), do mesmo diretor, mas configura-se em uma das produções hollywoodianas mais instigantes do momento. O que me chamou atenção, contudo, foram alguns aspectos sociais e psicológicos que se situam em segundo plano na película, embora intrinsecamente ligados à trama desenvolvida e imprescindíveis — além de instigantes — para uma compreensão mais acurada do ser humano contemporâneo. Residem neste ponto, a propósito, alguns dos aspectos pelos quais considero o filme uma das exceções hollywoodianas do momento. Primeiramente, vejamos: se, em algum momento, for realmente possível invadir sonhos com o objetivo de implantar ou extrair crenças, valores ou gostos, seria inevitável assumir que o totalitarismo sutil e paulatino da sociedade Big Brother que se manifesta nos dias de hoje teria alcançado seu ápice. Explico-me, sem nenhuma pretensão de adentrar no terreno da Psicologia ou da Psicanálise — e muito menos da ficção científica. Os sonhos constituem-se naquilo que é mais íntimo do ser humano, naquilo que configura os aspectos mais secretos de cada um de nós. Nossas fantasias, nossos pecados, nossas repressões, nossos desejos, nossas


ilusões, as verdades, as mentiras. A violação do sonho consistiria, com certeza, no ato mais violento de descalabro da liberdade individual. As narrativas oníricas, de modo geral, colocam-nos diante da nossa vulnerabilidade e, não raro, nos tornam vulneráveis, uma vez que o choque entre o que é possível/plausível naquele mundo etéreo e o que é possível/plausível na realidade é, na maioria das vezes, de uma voltagem bem alta. Obviamente, alguém poderia argumentar que, no mundo onírico, podemos exercer uma potência bem superior àquela que dispomos no mundo real, o que não nos tornaria vulneráveis. No entanto, o questionamento inicial só retornaria mais incisivo ainda: tal potência, necessariamente, é corroborada pela realidade? A inspiração onírica não seria justamente uma decisão de enfrentamento da vulnerabilidade possivelmente constatada no mundo real? Deixo a questão para o leitor refletir e retorno ao aspecto social da deterioração da liberdade individual e da violação dos sonhos. A sociedade atual é marcada por uma inigualável obsessão vigilante e controladora — ou alguém seriamente questiona isso? Câmeras, GPS, redes sociais, celulares com todas as funcionalidades possíveis, capazes de fotografar e filmar a qualquer momento, consistem em manifestações concretas e naturalizadas, incutidas e relativamente bem aceitas em nossas vidas cotidianas, acerca


de tal obsessão da sociedade hodierna. A partir desse pressuposto, podemos esboçar, singelamente, uma cadeia de raciocínio que pode ser explicitada do seguinte modo: uma sociedade que tenha como um de seus pilares a vigilância e o controle deve necessariamente temer algo — em geral, quem tem a temer, nessa esfera, são as instituições, de qualquer natureza. Esse temor poderia ser combatido por totalitarismo e força física/militar. No entanto, esse ‘incógnito’ temor seria combatido de modo mais eficaz se as próprias pessoas se controlassem e confirmassem as coerções propostas pelas instituições de tal sociedade. Um desses principais temores consiste na possível legitimação da alternatividade, do fugir às normas, aos discursos, aos estilos e às práticas dominantes. Nada melhor, então, do que criar uma moralidade sintética, sustentada em fundamentalismos de toda sorte, em que a castração individual consiste em regra, e o questionamento, em pecado. Não é necessário violar sonhos para implantar ou extrair idéias. Isso ocorre, em plena luz do dia, e os subconscientes não parecem ser tão fortificados assim. Pensemos um pouco na questão da identidade. Vivemos um período em que a formação de nossa identidade (quem somos diante de nós mesmos e dos outros) não se encontra apenas correlacionada com o espaço geográfico imediato em que nos situamos. Assim, não estamos apenas expostos às tradições, rituais, representações, ações e papéis pré-estabelecidos dessa determinada comunidade, como era na Idade Média ou nas pequenas comunidades rurais isoladas no interior do Brasil no início do século XX. A mídia — independente do papel altruísta ou conspiratório que tende a ser atribuído a ela (na minha opinião, ambas as posições são extremadas) — assume um papel construcionista de destaque na contemporaneidade, pois, por meio de seus diversos formatos, ela torna possível travar contato com ações, representações e tradições diferentes, provenientes dos mais diversos tempos e locais, e que, temperadas ao sabor local, exponencializam as nossas inúmeras possibilidades identitárias. Dessa nova configuração, surge o gérmen da alternatividade e o risco de sua legitimação. Façamos uma analogia ao processo de colonização, relembrando o nosso contexto de independência mencionado no início. Numa atividade imaginativa,


tomemos a mídia como uma metrópole moderna, e cada um de nós, como uma colônia — se você quiser pensar em grupos populacionais como colônias, melhor ainda. Uma vez que a nossa relação com aquilo que está fora de nosso alcance corporal é realizada por meio de um veículo comunicativo, que filtra, necessariamente, o que chega e o que sai, ao sabor de seu formato e de seus interesses — incluem-se, nesse rol, interesses econômicos, políticos e culturais —, muito do que somos, valorizamos, gostamos e nos identificamos são originárias da intermediação midiática. E, se nossos sonhos representam parte de nossas fantasias e repressões, em geral, ligadas às tensões entre querer, poder, dever, saber e crer, torna-se inegável admitir que uma parcela considerável de material para as divagações oníricas provém da esfera midiática. Nesse caso, invadir sonhos parece apenas tornar-se necessário se o objetivo é descobrir ‘senhas’. Mesmo sentimentos e valores podem ser afetados, negativa ou positivamente, nas diversas interações com outros — mediadas ou não — e nos conflitos identitários provenientes da diversidade de material social, artístico e textual. Paro nesse ponto a fim de realizar uma grande ressalva.

De modo algum, pretendo, com tal afirmação, defender teorias conspiratórias ou concluir que sejamos idiotas passivos, incapazes de seletividade ou resistência e, portanto, plenamente subjugados por uma mídia onipotente que a todos afeta indistintamente. Pelo contrário. Centenas de conflitos e revoltas ocorriam nas colônias contra a dominação metropolitana. O mesmo acontece na nossa relação com as representações, ações e identidades que transparecem tanto no consumo dos produtos midiáticos quanto da nossa vivência cotidiana. Não somos passivos. Ponto. Estudos em Psicologia, Sociologia e Linguística já mostram que tal generalização é lendária há um bom tempo. Obviamente, existem graus diferenciados de complacência e resistência em relação ao que se consome. Em outros termos, somos capazes de filtrar e avaliar aquilo que seria ou não relevante. A questão que se coloca, no entanto, é: em um mundo cada vez mais interligado e interdependente, pluralista, relativista e, paradoxalmente, fundamentalista — deixemos essa discussão para um próximo texto —, será que, algum dia, conseguiremos alcançar nossa emancipação das novas metrópoles do capital simbólico? Será que as


FOTOS USADAS NESTA MATÉRIA: WARNER BROS/DIVULGAÇÃO

formas de alternatividade encontrarão espaço de legitimação diante das fortalezas hegemônicas da moralidade sintética, mantidas pela obsessão controladora das instituições? No filme, DiCaprio é assombrado por um espectro de seu passado, alguém que põe em risco não só a missão, mas também se interpõe em relação a seu domínio diante de aspectos centrais da sua identidade. O espectro habita seus sonhos — constitui-se tanto em fantasia quanto repressão. O final do longa, no entanto, deixa uma pergunta. Convido o leitor que assistiu a questionar-se — e peço perdão ao leitor que ainda não viu a obra de Nolan por antecipar determinado aspecto (não, não se trata de spoiler). Afinal, nossas narrativas de vida consistem em sonho, em realidade ou em uma belíssima — e quem sabe perigosíssima — combinação entre ambos: o virtual e o real, o onírico e o material? É necessário refletir.


nação ALIEN-

por PATRÍCIA COELHO

RODNEY SMITH

“If a man could understand all the horror of the lives of ordinary people who are turning around in a circle of insignificant interests and insignificant aims, if he could understand what they are losing, he would understand that there can only be one thing that is serious for him — to escape from the general law, to be free. What can be serious for a man in prison who is condemned to death? Only one thing: how to save himself, how to escape: nothing else is serious”.

G. I. Gurdjieff


E

ntrei no elevador e cumprimentei a vizinha do 901, com todo seu perfume sufocantemente adocicado, que sempre se posiciona no meio do caminho e, com nítida impaciência, aperta o botão da garagem repetidas vezes; como se aquilo surtisse o efeito de apressar o fechamento das portas automáticas ou o passageiro, no caso eu, que a estava retardando. Saímos sempre no mesmo horário, nós duas. Ela está atrasada, todos os dias. Ela foi logo me contando (enquanto eu fingia procurar diligentemente alguma coisa no mais fundo da minha bolsa) sobre o “pessoal do 102”, que havia recebido uma multa do condomínio por ruído excessivo e por “atividades muito suspeitas”, - ela sussurrou essa parte com muito cuidado, a fim de incutir toda carga dramática da revelação - durante uma festa de aniversário na semana passada. Sete dias depois e ela ainda falava sobre isso, eu suspirei. Levantei a cabeça por um momento para fazer uma expressão de paisagem e tentar encerrar a conversa por ali, voltando-me com maior afinco à vasculha fajuta da bolsa. O barulho surdo do salto que ela batia no piso emborrachado, somado ao ritmado clique do botão que ela pressionava sem piedade, mais sua voz estridente, é a música de elevador que anima as minhas manhãs. Ela esperava que eu perguntasse sobre as tais “atividades suspeitas”, certamente. Ela não se deu por vencida, é claro. Fiquei um pouco tensa quando ela se aproximou de mim com a rapidez e a leveza de uma ninja; num minuto ela estava colada ao painel, no outro já estava falando ao pé do meu ouvido que tinha certeza que todos eles usavam tóxico. Pensei no gentil e idoso pai do proprietário do 102 e tive que conter o riso ao cruzar a suspeita descabida com a figura em questão. Lembrei também o rosto tranquilo da nora dele e o charme discreto do filho bonitão. Segundos depois, de volta ao presente, ajustei a faixa do casaco e comentei que essa madrugada tinha sido a mais fria do ano. Ganhei a garagem em passos largos; ela ainda desceria mais dois pisos. Eu poderia ter dito que discordava dela ou talvez pudesse ter mencionado a mulher vistosa que dorme em seu apartamento quando ela viaja a trabalho. Também não seria nada mal relatar a prática frequente do marido dela de cortejar todas as mulheres solteiras do prédio, aquele velho babão. Gostaria de ter sugerido um consultor de imagem, uma dieta e um psiquiatra para ela, mas apenas desejei-lhe um bom dia de trabalho, antes que as portas se abrissem. Para ela eu sou alienada. Para mim ela é alienada. Eu estou certa; ela também.


MITOLOGIA? Ahรฃ, senta lรก... por CRISTIANE SITA


M

itologia. Ame ou odeie. A grande maioria odeia porque relembra aulas de história, que não estão entre as dez mais da escola. Eu sou do primeiro time. Amo. Meu amor nasce de uma constatação básica já decantada por ai de que a Mitologia é feita de arquétipos. Vamos do princípio. Mitos, simplificando, são as estórias que não foram comprovadas. Ninguém achou o defunto de Hércules. Até ai, todo mundo já sabe. Mito é o garoto que todo mundo diz que é bom de cama, mas nenhuma pessoa que você conhece já dormiu com ele. Digamos que é uma verdade subjetiva e quase coletiva. Todos os flashes que montaram esta crença são subjetivos, mas fazem parte da vida de quase todo mundo. Concluímos, imaginamos, pressupomos com nossas licenças poéticas e nossos padrões básicos, e, montamos as imagens míticas. Portanto, nada de fantasiar que os mitos estão lá longe. Mitos estão na Grécia ou na lanchonete que é o point do momento. Toda a gente também viveu ou viu acontecimentos padrões em suas vidas. Nascimento, morte, paixão, amor, briga, discussão, vingança, ódio, tristeza, luto. A psicologia moderna, como toda disciplina, sempre bota o nome que bem entende nas coisas. A estes acontecimentos ela denomina ‘experiência arquetípica’. A Mitologia descreve diversas situações por meio de parábolas e representações. A Grécia - berço cultural da civilização ocidental revive, a todo momento, a essência sofisticada e cheia de entremeios do Homem. Revive as experiências arquetípicas. O mito de Afrodite, nascendo da espuma dos mares - do nada, portanto - descreve sutilmente o nascimento do amor. Inexplicavelmente, nasce. Ainda que pareça ser do nada. E se torna uma das maiores forças conhecidas no Olimpo, ou

aqui, onde vocês queiram. O chato, o louco, o perdido, o iluminado, o forte, todos eles estão na Mitologia e na sua vida. Entender os arquétipos mitológicos te dá base para entender a vida, as pessoas e os processos pelos quais passamos. Você não se torna um psicólogo, mas se torna uma pessoa com mais cabedal para se auto-conhecer e entender o outro. Também inspira boa parte das artes e vamos falar disto por ai afora nestes nossos encontros. Mas hoje, a conversa é outra. Vamos destrinchar um pouco a política por esta ótica mitológica. Vocês verão que conchavos, alianças e mudança destas mesmas alianças são mais antigos que história da Carochinha.

O quem é quem inicial Todo mundo acha que Zeus nasceu do nada e nasceu mandando. Nada! Zeus foi um eleito, o escolhido. Não por nossas costumeiras eleições, mas por ter sido escolhido pela mãe e pela avó. E por ter feito o que fosse preciso para permanecer no poder. Sofreu e participou de intrigas, conchavos, politicagem e palhaçada generalizados. Vamos voltar lá atrás. Quem nasceu do nada, foi Caos. Exatamente, como na vida da gente, de repente você olha e tudo ficou caótico. Caos - sozinho e manda-chuva - gerou por si só uma pancada de Deuses, chamados primordiais e para a coisa não ser muito complexa, vamos nos centrar na sua filha Gaia, que a mulher é fera. Gaia é a Mãe-Terra. Forte, plena de energia, poderosa. E carente. Não agüentou a solidão e criou Urano pra ela. A relação deles durou até Urano descobrir que podia prever o futuro. Cara, a vida virou um inferno para a mulher. Urano temia perder o poder para um dos filhos: titãs, ciclopes e hecatônquiros, tudo gen-


te da pá virada. Pois, Urano decidiu que os filhos nasciam e voltavam pro útero da mulher. Desconfio que é daí que surgiu este medo de engordar antológico das mulheres. Gaia encheu-se de carregar este peso, bateu um papo com um dos filhos, Cronos, e preparou o golpe de Estado. Para resumir, Cronos saltou fora do útero, castrou o pai e libertou os irmãos. Obviamente, quem passou a mandar foi Cronos (este mesmo, o Senhor Tempo). Vocês não se espantem com o tipo de relacionamento que rolava entre eles. Naquela época, incesto não era palavra existente, pressuponho. O que acontecia ali, deixa vermelha a mente mais pornô do nosso tempo. Cronos se apegou com a irmã, a titânide Réia. Ai começa a intriga, que Urano estava castrado, mas não era mudo. Vaticinou que um dos seus netos iria destronar Cronos. Filho de peixe, peixinho é. A palhaçada começou de novo. Não querendo que Réia virasse bulímica, resolveu engolir ele mesmo, filho por filho. Barrigudo! E se vocês homens acham bacana barriga de cerveja, verão que, na boa, Cronos vai se dar mal. Vivendo uma situação bastante conhecida, as mulheres se uniram. Mãe e avó. Réia e Gaia. Réia deu umas pedras para Cronos comer. Homem com fome é uma desgraça: come de um tudo. Inclusive pedra. Gaia levou o menino para longe e educou o rapaz. Lembrem-se: por trás de um grande homem, está uma grande mulher.

Gaia fala sobre o passado de Zeus, como ele escapou por pouco de ser devorado por seu pai

Babado, confusão e tiroteio no pedaço mitológico Grandinho, Zeus foi fazer seu papel. E vamos a mais um Golpe de Estado. Vocês já perceberam que esta família é uma família de coronéis. Todo mundo manda, mata, intima e cospe fogo. Zeus é o filho escolhido para comandar a terra. Escolhido pela matriarca, Gaia. Esta mulher deve ser quem inventou o conchavo e a troca de favores. A assessora diligente e cheia de acordos. Gaia instigou o rapaz a se voltar contra o pai e os tios titãs. Todos filhos de Gaia, vocês lembram, né? Era a avó querendo voltar ao poder por meio do jovem mancebo. Foi um Zeus-nos-acuda de cem anos. Sim, cem anos. Ninguém vence nada sem alianças políticas. Então, nossa esperta assessora Gaia fez um acordo: “Zeus, liberta os Ciclopes e os Hecatônquiros que já combinei com eles todo um lance deles te ajudarem e você bota Cronos pra correr em dois tempos.” E assim fez Zeus. Zeus, que é uma criatura política, já acordou com os tios Hecatônquiros que eles seriam suas Forças Armadas. Caberia a eles o cargo e o encargo de vigiar os Titãs todos no Tártaro. E então, temos nossos prisioneiros de guerra: Cronos e os outros titãs todos. Gaia estava até feliz, em um primeiro momento, mas ao fim, quem mandava era Zeus e ela não gostou de ser deixada em segundo plano. Gaia é como mulher no Shopping: uma sacola só não basta e ela sempre quer mais. No caso dela, mais poder e confusão. Relegada ao segundo plano então, mulher vira arma mortal pra criar minhocário particular em sua mente. Então, Dona Gaia se pôs a produzir os Andróginos. Estes diabinhos de quatro pernas, quatro braços, duas cabeças, órgãos femininos e masculinos eram o cão e brotavam do chão. Com uma força descomunal queriam destruir Zeus a qualquer custo.


Gaia antes de virar vov贸, j谩 barriguda, engolindo os rebentos


Zeus, o rei da cocada preta e branca


Zeus mudou de assessora. Procurou a tia Têmis, uma titânide. Têmis, que deve ser a primeira fofoqueira da história, dedurou: “Taca pedra na coluna deles, eles se dividem ao meio e acaba-se toda a brincadeira”. Assim feito, Zeus e seus irmãozinhos, todos do mesmo partido, continuaram no poder. Gaia estava indignada. Então se meteu em intrigas com um filho seu, Tifão. O demônio do Tifão era feio de dar pena e bastante revoltado por isso. Um prato cheio para criar babado forte. O plano era matar Zeus e todos os irmãos, Gaia ficava pimpona no poder e pronto. O tiroteio foi sangrento e longo, mas a galera de Zeus ganhou o pleito. Desacreditada e sem opções Gaia cede e se alia a Zeus. É recebida lá no Olimpo e vira tipo a Rainha-Mãe. Não manda nada, mas é respeitada por questões morais.

E o aqui, agora? Então, depois de toda nossa historinha, vê-se que a essência política de hoje é a mesma de sempre. O poder cega. Mães se viram contra filhos e vice-versa. As alianças são mais frágeis do que fios de cabelo. Antigos inimigos viram amigos por um presente, um cargo. Uma cansativa e desgastante busca pelo poder. Reza a lenda que Zeus era benevolente e conseguiu diminuir os conflitos todos e por isso seu poder foi perpetuado. No entanto, hoje, acreditar no poder perpétuo é se colocar à mercê de um messianismo que não existe nos tempos atuais. Vê-se que mesmo no mito Zeus, a sujeira, a intriga e a palhaçada corriam soltas pelos bastidores. Quem dava mais, levava. Hoje, não existe o Messias que

nos salva do Caos. Uma tentativa recente de Messianismo em nossa política resultou em impeachment. Zeus brigou e fez as pazes com Titãs o quanto quis. Como nossos governantes de hoje, sempre em sua Guerra de Titãs que acabam em pizza. Naquela época era ambrosia mesmo. Nosso comandante olimpiano permaneceu eternamente no poder. Nós, mortais, estamos subjugados ao governo eterno do partido fraternal de Zeus e seus irmãozinhos. Cabe lembrar que seu reinado é o berço de todas as tragédias gregas, de mortes violentas, guerras descabidas, fome, destruição e imolação de inocentes. Sim, também de primaveras, casamentos, festas e dádivas. A que preço os pobres mortais nunca questionaram. Joguetes do grupeto de Zeus, estavam prontos a receber o que lhes fosse dado, como cães famintos de bocas abertas. Zeus, convenientemente, nunca sabia de nada, até que a coisa realmente ficasse feia. Exilava um ou outro de seu grupo, castigava alguns mortais e a vida sempre continuou igual no Olimpo. Ambrosia, vinho e festa porque eles são deuses, mas não são de ferro. Aparentemente, não aprendemos e continuamos a procurar o Messias. Políticos são administradores de todos nós. Não somos os mortais apáticos e patéticos de outrora. Temos, por dever e direito, que fazer valer nossas decisões, suas promessas e também fazer nossa parte. Nestas eleições, reflita para quem você quer pagar a santa ambrosia de cada dia. Reclamar depois do leite derramado é bancar a vítima. E bancar a vítima - como os antigos mortais fizeram - é old fashioned.


AUTO tratamento por EDCKSON FÉLIX


Espelho, teu nome é preconceito Se intimida por sua intimidade Pensa que tem liberdade para não se gostar Disfarça a vontade de mudar E acaba denegrindo seu conceito Reparte, alia, associa Reclama, finge que luta, causa confusão Sem fim, sem fundo, sem ideia Repete, atira, critica Espelho, teu nome é covardia Na justiça do clichê, sua abundância E ai de quem vencer na vida De tão suja, sua bandeira nem cor tem Deveria se envergonhar de levantá-la Você quer mesmo um motivo para ser diferente?


As múltiplas

ASAS de Moska por AMANDA SOUZA

E

le nasceu Paulo Corrêa de Araújo. Carioca, 43 anos, começou a tocar violão há 30. Apesar da formação em Cinema e Teatro pela CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), foi no grupo Inimigos do Rei (dos bemhumorados sucessos Uma Barata Kafka e Adelaide) que começou sua trajetória, que hoje, após quase 19 anos de uma fértil carreira solo, inclui 12 álbuns e um DVD. Após uma longa gestação, ele acaba de lançar dois álbuns ao mesmo tempo: Muito e Pouco, que parecem refletir de certa forma o que descobrimos quando mergulhamos de leve em seu universo: Moska é batida pulsante. Mas é também delicadeza e minimalismo. Moska é lirismo saindo pelos poros. Mas também sabe cantar como ninguém as durezas do existir. Moska é aquele que compõe, que produz, que canta, que atua, que apresenta, que fotografa. Moska é aquele que sabe ser muitos sem deixar de ser um só. E é para falar não apenas de seu novo trabalho, mas também dos movimentos de suas múltiplas asas, que ele gentilmente aceitou conceder à Manuscrita a entrevista que você lerá agora, que acabou se tornando não só um dos recheios, mas também a capa de nossa edição de estreia.



MANUSCRITA - Depois de seis anos sem gravar (Moska saiu da EMI em 2004), você retorna agora, em 2010, com um projeto duplo, o Muito e o Pouco. Antes de falarmos de seus dois novos discos: após esse período de concepção e finalização deste novo trabalho, qual o balanço que você faz da sua trajetória desde então na condição de artista “independente”? Quais as diferenças que você nota entre lançar um CD por meio de uma “major” como a EMI e entre lançar um CD na Biscoito Fino?

DVD + Novo de Novo R$ 19,90 (em média)

DVD Zoombido - vol.1 R$ 49,90 (em média)

CD Zoombido - vol.1 R$ 34,90 (em média)

MOSKA - A maior diferença que pude experimentar foi em relação aos prazos. Numa “major” eu tinha prazo pra apresentar repertório, prazo pra gravar o disco, prazo pra lançar o produto no mercado e prazo pra dar certo ou errado. Agora deixo o processo se desenvolver e, quando percebo que ele está finalizado e maduro, eu o publico. Nesses seis anos de vida independente, pude fazer assim com meu DVD , com os CDs/DVDs do Zoombido (programa que Moska apresenta no Canal Brasil e na MPB FM) e agora com meu novo álbum de carreira. Sem dúvida, é um caminho que privilegia mais o processo artístico do que a urgência capitalista. O Muito Pouco foi todo produzido por mim, no sentido de que eu sou o dono da master (os direitos sobre a obra). A Biscoito Fino licenciou o disco por 5 anos. Isso significa que somente ela tem o direito/dever de fabricar e vender o produto por esse prazo. As majors também estão licenciando produtos, e eu acho que a tendência deve ser cada vez mais essa: os artistas serão donos dos seus fonogramas e as empresas negociarão a “exploração” dessas obras como produto.

Como foi o processo de criação do Muito e do Pouco? Você os batizou assim, dividindo o título de sua canção ao meio (Muito Pouco, gravada por Maria Rita em 2005) antes mesmo de chegar ao resultado final

A tendência deve ser cada vez mais essa: os artistas serão donos dos seus fonogramas e as empresas negociarão a “exploração” dessas obras como produto


ou isso só aconteceu depois, quando ambos os trabalhos já tinham suas peculiaridades salientadas? Nos seis anos que fiquei sem gravar, não parei de compor. Quando juntei todas as canções que gostava, o número chegava a 32! Comecei a tentar organizar o Muito Pouco dois anos antes de lançá-lo e fiz de tudo pra cortar excessos e ficar com 12, 13 faixas, mas só consegui chegar a 18 finalistas. Comecei a gravar aos poucos um disco que seria muito parecido com o Muito de hoje. Um disco mais cheio, de banda, com bateria, baixo, teclados, percussão, metais. E, ao mesmo tempo, em casa, no computador, comecei a gravar uns registros muito simples de canções mais intimistas, pensando que estava fazendo uma espécie de “pré-produção” de um outro disco que eu lançaria depois. Quando percebi, já estava apaixonado também por aqueles “registros frugais” que viriam se transformar na quietude do disco Pouco. Quando essa revelação se deu, resolvi imediatamente batizar o projeto duplo de Muito Pouco, nome da canção que considero mais forte no disco, porque traz um discurso literal que eu gostaria de afirmar nesse momento. As fotografias também me ajudaram muito na hora de conceber o “roteiro” das canções. Não é uma história, mas uma biografia de sensações que eu tentei imprimir no projeto.

Muito Pouco é uma canção intensa, que lida de forma direta com a insatisfação e a contradição que fazem parte da constituição de qualquer ser humano. Como você compos esta letra? O Moska pode ser chamado de um insatisfeito contraditório? Esse mundo/vida cada vez menor, onde podemos conhecer o mundo/vida distante de um outro país ao alcance de um click no mouse vai sobreviver se não aprender a admirar a diferença mais do que tolerá-la? A canção Muito Pouco está nessa linha que divide as fronteiras ao mesmo tempo em que as aproxima, onde o mundo/vida é muito (com o excesso de informação, excesso de competição, excesso de violência…) e ao mesmo tempo ainda é pouco (pro que nós, seres humanos, podemos ser). Creio que me reconheço nesses paralelismos, que você chamou de “contraditório”, porque sou (somos) mesmo assim: bons e maus, inteligentes e ignorantes, espiritualistas e materialistas… Dias e noites… Alegrias e depressões… A vida é muito e pouco. Encontram-se felicidades nos intervalos das tristezas. E vice-versa, o vício versa. Meu filho acaba de nascer e meu primo acaba de morrer… “Muito pra mim é tão pouco e pouco eu não quero mais”.

BOX Muito Pouco R$ 47,90 (em média)

CD Muito R$ 37,90 (em média)

CD Pouco R$ 37,90 (em média)


São dois discos para serem apresentados em um único show. Como amarrar conceitos tão diferentes e ainda retomar sucessos antigos em um único espetáculo, sem perder a coesão necessária? Como é o novo show do Moska? O show começa com o Pouco, avança no Muito, recua para o Pouco e termina com o Muito. E, entre um e outro, um pouco de canções antigas com muito sotaque novo. O cenário com projeções de fotografia/video vai sugerindo uma dinâmica que se completa com uma luz teatral. É um show sobre o amor. E nele (no show) poderá se perceber que os dois discos não são tão diferentes assim. Eles são como gêmeos bivitelinos: gerados ao mesmo tempo, filhos do mesmo amor.

Muito e Pouco virarão DVD? Já existe essa possibilidade? Caso aconteça, qual a cara que você gostaria que tivesse o registro de um trabalho tão peculiar? O projeto de hoje é justamente levar o show pra estrada, amadurecer o espetáculo e os arranjos pra poder gravar um DVD. Não sei muito bem a cara que eu gostaria, tento não pensar muito antes de começar. Gosto de ver o que a vida oferece pelo caminho. As coisas sempre me aconteceram assim. A princípio, queria que fosse um filme (com roteiro) e não a filmagem de um show somente. Penso sempre em cinema quando se trata de imagem. Adoro a idéia de que o “modo” de filmar é mais importante do que filmar. Procuro um olhar diferenciado, mais do que um registro.

Maria Gadú e Chico César são dois nomes que participam de Pouco. Por que a escolha destes artistas? Qual foi o seu critério?

Moska e Maria Gadú

Recebo muitas coisas lindas pela internet (poemas, cartas, CDs, DVDs, livros…) mas só consigo ser parceiro de quem conheço pessoalmente, meus amigos. Parceria de criação é algo muito íntimo, quase que sexual. Escolho as pessoas da minha equipe (desde o pessoal da técnica) principalmente pela amizade (mas é claro que tem que ser um bom profissional). Além de serem artistas que admiro, as participações no disco são realmente afetivas. Chico é amigo antigo e Gadú é amiga nova. Zélia é amiga eterna, Kevin Johansen e Pedro Aznar são amigos argentinos e por aí vai.


Você já tem no currículo duas belas parcerias com Jorge Drexler. Em Muito, vemos a participação do Bajofondo. Em Pouco, de Kevin Johansen e Pedro Aznár. O que esses artistas agregaram de especial ao seu som? Acha que a música latina pode conquistar uma fatia maior do mercado mundial e desfazer a imagem estereotipada que muitas vezes se faz dela lá fora? Antes de pensar em “lá fora” temos que pensar em “aqui dentro”, porque é no Brasil que a língua espanhola encontra um problema. No resto do mundo, ela tem mercado e alcance gigantescos. O Brasil perde muito com esse descaso que nutrimos pelo mundo latinoamericano e pelo castelhano. Afinal, eles são muito mais parecidos com a gente do que os norteamericanos ou os europeus. Somos hermanos na origem, no território, no vento. Os artistas argentinos e uruguaios que estão no meu disco agregaram, sobretudo, o desejo do encontro, do beijo de línguas, de música misturada. Nós, brasileiros, fomos cunhados na diversidade, somos consequência de uma mistura de raças, culturas e crenças. Nos tornamos, por conta disso, um povo que admira a diferença: deveria partir de nós esse abraço na América. Mas, equivocadamente, nos colocamos de costas. Enquanto a América do Sul não for um território unido (e isso inclui a mistura de culturas), a lingua espanhola/portuguesa ficará restrita ao estereótipo.

Você ficou por cerca de três anos em turnê, divulgando o DVD + Novo de Novo. Como é, para o artista, o criador, ficar tanto tempo mergulhado no mesmo trabalho? De que maneira as experiências na estrada contribuem para a matéria viva do compositor? O DVD + Novo de Novo foi a filmagem do show da turnê do disco Tudo Novo de Novo, de 2003. Então, na verdade,

Enquanto a América do Sul não for um território unido, a lingua espanhola/portuguesa ficará restrita ao estereótipo


foram seis anos com o mesmo show viajando pelo Brasil, pela America Latina, e pela Espanha. Nunca tinha feito isso antes. Quando eu era contratado de uma multinacional, eu só tinha, por contrato, um ano e meio entre um disco e outro. As turnês eram mais rápidas e a cobrança de sucesso era grande. Desde que me tornei um artista independente (em 2004), os prazos ficaram bem mais livres, com a turnê podendo ser dimensionada pela própria força artística do projeto, e não pela venda de discos. Fiquei seis anos em turnê porque havia demanda, tanto comercial (com pedidos de shows) quanto artística (com o desdobramento de minhas parcerias com os artistas sulamericanos me levando para os países hermanos). Aprendi que meu tempo é outro. Preciso esperar o público conhecer o trabalho lentamente, para que haja uma relação mais profunda e verdadeira.

Você é formado em teatro e cinema pela CAL (Casa de Artes de Laranjeiras) e, em 2001, participou de um filme (Moska viveu o matador de aluguel Enoque no filme O Homem do Ano, de José Henrique Fonseca). Pretende atuar novamente? O que você leva desta sua faceta para o palco hoje? No teatro aprendi a tratar o palco como um lugar de celebração da vida, com suas alegrias e dores. Li textos, conheci autores, desvendei meu corpo, minha voz, minha capacidade de improvisar, de capturar a atenção do público… E aprendi a valorizar o coletivo. Tudo isso eu trago para os shows. Estou sempre “atuando”, brincando de ser um outro, experimentando as possibilidades do eu. Cantar é interpretar um texto com uma melodia/harmonia sustentando as sílabas.

Você já teve canções que acabaram se tornando grandes sucessos de novelas ou minisséries, como A Seta e o Alvo e O Último Dia. Qual a real importância

Aprendi que meu tempo é outro. Preciso esperar o público conhecer o trabalho lentamente, para que haja uma relação mais profunda e verdadeira


que têm os veículos populares de mídia para a difusão e solidificação do trabalho de um artista hoje? Acho fundamental. Uma novela fica 8 meses em exibição e, quando sua música toca, vem acompanhada de uma paisagem, de um diálogo entre dois ou mais atores, de uma cena com uma determinada intensidade… Acho que uma canção de novela penetra de forma diferente na alma do público justamente porque está atrelada a uma história, que é acompanhada dia a dia pelas pessoas. É como no cinema; a canção ganha uma dimensão diferente. O rádio também é super importante, pois é um meio de comunicação muito quente, ao vivo, com os locutores “conversando” com os ouvintes. É como se um amigo lhe dissesse: Olha só essa música, que legal!

É evidente, hoje, a importância dos veículos digitais para a divulgação do trabalho do artista, bem como a consequente interação com seu público. Qual é a sua relação com a internet? Você acredita que o mercado fonográfico esteja realmente ameaçado por causa dela? Prefiro pensar que o mercado fonográfico está se transformando, e não sendo ameaçado. Durante muitos anos, as empresas pagaram caro para produzir um bom disco e tinham que vendê-lo caro para lucrar. Depois isso ficou um pouco abusivo porque as empresas começaram a ganhar muito dinheiro fazendo isso. Acredito que o caminho que a indústria fonográfica vai tomar é de um equilíbrio maior entre artistas, empresas e público. Uso a internet todos os dias. Participo de redes sociais como Twitter e Facebook, vejo videos, escuto música. Acho que nunca baixei uma música. Se quero “ter” uma música, pago por ela. Mas pra que ter uma coisa invisível, que vc pode usar ou escutar sempre que clicar num link? Só compro um CD quando realmente quero possuir uma cópia do que o artista criou, com a caixa, o encarte, as fotos. Não é só pela música.

Você criou, apresenta e produz o Zoombido, transmitido pelo Canal Brasil e que também virou programa de radio (integrando a grade da MPB FM). Como começou esse projeto? Com quem você adoraria dividir o programa e ainda não teve a oportunidade?


Moska e o tal tijolo de vidro

CD Eu Falso da Minha Vida o Que Eu Quiser

CD Tudo Novo de Novo R$ 9,90 (em promoção)

O Canal Brasil (na pessoa do seu diretor geral Paulo Mendonça) me convidou para criar um programa de música que tivesse um bate papo com um dueto no final. Eu vinha experimentando a fotografia e tinha descoberto um modelo de tijolo de vidro que me oferecia uma imagem meio surrealista (com uma espécie de derretimento) quando eu fotografava através dele. Pensei em misturar as linguagens, já que o Canal Brasil é uma emissora essencialmente de cinema. Propus uma série em que, além da conversa sobre criação, as canções executadas e o dueto final, eu também fizesse um registro fotográfico desses compositores através do tijolo. Surgiu assim o Zoombido (o Zoom da camera se misturando com o som) e eu já gravei com mais de 130 autores, em cinco anos de programa. Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco, Martinho da Vila, Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhoto, Fagner, Guinga, Frejat, Nando Reis, Lenine... A lista é enorme, o Brasil é um país que transborda música e criadores de canções. Acho que daria pra fazer uns dez anos de programa sem dar conta da beleza e diversidade da música brasileira. Entendo que alguns artistas não queiram ou não possam fazer o programa. Às vezes por falta de tempo, outros porque não gostam mesmo de gravar programas de TV, uns porque não gostam de mim ou do meu trabalho, enfim. Existem muitos motivos que levam um artista a topar fazer determinadas coisas. Adoraria gravar com Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque, Jorge Ben Jor, Marisa Monte, Paulinho da Viola, Lulu Santos, Marina Lima, Rita Lee, Lobão, Roberto Carlos… Eles foram convidados em todas as temporadas. E serão sempre, porque o Zoombido é um tributo à canção e seus autores. Exerço uma generosidade imensa no programa, recebendo compositores de todos os estilos, sem preconceito ou distinção, e consigo admirar as diferenças de cada um e privilegiar a boa energia do encontro. Adoraria que esses grandes compositores que ainda não foram no Zoombido tivessem essa dimensão. Faço tudo com um amor imenso. E as câmeras são lindas… E o som é bom!

Você é um notório apaixonado por fotografia (Moska reuniu, entre os anos de 2001 e 2003, 2.500 autorretratos feitos durante as viagens da turnê do disco Eu Falso da Minha Vida o Que Eu Quiser. Alguns serviram de inspiração para canções do disco seguinte, Tudo Novo de Novo, ilustrando, inclusive o encarte do CD). Ela ainda ocupa parte do seu tempo atualmente? Podemos dizer que a foto-


grafia é mais uma forma de expressão do artista multifacetado que é o Moska, que já canta, compõe, produz e atua? Não sou cantor, não sou músico, não sou ator, não sou fotógrafo, não sou apresentador de TV, não sou locutor de rádio. Sou um compositor, na medida em que “compor” é “juntar coisas”. Eu junto um pouco de canto com um pouco de música, com um pouco de fotografia, com um pouco de teatro, com um pouco de TV, com um pouco de rádio. E componho. A fotografia está na minha vida na mesma medida que as outras práticas: pela felicidade de experimentá-la. Fazendo muitas coisas me livro da necessidade de ser o melhor em uma delas. E potencializo cada prática através da outra. A fotografia me leva a um poema, que me leva a uma canção, que me leva a um show, que me leva a um teatro, que me leva ao cinema, que me leva de volta a fotografia. No roteiro dessa viagem, os dias sendo vividos com intensidade e entrega, para que as sensações me entorpeçam de poesia.

Conhecemos bem o legado que você vem construindo nos últimos anos. Mas o que o Paulo Corrêa de Araújo ouviu que influenciou diretamente o Paulinho Moska que ouvimos? E hoje, o que você anda ouvindo e lendo no cotidiano?

Sou caçula de família grande. Quando nasci, minha casa já era inundada de música. Meu pai ouvia clássicos com orquestras, minha mãe era louca por Roberto Carlos, o irmão mais velho gostava de rock, o segundo de MPB, e minha irmã dos homens bonitos (Peter Frampton, Roger Daltrey, Rick Wakeman e Fabio Junior). Na área de serviço, as empregadas escutavam a música “brega” e maravilhosa de Odair José, Waldick Soriano e Sidney Magal. Reunida, a família desfrutava também de bossa nova, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Milton Nascimento. Hoje escuto e leio menos. Trabalho tanto que não consigo ouvir os discos que gostaria nem ler os livros que compro. O mundo está cada vez mais vasto e mais acessível. É uma loucura tentar ficar bem informado. Então, ando reescutando e relendo coisas que já gosto há muito tempo, talvez pra buscar uma sensação de ninho: Beatles, Bjork, Beck... João Gilberto, Elza Soares, Novos Baianos... Céu, Jobim, Ben Jor... Saramago, Neil Gaiman, Paul Auster...

Para terminar. Neste momento de tantas mudanças no cenário político nacional com o acontecimento das eleições, qual é o Brasil com que você gostaria de presentear seus filhos (Moska é pai de Antônio, de 13 anos, e Valentim, de 2 meses)? Gostaria de presentear meus filhos com um Brasil menos cínico e mais coerente.

Não sou cantor, não sou músico, não sou ator, não sou fotógrafo, não sou apresentador de TV, não sou locutor de rádio. Sou um compositor, na medida em que “compor” é “juntar coisas”




O justiceiro do

CANGAÇO por MARCELO SAYEG

Q

uatro dias depois, um zunido cortava como uma navalha o silêncio seco do planalto central.

— Pode deixar “dotô”, eu faço o serviço! - disse resolutamente pouco antes de sorver de um gole só toda a aguardente que jazia em seu copo. Virou o copo ao contrário e o bateu sobre a foto mais acima de uma pilha de pouco mais de uma dezena.

Um presságio aziago, moldado em liga de chumbo com ponta oca apressava-se a seu destino. Poucas cores compunham um cenário de fundo azul com duas grandes faixas brancas e dois semicírculos na mesma cor. Em poucos instantes o quadro ganharia mais uma pincelada, e o branco cândido seria maculado pelo vermelho vivo do sangue e o negro da morte. Gritos, alvoroço, correria. Em algum outro ponto na cidade projetada, algum feirante abria uma melancia ao meio sem ao menos saber o que se passava a alguns poucos quilômetros dali.

— Até que ficô mais bonito. - pensou Jão das faca ao sair do lugar aonde havia escolhido para rasgar a primeira foto, da pequena pilha que recebera quatro dias antes de um senhor bem vestido e de aparência distinta.

Jão havia dedicado boa parte da vida ao exército. Aos 18 anos compareceu ao quartel já com as malas feitas, queria alistar-se e se tornar um militar respeitável. Seu pai o havia, desde muito pequeno, enaltecido os grandes feitos dos generais de outrora, e dizia repetidas vezes que se ele fizesse carreira no exército seria respeitado por todos, teria dinheiro, poder e uma vida cheia de regalias. Anos mais tarde quando se tornara sargento, seu pai ficou tão empertigado com a conquista do filho que a todo canto que ia fazia questão de contar o feito a quem quer que fosse, mesmo que já o tivesse feito antes. Até que um dia ao sair de pernas rebeldes de um boteco onde a única coisa limpa era o álcool, caiu rosto ao chão. Tentou se levantar e sentiu o peso molhado em sangue do chumbo alojado em suas costas.


Cerca de um mês depois aconteceria outro assassinato, naquele mesmo boteco sujo, e como resultado final, Jão veria o fim de sua carreira no exército. Não por ter sido expulso, mas por nunca mais ter voltado. A algumas centenas de quilômetros dali, arrumou emprego e matava galinhas para viver. Até que o único amigo que fizera, a quem abrira parte de seu passado certa noite enquanto inebriado pela bebida, o abordou de rosto inchado contando-lhe que um tal qualquer o havia enxotado de sua própria casa aos pontapés, conferindo-lhe a fama de “corno-frouxo”. Jão ficara tão enraivecido com o causo que resolveu vingar o amigo sem cobrar-lhe nada. — É mais fácil que matar galinha, pelo menos o bicho não fica batendo as asa sem cabeça por aí parecendo coisa do tinhoso.

Contou horas mais tarde ao amigo vingado, enquanto brindavam às risadas. Em pouco tempo começou a ser abordado pela mais variada sorte de pessoas, todas com histórias de injustiça que o aviltavam. Acabou, em virtude dos acertos de contas, a ganhar certa notoriedade como justiceiro, e foi assim que o tal senhor bem vestido e distinto tomou conhecimento de sua existência. Num desses dias em que a terra parece se diluir no ar formando uma cortina fina e imanente de poeira, Jão bebia sua cachaça do meio dia quando o carrão lustroso parou na frente do boteco, bem na hora acordada. Uma boa soma em dinheiro lhe foi prometida e ouviu histórias de injustiça e canalhice tão grandes que faria o serviço mesmo que não ganhasse nada. Segundo o “dotô” ele teria tudo o que precisasse. Ganhou um telefone celular só para se comunicar com o seu contra-

tante e teria todos os gastos cobertos e as ferramentas para o serviço. — Você se preocupe em fazer o serviço, o resto deixe por nossa conta. Dependendo de como for, terei ainda um outro trabalho pra você logo depois. E Jão, por medo de voar, rumou ao sul de ônibus. “MORTE EM BRASÍLIA, POLÍTICO ENVOLVIDO EM ESCÂNDALOS DE CORRUPÇÃO É ASSASSINADO.” – Lia-se na primeira página de um dos jornais de maior circulação no país. Era meio dia, e Jão sentia a cachaça escorregar goela abaixo enquanto um pequeno burburinho se apinhava frente à miúda televisão em cima de um engradado de bebida. De repente sentiu a bebida entrar em contradição e querer subir de volta ao invés de descer. “Meu nome é Jão das faca, fui eu que matei aquele safado e vô matá todos os outro safado que acham que pode ficá no bem bom, roubando dinheiro do povo pra andá de carrão. É currupto? VAI MORRÊ!!! E vai morrê com balaço no meio da fuça! Rouba agora, seus bando di féla da puta!” Jão não acreditava, era a voz dele vindo da televisão. Se engasgou todo e sentiu as orelhas ferverem. Não podia ser. Até o fundo era do casebre onde morava. O rosto estava coberto, mas as roupas eram as suas e a voz também. “Minha nossa senhora, mai eu não lembro de tê feito isso aí!” – pensou. Ainda atônito por ver à sua frente uma memória que não tinha, olhou para o resto do copo de cachaça pela metade e resolveu deixá-lo lá. Estava escondido em cima de uma árvore. Era noite e Jão havia seguido o


rosto na foto durante alguns dias. O tal, entrava de carro pelo portão e saía do carro enquanto este ainda se fechava. Tinha pouco menos de um segundo pra conseguir atirar. Passara três dias observando o sujeito corpulento e tentando encontrar o melhor momento. Até que um dia algo caprichosamente resolveu cair de sua mão quando ele saía do carro. O portão se fechava e Jão viu a cabeça do grandalhão descer até ficar bem visível. Acertara em cheio, só não esperava que ele fosse ficar naquela posição. Morrera com a cabeça ao chão e o gordo traseiro levantado para o céu. Meio dia, Jão sentado no mesmo boteco olhava pra televisão. Tomava refrigerante. “Mais um político é assassinado! Ontem à noite, por volta da uma hora da manhã, o corpo foi encontrado dentro de sua casa. A perícia afirma que a bala pertence à mesma arma responsável pelos assassinatos nos últimos dias.” – anunciava a repórter engomadinha em tom dramático. “Asssassinatos?” – pensou Jão. “Mas pera lá, eu só liquidei mais um safado, esse é o segundo!” “Uma série de assassinatos aconteceu nos últimos dias, resultando na morte de cinco políticos, entre senadores e deputados, todos atribuídos ao personagem a quem o publico concedeu a alcunha de Justiceiro do Cangaço.” – disse a repórter. Jão encheu-se de raiva. “Justiceiro do Cangaço? Do Cangaço??? Mas que merda é essa, eu não sou cangaceiro, nunca fui e nunca vou ser, gente mais burra dos infernos!” - Pediu uma cachaça, jogou metade no chão e bebeu praguejando. “Será que eu consigo?” – pensou Jão ao ver dois rostos conhecidos saindo

juntos de um prédio, acompanhados de uma série de seguranças que mais pareciam uma muralha de terno negro. Respirou fundo e prendeu a respiração. Mirou bem na cabeça de um deles. Sentia um vento vindo do oeste, reposicionou a arma. Colocou o dedo suavemente no gatilho e antes de apertá-lo viu um de seus alvos ir ao chão. Não entendeu nada. Olhava para os lados desconcertado, procurando de onde viera a bala e viu um furgão de reportagem acelerar à sua esquerda. “Mais que diaxo!” – pensou. Tratou de desmontar a arma e foi calmamente para o boteco ver o noticiário. “Dois assassinatos entre ontem e hoje.” – anunciava a repórter. “Ontem, por volta das oito na noite, o corpo de um ex-governador foi encontrado perto de uma praia no Rio de Janeiro. Segundo a policia local o político havia jantado e se encaminhava para sua residência, a poucas quadras dali. Hoje, durante a tarde, mais um político foi vitima da série de assassinatos enquanto saía de uma reunião de partido em Brasília. O vídeo a seguir foi colocado na internet há cerca de uma hora e já possui milhares de acessos.” Jão descansou o copo na mesa e grudou os olhos no televisor para se deparar com mais uma memória inexistente. “Fui eu mermo que matei! Eu disse que esses safado ia tudo morrê! Só tem ladrão vagabundo na política e pra mim ladrão vagabundo tem que morrê com tiro no meio dos óio! Quero vê agora esses pilantra tudo morrendo de medo! E aí, quem é que vai continuá robando? ROBÔ, MORREU!!!” - vociferava o suposto Jão das faca na televisão. O Jão das faca no boteco desviou o olhar. Ficava tentando entender como que ele tinha ido parar ali falando aquelas


coisas. Olhou pro copo de cachaça. Olhou para a televisão novamente. Viu um povo feliz bebendo cerveja, cheio de mulher bonita em volta. Olhou pro copo novamente. Bebeu a cachaça e deu risada. “Se tão fazendo meu serviço por mim, melhor ainda!” – concluiu. Só faltava mais uma foto. Só mais uma e Jão ia poder voltar pra sua terra, onde ele não tinha um gêmeo doido que falava coisas por ele em rede nacional. Naquele ponto já havia político caindo duro com tiro na cabeça até no Rio Grande do Sul. Aparentemente, todas as balas pertenciam a uma mesma arma, segundo a perícia policial. Outro tanto de ex-políticos ainda vinculados a partidos começaram a desaparecer. Especulava-se que tinham saído do país, com a desculpa de um ano sabático. Jão nem assistia mais o noticiário, estava farto de se ver na televisão e ouvir o nome “justiceiro do cangaço”, o que o irritava terrivelmente. Lembrou das galinhas batendo as asas sem a cabeça, rodopiando loucamente. “Esse mundo tem cada coisa.” – divagou. Queria acabar com o serviço e ir-se embora, voltar pras galinhas talvez. Esse último estava dando trabalho. Andava sempre rodeado dos truculentos seguranças de óculos escuros. Era baixinho o safado, mal dava pra vê-lo direito. “Pelo visto esse tem culpa no cartório mesmo!” – pensou. Ficou seguindo o sujeito durante vários dias, já um tanto irritado por não conseguir nem um momento que fosse para liquidá-lo. Resolveu ligar para o seu contratante, havia tido uma idéia, mas ia precisar de equipamentos novos.

— Alô, dotô? — Oi, João. — É Jão, dotô! — Muito bem, Jão, o que você precisa? — Olha, primeiro eu quero entendê como é que eu fui pará na televisão. — João, como eu disse, preocupe-se com o seu serviço, o resto deixe conosco. — Tá, tá bom. Olha, já to terminando, mas esse baixinho safado ta me dando um trabalho danado. — Sim, João. Aliás, parabéns pelo trabalho bem feito. — É Jão, dotô! — Afinal, do que você precisa? — Olha dotô, vô precisá de umas coisa nova aí por causa de que, assim, de longe só com bala não tá dando mais pé não. Tem pobrema? — Problema nenhum João, contanto que você termine o serviço. — É Jão, dotô. — Certo, Jão. E quais são os equipamentos novos que você vai precisar pra terminar o serviço?

Dois dias depois, o céu se iluminou quando, por volta das dez da noite, o carro que levava o baixinho com culpa no cartório, foi levantado aos ares pela força da explosão. “Acho que exagerei na mão.” – concluiu Jão, enquanto assistia a bola flamejante de metal retorcido se derretendo a algumas centenas de metros dele. Pronto, estava feito, agora Jão podia ir embora. Não via a hora. Sentia-se satisfeito consigo mesmo, havia feito um


trabalho digno de um sargento do exército. Seu pai com certeza se orgulharia. Pouco importava que os noticiários houvessem começado a chamá-lo de terrorista. Bebia sua cachaça com tremendo regozijo. Lembrava-se das galinhas sem cabeça e caía na risada sozinho. Foi dormir aquela noite pensando se o exército o aceitaria de volta. — Alô, dotô? — Oi, João! Parabéns por ter conseguido completar o serviço. — Obrigado, dotô, mas acho que exagerei na mão nesse último aí, mas também já tava cansado de ficá atrás desse safado. E é Jão, dotô. — Não foi exagero, João, não se preocupe, foi perfeito. Imagino que você queira voltar pra sua terra. — Quero sim dotô, mas quero o pagamento primeiro. Óia, eu nem cobraria por causa do que esses safado fizeram, mas é que me deu um trabalhão do diaxo. Quero sussegá na vida, dotô. — Tá certo João. Faça o seguinte: me encontre amanhã às sete da noite, na rua do lado da rodoviária. Assim você recebe e já embarca de volta. Pode levar a arma com você, de presente. — Tá certo, dotô! Sete horas tô lá. E é Jão, dotô!

Sentiu-se cegar por uma miríade de flashes de câmera quando, às sete e três, no dia seguinte, de malas à mão, foi abordado por uma enorme quantidade

de holofotes e carros de polícia. “PARADO! SOLTE TUDO E COLOQUE AS MÃOS PRA CIMA!” - ouviu de um dos policiais. Mal conseguia abrir os olhos com tantas luzes voltadas para si. Largou tudo ao chão. Dentro de sua mala ainda estava a arma que havia ganhado de presente pelo serviço. Sentiu alguém arremeter-lhe os braços por trás. O metal opressivo das algemas machucou-lhe os pulsos. Um amontoado enorme de câmeras focalizava seu rosto enquanto a policia tentava dispersar os microfones que se lançavam à frente, na tentativa de conseguir uma palavra ou duas do já folclórico justiceiro. Num dado momento, Jão das faca olhou para trás, pois se sentiu violentamente empurrado. Viu então o mesmo senhor distinto que o havia contratado. Logo atrás dele, segurando-lhe pelo braço. — Quê que é isso, dotô? O sinhô me contrata pra fazê o serviço, eu faço tudo direitinho e agora o sinhô vai me joga em cana? Que safadeza é essa, dotô? — Calma, João, calma. Como eu disse, se tudo desse certo eu teria um outro serviço pra você.

Ao fundo, em meio à multidão, ouviuse alguém bradando a plenos pulmões: “JÃO DAS FACA PRA PRESIDENTE!” — Ouviu isso, João? – disse o “dotô”. — É JÃO, DOTÔ!



por ERIKA BUENO

E

mbora a democracia se faça presente desde o início do nosso convívio social, que ocorre na escola, simplesmente desaprendemos a votar ao longo da vida. Os primeiros exercícios democráticos acontecem durante a infância e a adolescência, por meio de votações simbólicas para escolher a próxima brincadeira, o filme que será visto no cinema com os amigos, entre outras decisões sem qualquer caráter oficial ou relevância, mas, ainda assim, são os primeiros passos de futuros eleitores. Das decisões sem caráter oficial tomadas por jovens nos ambientes escolares, a que mais se assemelha a uma eleição propriamente dita é a escolha, por exemplo, de um representante de sala. Temos, ainda, as comissões de formatura, como exemplo de formação de partidos políticos.


Saber

VOTAR


Ao ser requisitada a escolha de um representante de sala, a turma naturalmente elege a pessoa mais capacitada para a função, tomando por base a convivência em sala de aula. Não votam às cegas, pois conhecem de perto as virtudes – e principalmente os defeitos – de cada candidato a representante. Sob este ponto de vista, não parece cedo um jovem poder votar aos dezesseis anos. É o ápice da sua consciência democrática – pois ele conhece de perto o mecanismo de candidatura e votação – e também do que podemos chamar de “bom senso eleitoral”, pois ele sabe em quem está votando e, sendo assim, não parece ser prematuro conceder este direito aos adolescentes. Infelizmente, esta capacidade natural de avaliação decai com o tempo. Quando somos adolescentes, o importante mesmo é saber que nossa turma tem um bom representante de sala, que tenha diálogo com a diretoria e a coordenação, que consiga melhorias e diversão. Dificilmente o aluno encrenqueiro é escolhido para o cargo. Quando nos tornamos adultos e precisamos escolher nossos representantes no governo, simplesmente paramos de pensar e nos acomodamos repetindo frases como “todo político é corrupto”, “vou votar em qualquer um, pois todos não prestam”, “vou anular meu voto”, “que se danem as eleições... Quem nunca ouviu e/ou disse algo assim? Desaprendemos a votar. Desaprendemos a usar a democracia – pela qual tantos lutaram na história recente do Brasil – a nosso favor e entregamos nossas cidades, estados e nosso país nas mãos de pessoas que não conhecemos e, pior, não fazemos a mínima questão de conhecer. Ao nos tornarmos adultos, passamos a dar tiros no escuro justamente com as votações relevantes. Um sistema composto pelos alunos de uma sala de aula, com o sub-grupo de alunos-candidatos, é uma analogia em escala microscópica, mas sua importância é fundamental, já que é na escola que deveríamos aprender a votar, ou melhor, deveríamos guardar esta lição conosco por toda a vida. Acabamos deixando isso de lado, comodamente apoiados em propagandas eleitorais descaradas, que mostram candidatos como super-heróis, e nos


contentamos em votar na mistura do “menos pior” com o detentor da melhor propaganda, ainda que o “menos pior” seja figurinha conhecida, repetida e carimbada de escândalos. A culpa não está, acredito eu, somente na população, na escola, na mídia ou nos políticos. É um círculo vicioso que nos leva a desaprender a votar. Infelizmente, em muitas escolas ainda a “decoreba” de matérias se sobrepõe ao raciocínio, ou seja, os estudantes são simplesmente adestrados, não aprendem a desenvolver um senso crítico apurado. Aliado a isso, temos a falta crônica de memória do brasileiro e os brilhantes profissionais do marketing eleitoral, vendendo a imagem de santos e heróis que aguardam o seu voto. O que você e os quase duzentos milhões de brasileiros fazem? Nada. Apenas continuam votando de maneira inconseqüente, elegendo continuamente figuras duvidosas e pífias. É necessário educar a população para que esta volte a ter memória, utilizando-a para seu próprio benefício. A educação deve primar pelo estímulo do raciocínio crítico, desde a mais tenra idade, ainda que os primeiros exercícios sejam somente votações simbólicas em uma sala de aula. Se um jovem pode obter seu título de eleitor aos dezesseis anos, ele deve estar plenamente preparado para avaliar os candidatos de maneira tão consciente quanto avaliaria um possível representante de sala. São noções que não podem ser perdidas à medida que nos tornamos mais velhos. Deveria ser natural à população querer saber quem são seus atuais representantes, quem são os candidatos e o que fizeram no passado. Os veículos de comunicação deveriam ceder espaço não somente à propaganda política, mas, principalmente, à prestação de contas dos governantes. Dentro de uma sala de aula, o representante está sob constante vigilância de toda uma turma, e assim deveria ser com cada vereador, prefeito, deputado, senador, governador e presidente antes, durante e depois de cada mandato. Por isso, só reaprenderemos a votar no dia em que essa cultura de “conhecer em quem se vota” e “manter sob vigilância constante” for passada adiante.


Seu voto em

PONTOS


por JUAREZ CRUZ

V

ocê nunca sabe quem são os maiores interessados em pesquisas eleitorais ou, até mesmo, se é capaz de mudar sua opinião ao acompanhá-las. Os institutos de pesquisas lucram com elas, além de terem o contratante (que pode ser um jornal, uma rede de TV, emissora de rádio, etc.), tem também e os candidatos.

quer tirar dúvidas quanto a seu candidato já escolhido, o próprio site do TSE tem possibilidades de mostrar se o candidato está realmente apto aos cargos que poderá assumir se eleito. Além de informações sobre a legenda do partido, o site oferece links para a página do candidato e suas propostas.

Nossa questão acontece quando os referidos institutos operam de acordo com os seus clientes e suas respectivas vontades. O quanto realmente pesa então o interesse do eleitor nas pesquisas realizadas?

Vale lembrar que a fonte de pesquisa mais confiável e segura, longe de manipulações e negociatas, é sempre a sua. A troca de informações, e até a fonte de pesquisas, pode ser em fóruns de discussões que, em sua maioria, trocam opiniões e dúvidas válidas.

Por diversos resultados obtidos recentemente, vê-se que é muito pouco, especialmente quando você configura um tipo de eleitor que, desde o início das eleições, já tem seu candidato definido. Nesse caso, resta nivelar mais outros prováveis tipos de eleitores existentes: o influenciável, que dará muita atenção aos resultados de tais pesquisas, e o eleitor indeciso. Tal movimento origina uma cadeia. O eleitor sente-se influenciado a votar (principalmente o que for influenciável e o indeciso) e opta pelos que estiverem nos topos das pesquisas, afetando possíveis novos resultados. Nasci, assim, a influência da pesquisa no eleitor indeciso.

Votos brancos ou nulos favorecem o candidato que estiver em vantagem, mesmo que muitos ainda acreditem que, se atingirem mais da metade dos votos, as eleições poderão ser anuladas com direito a novos candidatos. Essa teoria seria de grande valia se não fosse a Lei nº 4.737/65, que, em seu artigo 224, predispõe: Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do estado nas eleições federais e estaduais, ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Para evitar imbróglios dessa natureza, o caminho mais justo e menos conflituoso seria que as pesquisas inclusas do site do TSE, por exemplo, contivessem todas as regiões e bairros onde foram realizadas. Essa prática, obviamente, não ocorre.

Sendo assim, o voto consciente é sempre a única opção para que não nos tornemos motivos de piada e, muito menos, mereçamos candidatos palhaços, mulheres-frutas e sub-celebridades decadentes.

Ainda assim, uma boa dica para quem se cansou do horário eleitoral gratuito e

Tenha certeza que o seu direto ao voto é um bem inestimável e insubstituível.



WHEELS of fortune

por PAWEL LITWINSKI







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Ars

LONGA vita BREVIS por THAMIEL DUAIK


D

isse uma vez Hipócrates, o que, para o vernáculo, significa ‘arte longa, vida breve’. Esta máxima expressa a idéia de que toda uma existência é ainda curta para o aperfeiçoamento de um artista, segundo requer a própria arte. Casos há, contudo, em que o artista, por sua genialidade, traz em si a arte pronta, completa, de tal forma que o espaço da vida, em sua brevidade, apresenta-se não como meio de seu aprimoramento, mas apenas como palco para expressá-la. Para tais artistas, a vida é pequena demais para sua arte.

Não raro nos deparamos com nomes que morreram antes que pudessem concluir uma obra, deixando-a incompleta. Má sorte, dirá o leitor. Deus quis assim, diz aquela sua avozinha carola. A morte é inexorável, não é isso? Eu acompanho esses fatos de forma um pouco diferente: Para os Mestres Consumados, tudo parece agregar valor a sua obra, em um movimento deliberado, intencional de criação – até mesmo bater com as dez. A incompletude é da essência de toda arte – ainda que acabada, uma obra somente existe em razão de seu


observador, que irá concebê-la nos limites e em função de sua interpretação. Não há artista sem platéia. Wolfgang Amadeus Mozart, cujo pequenino nome de batismo era Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, nasceu na Áustria, na cidade de Salzburgo, em 1752, e morreu em 1791, em Viena, contando com míseros 35 anos, deixando uma obra de mais de 600 peças, muito mais numerosa do que os anos vividos. Sua última foi o Réquiem em Ré Maior (K. 626), escrita no ano de sua morte, que se deu antes que ele pudesse concluí-la. Mesmo assim, é considerada uma de suas mais belas e afamadas obras. Embora tenha sido composta sob encomenda, paira a lenda de que Amadeus teria anunciado de que estaria escrevendo o Réquiem para sua própria morte, a ser tocada em sua missa de sétimo dia. É, eu sei, sombrio. A questão é que, por mais que eu a escute, não consigo sentir falta de um final, a obra está perfeita. No caso dele, nem a eternidade seria suficiente para expressar o todo de sua genialidade. Leonardo da Vinci, ou melhor, Leonardo di ser Piero da Vinci. Cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico (e, segundo Roberto Gómez Bolaños, nas horas vagas, cambista do Maracanã). Possui várias obras inacabadas, dentre as quais destaco A Adoração dos Magos, considerada uma referência na composição pictórica. As figuras esboçadas, os rudimentos de paisagem, de personagens, vindo das mãos do Gênio, se tornam ainda mais expressivos inconclusos, talvez pedindo de quem a contempla o exercício da imaginação para vê-lo completa. No que me cabe entender, se melhorar, com certeza estraga. O mesmo ocorre com São Jerônimo no Deserto, também de Da Vinci. Talvez o fato de estar inacabada é que realce a feição dramática do santo, em sua expressão de penúria.

Réquiem - I. Introitus


Na Literatura, o fato terem sido publicadas após sua morte, todas de forma incompleta em capítulos e estória, não impediu de fazer de O Castelo e O Processo as duas maiores obras de Franz Kafka. Avançando um pouco até nossos dias, Heath Ledger, ator australiano, teve na morte seu melhor agente. Reconhecida que seja a sua atuação em The Dark Knight, trata-se, no fim das contas, de mais um filme sobre o Homem Morcego, com lutas e explosões. Seu maior chamariz foi, certamente, o registro do potencial de um grande ator, que partiu antes de poder expressá-lo.

The Dark Knight

O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus

Este é mais um dos fascínios trazidos pela verdadeira arte: tudo pode ser utilizado para expressá-la. Se estamos diante de uma genuína construção artística, a eventual ausência do fim acaba por ser o próprio fim – a morte é um elemento de composição. Inacabada, nunca incompleta. E assim é porque, insisto, a descontinuidade é um dos principais caracteres da arte. Se você dá fim a uma obra, você a mata. Uma masterpiece jamais prescindirá do observador, em cuja interpretação ela acontecerá infinitamente, tantas vezes quantas sejam as pessoas que a contemplem. Tal como um circuito que deve se manter aberto, sob

Da mesma forma, seu último filme, O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, dirigido por Terry Gilliam, membro do magnífico Monty Phyton, prima pela invenção, efetivamente filha da necessidade, de ter seu papel dividido com Johnny Depp, Jude Law e Collin Farrel, num resultado que, se tivesse sido premeditado, não seria tão incrível. Na música, a morte seria a melhor estratégia para requentar a carreira de artistas esquecidos, ou relegados a um segundo plano, não fosse ela quem é. Raul Seixas e Michael Jackson que o digam.

pena de percorrer sempre o mesmo caminho, a arte deve sempre se valer de espaços vazios, lacunas a serem ocupadas por uma interpretação individual, de tal forma que quem a consome acaba também por criá-la. Assim, nesse silêncio eloquente, venha ele da morte ou da intenção deliberada do artista, somos todos convidados a conhecer a arte que existe não na obra ou em nossa interpretação, mas somente enquanto comunhão entre ambos, em uma simbiose que dialoga com o sagrado. Talvez também por isso o poverello tinha a morte por irmã. Arte longa, vida breve. Sorte nossa.


BRASIL TEATRAL S贸 com茅dia e musical? Um paralelo entre o Jekyll e o Hyde social

por YASMINE COLUCCI


H

oje em dia, as peças encontradas em São Paulo que adquirem uma grande quantidade de público envolvem: o cômico ou o musical. E fico pensando, o que faz desses gêneros tão assistidos? E por que os dramas são menos queridos pelas plateias e só são mais comentados quando atuados por famosos? Daria uma resposta básica agora de: “drama já basta à vida!” Mas o que faz um texto e uma peça, não é o drama? Do que constitui as tão famosas novelas, não é o drama? Portanto, “Dramatizar ou não dramatizar, eis a questão!”. O que é melhor: roteiros que criem graça, espetáculos que deixam você de queixo caído, boas atuações ou histórias que façam você chorar até se acabar? Às vezes, isso pode aparecer em uma peça só... Mas, é importante pensar qual é a posição dos produtores/atores/diretores nesta questão? Se for somente agradar ou não agradar? Fazer o que deseja ou vender ingressos na bilheteria? Ultimamente, os palcos paulistanos estão cheios de peças cômicas que servem apenas para gerar piadas toscas que envolvem sexo e preconceito. Não acrescentam nada e ainda têm atores que riem em cena dos próprios cacos. Há, claro, exceções. Porém, até que ponto é isso que o público quer? Uma comédia, numa sexta feira à noite, por exemplo, muitas vezes é vista por grupo de amigos que depois vai para o bar ou tem outras programações noturnas em mente. O importante, nessa concepção, não é a peça em si, é se distrair e rir de coisas “banais” que, para o trabalho do ator, muitas vezes não se acrescenta. Um exemplo de peças que faz o público rir do começo ao fim, e ainda o leva a completar as piadas faladas pelo elenco, é “O Amante do Meu Marido”. Os atores criam um clima agradável, o qual parece que aquele espetáculo está acontecendo agora na sua casa e que você pode interferir a qualquer momento na vida deles.

Trecho da peça O Amante do Meu Marido

As piadas giram entre a suposta homossexualidade do marido, da suposta virgindade da empregada e da tentativa de conquista de um homem desconhecido na mulher do suposto homossexual. Portanto, as questões sexuais tornam-se pratos quentes para fazer a plateia gargalhar. No fim, a comédia consegue exercer sua função: fazer rir.


Mas aí que bate o ponto, os textos começaram a fixar em assuntos que os roteiristas sabem que geram graça, tendo em vista de que esses assuntos causam constrangimento, (pelo fato que são assuntos polêmicos dentro do contexto social) e são, de certo modo, aquilo que as pessoas gostariam de falar, e, às vezes, só têm coragem de realizar com amigos íntimos. Assim, esse tipo de peça torna-se, vamos dizer, uma conversa de bar em que as pessoas já extravasaram de tanto beber “álcool” e escancaram seus medos, suas questões sexuais, soltam palavrões e falam de qualquer assunto. Essa realidade que acontece nesses lugares é retratada nessas peças: o fato de falarem aquilo que ninguém consegue soltar, a não ser em algumas situações comentadas anteriormente. Agora, vamos refletir, a peça de comédia, se por pensada por esse ponto, libera um drama – sim, um drama melodramático, um drama escondido. Um drama, por pensar que certos assuntos (como a homossexualidade) geram motivos de riso e piada. Assuntos que não deveriam ser “motivos de riso”. Porém, pela ‘ridicularização’ que é causada, leva o público a rir das situações que são expostas, sem parar para pensar no preconceito embutido nos textos. E aí segue uma questão: rir das atitudes estereotipadas de uma personagem homossexual em uma peça é condenável? Ou, por ser tratada como arte, não é algo discriminador? Então, a arte pode humilhar grupos? Pode causar o riso de algo que não conseguimos falar abertamente, de algo que nos constrange? Por meio dessas peças, nossas risadas podem simbolizar que estamos concordando com o que é mostrado; ou que estamos nos constrangendo com o assunto; ou ainda que estejamos nos libertando. Porque, de certa forma, essa risada é nossa libertação por algo que, às vezes, não vamos ter coragem de falar livremente por medo das concepções sociais. Então, quando rimos, é como se pudéssemos dizer o que não é dito por nós – isso causa uma sensação de liberdade. Nós não precisamos comentar estes temas tratados nas peças. Nos divertimos e aceitamos. É como se nós falássemos sobre eles, mas não podemos ser “condenados” socialmente por isso, devido ao fato de que não falamos diretamente deles, apenas assistimos uma peça em que eles são mostrados. E a arte, portanto, não deve ser condenada. Ao conceber isso, percebemos que as peças cômicas tornam-se dramas dentro de nós, sem ao menos termos feito uma percepção disso. Como amigos num bar: bebem para aliviar o stress da semana, acabam ficando loucos de tanto beber e depois se arrependem de coisas que fizeram, ou nem se lembram de ter feito. Pode ser que ninguém pare para discutir o que há nessas peças de comédia que nos fazem rir, mas, ao falar disso, percebemos que, por meio delas, rimos de temas que são, muitas vezes, preconceituosos e, portanto, condenáveis.

Os preconceitos, sofrimentos ou dramas mudam de concepção em um musical, viram arte-poesia. A música vai embalando o peito da plateia, que aplaude a cada número. É fantástico ouvir aquelas vozes, ver


aquelas danças, sentir aquelas expressões verdadeiras. E quem nunca parou para se colocar no lugar daquelas personagens? O que elas vivenciam pode trazer a recordação de algum momento vivido ou desejado por nós. No momento que escrevo essa parte, escuto a música “Seu olhar” do musical “Jekyll & Hyde – O Médico e o Monstro”, cantada por Kiara Sasso e Kacau Gomes. Sugiro que vocês façam uma pausa para escutá-la. Essa música mostra o drama das personagens Ema e Lucy, que se apaixonam por um mesmo homem. Ambas não se conhecem. Ema é a única que realmente pode ficar com Jekyll, pelo fato de ser uma moça de família e socialmente adequada para ele. Os dois são apaixonados um pelo outro. Já Lucy, é uma prostituta e, apesar de Jekyll ser encantado por ela, eles não podem ficar juntos. Lucy vê em Jekyll o único ser humano que a tratou de forma carinhosa. Emma, por mais apaixonada que esteja, está preocupada com o comportamento estranho do noivo.

Trecho da peça Jekyll & Hyde - O Médico e o Monstro

Nessa cena do musical, elas cantam em seus quartos. Cai uma chuva no palco e, depois, elas finalizam a cena de guarda-chuva, embaixo da chuva que cai. Realmente, o momento mais lindo, emocionante e cheio de efeitos da peça. Isso mostra que, por mais fantástico que seja um musical, o drama está contido nele. Mesmo em musicais de comédia, como “Avenida Q”. O drama vem das situações que as personagens passam, mas, muitas vezes, nos emociona porque pensamos nos nossos próprios sentimentos, aquilo que guardamos conosco e não queremos admitir para ninguém. Um sofrimento amoroso, talvez. Algo que podemos ter medo de ouvir. Logo, o drama embutido nas peças cômicas e de musical pode surgir pelo medo. Atenção para a música “Gay”, da peça “Avenida Q”. Este exemplo constata a idéia de “O Amante do Meu Marido”. Na música, o amigo, feito por Fred Silveira, deseja que seu colega de quarto revele que é gay, e, por mais que aquele amigo mostre não ter preconceito algum, há alguns termos que constrangem o personagem gay. Isso traz a graça para a cena. Nesta peça, os atores dão vida a bonecos em cena, o que a torna delicada e diferente - leva o assunto de uma forma instigante. Porém, este musical, assim como a peça de comédia, utiliza assuntos como a homossexualidade de forma preconceituosa para gerar graça.

Trecho da peça Avenida Q


Mais constrangedor ainda é o conteúdo da música “A Internet é Pornô”, em que eles escolhem uma pessoa da platéia, vão até ela e falam: “Ele só usa a internet para fazer pornô”. A pessoa fica envergonhada, sem resposta, uma vez que passou vergonha em público - é um tema que causa medo e embaraço de ser falado abertamente, no caso, para toda a plateia do espetáculo. O ator ainda completa com um “não se esconda, você estava comigo na webcam!” Pronto, a pessoa até se encolhe na cadeira para que, no final do espetáculo, ninguém fique olhando para saber como é seu rosto. Isso gerou mais riso, tendo em vista que as pessoas se divertem com o constrangimento alheio. Contudo, elas geralmente vivem um “drama” quando o mico é com elas mesmas.

O teatro musical seria como uma festa de casamento em que todos estão lindos, os vestidos maravilhosos, as pessoas elegantes, felizes e chorosas. A dança e a música são lindas, combinam-se. Mas sempre tem algo que vai contrastar da normalidade e que vai gerar medo, como o fato dos noivos deixarem de ser solteiros para viverem unidos, de algum deles desistir na hora H, de gerar vergonha. Pode ser que aquele amigo ou parente beba além da conta, entre outros motivos. O musical também é composto por dramas escondidos, em que as pessoas geralmente não os percebem, a não ser aquelas que vivem lutando por causas sociais ou que sentem o preconceito dentro desses dramas escondidos. Ou aquelas que conseguem analisar muito bem essas situações. Portanto, o drama está contido nas comédias e nos musicais porque está conosco. Por mais que o gênero não seja tão assistido quanto os outros, ele existe nessas peças e, algumas vezes, mais melodramático do que nos próprios espetáculos de drama propriamente dito. O fato é que o público brasileiro de teatro precisa também adquirir gosto pelos dramas e pelas peças que não focam apenas o entretenimento – quando eu digo “peças de entretenimento” falo das peças que envolvem apenas o fazer rir por causa do patético e o surpreender pelos grandes efeitos – porque estas trazem, em sua maioria, atuações brilhantes, histórias interessantes, além de poderem possuir pontos mais engraçados que nas comédias. As peças dramáticas geralmente tratam sobre assuntos em que a pessoa passa por uma situação difícil, porém engraçada para quem vê – humor negro –, ou de assuntos de uma comédia rotineira. E isso pode fazer


você rir para abafar o peso que sente ao ver essa cena. Vamos traçar uma comparação entre a peça cômica (conversa de bar com pessoas embriagadas que podem fazer seus devidos espetáculos, chorando, rindo, manifestando-se, criando números que viram um causo patético) e o musical, em que qualquer coisa, até o patético, vira um show imensamente aplaudido. Nessa comparação, fixaremos que a comédia volta-se para o patético (a conversa de bar não tem intuito de promover nada; em geral, só foca na diversão) e o musical caracteriza-se como um show (neste, tudo, por mais que algo dê errado, no fim sairá perfeito para o público). Na festa de casamento, por mais que aconteça alguma desavença, todos ficam emocionados e comemoram com os noivos; afinal de contas, se reúnem para um ideal: mesmo que falsamente, celebrar a felicidade do casal. Na comédia, o essencial é que o patético tornese o triunfo para a visão da plateia. Vivemos em função do Jekyll, o médico em “O Médico e o Monstro”. Ficamos constrangidos por situações que a sociedade considerou inadequada, vivemos sob essas regras, mesmo dizendo que não queremos seguilas, que desejamos fugir delas. O fato é que o que desejamos foi visto, foi idealizado por algo que nós crescemos vendo ou convivendo com. Escondemos, na maioria do tempo, o que devíamos colocar para fora. E a arte consegue colocar tudo isso para fora. No fundo, a arte seria o Hyde, o Monstro, porque não teme o que fazer. Assassina as regras sociais, mata os medos, discrimina os discriminados e enfeita o não-pudor. A arte, sem medo, trata sobre tudo isso, trazendo o riso e a dor. A questão é se sabemos ou se um dia conseguiremos trabalhar o Jekyll & Hyde em conjunto. Que tal ver as críticas contidas nas piadas preconceituosas e debatê-las? Achar graça delas e não ter medo de expôlas para que sejam discutidas e, talvez, até mudadas, a fim de que os temas de comédia sejam inovados? Conseguiremos viver a arte de forma interligada com a realidade? Saberemos a hora de seguir e sair das regras? Podemos, então, pirar loucamente e passar a sermos Hyde em totalidade, sem medir as conseqüências do mundo, tornando-nos anarquistas em sentimento, em ideais ou em regras sociais? Ou, simplesmente, continuaremos ali, desejando ser um tanto Hyde, mas morrendo por dentro por sermos apenas Jekyll.


ouviu esse piu?


twitter.com/RevManuscrita



A verdadeira

ARTE da escrita por BIJOU MONTEIRO

A

arte de manuscrever e, assim, criar histórias, começou quando tudo o que se tinha eram tábuas de pedra e muitas idéias para nelas se registrar. O ímpeto era o maior combustível, suplantando as limitações recorrentes, e, com o passar do tempo, papiro e canetas tinteiro ganharam espaço para registrar mais facilmente as fábulas narradas pelos antigos. Veio a tipografia e, com ela, a produtividade evolutiva que as idéias visionárias dos séculos passados demandavam. Dizem que o tempo voa e, assim sendo, atravessamos eras inteiras vendo a arte da escrita – já não mais manuscrita - reinventar-se e não sucumbir diante do imediatismo proposto pelo mundo moderno.


Logo, a produção de livros ganhou vazão e amplitude, tendo em foco, obviamente, o talento inerente de cada autor diante de sua obra. Escrever, até então, era uma vertente da arte da reflexão. Revolução industrial, globalização, inclusão digital. Mais décadas atravessadas e, não obstante, em tempos de inquietude, muitos egos querendo falar mais alto do que quem efetivamente tem o que dizer. A essência da escrita, ou seja, a criação de histórias impetuosas, ganhou nova interpretação para quem, independente de aptidão, ao rascunhar palavras desconexas em comprovantes de cartões de crédito, acredita-se escritor. Agora vamos ao ponto central: o que realmente define um escritor? Na última edição da Flip, Salman Rushdie, ao ser perguntado se era possível ensinar o ofício em cursos de Cambridge, respondeu que algumas técnicas até são doutrináveis, contudo, talento é insubstituível. “You can’t teach the eye”, o indiano lembrou, deixando claro que nenhuma modernidade sobrepunha a genialidade nata. Nesse sentido, já que não se ensina em nenhuma universidade a como ser um verdadeiro autor, tem-se, em premissas básicas, que escritor é o ser instintivo, que nasce com todos os sentidos ávidos por absorver conteúdo e, posteriormente, registrá-los no papel.

A inspiração é subjetiva, ou seja, reside num grande embate filosófico ou numa cena com milésimos de segundo e imperceptível aos olhos comuns. Mais ainda: a inspiração está no empirismo real e no total desprendimento que ele demanda. Escritores natos, via de regra, não escrevem sobre si, uma vez que sabem que o encanto de quem os cerca - e, consequentemente os inspira – é sempre maior. O outro é sempre objeto de estudo, fazendo da escrita um meio de escoar idéias. Seja um amor mal resolvido ou uma aventura pelos sete mares, o mote de qualquer narrativa é o que terceiros despertam no autor e não naquilo que ele vivencia sozinho. Desse modo, verdadeiros autores não versam sobre si freneticamente e, tampouco, definem-se como escritores sem entenderem que tal ofício dispensa amadorismo inconsciente. Ao escrever, o autor coloca-se em segundo plano e permite que suas personagens tenham vida própria. Vale ressaltar que, na qualidade de emissor, o escritor desprende-se e permite que seus receptores sejam livrados de vaidades aleatórias à arte. Elucidado o que compõe um escritor, tem-se a segunda pergunta: como funciona o processo criativo? Inspirar-se, selecionar idéias e começar a registrá-las demanda


FOTOS USADAS NESTA PÁGINA: MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997



foco. Antes de escrever, qualquer autor passa pelo período de reflexão para que, ao retomar contato com o mundo, saiba como posicionar-se. O processo criativo tem início quando já se sabe sobre o que se quer escrever, mesmo que isso aconteça sem que o autor já tenha estipulado o final de sua trama. Esse desfecho, aliás, é no que se pensa por último, uma vez que as personagens merecem vazão ilimitada. Escrever, já com a mente tomada pelas falas das personagens e, não obstante, pelos cenários que as envolvem, requer brilhantismo em sua execução. É um processo contínuo, cansativo e até repetitivo, mas que não requer prolixidade para tornar-se rico. Falas empoladas, retóricas safadas ou discursos imbuídos de falso moralismo não compõem, em nenhuma esfera, uma obra. O valor de um livro está nos insights que ele desperta no leitor e, maiormente, em como isso é desenvolvido instintivamente pelo autor, livre de empáfias egocêntricas. Menos é mais, ou seja, a elegância de uma história reside na despretensão dela em ser divisora de águas na literatura ou visionária no curso evolutivo da humanidade. Por mais batido que soe, cabe ao escritor aprender com os deslizes de suas personagens e não fazer delas marionetes de suas vontades. O discípulo sempre será maior que o mestre e, assim

sendo, o legado deve sempre ser mais rico que o próprio autor. Tendo duas premissas delimitadas, resta a terceira e última: quanto tempo leva para escrever um livro? Livros não têm prazo de validade em fase de produção (a não ser quando encomendados por editoras) e muito menos quando finalmente conclusos. Tolkien, por exemplo, levou mais de dez nos para concluir a trilogia que o fez mundialmente famoso. Mas esse é o ponto: a escrita é um comprometimento com a genialidade e não com a fama. Uma grande obra pode ser concebida em poucos meses, de acordo com o grau de envolvimento do seu autor e, maiormente, do foco que ele empreender nela. Cada um tem seu modus operandi, contudo, como a literatura tem vertentes de introspecção, escrever é sentar-se diante do seu computador e esquecer do mundo lá fora. Trilhas sonoras até são bemvindas, uma vez que ajudam a delinear cenas ou vozes de personagens, mas nenhum estímulo exterior deve interferir num processo criativo sério. Nesse mesmo mote, a obra oscila entre meses e anos em sua criação porque, concomitantemente, o escritor se edifica juntamente com a literatura que propõe. Dessa forma, não adianta escrever um livro apressadamente,


vislumbrando nisso nuances de eficácia ou produtividade. A verdadeira literatura demanda maturidade, talento e conteúdo inerentes. Tampouco basta escrever desde muito jovem e, diante de uma crise de meia-idade, acreditar que o material angariado é um verdadeiro legado que colocará o mundo literário aos seus pés. Vêse, assim, que pressa e presunção de brilhantismo não guarnecem escritores de verdade. Outro mito é o de que leitores assíduos se tornam grandes escritores. Escrever requisita monitoração constante, mecanismos operatórios relativamente diferenciados da oralidade, prática, treino e talento, especialmente no que concerne narrativas. Numa analogia simples, podemos dizer que a leitura requisita discernimento para entender um texto complexo, e escrever demanda técnica e vigilância constate sobre a sua própria prática. A verdadeira arte da escrita, iniciada quando só o que se tinha eram tábuas de pedra, em nada tem a ver nos concursos de redação vencidos na época do colégio, uma vez que, se a premissa válida fosse essa, todo bom aluno em

Biologia, estaria apto a trabalhar no Projeto Tamar sem qualquer processo seletivo anterior. Por mais que as grandes conquistas da modernidade tentem fabricar o contrário, prevalece o privilégio de se nascer escritor e não fingir-se autor – e frustrado – do que quer que seja. Sites, blogs e até mídias sociais formam opiniões e não autores natos. O mercado literário é, sem sombra de dúvidas, um círculo limitado aos que são escolhidos a nele entrar. Não obstante, os que se voluntariam a nele tentar penetrar, restam as editoras de procedência duvidosa ou, até mesmo, recusas reiteradas e portas fechadas. Contudo, esse excesso de seletividade serve para separar os naturalmente dos falsamente aptos. Com os comodismos digitais do século XXI, vieram os muitos indivíduos que prostituem e desmerecem o ofício dos verdadeiros escritores, assim acompanhantes de jogadores de futebol também definem-se como atrizes e modelos. Mas a literatura real sabe quem são os seus verdadeiros discípulos e, assim, a eles concede a magia da escrita instintiva.



por ANDRÉ OLIVEIRA

I

nsalubre euforia que nos deixa dizer ao mundo em CAPS LOCK e emoticons coloridos o que se passa na nossa vida, desde o que aprendemos num workshop sobre as sacadas da Endemol baseadas nas obras de George Orwell e aplicadas nos famigerados reality shows; ou mesmo sobre um boato de quem será a próxima diva homenageada em “Glee”, e até mesmo poder descrever o cocô que você acabou de fazer, com direito a uma foto do dejeto publicada no mural do Facebook com tags de amigos, inclusive. As possibilidades são curiosas e maravilhosas, e os efeitos do que se diz, talvez desastrosos, como nesse insight magnífico que esse gênio do Twitter teve:


Qu’est-ce que

C’EST?


Todo mundo tem a tal da crítica intrínseca, e ela pode ser exaustiva. Há tanta opinião boiando por aí que já se formou um ecossistema de monstrinhos do léxico na atmosfera das palavras ditas. Basta que um peido vire notícia para que uma avalanche de achismos comece. E as tais constatações surgem dos lugares mais inóspitos e inesperados, desde a mente de um fervoroso devoto de Luan Santana até à massa cinzenta einsteniana de algum faraó da sapiência trancafiado em seu mausoléu kantiano nas profundezas de um Macbook. E todos que aqui estamos e por vós esperamos (um RT, um “like” ou algo do gênero) estamos incluídos em tal atmosfera. A gente que tá na fita, fazer

parte da ceita dos engajados, poder participar do clubinho. Almejamos um Nirvana virtual, porém ainda carecemos de um Web Buddah para nos mostrar o caminho da Samsara “Onláinica”. Neologismos e trocadilhos infames à parte, o fato é que há informação, útil e inútil, que passa por um filtro nada espesso e invade nossas cacholas, de boquiabertos pré-tendiníticos. Muitos sedentos, outros já empapuçados de tanta ideia adulterada, plagiada e defecada em tudo quanto é timeline. Na TV é mais simples, já que passivamente observamos os hosts, âncoras e menininhas possuídas nos dando o sumo de suas eloquentes pautas, fazendo de nossos cérebros esponjas usadas desaprovadas pelo Inmetro. Já na mag-


nânima e eufórica www temos a possibilidade de rebater e expor nossos links de afinidades, transformar o lance conforme a respectiva dose de sagacidade que acumulamos nesse itinerário cabalístico. Uns com a bênção do leite bom da Vaca Profana (cada vez mais raros), que Gal Costa invocou tão clamante na música homônima, e outros com seu manjar sintético pré-fabricado. Mas nós podemos falar, e esse probleminha de percurso de um elo perdido, que há muito atordoa filósofos, cientistas e mendigos do apocalipse, nos faz infelizes. Um ser que consegue argumentar, duvidar e querer entender tudo só pode ser fatalmente infeliz. Desde que a linguagem surgiu ironicamente na atmosfera, o bafão come-

çou e muita coisa aconteceu, mas esse papo que rende tanto, desde tirinhas da Mafalda até as confusões kafkianas, e é melhor que essa conversa vá para o balcão do botequim. O que resta, então, meu caro Horácio? Enfiar nossa vã filosofia na sacola, pegar a viola e subir naquela chalana das águas verborrágicas rumo às desventuras em série? Ou assumir o fardo cruel da comunicação humana e fazer seus upgrades, já que...

“Stop” - Erasure


ENLATADO é alienação em doses semanais?

ATENÇÃO Essa matéria não fala sobre comida. Qualquer semelhança é mera coincidência.


por CRISTIANE SITA

C

ostuma-se rotular os TV shows, enlatados americanos, como alienados. Quem assiste, invariavelmente, se sente um pouco culpado. Nós, da Manuscrita, no entanto, somos viciados em séries e decidimos provar por A+B que é possível assistir a seriados e ser, ainda assim, gente que pensa. Vamos falar, então, de Gilmore Girls, por ser um achado de referências. Nossa idéia não é fazer spoiler do que você ainda não viu, embora seja uma série já encerrada. Gilmore Girls é feita, basicamente, a quatro mãos, por um casal de escritores. A mulher é Amy Sherman-Palladino, a cabeça. Ela pouco acreditava na fórmula de relacionamento mãe-filha da série. Foi sua última idéia apresentada à Warner. De tom novelesco com suas tramas românticas, a característica principal, além das referências que nos encantam, é o diálogo rápido. Reza a lenda que Lauren Graham, a Lorelai, levou o papel pela velocidade da fala e que os outros atores treinaram para acompanhar a rapidez do texto. Lauren Graham e Alexis Bledel, protagonistas do seriado Gilmore Girls

Um TV show de uma hora, normalmente, tem 55 páginas de script. Contudo, Gilmore Girls tem em torno de 80 páginas. Reflita. Das curiosidades, contamos a vocês que Rory, interpretada por Alexis Bledel, é considerada quase uma Audrey Hepburn moderna - embora tenha entrado praticamente inexperiente no seriado. O personagem Luke (Scott Patterson) inicialmente era uma mulher ranzinza, mas Amy considerou mulher demais para pouco espaço. A personagem coreana Lane é uma homenagem à melhor amiga de Amy, que também é coreana. O ator Jared Padalecki (que atualmente é o protagonista de Supernatural) faz Dean Forester, namoradinho de Rory. Já Milo Ventimiglia foi rebelde sem causa em Gilmore Girls (o segundo namorado de Rory) antes de virar um dos Heroes. Vamos às referências! Escolhemos o 8º episódio da 2ª temporada para destrinchar. Acompanhe...


Lorelai

Cuidado, WILL ROBINSON, cuidado! Fala recorrente do antigo seriado Perdidos no Espaço. Will era o filho mais novo da Família Robinson, a protagonista do seriado. Veiculado entre 1965 e 1968, a atração contava sobre esta família que é selecionada no futuro “longínquo” de 1997 para viajar até o planeta Alpha Centuri e estabelecer uma colônia em que fosse possível a humanidade viver. O foguete no qual eles viajam, o Júpiter 2, acaba perdido no espaço pelo excesso de peso, resultante da invasão do inimigo, Dr. Zachary Smith. Will sempre se metia em encrencas nos diversos planetas em que eles se viam obrigados a pousar. Esta fala era do Robot B9, a babá do menino. Na cena, Lorelai tenta advertir Rory do perigo de aceitar convites da avó, Emily Gilmore. Perdidos no Espaço virou filme, em 1998, e tinha no elenco, entre outros, Gary Oldman e Matt LeBlanc, o eterno Joe de Friends.

Lorelai

Eu estava tentando fazer uma coisa tipo BILLY IDOL Billy Idol, cantor de punk rock inglês, nascido em 1955, teve sucessos como Dancing With Myself, Eyes Without a Face e Sweet Sixteen. Billy costuma fazer caretas em suas apresentações e vídeos. Na cena, Lorelai tenta explicar que nenhum pintor a retratou quando criança por ela fazer caretas do mesmo tipo. Ressalta que a boca é muito comentada, mas que o olhar também é bastante significativo.


Lorelai

Hey, isso não machucou o VAN GOGH, o cara devia me agradecer Van Gogh, pintor holandês, nascido em 1853, tinha tanto talento inegável quanto problemas psiquiátricos sérios e não levou uma vida feliz. Fracassou em seus contatos amorosos, sociais e financeiros. Suicidou-se aos 37 anos, vítima de seus distúrbios mentais e talvez de sua própria solidão. Sua fama é posterior a sua morte. É considerado o grande pintor pós-impressionista e precursor do modernismo. Sua influência é sensivelmente sentida nos movimentos como o expressionismo, o fauvismo e o abstracionismo. Pintava com pinceladas grossas, carregadas de luzes e tintas fortes, principalmente o amarelo. Seus temas recorrentes eram relacionados a Arles – cidade onde viveu – e girassóis. Sua amizade com Paul Gauguin foi o relacionamento mais presente. Os desentendimentos se agravaram e terminaram com Gauguin indo embora de Arles e Van Gogh bastante agressivo, chegando até a cortar sua própria orelha. Lorelai ironiza que a pessoa citada não era um Van Gogh e nem tinha sofrido ou morrido como este.


Lorelai

... como JEFFERSON chamou sua casa de MONTICELLO As personagens de Gilmore Girls costumam dar nomes próprios a objetos inanimados. Nesta ocasião, a coisa é mais normal e Lorelai precisa dar um nome à suposta pousada que vai adquirir com Sookie. Esta frase justifica esta mania com um célebre. Jefferson é ninguém menos que o terceiro presidente dos Estados Unidos, o Sr. Thomas Jefferson, sendo ele o principal autor da Declaração de Independência do País. Além de presidente, Jefferson foi filósofo, horticultor, arquiteto, arqueólogo, paleontólogo, músico, inventor e fundador da Universidade da Virgínia. Quando o presidente John F. Kennedy recebeu 49 vencedores do Prêmio Nobel na Casa Branca, em 1962, declarou: “Acredito que esta é a mais extraordinária reunião de talento e conhecimento humano que já foi reunida na Casa Branca, com a possível exceção de quando Thomas Jefferson jantava aqui sozinho.” Na função de arquiteto é que Jefferson construiu e nomeou Monticello. O palácio foi sua residência e situa-se em um monte de 850m de altura. Monticello, em italiano, significa pequena montanha. No mesmo sítio está a Universidade da Virginia, em Charlottesville.


Sookie

Que tal alguma coisa histórica,como o PAUL REVERE? Paul Revere foi maçon e ourives americano, mas é por suas “corridas noturnas” que é lembrado. Paul foi considerado um grande patriota ao montar uma rede de inteligência para controlar os movimentos britânicos na Guerra de Independência dos Estados Unidos. As mensagens eram entregues por ele mesmo, em suas famosas noites velozes.


Lane

... a minha vibração patenteada de KEITH RICHARDS, em 1969, ‘não-se-meta-comigo’ Keith Richards é uma das maiores figuras rock do século XX. Entre as décadas de 60 e 70, entrou numa vibe pesada com drogas, entregouse completamente a heroína e chegou a trocar todo o sangue em uma clínica para sair do vício. O ano de 1969 foi decisivo tanto para os Rolling Stones quanto para o músico. A turnê Let it Bleed é considerada histórica e o álbum figura entre um dos três mais importantes da banda. O ano citado foi marcado pela morte de Brian Jones, o primeiro líder da banda, e a entrada de Mick Taylor. A trajetória toda redefine o espírito do grupo, projetando-o mais sombrio para a próxima década. Com a morte de Brian, Keith assume o posto de líder e alcança domínio e qualidade sonora, sendo estes, talvez, os mais perfeitos da história do grupo. Para entender a citação de Keith Richards, basta ligar a liderança deste às críticas que surgiram ao álbum: conteúdo de sexo sujo, sadomasoquismo, drogas pesadas e violência gratuita. Bem, eram os Stones e a temática não podia ser de girassóis flamejantes.


Mia

Era daquele TV show famoso... JORNADA NAS ESTRELAS, é isso! Lorelai

Você era um TREKKIE... Ah, não acredito! Negar que é um trekkie é uma violação da PRIMEIRA DIRETRIZ Rory

Certamente, CAPITÃO!

Jornada nas Estrelas é um célebre seriado americano que estreou em 1966, visionário em suas referências científicas. Tinha pouquíssima audiência e contraditoriamente, uma legião de fãs radicais que se denominavam trekkies. Pelo primeiro motivo durou apenas três anos. Pelo segundo, a série acabou voltando anos mais tarde e foram feitos filmes baseados no mote. Dentre os principais personagens estão James T. Kirk (William Shatner), oficial da Frota Estelar, capitão no comando da USS Enterprise e almirante da frota – o Capitão citado por Rory; e, Spock (Leonard Nimoy), oficial da Frota Estelar, primeiro Oficial na USS Enterprise, cientista e posteriormente Diplomata – o único extra-terrestre da equipe, de orelhas pontudas. Os trekkies são considerados, por muitos, estranhos pelas suas manias diversas. Luke é alvo de piadas das três personagens por vestir, na adolescência, uma camiseta do TV show.


Lorelai

Oh! Muito JOHN BIRCH SOCIETY para você! É um grupo de pressão política de extrema direita, americacentrista e anti-comunista, que acredita na liberdade pessoal e governo limitado. Fundada em 1958, tem, atualmente, filiais em todos os estados norte-americanos, e é conhecida por acreditar em teorias conspiratórias, principalmente quando o tema é comunismo. Lorelai ironizando Luke por sua postura desconfiada.

Rory

Mas você é uma referência... ‘PROTEJA-ME, SCOTT’... Fala-se de Scott Pilgrim, personagem dos quadrinhos americanos de 2004 a 2010. Scott tem 24 anos, é o anti-herói, roqueiro de garagem, preguiçoso, vive em Toronto e se apaixona por Ramona. Para estar com ela, Scott precisa derrotar os sete ex-namorados do mal que a garota já teve. Em suma, a história é o madrigal da vitória do loser. O primeiro volume foi publicado recentemente no Brasil. As aventuras também já ganharam o cinema. Rory satiriza que a mãe é tão encrencada quanto Ramona por ter tido muitos namoros fracassados.


Lorelai

Porque cisnes e tronos gritam uma coisa: SIEGFRIED & ROY São dois mágicos alemães famosos nos Estados Unidos que apresentavam-se frequentemente com animais, principalmente, um tigre de bengala. Roy foi atacado pelo tigre em certa ocasião, mas nem assim deixaram de fazer os shows de mágica com bichos. Lorelai critica que a mãe faça Rory posar para pintores com cisnes. A comparação deixa nas entrelinhas que o final será trágico como o ataque do tigre. No caso, o ataque do cisne.

Lorelai

Ouvi dizer que ele controla o clima e escreveu o roteiro de GLITTER Crítica descarada ao filme Glitter, de 2001, estrelado por Mariah Carey. O diálogo ocorre no meio de uma lista de supostos delitos que Jess, sobrinho de Luke, cometeu. Lorelai, então ataca os ofensores com a ironia fina supracitada, pouco compreendida inclusive pelos presentes. A história do filme traz o velho conto da menina órfã que quer ser cantora ao crescer e realiza o sonho encontrando um produtor que se torna seu namorado.


Jess

Essa coisa é tão O SOL É PARA TODOS Jess solta esta após saber que seu tio o defendeu de acusações na reunião da cidade. O Sol é Para Todos é um romance escrito em 1960 por Harper Lee, narrando, pelos olhos de uma criança, a defesa que seu pai, um advogado, faz de negro injustamente acusado de roubo. O título é derivado de uma metáfora de que é pecado matar criaturas inocentes que são mal compreendidas. O protagonista segue o seu limite moral para defender a fraqueza. Em 1962, o romance foi levado às telas como filme, com Gregory Peck. Tanto o livro quanto o filme são considerados clássicos de seus autores.

Rory

... tentando ser HOLDEN CAULFIELD, mas eu acho péssimo Personagem de O Apanhador no Campo de Centeio, escrito por J.D. Salinger. Trata-se de um adolescente que teve más notas e, ao voltar para casa, vaga um pouco e reflete sobre sua visão da vida e diretrizes futuras. O livro é considerado o precursor da cultura jovem, já que é o primeiro a escrever sobre a adolescência. Como curiosidade, vale saber que o livro tem sido ligado a diversos psicopatas como Mark David Chapman, o assassino de Lennon, que carregava o livro com ele no dia do crime. O atirador que tentou matar Ronald Reagan afirmou que tirou inspiração no livro para cometer o atentado. No filme Teoria da Conspiração, o personagem de Mel Gibson, um motorista psicótico, compra uma edição diária do romance.


Lorelai

Está apenas um pouco abaixo de REMBRANDT Lorelai tenta elogiar o retrato da filha que a mãe insistiu em fazer pintar. Rembrandt, pintor e gravador holandês, nascido em 1606, é considerado um dos grandes nomes da história da arte européia. Foi muito bem sucedido e ensinou o ofício a praticamente todos os pintores holandeses. Utilizava a iconografia em seu trabalho, pesquisando imagens e conteúdos para retratar cenas e pessoas. Seu legado é fortemente embasado em retratos de seus contemporâneos e auto-retratos.

Uau, finalmente! Como você viu, dá para brincar de cultura facilmente em cinquenta minutos de TV show. Não esperamos que você faça exaustivas pesquisas cada vez que assistir TV. Os próprios atores confessaram que não reconheceram boa parte das referências citadas nos diversos episódios. Porém, reflita comigo: digamos que você não se faça de alienado. Ler alguma coisa, ouvir os outros, assistir filmes, ouvir músicas, a experiência televisiva (e também a vida, ao vivo e em cores) pode ficar mais divertida e rica. Mãos à obra!


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Instrumentos de efêmero

PRAZER por GILBERT ANTONIO



S

omos reproduções ensaístas de nosso tempo. Transitamos de forma presunçosa e pretensiosa num universo efêmero, intransigente e premente. Suponho que gostemos disso ou da forma apresentada e revelada e também por compreendermos esse universo circundante como conhecido, presumido e oferecido sem esforço algum e com absoluta falta de estilo. Somos filhos da rede social, da conectividade, da interatividade. Descansamos entre bits, vivemos conectados e atrelados por e-mails. Spams possuem reinado absoluto e somos consumidos pela guerra infooverload, Nossas vidas são representadas, estampadas e parecemos prescindir igualmente de individualidade em detrimento ao absurdo coletivo. Uma histeria midiática, volátil e impassível. Um império efêmero e implacável. Abrimos antecedentes para consumir e consumar o que somos, pensamos e sentimos. Uniformizamos tudo, liquidificamos. Pasteurizamos as relações humanas. Parecemos prescindir de memória pregressa. Limitamos essas relações aos perfis que idealizamos e que fingimos. Sucumbimos ao paraíso artificial que acontece dentro e fora de nós. Rápido, implacável, intransigente, intolerante e desejosamente fugaz. Insistimos em delegar a mídia e seus estereótipos uma “falsa” consciência e ordem dos acontecimentos de nosso tempo. Uma asfixia estudada e imbecilizada dos programas de TV, da retórica e supressão dos realities shows –nossa vida cuspida, escarrada e violentada bem na frente dos nossos olhos. Metálicas emoções e indiferentes consciências engordando a lista de vidiotas catatônicos e desbussolados de plantão.


Ameaçadora, a mídia e seus segmentos parecem orbitar nossa geração, todavia tamanha diabolização não reúne em si uma única e espiada culpa. Faço uso agora, das palavras do filósofo francês, Gilles Lipovetsky, em seu livro Metamorfoses da Cultura Liberal, para que possamos abrir e estabelecer um viés para tal compreensão:

LIVRO Metamorfoses da Cultura Liberal de Gilles Lipovetsky

(...) A mídia, de fato, é uma das forças subentendidas na formidável dinâmica de individualização dos modos de vida e dos comportamentos da nossa época. A imprensa, o cinema, a publicidade e a televisão disseminaram no corpo social as normas da felicidade e do consumo privados, da liberdade individual, do lazer e das viagens e do prazer erótico: a realização íntima e a satisfação individual tornaramse ideais de massa exaustivamente valorizados. Ao sacralizar o direito à autonomia individual, promovendo uma cultura relacional, celebrando o amor pelo corpo, os prazeres e o bem-estar privados, a mídia funcionou como agente de dissolução da força das tradições e das barreiras de classe, das morais rigoristas e das grandes ideologias políticas. Impôs-se como nova e legítima norma majoritária o viver aqui e agora, conforme as vontades próprias. A mídia acionou, ao mesmo tempo que os “objetos”, uma dinâmica de emancipação dos indivíduos em relação às autoridades institucionalizadas e às coerções identitárias.

Cabe a nós reinventar a vida a partir dessas constatações, cabe igualmente a utilização de filtros que nos permitam, com clareza, percebermos o Norte que os espíritos de influência midiática e virtual encerram em nossas vidas. O Inconformismo e o espírito crítico, a priori, devem estabelecer uma relação saudável de consciência e questionamento e por fim, emancipar-nos de ideologias capazes de nos instrumentarem para enxergarmos com clareza a linha tênue que separa a verdade de sua pretensa e famigerada constatação. Almas esfomeadas e reincidentes no crime de acreditar. Voilá!!!


Vinicius,

o infinito sem

ENQUANTO


por AMANDA SOUZA

N

o último dia 9 de julho, completaram-se 30 anos sem Vinicius de Moraes. Dentre todas as celebrações de pequeno, médio e grande porte, destaca-se um valioso presente a todos aqueles que amam de alguma forma os versos deste que, dentre os grandes poetas brasileiros do século XX, certamente foi o que mais obteve popularidade, seja por sua importância decisiva na Bossa Nova, seja pela universalidade de seus versos, seja pelo seu delicioso legado musical infantil (musicado por Toquinho). Desde abril deste ano, estão disponíveis para download gratuito 15 livros na Brasiliana Digital, a biblioteca online da USP (Universidade de São Paulo). Lá, você, leitor, poderá encontrar integralmente títulos como Forma e Exegese (o livro de estreia de Vinicius), Cinco Elegias, A Casa, Pátria Minha entre outros. E, para fazer jus a sua importância vital na cultura nacional do século XX, nós, da Manuscrita, revisitaremos em nosso número de estreia um pouco da vida e da obra deste “Poetinha” que, de tudo, o que menos tinha era qualquer valor no diminutivo. Vinicius, na verdade, foi e sempre será um poetaço, de alcance e proporções universais.

O início Carioquíssimo, nasceu na Rua Lopes Quintas, Gávea. Cresceu entre o mar e a chácara do avô. Acostumou-se, desde cedo, tanto às músicas dos escravos como aos violões de seus tios maternos. Vinicius teve uma infância livre e, ao mesmo tempo, uma formação rigorosa e erudita. Seu pai, Clodoaldo, escrevia poemas e era Doutor em Latim, professor de piano, violino e francês. Sua mãe, Dona Lídia, tocava piano; era de uma família de boêmios que gostavam de música popular.

O poeta nasce Era o segundo dos quatro filhos e foi o eleito pela família para ter a melhor formação possível. Estudou no Santo Inácio, um dos maiores colégios jesuítas do Rio, onde estudava a elite da cidade. Nos seus primeiros livros, Vinicius se mostrou intensamente marcado por sua criação católica, cujos poemas transpiravam uma atmosfera mística e religiosa. Na faculdade de Direito, se aproximou dos integralistas. Era um poeta, acima de


tudo, preocupado com as questões da existência. Em 1935, já tinha seu segundo livro pronto. Era Forma e Exegese que, na opinião do próprio, possuía um título “pedante pacas”. Em disputa com o Mar Morto de Jorge Amado, venceu o Prêmio Nacional de Poesia Felipe de Oliveira. A poesia inicial de Vinicius é notadamente francesa, influenciada, também, pelo grupo dos poetas católicos do Brasil. Mas é mais adiante (e pouco a pouco) na linha do tempo que costura sua história que vamos descobrir a obra que, de fato, revelou quem estava por trás de Marcus Vinicius de Melo Moraes. O poeta “francês”, vai, pouco a pouco, saindo da casca e se tornando brasileiro e, sua poesia, to-

cando, cada vez mais, o conceito de vida. Desce das nuvens e vai celebrar o cotidiano de gente comum. Publicou mais de 400 poemas reunidos em 12 livros e várias antologias pessoais. Também escreveu crônicas, peças de teatro e crítica de cinema. Rompeu as barreiras do cânone intocável da literatura, sendo, além de um bom poeta, um bom poeta popular, cuja obra foi uma das mais traduzidas dentre os autores brasileiros. Seus versos não são apenas conhecidos aqui no Brasil, como também lá fora, o que o torna sua literatura tão rara: dona de um preciosismo literário único, mas de alcance a priori inima-


ginavelmente popular. Mostra-se apegado à métrica, à rima e às formas poéticas tradicionais, fazendo, por exemplo, uso da forma do soneto camoniano, da Ode, da Elegia e da Balada em pleno século XX. Em contrapartida, alia a proposta temática tão almejada (e panfletada) pelos modernistas: transforma em matéria poética o dia-a-dia, o cotidiano, o frugal, destruindo o tema poético nobre.

As paixões, o alimento O maior alimento de Vinicius ao longo de sua vida foram suas paixões. Quando se via amando, se entregava de corpo e alma. Ao todo, casou-se nove vezes.

O que ele queria, na verdade, era se apaixonar. Suas paixões nunca foram frívolas ou superficiais. O que Vinicius sempre buscou foi um estágio de “paixão eterna”. Quando a relação entrava em um estágio “morno” e ele encontrava alguém que despertasse novamente tudo o que havia perdido, se lançava mais uma vez no precipício da paixão, de onde extraía praticamente toda a sua força vital. Talvez, sua grande angústia tenha ter se dado conta, no decorrer da vida, de que essa tão buscada “paixão ideal” não existia. Em, 1939, casa-se com Tatí, sua primeira esposa. Na época, Vinicius tinha viajado para estudar literatura em Oxford


e a união se deu por procuração. Com ela, viveu uma aventura romântica: ela era a moça rica que largara tudo para ir se encontrar com seu poeta na Inglaterra. Quando começou a Segunda Guerra, eles voltaram ao Brasil. Foi aí que sua história ganhou mais um novo capítulo: preocupado agora em ganhar a vida (a essa altura já era pai de dois filhos), ele entrou para o Itamaraty, virou diplomata, mas também começou a escrever críticas de cinema para jornais. Começavam tempos de novas amizades, embaladas por encontros nos cafés do Centro. Devido ao seu interesse por cinema, conseguiu que seu primeiro posto como diplomata fosse em Los Angeles, onde, além de cumprir todas as obrigações exigidas, também conseguiu fazer cursos e contatos nas áreas do cinema e da música. Teve o privilégio de acompanhar as filmagens de A Dama de Xangai, de Orson Welles e ficou amigo dele, de Carmem Miranda e de músicos de Jazz. Ele costumava dizer que, com Tatí, se transformou num “homem de esquerda”, já que mudara, também, sua forma de ver o mundo. Sua segunda esposa, Lila Bôscoli, que convivia com a nata da classe artística carioca, lhe deu mais duas filhas, Georgiana e Luciana. Com Lila, Vinicius prosseguiu sua carreira diplomática e foi morar em Paris. Apaixonado, escreveu muito, promovendo seu reencontro com a poesia, que fora um pouco abandonada nos últimos anos.

Novos ventos O ano de 1956 é crucial, pois promove a modernização da música popular brasileira com os primeiros lampejos do que, futuramente, se denominará “Bossa Nova”. Mas, para Vinicius especialmente, 1956 marca o ano de Orfeu da Conceição, sua primeira peça de teatro. A peça, com seu elenco negro, é um sucesso retumbante. O mito grego de Orfeu, ambientado em uma favela do Rio de Janeiro, mostra uma verdade profunda do próprio Vinicius, que, desde a infância, se formou no cruzamento entre erudito e popular. Ele viu na história de Orfeu e Eurídice uma tragédia carioca: Orfeu, então, vira um sambista do morro. Para a peça, ele queria uma música que mesclasse dualidades, como o lirismo com as raízes do samba e da batucada. Para compô-la, convidou um jovem garoto, pianista, de quem havia ouvido falar muito bem (e com quem teria uma frutífera parceria nos anos seguintes), chamado Antônio Carlos Jobim. No Cinema, Orfeu da Conceição virou Orfeu Negro e ganhou a Palma de Ouro em Cannes.


Nos anos 50, tudo se renovava na capital do país e foi neste clima que Vinicius começou a virar referência: um poeta que se aproximou do samba; um cidadão que se aproximou das grandes capitais do mundo. No disco Canção do Amor Demais (1958), Elizeth Cardoso gravou algumas composições de Tom e Vinicius, como Chega de Saudade e Eu Não Existo Sem Você. Nesta última, ela é acompanhada pelo violão do então novato João Gilberto. A Bossa Nova finalmente eclode, trazendo sua sonoridade tão peculiar: a harmonia era nova, a entoação era nova, a maneira de se desenhar a melodia era nova. A Bossa Nova passa a ser o novo segredo da mocidade do Brasil. E Vinicius, sem exatamente fazer ideia do tamanho da movimentação, acaba se posicionando no olho do furacão e, por isso, se torna, aos poucos, um grande nome da música popular brasileira.

A diplomacia sucumbe e a criação floresce Tanto sucesso não demorou a incomodar as esferas “superiores”. A figura de um diplomata cantando num palco, de copo na mão, não agradava nem um pouco ao Ministério das Relações Exteriores. Por essa razão, a instituição lhe impunha limites: além do paletó e gravata, obrigatórios, Vinicius não podia receber nenhum cachê para se apresentar. O diplomata fazia coisas que assombrava seus colegas e que, para o poeta, eram perfeitamente cabíveis e naturais. A essa altura, Vinicius virava referência aos jovens artistas em ebulição no período e suas duas casas (do Rio e de Petrópolis) se tornaram uma grande ponto de encontro e um centro de criação coletiva, cujas reuniões eram sempre regadas a muito uísque. Vinicius, além de um grande poeta, era também um grande melodista. Suas parcerias musicais, além de Tom, também incluem Chico Buarque, Edu Lobo, Carlos Lyra, Francis Hime, Baden Powell e Toquinho. Amigo fiel, tinha horror à solidão, que era o contrário de tudo o que ele procurou, e coleciona, além de uma horda de parceiros musicais, um catálogo respeitável de notáveis e leais amigos ao longo da vida. Com Baden, ele criou um desdobramento da Bossa Nova, os afrossambas. Já não se via mais a predominância da delicadeza melódica de João Gilberto, e sim a batida dobrada de Baden, que inaugurou algo, até então, complemente novo, mostrando novamente



a faceta camaleônica de Vinicius, que escrevia mais uma vez de forma diferente, sobre outras temáticas, saudando os Orixás e cantando suas influências no dia-a-dia de todos nós, sempre capitaneado pelo conhecimento de Baden no assunto, provindo de sua criação no subúrbio carioca. Para Vinicius, não existia raça negra e raça branca. Tudo era uma coisa só: uma grande mistura, um caldeirão fervilhante de culturas, ao qual ele se sentia pertencente e atuante. O Brasil de Vinicius era completamente diferente do Brasil da ditadura. Com o AI-5, ele é expulso da vida diplomática em 69 (O errôneo fato foi retomado em junho deste ano pelo presidente Lula que, mesmo tantos anos após a sua morte, promoveu Vinicius ao cargo de embaixador do Brasil. Aos poucos, foi se despojando cada vez mais das formalidades. Para a ditadura, realmente era muito incômodo ter Vinicius de Moraes como diplomata, uma figura que transitava numa esfera contrária a tudo aquilo que a ditadura aludia, que ovacionava a música, a alegria, o samba, a leveza.

A última década Em 1970, quando os críticos já consideravam Vinicius praticamente um artista aposentado, ele ressurgiu fazendo parceria com um então garoto desconhecido paulista: Toquinho, que havia participado de um álbum de Chico Buarque em sua homenagem. Juntos, travam uma parceria na arte e na vida que viria a perdurar ao longo dos 10 últimos anos de vida do poeta. No mesmo ano, Maria Bethânia lhe apresentou a atriz baiana Gesse Gessy, com quem ele rapidamente se casou, deixando de vez o passado para trás. Mudou-se para a Bahia (a Itapuã, da tão conhecida canção) e comprou um jipe, se tornando, na prática, um hippie tardio. Ele também, na mesma época, conhece Mãe Menininha do Gantois e se aproximou do candomblé, já que a esposa era filha de santo.


Vinicius tinha quase 60 anos quando começou a maratona de shows com Toquinho mundo afora. Em 10 anos, foram quase 1000 shows. Era uma situação na qual se sentia em casa: o palco, a música, o público e seu copo de uísque sempre o deixavam completamente alegre e à vontade. O êxito de Vinicius era enorme. Em vários países, sua figura tinha uma popularidade enorme, atingindo o status de popstar. Estava cansado, com a saúde frágil, mas não parava de trabalhar. Em 1977, fez um show no Canecão, no Rio, com Tom, Miúcha e Toquinho, que seria, mais um vez, um estrondoso sucesso, levando-o a uma turnê que durou inicialmente sete meses e acabou se estendendo pela Europa. No fim das contas, a grande sensação que se tem é de que esses 30 anos mostram-se apenas uma lacuna cronológica desde a partida de Vinicius. Ele é um grande e belo exemplo de algo que é, na prática, uma grande verdade: vai o artista, mas sua obra permanece imortal. Seu espólio não era imortal, posto que fosse chama; tampouco infinito enquanto durou. Ela É infinita. E dura até hoje. Vemos faíscas de Vinicius nas palavras dos apaixonados, dos estudantes, daqueles que estudaram pouco, mas pelo menos sabem algum de seus versos de cor. Vemos Vinicius quando a criança canta que “era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada”, ou indagando “cadê o pato? Pata aqui, pata acolá”. Ouvimos estalares de Vinicius quando ligamos o rádio e algum artista da nova geração está entoando uma de suas canções. Vemos Vinicius nos palcos, com Orfeu da Conceição sendo remontada depois de tantos anos. E, talvez Vinicius, se estivesse vivo nos dias atuais, não seria tão crente no amor, nem na inocência, nem levaria a cabo a sua peculiar porra-louquice, tendo em vista que os tempos mudaram tanto, mas tanto, que todos esses conceitos hoje se perderam e se tornaram algo diluído em muita, mas muita alienação, dispersa em corações feitos com as duas mãos, calças coloridas, franjas grandes e lisas e pessoas que vão sendo substituídas nas vidas umas das outras praticamente com a velocidade da luz.


Para ler, ouvir, ver e baixar... CD ‘Sem Limite’ Vinicius de Moraes Universal Music - R$ 19,90

LIVRO Antologia Poética Companhia das Letras - R$ 23,00

CD Tom - Vinicius - Toquinho - Miucha Gravado ao vivo no Canecão Som Livre - R$ 9,90

LIVRO A Arca de Noé Companhia das Letras - R$ 24,50

DVD Jobim, Vinícius e Toquinho com Miucha Gravado ao vivo no Canecão Acesso Distribuidora - R$ 39,90

LIVRO Livro de Letras

DVD + LIVRO Vinicius

Companhia das Letras - R$ 47,00

Paramount - R$ 79,90

MUSICAL Orfeu Negro

LIVRO Vinicius de Moraes, O Poeta da Paixão

Remontagem de Orfeu da Conceição Em cartaz. Consulte a agenda em:

José Castello

www.orfeunegro.net

Companhia das Letras - R$ 64,00

DOWNLOAD Acervo Digital www.brasiliana.usp.br


ainda não é hora de dispensá-lo


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SÁTIRAS Tiras sem desenho por MARCELO SARAVÁ

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apresenta

DUEL de mixt S

im, é uma Hattori Hanzo. Pelos poderes de Tarantino, a Manuscrita tem a honra de apresentar batalhas musicais épicas. Nossos célebres guerreiros estão prontos para digladiar. E os seus ouvidos, como vão? Calma, a coisa não é tão grave como parece. Acontece que, a cada edição da revista, você ganhará seleções musicais - as tais mixtapes e terá o poder de escolher qual dos nossos manuscritos se saiu melhor na disputa. O critério de decisão é seu... Experimente avaliar faixa por faixa, focar no estilo que mais lhe agrada ou até mesmo contar as calorias gastas dançando na frente do computador. Nossos modernos computadores - tecnologia tão avançada quanto a do sorteio da Telesena - estão aptos a receber seu voto por email (contato@manuscrita.com.br), pelo Twitter ou nos próprios comentários do Issuu. Basta dizer o nome do autor da mixtape. Combinado? Temos one hit wonders de montão. Músicas para sua mãe fazer ginástica, para sua irmã chorar vendo as fotos do ex namorado... Do rock groove até o rap. Som na caixa, deejay!


LO xtapes


Hugo Mendonça Hope - JACK JOHNSON Road Tripping - RED HOT CHILI PEPPERS At Last - ETTA JAMES What Am I To You? - NORAH JONES Wonderful Tonight - ERIC CLAPTON I’ve Got You Under My Skin - FRANK SINATRA The Masterplan - OASIS Strawberry Swing - COLDPLAY Right Next To You - ELIZABETH AND THE CATAPULT Somersault - ZERO 7

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DUELO 1

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André Oliveira THE JOLLY BROTHERS - Rehab JONATHAN RICHMAN - I’m Straight MORRISSEY - You’re the One For Me, Fatty KATE BUSH - Babooshka KYLIE MINOGUE - All The Lovers PRIMAL SCREAM - Country Girl BECK - Venus In Furs THE FLAMING LIPS - She Don’t Use Jelly THE LOUVIN BROTHERS - I Can’t Keep You in Love With Me ANCHORMAN - Afternoon Delight


Franklin Dassie Yoshimi Battles The Pink Robots (Part 1) - THE FLAMING LIPS Seven Nation Army - THE WHITE STRIPES The Next Girl - THE BLACK KEYS The Globe - BIG AUDIO DYNAMITE II Hey Ya! - OUTKAST Getting Up - Q-TIP Just By - TALIB KWELI Money - N.A.S.A. As We Enter - NAS AND DAMIEN MARLEY Beggin (Pilooski re-edit) - FRANKIE VALLIE

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DUELO 2

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Juarez Cruz SKUNK ANANSIE - My Ugly Boy DEPECHE MODE - Wrong THE CARDIGANS - For What It’s Worth SNOW PATROL - Run JAMIROQUAI - Runnaway LENNY KRAVITZ - Where Are We Running? ELASTICA - Car Song MILLENCOLIN - Fox FATBOY SLIM - Weapon Of Choice DEFTONES - Rocket Skates


Maçao Filho Misery - MAROON 5 I Almost Am - GRANGER SMITH Ruby - KAISER CHIEFS Hollywood - MICHAEL BUBLÉ Unendlich - SILBERMOND Crossfire - BRANDON FLOWERS The Man Who Can’t Be Moved - THE SCRIPT Marchin’ On - ONE REPUBLIC You And I Both - JASON MRAZ Your Body Is A Wonderland - JOHN MAYER

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DUELO 3

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Thamiel Duaik BALTIMORA - Tarzan Boy BOLSHOI - Sunday Morning ICEHOUSE - No Promises THE ROMANTICS - What I Like About You DESIRELESS - Voyage Voyage HUEY LEWIS AND THE NEWS - The Power Of Love GLENN FREY - The Heat Is On HUMAN LEAGUE - Don’t You Want Me ERASURE - A Little Respect DEXY’S MIDNIGHT RUNNERS - Come On Eileen


As fotos usadas nas páginas desta revista foram retiradas de arquivos pessoais, bancos virtuais livres ou através de reprodução de conteúdo próprio. As exceções estão especificadas.

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