HOMOFOBIA Remando numa tempestade familiar
A MÃE Lucinha Araújo e o legado do Exagerado
LEONI Tópicos a jato de um cantor digital
As crônicas
de
NAIRA
A saga de Chibbi, uma zumbi açucarada
revista mais do raro
A revista Manuscrita tem apenas 3 edições, mas já é bem grandinha...
16.320 leitores 205.525 páginas lidas (soma das duas primeiras edições)
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manifesto A
minha família transcende laços sanguíneos. Meu clã é feito a partir de disparidades, incongruências e desencontros. A simetria perfeita de quem não gosta do ordinário. Esbarrões não ocasionais em vidas que, mesmo valendose da didática do silêncio, têm a graça da continuidade desprendida. É uma tribo arrojada. Passional, devotada e constante, desbrava o inóspito para proteger-se mutuamente. Transita sem medo entre normalidade e loucura, desenhando novas rotas em mapas do tesouro. Empenha-se em proporcionar o riso ao outro, mesmo quando perdida em chagas invisíveis aos olhos. Todos são um pouco caciques que, entre danças da chuva e rituais mágicos, defendem-se das máculas mundanas. Cravam os saltos de seus sapatos e os solados de seus tênis em terra sempre firme. Conhecem a magnitude do amor incondicional por saberem ser opostos e não oponentes entre si. Nutrem preferências distintas por isso não interferir em seus valores comuns. Uma irmandade de votos perpétuos, selados por almas que vislumbraram, umas nas outras, o caminho a ser seguido. Seres meramente humanos, conscientes de que a vida é apenas um sopro e, não obstante, crentes de que a continuidade consiste na pluralidade dos sentidos.
Minha família é feroz, como uma alcateia que garante a segurançados mais frágeis e não se perde em meio a florestas sombrias. Não teme as fases da lua, os efeitos do tempo ou uivos de lobos solitários. Uma sociedade ilimitada. Edckson,o guia; Paulo, o irmão; Vera, o ventre; Yasmine,a guerreira; André,o único; Patrícia, a sábia; Maçao, o escolhido; Gilbert, o sublime; Erika, a tutora; Amanda, a gêmea; João Paulo,o decodificador; Cristiane, a rainha; Hugo,o intrépido; Juarez, o incomparável; Pawel,thewild; Thamiel,o poeta; Saravá, o pândego; Sayeg, o paradoxo; Franklin, o brother; Naira, a cronista. Árvores genealógicas inteiras se interligam pelo ímpeto visionário de sentir. A redenção do encontro de um clã raro, intenso e imensurável. O encontro de muitas vidas manuscritas.
Bijou Monteiro
fundadora e editora
editorial
G
ostou do nosso bebê bigodudo? Que bom. Melhor ainda se você gostar também das próximas páginas desta primeira edição de 2011. Nunca é demais tocar na tecla da despretensão... O time de colaboradores da Manuscrita, com todo o poder que a boa vontade dá, continua sua busca pelo raro. Cartas, xícaras, correntes, pérolas. Nosso caldeirão contém inúmeros ingredientes interessantes. Um dos assuntos da vez é o amor. Sabe aquele amor que aguenta até um “bom dia” não tão bom? Esse mesmo. Família. Quantos adjetivos cabem? Quantos problemas são possíveis? Uma coisa é certa: se você confia, pode contar. Mesmo que o assunto doa. Se essa revista fosse um jogo de tabuleiro (daqueles com centenas de casas para percorrer), você iniciaria a jornada por um papo com deusas, passaria pela rotina do bicho de estimação alheio e terminaria num conto com ar vitoriano. Nem precisa jogar os dados, basta folhear. A super Amanda Souza acabou de completar mais um ano de vida, mas – como diria o garoto propaganda das Casas Bahia – quem ganha o presente é você. Os presentes, no plural. Ela conversou com Lucinha Araújo, uma das mães mais famosas do país, e com o cantor Leone. Resultado: duas ótimas entrevistas. Você vai começar 2011 conhecendo uma figura impressionante. Temos muito para contar sobre a garota que está na capa da terceira edição da Manuscrita. A época também é de retrospectiva. Será que vamos sentir falta de 2010? Bom apetite. E não se esqueça de experimentar a sobremesa: sorvete de café.
Edckson Félix
editor
expediente OS MANUSCRITOS Amanda Souza
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Janeiro de 2011
André Oliveira
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Bijou Monteiro
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Cristiane Sita
cristiane@manuscrita.com.br
Edckson Félix
edckson@manuscrita.com.br
Erika Bueno
erika@manuscrita.com.br
Franklin Dassie
franklin@manuscrita.com.br
Gilbert Antonio
EDIÇÃO Bijou Monteiro
bijou@manuscrita.com.br
Edckson Félix
edckson@manuscrita.com.br
Paulo Segundo
paulo@manuscrita.com.br
gilbert@manuscrita.com.br
Hugo Mendonça
hugo@manuscrita.com.br
João Paulo Sá
joaopaulo@manuscrita.com.br
Juarez Cruz
juarez@manuscrita.com.br
Maçao Filho
macaofilho@manuscrita.com.br
PLANEJAMENTO EDITORIAL E DIAGRAMAÇÃO Edckson Félix
edckson@manuscrita.com.br
Marcelo Saravá
sarava@manuscrita.com.br
Marcelo Sayeg
Foto de capa: Acervo Pessoal
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Patrícia Coelho
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Paulo Segundo
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o que temos pra hoje? sirva-se: Carta Zero
Expresso
Status: Offline
Pecados Capitais
Rituais de Vida Aos pais homofóbicos, muito obrigado
Bom dia, amor
Um coração de gladiadora
Dog Days Are Over
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m Entrevista: Lucinha Araújo
Força Centrípeta 2011: O despertar para o encontro do seu farol
Herói da Resistência
Curriculum Vitae
Dois mil e dez
As cores do silêncio
Noites de falsas estrelas
Família contemporânea
colunas
106 Diálogos Notívagos Comigo Mesmo
108 Consultório Sentimental
110 Papo de Mãe
112 Cozinhando com Mademoiselle Bijou
seções
116 Sátiras - Tiras Sem Desenho
122 Duelo de Mixtapes
Carta
ZERO por AMANDA SOUZA 6/11/2010, 21h01min, em algum vagão de trem da CPTM
O
Louco continua louco. Sempre louco. Eternamente louco, enroscando a ponta de gancho dos seus sapatos pelas pedras que teimam atrapalhar-lhe o caminho.
Ele acorda na hora em que as pessoas comem seus PF’s frios pelos bares da vida, procrastinando ao máximo o retorno cinza ao batente, e vai dormir quase sempre quando os beatos se ajoelham sobre a madeira fria do genuflexório de suas casas, agradecendo a Deus (figura importante que ele, certamente, aprendeu a esquecer nos últimos tempos) por mais um dia em suas insignificantes vidas. É nessa hora que o Louco se levanta, esfrega os olhos baços e põe na cara os óculos de aros grossos, pensando que, através deles, poderá enxergar seus caminhos com mais clareza. O Louco calça os tais sapatos com suas pontas de gancho, como que tentando ser içado, através deles, ao seu mundo de sonhos. O Louco veste sua máscara débil, pré-pós-tudo-forever adolescente, e sai pelas ruas daquela cidade ensolarada que o abriga. Enquanto carrega, na trouxa que traz às costas, a jovem ovelha que caçou para o alimento de seu próprio ego (e que lhe servirá de sustento ao longo deste inverno duro que escolheu pra si), a velha cadela, por sua vez, prende-se com seus dentes gastos de roer o mesmo osso à parte de trás da barra da perna direita de suas calças rotas.
O Louco, todos os dias, desde então, tem caminhado assim: com a ovelha, provendo seu sustendo diário neste mundo de lobos uivantes que ele atraiu pra si. E com a cadela fazendo-lhe peso ao corpo em dias de cansaço e dor, enquanto ele caminha em direção a um lugar que nem ele mesmo ainda sabe qual é. E assim o louco continuará. Todos os dias. Até que, numa bela manhã, ele decida, depois de suas catarses sucessivas, que não quer mais ser Louco. Que, daquele dia em diante, ele será o Imperador. E se não optar por nada, em manhã nenhuma, o Louco sabe que morrerá. Seja de inanição, perdendo sua jovem ovelha-alimento, seja sucumbindo ao próprio cansaço existencial. E, nessa hora, a velha cadela de dentes gastos lhe lamberá a boca, nutrindo-se de sua saliva, velha conhecida.
EXPRESSO por PATRÍCIA COELHO
C
arrego bem dentro uma raiva contida que me faz tremer silenciosamente. Ela vem do medo absurdo, e inconfesso, que sinto; ele eu já não sei de onde vem. Feito fosse aquele pesadelo recorrente do qual sempre me esqueço ao despertar. Ressinto-me com
Fotografia: “Coffee & Sea”, by annia316
a luz da manhã que, sem nenhuma cerimônia, invade a janela do meu quarto e me tira da cama. Lá fora o verão, tomando as calçadas com seus banhistas, turistas, trombadinhas e um calor de todos os graus. Desço os degraus de ardósia, atrás de algum café decente que me diga bom dia. O porteiro me disse, só que eu não o vi. Como posso mudar a visão das coisas que foram veementemente negadas? Coisas que não quis enxergar, mesmo quando elas se revelavam, na mais completa claridade. Ainda tenho os mesmos olhos ao acordar. Uma pessoa talvez questione sua lucidez quando o que lhe for dito, como verdade, não for correspondente àquilo que vê. Há que se destruir os mitos, há que se matar os heróis. Viro a esquina e entro na padaria, em busca de sonhos recheados que me devolvam um pouco do conforto perdido. Papai nem sempre me protegeu. Mamãe não foi de todo a fonte de nutrição. As pessoas que mais amamos são isso aí: pessoas. O amor faz as expectativas elevadas e são essas expectativas que atrapalham tudo. Meu café só chega depois do segundo sonho que, em todo seu esplendor de creme e açúcar cristal, eu desfruto. Sábios antigos atestam: executar a ação livre do apego ao resultado, é a solução. Por gerações eles foram preparados para pensar assim. Eu, por minha
vez, nasci a fórceps; não queria vir a esse mundo por vontade própria. Desisto da segunda xícara antes da metade e encomendo meia dúzia de sonhos para o fim da tarde. Aceito, de má vontade, as balinhas de troco, estendidas a mim pelo caixa sorridente. Afinal, a fila tem que andar. Desvio dos ambulantes e seus badulaques para todos os gostos, espalhados pelas abalroadas calçadas de domingo. Lembro meu quarto, em toda sua penumbra e temperatura amena, aquela tentadora ideia da acomodação, bastante parecida com a covardia. Então esquivo da colisão iminente contra um senhor truculento, arrastando seu cão arfante avenida acima, depois levo a mão ao bolso à procura de um trocado para o menino no sinal. Antes de atravessar entrego a ele as moedas lambuzadas pelas balas, agora derretidas. Alugo a última cadeira, encaixando-a no espaço restante de areia banhada pelo sol a pino. Do meu lugar, calculo o melhor percurso para chegar ao mar, muito além dos guardasóis, salva-vidas, piscinas de plástico e castelos em construção. Planejo um mergulho de uma só vez, a despeito de possíveis choques térmicos e placas sinalizando “perigo”. O primeiro impacto é sempre enregelante. Por outro lado, depois da arrebentação, há calmaria a perder de vista. À distância, bem no fundo, as coisas parecem todas tão miúdas.
“Não há nada mais terrível que a ignorância em ação”.
GOETHE
Status:
OFFLINE por ANDRÉ OLIVEIRA
D
ivagando sobre o bloqueio literário, é fácil se estender um pouco mais sobre esse diabo da frustração, que demonstra nossa incapacidade de efetivar algum plano ou meta. Uma centena de problemas surge, ficamos infelizes, a vida vira uma desgraça e saímos por aí destilando tédio e rancor. O “Writer’s Block” é como um demônio, uma peste que vem ao nosso encontro e, como se fosse um encosto, se impregna na nossa presença, nos privando de realizar nossos planos. Os frustrados, coitados e inconformados escritores, que precisam entregar um texto no prazo. Os universitários e seus papers, resenhas e TCCs, com suas cruéis e fatídicas de-
adlines. Um músico, um roteirista ou um promotor de justiça, que precisa defender suas vítimas. Todas amostras de como esse exu pode se manifestar. Daí começam as receitas para fugir do tal bloqueio. Um monte de superstições e tentativas de explicação vêm à tona, nos corroendo, dilacerando e fazendo se sentir fracos, inúteis e incapazes por não conseguirmos dar o primeiro passo. O que fazer? Como canalizar nossas emoções para que nossos planos se efetivem? Não há, de fato, um método eficaz específico para que consigamos ser infalíveis e sempre produtivos. Mas é possível amenizar nossas frustrações podando alguns excessos que alimentam o carniceiro bloqueio. A euforia é um desses excessos que, muitas vezes, pior do que pôr a carroça na frente dos bois, nos faz simplesmente esquecer do gado e sair nós mesmos, sozinhos, puxando a carroça, ou pior, esquecê-la e acabar à beira de um precipício, onde o vácuo da frustração impera. As trevas das entidades literárias, o saci na camisa de força, a gaiola criativa. A covardia, a letargia, a falta de confiança e a auto-depreciação, formam um exército de pessoas irritadas, perdidas, depressivas e invejosas. É preciso fugir dos empecilhos como um cocainômano em “rehab” foge da cocaína. Daí realmente surge o desafio, que é partir pro ataque, levantar a bundinha da poltrona e ir à luta. E não adianta ir até uma livraria e comprar um manual de auto-ajuda ou ligar a TV no programa da Oprah, olhar para o espelho e dizer: Yes, I can! Isso é a mais idiota balela criada pela mídia, pois dita um tipo de comportamento opressor, com um positivismo esquizofrênico impregnado que só faz de nós escravos das regrinhas. O que há de ser feito é TRABALHAR, realizar, traçar metas e ir em frente, sempre focados no presente. Pois, fazer planos e continuar com a bunda enterrada no sofá, lendo Augusto Cury ou Rhonda Byrne e, logo em seguida, deixar bilhetinhos de sucesso na janela, na geladeira e sair mentalizando coisas que quer conseguir, é praticamente ficção científica misturada com dramalhões do Super Cine. Quer conquistar algo? Ótimo, mas faça um plano, uma pauta, e comece a realizar já, no presente.
Caso contrário, se imergir no platonismo subaquático só te fará um sonhador ridículo, a quem ninguém levará a sério. Calma, paciência e responsabilidade, no lugar de desespero, angústia e nervosismo, talvez essa seja uma boa diretriz. Conquistar a serenidade não é assim tão fácil, mas fácil não é uma palavra muito usável no dia a dia de quem preza por viver na realidade. As dificuldades não são inimigas, mas sim necessárias para uma evolução pessoal. Sexo, caixas de Bis de limão ou 3 maços de cigarro não são muito recomendados para procurar a serenidade. Começa a busca por objetos canalisadores para nos livrar do pandemônio e nos sentirmos produtores e viventes. Aí, surgem duas possibilidades - a catástrofe total ou uma enxurrada de insights magníficos. Caso for a primeira alternativa, mano do céu! Melhor deixar tudo de lado, ir à praia dar um mergulho, tomar uma Piña Colada e deixar para um pouco mais tarde, para que não faça algo que produza um contraponto desastroso a seu objetivo. Mas, se por felicidade, deixe vir o esplêndido eureka, sorria, pois o furacão imaginativo pode produzir verdadeiras pérolas. Ao longo da história, produtos inacreditáveis foram concebidos em momentos de total desencanação criativa, bem como obras de arte até hoje consagradas, que surgiram em momentos de total desprendimento. Muitos podem torcer o nariz lendo esse texto, e isso é totalmente esperado, pois queremos acreditar e teimar que existam atalhos, que podemos dar “um jeitinho” mais fácil para conseguir. Ou achar um absurdo que alguém duvide da sua incapacidade, se fixando em seu posto de inútil e fraco. Claro que a opção de não querer nada é basicamente respeitável, desde que ninguém mais tenha que se podar para te sustentar. Colocando de lado o lance “lição de moral”, o propósito dessa discussão é simples: lidar com planos já os concretizando, sem se esquecer do “negativismo produtivo”, ou melhor, dos empecilhos possíveis e escancarados por aí, os quais não podemos simplesmente fingir que não existem. É bom viver, mas a vida não é fácil. Ver o resultado de algo que almejou e construiu é uma das melhores sensações ever.
Pecados
CAPITAIS
por HUGO MENDONÇA
U
m “oi” seco, triste, sem que houvesse sequer a real intenção de cumprimento. Talvez não quisesse saber mesmo como você estava. Talvez não quisesse nem conversar contigo. Grandes chances de ter sido algo automático. Você via a mensagem brilhando na sua tela em meio à uma imagem da Casa Rosada, tweets e uma lista romântica de reprodução no Media Player, afinal de contas, tentava o término. Sai um “oi” como resposta. Medroso. Esperançoso. Cheio de ansiedade. Cheio de mágoas. Não é possível separar mais nenhum sentimento. Foi tudo muito intenso. Tanto o ódio quanto o amor. Tá bem... não usemos “ódio”. Palavra forte que pode significar mais do que deve. Usemos “raiva”. Agora já não importa mais. Talvez você quisesse dar outra chance. Seria o mais sensato a fazer.
gulho viria te assombrar anos depois, deixando uma marca em sua vida. De certa forma, você sempre fugiu das obviedades que abatem a todos no final de cada ano. Aquele último olhar para o passado. Nesse ano, 2010, parecia que o último olhar seria melancólico e sem sentido. Você queria apenas pensar em como seria o futuro. Planos amorosos: não tinha. Tudo se voltou para a carreira, os estudos, o dinheiro. Inconscientemente, você se enveredava pelos caminhos da avareza. Até que ela apareceu. No início da conversa, era apenas uma conversa. No fim, era um desejo. Seria, talvez, a prática insana da luxúria. Mas você não aguentou. O sorriso, a força, o bom humor, todos, sempre, acompanhados do “querer ser” feliz.
Seria. O orgulho dela não deixou. Como um buraco negro, avassalador, sugando todos os sentimentos bem nutridos durante tanto tempo, ele tolheu a última esperança do que poderia ter sido uma experiência fantástica.
Aquilo tudo maravilhou você. Aquilo tudo te conquistou. A única coisa não planejada em 2010 foi, também, a única coisa que fez com que você quisesse olhar para esse ano, caindo de joelhos diante da obviedade que te repugnava.
Não adianta. A luta é vã. Ela se nega a voltar atrás. Depois de sair magoado, você descobre que deve amar mais a si mesmo.
Esse ano foi decidido no apagar das luzes. No último momento você resolveu que era hora de seguir um caminho a dois. É hora de amadurecer. De crescer juntos.
Quando você estudava na escolinha católica, foi ensinado sobre os pecados capitais. Todos faziam piadinhas sobre a preguiça e a gula. Mal sabia você que o or-
Agora não podemos mais falar de pecados capitais. Tudo se resume em amor e nada mais.
Rituais de
VIDA
A
por CRISTIANE SITA
J
á repararam que nossa vida é recheada de datas basicamente rituais? São os aniversários celebrando um novo ano. A mudança das estações. O Natal. A Páscoa. O Ano Novo. Principalmente, neste último, temos a celebração da renovação. Partimos para os planos, as promessas, as decisões. Queremos renascer, simbolicamente, e, evoluir a partir daquela data. Com a chegada deste que se aproxima, perguntei-me qual seria a grande festa mitológica dos nossos amigos gregos e voilà: Mistérios dos Elêusis! O ritual dos Mistérios de Elêusis é a grande festa da Antiguidade, celebrada em nome de mãe e filha deusas: Demeter e Perséfone. As duas deusas representam o ciclo da natureza e sua força vital para o homem. Pouco se sabe dos rituais propriamente ditos, embora muito se procure sobre eles. No entanto, sabe-se que, como o nosso reveillon, esta data representava um recomeço. Para os antigos, dava-se com a chegada da primavera. Um dos signos utilizados era o grão de trigo, que deve morrer e ser sepultado nas entranhas da terra, para que possa renascer como planta, à luz do dia, depois de abrir caminho através da escuridão em que germina. Agora, vocês vão me perguntar o que estas duas moças têm a ver com a primavera. Eu vou responder contando a história de nossa Perséfone, seu rapto e a reação de mamy Deméter. O rapto de Perséfone, para quem gosta de artes, foi retratado em escultura por Bernini e o original dela está na Galleria Borghese, em Roma. Manuscrita também é turismo cultural, minha gente. E para completar nossas referências, vamos contar para vocês, e só para vocês, que o primeiro curta-metragem feito por Walt Disney para testar movimentos humanos, e que precedia Branca de Neve (o grande longa inaugural), foi “A Deusa da Primavera”, que nada mais é que nossa popstar mitológica, Perséfone!
Vamos às nossas bonecas da natureza! Oops! Deusas! Este mistério está todo centrado no rapto da nossa donzela. Perséfone, para quem não sabe, é filha de Zeus e da deusa da natureza, Deméter. Assim como time de futebol que não se escolhe, porque você nasce como seu pai te quer, nasceu deusa. Como a mãe, adora a natureza. Sabendo disso, Hades, Deus dos Ínferos – o reino dos mortos – a enganou. Naquela época, ninguém se utilizava de uma cantada básica. A moda era fisgar literalmente o objeto da paixão. Hades colocou uma linda flor no caminho, ao ir observá-la de perto, abriu-se a terra e Perséfone foi sugada num seqüestro não-relâmpago. A mãe ficou bastante aborrecida, não comeu por nove dias e secou a terra toda num inverno impiedoso. O pai, que é o manda-chuva, se preocupou com os humanos e fez um acordo com Hades. “Devolve a menina, que a coisa ficou feia”. Acho que também ficou com medo de Deméter, a mãe, ficar magra demais e lançar esta moda de anorexia. Hades, que de bobo não tem nada, deu a ela uma romã pra comer. Quem se alimenta no reino dos mortos, fica presa a
ele para sempre. Então, equacionaram assim: Perséfone volta, fica por nove meses com a mãe, no Monte Olimpo e três meses com Hades, lá embaixo. Quando ela volta ao Olimpo, começa a primavera e é desta história que surgiram as quatro estações. Climáticas, não a música do Vivaldi. Olha que coisa simples, olhando por este prisma! É um rapto apaixonado de uma adolescente que, por fim, volta ao colo da mamãe. Já não tão pura, e, bem, não volta pra todo o sempre. É a história de vida e evolução do ser humano, poeticamente representada neste mito e na chegada da primavera. Há todo um jogo metafórico entre a sua passagem para o mundo feminino adulto e as estações. Em um primeiro momento, a perda de sua condição de donzela parece trazer apenas o inverno, mas é este mesmo fato que possibilita a chegada da primavera. O ritmo das quatro estações dita, até hoje, o calendário da agricultura e, naquela época, essa atividade era a principal, daí a importância dos ritos de Elêusis. Neste Ano Novo, você, mulher ou homem, celebre sua própria primavera e seu verão. Floresça e colha seus frutos. Tome sol, hidrate-se, sinta-se livre pelos campos imaginários dos Elêusis. Faça seus próprios rituais e planos para criar um calendário novo e cheio de flores maravilhosas. Perséfone agradece. Deméter abençoa. Zeus e Hades provavelmente estarão jogando pôquer. Nós da Manuscrita estaremos comemorando, entre vinho e ambrosia, e você, leitor, está conosco.
Veja “Deusa da Primavera”, da Disney
Aos pais
HOMOFÓB por ERIKA BUENO
S
enhoras mães e senhores pais homofóbicos, aceitem este humilde e profundo agradecimento, em nome de milhões de jovens que sofrem calados dentro de seus quartos e, infelizmente, cometerão suicídio pelo simples fato de não serem aceitos por quem deveria amá-los incondicionalmente. Seus filhos homossexuais agradecem todo amor condicional que vocês lhes dão, afinal, amor “incondicional”, proveniente dos pais, só é válido para rebentos heterossexuais, não é mesmo? Os de orientação sexual diferente que se danem. Ou se convertam, é claro. “Eu te amo, meu filho... desde que você não seja viado, passe a se comportar feito macho e honre as calças que veste porque, caso contrário, você me causa vergonha”. “Eu te amo, minha filha... desde que você largue sua namorada, arrume um macho e se violente a cada vez que tiver que fazer sexo com ele, mas assim você me fará feliz”. Um mundo de gratidão àqueles que tornam a vida dos próprios filhos, bem como as vidas de namorados e namoradas, um verdadeiro inferno, fazendo com que tenham que se esconder, mentir e omitir aquilo que é importante na vida de todo filho: a descoberta do amor
BICOS,
muito obrigada! e da sexualidade, as primeiras experiências e, principalmente (ou inevitavelmente), a possibilidade de compartilhar o sofrimento por amor, afinal, ele sempre acontece, independente da orientação sexual de quem sofre. Nem toda a gratidão é suficiente para agradecer pais tão cegamente compreensivos a ponto de cercear a liberdade, garantida constitucionalmente, e privar os filhos da convivência com amigos, quase sempre injustamente apontados como causa ou incentivo do “desvio”. Caros pais, seus filhos já nasceram de uma determinada orientação sexual, ou seja, amigo nenhum os converterá ou os levará para o “mau caminho”. Santa ignorância. Agradecer é pouco quando tantas chantagens, terrorismo psicológico, agressões físicas e verbais são oferecidas de maneira indiscriminada e descabida a filhos homossexuais. E os agradecimentos mais especiais vão para aqueles pais que espancam e expulsam de casa seus filhos gays e suas filhas lésbicas, como se fossem animais. Se houvesse um prêmio no qual esses agradecimentos pudessem ser ditos, a cada um desses pais caberiam troféus especiais: da completa ignorância, da falta de amor ao próximo, da hipocrisia e da ausência de sensibilidade.
Bom dia,
por MAÇAO FILHO
S
ei que seria um crime imperdoável te acordar antes da dez em pleno domingo, mesmo sendo teu aniversário, eu sendo teu namorado e tendo a melhor das intenções. Nós dois sabemos que, mesmo fingindo não se incomodar, você me xingaria mentalmente. Sim, eu sei que você já está me xingando mentalmente enquanto lê isso. Que espécie de namorado é esse que viaja para o outro lado do país bem na semana do teu aniversário? Um grande tratante, eu sei. E imagino a alegria da sua mãe em ter uma desculpa pra
falar mal de mim. Mas você sabe que eu não tinha opção. Com a empresa do jeito que anda, eu não podia desperdiçar uma oportunidade dessas. Você mesma me disse isso, lembra? “Faça o que você achar melhor, sabe que tem o meu apoio”. E eu podia ver nos seus olhos o quanto te custava me dizer isso. Assim como sabia o quanto você se arrependeria dessas palavras no instante em que me visse embarcando naquele avião. E fiquei repetindo pra mim mesmo que era, de fato, a coisa sensata a fazer e que, no fim das contas, valeria a pena. Agora, enquanto te escrevo, me ocorre que é só o que tenho feito ultimamente. Tentado bancar o cara responsável que pensa no futuro e toma, sem hesitar,
as atitudes que a vida exige. Tentado ser o tipo de homem que você teria orgulho de mostrar pra suas amigas e sua família e dizer: “Aquele é o meu namorado”. E percebo, com lamentável atraso, que tenho percorrido exatamente o caminho na direção contrária. Homens são mesmo babacas, não? Lembra quando seu pai disse que eu não servia pra você porque não era maduro o bastante? Vocês ficaram sem se falar durante quase dois meses e sua mãe me detestou mais do que nunca. Mas não é que ele tinha razão? E, sim, essa é a primeira vez em que concordo com ele. Sempre tão preocupado em ser o homem que você merece ter, eu fiz trocentas trapalhadas inadmissíveis. Todas em nome
do que eu julgava extremamente necessário para sua tão merecida felicidade. E esqueci do óbvio e mais essencial: continuar sendo aquele cara por quem você se apaixonou cinco anos atrás, conversando sobre literatura e cinema. Quantas vezes deixei de me encontrar contigo por causa das minhas reuniões inadiáveis? Tantas viagens de negócios e noites em que cheguei tarde demais em casa porque tinha feito hora extra de novo. Absolutamente crente de que estava fazendo a coisa certa. Precisei estar a quilômetros de você pra me dar conta de tudo isso. E não podia deixar de te dizer. Não quero, não preciso e não serei o homem que se mata de trabalhar para garantir um alto estilo de vida para sua mulher. Quero ser o que tem tempo para se dedicar a ela ao máximo possível. Que sabe reconhecer as prioridades que se
deve ter na vida. Pois é disso que se trata ser uma família. Saber reconhecer a importância das pessoas ao seu redor e, portanto, agir de acordo. E a verdade, amor, é que nada me importa mais do que você, do que poder construir uma família ao seu lado. Daquele jeitinho que você sempre quis. Poder construir um lar para chamar de nosso, uma rotina para quebrar com loucuras românticas e uma vida para preencher todo esse espaço tão especial que você guarda para o nosso futuro, bem aí nos seus sonhos. É por causa de tudo isso que eu voltei no primeiro vôo disponível ontem à tarde. E estou aqui na sala esperando com um buquê de lírios, seus favoritos, e aquele anel que você sempre jurou não querer porque era caro demais. Eu te amo. Feliz aniversário. Casa comigo?
Um coração de
GLADIADORA por BIJOU MONTEIRO
T
oda grande jornada requer três elementos essenciais: ímpeto, coração de gladiador e magia transcendental.
Nos munimos de ímpeto para que, ao longo do caminho, a gana pelo triunfo seja maior do que a sedução que o ostracismo exala. Em campo aberto, colocamos nosso coração de gladiador como o escudo que nossos oponentes não perfurarão com sua amargura. Por fim, conclamamos a magia transcendental para que, seja qual for a batalha - e até o resultado dela - a energia armazenada seja o pleno investimento que a vida requer. Naira, nossa guerreira pela própria natureza, não só vem de uma grande jornada, mas tem em si os três elementos essenciais da vida. O codinome é Chibbi, embora tanto o nome próprio quanto o apelido evoquem a mesma ninfa fã de Walt Disney, Mark Ryden e Marilyn Manson. Nasceu no interior de São Paulo, única filha menina de família tradicional e de ascendência judaica. Eramimada com pérolas, roupas fofas e CDs
importados do Hanson. Vegetariana desde os 6 anos de idade, nao gostava dos Backstreet Boys por achar que eles ofucavam a triade loira de irmãos. Surda de um ouvido desde nascença, Naira se metia em confusão involuntariamente, mesmo quando quietinha. Sentava-se ao fundo da classe para ver e, especialmente, ouvir o que todos diziam e, não obstante, tentar defender-se. A superproteção familiar não penetrava os muros do colégio, tornando, assim, vulnerável a menina que desde cedo “acreditava não se encaixar”. Um combo desconexo de ateiapatricinha-revoltada- e-preconceituosa, elementos que contrastavam com sua fragilidade iminente. No auge da adolescência, no entanto, nosso enredo linear ganha reviravolta enquanto Naira andava de bicicleta. Um acidente. Uma queda. Um renascer. Com traumatismo craniano, Chibbi conheceu a matemática da morte com 3 dias em coma, 5 na UTI, 12, ao todo, no hospital, 10 horas de cirurgia e 257 pontos na cabeça. Desaprendeu a andar e, ao recobrar os passos, foi ao banheiro sozinha e não reconheceu seu rosto inchado no espelho. Entre dormir e acordar, reclamava com a mãe sobre a luz insistente que parecia acesa ao lado de seu leito. A matriarca respondia que o quarto estava inteiramente escuro. Don’t follow the lights, certa vez Gollum disse a Frodo. Naira não estava a caminho de Mordor, mas escolheu não seguir as luzes e, assim, sobreviveu. Voltou para casa sentindo-se esquisita. Adentrou seu quarto odian-
do as paredes azuis e o pôster do Hanson ali pendurado. Os médicos alertaram a família que, de alguma forma cientificamente inexplicável, vítimas de traumatismo craniano adotam modus operandi diferente do anterior ao acidente. Assim sendo, seria normal se Chibbi se mostrasse azeda nos primeiros meses ou, inclusive, tivesse reflexos lentos. O que ninguém avisou – ou até previu – é que Naira mandaria embora as roupas fofoléticas, preenchendo o guarda-roupa com peças escuras, majoritariamente pretas, adquiridas em brechós. Os CDs do Hanson foram repudiados repudiados com profundo afinco, assim como quase tudo vivido até então.
A antiga Naira, que já sentia não se encaixar, deu vazão a uma nova alma que, alvo de bullying entre os colegas de sala, não tinha amigos que a defendessem e, mais ainda, buscassem compreende-la. Mudou de colégio. Um recomeço. Naira era sedenta por expressão, vida, teatro, palco e Yoga. Sua única amiga era Ana, adolescente de 170 quilos, também excluída e ridicularizada pela turma, mas com a genialidade que nenhum outro aluno exibia. Chibbi via o mundo pela internet. Os lugares para onde queria viajar, as pessoas com filosofias de vida que lhe atraiam e o conhecimento que ansiava absorver. Começou a fazer amigos online, muitos deles tendo se tornado seus irmãos escolhidos, e, com o fim do colegial, decidiu ser designer. O pai, no entanto, negou a realização do sonho da filha, já que o curso era disponível apenas na capital, e recomendou que ela se contentasse em estudar o que a universidade do interior oferecia. Para tentar entender o mundo e se sentir menos outsider, Naira optou pela faculdade de psicologia. No período acadêmico, nossa protagonista, novamente, não fez infinitos amigos, mas conheceu Evelyn, a fiel escudeira com quem Naira divide uma tatuagem de estrelinha na nuca, o professor de filosofia, tido como louco por perambular com a aluna pelo campus e, por fim, Rafaela, a melhor amiga responsável por mudar a vida de Chibbi. Além do trio mencionado, só quem não rechaçava Naira eram os estudantes mais velhos do curso, já calejados pelo mundo e conscientes que nossa menina, canceriana, com ascendente em Áries e lua em Câncer, merecia afeto, dedicação e amor infinitos. Começaram, assim, as tatuagens. Os bodyartists do interior deslumbravam-se com a ideia de testar suas habilidades em Naira e ela, por sua vez,
pesquisava os desenhos que imprimiria na pele, fazendo do corpo uma galeria de arte. O pai, obviamente, não sabia dos rabiscos. Via a filha sempre coberta por calças e camisetas largas. Contudo, Chibbi notificava a mãe sempre que mais uma tatuagem era feita. Os desenhos só eram exibidos, com blusinhas mais justas, quando Naira e Rafa andavam de skate pela cidade, sendo sempre apontadas como “as sapatas da cidade”. Enquanto Chibbi desprezava a ignorância provinciana e continuava suas tatuagens por amor a arte, Rafa modificava seu corpo como ato de automutilação e que a abstraísse das rejeições sofridas. Na esfera afetiva, Naira ainda não havia encontrado seu boy magia. Beijou pela primeira vez aos 17 anos e o contemplado foi um garoto tatuado, morador de uma cidade vizinha. De volta ao mundo real, Chibbi explorava, cada vez mais, a filosofia e o mundo incessante do autoconhecimento, destoando da mentalidade de quem a cercava. Começou a trabalhar numa loja de streetwear, onde tinha um patrão gente fina e podia se expressar livremente, sem a censura dos pais. Mas, como a vida de Chibbi é quase um roteiro de Tarantino, um desfecho chocante bateu à sua porta. Rafaela enforcou-se. Escoteira quando pequena, conhecia nós suficientes para sustentar sua opção. Ligou para Naira para se despedir, não tendo sido atendida porque nossa protagonista tem o sono pesado. Deixou uma carta pedindo que sua família tivesse mais amor e menos pré-julgamento. Partiu em grande estilo, usando o vestido cor de rosa social que Naira jamais conceberia no estilo da amiga. A morte de Rafa não foi apenas um marco trágico na cidade do interior. Mas o marco zero de nossa gladiadora. Na mesma época, quase que num inferno astral contínuo, o pai de Chibbi descobriu as suas tatuagens e lhe deu uma surra que rendeu quatro meses de braço imobilizado. O curso de psicologia foi trancada em seu quarto ano, seguindo os conselhos do próprio professor de filosofia. Sem Rafaela, Naira precisava reaprender a viver. Mudouse para São Paulo e foi morar na periferia, juntamente com um rapaz desprovido de magia, mas de quem, por um tempo, Chibbi foi noiva. Nessa época Naira desco-
briu o que era comer pouco, mas por necessidade e não estética. Nossa ninfa trabalhava numa loja e o dinheiro que recebia era usado para ajudar nas despesas da família do noivo. A princesa que um dia gostava de pérolas agora lavava o cabelo com sabão em pedra. Chibbi não se acomodou no romance fadado ao fracasso ou a condição de arrimo de família. Arrumou as malas e foi morar com um amigo para que, meses depois, se mudasse para uma república, sem nunca cogitar voltar atrás e, diante dos muitos percalços, morar novamente com os pais. Longe do que parecia cárcere privado, pelo menos no que concerne a livre expressão, Naira não só podia exibir com orgulho suas tatuagens, mas multiplica-las, perpetuando a verdadeira arte e, mais ainda, todo conteúdo absorvido nos livros durante os anos de isolamento forçado. Juntamente com os desenhos coloridos sobre a pele, Chibbi investiu em implantes subdermais de silicone, na altura do colo, feitos do mesmo material usado em procedimentos estéticos, mas sem a finalidade de transformar nossa protagonista num cosplay de Dolly Parton. Os alargadores ficaram maiores a passos largos, assim como os muitos piercings que mudavam de lugar quando Naira se via enjoada deles . A língua foi bifurcada com anestesia, as sobrancelhas raspadas vez ou outra, a pele ganhou scarnification de diamante e caveirinha, as têmporas foram adornadas com implantes transdermais e, por fim, o cabelo libertou-se da chapinha e ganhou dreadlocks.
Ao contrário dos que investem em bodymodification para atrair flashes, Naira visa apenas libertar a criatividade que não carece de contenção. Reconhece na suspensão, por exemplo, um rito de passagem espiritual e, mesmo não a tendo feito, diagnostica rapidamente quem a faz por crença, moda ou mera experimentação. Troca o hambúrguer de minhoca pelo de soja. Não gosta de açúcar, não bebe, não fuma, não assunta a vida alheia e nunca se drogou para se enturmar. Já foi casada. Beija na boca só quando apaixonada, estuda a cultura indiana, adora HelloKitty, salva animais em perigo e ainda faz o melhor macarrão de que se tem notícia. Divide o apartamento com as whippets Lola e Daisy, curte filmes de terror e ainda se fantasia de zumbi sempre que possível. Gosta tanto do reino dos mortos-vivos que foi uma das pessoas mais fotografadas e
divulgadas na Zombie Walk 2010. Mesmo não sendo fã de doces, cede aos encantos de cupcakes coloridos e frozenyogurt. Se diverte em qualquer passeio e não liga que impliquem comela, desde que ninguém mexa com os seus amigos. Aproveitou o traquejo com público, advindo não só do curso de psicologia, mas das várias lojas bacanudas onde trabalhou, para assumir o posto de hostess numa balada em bairro nobre paulistano. Aprendeu a tirar de letra clientes grosseiros, especialmente a senhora de meia-idade que, recentemente, mordeu e arranhou Naira, ao se sentir contrariada pelas regras para fumantes da casa. Diante da agressão, Chibbi permaneceu plácida e, instantes depois foi reverenciada com um pedido de perdão da cliente descompensada. Agressividade, aliás, é o que Naira mais atrai, mesmo involuntariamente – assim como na adolescência -, quando, por
exemplo, alguém a olha torto ou procura manter-se longe dela no ônibus. Alheia à ignorância segregadora, Chibbi segue feliz pela vida e não arruína seus dias com dissabores momentâneos. Embora até fosse justificável, Naira se recusar a encarnar o papel de vítima, refém ou mártir social. Sabe que tal papel amargo não lhe favoreceria. Assim como Guy Fawkes, prefere explodir o parlamento da estupidez com a força desbravadora de seu intelecto.
Sonha coisas comuns, como ter uma vida estável, casa própria e ser designer. Mas também sonha em conhecer os Estados Unidos e lá nadar com uma baleia, quase que num remake de “Free Willy”.
Se diverte com pouco, transitando alegremente entre as barraquinhas do bairro da Liberdade e os camelôs da 25 de Março. É simples, altruísta e engraçada, do tipo que imita as pessoas na rua sem que elas percebam.
Se sua vida tivesse trilha sonora, Marilyn Manson certamente cantaria “Disassociative” para Chibbi dormir. Por fim, se tivesse que recomendar apenas uma imagem, “Girl eatenby a tree”, de Mark Ryden, seria a escolha indicada.
É guerreira, antropóloga instintiva e artista sensitiva. Fez as pazes com a família, especialmente com o pai que, agora orgulhoso, compreende que a filha preferiu a contramão da normalidade para edificar seu legado.
Essa é a história de Naira. Chibbi. Ninfa. Mulher. Guerreira. Zumbi. Hostess. Menina. Mãe de Lola e Daisy. Militante. Filha. Irmã. Única. Revolucionária. Mais do raro.
Gostaria de ver o mundo livre de fumantes, florestas desmatadas, lixo jogado na rua, atrocidades com animais e motoristas que usam seus carros como tanques de guerra.
Manuscrita.
DOG DAYS are over
por PAWEL LITWINSKI
entrevista
LUCINHA ARAÚJO
por AMANDA SOUZA
E
Fotos: Acervo Pessoal
la tinha tudo para ser mais uma senhora de classe média alta da zona sul do Rio de Janeiro. Teve uma educação rígida e estudou no colégio SacréCoeur de Marie, um dos mais tradicionais da cidade. Jovem de espírito irrequieto, desafiou a família ao namorar e, posteriormente, se casar, com um homem bonito (“dava trabalho”, como dizia sua mãe) e que ganhava menos que ela, costurando pra fora. Foi mãe de filho único. Mas não, seu filho não foi qualquer um. Um poeta que herdou da mãe a personalidade intensa, mas que teve de viver um tempo de trevas, sendo jovem no negro período da ditadura militar no Brasil. Além disso, foi um filho amado e protegido em alto grau. Um filho que nunca escondeu gostar da noite, dos becos, das drogas, das bebidas. Que nunca escondeu sua bissexualidade. Um filho que, numa época em que falar do assunto ainda era tabu, foi às paginas da maior revista semanal do país assumir publicamente que sim, estava doente, e por causa do vírus da AIDS. Um filho que apontou sua metralhadora na forma de versos para todos aqueles que ousassem incomodá-lo, seja lá por que razão, mas que tinha uma capacidade única de falar de amor de forma simples e (por que não?) bela. Um filho que a deixou aos 32 anos de idade, deixando em seu peito um
vácuo impossível de ser suprido, mesmo passados 20 anos de sua morte. Um filho que, mesmo sem ter deixado herdeiros sanguíneos, deixou uma legião de jovens órfã, que vem crescendo ano após ano. Lucinha Araújo, hoje com 74 anos, optou por acordar do luto causado pela morte de Cazuza lutando, à sua maneira, contra a doença que levou seu filho. Três meses após a partida do eterno Exagerado, fundou a Sociedade Viva Cazuza, que, atualmente, abriga 20 crianças e adolescentes que têm o vírus da AIDS (o mais novo tem apenas dois meses de vida e, a mais velha, 17 anos). Além disso, desenvolve um Projeto de Adesão ao Tratamento, que conta com 140 pacientes em acompanhamento ambulatorial na rede pública, que recebem, além do atendimento, uma cesta básica por mês e ajuda em questões relativas ao preconceito com relação à doença. E é no mês da luta mundial contra a AIDS que ela fala para a Manuscrita e nos conta um pouco de como é o seu universo hoje, sendo mãe de tantas crianças e do legado inestimável deixado por seu filho. Afinal, não é qualquer mulher que tem a capacidade de aumentar e administrar uma família deste tamanho, e sob tantas dificuldades (como você verá a seguir). Sim, Lucinha é mais do raro. E, aliás, tem um coração de aço.
MANUSCRITA - Hoje, 20 anos após a morte de Cazuza, várias crianças contaminadas pelo vírus da AIDS têm o privilégio de estarem vivas justamente porque ele se foi devido a essa doença. Como a senhora encara essa ironia do destino? LUCINHA ARAÚJO - Realmente; todos os dias, me passa esse filme na cabeça, mas ainda bem que essa ironia fez com que ajudasse muitas pessoas. Mas, infelizmente, precisou que meu filho morresse para que isso acontecesse.
No prefácio do primeiro livro da senhora (Cazuza – Só as mães são felizes, lançado em 1997), a senhora diz que alguns de seus erros na criação de Cazuza foram o excesso de zelo e a cegueira que a impediu de enxergar o grande poeta que ele era. Não teriam sido justamente esses erros (e o posterior reconhecimento público deles) que fizeram da senhora o grande exemplo de mãe e mulher que se tornou? Não me considero exemplo para ninguém, mas gostaria que minha experiência ajudasse a uma mãe que fosse. Quanto à mulher que me tornei, ninguém passa impunemente pelo que passei e sai igual. Sempre muda para melhor.
Ao longo dos primeiros meses que sucederam a morte de seu filho, a senhora virou as costas para qualquer vestígio que a lembrasse da doença que levou Cazuza. O que a despertou a batalhar pela causa? Até então, eu não sabia que a AIDS era uma doença que contamina quem tem o vírus e contagia quem está em volta. Descobri que não poderia colocar a cabeça no travesseiro e dormir se não estivesse fazendo alguma coisa por pessoas que não tinham meios, como nós, de sustentar uma doença tão cara.
Sabe-se que os direitos autorais de Cazuza não chegam a cobrir nem 10% dos custos de uma casa como a Sociedade Viva Cazuza. De onde provém, hoje, o restante da verba que a mantém mensalmente? A Viva Cazuza sobrevive dos direitos autorais de Cazuza, doações, eventos beneficentes e eventuais convênios com órgãos públicos. Infelizmente, a cada dia é mais difícil manter os projetos.
A casa de Laranjeiras (bairro da zona sul do Rio de Janeiro) que hoje é sede da Viva Cazuza foi-lhes doada pelo então prefeito do César Maia. Como é a relação de vocês com a prefeitura atual? Vocês recebem algum tipo de ajuda do município? A casa não foi doada e sim foi-nos dada uma cessão de uso por 10 em 10 anos renováveis. Nossa relação com a prefeitura atual é excelente e não há perigo de perdermos a casa. Acho que este tipo de ajuda já é muito grande, nos impossibilitando de pedir outras coisas. Lembramos ainda que, no terreno, gastamos mais de 500 mil reais reformando e construindo.
Há pouco mais de um ano, veio a público que a Viva Cazuza passava por grave crise financeira, sendo, inclusive, ameaçada de fechamen-
to. Essa crise foi contornada? O que, até hoje, fez com que a Sociedade não fosse fechada? Muitas preces, sangue, suor e lágrimas. Além disso, sempre vem um socorro no fim do mês. Mas isso abala nossos corações, comprometendo ainda mais o meu.
A senhora, no ano passado, revelou em uma entrevista que uma das principais razões para o agravamento da crise financeira da Viva Cazuza foi a suspensão da ajuda que recebiam do governo federal durante o governo Lula, e que tentaria uma audiência com o presidente para lhe pedir ajuda. A senhora conseguiu o que pretendia (falar pessoalmente com o presidente)? Infelizmente, não consegui nem o que pretendia e nem a audiência. Mandei uma correspondência, que foi respondida
gura de seu filho lhes é apresentada? Elas têm a real dimensão do que foi e é até hoje a figura dele? dizendo que minha solicitação seria providenciada. Isso já faz um ano e, até agora, nenhum retorno.
O que falta por parte do governo federal para que ONGs como a Viva Cazuza possam funcionar com maior segurança financeira? Acho que o que falta é visibilidade para a AIDS e isso não depende só do governo. De uma maneira geral, a doença foi banalizada, saiu de moda e cada dia é mais difícil conseguir doações para ações que visem o combate à AIDS.
A SVC cuida de crianças e adolescentes das mais variadas idades. Porém, nenhuma delas chegou a acompanhar o trabalho de Cazuza. Como a fi-
Desde a fundação, fiz questão de passar para as crianças o motivo da abertura desta casa, quem foi meu filho e o que é a doença que o levou. A maioria deles já leu o livro “Cazuza, só as mães são felizes” e acredito que os amigos e as pessoas que convivem com eles já lhes deram a real dimensão de quem foi Cazuza.
Como é, na prática, ser mãe de 20 crianças? Como fica o casamento e a vida social de uma mãe tão necessária e requisitada? João Araújo, o marido da senhora, também participa do dia-a-dia da Viva Cazuza? Ninguém faz nada sozinho. Tenho uma grande equipe na qual confio e divido responsabilidades. Minha vida se divide 50% no meu casamento, que já dura 54 anos e os outros 50%, dedicados à Socie-
dade Viva Cazuza, onde recarrego minhas baterias. Quanto à participação no dia-a-dia de João na Viva Cazuza limita-se a ser meu conselheiro particular e sua presença física só é notada na festa de natal.
De que forma essas crianças chegaram até a senhora? A relação da SVC com o Juizado de Menores é tranquila? A maioria chega através do Juizado de Menores. Outros, pelas mãos de algum familiar, mas existe sempre um processo judicial por trás. Reconheço que já foi pior. Hoje em dia, juntei a experiência adquirida ao longo desses anos e, na mudança de Juiz, encontrei o equilíbrio.
Como, na visão da senhora, encontra-se a questão do preconceito aos portadores do vírus HIV hoje em dia? Acho que já foi pior, mas que existe, existe.
As crianças lidam de que maneira com a doença que elas têm? Não deixamos uma pergunta sem resposta. Respondemos de acordo com a capacidade de compreensão de cada uma, sempre com total franqueza.
Na opinião da senhora, o que difere a geração de jovens da qual Cazuza foi um dos grandes representantes e a geração de jovens de hoje? A geração de Cazuza foi a da ditadura militar, do AI5. Passou muito tempo sem votar para presidente. Ou seja, precisavam protestar, fosse por escrito, cantando ou em passeatas. Acho que Cazuza fez o papel dele. Quanto à geração dos jovens de hoje, percebo que estão um tanto o quanto alienados.
A senhora revelou, em uma entrevista concedida neste ano de 2010, que irá lançar em breve um livro sobre a Sociedade Viva Cazuza. Como será este livro? Já há previsão de lançamento para ele? O livro está pronto, entregue à Editora Globo. Porém, o lançamento e data dependem da editora.
Depois de perder um filho aos 32 anos, superar um câncer de mama e colocar um marca-passo no coração, a senhora tem medo da morte? E quando ela chegar, quem dará continuidade ao trabalho que a senhora já desenvolveu ao longo desses 20 anos? Você esqueceu que tenho nove stents no coração, além do marca-passo. Diria que sou uma mulher biônica. Quanto a ter medo da morte, depois de ter um filho tão corajoso que assistiu à sua morte anunciada e morreu aos 32 anos, não a tenho. Espero ficar mais uns 10 anos por aqui, torcendo para que apareça uma pessoa para dar continuidade ao trabalho, de preferência um de meus colaboradores aqui da Viva Cazuza.
É de conhecimento público tudo o que a senhora fez por Cazuza e, consequentemente, hoje, faz pelas crianças da Sociedade Viva Cazuza. Como, aos 74 de uma vida de tantos acontecimentos, Lucinha Araújo definiria a expressão “amor de mãe”? Realmente, tédio nunca houve na minha vida. Quanto à definição do “amor de mãe”, considero que os pais, ao colocarem um filho no mundo, têm a obrigação de fazê-lo feliz, nem que seja à custa de sua própria felicidade, passando por cima de qualquer coisa.
AJUDE A SOCIEDADE VIVA CAZUZA Contribuições financeiras: Banco Bradesco, Agência 887, c/c conta 26901-8 Através do site www.vivacazuza.org.br Agende sua visita às crianças (às quintas-feiras), através do telefone: (21) 2551-5368
Forรงa
CENTRร P
PETA A famĂlia em exame
por PAULO SEGUNDO
A
credito que uma das atividades mais infelizes – mas talvez mais divertidas e instigantes – que um ser humano pode realizar, quando está sozinho, por questões acadêmicas, profissionais ou mesmo pelo tédio do convívio interpessoal, é escutar as conversar alheias. A descontextualização e o desconhecimento dos outros, em geral, leva as pessoas a avaliarem tudo o que é dito com um leve quê de bizarrice ou estranhamento. No entanto, algumas vezes, certos comentários induzem a reflexão. Em um desses momentos, ouço duas senhoras, já mães, com cerca de 40 anos, comentarem sobre os amigos dos filhos. Um deles – que parecia ser um amigo comum aos rebentos de ambas as senhoras – teve sua imagem totalmente execrada. Segundo as duas, ele fumava, bebia, não tinha bons modos, faltava com respeito em relação aos mais velhos, era folgado, etc. A conclusão: “não tinha família”. Rio. Pergunto-me se ele viveria sozinho ou se teria condições de se manter, financeiramente, por conta própria e estudar em uma escola de elite paulistana com seu ganha-pão adolescente. Ouço atentamente a todas as críticas à “família inexistente” do garoto e à exaltação dos próprios filhos realizada pelas duas senhoras, numa atividade que parecia muito mais servir como meio de elas se convencerem de que os seus valores, sua educação e seu papel familiar eram, de fato, bem executados e superiores aos das outras mães e famílias. Recentemente, no caso da agressão ao grupo de homossexuais na Avenida Paulista, realizada por um grupo de adolescentes supostamente regidos por uma atitude homofóbica, o promotor responsável deu a entender que faltou atitude aos pais, afirmando que pai de verdade deveria saber dizer “não” para que seus filhos adquiram parâmetros essenciais para um comportamento adequado, ou seja, valores e atitudes condizentes com a realidade contemporânea. Igrejas repetem, em uma constância fervorosa, que a estrutura familiar está em decadência, que os filhos não respeitam mais os pais e que estes, movidos pela necessidade de exercer uma atividade profissional, relegam
o cuidado dos filhos a terceiros. Escolas acusam pais de não educarem as crianças, afirmando queestas não sabem se comportar em aula nem tratar adequadamente professores, colegas e funcionários. Em suma, a família – e, em especial, os pais – tornam-se alvo de uma série de críticas mordazes das mais diferentes esferas, e os jovens, na maioria das vezes, são tratados como vítimas de uma educação ineficiente que lhes tolheu um potencial criativo e construtivo – e, claro, inerentemente puro e bom. Duas questões emergem, então, de uma maneira peculiar aqui: qual a representação hegemônica que circula em sociedade sobre o papel da família e de seus membros? Em segundo lugar, cabe pensar em qual é a visão que a sociedade assume em relação aos jovens e qual a visão que os jovens possuem de si mesmos em sociedade, refletindo acerca do modo pelo qual tais visões afetam a própria representação da família. Iniciemos pelo papel que a família assume na sociedade contemporânea. O discurso do senso-comum responsabiliza a família pelo processo edu-
cacional mais básico do sujeito, o que corresponde, em maior ou menor grau, à realidade, embora, em muitos casos, se menospreze o papel de instituições, como a escolinha, a Igreja, o condomínio, nesse processo.Desse modo, como as mães do início da história, se alguma postura considerada desviante emerge de um indivíduo, a culpa acaba, inevitavelmente, sendo atribuída à falta de estrutura familiar, eximindo, muitas vezes, o praticante de responsabilidade, especialmente se for menor de idade. Nesse sentido, a família se torna bode expiatório de tudo aquilo que falha e, ao mesmo tempo, razão primária de tudo aquilo que é bem sucedido. A partir do momento que ela é vista como a instituição formadora por excelência, o centro de seu foco deve ser aquele que requisita, justamente, uma formação elementar – a criança e, posteriormente, o adolescente. Colocando a criança no centro, a família passa a tornar-se subsidiária das necessidades daquela, e os pais são instados a adaptar-se diante do novo indivíduo, sob a acusação de negligência, em caso de não-adaptação – o que, em algumas situações, de fato, ocorre.
O interessante é que a virada da centralização da criança na família parece ter ocorrido, segundo alguns especialistas, com o advento do Estado Moderno e da consolidação do capitalismo e da burguesia como classe social dominante. A necessidade de preparar as crianças para os negócios, o que incluía uma cada vez maior exigência da atividade de leitura, escrita e cálculo, impulsionada pelo protestantismo crescente, requisitava uma maior dedicação a atividades acadêmicas e profissionalizantes, essenciais para a consolidação de um adulto capaz de exercer sua atividade no mercado. Por conseguinte, o mundo dos adultos separa-se
do mundo das crianças, e segredos passam a se constituir na linha divisória entre aquilo que é o universo de um e de outro, o que dificilmente ocorria na Idade Média. Nesta época, a própria ausência de divisão entre os cômodos das casas dos servos dava um exemplo dessa falta de cisão.
consistiu na sexualidade é algo potencialmente alcançável pelo adolescente – mas não pela criança –, o que acarreta a primeira grande contradição deste grupo: querer, mas não poder. No entanto, não se trata, em geral, de não poder por incapacidade, mas não poder por bloqueio ético-moral exterior.
Nesse sentido, a linha divisória entre um universo e outro passa a ser definida pela questão do preparo, de modo que a aquisição dessa preparação torna-se cada vez maior à medida que as exigências para o ingresso bem-sucedido no mercado de trabalho capitalista se tornam mais rígidas. A adolescência – extensão da infância que mais ou menos corresponde ao período em que a puberdade se inicia até o fim do preparo para a idade adulta – consolida-se, então, no século XIX, como uma nova fase de desenvolvimento do ser humano, como uma preparação ulterior.
Obviamente, a contemporaneidade, com suas mudanças estruturais nos processos de intimidade e relacionamento, tornou esse “não poder” extremamente relativo, e os adolescentes gozam, na atualidade, de uma autonomia substancialmente maior e, muitas vezes, socialmente corroborada, para relacionarem-se sexualmente. No entanto, essa mesma sociedade ainda os julga carentes do preparo intelectual, profissional e político exigido de um adulto. A família, então, deve cuidar de proporcionar aos novos os valores da sociedade vigente e tal missão é atribuída, precipuamente, aos pais, que os inserem em instituições especializadas para complementar sua formação mais ampla.
A própria ciência médica e psicológica passa a tratar esses níveis de modos relativamente separados – veja que existem pediatras e hebiatras, apesar de que nem sempre os pais buscam levar seus filhos adolescentes a este último. Além disso, a burguesia em si apropriou-se de tal divisão, criando produtos específicos a cada um dos níveis, proporcionando um estatuto comercial que consolida tais grupos como classes, estimulando seus gostos e preferências, separando-os dos adultos – e, em muitos casos, tentando adultos a aderirem a um estilo adolescente. Assim, a adolescência estende o período de preparação infantil, mas recebe a adição de um elemento problemático – o desenvolvimento físico e sexual. O grande segredo da vida adulta, que, por muito tempo,
Não é de se estranhar, portanto, que, conscientes de tal responsabilização social, os pais de hoje – especialmente
os das classes C, B e A – busquem material especializado que os oriente a educar e preparar seus filhos para o mundo adulto. Há todo um mercado editorial voltado a orientar tal preparação, partindo, muitas vezes, do pressuposto de que existe um método único e eficaz de tornar o jovem um cidadão exemplar, um aluno eficiente, um profissional competente, um cônjuge prestativo e um filho obediente. Mil perdões, mas será que, realmente, esse modelo de filho, totalmente subserviente às normas e valores sociais hegemônicos e nem um pouco questionador e reflexivo, é o objetivo da educação familiar? Apenas se esses pais forem aqueles que querem os filhos para si mesmos e extremamente seguros em uma redoma inviolável. E este é um ponto contraditório da nova família. Assumindo a responsabilidade pela longa preparação para a vida adulta, a família cerceia um aspecto central da vida dos filhos, amparada inclusive na lei – o poder de decisão. Veja: não se trata de afirmar que o jovem não pode fazer escolhas; sim, ele pode. Mas decidir é diferente, pois implica poder e capacidade de alterar o curso de eventos em que outros estão também envolvidos, e tal poder raramente lhes é dado, visto que são avaliados como “despreparados”. Isso é tão real que boa parte deles fica completamente perdida na primeira grande decisão da vida deles: escolher o curso universitário. Se os pais interferem no sentido de determinar em qual curso o filho deve ingressar, eles assumem uma postura totalitária e possessiva diantedo jovem, agindo de modo totalmente contrário àquilo que lhes é atribuído socialmente. Não houve preparo, houve imposição, e o filho não conseguiu ser capaz de assumir uma postura reflexiva diante da postura paterna, mesmo que complacente ou resistente. Se os pais não interferem, por outro lado, jogam a responsabilidade toda a um indivíduo que, em geral, não foi preparado para tal aspecto, que não sabe lidar com as consequências possíveis de uma decisão tomada. O diálogo torna-se, então, essencial, mas requer pais e filhos dispostos a ouvir séria e atentamente as posições do outro, sem que estes avaliem aqueles como totalitários e egocêntricos e aqueles julguem estes como imaturos e inconsequentes.
Conclusão: a família hoje apossa-se do filho, numa relação, muitas vezes, simbiótica demais e, nesse sentido, este acaba se tornando um centro de gravitação para o qual todas as forças convergem e, em geral, sufocam. A ambas as partes. O amor – construto sentimental inegavelmente poderoso e essencial para o desenvolvimento sadio de qualquer indivíduo e tido como inerente a qualquer família (será?) – pode tornarse uma arma, caso seja utilizado para castrar o poder de decisão – ainda que mínimo – dos filhos em nome de um suposto “evitar sofrimento”. Como é possível preparar alguém que não lida, em momento sequer, com as perdas e as consequências de sua agência social? É justamente essa postura defensiva, em nome do amor, que acarreta – dentre outros possíveis fatores – uma certa irresponsabilidade consentida, na medida em que o amor defensivo dos preparadores concebe como ingênuas, inofensivas ou fruto de inexperiências as atitudes equivocadas dos mais jovens. Muitos desses jovens, inclusive, plenamente conscientes de tal fato, usam-no como escudo para suas peripécias. Há uma estrutura social, ratificada pelas pessoas no dia-a-dia, que avalia como despreparados atores sociais capazes de agência real e corpo adulto, que, por sua vez, sabem que são avaliados como despreparados e, por isso, posicionam-se de modo resistente em relação a tal postura. É lógico que grande parte deles irá se rebelar, em maior ou menor grau. A sociedade construiu essa rebeldia que ela mesma quer expurgar, no momento em que o bloqueio acional do mais novo se situa entre o amor prometido que embala o erro e o acerto e a ética e amoralidade plásticas e frágeis que permeiam a sociedade em que vivemos. Isso posto, cabe perguntar: o que, de fato, é a família? Grilhão de amor em cárcere de barras de açúcar? Navio ancorado em um oásis no meio do deserto? Árvore de frutos suculentos em meio a um jardim de plantas carnívoras? Ou apenas as pessoas que amamos e das quais continuamente discordamos, apesar de constantemente buscarmos concordância e reconhecimento?
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O despertar para o encontro do seu farol
011
por YASMINE COLUCCI
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010. Um ano de festas, comemorações e tristezas. Então, agora, vocês vão pensar: “Que ano não foi assim?”. Pra mim, este ano foi o ano que mais comemorei e mais chorei por tudo que conquistei e todas as minhas decisões tomadas que me geraram problemas de identidade, confusões e uma leva de amizades bacanas. Este ano, descobri o que realmente quero. Descobri que não estou sozinha e descobri, principalmente, que eu sou capaz, mesmo, muitas vezes, jogando em mim mesma que eu não podia. 2010 foi o ano que mais cresci como pessoa e profissional. Foi o ano “Despertai” e, por isso, resolvi escolher de tema para o meu texto da última edição da Manuscrita do ano de 2010, o tema “Despertar”. Com isso, relacionarei tudo o que for possível, juntamente, com a peça “O Despertar da Primavera” de Frank Wedekind e o musical que assisti – neste ano também – baseado nesta obra. Frank escreveu a peça em 1891 – ponho minha opinião aqui que ela é muito mais forte e excitante que o musical. Este, transformado em algo muito romântico, mas, que eu amei de paixão e viciei totalmente no musical de Botelho e Möeller. -, como sabem, as pessoas não eram tão liberais para tratar de assuntos pessoais e nem se tinha todo o acesso de informação como nos dias de hoje. Logo, os jovens dessa peça desejam descobrir todo o despertar em uma sociedade que é muito mais fechada do que a nossa, havendo mais complicações quando ocorre a eles: a gravidez na adolescência, a homossexualidade, o suicídio e o incesto. Hoje em dia, desejar que as pessoas descubram essas coisas seria inútil, porque as informações são acessadas e, geralmente, os pais de hoje querem ensinar os filhos sobre isso para o “pior” não vir a acontecer. A família, agora, quer dar proteção, informando e acolhendo, e não quer afastar as informações a fim de proteger.
O musical do “O Despertar da Primavera” conseguiu que vários jovens fossem aos teatros para assisti-lo, movimentou muitas pessoas a terem paixão por um musical, e, assim, elas passaram a decorar suas músicas e ir centenas de vezes vê-lo – até porque o preço era bem acessível. Isso já foi maravilhoso, ver que em 2010, muitos jovens largaram uma balada, uma conversa de MSN para irem ao teatro assistir uma peça que os tocasse, que os fizesse refletir de algum modo com assuntos jovens, de uma forma encantadora e inovadora. Se para conseguir trazer diversos públicos ao teatro, ele precisa que a cultura seja produzida para o público, e, não por algum outro motivo a fim de que se intensifique o público... Que venha! Que sejam feitas peças para atingir diversas pessoas de várias classes sociais e faixas etárias. O teatro precisa ser conhecido! Que proponham, então, promoções, peças para uma cultura de massa em que o “não-público-de-teatro” as conheça e as admire... Depois de pegar gosto, há uma maior vontade pelo conhecimento e para “Peças-de-não-entretenimento”. Desejo, então, principalmente, um 2011 cheio de cultura teatral. Contudo, o que isso tem haver com o que eu quero desejar a vocês? Primeiro, lá se encontra o que as pessoas mais desejam: amor, a percepção da sua própria identidade, a união entre amigos e a reunião dos seus maiores vínculos como ser humano. Há juventude, pessoas crescendo e se descobrindo, querendo saber mais e tendo, em sua maioria, muito medo dos sofrimentos que podem vir da vida - o medo, principalmente, da rejeição da família. Assim, o público identifica-se com as personagens, mesmo que as épocas sejam bem diferentes. Contudo, hoje, esse medo da rejeição é bem menor, os problemas dos adolescentes são muito mais tratados e aceitos socialmente.
Logo, nesse primeiro momento, o 2011 deve vir: repleto de conhecimento do eu, da busca pelo que lhe motiva a viver e do que lhe traz paixão. Percebo a cada dia que a felicidade tem que vir do que nós cativamos, e, se fazemos na nossa rotina algo que não nos dá prazer por algum motivo estúpido, penso que o vazio vai preenchendo cada parte da nossa alma. Segundo, as músicas mostram muita coisa do que as pessoas precisam para que evitem um ano cheio de intolerância, de inveja e de falsidade. Parece fácil dizer, entendo plenamente, a vivência é muito mais complexa do que simples palavras. Contudo, são votos, se forem para ser algo que lhes marque e os façam pensar, precisa ser diferente, precisa ser tocado. Quero desejar aos leitores da Manuscrita que despertem seus desejos, que despertem suas maiores motivações, que despertem suas raridades. Apertem o botão do “Vai se foder” para que no outro dia ninguém esteja cantando em seus ouvidos um: “Se fodeu rapaz, e não tem perdão, e não tem mais porta pra fugir, já se fodeu, eles vão tentar te esfolar e te cuspir” (Se Fodeu! – O despertar da primavera) Porque é assim mesmo que acontece, metaforizando. Se você vencer, só aqueles que lhe amam de verdade, comemorarão com você, os outros estarão esperando a sua perda para que riam dela. Lutar é preciso para que seu 2011 seja construído com suas glórias e com suas obras de felicidade. Acreditar que o amor, seja por um sonho, por alguém, por uma coisa, é sagrado e não é pecado. “Eu acredito no amor sagrado que não é pecado” (Eu Acredito – O despertar da primavera). É necessário conhecer o seu verdadeiro amor, no fundo, o que tiver que acontecer, acontecerá em algum momento, por mais que deixe saudades e ventos tristes de algo que você ainda não teve. No fundo, há sempre um desejo pela novidade, por algo que possa modificar aquilo
que não está bom, como um verão vermelho. E é assim que a peça vai acabando, acontecem-se pesares, tristezas, perdas, mas o desejo “Por um eterno e novo, verão vermelho. O que era dor, ficou pra lá atrás. Na nossa primavera que já não volta mais” (Canção de um verão – O Despertar da primavera”) continua nas personagens. Assim é na vida real, por mais que 2010 tenha sido muito difícil para você – ou não -; há a esperança que 2011 seja repleto de felicidades. Os votos renovam-se, a roupa branca é comprada e há aqueles que vão vestir preto para ver se a superstição é verdade.
Portanto, não se deixe ser um barco triste, “lá vou eu como eu barco, sem um rumo, sem farol”, seja mais que um simples barco em 2011; seja aquele barco que “encontro meu farol”, o que “já sabe o seu farol”. (Venha – O Despertar da Primavera) Há muito o que vir, há muito para querer deixar: os braços abertos. Receba a sua felicidade, se encontre, é isso que desejo, que vocês sejam as raridades as quais são. Projetem seus “eus” como puderem! Riem, dancem, cantem, pulem e sejam vocês, em paz, a plenitude virá. Parece impossível? Não sei, são apenas votos... e votos são votos... O negócio é ter tesão pela vida. Talvez seja por essa excitação que essa peça atraiu vários jovens, tendo em vista que mostram as descobertas da vida em que todos passam, como a procura pelo tesão de viver e pela resolução das dúvidas, mostrando que a vida dói, que os planos vão por água a baixo, mas, que o amor pode vencer e que o mundo é construído de sonhos. Estes, só você os faz. Algumas dessas crenças são, geralmente, perdidas, quando os seres humanos tornam-se adultos. Porém, elas precisam permanecer nos corações deles. Um adulto, ao assistir essa peça, poderia mudar suas perspectivas, tocando-se com as crenças dos jovens ou se assustando pela forma que a peça foi tratada. O importante é se deixar levar pelo o que a vida pode oferecer de bom, focando na sua felicidade e nos seus planos, ou seja, no que lhe gera “tesão”. Conquiste, afinal, a esperança é sempre a última que morre.
Nessa peça, a descoberta do “tesão” seja sexual ou vital, foi o que fez a vida deles mágica, por mais que isso, em alguns, tenham lhe causado a morte. E então, eu questiono, fará o seu 2011 uma porta fechada, sem que você suspire por algo? Ou deixará seu 2011 ser construído por felicidades, mesmo que elas causem a perda de algo que você precisa retirar de si e ainda não descobriu? Eu decidi que devido ao meu 2010, farei meu 2011, a construção da minha felicidade e a maior concretude dos meus sonhos. Já encontrei meu farol... e espero que vocês encontrem os seus. Termino com um poema que fiz especialmente para esta edição da Manuscrita:
Escolhi um dilúvio de águas vermelhas Em meio a elas, encontrei lâmpadas acessas O tempo urge Uma escolha muda tudo E não há tempo para refazê-las Assim Desperto em mil faces de mim mesma Descobrindo a cada dia, possibilidades O ano vem para me mostrar Que nada é capaz de exterminar Aquilo que se quer demais Basta, esperar Tudo ajeita-se... e as águas estarão Abastecidas de sonhos multicoloridos.
HER
RÓI
da resistência
Leoni lança novo CD, DVD e livro e mostra como é possível conquistar novos fãs (e mantê-los) sem o respaldo das grandes gravadoras e nem da grande mídia
por AMANDA SOUZA
E
ra um início de noite de quarta-feira, o dia em que, tradicionalmente, ocorrem os grandes shows no Teatro do SESI, localizado na Avenida Paulista, o centro pulsante econômico-cultural da capital. Os mais de 460 ingressos disponíveis já haviam se esgotado logo na primeira semana de vendas (inclusive as cadeiras extras, colocadas à disposição em casos de lotação esgotada). A segurança, os técnicos e a produção trabalhavam a todo vapor. O cronograma estava atrasado. Naquele dia, o voo do artista e da equipe havia atrasado mais de duas horas, prejudicando todo o roteiro programado para a produção do show. A passagem de som (crucial para um resultado final brilhante) também estava atrasada. Faltavam pouco menos de duas horas para Leoni subir no palco, quando me recebeu em seu camarim, para uma conversa com a Manuscrita. Apesar da corrida contra o relógio, encontrei um Leoni calmo, sereno, que vestia uma camiseta a estampa do “Yellow Submarine”, dos Beatles, e que se mostrou dono de uma delicadeza e simpatia ímpares. Ele é o tipo de figura da qual o entrevistador não precisa fazer muito esforço para obter declarações. A aparente timidez logo é quebrada e Leoni fala. Não tem preguiça, nem temores, nem qualquer outro sentimento que possa impedi-lo de propagar de forma clara e sempre muito bem argumentada aquilo que pensa. É um prazer ouvi-lo se expressar, desenvolver seus longos raciocínios sobre temas os quais se mostram, dentro da massa crítica, sempre alvo de polêmicas. Somos interrompidos pelo produtor. Chegou a hora da passagem de som. Prontamente se desculpa e me pergunta: “Podemos continuar depois?”. Claro. E continuo atenta aos bastidores. Leoni trouxe uma equipe grande do Rio de Janeiro; afinal de contas, era o show de lançamento de seu novo CD e DVD (“A Noite Perfeita – Ao Vivo”) em São Paulo. O que fica nítido para quem está de fora
FOTOS: AMANDA SOUZA
um excelente músico e compositor, é um exemplo de ser humano, alguém que se preocupa não apenas com o seu público, mas com as pessoas ao seu redor”.
é que todos trabalham com muita alegria. E é algo parecido com essa sensação o que eu ouço da produtora do SESI, a responsável por ter colocado o artista no palco naquela noite: “Leoni tem esse dom de agregar em sua equipe pessoas com a mesma vibração boa que ele possui. É sempre um prazer trazê-lo a São Paulo”. Enquanto aguardo o show começar, conheço, nos bastidores, Alê Borges, um fã de longuíssima data vindo de Manaus (AM), que acompanha a carreira de Leoni desde o Kid Abelha, passando pelos Heróis da Resistência, até o início de sua carreira solo. Naquela noite, ele seria o responsável por vender CDs e DVDs aos fãs interessados no foyer do SESI, bem como em arrecadar material escolar para as crianças da comunidade Paraisópolis, numa ação beneficente encabeçada pelo artista e seus fãs e organizada através da grande rede de relacionamentos que virou seu site oficial. “O Leoni, além de
A hora do show se aproxima e o teatro fica realmente lotado. Há um fato que chama a atenção: a grande maioria da plateia é composta por um público jovem, entre 20 e 30 anos. Se você aí, caro leitor, pensa que Leoni, aos 49 anos, só leva para os seus shows quem acompanhou o florescer de sua carreira nos anos 80, engana-se redondamente. Ele tem uma juventude que o acompanha fielmente, composta por fãs que sabem cantar todas as músicas. Homens que o admiram em cima do palco e mulheres que suspiram com seus movimentos e frases. E Leoni os presenteia com um vigor invejável e um show impecável. Com uma banda enxuta, composta por uma bateria, um baixo acústico e uma guitarra (além de seu violão), ele mostra um repertório condizente com o apresentado no registro de “A Noite Perfeita” (Ao Vivo). Presenteia os fãs com mais de duas horas de sucessos e muito fôlego, incluindo músicas que não entraram neste novo trabalho, mas muito queridas pelos fãs, como “Fotografia” e “50 receitas”. Após três músicas de bis, o show termina. Contudo, o segundo round do trabalho continua. O foyer do Teatro do SESI fica repleto de fãs, que fazem muito barulho e esperam ansiosos a subida do ídolo para a esperado combo foto-beijo-abraço- autógrafo. Ele sobe para encontrar seus fãs e (pasmem!) sabe o nome de vários dos que estão ali. E com muita disposição, ele atende a todos, que saem felizes com o que viram, sentiram e puderam, inclusive, tocar.
“A NOITE PERFEITA” “Este é um trabalho todo ao contrário. Eu comecei gravando as músicas e dando-as na internet através do meu site. Faço isso desde o meio de 2008. Eu disponibilizava para download uma música por mês. Quando coloquei no ar a quarta música, eu lancei o show e comecei a rodar o Brasil divulgando um disco que não existia. Ao mesmo tempo, continuava disponibilizando novas músicas e ia acrescentando-as ao show. Isso foi muito bacana, pois fez com que o público tivesse tempo de digerir aquela música e, quando ia ao show, já a conhecia e a cantava. No começo, é claro que o retorno não era o mesmo que tinha as músicas mais conhecidas, mas, aos poucos, algumas foram caindo de verdade no gosto das pessoas. Isso ficou claro agora no mês de julho, quando fui gravar o CD e o DVD no Circo Voador (RJ). Todas as músicas que coloquei pra download durante esse tempo eram cantadas pelo público. A gravação reuniu em grande parte os fãs cadastrados em meu site, que vieram de vários lugares do Brasil.”
PRA QUÊ CD? “Dias atrás, comprei o disco novo do Elvis Costello. Eu o adoro, mas sabe que fiquei com uma preguiça de ouvi-lo? Porque perdi o hábito de ouvir 14 músicas de um mesmo artista, de uma só vez. Não consigo mais prestar atenção, digerir 14 músicas numa tacada só. Parar para ouvir todas as faixas com a devida atenção, lendo a letra, folheando o encarte é algo que não se encaixa mais nos padrões de hoje. Depois, baixei o EP do Costello a que tinha direito com a compra do CD, ouvi as quatro músicas e achei muito mais interessante. Eu acho que é mais bacana você dar ao seu público coisas de forma pulverizada e constante do que você lançar de uma só vez um bloco de informações que talvez não seja digerido como se deve já que, de um disco de 14 músicas, em geral as pessoas se apegam a duas ou três e muitas nem escutam o resto. Eu vejo um monte de gente que está começando, com aquela sede de ser independente, que diz que a primeira coisa que quer fazer é gravar um disco. Eu sempre digo: ‘Mas pra que você quer gravar um disco? Vai custar uma fortuna e ninguém vai comprar! Você vai ter que acabar dando esse trabalho. Então, se for pra dar, dê uma música por vez, dê duas, ou pegue as melhores e disponibilizeas!’. Porque é mais fácil o público ouvir uma ou duas canções do que ouvir um disco inteiro e, no final das contas, você não teve aquele custo altíssimo de fazer um trabalho enorme”.
CD e DVD “A Noite Perfeita” Compre aqui: www.leoni.com.br
O ECAD E OS DOWNLOADS “Eu não faço parte do grupo que demoniza o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, órgão que controla a distribuição dos direitos autorais no Brasil) de jeito nenhum, pois acho que ele tem diversos pontos positivos. Eu ganho muito mais dinheiro com direitos autorais de execução hoje do que na época do Kid Abelha, pois hoje o sistema todo foi informatizado, então a fiscalização das execuções ficou mais fácil de ser feita, bem como a cobrança e o pagamento dos direitos. Entretanto, o ECAD tem um lado de proteção ao autor que eu acho que, na verdade, não o protege coisa alguma, que é como ele encara a questão dos downloads. O ECAD criminaliza quem baixa músicas na Internet e torna este um ato “ilegal”. Pra mim, o pirata é o cara que pega o seu produto, ganha dinheiro com isso e não te repassa nada. O fã que baixa sua música na Internet, não tá ganhando um centavo por isso, ele está apenas conhecendo a sua música. Se gostar, vai recomendar a todos os amigos, convencê-los a lhe acompanhar nos shows, e vai proporcionar ambientes como o da gravação do meu DVD, no qual cantamos músicas que nunca haviam sido lançadas em nenhum CD, mas que foram cantadas a plenos pulmões pelo público.”
COMO “LEGALIZAR” OS DOWNLOADS? “Houve uma ideia de um grupo da USP que estuda a questão dos direitos autorais na Internet que eu acho a mais inteligente de todas. Nela, todo mundo que tem banda larga pagaria uma pequena taxa, agregada ao valor da mensalidade, que seria administrada pelo ECAD, visto que só tem o hábito de baixar música quem tem esse tipo de conexão. A partir dessa solução, todos os downloads seriam legalizados e ainda gerariam receita. Controlariam-se quais músicas circulariam pela Internet, independentemente do veículo pelo qual isso se desse. Dessa forma, tudo se tornaria uma atividade legal e todos receberiam seus direitos. Porém, vale frisar que essa seria uma tentativa pioneira, sendo o Brasil o primeiro país a exercer esse tipo de controle. Um monte de gente, no entanto, é contra essa proposta e ainda permanece com a ideia de que se deve receber por cada download. Eu, em contrapartida, penso diferente: é muito melhor receber um pouquinho de todo mundo que ouve o seu trabalho do que não receber nada de ninguém, num processo em que se cobraria muito de poucos.”
AS GRAVADORAS “As gravadoras contam aos artistas uma ‘história oficial’, alegando que estão sendo roubadas, lesadas, o que, na verdade, é o fim do mundo. A verdade é que as gravadoras perderam o controle da distribuição. Chamar a atenção com sua música tem se tornado a cada dia mais difícil. Antigamente, você levava a sua fita K7, demo, às gravadoras, que tinham o papel de ‘filtros’, visto que selecionavam, ao final, apenas um número restrito de artistas para entrarem efetivamente em estúdio, já que gravar sempre custou muito caro, bem como tocar nas rádios e aparecer na televisão. Isso proporcionava às gravadoras um controle que hoje não existe mais. Hoje, ficou barato gravar e distribuir. Até em casa pode-se gravar um disco. Todo mundo pode lançar seu disco e colocá-lo na Internet. Não há mais quem controle isso. Isso tudo fez com que aparecer se tornasse cada vez mais complicado, pois, hoje, você tem muito mais gente concorrendo com você e querendo chamar a atenção. As gravadoras, também, não se prepararam de verdade para vender outra coisa que não fosse o CD, um produto que caiu em desuso, virou mero suporte de autógrafo. Por essa razão, quanto mais elas conseguirem segurar as coisas o mais próximo possível do que sempre foram, mais tempo elas terão para ganhar dinheiro. O futuro parece muito incerto com relação a isso ainda.”
A CRIAÇÃO “Outro dia, surgiu uma discussão em meu site: começaram a dizer que meu trabalho ‘estava indo por um caminho não muito legal’. Isso acontece porque as pessoas se acostumaram com uma ‘cara’ da minha música. Simplesmente disse: a gente tem a obrigação de por um lado agradar ao público e, de outro, trai-lo, de apresentar alguma coisa que o surpreenda. Senão, chega uma hora em que você só faz a mesma coisa, vira o Roberto Carlos. O Roberto é genial até um determinado momento da carreira. Depois, ele congelou e começou a fazer tudo igual. Fazer tudo igual é assinar sua sentença de morte. Por isso, ‘trair’ o público é fundamental. Chega uma hora em que o público entende sua intenção. O Gil diz: ‘o público sabe o que quer, mas também quer o que não sabe’. A sua liberdade não é só a de criação, mas também a de argumentação.”
“MANUAL DE SOBREVIÊNCIA NO MUNDO DIGITAL”
“Esse é o meu segundo livro. O primeiro, lancei em 1995 e tinha um propósito diferente, que era falar do processo criativo por meio de entrevistas com grandes parceiros como Renato Russo, Frejat e Herbert Vianna. O ‘Manual’, por sua vez, teve início com os posts que fazia em meu site, no meu ‘Diário de Bordo’. Durante uma época, eu resolvi dar dicas para bandas que estavam começando e que pouco sabiam sobre esse ‘mundo fonográfico pós-internet’. Eu, como sempre procurei me informar a respeito, fui escrevendo com uma certa frequência e, inclusive, traduzindo textos estrangeiros que lia. Eles, em geral, tratavam da questão de como conduzir a carreira em tempos digitais, em que arrumar uma gravadora não é mais o essencial. Inicialmente, ele tinha apenas 13 capítulos. Com o pedido das pessoas que foram acompanhando as postagens no site, escrevi um e-book reunindo as postagens que havia feito e agregando mais material, para que as pessoas pudessem baixa-lo de graça em meu site, como já fazia com as músicas. Porém, mesmo disponibilizando o formato digital gratuitamente, as pessoas ainda me pediam sempre uma versão impressa, que pudessem comprar nos meus shows. Posteriormente, sob orientações que recebi de editores, acrescentei, ao que já existia, a minha história, pois eu realmente passei por todas as etapas da indústria fonográfica dos últimos tempos, desde quando vender 30000 LPs era um grande índice de vendagem, passando pela minha decisão de me tornar um artista independente até o atual momento, em que se faz necessário o bom aproveitamento das mídias digitais para divulgar o seu trabalho. Depois desse acréscimo final, o e-book finalmente pôde ganhar sua versão final impressa, que foi lançada neste mês de novembro.”
“MUITA CALMA NESSA HORA” “A minha música, que tem o mesmo nome do filme e o encerra, foi composta antes mesmo de ele começar a ser rodado. Quando o roteiro do (Bruno) Mazzeo chegou às minhas mãos, nem o patrocínio para o filme ainda nem havia sido captado. Adorei compô-la e acho que encontrei um caminho legal dentro do que o roteiro propunha. O reflexo disso é o sucesso da música, que caiu no gosto dos expectadores.”
2011
“Estou terminando de compor a trilha sonora de um filme do José Alvarenga Jr. (de “Os Normais” e “Divã”) com o Frejat, cujo roteiro foi baseado numa música que fizemos juntos, chamada “Intimidade entre estranhos”. A história é sobre um compositor que fica observando as relações entre seus vizinhos, e todas as músicas compostas pela personagem na história formarão a trilha sonora do filme. Além disso, continuarei com o trabalho de divulgação do CD e DVD. Na verdade, não encaro esse momento como um ‘novo ano’, pois meu trabalho é constante. Eu quero continuar o que venho fazendo, que é compor, fazer shows, cuidar do meu site. Pretendo, aos poucos, disponibilizar as músicas desse novo CD porque, invariavelmente, elas acabarão caindo na rede. Mas nada me impede de, no meio do caminho, caso aconteça, lançar algum projeto novo. A grande graça desses novos tempos é que existem muitas possibilidades a serem exploradas, e a gente não precisa se ater mais a apenas uma delas dentro do que planejamos pra nossa carreira.”
Confira o clipe
Curriculum
VITAE por BIJOU MONTEIRO
G
eminiana, ascendente em Gêmeos, lua em Leão. Tudo-ao-mesmo-tempo-agora-pra-sempre. Acreditava só poder relacionar-se bem com signos de Ar e Fogo, mas descobriu que o zodíaco é um camarada surpreendente. A velocidade da luz em pouco mais de 1,60m de altura. Se entedia fácil e não gosta de rotina. Mas curte constância de hábitos essenciais. Canhota, passional e shakespeariana. Precisa entender o mundo antes de lançar-se nele. Oscila entre racionalizar o óbvio e não temer o desconhecido. Ri quando não pode, embirra quando não deve e se cala diante do choque. Chora quando saturada, projeta além do concebível e sofre pelo que não existe. Ansiosa, xereta os finais dos livros antes mesmo de começar a lê-los. Não sabe comer
moderadamente ou passar vontade do que quer. É alérgica a camarão e nozes. Gosta de salada, desde que esta venha livre de ervilhas. Nunca completou um álbum de figurinhas. Não sabe dirigir. Não gosta de elevadores panorâmicos. Ainda não aprendeu francês. Mas é chamada de gringa ao falar inglês. Nasceu no inverno, mas não gosta de frio. Vê no cinza a melancolia desnecessária que não a deixa sair de casa. Prefere o verão para esvoaçar seus vestidos floridos e andar descalça. Tinha medo de raios, mas agora se joga sem culpa em banhos de chuva. Abre a geladeira para pensar. Tem rodinhas nos pés, molas nos quadris e cabide no sorriso. Nunca teve piolho, rubéola ou sarampo. Mas sabe o que é querer morrer de se coçar por uma catapora. Fala com as mãos, grita com os olhos e pensa com o coração. É metafórica e não gosta de pessoas metonímicas. Tem verdadeiro pavor de discutir a relação. Nunca tingiu o cabelo, mas já pintou as unhas tonalidades inconcebíveis. Coleciona esmaltes, mas não tem cor favorita dentre os 50 vidrinhos. Olfativa, é alvo fácil de perfumarias. Até gosta do shampoo apropriado para o seu tipo de cabelo, mas prefere usar os da Disney. Se deixa influenciar por filmes de terror, especialmente os não-baseados em fatos reais. Recentemente, quase matou de rir a amiga cientista, querendo saber se zumbis de fato eram lendas. Ainda não entendeu direito porque não recebeu uma carta de Hogwarts. Se trancou num banheiro em Paraty para chorar quando conheceu Chico Buarque, se conteve para não apertar as bochechas muito rosadas de Salman Rushdie e ainda tem fé que Camus lhe apareça numa sessão espírita. Quando pequena, dormia com os discos do Bowie debaixo do travesseiro. Livrou-se do vício ao descobrir que talvez a vitrola não mais trocasse suas faixas favoritas. Nunca ficou bêbada. Mas já nasceu aditivada.
Insone, troca a noite pelo dia. Eventualmente imagina como é a vida das corujas. Dorme com os pés para fora da cama. É, na verdade, arisca feito gato, embora a melhor amiga já a tenha chamado de “corisco”. Não gosta de perguntas. Prefere narrar os fatos quando tem vontade. Se torna escorregadia diante de exigências e incondicional quando se sente livre. Não sabe ler mapas ou se entender com o GPS. Levou seis meses para navegar na internet pelo mobile, não tem paciência com manuais de instrução ou fotos com flash.
Já fez natação, jazz e judô. Só se encontrou no balé. Sempre prendeu o cabelo em forma de coque e levou a vida nas pontas dos pés. Tem preguiça de academia, gente malhada e papo de carboidratos. Só faz força para carregar sacolas de supermercado. Apaixona-se de cara e perdidamente. Não sabe gostar ou se envolver aos poucos. Nasceu fêmea-alfa, mas prefere dividir as rédeas à liderar sozinha. Gosta de meninos altos, de barba macia - feito pelo de pincel - e de fala mansinha. Já esteve à deriva. Hoje tem um boy magia. É argumentativa. Sente sono diante de seres retóricos, prolixos e lerdos. Anda depressa, mas para pelo tempo que for para observar os desenhos das nuvens. Vê poesia até no vapor do banho quente. Não sabe lidar com atrasos, prazos estourados ou encomendas mal feitas. É metódica feito virginiana tinhosa. Organiza as gavetas em ordem de cor. Mas é solta como uma típica nativa de Ar. Emoções à flor da pele. Não gosta de quem faz a íntima, força amizade ou agoura sua felicidade.Não nasceu para fazer cara de paisagem. É soco na cara e cafuné ao mesmo tempo. Até poderia ser menos contundente. Mas isso só com o tempo se aprende. Tem pressa e senso de urgência. Não tem paciência e não sabe esperar. Está aprendendo, aos poucos, que apertar o botão do elevador mais de uma vez não o fará chegar mais rapidamente.
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Quebrou a mesma costela duas vezes num espaço de três meses. Teve dois pré-molares extraídos e nenhum dente do siso nascido. Aparece com arranhões ou contusões ocasionais, mas esbarra em tantas quinas e portas que nunca sabe ao certo onde se machucou. Toma café sempre em xícaras enormes. Tem problemas de concentração, brainstorms incessantes e sede de saber. Padece de eloquência existencial. Tem impressão de que a vida é uma máquina do tempo em fastfoward. Seu paladar é infantil. Não nasceu para bistrôs finos, embora ainda sonhe em ser uma estudante intrépida do LeCordonBleu. Cozinha instintivamente. Nunca experimentou figo. Mas coloca farofa e pimenta até no ovo frito. Come prato de pedreiro com talher de sobremesa. É Amélia moderna, que sempre inventa uma receita, cuida da casa e ainda coloca MC Hammer como trilha sonora. É autista por opção ao colocar os fones de ouvido para sair de casa. Gosta de ver a cidade em ritmo de videoclipe. Coleciona pérolas, mas, a despeito do brilho nacarado, tem um dragão interior que, quando gratuitamente atiçado por terceiros, se enfurece em graus pouco salutares. É fã de Dexter, o serial killer mais boa praça de que se tem notícia, mas, se alguém do seriado lhe desse bola, gostaria que fosse Angel Batista. Tem horror de quem faz orelhas em livros ou os grifa com canetas fosforescentes. No lugar de marcadores de página de papel, prefere usar fitas de cetim. Não gosta de pessoas obsessivas, amarguradas e traiçoeiras. Não acredita na bondade de quem estende a mão para, posteriormente, lhe jogar na cara o que acabou de fazer. Nunca jogou peteca ou teve pirocóptero. Mas tinha um Teddy Ruxpin por quem era apaixonada. Recentemente, pediu que a mãe lhe desse um Elmo falante de Natal.
A brancura épica requer protetor solar fator 60. Embora tenha alma felina, a aparência é de dálmata, visto que são incontáveis as pintinhas desenhadas na pele. Quando criança, usou uma parede branca como lousa para testar sua nova caixa de giz de cera. Nasceu arteira e virou artista com o passar do tempo. Assinou o primeiro contrato com caneta tinteira. Achou chato e resolveu assinar o segundo com caneta Bic, vendo sua letra inclinada correr livre sobre o papel. Gosta de escrever sentada em sua varanda. Abomina posers que se digam escritores sem ao menos terem a elegância que o ofício requer. Tampouco gosta de ser confundida com headhunter. Brincou de Barbie até os 14 anos. Ainda é criança, mas agora prefere ver suas amigas como as bonecas que se permitem enfeitar com a já referida coleção de esmaltes. Para brincar, a regra é clara: as amigas-bonecas permitem que ela escolha as cores das unhas, mesmo quando escalafobéticas, e fica tudo certo. É sinuosa e curvilínea. Não vê beleza na estética mutiladora do silicone e na vulgaridade erroneamente propagada como “empreendedorismo feminino”. Se sente sufocada com conversa fiada, papo de bêbado e falta de conteúdo. Tem vergonha alheia de gente escandalosa e conflitiva. Confunde direita com esquerda. Se sente uma formiguinha quando assiste shows em estádios, embora a meta seja ver um grande jogo de futebol nas numeradas. Enrola os dedos indicadores nos cabelos quando sente sono. Revira os olhos nas órbitas quando contrariada. Crispa os lábios e franze a testa enquanto escreve. Sente a barriga doer quando alguém a faz rir. Tem cócegas aos montes. Já quis ser professora, egiptóloga, psicóloga, advogada e DJ. Hoje é escritora. E manuscrita. Se chama Bijou.
Dois mil e
por JUAREZ CRUZ
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ois bem, 2011 nasceu. Nós, da Manuscrita, celebramos o fato com boas vindas. Contudo, o ano que se passou deixa saudades. Façamos uma breve retrospectiva pelos bons e maus momentos da mídia neste ano...
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O conteúdo dessa matéria reflete, única e exclusivamente, a opinião de seu autor. As citações e os adjetivos utilizados não são apreciação da revista Manuscrita. Nem de seus editores, muito menos dos demais colaboradores.
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DEZ o ator Não veremos mais Leslie Nielsen fazendo ponta em mais nenhum filme de qualidade humorística duvidosa, como “Todo Mundo em Pânico” - muito embora seus trabalhos prestados em nome do riso e do besteirol com a série de filmes “Corra que a Polícia vem aí”, “Drácula Morto, Mas Feliz” e “Mr. Magoo” apaguem qualquer deslize que poderia resultar em vergonha pra quem fora brilhante na maioria das vezes.
Justa rápida homenagem
a TV Desde 2009, a série “Modern Family” demonstrava, em seus primeiros episódios na TV americana, o artifício dos chamados mockumentaries - produções que documentam fatos fictícios como se fossem reais. Não se trata de algo novo nem na TV americana nem na mundial como um todo. Woody Allen já usava da mesma linguagem em “Zelig”, de 1983, que serviu de fomento à inegável máxima de que, na TV, nada se cria, mas tudo se copia. Mesmo assim, “Modern Family” passa longe de ser mais do mesmo. Ainda sem ter conferido toda a temporada na ocasião, eu já tinha elevado a série ao posto de minha “mais-nova-melhor-série-cômica-favorita”. Todo o elenco é afiadíssimo, devendo-se destacar o prê-
mio conquistado na mais recente edição do Emmy na melhor ator coadjuvante de comédia a Eric Stonestreet. Obviamente, não podemos esquecer o principal: o de melhor série cômica, superando o fenômeno pop atual “Glee”, fato que surpreendeu a mim e a muitos. Vale aqui também comentar da consagração, pelo 3° ano consecutivo, de “Mad Men” no Emmy como melhor série dramática - logicamente, devemos também nos lembrar de “Breaking Bad”. Após a frustração do dia 28 de maio, dia no qual conferi o último (e decepcionante) episódio de “Lost”, série que acompanhei avidamente desde o final de 2004, sempre discutindo inúmeras teorias com meus amigos, fãs, detratores e mesmo com o médio telespectador curioso que acompa-
nha qualquer programa de TV. Enquanto isso, o universo paralelo intrigante e inquietante de “Fringe” (que, por ironia do destino, foi criado pelo mesmo J. J. Abrams, um dos criadores de “Lost”) estava em sua 3° temporada. “Fringe” é uma série de ficção científica de alto nível que só deve desagradar a quem não gosta de boas doses de um roteiro consistente e coeso. Possui ação, suspense, cenas bizarras e teorias da conspiração , chegando a lembrar, de forma brilhante, os melhores momentos de “Arquivo X” e “Além da Imaginação”, porém com cara e universos respeitados bem particulares. Longe disso, Gorete , Zina e Mulher Arroto mostraram o quanto o programa Pânico ultrapassa os limites do politicamente incorreto e cai de cabeça no mau gosto. Vimos o nascimento (ou a promessa) do “Humor do Bem” do programa Legendários, sob a alcunha do ego inflado de Marcos Mion, na sua nova empreitada na TV Record, fazendo mais do mesmo, só que acompanhado do grupo “Banana Mecânica”, que, um dia, fora conhecido como “Hermes & Renato” e hoje acabou incluído no mar previsível e sem graça do humor que assombra a TV aberta. Lamentável, pois a felicidade literalmente, nesse caso, foise embora, pois o único riso desferido para a trupe, em todas as tentativas até agora, é o de vergonha alheia. A MTV, que já vinha apostando no humor da casa com Marcelo Adnet, pelo jeito não quis chorar pelo leite derramado (ou demonstrar este choro). Nesse processo, o humorista foi ganhando maior destaque na programação com o aumento do programa 15 minutos e também com os programas “Furfles MTV” e, neste ano, com o “Comédia MTV”.
Trata-se de um ponto favorável, pois, com exceção de “TV Pirata” e “Casseta & Planeta”, de, pelo menos, uns 15 anos atrás, do que mais é possível rir na TV nos últimos anos? “Turma do Didi”? Riso de vergonha alheia não conta. E o Tom Cavalcante? Paródias de programas da emissora ou de algum grande sucesso do cinema fazem as pessoas rirem de verdade? Eu ria bastante de “Os Normais”, engraçadíssimo pela sintonia de seus protagonistas e por não ser uma versão de sitcom traduzida de séries estadunidenses, em que produtores e roteiristas espertões tentam traduzir piadas e costumes locais de realidades diferentes pra cá, o que acaba, logicamente, induzindo os telespectadores a um coma profundo. Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres possuíam um “timing” perfeito em cena , mas ainda bem que tiveram a sorte de acabar antes de virar uma “A Grande Família”, que, hoje em dia, é mais lembrada pela longevidade e pelo carisma de parte de seu elenco do que pelas situações e piadas em si. Será que posso imaginar alguma série cômica, de fato, engraçada na TV aberta para o próximo ano? Com a desculpa do politicamente incorreto na TV brasileira, tal possibilidade perde toda sua plausibilidade. Há uma garota, por exemplo, no “Zorra Total”, que faz piadas de si mesma, referindo-se ao seu peso e à sua alimentação. Se fosse um cara magro fazendo piadas direcionadas à mesma, o fato de ela estar acima da balança, com certeza, serviria de pretexto para um conjunto de acusações de preconceito e críticas ao mau gosto da brincadeira. Hipocrisia demais acreditar nisto.
as figuras mas pra conhecer a Vila Cruzeiro e o complexo do Alemão bem mais de perto... Nada mais justo, pois o implacável soldado “Rambo” não deve temer a guerra.
Poucos meses antes, o ator Sylvester Stallone estava a trabalho aqui no Brasil para rodar o filme “Os Mercenários” e, na ocasião, soltou um comentário que causou certa polêmica: “Você pode atirar nas pessoas e explodir tudo e eles dizem ‘Obrigado! Leve um macaco pra casa!’ Não dava pra fazer o que fizemos (em outro lugar). Nós explodimos áreas imensas. Foi tipo assim: todo mundo trazendo seus cachorros-quentes. Vamos fazer um churrasco hoje. Vamos explodir a cidade”. Macacos talvez ele não ganhasse, mas, quem sabe, se permanecesse alguns meses hospedado em algum hotel no Rio de Janeiro, ele receberia, do Bope ou até mesmo do governador do estado do Rio, um colete a prova de balas e algumas ar-
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E, no Twitter, entre “Cala a boca Galvão”, “a briga de egos mais-15minutos-de-fama do vlogueiro Felipe Neto e o cantor Fiuk” e a “Família Restart xingando muito no Twitter”, também nos deparamos, infelizmente, com declarações xenófobas e preconceituosas da estudante de direito Mayara Petruso, que desferiu declarações pejorativas sobre nordestinos, minutos após a candidata do PT Dilma Rousseff ter sido anunciada como nova presidente. Pior disso tudo é saber que ela não é a única a pensar desta triste maneira. O candidato Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o humorista Tiririca, venceu a eleição para Deputado Federal, constituindo-se no legislador mais votado em São Paulo nessas eleições. Tiririca, do PR (Partido da República), obteve mais de 1,2 milhão de votos no estado paulista, muitos dos quais sob a alegação de se tratar de voto de protesto. Haja senso de humor pra tal ato, pois, nisso, eu não vi nenhuma graça.
as cenas Pense que é “teoria da conspiração” ou que realmente estamos tão carentes de um rosto heróico a ponto de adotar no nosso coletivo imaginário o rosto do Capitão Nascimento como “herói” - há até uma famosa e controversa publicação jornalística que o colocou como chamada de matéria de capa. Imagine então a cara do nosso vilão como deve ser bem assustadora! Nem posso (ou quero) imaginar. Nossos heróis morreram de overdose, enforcados numa praça pública. Veio-me agora à cabeça o filme “Kick-Ass” (2010), que conta a história de um adolescente chamado Dave Lizewski (interpretado com todo o maneirismo nerd), que, após frustrações de sua própria vida, decide se passar por gay para ficar próximo à garota dos seus sonhos e questionase, por ser leitor de histórias em quadrinhos, por que ninguém deste meio tentara, afinal, “imitar” o que tanto admirava, seus inspiradores heróis?Assim, assume outra identidade diante da sociedade: “Kick-Ass”, o vigilante mascarado que vai combater a todas estas mazelas cometidas contra o cidadão de bem comum. Uma pena que o personagem Capitão Nascimento do filme “Tropa de Elite” e o “Kick-Ass” da graphic novel de John Romita Jr. e Mark Millar não coexistam no nosso universo. “Scott Pilgrim”, por sua vez, me deixou um gosto de nostalgia por ter vivido em meio aos anos 90, naquele mundo habitado entre reprises de séries de TV, video-games, histórias em quadrinhos e as desventuras, descobertas, paixões, desilusões e sonhos da adolescência.Tudo ilustrado com K.O.´s tags espertíssimas com referências mil à geração que cresceu em meio a este universo. Impossível não voltar a sonhar. Por falar em sonhos, eles foram representados também pela experiência de assistir “A Origem” de Christopher Nolan (diretor de Batman: “O Cavaleiro das Trevas”, “Amnésia”, “O Grande Truque”), filme no qual nada é o que
parece ser e o cérebro pode ser considerado o maior vilão. Mais nostálgico fiquei com o sabor do passado representado pelo genial Bill Murray numa já antológica participação com clima de homenagem especial na comédia-zumbi “Zombieland”. A propósito, além de “Zombieland”, vimos “The Walking Dead” - a série de TV criada a partir da HQ homônima roteirizada por Robert Kirckman (agora também ocupando o cargo de produtor-executivo) - estrear com seu episódio-piloto dirigido por ninguém menos que Frank Darabont (“O Nevoeiro”, “À espera de um milagre” e “Um sonho de liberdade”). A figura do Zumbi parece ter invadido literalmente um espaço na cultura pop de filmes, quadrinhos e séries que antes era apenas de vampiros, lobisomens e bruxas. O zumbi saiu do submundo e está cada vez mais vivendo sob os holofotes. No cinema, nos jogos de vídeo-game, na TV. Ele até atuou junto com jogador de futebol em comercial de televisão. Por fim, chegou ao campo da literatura clássica com “Orgulho” e “Preconceito e Zumbis”, de Seth GrahamSmith e de Jane Austen, que saiu ano passado e já está confirmado como futuro filme. Hollywood está claramente preenchendo lapsos de inspiração agora com os mortos.
a música
Desde 2008, o Weezer tem lançado um álbum novo por ano. Vejo que ainda querem nos provar que vivem, mas eles pouco me convencem. No mínimo, sobrevivem rastejando sem metade da glória do passado alcançada com apenas dois discos (“Blue Album”, de 1994, e “Pinkerton”, de 1996). Desta vez, lançam Hurley (2010). Na capa do disco, temos o carismático ator Jorge Garcia, o “Hurley” da série Lost, homenageado no título. Percebo aqui um sinal de agouro, pois qual banda coloca a cara de um personagem morto e não quer dizer nada nas entrelinhas? O álbum tem alguns bons momentos, embora seja regular como um todo. Para alegria de uns e tristeza de outros, tudo indica que vem outro álbum em 2011. Tremeis, mero mortais, pois Rivers
Cuomo (versão Zumbi) e seus amigos de banda já nos ameaçaram e estão ávidos por nossos miolos. No mesmo mar, a banda fake virtual Gorillaz navega, lançando o ótimo “Plastic Beach”, precedido do sombrio “Demon Days”. Trata-se de um álbum ainda pop, mas bem mais experimental que seus antecessores. Novamente, Damon Albarn e cia. vêm se sobressaindo com ótimas melodias misturadas a ritmos que incluem até hip hop (com participações que vão da galera do De La Soul, que também estavam na “Feel Good Inc.”, sucesso do álbum anterior Snoop Doggy Dogg ). Atenção especial para a vertente crítica do grupo em “Some Kind on Nature”, no qual ninguém menos que Lou Reed dá as caras num dueto vocal.
Também se destaca a tão aguardada volta do Massive Attack em seu 5° trabalho, lançando outro surpreendente disco neste ano (“Heliogand”), que só confirma que, ao lado do Portishead , ocupam, com maestria e merecimento, seus lugares em todas as listas de melhores discos do ano e discos de todos os tempos desde meados dos anos 90. Nem mesmo a estagnação do sub-estilo criado por eles, o famigerado Trip Hop, copiados à exaustão por grupos menores, serviu pra afetar sua credibilidade. Destaca-se a participação da cantora Hope Sandoval (que já trabalhou com gente do porte de AIR, Chemical Brothers e The Jesus and Mary Chains), que canta na faixa “Paradise Circus”. Outro motivo pra sorrir de sobra musicalmente é com “The Suburbs” do Arcade Fire. É o terceiro álbum da carreira da banda. Menos sombrio que os anteriores, mas igualmente elogioso, é digno de permanecer entre suas estantes ao lado de “Neon Bible” e “Funeral”. Uma coleção de novas canções ótimas que só perdeu na minha lista para dois lançamentos do sempre interessante Sufjan Stevens, com um combo duplo – “All Delighted People” e “The Age Of Adz” -, um dos artistas mais interessantes da última década. Outros lançamentos que merecem atenção: Sharon Jones and The Dap Kings – “I Learned The Hard Way”. Podese ouvir o melhor dos fantasmas da soul music, trazendo sua versão que nada tem de novo, mas que deve agradar muito quem admire Etta James e Irma Thomas e aquele delicioso embalo da gravadora Motown. Mas Sharon Jones tem, além de muito talento, um vozeirão respeitável e carisma de sobra para alcançar um público maior ou que tenha predileção apenas por boa música. The Roots – “How I Got Over”, com o cantor John Legend - garoto prodígio da R&B da atual. Há versões de canções soul dos anos 60 e 70 - época dos panteras negras, do pós-Woodstock e da guerra do Vietnã, momento importante em que os negros norte-americanos buscavam afirmação e procuravam se expressar também por meio da música. The National, com o maduro “High Violet”. Cee-Lo Green deixou nossas bocas mais sujas que de costume, fazendo-nos cantar com muita entonação pop-soul o refrão de “Fuck You”, do álbum “The Lady Killer”. Tivemos, por fim, “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”, em que o rapper Kanye West e seu ego (ou personagem?!) transloucado megalomaníaco conseguiu um resultado muito positivo, já considerado por muitos críticos musicais como o melhor trabalho de sua carreira.
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As cores do
SILÊNCIO
por MARCELO SAYEG
E
ra a cor do armário à sua frente. Esperava sentada em sua cama. Havia acordado cedo aquele dia. Não que isso fugisse à rotina, mas, naquele dia, havia uma razão específica. Esperava pela campainha. Sentada em sua cama, observava os poucos feixes de luz que incidiam delicadamente sobre o armário. Percebia os desenhos formados pelas sombras de sua cortina de rendas. Dona Clarice sabia fazer rendas dignas de prêmio, lembrava. Em silêncio, observava. Branco. – .... , soou estridente a campainha, cortando o silêncio estático que pairava no ar da casa, que agora possuía apenas uma residente. De sobressalto, pôs-se de pé, indagando-se qual teria sido a última vez que ouvira a campainha de sua própria casa. Não era de receber visitas. Desde o falecimento de Dr. Nunes, quando ainda era tão pequena que mal conseguia enxergar a pia de seu banheiro, sua mãe foi se afastando cada vez mais dos círculos sociais. Em verdade, nunca fora muito afeita a confraternizações ou grandes amizades. A contragosto, acompanhava seu marido, oftalmologista laureado, a certas convenções e solenidades. Bordava em seu rosto um sorriso aceitável e enfrentava o enfadonho dilema de ter que escolher um vestido que fosse de acordo e que, ao mesmo tempo, agradasse a seu marido. – ... , descia as escadas de sua casa, com pressa comedida, apoiando sua mão esquerda levemente no limpíssimo corrimão entalhado em madeira. Dona Clarice a havia ensinado a manter tudo sempre limpo. Segundo ela, assim as coisas durariam mais. Havia aprendido tudo que sabia com sua mãe. Sempre fora uma criança quieta, introspectiva. Gostava de ouvi-la dando explicações sobre as coisas do mundo, sobre as pessoas, sobre a limpeza, sobre a
cozinha. Ficava quieta, prestando atenção na doce voz de Dona Clarice. Espantou-se com uma insistente terceira campainha enquanto abria a porta. Primeiro, o trinco superior; depois, o inferior; e, por último, os dois do meio - pensou. A luz externa a fez cerrar o cenho. Alguns segundos se passaram até que conseguisse perceber o lânguido senhor de terno negro que se encontrava de pé à sua porta. Segurava um pequeno pote, azul turquesa, ornado com madre-pérolas. Dona Clarice nunca poupara elogios às tais madre-pérolas. Olhando para um pequeno papel, a figura esguia disse em tom solene: – Presumo que a senhora seja Heloísa, filha da senhora Clarice Nunes. – Sim - respondeu em tom tão baixo que mal se podia escutar. – Senhora Heloísa, aqui está a urna com as cinzas de sua mãe, como fora acordado. Heloísa pegou a urna em suas mãos, olhando-a fixamente. O senhor de terno se fora e agora Heloísa estava só. Fechou a porta atrás de sí e encaminhou-se para o lugar separado para repousá-lo. Já estava meticulosamente arrumado, em frente ao quadro de seu pai e sua mãe, ao lado de outra urna, azul escura com detalhes em prata de lei. Hesitou por um momento ao colocá-la. Permaneceu à frente das duas, alternando seu olhar entre o quadro e as urnas. Uma lágrima foi rapidamente absorvida por seu lencinho de renda. Fazia mais de uma semana que Heloísa estava preparada para aquele dia. Refazia a mesma rotina todo dia, assim como dona Clarice a havia instruído. Contudo, Heloísa nunca fora responsável por ir à rua comprar alimentos, dependia de sua mãe, que
mencionara ir sempre ao mesmo mercado, algumas quadras dali. Heloísa agora teria que sair sozinha à rua. Tinha se preparado extensivamente para a tarefa. Ouvira incansáveis vezes de dona Clarice que o mundo não era mais o mesmo, que as esquinas eram sujas e bandidos vagavam por toda parte. Tinha medo, mas fome. Sem muito pensar pegou sua bolsa e um carrinho de feira. Já tinha feito e refeito o caminho algumas vezes em sua cabeça. Abriu a porta. Primeiro, o trinco de cima; depois, o inferior; e, por último, os dois do meio. Percorreu o pequeno caminho até seu portão, branco. Olhando fixamente para o chão, temia ver algo que a assustasse. O barulho demasiado dos veículos já lhe causava certo desconforto. A passos curtos e cautelosos, começou sua caminhada ao som metálico do carrinho chacoalhando a seu lado. Duas esquinas adiante, dobrava-se uma à direita. Mais duas esquinas e, depois, uma à esquerda, poucos metros além, estaria o mercado, ou, pelo menos, era assim que recordava. Caminhava com hesitação. À primeira esquina, levantou a cabeça para atravessar a rua. Os automóveis vinham a uma velocidade atemorizante, Heloísa não conseguia calcular o momento certo para atravessar. Viu, então, um sinal luminoso à sua frente com algo que se assemelhava a uma figura humana brilhando em luz vermelha. Observava as pessoas paradas a seu lado, mas tomava cuidado para não olhá-las por muito tempo. No momento em que todos começaram a se mover, Heloísa, num ato de pura mimese, os seguiu. Sentiu-se por um momento confiante. Estava entendendo a lógica daquilo tudo. O bonequinho mudara de cor: verde. Heloísa caminhou rapidamente para o outro lado e suspirou ao subir na calçada adiante. Sentia-se bem, firmou seus passos e agora reparava nos desenhos e sobretudo na sujeira das calçadas. Dona Clarice fica-
ria horrorizada com tanta sujeira, pensou. Dobrara à direita. Só mais duas esquinas e uma à esquerda. Isso não era tão difícil, pensava, mas ainda assim sentia seu corpo suar por baixo de seu casaco de lã cinza. Caminhava resoluta agora. Estava segura de que lá chegaria. – Ô tia, ô tia, tem um trocado aí?? Ô tia, ei, tem um trocado pra dar? Heloísa caminhava. Chegaria a seu destino, mas não sabia direito o que comprar. À esquerda. Levantou a cabeça e avistou seu destino. Em letras garrafais, lia-se “Supermercado”. Um alívio alentador percorreu sua espinha. Mais rapidamente, Heloísa encaminhou-se para onde se dirigia. O carrinho metálico estremecia em felicidade, produzindo sons que Heloísa desconhecia até então. Muitas luzes, um aroma atípico, pessoas em abundância percorrendo prateleiras entulhadas de produtos que Heloísa nunca vira. Parou por alguns instantes. Sentiu algo perto do desespero dominar suas pernas, não conseguia se mover. Uma voz metálica e muito alta percorreu o ambiente. Heloísa assustou-se, procurou de onde viera, olhava para os lados desconcertada, seu olhar perdido percorria aquele mar de cores que nunca vira antes. Olhou para o chão, suspirou algumas vezes, tentou ter domínio sobre suas próprias pernas. Começou de forma canhestra a caminhar. Fixou seu olhar adiante e percebeu algo familiar: as hortaliças. Dona Clarice tinha o costume de sempre servir hortaliças em abundância em suas refeições. Tinha uma dieta regrada, recomendação de Dr. Nunes. Heloísa foi até uma bancada onde vira à sua frente um pequeno amontoado de folhas verdes. “Agrião”, leu em uma plaqueta que as encimava. Deu-se conta de que não sabia como diferí-las. Observou por alguns instantes as pessoas a seu lado escolhendo com certa facilidade o ramo
mais atraente. Tentou entender o critério, mas não conseguiu. Agarrou o ramo que lhe parecera ser o mais bonito, com caules grossos e folhas largas. Pensou que, se o ramo era o mais bonito, talvez fosse também o mais saboroso, quem sabe fosse esse o critério que os outros utilizavam. Agora, suas decisões tinham um fundamento. Virou-se e escolheu os tomates mais vermelhos e tenros, aqueles que pareciam querer extrapolar a própria casca. Utilizou o mesmo critério para as maçãs e pimentões. Foi, então, que viu ao longe enormes pelotas amarelas, como pequenos sóis amontoados sobre si. Caminhou exultante até elas, tomando extremo cuidado para não esbarrar seu recheado carrinho em nenhuma outra pessoa. Parou e as observou por alguns instantes. Eram tão belas, todas elas, não lembrava de já as ter visto antes. “Melão”, leu Heloísa na placa logo acima. “Melão”. Repetiu a palavra algumas vezes em sua mente, achando-a cada vez mais engraçada à medida que a repetia. “Melão, melado, balão, melão”. Esboçou um sorriso, internamente. Olhava um a um com admiração. Não fazia idéia de como escolhê-los, todos pareciam muito bonitos. Reparou em uma senhora a seu lado, que apertava os melões com decisão, parecendo saber o que fazia. Heloísa decidiu tentar apertar-lhes também, mas não sabia o que buscava. Mais acima da pilha, brilhou um melão que pareceu-lhe o mais bonito. Era grande e de um amarelo bem claro, com as extremidades esverdeadas. “Lindo!”, pensou Heloísa. Esticou-se toda para tentar alcançá-lo. As pontas de seus dedos o tocaram e ela o foi conduzindo montanha abaixo. Só que a montanha, caprichosa como ela, resolveu apresentar Heloísa ao desastre de si mesma: a avalanche. Melões começaram a rolar. Heloísa sobressaltou-se e deu um pulo para trás, tremendo entre o susto e a vergonha. Ficou parada, olhando os pequenos sóis a seus pés.
– Isso acontece sempre. Não há porquê envergonhar-se, minha filha. Heloísa levou outro susto. Apenas dona Clarice a chamava de filha. Permaneceu calada, mas, ao ver a senhora que estava a seu lado agachar-se para pegar os melões, decidiu que seria mais apropriado se fizesse o mesmo. – Você queria pegar aquele grandão ali filha? - perguntou a senhora, colocando os melões de volta na pilha. Heloísa aquiesceu. Pensou na palavra “sim”, porém seus lábios não se mexeram. – Mas aquele ali está verde ainda, minha querida. Irá demorar ainda mais de uma semana para que fique bom. Quer que eu escolha um para você? Heloísa fez que sim com a cabeça. E começou a observar a desconhecida senhora que se dispusera a lhe ajudar. Era baixa, usava um cachecol de lã verde que parecia ter sido feito há pouco tempo, dada a maciez e o brilho viçoso da lã. Tinha cabelos prateados em curtos cachos que pendiam em seus ombros. Em uma das mãos, segurava a luva que vestia sua mão direita, agora desnuda. Provavelmente para sentir melhor os melões, pensou Heloísa. Tinha um rosto amável e olhos bem vivos e esverdeados. Heloísa a observava com cuidado enquanto ouvia explicações minuciosas de como escolher bons melões. Pensou mais uma vez na palavra melão e esboçou outro sorriso, que a senhora lhe retribuiu docemente. Heloísa gostava de ouvir explicações, passava horas ouvindo dona Clarice lhe ensinando artes, literatura, história, matemática. Havia feito boa parte de seus estudos em casa, visto que dona Clarice fora professora antes de casar-se com Dr. Nunes. Sempre muito introspectiva, mantinha-se alegremente calada, apenas ouvindo e observando. Aquilo a alegrava.
– Bem, minha filha, esse aqui parece estar bom. Pode levar! - disse a senhora, estendendo-lhe um belo melão amarelo brilhante. Heloísa o pegou com cuidado e o colocou em seu carrinho recheado de cores. O amarelo vibrante do melão era a pincelada que faltava, pensou Heloísa. – Obrigado - disse acanhadamente. – Por nada querida, por nada - respondeu a senhora com um sorriso no rosto. Heloísa, então, caminhou para pagar suas compras. Havia levado dinheiro o suficiente, não em demasia, mas o que considerara o bastante para arcar com as despesas do que iria levar. Saiu do supermercado sentindo-se confiante. Havia conseguido por sua própria força comprar aquilo que a alimentaria por alguns dias. Olhava agora para o mundo mais diretamente, sem medo. Via luzes, automóveis indo e vindo, ouvia buzinas e sentia o vento gélido do outono em seu rosto. Pôs-se a caminhar e pensou, “duas esquinas em diante, dobrava-se uma direita, mais duas esquinas e à esquerda, poucos metros além, e chegaria a seu destino”, assim como dona Clarice a havia instruído. O carrinho agora preenchido de cores pesava em sua mão esquerda. Heloísa alternava as mãos para aliviar o peso em cada braço. Contudo, caminhava com profundo contentamento. Percebia as pessoas nas ruas, via a sujeira que dona Clarice havia comentado. Lixo atulhado nos cantos, calçadas quebradas, pessoas deitadas nas esquinas tentando se aquecer com pedaços de papelão e colchões velhos. Pensou em sua cama macia, com a colcha rendada por dona Clarice. Pensou. Mais duas esquinas e à esquerda. Caminhou imaginando o que cozinharia, mas tinha certeza que antes de tudo iria provar do delicioso melão que repousava sobre o
resto de suas compras. Cruzou a avenida no preciso momento em que o bonequinho brilhara em verde. Mais alguns metros e estaria em casa. Sua mão estava já um tanto dolorida de carregar o carrinho que chacoalhava e se tornara difícil de subir nas calçadas. Foram-se alguns metros. Heloísa tentava reconhecer sua casa, seu portão branco. Andou mais um pouco, tinha que ser ali. Dona Clarice a instruíra com cautela, sempre fora muito meticulosa em suas explicações. Tinha que estar ali. Heloísa foi acometida por uma ansiedade que nunca sentira antes. Suas mãos doíam cada vez mais. O vento açoitava seu rosto com rajadas cortantes. Olhou para os dois lados da rua e sentiu uma gota de suor escorrer por sua testa. Não encontrava, seu olhar vagava por uma rua desconhecida onde havia muitas casas, mas nenhuma com seu portão branco. Percebeu seu coração acelerar, arfava ansiosa. Olhou para o chão, tentou se acalmar. Pensou em refazer o caminho de volta para o supermercado e tentar novamente. Começou a caminhar no sentido contrário. Duas esquinas em diante, dobrava-se uma direita, mais duas esquinas e à esquerda, poucos metros além e chegaria a seu destino. Caminhava apressadamente, como se quisesse encurtar o caminho a ser percorrido. Ia com tanta pressa que, em um dos cruzamentos, pôs-se a andar quando o bonequinho brilhou em vermelho. Um carro freiou bruscamente quase atingindo Heloísa que saltou para trás, derrubando o carrinho a seu lado. Viu o melão cair na avenida e começar a rolar para o meio dos carros. Ficou parada por alguns instantes, vendo a tão desejada pelota dourada ir rolando por entre os carros até que fosse atingida e quebrasse, expondo sua carne e sementes para que todos vissem. Sentiu-se abatida, como se tudo tivesse sido em vão. Por um momento, odiou dona Clarice. Como ela poderia ter dado instruções equivocadas? Como ela poderia ter abandonado Heloísa à própria sorte?
Controlou-se, pegou o carrinho caído, levantou-o e pôs-se a andar. Faltava apenas uma esquina e, então, viraria à esquerda. Poucos metros além, estaria o supermercado. Heloísa pensava no melão, atropelado de forma inclemente. Dona Clarice estava certa: a violência estava por todas as partes. Mais alguns metros e... Heloísa parou. Olhava para um muro alto e acinzentado, no lugar onde deveria estar seu destino. Não estava. Por puro impulso, caminhou até a esquina seguinte, com a cabeça baixa, refazendo incessantemente o caminho em sua cabeça. Onde errara? Como viera parar alí? Parou frente a um grande cruzamento, com vias largas que iam e vinham. Heloísa esperou que o bonequinho brilhasse em verde. No momento em que o vermelho se fora, suas pernas não se mexeram. Ficou ali parada, olhando para o bonequinho verde, mas suas pernas não respondiam. Permaneceram imóveis, pois não sabiam mais para onde ir. Heloísa estava só. Vermelho. Verde. Vermelho. Verde. Lágrimas encheram seus olhos, rolando inadvertidamente por seu rosto. Heloísa não se mexia. Soluçava. Suas mãos doíam, sentia seu corpo molhado de suor por baixo das roupas. Vermelho. Verde. Filha, está tudo bem? Heloísa assustou-se, pensou em sua mãe, seu coração disparou novamente, levantou a cabeça. – Filha, está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? Você foi assaltada?
Percebeu, então, à sua frente, parada dentro de um carro, a doce senhora que a havia ajudado na escolha do melão. Heloísa conteve-se e, com a voz um tanto embargada, conseguiu dizer apenas: – Estou perdida. – Calma, querida, você quer uma carona? Onde você mora? Deu-se conta, então, que não sabia o endereço de sua casa, não lembrava o nome de sua rua ou o número. Sabia apenas reconhecer seu portão branco. – Eu não lembro - disse Heloísa, voltando a soluçar e sentindo as lágrimas embaçarem sua vista mais uma vez - Eu não lembro. – Calma, calma, venha cá! Eu te ajudo. Já está anoitecendo. Não é bom que você fique perambulando pelas ruas nesse estado. Vamos colocar seu carrinho aqui no carro. Entre, entre! A senhora ajudou Heloísa a acomodar suas compras no assento traseiro e, acalmando-a, acomodou-a no banco de passageiro. Começaram a dirigir. Heloísa, agora, havia conseguido conter as lágrimas e começava a respirar mais calmamente. – Meu nome é Inês. Prazer! Qual é seu nome, minha filha? – Heloísa. – Bonito nome, querida. Seus pais têm bom gosto. Heloísa assentiu com a cabeça e se lembrou das belas rendas que sua mãe fazia e dos vestidos de outrora, quando dona Clarice ainda ia aos eventos com seu marido. – Mas, querida, me diga, como você não lembra o nome de sua própria rua? - perguntou Inês calmamente. Sua voz era doce,
tinha uma maneira afetuosa de tratar Heloísa, o que a fazia sentir confortável. – Eu não saio de casa há muitos anos, dona Inês. Minha mãe, dona Clarice, me deu aulas em casa e, depois que meu pai faleceu, ela só saía quando fosse de extrema necessidade. Ela que fazia as compras e me dizia que o mundo andava tremendamente perigoso. Contudo, há alguns dias, minhas mãe veio a falecer. A comida em minha casa havia acabado e fui compelida a sair para fazer compras. Todavia, acabei me perdendo, dona Inês. Não devo ter seguido as instruções direito, devo ter feito alguma coisa errada - começou a sentir seus olhos inundando novamente. – Calma, minha filha, calma. Nós vamos achar sua casa. Então, você não sai de casa há muitos anos? Mas que idade você tem minha querida? – Trinta e seis - respondeu Heloísa. – Trinta e seis? Aparenta bem menos, querida. Sua pele está ótima! Heloísa esboçou um sorriso de gratidão pelo elogio. Começava a se sentir bem conversando com dona Inês. Ela era realmente amável. Olhava pela janela agora, via carros de todas as cores, as luzes das casas começando a se acender. Percebeu algumas luzes coloridas em certos lugares,
olhava as pessoas nas ruas, reparava em suas roupas, na pressa com que andavam. Viu lugares onde havia dezenas de pessoas sentadas em mesas, todas parecendo muito alegres. Dona Inês continuava dirigindo e contava um pouco sobre si. Contou que seu marido falecera há alguns anos e que não tiveram filhos, mas que sempre recebia muitas amigas em casa. Contou sobre os jogos de cartas que as divertiam nas noites de sábado e sobre seu cãozinho de estimação, Alfredo. Heloísa gostou do nome, Alfredo, e sorriu. Heloísa permanecia calada, ouvindo dona Inês contar-lhe sobre o mundo, sobre como era perigoso andar nas ruas tarde da noite, como as coisas haviam mudado. Continuou quieta, ouvindo, observando as ruas, os sinais luminosos que agora brilhavam também em amarelo. Lembrou-se de seu melão, despedaçado no asfalto sujo. Seu coração novamente acelerou. Ao dobrar uma esquina observando as casas a seu redor, Heloísa, de repente, avistou: branco. Era seu portão. À medida que dona Inês foi se aproximando da casa, um sorriso foi surgindo no rosto de Heloísa. Viu perfeitamente a entrada de sua residência. Seu coração pulava em seu peito. Estampou um sorriso de puro júbilo em seu rosto, mas não conseguiu falar nada.
O
lhei a noite sem estrelas. Todas as luzes da cidade me davam a falsa sensação de noite estrelada. Assim como teus afagos e tuas palavras me davam a falsa sensação de posteridade. Senti o perfume do teu sussurro, vizinho aos meus cabelos, e, tua mão a deslizar suave pela minha cintura. – Quais são teus planos? “Ah, Deus! Eu não faço planos com você” – pensei. Mas respondi, um pouco esquiva, um pouco tua. Como sempre. – Meus planos eram você, aqui, comigo, estreando o apartamento. Não via teu rosto. Você me enlaçava por trás, mas senti teu sorriso. Você ia buscar a resposta desejada. Você ia me levar ao abismo para que eu pedisse socorro. Você ia brincar com cada centímetro de pele minha.
Com cada fio de cabelo. Com cada esperança adormecida por minha força férrea. – Quero saber mais. Você sabe que eu tenho milhares de planos. Você está neles. Eu já te contei todos eles. Não bastava a você que eu fosse cúmplice dos teus erros, dos teus sonhos ou da tua vida encaracolada de meias-verdades. Era preciso que eu verbalizasse meu crime de te apoiar, de te acobertar, de te reger sem ser obedecida, de tocar um sustenido deslocado na tua orquestra, de ser tua. Apoiei a cabeça no desvão do ombro. Meu pescoço estava pronto para ser submetido a um abate. Meu abate. Cedi todas as defesas e permiti que você tivesse a confissão de meu crime, como você o bem entendia. Comprei teu sonho e quase gritei à noite. – Vou nos esconder nas araucárias. Vou levar o bebê, que nem fizemos, pra passear
Noites de
FALSAS E
de pedalinho, no meio dos patinhos. Vou tatuar teu número na minha pele, não obstante você odeie tatuagem. Vou cozinhar todos os quitutes que você tanto gosta. Vou largar o cigarro. Não vou te abandonar ainda que nos separemos. Tudo será como já prometi. Você me virou suave, olhou nos meus olhos, sorrindo. Beijou meus lábios, tão levemente, que podia se acreditar que era o farfalhar de uma borboleta. Depois me beijou a testa. Puxou-me pro teu peito e me abraçou. E eu pensei com meus botões, que já iam se abrindo, que meus planos eram só perpetuar este momento e estava tudo bem. – Te adoro. Me conta agora os teus planos práticos. Eu sorri, olhando pra cima. Você sabia que eu só tinha entrado no jogo. Também sabia que eu lutava ensandecidamente para não acreditar em você. Para não olhar para os teus olhos e achar que eles não mentiam,
como realmente parecia. – Eu quero tirar a cicatriz da perna, que aquele energúmeno me deixou no acidente. – A cicatriz é uma besteira. Se bem que... – O quê, baby? – Eu vou te tirar a cicatriz. Vou tirar a cicatriz da tatuagem. – Eu não tenho tatuagem. – A tatuagem que o mal te fez na alma, amor. Senti o nó apertar na minha garganta. Senti os olhos arderem. Senti um rio caudaloso pronto a correr. Então te beijei. Beijei longa e sofregamente. Sussurrei ao meu coração para esquecer dos planos, porque o melhor ainda estava por vir. Coração de moça com lua em câncer não se contém. Mal educado que só ele, me respondeu que não sabia aonde ia, mas que ia continuar a correr. Eu deixei.
ESTRELAS por CRISTIANE SITA
FAMÍL contemporânea
LIA
por GILBERT ANTONIO
A
mescla inexorável que as novas relaçõesfamiliares se constituem, desbancam a tradicional instituição, as quais, fadadas aos modelos tradicionais, prescindiam e prescindem de um novo núcleo etimológico e comportamental. Viver uma relação familiar como base nos modelos anteriores, difundidos e preconizados pela cultura vigente e rançosa é tornar falível as relações humanas pré/pós-existentes na nova ordem das constituições familiares contemporâneas. Presumir ou insistir que oferecemos material emocional segundo os modelos e exemplos até então vigentes, é igualmente confirmar o fracasso e insucesso das relações consistentemente arraigadas aos parâmetros iniciais. Existe aquilo que os psiquiatras pontuam de Teoria do Verdadeiro Dilema da Paternidade e da Maternidade, segundo a qual, por mais que os pais devotem sua vida aos filhos, os resultados semprefogem ao seu controle. Corrobora-se aqui que, modelos e registros,até então defendidos e ou preconizados, não determinam ou tampouco contribuem na formação desse núcleo. Os núcleos familiares estão recebendo novas constituições de família. Representam em si e socialmente as novas formas ou nem tão novas assim, dessas formações. Famílias que possuem em suas respectivas formações pais homossexuais, bissexuais e atualmente, as famílias formadas pelo poliamor, engrossam as novas e necessárias discussões sobre os arquétipos da sistêmica familiar. Passamos a conviver com novos e pouco ortodoxos modelos dessa diversidade.Cultivam-se as relações dessa pluralidade através do prazer, satisfação e ordem social. Abre-se mão do gênero o qual essas relações eram constituídas e dá início ao estabelecimento da nova ordem dessas relações. Integra-se aqui, os filhos, que depois de adultos, retornam à casa dos pais para retomar tal sistêmica. Segundo Judith Viorst,os mitos familiares contribuem para estabilizar a estrutura organizacional. Conservam a unidade emocional. E são apaixonadamente defendidos por todos os membros da família. Mas muitos deles são distorções da realidade, às vezes grotescas e prejudiciais. Representam-se aqui as dificuldades inerentes e pertinentes dos novos núcleos. O universo interno onde essas relações se estabelecem entram
em choque com os focos tradicionais e vigentes de famílias tradicionais e seus mitos. Para manter um determinado mito, diz o especialista em dinâmica familiar Antonio Ferreira, pode ser necessária “uma certa dose de percepção”. Como perceber-se e integrar-se a esse núcleo determinará em parte, a qualidade das relações constituídasna dinâmica familiar. Judith Viorst pontua que, um dos mais problemáticos desses mitos, ou temas, é o mito da família unida e harmoniosa, que pode acarretar uma negação desesperada de qualquer dissenção ou distanciamento entre os membros da unidade familiar. Somos filhos de uma geração que anseia pelo amor e aprovação do outro, em outras palavras, não queremos ser rejeitados. Advêm do mito de família unida e harmoniosa, o desespero e angústia em viver segundo as idealizações e projeções feitas para que possamos ser mais e melhor amados. Viver em família ou em núcleos constituídos como tal, demanda um estudo dos pais que o sistema mitológico da família impõe a cada um. Inconsciente ou conscientemente estamos atrelados aos papéis. Estamos em constante vigília e patrulhamos o objeto de nosso amor. Ainda ressentimos a dúvida ou a constataçãode que somos amados de formas diferentes e que há os escolhidos e igualmente os eleitos. Essas evidências pressupõemum repensar na qualidade dessas relações constituídas; sugerem o impacto das mesmas em nossas respectivas histórias pessoais. Sabemos que uma vez constituída m família e suas ilhas de conforto e interesse jamais seremos os mesmos. Somos tocados para sempre, independentemente de ser de forma boa ou ruim.Tais constatações são factíveis e inevitáveis. “Nossa experiência subjetiva da vida e nosso comportamento”, escreve o psicanalista Roger Gould, “são governados literal-
mente por milhares de crenças (ideias) que compõem um mapa, usado para interpretar os acontecimentos da nossa vida (inclusive nossos problemas particulares). Quando crescemos, corrigimos uma convicção que nos restringiu e nos limitou desnecessariamente. Por exemplo, quando aprendemos na juventude que nenhuma lei universal nos obriga a ser o que nossos pais queriam que fôssemos, estamos livres para explorar novas experiências. Abre-se uma porta para um novo nível de consciência...” Os novos núcleos familiaresnos são apresentados e revelam em si um exercício de profunda experiência. Cabe a nós apreender através da diversidade e sazonalidade com que os mesmos acontecem. Cabe igualmente uma ampliação e flexibilidade do amor e seu resgate. Viver tal experiência ultrapassa todo e qualquer entendimento. Transcende até mesmo a forma, o conceito. Permite-nos viver a transcendência do gênero, do modelo, da definição ede regra. A perseguição pela felicidade e respeito à individualidade pode ser obtida na convivência e prática de liberdades respeitadas e valorizadas. “Imergir para emergir, pode ser parte do processo fundamental do crescimento psicológico”, pode ser igualmente o sonho bom que não queremos acordar e pode ser o caminho de volta para casa, onde as inomináveis definições que demos podem, pura e simplesmente serem chamadas de família – minha doce e segura zona de conforto.
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JOÃO PAULO SÁ em
diálogos notívagos COMIGO mesmo 10. Chega a hora. 9. Formata. Desautomatiza teus pensamentos. Cala o barulho que vem de fora. Tapa o ouvido e escuta o eu que escondes aí dentro. 8. 7. Mata. Esse suicida vagaroso. Fecha teus olhos e enxerga. Desordena. Seis. Cinco. 4. Despe-te desse excesso. Esquece a iludível busca pela perfeição exterior. Ignora esse cálice. Toma outra direção. 3. Toma consciência das tuas limitações. Da impossibilidade de te sentires sossegado. De quanto te subtrai uma expectativa. Da incapacidade. Do sofrimento. Da angústia. Da feiúra. Da dor. De que a plenitude é a iminência para tua queda. 2. Liberta-te. Liberte-o. E começa a viver. 1. Feliz ano novo.
Teu 1º de janeiro
AMANDA SOUZA em
Mande suas dĂşvidas sobre o universo afetivo para o email: amanda@manuscrita.com.br
CONSULTÓRIO sentimental Na hora de me despedir de um colega de trabalho, que até então eu achava que fosse gay, errei a mira: quando era pra beijá-lo no rosto, sapequei um beijo no canto da boca do infeliz. Me desculpei, disse que era meio atrapalhada, mas ele me mandou e-mail no final da tarde pra ‘marcar um café pra a gente se conhecer melhor’. Eu não quero conhece-lo at all, deixei isso claro, mas ele acha que estou fazendo charme. Como procedo? Juliana, 28 anos, advogada. Amiga, você tá solteira? Em caso afirmativo, responda, antes, às seguintes perguntas: o sujeito é feio? Sujo? Fedido? Tem mau-hálito? Se você responder “não” a nenhuma dessas perguntas, o que você tá esperando para marcar o tal café? O máximo que pode acontecer é você ter que inventar alguma mentira branca para mandar o rapaz pra longe se não rolar química alguma com o sujeito. Agora, se realmente o sujeito não te desperta o MENOR interesse, marque o café do mesmo jeito. O cara pode ser sujinho, meio fedido, esquisitão, mas (vai saber..) e se ele se mostrar um amigo leal, mesmo que você deixe claro que não tem interesse algum por ele? Eu sempre acho que nunca é perda de tempo conhecer gente nova. Mesmo que você tenha que pensar em alguma forma de despachála feito uma oferenda depois de um tempo. O que não dá é pra se fechar na concha, porque senão, milagres não acontecem e a gente pode morrer sozinha e nem perceber.
A virtualidade me persegue. Conheci um cara e me apaixonei por ele graças ao Orkut. E agora a dúvida: como lidar com a distância, o ciúme? Roberta, 27 anos, professora. Acredito sinceramente que hoje, ao contrário do que acontecia há uns 10 anos, se apaixonar por alguém que você conheceu via internet não seja mais algo isolado ou muito excepcional. Isso tem se tornado a cada dia mais comum, até mesmo pela própria facilidade em se conectar nos dias atuais, e em conhecer gente em tantas redes sociais. Mas é claro que um tipo de relacionamento começado por esses meios requer um cuidado extra, ainda mais se ele tem que ser mantido à distância, como ocorre na grande maioria dos casos. Deve-se sempre ficar claro que o esforço pra que a relação dê certo deve partir de ambas as partes, mais ainda do que já teria que ser em um namoro começado
Namorei um garoto grudento na adolescência, que me perseguiu horrores quando terminei com ele. Quase dez anos depois, não quero esse ‘nó’ na minha vida, esse ‘climão’, saca? A duvida é: fico na minha e não tento ser amiga ou coisa que valha? Ou apenas deixo de lado esse lado Madre Teresa, porque louco é louco a vida inteira? Mariana, 26 anos, escritora. Olha, acho que tudo depende do que a gente sente. Pode parecer um baita de um clichê, mas é bem isso mesmo. Acho que antes de definir se vale a pena trabalhar seu lado “Madre Teresa” ou desencanar de domar malucos, você deve responder a uma pergunta muito importante: o quanto isso realmente te incomoda hoje? Se o “climão” te faz mal, se você acha que seria bacana deixar um clima de paz com esse cara, se procura-lo te fará bem (mesmo que, suponhamos, ele te bote pra correr lindamente). Se a tentativa se fazer a Madre Teresa der errado e o cara te tratar mal, meus sinceros lamentos para ele. Agora, essa ação pode ter um lado positivo: de repente, ele deixou de ser grudento, pode ter se tornado um sujeito interessante, genteboa. Agora, se ele te receber de braços abertos e demonstrar que continua o mesmo super bonder de outrora: CORRE, BINO! Porque é cilada na certa. Mas, pelo menos, você fez o que estava a fim. E daí esse peso estranho, esse climão, se dissipa, sendo uma neurose a menos dentre as várias que a gente vai acumulando ao longo da vida.
por vias “habituais”. A confiança no outro é fundamental. É preciso ter tranqulidade para entender que seu parceiro resolveu se comprometer contigo porque quis, porque, muito provavelmente, gosta de você; senão, teria optado por alguém que estivesse mais perto. É preciso, também, se fazer presente na vida do outro, já que, fisicamente, isso ocorre com mais raridade: pequenas delicadezas, recadinhos, SMS’s ao longo do dia falando de frivolidades fazem com que o outro se sinta parte da sua rotina e isso fortalice os laços entre os integrantes de qualquer relação. E que fique claro: qualquer namoro à distância tem um tempo limitado para ser “à distância”. Dificilmente uma relação sobrevive por muito tempo nessas condições. Logo, vencido esse “prazo” (que é óbvio que não é delimitado, varia em cada caso), ou um dos dois se muda pra cidade do outro, ou, então, a história acaba. Por isso, é sempre legal pensar nessas coisas antes de se comprometer. Pois tudo, nessas condições, sempre deve ser conduzido com muito, mas muito cuidado do que já é preciso em condições normais. O que não vale (NUNCA!) é deixar de viver uma história pensando que esses são fatores que hipoteticamente a tornariam inviável de sobreviver.
VERA MONTEIRO em
papo de MÃE
Mais um ano. De antemão, desejo que o seu ano novo, querido leitor, seja de muitas alegrias, força para enfrentar as lutas e enfrentar as horas difíceis. Vamos agradecer por esse ano, mesmo nos momentos de dor. Agradecer por nossos filhos, nossa família, por todas as outras, especialmente as incompreendidas. O “padrão” não importa; só o que interessa é o amor, o coração aberto e o perdão sempre pronto para acontecer. A segunda chance e até mesmo a caixa de surpresas vinda do céu. Todos recebemos um presente desses. Como esse é o cantinho onde converso com vocês, posso dizer que ganhei a minha caixa surpresa esse ano, tendo ela valido por todos os natais anteriores. Quando a abri, encontrei um serzinho muito doce, alegre e tranquilo. Misto de flor e aço, que vinha com um crachá no peito, escrito “sou sua mãe”. Foi uma das maiores emoções da minhavida, tanto quanto o dia em que também, n’ outras duas caixinhas, Bijou e André me foram enviados.
Cá entre nós, se você ainda não passou por essas experiências, não desista de buscar ou até mesmo esperar chegar a sua caixinha de surpresas. Não desista do filho que não vem, do grande amor que se perdeu pelo caminho ou de recuperar seja quem for que estiver perdido no fundo do poço. Esse é o grande desafio de 2011: não desistir. Recentemente, comemoramos o Natal, mas ele deve ser celebrado diariamente. O presente da vitrine não pode ser mais valioso do que o que está dentro de cada um de nós, ou seja, a nossa capacidade de amar. Essa é a mola-mestra para que possamos evoluir como pessoas, pais, mães, maridos e mulheres. Não nos deixemos seduzir pela mídia, pelo modismo, pelo esquecimento de que o outro existe e precisa de nossa ajuda para nascer, renascer, crescer, engatinhar ou manter-se em pé. Somente assim conseguiremos olhar para dentro de nós e perpetuar o verdadeiro milagre da vida. Feliz ano novo!
BIJOU MONTEIRO em
COZINHANDO com Mademoiselle Bijou Um forte abraço para você que acompanha essa coluna e entendeu minha boa vontade ao prescrever, no mês passado, que óculos de natação fossem devidamente administrados na receita de geleia de pimenta visionária. Ah, e um peteleco maroto na orelha de quem alegou que minhas receitas foram, até agora, apenas doces, uma vez que, se houver demérito nisso, que você vá chupar limão até morrer inteiramente verde e azedo.
aquele pãozinho adormecido, ou, até mesmo, sugerir aqueleponche batuta, para que sua família inteira dançasse Gipsy Kings bêbada na festa de ano novo. Mas, veja bem, já que esse é um espaço repetaculê, eis nossa iguaria do mês: o sorvete de café. Serve tanto para refrescar o seu corpinho desse “Cruel Summer” quanto para dar aquele wakeupcall em quem ainda não entendeu que meu caderninho de receitas é mais do raro. Agora vamos aos ingredientes, minha gente.
Eu até poderia ensinar você, intrépido gourmet, a fazer rabanadas, aproveitando
Ingredientes:
Sorvete de café
1 lata de leite condensado; Meia xícara de chá de leite; 4 ovos separados; 4 colheres de sopa de açúcar; 1 colher de sopa bem cheia de café solúvel; 200 gramas de creme de leite; 1 xícara de chá de chocolate em pó; 1 xícara de chá de água; 1 xícara e meia de chá de açúcar, para caramelizar a forma com amendoim picado.
Modo de fazer:
Ferva o leite e o misture com o café solúvel, até que os grãos se dissolvam inteiramente. Junte o leite condensado, as gemas e mexa a mistura – em fogo médio – até que ela fique cremosa. Separadamente, bata as claras em neve e, em seguida, misture-as com o açúcar. Nessa mesma vasilha, coloque o creme de leite e o outro creme – aquele que foi ao fogo. Numa panela, queime o açúcar até que ele vire calda. Use uma segunda panela para misturar o chocolate em pó e a água, mexendo e deixando ferver até engrossar. Espalhe o caramelo da primeira panela numa forma e, posteriormente, junte essa calda de chocolate feita na segunda. Para finalizar, junte o creme – aquele que nasceu junto e misturado cosmicamente com outros cremes –, salpique o amendoim picado por cima e leve ao freezer, coberto com papel alumínio.
Feliz ano novo e bonappetit!
Ei, você! Dá RT?
twitter.com/RevManuscrita
SÁTIRAS Tiras sem desenho por MARCELO SARAVÁ
Ei, você! Ainda está lá?
orkut.com.br/Main#Community?cmm=107054497
apresenta
DUELO de mixta D
uas batalhas de peso na primeira edição de 2011 da Manuscrita. Eles não estão gordinhos o suficiente para encarar um ringue de sumô, mas se esforçaram bastante. O que você ganha com isso? Quatro ótimas mixtapes, com músicas para todos os gostos. Aproveite... E não esqueça de apontar o vencedor. Podemos receber seu voto por email, pelo Twitter ou nos próprios comentários do Issuu. Basta dizer o nome do autor da mixtape.
Vencedoras dos duelos da edição passada: Patrícia Coelho, Cristiane Sita e Bijou Monteiro
O apes
Marcelo Saravรก Body Experience Revue - Millionaire Dissappear - Sunny Day Real Estate Down At McDonnelzzz - Electric Six Her Gender (Fixed) - Millionaire Me Crazy, You Same - Millionaire The Ideal Crash - dEUS Fool In The Photograph - Sunny Day Real Estate Come With You - Millionaire Faces In Disguise - Sunny Day Real Estate Instant Street - dEUS
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DUELO 1
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Marcelo Sayeg Venetian Snares - Hajnal Einsturzende Neubauten - ZNS Sleepy Sun - White Dove The Black Keys - Just Got To Be Skinny Puppy - Addiction Mogwai - Tracy Boards of Canada - Music is Math Scott Walker - Cossacks Are Pere Ubu - Come Home Dizzy Gillespie - Blues After Dark
Paulo Segundo The Riddle - Five For Fighting Goodbye Logik - Madsen Hey Jealousy - Gin Blossoms Shangri-La - Angela Start A Fire - Ryan Star Think Of You Later (Empty Room) - Every Avenue Junge - Die Ärzte Time Bomb - Rancid Drunken Lullabies - Flogging Molly New World - L’Arc En Ciel
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DUELO 2
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Gilbert Antonio Soul 2 Soul - Back to life Robin S - Show me love The B Bug - Don’t look any further Everything But The Girl - Missing Cecilia Bartoli - Sacrificium Chico Science & Nação Zumbi - Maracatu Atômico Lighthouse Family - Ocean Drive Marisa Monte - Tempos Modernos The Corrs - Forgiven, Not Forgotten Dead or Alive - You Spin Me Round
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