Revista Ideal Comunitário - abril de 2011

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Número 13 • Abril de 2011

A descoberta dos livros

Em um país onde apenas metade da população tem o hábito de ler, incentivar a leitura é um desafio nacional


nesta edição Número 13 | Abril de 2011

3 Editorial 4 Entrevista Ricardo Abramovay reflete sobre a necessidade de se estabelecer limites aos padrões de consumo para evitar catástrofes ambientais

10 Panorama Social Estudos do Ipea colocam o tema da sustentabilidade ambiental no centro do debate sobre o desenvolvimento econômico

12 Infância Ideal Redes de proteção bem estruturadas, como no município de Ijaci (MG), são fundamentais para garantir os direitos de crianças e adolescentes

18 Educação Básica Incentivar a leitura é um desafio a ser enfrentado dentro e fora da escola, como mostra a experiência do projeto Ler: Prazer e Saber na Paraíba

25 Homenagem Antonio Carlos Gomes da Costa: educador e defensor dos direitos da infância e da adolescência

26 Empreendedorismo Instituto Camargo Corrêa e BNDES tornam-se parceiros para incentivar microempreendedores nas cinco regiões do Brasil

28 Voluntariado Após tragédia provocada pelas chuvas, ICC coordena ajuda do Grupo Camargo Corrêa aos municípios da região serrana do Rio de Janeiro

34 Inovações Sustentáveis Boas ideias: carro elétrico entrega encomendas, comissões incentivam sustentabilidade em condomínios e obra usa madeira responsável

36 Cartas Leitores comentam o conteúdo das edições anteriores da revista 37 Ações&Parcerias Fundações, institutos e empresas criam movimento Juntos pelo ECA e buscam integrar ações em favor de crianças e adolescentes

38 Artigo O educador e escritor Rubem Alves ressalta o papel do professor na descoberta dos prazeres da leitura

10 ideal comunitário


editorial

Oportunidades para o futuro Esta edição dá início ao quinto ano da revista Ideal Comunitário. E todo início de um novo ciclo nos incentiva a dar novos passos e a pensar no futuro.

Para o Instituto Camargo Corrêa, o ano de 2011 começou com uma nova e impor-

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que permitirá ampliar os investimentos do programa Futuro Ideal no apoio a microempreendedores. Uma parceria

que reforça a aposta do Instituto em promover ações empreendedoras conectadas com as vocações econômicas regionais e, assim, aumentar as oportunidades de um futuro melhor para muitas comunidades brasileiras.

O ICC também acredita que oportunidades de um futuro melhor dependem da

melhoria da qualidade da educação. Uma das tarefas a ser enfrentada, dentro e fora das escolas, é aumentar o interesse pela leitura. Nossa matéria de capa mostra que apenas

metade da população brasileira tem o hábito de ler. Faltam ações de incentivo e também

infraestrutura, já que nem mesmo as escolas estão preparadas para oferecer a chance da descoberta dos livros: apenas 1 em cada 3 instituições de ensino no Brasil contam com uma biblioteca.

foto: Gustavo Moura

tante parceria. Em 20 de fevereiro, foi formalizado um acordo entre o ICC e o Banco

“A descoberta dos prazeres da leitura abre caminho para a apreensão de saberes essenciais.”

A experiência da realização do projeto Ler: Prazer e Saber, ação do programa Escola

Ideal em municípios paraibanos, ajuda a refletir sobre as formas de incentivo à leitura. Já o artigo do educador Rubem Alves realça o papel do professor nesta tarefa de apresentar às crianças o prazer dos livros. Esta apresentação às letras e aos livros é fundamental porque

a descoberta dos prazeres da leitura abre caminho para a apreensão de saberes essenciais ao desenvolvimento integral das crianças, dos jovens e também dos adultos.

Esta edição traz ainda nossa homenagem a um personagem marcante na luta pela

garantia dos direitos das crianças, adolescentes e dos jovens. Lembramos a trajetória do professor Antonio Carlos Gomes da Costa, um dos responsáveis pela redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e autor de mais de 40 livros nas áreas de educação, juventude, empreendedorismo, defesa dos direitos da infância e responsabilidade social das empresas. Em entrevista à Ideal Comunitário, em julho de 2008, afirmou que “a aliança na base da ética e da co-responsabilidade entre os três setores é a esperança do Brasil para

o século XXI”. Antonio Carlos faleceu no início de março. A sua contribuição, inclusive

como colaborador que foi do Instituto Camargo Corrêa, tem o valor inestimável de nos fazer olhar o futuro com esperança.

Francisco de Assis Azevedo, diretor executivo do Instituto Camargo Corrêa ideal comunitário 3


entrevista

foto: Gustavo Ferri

Ricardo Abramovay

4 ideal comunitรกrio


Novos estilos de vida por um mundo

sustentável O economista Ricardo Abramovay diz que a tecnologia não pode resolver sozinha a questão ambiental e é preciso mudar a lógica que rege os mercados e o consumo

Ricardo Abramovay chega a sua sala de professor titular no segundo andar da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEAUSP) empurrando uma bicicleta e vestindo uma camiseta azul, estampada com uma bicicleta. Pede desculpas pelo pequeno atraso e pela falta de fôlego. Explica que precisou acelerar as pedaladas ou seria pego pela chuva. A opção de transporte é coerente com aquilo que defende como economista dedicado a compreender as relações entre a economia, as sociedades e os ecossistemas: ou mudamos nossos estilos de vida, ou chegaremos a uma situação catastrófica. E é com a mesma profundidade analítica, associada a uma sensibilidade para as questões da vida real, que defende tanto suas teses sobre sustentabilidade, como o uso da bicicleta. “Não posso dizer para qualquer pessoa se tornar um ciclista, porque as ruas de São Paulo são um horror e o trânsito, muito perigoso”, afirma. O professor Ricardo Abramovay é um economista da Academia. Mestre em Ciências Políticas pela USP, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Campinas (Unicamp), possui ainda cinco pós-doutorados. É autor de diversos livros e artigos, além de coordenar grupos de pesquisa e colaborar com jornais de circulação nacional. Ao longo de sua carreira, no entanto, tem feito questão de participar do diálogo com empresas e organizações sociais. Compartilha, assim, sua reflexão acadêmica sobre as questões do desenvolvimento e da sustentabilidade com alguns dos atores envolvidos nas mudanças nos sistemas produtivos e nos mercados consumidores que – segundo ele – ocorrem em ritmo impressionante, mas ainda insuficiente para garantir o equilíbrio entre as demandas das sociedades e os ecossistemas. A crítica parcimoniosa e construtiva de Abramovay aos economistas, aos Estados, empresas e indivíduos pode ser conferida a seguir, na entrevista concedida exclusivamente para a revista Ideal Comunitário: ideal comunitário 5


entrevista Ricardo Abramovay

Qual o diálogo possível entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento sustentável?

A pergunta deveria provocar espanto, porque, em princípio, tanto a economia como a ecologia tratam de um tema semelhante: o cuidado com a casa, com o ecos. Mas a pergunta não provoca espanto e ela só pode ser recebida com naturalidade tendo em vista a evolução do pensamento econômico. A noção de valor, por exemplo, é elaborada, na tradição clássica, com base na idéia de que o valor decorre do trabalho humano, e, na tradição marginalista, de que o valor é uma decorrência da utilidade que os indivíduos atribuem às coisas, em função do quê eles avaliam e se dispõem a pagar ou não pagar o preço que lhes é cobrado. Em nada do que eu disse entrou o fato óbvio de que os recursos dos quais depende a reprodução da vida social são recursos que se originam em serviços prestados pelos ecossistemas. Essa dependência intuitiva entre sociedade e ecossistemas está totalmente fora do escopo das ciências sociais. O grande desafio do nosso tempo é superar esta cisão, que tem uma raiz teórica profunda, uma raiz cultural profunda e, mais do que isso, uma raiz em hábitos de consumo. Como isso está enraizado em nossos hábitos de consumo?

A ideia central a partir da qual nós nos formamos como indivíduos e como sociedade é que nossas aspirações são infinitas e que a única restrição a elas é o nosso orçamento. Esta noção das aspirações infinitas é nova na história da humanidade e é uma ideia que, evidentemente, tem de ser colocada em questão. E está sendo, talvez da maneira mais aberta e emblemática com as mudanças climáticas globais, porque o espaço a ser ocupado na atmosfera com gases de efeito estufa é um espaço limitado. Há um limite para as emissões se quisermos manter a elevação da temperatura global em no máximo 2 graus, como está previsto nos acordos internacionais. Alguma coisa, então, nos colocou uma noção de finitude...

Sim, mas esta noção do caráter infinito dos desejos é tão forte que a ideia de mudanças climáticas desperta não tanto a noção de limite e a exigência de limitar os padrões de consumo de maneira a torná-los compatíveis com as possibilidades dos ecossistemas, mas sim fortalece a ideia de que haverá, de qualquer maneira, transformações tecnológicas suficientemente 6 ideal comunitário

impactantes para que nós possamos manter os mesmos estilos de vida e os mesmos padrões de consumo. É o “deixa que a tecnologia resolve”. Essa é uma corrente muito forte dentro do pensamento econômico. Mas felizmente, hoje, existe uma corrente cada vez mais forte que tenta colocar no interior da ciência econômica o tema dos limites necessários à organização dos padrões de consumo e dos estilos de vida, sem os quais nós vamos chegar a uma situação catastrófica. Esta aspiração infinita faz parte da lógica empresarial: o lucro é uma aspiração infinita. É possível imaginar que esta lógica seja revertida também no mundo empresarial? Afinal, para o empresário, aderir a padrões responsáveis de produção pode ser uma questão de vida ou morte: decido fazer um produto mais caro, porém responsável, ou sigo produzindo irresponsavelmente e competindo mais “de igual pra igual”?

Ao decidir produzir responsavelmente, aí é que a questão dos limites coloca-se com mais forte razão, exatamente porque existe uma forte corrente dizendo o seguinte: as soluções sustentáveis são, forçosamente, win-win, só tem vitorioso – e isso não é verdade. Mais uma vez, está se tentando suprimir a noção de limite. Por exemplo: o padrão de produção de cimento no Brasil é um padrão internacionalmente de boa qualidade. Mais do que isso, as emissões por tonelada produzida vêm caindo. Só que a produção de cimento está crescendo muito, porque a economia está crescendo, o consumo está crescendo... Cresce por razões boas – porque você tem mais construção popular, porque você tem mais infraestrutura – e por razões más – porque os ricos estão construindo mais, ficando com castelos mais sun{{É cada vez mais tuosos... O efeito disso é que, forte a corrente apesar de haver uma queda de emissões por unidade de proque tenta colocar duto, o resultado global é um dentro da ciência aumento nas emissões e no econômica o consumo de energia setorial. tema dos limites É o chamado rebound efect, o aos padrões de efeito ricochete. Você tem um ganho de produtividade só consumo|| que isto é acompanhado por


um aumento tal no consumo que, globalmente, mais que compensa o ganho de produtividade. E qual seria a solução para situações como esta?

Há duas correntes no que se refere à capacidade da chamada “economia verde”, ou seja, a adaptação dos métodos produtivos a modalidades de uso dos recursos cada vez menos predatórias. A primeira posição é que ela pode ser tão eficiente que é perfeitamente possível você continuar com o crescimento econômico uma vez que você operou uma transformação tecnológica na base produtiva. A segunda posição é que, apesar dos ganhos de eficiência tecnológica, estes ganhos não vão ser suficientes, portanto, você vai ter que repensar, rebalizar, disciplinar e de alguma maneira limitar o próprio crescimento econômico. A expressão “crescimento econômico” remete a uma ideia mais ampla do que o lucro das empresas...

Nós falamos do indivíduo e, agora, das empresas, e no fundo se você junta as duas coisas, qual é o resultado? O sistema econômico. Acho que a pergunta por trás de tudo isso é: o crescimento é um objetivo autônomo e que deve ser um parâmetro de julgamento da própria eficiência das políticas econômicas ou, ao contrário, o crescimento econômico tem que estar submetido a valores, a objetivos sociais? A grande dificuldade é saber como uma economia formada por agentes privados, uma economia descentralizada em que o poder de decisão está na mão de agentes privados poderá vir a incorporar a noção de limite. Isso nós não sabemos. O que sabemos – e isso é importante – é que há uma pressão social cada vez maior para que isso aconteça. Embora ela seja ainda muito pequena, é cada vez maior. O Estado é o agente que deve impor estes limites ou este é um movimento que precisa ser coordenado entre indivíduos e empresas?

Quanto mais democrático for o Estado, quanto mais transparente, quanto mais respeitado – não temido, respeitado –, mais condições ele tem de fazer com que aspirações sociais sejam contempladas por políticas estatais que vão regulamentar os destinos das empresas. Isso é inegável e é importante. E é uma conquista democrática esta capacidade que o Estado

tem de intervir, como no caso brasileiro, para que, de 2004 a {{Os mercados 2009, a área de queimadas no e as empresas país tenha sido reduzida de assumem, cada 24 mil quilômetros quadrados para entre 5 e 7 mil em 2010. vez mais, uma Sem Estado você não faz isso. dimensão pública Porém, é uma visão equivocaque pode ser da e contraproducente imagimuito promissora nar que você tem, de um lado, e construtiva|| o setor privado que é totalmente obtuso, voltado para seus próprios interesses, e, de outro lado, o Estado clarividente, que sabe o que está acontecendo e o que vai acontecer. Isso não significa que você precisa privatizar as ações do Estado. Significa que há um processo social de aprendizagem onde, muitas vezes, o próprio Estado interage com o setor privado e com movimentos sociais. Há algum exemplo desta interação?

A moratória da soja, que interrompeu a compra da soja produzida na Amazônia em áreas recentemente desmatadas. Foi um processo envolvendo movimentos sociais e setor privado na Amazônia em que vários Ministérios Públicos locais aprenderam e transformaram a experiência em Termos de Ajustes de Conduta, que foram transformados em políticas estatais e incorporados nas situações localizadas. O importante aí nesta história é que a divisão de trabalho que prevaleceu no século XX entre, de um lado, a esfera pública da vida social – que é o Estado – e a esfera privada da vida social – que é a empresa –, esta fronteira se borrou. Felizmente. E ela se borrou porque, cada vez mais, os próprios movimentos sociais estão olhando para o que faz o setor privado, estão pressionando o setor privado. O diálogo que surge daí enriquece o que se considerava a esfera privada da vida social, que são os mercados e as empresas, e que cada vez mais assumem uma dimensão pública que pode ser promissora e muito construtiva. Você fala de uma visão que ainda prevalece de que a tecnologia nos salvará, o que permitirá manter o padrão de consumo crescente sem batermos nos limites dos ecossistemas. De ouideal comunitário 7


entrevista Ricardo Abramovay

Economistas e sustentabilidade Economia de baixo carbono, mudanças climáticas, biodiversidade, crise ambien-

tro lado, há uma visão que diz que é

tal. Ainda que economia e ecologia nem sempre dialoguem de forma harmo-

preciso limites ao consumo, ao cresci-

niosa, os economistas têm tido de incluir estes termos nas suas reflexões. As 15

mento econômico. Este é um embate

entrevistas realizadas pelo jornalista Ricardo Arnt reunidas no livro O que os Eco-

vivo na Academia, talvez dentro dos

nomistas Pensam sobre Sustentabilidade montam um painel das diferentes formas

governos, mas em que medida este

como a agenda ambiental tem sido absorvida pelo debate econômico. Abaixo,

embate é real na vida empresarial?

alguns trechos das declarações de quatro dos entrevistados:

O que é real na vida empresarial é um conjunto de inovações que está, de fato, fazendo com que a eficiência produtiva aumente de maneira espetacular. Isso significa que os processos de inovação voltados à economia de energia e de materiais são processos reais e que estão acontecendo numa escala muito impressionante. Mesmo assim, voltamos àquele problema dos padrões de consumo e de produção. Se você continuar a ter os padrões produtivos dominantes entre os ricos dos países em desenvolvimento – em boa parte dos EUA e na Europa, um pouco menos – de um lado e, do outro lado, uma massa populacional que sequer atende suas necessidades mais elementares – ainda que em termos de alimentação a coisa tenha mudado bastante –, a equação não fecha. E este é um tema que tem sido cada vez mais importante nos círculos empresariais voltados para questões estratégicas, como Davos. Um dos grandes temas do último Fórum Social Econômico em Davos foi estilos de vida.

EDMAR BACHA, ex-presidente do IBGE e do BNDES, atua como consultor “Agora, que percebemos que os recursos naturais são escassos, o nosso problema é a natureza ser um bem sem dono e, portanto, como não tem dono, continua sendo usada como se de graça fosse, ou seja, excessivamente. O problema econômico, agora, é como vamos encontrar formas de precificação desse bem, ou de regulação eficiente do seu uso, de tal maneira que possamos preservá-la para as gerações futuras.” LUCIANO COUTINHO, presidente do BNDES “O fato de que a poluição do ar, a emissão de carbono e os processos de poluição produziram uma capa de gases de efeito estufa sobre o planeta, que terá como conseqüência um aquecimento generalizado de pelo menos 2ºC – inescapável, irreversível e já instalado –, constitui, na verdade, uma falha maciça de mercado.” JOSÉ ELI DA VEIGA, professor da USP e colunista de jornais “Engraçado é que o pessoal mais ligado à questão empresarial costuma projetar a ideia de sustentabilidade pressupondo que a empresa sustentável é aquela que dura mais. Um dos motivos para ser sustentável é a perenidade da empresa. Isso é totalmente contrário a uma visão darwiniana, que sugere justamente o contrário: a sustentabilidade das sociedades vai exigir que uma série de empresas desapareça, a começar pelas empresas de petróleo.” SÉRGIO BESSERMAN VIANNA, ex-presidente do IBGE, é professor da PUC-RJ e comentarista de rádio e TV “Se alguém chegar para mim preocupado porque ‘vai acabar o lítio que está na Bolívia e os computadores usam lítio’, não fico nem um pouco preocupado, porque a tecnologia resolve. Mas a produção dos serviços que a natureza nos presta, clima,

A ideia da compensação é algo que

biodiversidade, água doce, não funciona

faz parte do marketing, da maneira

assim. Não é preciso conhecimento sofis-

como se vende produtos ou se cons-

ticado para ver que estamos degradando

troi marcas e reputações. Como a

de maneira insustentável a capacidade do

ideia da compensação faz parte deste

planeta de repor esses serviços.”

processo da sustentabilidade?

PARA SABER MAIS O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade Organização de Ricardo Arnt Editora 34 288 p. – Preço médio: R$ 44,00

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Ela faz parte, mas é insuficiente. His-


toricamente, não estava no horizonte das empresas a coisa da compen{{A questão da sação. Quando as empresas falavam desigualdade em compensação, elas falavam quase não é um tema muitas vezes em termos filantrópide governos, mas cos. Não que a filantropia não seja importante: a filantropia é muito algo que não importante, deve ser valorizada, pode estar fora deve ser profissionalizada, é algo que do horizonte do pode ser sério e ter resultados soempresariado|| ciais significativos. Agora, a ideia de compensação é inevitável uma vez que, por mais que os sistemas produtivos procurem formas não predatórias de chegar aos seus objetivos, é óbvio que algum impacto eles sempre terão. Quando se trata de empresas e de setores altamente intensivos em energia e consumo de materiais e emissões, como é o caso do setor de construção, de infraestrutura, da siderurgia, muitas vezes da alimentação, coisas básicas para a sobrevivência, estas compensações têm de existir. O mais importante são duas coisas. A compensação tem de estar incorporada ao coração do negócio, não pode ser algo a ser pensado depois de o estrago ser feito. É diferente produzir uma horta ou uma mega ponte, porque uma mega ponte é algo que vai determinar caminhos para uma comunidade durante 50, 60 anos. É preciso pensar sobre o que vai acontecer ao longo deste tempo na origem do projeto. Não pode ser “eu construo a ponte e o Poder Público vai pensar nesta questão”. O segundo aspecto que me parece muito importante é que faz parte da ideia de compensação um tipo de planejamento territorializado, não só no município, mas no conjunto da região, que permita que aquela obra ou empreendimento seja, apesar dos impactos negativos possíveis, fator de desenvolvimento. Porque se a empresa se beneficia com os recursos que explora na região, é óbvio que ela tem uma responsabilidade sobre os destinos da população, muitas vezes atraída para lá por conta da oportunidade de trabalho.

Não é uma responsabilidade filantrópica. O Conselho Empresarial Mundial de Desenvolvimento Sustentável hoje tem inúmeros documentos mostrando que a questão da desigualdade não é um tema de governos, mas algo que não pode estar fora do horizonte do empresariado, senão as coisas vão explodir.

fotos: Gustavo Ferri

Esta não é uma responsabilidade filantrópica?

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fotos: Shutterstock

panorama social

Grandes temas Ipea inclui temas como biodiversidade, impacto das commodities e energia limpa no debate sobre desenvolvimento

Desigualdade e meio ambiente O Relatório de Desenvolvimento Humano 2011, principal publicação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), vai abordar as relações entre desigualdade e riscos ambientais. O relatório é mais conhecido por divulgar o Índice de Desenvolvimento Humano, mas todo ano o Pnud aprofunda um tema considerado vital pela organização. O documento será lançado em novembro e deve abordar questões como a vulnerabilidade às mudanças climáticas, a desigualdade como um inibidor da sustentabilidade e as relações entre idade, igualdade e desenvolvimento sustentável. 10 ideal comunitário

Valorizando a sustentabilidade como eixo do desenvolvimento O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, em fevereiro, uma série de estudos que esmiúçam o tema da sustentabilidade ambiental. Sob a forma de comunicados, seis artigos foram especialmente selecionados a partir de um grande estudo desenvolvido pelos pesquisadores do instituto e lançado durante sua conferência do último ano. O conjunto dos trabalhos recebeu o nome de Sustentabilidade Ambiental no Brasil: Biodiversidade, Economia e Bem-estar Humano. As publicações são resultado do esforço do Ipea em ampliar o conceito de desenvolvimento que balizou seu trabalho nas últimas décadas. Tradicionalmente voltado para temas como emprego e renda, o instituto reorganizou-se em torno de sete grandes eixos de desenvolvimento, sendo um deles a sustentabilidade ambiental. Para isso, investiu na contratação de técnicos e constituiu um grupo de trabalho especialmente para tratar do tema. “A idéia de enfrentar a sustentabilidade como um eixo de desenvolvimento parte do princípio de que ela não é obstáculo, mas sim

uma oportunidade de, inclusive, dinamizar o desenvolvimento”, defende o técnico de planejamento e pesquisa do instituto Albino Rodrigues Alvarez, que também coordenou a edição do livro com José Aroudo Mota. O conteúdo, apesar de crítico em relação à atuação estatal, foi bem recebido pelo governo. “O Ipea também propõe algumas alterações de rumo no que vem sendo feito”, informa Alvarez. O livro é organizado em três grandes blocos temáticos – Diagnósticos do Potencial Nacional, Políticas Públicas e Mudanças Globais. Já os comunicados, destacam temas específicos. Assim, as publicações divulgadas em fevereiro focam o potencial da biodiversidade e da matriz energética brasileiras. Também avaliam as questões do direito ambiental e do incentivo ao consumo sustentável, além de práticas de licenciamento ambiental e o uso da terra. Tratam, ainda, do comércio internacional brasileiro, com atenção aos impactos ambientais da exportação de commodities, e dos mecanismos de desenvolvimento limpo.


Voluntariado e empresas globais O voluntariado empresarial ainda não é uma realidade consolidada, mas se desenvolve ativamente em todo o mundo junto à globalização dos negócios. Esta é uma das conclusões de uma pesquisa inédita sobre o perfil do voluntariado empresarial no mundo apresentada recentemente pelo Conselho Global de Voluntariado Empresarial (GCVC) e pelo International Association for Volunteer Effort (IAVE), com o apoio do Instituto C&A. A pesquisa qualitativa, intitulada de Estudo sobre Volunta­riado Corporativo de Empresas Globais – O Estado da Arte do Voluntariado Empresarial, conta a experiência de 47 empresas globais. O lançamento do estudo, em Cingapura, marcou a comemoração do 10º aniversário do Ano Internacional do Voluntariado (AIV+10) em 2011. Além de desenvolver novos conhecimentos sobre o tema – os responsáveis acompanharam a rotina das empresas por um período de 18 meses com entrevistas, análise de documentos e materiais internos –, a pesquisa pretende auxiliar as corporações na ampliação e fortalecimento da atuação voluntária. Também foram definidos os perfis de trabalho voluntário nas diferentes regiões do planeta. Na América Latina, o estudo aponta o surgimento de um modelo diferenciado de voluntariado empresarial, centrado na transformação e não mais na filantropia. Na América do Norte, região onde o voluntariado empresarial nasceu, a maioria das companhias já desenvolve programas com este perfil, modelo que também vai sendo adotado por empresas de pequeno e médio porte. A tendência mostrada entre os norte-americanos é o melhor alinhamento entre as ações de voluntariado com a responsabilidade social e a sustentabilidade. Um livro que relata o estudo deve ser lançado ainda este ano.

foto: Divulgação

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Direto ao ponto Em março, a Câmara dos Deputados aprovou a criação da Comissão Especial para o Plano Nacional de Educação (PNE). A criação da comissão deve acelerar a tramitação do plano, que foi discutido durante a Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010 e estipula metas educacionais a serem alcançadas até 2020. O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, comenta o momento político em torno do PNE: O que esperar da Comissão Especial para a tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE)? Tivemos uma reunião com o MEC para que ele atuasse apoiando alguns pontos: que a maior parte de sua composição fosse de parlamentares historicamente ligados à educação, sobretudo membros da Comissão de Educação da Câmara; que a tramitação fosse célere, mas não aligeirada, para que haja qualidade nos debates; por fim, que a tramitação garanta a realização de audiências públicas. Nossa expectativa é que o acordo seja respeitado. É uma demonstração de que o governo quer priorizar o PNE? O governo não trata o PNE como prioridade. A Conferência Nacional de Educação (Conae) é que fez com que se tornasse prioridade. Mas o governo tem tido dificuldade para fazer com que as definições da Conae sejam a base de sua política de educação. Mais do que isso, o projeto educacional do governo tem ido na direção contrária dessas definições. Ainda que demonstre preocupação com uma educação de qualidade, é um governo que não entende os processos da democracia participativa, como a conferência. Mas vamos lutar para que a história do PNE seja diferente. É importante lembrar que o plano estava esquecido e chegou a ser vetado em governos anteriores. ideal comunitário 11


I n fâ n c i a i d e a l

Integrar ações e conhecimentos para garantir os direitos de crianças e adolescentes: este é o trabalho das redes de proteção; em Ijaci (MG), capacitação fortaleceu laços entre instituições 12 ideal comunitário

foto: Gustavo Ferri

Redes que protegem


Aos 11 anos, João apresentava um comportamento agressivo, não dormia por noites seguidas e havia dois anos não frequentava a escola. Preocupada com o futuro de seu filho, Eulália (os nomes foram trocados), de 49 anos, não sabia o que fazer, nem a quem recorrer. Foi então que o caso chegou ao recém-constituído Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Ijaci, município de 6 mil habitantes na região sul de Minas Gerais, e uma rede de apoio e solidariedade entrou em ação. Rapidamente, por iniciativa de instituições como a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e a Igreja Presbiteriana e de órgãos públicos como o Conselho Tutelar e a Prefeitura, o garoto recebeu uma avaliação multidisciplinar e o tratamento médico adequado. Hoje, aos 13 anos, está de volta às aulas e usufrui de um programa de capacitação para jovens de 10 a 14 anos. Empolgada, a mãe engajou-se no movimento Amigos da Escola e não se cansa de agradecer o apoio que continua a receber. “Eles nos salvaram”, diz, falando sobre os conselheiros. O caso descrito acima é um dos tantos resultados concretos e possíveis quando crianças, adolescentes e suas famílias podem contar com uma bem estruturada rede de proteção dos direitos da infância e do adolescente. Conceitualmente, uma rede se estabelece quando há uma ação integrada entre instituições para atender crianças e adolescentes em situação de risco pessoal – ameaça e violação de direitos por abandono, violência física, psicológica ou sexual, situação de rua, trabalho infantil e outras formas de submissão que provoquem danos físicos e emocionais. A idéia do trabalho em rede está intimamente relacionada à mudança da abordagem dos direitos da criança e do adolescente após a promulgação da Constituição de 1988 e do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Tanto a Carta Magna, quanto o ECA introduzem e consolidam a noção da proteção integral, ou seja, que todas as crianças e adolescentes têm o direito de serem atendidas em todas as suas necessidades. O conjunto das instituições responsáveis por atender as demandas – escolas, hospitais, centros comunitários, delegacias de polícia, abrigos, creches etc. – forma um sistema que, para melhor funcionar, deve trabalhar em rede. “Atendimento integral significa não ‘parcializar’ a criança entre as instituições responsáveis e, neste sentido, estabelecer relações entre as instituições – ou seja, formar uma rede – é fundamental”, diz Myrian Veras, professora do curso de Serviço Social e coordenadora do Núcleo da Criança e do Adolescente da PUC-SP. A professora evoca o exemplo da situação de uma criança recebida em um abrigo para demonstrar a importância do trabalho em rede na garantia de direitos. “Ela deve frequentar a escola, pode precisar de acompanhamento psicológico, de atendimento médico. Ou seja, ela não precisa só do abrigo, mas de diversas instituições que devem agir ao mesmo tempo e de forma coordenada”, descreve Myrian. Em Ijaci, muitos dos resultados decorrentes da formação da rede de proteção surgiram a partir do Fortalecer para Crescer, projeto que faz parte do programa Infância Ideal do Instituto Camargo Corrêa. O projeto foi realizado no município mineiro entre 2009 e 2011, com o objetivo de aperfeiçoar o Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes. A ação tem a participação da unidade da Camargo Corrêa Cimentos instalada na cidade. A ideia de priorizar o fortalecimento do trabalho em rede surgiu nas discussões reali-

PARA SABER MAIS Links v Princípios da Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes no Brasil http://portal.mj.gov.br/sedh/ conanda/Principios_dh.pdf v Orientações para criação e funcionamento de CTs e CMDCAs http://www.obscriancaeadolescente. gov.br/?file_pub=100317163926.pdf v Guia Escolar – Rede de Proteção à Infância http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/spdca/guia_escolar/guia_escolar1.htm

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I n fâ n c i a i d e a l

TODOS OS DIREITOS Trabalho em rede garante atenção integral a crianças e adolescentes

zadas pelo Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) do município. A criação de comitês deste tipo, que reúnem as principais organizações que atuam na área da infância, faz parte da metodologia do programa Infância Ideal. Foi o CDC de Ijaci que desenhou, implementou e acompanhou o projeto Fortalecer para Crescer. Fazem parte do comitê de Ijaci a Prefeitura Municipal; as secretarias municipais de Educação, Assistência e Saúde; a Apae; a ONG Mãe dos Frutos; a Associação Nova Pedra Negra; o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e o Conselho Tutelar. Também participam do CDC profissionais da Camargo Corrêa Cimentos, que, dentro da empresa, são membros do Comitê de Incentivo ao Voluntariado e Interação com a Comunidade (Civico). Em menos de dois anos de atividades, o projeto capacitou os membros do CMDCA, do Conselho Tutelar e de outras instituições, proporcionando as condições necessárias para a elaboração de um plano de ação e de uso dos recursos humanos e também financeiros disponíveis. A primeira destas condições era o conhecimento; a segunda, a articulação entre os diversos atores.

fotos: Gustavo Ferri

AGIR EM REDE “A capacitação foi fundamental para que todos conhecessem seus direitos e deveres, para nos ensinar onde buscar os recursos e como trabalhar em rede”, afirma a presidente do CMDCA, Terezinha do Carmo de Carvalho. Os conselhos municipais são considerados, aliás, uma peça-chave das redes de proteção. Cabe a eles a função de animar as redes, mantendo as diversas instituições em contato e atentas para a identificação dos casos de violação de direitos. 14 ideal comunitário

O processo de aprendizagem pelo qual passaram representantes das diferentes organizações envolvidas com o atendimento das crianças e adolescentes de Ijaci proporcionou a troca de informações sobre as instituições. Com isso, foi possível consolidar a divisão de responsabilidades entre os diferentes atores sociais que tomaram parte da rede, valorizando-se o papel específico de cada um. Tudo isso é parte essencial do trabalho em rede, que está fundamentado na ideia de que nenhuma instituição pode atender as demandas por completo. Além disso, Myrian Veras chama a atenção para o fato de que “para cada criança deve se tecer uma rede”. Ou seja, cada caso específico mobiliza um conjunto diferente de instituições. Assim, é condição fundamental para o funcionamento da rede de proteção que todos os atores envolvidos no sistema de garantia de direitos não apenas se conheçam, mas também se respeitem. Em Ijaci, as instituições relatam, inclusive, uma melhora na relação com a comunidade. “Antes, o Conselho Tutelar era encarado como polícia e, muitas vezes, era assim que ele agia”, afirma a presidente do Conselho Tutelar de Ijaci, Alessandra Aparecida Silva. “Agora, adotamos uma postura de proximidade e amizade com as crianças e adolescentes e todos reconhecem isso.” Para orientar os trabalhos, a rede local – que hoje é integrada por cerca de 30 pessoas – teve o apoio da consultoria Utopia Ativa, de Belo Horizonte. “É fundamental o apoio de um especialista externo para ajudar com os problemas envolvendo legislação, contribuir para a própria formação da rede e orientar a cada novo passo do trabalho”, afirma Andreia Botelho Oliveira, profissional da Camargo Corrêa Cimentos.


FINANCIAMENTO O acesso ao conhecimento levou também à queda de alguns mitos e temores dos participantes da rede. “Uma das principais coisas que aprendi foi escrever um projeto social”, relata Maria do Socorro Felix, da Associação Beneficente da Igreja Presbiteriana. “A gente fica com medo no começo, mas depois vê que não é difícil e, com o passar do tempo, vai simplificando ainda mais.” Trabalhando juntas e entendendo o papel complementar de cada uma, as organizações aumentaram a eficácia de sua intervenção. “Antes, concorríamos entre nós mesmos. Agora, nos comunicamos, sabemos tudo o que os outros estão fazendo e, com isso, nossa ação fica mais eficiente”, afirma Atedir Mendes, da ONG Associação Nova Pedra Negra e também profissional da Camargo Corrêa Cimentos. A experiência de capacitação e articulação dos diversos atores da rede incluiu a redação de um edital para uso de uma verba de R$ 200 mil do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA). O dinheiro estava disponível, mas ninguém sabia como utilizar nem quem tinha direito a pleiteá-lo. O edital resultou na escolha de três projetos, que utilizarão R$ 88 mil. Foram selecionados um projeto para oferta de equoterapia (método terapêutico e educacional que utiliza cavalos), de uma banda musical formada por crianças e jovens e a criação de academias de ginástica ao ar livre, que poderão ser aproveitadas pelo público em geral, mas principalmente por adolescentes. Um novo edital será lançado em breve para definir a destinação do restante da verba. Garantir o financiamento de ações e projetos que promovam os direitos da infância e da adolescência é uma tarefa pouco associada ao trabalho das redes de proteção. No entanto,

A rede e os conselhos O que é uma rede de proteção Uma rede se estabelece quando há uma ação integrada entre instituições, para atender crianças e adolescentes em situação de risco pessoal: ameaça e violação de direitos por abandono, violência física, psicológica ou sexual, situação de rua, trabalho infantil e outras formas de submissão que provoquem danos físicos e emocionais. O que é o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) O CMDCA é um órgão deliberativo, formulador das Políticas de Atendimento às crianças e adolescentes, controlador das ações e gestor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Entre outras funções, tem a finalidade de articular as ações governamentais e não governamentais do município nas iniciativas de proteção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. O que é o Conselho Tutelar O Conselho Tutelar é encarregado por zelar pelos direitos de forma individual. Suas atribuições, descritas no artigo 136 do ECA, incluem atender meninos e meninas que têm seus direitos ameaçados ou violados pelo Estado, sociedade ou família. É um órgão autônomo, de natureza administrativa e não judiciária e, uma vez criado por lei municipal, torna-se permanente. É papel e obrigação do município implantar o Conselho Tutelar, por meio de lei específica. É uma instância composta de cinco membros, escolhidos pela comunidade, que exercem um mandato de três anos, sendo permitida uma recondução. Cabe ao Ministério Público exigir, por força de lei, que os municípios criem esses órgãos, caso ainda não existam. 5.772 É o número de conselhos tutelares no país (2010) 93 dos 5.565 municípios brasileiros (1,67%) não contavam com esse órgão em 2009 Fontes: ANDI e IBGE

ideal comunitário 15


I n fâ n c i a i d e a l

referência Integrantes da rede de proteção de Ijaci formularam um Plano Municipal da Criança e do Adolescente

16 ideal comunitário

é intimamente ligada à prevenção de violações. Para o economista Francisco Sadeck, mestre em Políticas Públicas, a experiência de Ijaci aponta alguns caminhos a serem percorridos pelos demais municípios brasileiros. Em geral, uma das grandes dificuldades enfrentadas é a gestão do FMDCA, que visa servir a ações de atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social. “Em grande parte dos municípios, a falta de informação e qualificação técnica dos integrantes do CMDCA impede que os recursos sejam utilizados para os fins propostos, e muitas vezes as próprias prefeituras se aproveitam disso para aplicar o dinheiro em suas outras

prioridades, nem sempre consideradas as melhores para a sociedade”, diz Sadeck. AÇÃO POLÍTICA Parte do trabalho da rede em Ijaci foi a realização de um Plano Municipal da Criança e do Adolescente, apresentado para a Prefeitura e demais membros da comunidade organizada durante o evento que marcou o encerramento do projeto Fortalecer para Crescer. A intenção das entidades é que o documento funcione como referência para o trabalho dos conselhos locais e órgãos públicos, além de ser um argumento a favor da garantia de financiamento público para


PROTEÇÃO INTEGRAL Em Ijaci, rede atua para garantir também financiamento de políticas públicas

foto: Gustavo Ferri

o trabalho com crianças e adolescentes por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias do município. “Facilita muito para o governante quando a sociedade organizada traz suas demandas”, afirma a secretária de Educação e Cultura, Cristiana Gomes Rodrigues. Uma das demandas que será atendida em breve é a construção da primeira creche do município, antiga reivindicação das mães que precisam trabalhar por meses seguidos na safra de café e não têm com quem deixar os filhos. “A parceria com a comunidade faz com que a Prefeitura tenha certeza que está aplicando verbas em projetos que toda a comunidade necessita”, observa o prefeito de Ijaci, José Maria Nunes. A experiência do município mineiro ilustra, assim, outro traço importante da constituição das redes de proteção: a de se tornarem também um ator político coletivo, que trabalha a favor da garantia dos direitos das crianças e adolescentes. “A razão da existência da rede é garantir os direitos que podem não estar sendo observados pela ausência ou ineficiência de um serviço”, diz Myrian Veras. Os integrantes da rede de Ijaci falam com orgulho sobre o dia em que foram convocados para uma reunião na Câmara Municipal. Os vereadores estavam descontentes porque não eram mais eles que decidiam o destino das políticas sociais. De início intimidados, os integrantes de diversas entidades se mobilizaram e, ao fim da reunião, convenceram os parlamentares de que a atuação da rede estava correta. “A gente estudou muito sobre o fundo municipal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), e mostramos para eles que sabemos direitinho nossos direitos e deveres”, lembra a presidente do CMDCA, Terezinha Carvalho. Hoje, dois dos nove vereadores participam das atividades da rede.

Outras iniciativas O Instituto Camargo Corrêa (ICC) e as diferentes empresas do Grupo Camargo Corrêa têm se engajado em outras iniciati-

foto: Gustavo Ferri

vas para fortalecer as redes de proteção dos direitos da criança e do adolescente: Jacareí (SP) – Projeto REDESOL

Santana do Paraíso (MG), Porto Velho (RO), PEDRO

Em fase de implementação, o projeto pre-

LEOPOLDO (MG), APIAÍ (SP), Ipojuca (PE) e Cabo de Santo

tender aprimorar a qualidade do sistema de

Agostinho (PE) – Projeto Fluxo de Proteção da Infância

atendimento infanto-juvenil. Para isso, busca

Em parceria com a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de

mobilizar 20 organizações e serviços gover-

Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), o ICC

namentais e não governamentais, por meio

promoverá a capacitação de atores envolvidos com o Sistema de Ga-

da construção de uma rede de proteção social

rantia de Direitos e a aplicação de instrumentos de prevenção à viola-

no município, até julho de 2012.

ção e de exigibilidade de direitos humanos de crianças e adolescentes.

ideal comunitário 17


educação Básica

18 ideal comunitário


INCENTIVO À IMAGINAÇÃO Em atividade na escola em Alagoa Nova (PB), Yslane dá vida à personagem Chapeuzinho Vermelho

Saberes e prazeres

da leitura

foto: Gustavo Moura

Metade da população brasileira ainda precisa ser conquistada pelo hábito da leitura e escolas e municípios podem fazer a diferença nesta tarefa

Na sala de aula da professora Maria Aparecida Pereira, na Escola Municipal Francisco José Rodrigues, localizada no Sítio São Tomé, no município de Alagoa Nova (PB), as rodas de leitura levam as crianças a um mundo de imaginação e descobertas. Durante a atividade, os personagens saem dos livros e ganham vida com a participação dos próprios alunos. Usando uma capa costurada pela professora, Yslane Macedo de Souza, 7 anos, encarna a personagem do título e encena para os colegas a história de Chapeuzinho Vermelho. “Ao realizar as rodas de leitura, faço uma preparação e monto surpresas como esta. As crianças vivenciam com encantamento cada parte das histórias. Quando leio, ficam tão atentas que tenho a impressão que querem entrar no livro”, relata Maria Aparecida. Após a leitura, a professora incentiva as crianças a participarem de uma discussão e, assim, aprofundarem a compreensão do livro. Mesmo aqueles que ainda nem sabem “juntar as letras” envolvem-se nas atividades. Durante as rodas de apreciação, as crianças menores descobrem que os livros emitem sons, despertam emoções. Os alunos mais novos da professora Maria Aparecida conversam com os livros. “Olha só, esse livro! Tem palhaço e o nariz dele faz barulho! E mexe os olhos! Parece que está vivo!”, surpreende-se Wellington Oliveira, 7 anos. Experiências como esta têm conquistado meninos e meninas para o prazer da leitura na rede municipal de Alagoa Nova e de outras cinco cidades paraibanas – Campina Grande, Guarabira, Ingá, Mogeiro e Serra Redonda. Todas essas escolas participaram do projeto Ler: Prazer e Saber, que capacitou professores e gestores da educação pública e premiou os melhores trabalhos de incentivo à leitura desenvolvidos por professores, escolas e municípios. O projeto é parte do programa Escola Ideal, do Instituto Camargo Corrêa e que, na Paraíba, conta com a parceria do Instituto Alpargatas e de secretarias municipais de Educação. O projeto lida com uma realidade bastante comum no Brasil: o baixo interesse pela leitura e as poucas oportunidades para que este interesse seja despertado, dentro ou fora da ideal comunitário 19


educação Básica

escola. Em média, o brasileiro lê apenas 4,7 livros por ano, segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2007. De acordo com o estudo, as regiões Nordeste e Norte apresentam os menores índices de leitores do Brasil. Uma criança paraibana lê somente 4,2 livros anualmente. A pesquisa revela, ainda, que apenas 55% da população brasileira têm o hábito de ler, considerando como critério a leitura de um livro nos últimos três meses. DESIGUALDADES DA LEITURA “O brasileiro ainda lê pouco e o acesso à escrita no país é distribuído de forma tão desigual quanto a riqueza. Isso também é dificultado pelo custo do livro, frequentemente elevado para grandes parcelas da população”, comenta Maria Cecília Felix de Godoy, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e coordenadora do projeto Ler: Prazer e Saber. A mesma pesquisa Retratos da Leitura no

Brasil mostra que o número de leitores no país é maior entre as classes com renda mais elevada, que têm maior grau de escolaridade e mais condições de adquirir livros, já que 49% deles estão nas mãos de apenas 10% da população. Para a pesquisadora Cida Fernandez, representante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) junto ao Movimento Brasil Literário, para mudar esse quadro, é preciso a efetivação de uma política pública de educação de qualidade que contemple a democratização do acesso ao livro, à leitura e à biblioteca como uma prioridade. “Ou seja, uma política que efetive a implantação de bibliotecas escolares de qualidade, que contenham acervos qualificados e contem com profissionais preparados para o atendimento”, aponta. Ela defende, ainda, a implantação de bibliotecas públicas municipais e a criação e manutenção de bibliotecas comunitárias. O Movimento Brasil Literário articula mais de 5 mil pessoas com a finalidade de contribuir para a formação de uma sociedade leitora.

Mais bibliotecas O Brasil ainda se vê diante de um grande desafio: o de que toda escola, pública ou

Só 33,03% das escolas (públicas

privada, tenha uma biblioteca. Já existe, inclusive, uma lei que determina que esta

e privadas) no Brasil possuem

meta seja alcançada até 2020. “O texto da lei 12.244/2010, entretanto, não garante

biblioteca

efetivamente os parâmetros de qualidade quando define que a biblioteca deve

93 mil é o déficit de bibliotecas

ter pelo menos um livro por aluno e que deve ser universalizado em 10 anos”,

no ensino fundamental do país

comentou Cida Fernandez.

89,7 mil bibliotecas é o déficit

Para ela, ainda é pouco. É preciso, implantar os Planos Municipais do Livro e da

em escolas públicas

Leitura. “As bibliotecas devem ser espaços culturais de convivência literária, de

3,9 mil é o déficit em estabeleci-

exercício do prazer de ler e escrever o mundo, com todas as condições dadas para

mentos privados de ensino

isso”, concluiu.

25 bibliotecas por dia precisam

Um estudo do movimento Todos Pela Educação, com base em dados do Censo da

ser construídas até 2020, em es-

Educação Básica 2008, mostra que, para que o País vença esse desafio, terão de

colas do ensino fundamental no

ser construídas mais de 93 mil bibliotecas até 2020, só no Ensino Fundamental, o

Brasil, para cumprir lei nacional

que significam mais de 25 bibliotecas por dia.

sancionada em 2010

Para o conselheiro do Todos Pela Educação, Luís Norberto Pascoal, “a lei é boa”. No entanto, ressalta: “Se formos esperar que a lei seja cumprida, vai demorar para

(Fontes: Movimento Todos pela

chegarmos lá. Mas se a sociedade como um todo ajudar e se mobilizar, será muito

Educação, Censo da Educação Bá-

mais fácil e rápido.”

sica 2010)

20 ideal comunitário


Um perfil da leitura 3 em cada 4 brasileiros não vão a bibliotecas 4,7 livros é a média de leitura do brasileiro por ano 1 em cada 4 pessoas não faz a menor ideia sobre o papel da leitura 1 em cada 3 brasileiros conhece alguém que venceu na vida graças à leitura A leitura tem significado positivo para 3 em cada 4 pessoas Quem são os leitores de livros 95,6 milhões é o número de leitores Brasil (55% da população) 50% dos leitores são estudantes que leem livros 55% têm Ensino Superior 37% têm o Ensino Médio foto: Gustavo moura

27% têm de 5ª a 8ª série do Ens. Fundamental 9% têm até a 4ª série do Ens. Fundamental Quem tem livros 19% dos livros estão nas mãos de 1% da população LER É UM DIREITO Leitura é fundamental para o desenvolvimento integral das pessoas

49% dos livros estão nas mãos de 10% da população 66% dos livros estão nas mãos de 20% da população 8% da população não tem nenhum livro em casa 4% da população tem um único livro em casa

FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES A partir de dados do Censo da Educação Básica 2010, o movimento Todos pela Educação calcula que somente 35,2% das escolas de ensino fundamental no Brasil possuem bibliotecas. Na Paraíba, esse percentual é menor ainda: 23,4%. Considerando os ambientes não-escolares, a realidade também não é muito animadora. De acordo com o 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais do Ministério da Cultura, realizado em 2009, 21% dos municípios brasileiros não possuem nenhuma biblioteca. A ausência é bastante sentida pelos educadores: a instalação de bibliotecas é uma demanda comum aos vários municípios submetidos ao diagnóstico do programa Escola Ideal. No entanto, muitas escolas sequer têm espaço para os acervos ou salas de leitura. Nas cidades paraibanas, uma das ações do ICC foi, justamente, a criação e doação de carrinhos de leitura, que funcionam como bibliotecas móveis e colocam os livros à disposição das crianças em vários locais.

(Fonte: Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil - 2007)

O projeto Ler: Prazer e Saber foi elaborado pelo Cenpec, a pedido do Instituto Camargo Corrêa, como um complemento a esta ação. “Para que o professor pudesse trabalhar de maneira adequada com esse acervo e incentivar a prática da leitura por prazer, surgiu o projeto. A expectativa era que, após 16 oficinas, os participantes fossem incorporando as propostas do projeto e assim atuassem, ao mesmo tempo, como mediadores de leitura junto aos alunos e como multiplicadores do projeto”, afirma Maria Cecília. DIREITO À LEITURA “Essas ações geraram uma disputa sadia entre os estudantes. As professoras também passaram a premiar os alunos que têm melhor desempenho na leitura e eles disputam quem lê mais livros”, comenta o técnico da Secretaria de Educação de Alagoa Nova, Antônio Paulo

PARA SABER MAIS Links v Retratos da Leitura no Brasil – íntegra da pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro http://www.prolivro.org. br/ipl/publier4.0/texto. asp?id=48 v Plano Nacional do Livro e Leitura – projetos, programas, atividades e eventos na área em desenvolvimento no país http://www.pnll.gov.br/

ideal comunitário 21


educação Básica

da Silva, responsável pela implementação do Ler: Prazer e Saber na cidade. O projeto também incentivou o engajamento do Poder Público na promoção da leitura e as ações de incentivo ultrapassaram os muros das escolas e se estenderam por toda a cidade. O prefeito, Kleber Morais, instituiu um decreto criando a Semana Municipal da Leitura, iniciativa que ganhou o prêmio na categoria Plano de Ação Municipal, junto com a cidade de Mogeiro. “Durante a semana, que aconteceu em novembro passado, as rodas de leitura foram levadas ao hospital e até à cadeia da cidade, onde presos leram livros e participaram da atividade”, diz Antônio. Para Cida Fernandez, do CCLF, projetos como este realizado na Paraíba são fundamentais, especialmente se forem tomados como referência pelo Estado e, assim, universalizados. “O prêmio estimula e valoriza a iniciativa de professores. Na área rural, as dificuldades são muito mais graves. No entanto, permite que um pequeno estímulo provoque grandes transformações”, analisa Cida Fernandez. “A leitura deve ser compreendida como um direito humano e um direito essencial para o desenvolvimento integral de todas as pessoas.” Maria do Socorro Normando, diretora da Escola Manoel Francisco da Mota de Campina Grande, uma das premiadas, acrescenta: “É prazeroso ver toda escola mobilizada e envolvida no objetivo de formar leitores dos livros e do mundo. Nosso Brasil real pode ser encantador como nas histórias de contos de fadas. Basta construirmos ações para isso. Somos responsáveis por escrever a nossa história e a do nosso país”, afirma. 22 ideal comunitário


NA PRÁTICA Em sentido horário: Luzia, Rosilda, Maria do Socorro e Betânia, algumas das educadoras premiadas pelo Ler: Prazer e Saber

Experiências

e Referências

Iniciativas reconhecidas pelo prêmio Ler: Prazer e Saber apontam caminhos para promover o prazer da leitura

Na Escola Municipal São Geraldo, na zona rural de Ala-

histórias foram criadas e produzidas coletivamente

goa Nova, a diretora, Rosilda de Aquino Pessoa de Oli-

em sala baseadas no dia-a-dia de alunos especiais

veira, pediu a ajuda de uma mãe de aluno para confec-

e nas dificuldades que eles enfrentam. Os livros fo-

cionar sacolas para que os estudantes pudessem levar

ram ilustrados com os desenhos dos próprios estu-

livros para ler em casa com os pais. “Assim, criamos o

dantes.”, justificou Luzia. Dois livros chegaram a ser

projeto ‘Viajando na leitura’. Os alunos adoraram a ideia”,

editados pela Secretaria Municipal de Educação de

revelou a diretora. E os pais também: “Minha filha me-

Campina Grande. Mas as ações da professora Luzia

lhorou a timidez na escola, questiona as pessoas sobre

não param por aí. Ela também conseguiu unir leitura

o que lê e ainda coloca as pessoas para ler em casa para

e sustentabilidade. Com seus alunos, confeccionou

ela”, relatou Marleide Fernandes, mãe de Kethelyn, aluna

banquinhos utilizando garrafas plásticas. “Com isso,

do 2º ano do Ensino Fundamental.

criamos vários espaços e possibilidades de leitura”, afirmou a professora.

fotos: Gustavo moura

De uma caixa de sapatos, nasceu a ideia de uma minibiblioteca. A “Sapataria da Leitura” foi apenas o primeiro

“O mais importante foi ver a mudança no comporta-

passo dado pela Escola Municipal Manoel Francisco da

mento dos alunos. Eles passaram a cobrar rodas de

Mota, de Campina Grande, na formação de novos leito-

leitura e livros para levarem para casa. Além disso,

res. E as ações atravessaram o portão da escola. “Cada

melhoraram a concentração, a participação em sala e

aluno confeccionou a sua biblioteca e levou para casa.

o rendimento”, diz a professora Lídia Ângelo de Sou-

Os depoimentos foram surpreendentes! Os estudantes

sa, da Escola Municipal Apolinário Joaquim de Melo,

contaram que chegaram em casa e encontraram os pais

de Ingá. Entre as várias atividades que realizou, Lídia

lendo, com a caixa no colo”, revelou a professora Luzia

confeccionou um mini baú com a intenção de iniciar

Débora Feitosa. Os alunos também fizeram visitas ao

as rodas de leitura dos contos de fadas. Dentro do

Instituto dos Cegos para contar histórias para crianças e

baú, escondia objetos ligados às histórias, o que des-

jovens com deficiência.

pertava a curiosidade dos alunos.

Na Escola Manoel Francisco da Mota, de Campina Gran-

A Escola Municipal Maria da Luz, na zona rural de

de, a leitura faz parte do dia-a-dia. “Todos os dias, no

Campina Grande, não tem biblioteca e nem sala de

momento da acolhida dos alunos, além de músicas

leitura, mas a diretora e os professores conseguiram,

e orações, temos a leitura como uma rotina da escola.

com criatividade, montar um espaço de leitura e

Em outubro, realizamos o dia ‘D’ da leitura. É uma fes-

criou um portfólio com a experiência de cada aluno.

ta!”, conta a diretora Maria do Socorro Araújo Normando.

“Nossa principal ferramenta foi a superação. Temos

Em sala de aula, a leitura encontrou também o prazer

um longo caminho a percorrer para fazer com que to-

da escrita e da solidariedade. As professoras Luzia Dé-

dos os alunos adquiram o hábito de ler por fruição e,

bora e Kaliandra Cavalcante e seus alunos produziram

com isso, possamos melhorar o ensino”, afirma a dire-

livros que retratam a diversidade no ambiente escolar,

tora Betânia Catão. Ela reconhece que é um processo

brinquedos e outros materiais, em uma Sala de Recursos

difícil e desafiador, mas possível com a mobilização

Multifuncional que atende alunos com deficiência. “As

de todos: escola, município e comunidade. ideal comunitário 23


RODA DE LEITURA Maria Aparecida, de Alagoa Nova, lê com os alunos da Escola Francisco José Rodrigues

foto: Gustavo moura

educação Básica

Práticas exemplares O prêmio Ler: Prazer e Saber foi entregue em dezembro, durante a Jornada de Práticas Exemplares 2010, evento que reuniu professores e representantes das prefeituras dos seis municípios atendidos pelo programa Escola Ideal na Paraíba. Foram reconhecidas ações em três categorias: Plano de Ação Municipal, Portfólio da Escola e Relato de Prática do Educador. Concorreram 47 portfólios enviados por escolas e 117 relatos de prática. Antes de reconhecer as melhores ações de incentivo à leitura prazerosa, o Cenpec realizou uma formação, entre 2009 e 2010, com os professores para que pudessem utilizar melhor os livros doados às escolas paraibanas pelo ICC dentro do projeto Pró-Biblioteca. Veja o nome dos vencedores: Plano de Ação - Municípios

Relatos de Prática - Professores

Secretaria Municipal de Educação de Alagoa Nova

Campina Grande

Secretaria Municipal de Educação de Mogeiro

Amélia Carmem Hamad Gomes (EM Sérgio de Almeida) Lilian Martin do Nascimento (EM Melo Leitão)

Portfólios - Escolas

Maria Hélvia Calloiu (EMEF Estudante Leonardo Vitorino Guimarães)

Campina Grande

Adriana Silva de Souza (EM Integral Sementes da Vida)

Grupo Escolar Maria da Luz

Maria Aparecida Cruz Pereira (CEAI Governador Antonio Mariz)

EM Francisco da Mota

Alagoa Nova

Alagoa Nova

Valdiene do Nascimento Silva (EM Menino Jesus)

EMEIEF São Geraldo

Maria Aparecida Pereira (EM Francisco José Rodrigues)

Ingá

Ingá

Escola Apolinário Joaquim de Melo

Lídia Ângelo de Souza (EMEF Apolinária Joaquim de Melo)

Serra Redonda

Maria Devaneide D. de Souza (EMEF Apolinária Joaquim de Melo)

EMEIF Eduardo Medeiros

Serra Redonda

Guarabira

Elda Vicente Trigueiro (EMEIF Eduardo Medeiros)

CAIC João de Farias Pimentel Filho

Maria Rodrigues da Silva Lima (EMEIF Eduardo Medeiros)

Mogeiro

Guarabira

EMEIEF Maria das Dores Chagas

Elivane Barbosa Luiz (CAIC João Farias Pimentel Filho) Roberta Maria de Lima (Escola São Rafael – AMECC) Mogeiro Márcia Gomes dos Santos (EMEIEF Maria das Dores Chagas) Rosângela de Melo Cabral (EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo)

24 ideal comunitário


homenagem

Antonio Carlos Gomes da Costa um dia quis ser médico, mas desistiu do curso de medicina para estudar pedagogia. E, assim, deu início a uma longa trajetória em que salvou vidas através da educação e da promoção dos direitos das crianças e dos jovens brasileiros. Mineiro, Antonio Carlos começou sua carreira de educador dentro das salas de aula de um curso supletivo e, depois, dos antigos 1º e 2º graus em Belo Horizonte. Foi também administrador e dirigente de instituições de ensino e de órgãos governamentais e não-governamentais. Dirigiu por quase sete anos a Escola Barão de Camargos da Febem de Minas Gerais, em Ouro Preto. O trabalho lá realizado, ao lado da esposa Maria José, o levou a assumir a presidência da instituição no governo de Tancredo Neves, em 1983. Sua atuação em Minas o colocou na linha de frente das discussões sobre a construção de uma legislação que garantisse proteção às crianças e adolescentes, debate impulsionado pela promulgação da Constituição Federal de 1988. Antonio Carlos foi um dos redatores da Lei 8069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – e tornou-se, para sempre, um dos seus principais defensores. Em entrevista concedida à revista Ideal Comunitário em julho de 2008, disse ser preciso “três ações básicas” para garantir que todos os artigos do ECA passem a valer de fato para todas as crianças e adolescentes do Brasil: “reordenar as instituições públicas e não-governamentais, melhorar as formas de atenção direta pela capacitação do pessoal dirigente técnico e operacional que atua na área e articular as redes locais de atendimento”. Autor de diversos artigos e livros, também cunhou uma expressão que se tornou chave para os jovens brasileiros: protagonismo juvenil. Com isso, chamou a atenção para o fato de que

foto: Leo Drumond

Antonio Carlos Gomes da Costa: educador e defensor dos direitos da criança e do adolescente não havia nem preocupação da sociedade em ouvir a juventude, quanto mais em pensar políticas para esta faixa etária. “No Brasil, não temos tradição de fazer políticas em conjunto para a juventude. Nossas ações, até aqui, têm sido fragmentárias e pontuais”, avaliou o pedagogo, na mesma entrevista à Ideal Comunitário. As contribuições para os avanços na área dos direitos da infância e da adolescência seguiram em outros espaços: foi oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT); representou o Brasil no Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra (Suíça) e foi membro do Instituto Interamericano da Criança (Montevidéu). Colaborou, ainda, com a criação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Em 1998, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Dedicou-se também a compartilhar sua experiência e seus conhecimentos com diversas organizações do terceiro setor, ajudando a desenhar projetos que tivessem impacto na promoção dos direitos da infância e dos adolescentes e na busca por uma educação de qualidade para todos. Foi assim que contribuiu com o trabalho do Instituto Camargo Corrêa. Antonio Carlos foi colaborador do ICC na construção da ferramenta de diagnóstico do programa Escola Ideal – os Indicadores de Gestão para Escola Ideal, que ajudam a traçar os caminhos para que os projetos do instituto alcancem resultados efetivos na melhoria da qualidade da educação básica. Antonio Carlos Gomes da Costa faleceu na manhã do dia 4 de março, em Belo Horizonte, aos 61 anos. Muitas crianças e adolescentes seguirão, no entanto, sendo beneficiados pelo seu legado. ideal comunitário 25


MAIS INCENTIVO Fruticultura, artesanato e joalheria são alguns dos grupos produtivos que terão projetos apoiados pela parceria

BNDES e Instituto Camargo Corrêa irão investir juntos no incentivo a microempreendedores

26 ideal comunitário

foto: Mila Petrillo foto: Lucio Telles

foto: Alexandre Schneider

empreendedorismo

Parceria pelo

empreendedorismo Incentivar o empreendedorismo e aumentar as chances de inserção de jovens no mercado de trabalho são os desafios que uniram o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Instituto Camargo Corrêa (ICC). A parceria entre as duas instituições irá financiar ações do programa Futuro Ideal, que em 40 municípios já estimula o desenvolvimento sustentável e promove a melhoria da renda e das condições de vida de microempreendedores. Pelos próximos cinco anos, o BNDES e o ICC pretendem expandir a atuação do programa, tendo como parceiros grupos produtivos, ONGs e instituições locais. Serão investidos R$50 milhões – metade do valor será fornecida pelo BNDES e a outra metade, pelo ICC, como contrapartida – em contratos anuais de R$10 milhões. O Acordo de Cooperação Técnica e Financeira entre o banco e o ICC foi firmado em 10 de fevereiro. A iniciativa reflete a convergência das duas instituições diante da realidade sócio-econômica brasileira e das estratégias de desenvol-

vimento territorial e redução da desigualdade social. “A parceria com o BNDES possibilita a ampliação de nossos projetos ligados a geração de trabalho e renda, que apoiam microempreendedores e grupos produtivos em diversas regiões do país, melhorando a qualidade de vida de pessoas economicamente menos favorecidas”, comemora Jair Resende, coordenador do programa Futuro Ideal. Desenvolvimento com inclusão O BNDES tem desempenhado papel destacado no atual momento econômico brasileiro. Em 2010, o banco concedeu US$ 96,32 bilhões em empréstimos, reflexo da crise financeira de 2008, que exigiu aumento da participação estatal na economia, e do elevado crescimento de 7,5% do PIB brasileiro no último ano. A preocupação do banco tem sido fazer com que o desenvolvimento econômico trazido pelos projetos financiados se traduza em melhores empregos e oportunidades, conta Elvio Gaspar, diretor da área de Inclusão Social do BNDES.


“Ao analisar o apoio a um projeto, o BNDES considera não apenas sua viabilidade econômico-financeira, mas também seus impactos do ponto de vista socioambiental”, comenta Gaspar. “Neste sentido, o banco tem tido cada vez mais preocupação com o entorno dos projetos industriais e de infraestrutura que apoia. Cada projeto traz uma série de desafios e oportunidades que, se devidamente aproveitadas, podem significar uma melhoria sensível nas condições de vida da população de uma determinada região.” O acordo com o ICC faz parte da estratégia do BNDES de dar maior capilaridade e eficiência à sua atuação na área social. Constituído com parte dos lucros anuais, o BNDES Fundo Social apoia projetos nas áreas de geração de serviços urbanos, saúde, emprego e renda, educação e desportos, justiça, meio ambiente e desenvolvimento rural. Neste contexto se insere a opção por investir em parcerias com entidades do terceiro setor, como o ICC. A parceria com organizações locais permite, segundo Gaspar, ter um contato mais direto e fundamentado com suas demandas. “O foco tem sido a estruturação de atividades produtivas para populações de baixa renda.” Os projetos apoiados contam com a participação da comunidade local desde a elaboração, buscando garantir maior legitimidade e transparência aos investimentos.

foto: Cristina Lacerda

Investimentos Os estudos de ambiência interna e externa são o pontapé inicial da elaboração dos projetos apoiados pelo Futuro Ideal. Na fase interna, determina-se como a unidade de negócio do Grupo Camargo Corrêa presente na localidade pode ajudar na implantação de projetos de inclusão. Na sequência, são desenvolvidos estudos para a fase externa, que consiste no contato e no diálogo com as organizações locais – Prefeitura, ONGs e demais parceiros em potencial. É neste estágio que se encontram os municípios de São Luís e Alcântara, no Maranhão, e Iranduba, no Amazonas, três dos que irão receber apoio através da parceria com o BNDES. Além deles, outros seis municípios devem dar início a projetos com o apoio da parceria: Cabo de Santo Agostinho (PE), Fortaleza (CE), Jaboatão dos Guararapes (PA), Altamira (PE), Pedra Bonita (MG) e Pedra Bonita (MG). Serão beneficiados grupos produtivos de mandioca, pesca, bordado, agroindustrialização, entre outros.

Projetos já em andamento também receberão reforços através da parceria. O Plano Anual de Investimento para 2011 inclui nove municípios já atendidos pelo Futuro Ideal – Nossa Senhora do Socorro (PE), Tucuruí (PA), Apiaí, Itaoca e Barra do Chapéu (SP), Alpestre (RS), Águas do Chapecó e São Carlos (SC), e Cristalina (GO). Nestes municípios, os arranjos produtivos incentivados incluem desde a apicultura e a fruticultura à produção de artesanato e de jóias. Em Alpestre, a Cooperativa Extremo Norte aumentará a produção de mandioca embalada a vácuo com o reforço nos investimentos do projeto Tempo de Empreender RS, realizado junto com o Sebrae-RS. “Montamos a agroindústria da mandioca com o apoio do Futuro Ideal, mas a demanda aumentou e não tínhamos perna para atender”, conta Wagner Bohn, agricultor e diretor-executivo da cooperativa, que reúne 70 famílias. Agora, a parceria entre o ICC e o BNDES vai financiar a aquisição de novos equipamentos. “Isso vai fazer com que mais famílias se envolvam com a cooperativa ou que os produtores atuais tenham que aumentar a sua área de produção”, estima Bohn. Além do processamento da mandioca, a cooperativa produz derivados de cana-de-açúcar e alguns produtos panificados. Em breve, deve iniciar também a produção de sucos de uva, laranja e mirtilo em uma infraestrutura própria, também apoiada pelo Futuro Ideal.

PARCEIROS Acordo de Cooperação Técnica e Financeira foi assinado pelo ICC e o BNDES em fevereiro ideal comunitário 27


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Reconstrução

solidária

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da Criança e do Adolescente e a transferência direta para creches comunitárias e outras organizações de atendimento à infância que haviam sido atingidas nas duas cidades. A doação de R$ 500 mil para os fundos municipais foi feita visando estimular as comunidades a se organizarem em torno de iniciativas de apoio às crianças da região. A aplicação das verbas destinadas aos fundos é de responsabilidade dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Para utilizar os recursos destinados pela Camargo Corrêa, os conselhos dos dois municípios criaram editais específicos convocando as organizações locais a apresentar projetos com foco prioritário no atendimento às crianças atingidas pelas enchentes. Dessa forma, a doação vira um investimento social com benefícios duradouros, seja por conta dos resultados objetivos dos projetos, seja com a articulação entre as lideranças e organizações locais. “É muito importante esse trabalho conjunto entre as organizações sociais ao lado de empresas para ajudar na reconstrução da cidade”, diz Henrique Flanzer, presidente do Instituto Stimulus, especializado em educação infantil e parceiro do ICC. Retomada Os resultados destes investimentos via fundos municipais já são sentidos. Em Nova Friburgo, os recursos do fundo estavam

foto: Thiago facina

As marcas das chuvas que vitimaram centenas de pessoas na região serrana do Rio de Janeiro podem ser vistas a cada 50 metros: são muitas as clareiras abertas pelos deslizamentos de terra em Teresópolis e Nova Friburgo. Nas rodas de conversa, o assunto segue bastante presente quase três meses após a tragédia. O número de vítimas fatais na região passa de 900 e até hoje há cerca de 300 pessoas desaparecidas. Em meio a tanta destruição, algumas atitudes também deixam marcas, mas essas positivas. A maior delas é a solidariedade. Dias após a tragédia, o Instituto Camargo Corrêa enviou uma equipe a campo para mapear as principais demandas na área da infância. O objetivo era encontrar a melhor forma de ajudar as vítimas da região serrana aplicando com eficiência a doação de R$ 1 milhão feita pelo Grupo Camargo Corrêa aos municípios de Teresópolis e Nova Friburgo. Além da doação, o Grupo também colaborou com os esforços de resgate e reconstrução. A pedido da mineradora Vale, a Camargo Corrêa deslocou máquinas e operadores para ajudar na remoção da lama e de escombros nas regiões mais afetadas. Em pouco tempo, os profissionais do ICC que visitaram a região perceberam que era preciso reorganizar o sistema de atendimento à infância. Após o diagnóstico, as doações foram divididas entre projetos financiados através dos Fundos Municipais dos Direitos


ALEGRE RETORNO Doações do Grupo Camargo Corrêa a creches comunitárias e instituições de atendimento à infância contribuíram para garantir a retomada das atividades, como na Escola Cecília Meireles

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fotos: Thiago facina

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PERDAS E GANHOS Maria Luzia perdeu a casa, mas festeja que conseguirá manter a creche Caleme funcionando: doação será usada para construir muro de contenção que evitará fechamento da instituição

bloqueados por determinação da Justiça. A Procuradoria Geral do Estado entendeu que havia a possibilidade de os recursos estarem sendo indevidamente direcionados. Com isso, também o Conselho Municipal friburguense acabou se desarticulando. Com a doação do Grupo Camargo Corrêa e a atuação do ICC, a Procuradoria decidiu autorizar o uso dos recursos destinados ao fundo, com o devido acompanhamento. De imediato, a sociedade civil organizou-se para indicar os nomes de seus representantes e o prefeito, prontamente, indicou os representantes do Poder Público. Agora, os novos conselheiros finalizam os ajustes para o lançamento dos editais. “O conselho não tinha vida. As reuniões eram raras e só se discutiam burocracias. Agora temos metas, planos e ações. Eu dedico meu tempo até mesmo fora do horário de trabalho, mas vejo que o trabalho das comissões evolui”, conta Emmanuelle Robertz, atual presidente do CMDCA de Nova Friburgo. Em Teresópolis, embora antes da tragédia o conselho já estivesse estruturado e em funcionamento, a doação ao fundo municipal também surtiu efeitos positivos imediatos sobre o trabalho dos conselheiros. “Esses recursos abriram a mente do pessoal. Tínhamos dificuldade para pensar a política pública. Agora, acho que virão novos projetos para a cidade e daremos um uso melhor aos recursos do fundo”, afirma Quico Montoni, presidente do CMDCA. O conselho de Teresópolis focou a utilização dos recursos em projetos que valorizem o atendimento psicológico ou ajudem a recuperação emocional das crianças, muito abaladas por conta da tragédia. Reformas e ampliações A distribuição dos outros R$ 500 mil doados pelo Grupo Camargo Corrêa foi feita dire-

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tamente a creches e organizações de atendimento à infância atingidas pelas chuvas ou que precisaram ampliar as instalações para receber as crianças que não tinham mais onde ficar. Na visita às duas cidades, a equipe do ICC ouviu as demandas de cada uma antes de decidir sobre o repasse. “O que chamou a atenção no pessoal da Camargo foi eles terem vindo aqui, olhado nos nossos olhos e acreditado nos nossos projetos”, disse Elaine dos Santos, responsável pela creche Coréia, que atende cerca de 60 crianças entre 2 e 6 anos de idade em Teresópolis. As crianças sofriam com o calor nas salas sem laje. Além de um isolante térmico para os telhados, Elaine irá construir uma nova sala e passará a atender mais dez crianças após a conclusão das obras que já começaram. “Meu pai, que trabalha aqui comigo na creche, quase desmaiou quando viu a doação entrar na conta”, diz Elaine. Na Escola Cecília Meirelles, em Nova Friburgo, os reparos eram poucos, mas essenciais para que as crianças pudessem voltar a frequentá-la. O dinheiro foi usado para consertar infiltrações nas paredes e no telhado. A escola também irá recuperar um espaço que será usado como uma nova sala de aula. Em alguns casos, entretanto, a situação é mais grave. Localizada em um dos bairros mais atingidos de Teresópolis, o de Granja Floresta, a creche Carinha de Anjo teve, inclusive, de rever o plano de uso dos recursos investidos pelo Grupo Camargo Corrêa. “Nós íamos reformar, mas infelizmente a Prefeitura veio aqui e condenou a casa. Nós não temos mais lágrima para chorar”, conta Neusa da Silva Alves. Apesar da tristeza e do momento de incerteza, a equipe da Carinha de Anjo busca uma saída para continuar atendendo as crianças. O novo plano é aplicar o dinheiro na adaptação de um novo imóvel às demandas da


Solidariedade em meio ao caos Apesar de também estar lidando com a tarefa de reconstruir a sua própria vida – ela teve sua casa invadida pela água e só se salvou graças a um ferro de passar roupa, com o qual conseguiu abrir um buraco no muro da casa e fugir com sua família –, Luzia mostra-se preocupada com o destino das crianças que ainda não encontraram como voltar para a escola ou creche. “Com a tragédia, tem muita mãe querendo vaga, mas acho que vai ser difícil atender todas”, diz Luzia. A declaração de Luzia mostra que, em meio à tragédia, os moradores da cidades serranas do Rio desenvolveram ainda mais o senso de solidariedade. Sebastião Guerra perdeu 8 familiares, mas sua disposição foi imediata para ajudar a equipe do Instituto Camargo Corrêa na identificação das instituições de Nova Friburgo que poderiam receber o apoio em dinheiro para sua reconstrução. “Fui um cicerone”, diz Tião, como é conhecido entre as organizações e movimentos sociais. A avaliação de Tião sobre o resultado alcançado pelas doações mostra também uma alta dose de altruísmo. Para ele, o principal foi o ganho a longo prazo para as organizações

fotos: Thiago facina

creche. “Nós queremos alugar uma casa e montar de novo a creche, mas ainda não encontramos um lugar”, conta. Na Creche Comunitária Caleme, em Teresópolis, um muro de contenção precisa ser construído para evitar deslizamentos no terreno. “A Defesa Civil esteve aqui e disse que sem esse muro não pode nos dar um laudo que garanta que nossa creche está segura”, conta Maria Luzia, responsável pela creche. A creche atende cerca de 60 crianças entre 2 e 5 anos e é sustentada com o apoio de quatro doadores e com a alimentação fornecida pela Prefeitura.

Alternativas comunitárias A criação de creches comunitárias foi incentivada no final da década de 70 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como forma de atender a grande demanda no país. São instituições que atendem crianças em idade pré-escolar geridas por associações ou organizações comunitárias. Com as mudanças introduzidas pela Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, e a responsabilização dos municípios pelo atendimento à primeira infância, estas creches têm sido paulatinamente incluídas na rede escolar através de convênios com as prefeituras. No entanto, ainda dependem bastante da mobilização das comunidades para funcionarem, já que o financiamento público da educação infantil não é, ainda, totalmente garantido pelo Estado.

OBRAS Carinha de Anjo (acima) teve imóvel condenado e usará doação para reforma de uma nova casa; creche Coreia constroi nova sala para receber mais crianças

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sociais. “Temos um edital de projetos e conseguimos colocar os recursos do Fundo Municipal à disposição das 21 organizações e programas cadastrados no CMDCA. Se este processo continuar tendo forças de seguir em frente, a doação do ICC terá sido um marco na história do município”, comenta Tião. Já em Teresópolis, outro exemplo solidário veio da direção da Creche Vovô Miguel, uma das entidades procuradas pelo Instituto Camargo Corrêa. Para eles, os estragos em sua sede

eram pequenos perto do drama enfrentando por outras instituições, por isso pediram que os recursos fossem destinados a outras organizações mais necessitadas. Em obras Bastante castigada pelas chuvas, a a Associação dos Pais e Alunos dos Excepcionais (Apae) de Nova Friburgo recebeu o maior valor entre as doações feitas. “Estamos numa área de risco. Um

fotos: Thiago facina

EM MÃOS Em Teresópolis, Henrique Flanzer, do Instituto Stimulus, auxilia na entrega dos kits montados com doações de profissionais do Grupo Camargo Corrêa

Material escolar Paralelamente ao trabalho de destinar as doações em dinheiro feitas pelo Grupo Camargo Corrêa, o Instituto Camargo Corrêa recorreu à solidariedade dos profissionais das empresas para que as crianças de Teresópolis e Nova Friburgo pudessem iniciar o ano letivo com tudo o que têm direito. Ao longo do mês de fevereiro, o ICC realizou uma campanha entre os profissionais do Grupo para recolher doações de material escolar para serem entregues a crianças das creches de Nova Friburgo e Teresópolis. Os coletores para depósito das doações foram instalados em São Paulo na sede do Grupo, da construtora, da Camargo Cimentos, na Tavex Corporation, no Aeroporto de Congonhas (MVTA e A-port) e em Campinas (SP) na HM Engenharia. Foram arrecadados materiais como lápis, cadernos, canetas e diferentes tipos de papéis, com os quais foram montados 800 kits escolares. Com o apoio do Instituto Stimulus e da Associação Criança do Vale de Luz, os kits foram entregues para 16 instituições entre os dias 18 e 22 de março. Cada creche também recebeu uma caixa com materiais de uso coletivo. “É sem dúvida uma iniciativa muito importante no auxílio às creches e crianças atingidas pela tragédia. Estamos muito felizes por ajudar o Instituto Camargo Corrêa nessa ação”, diz o presidente do Instituto Stimulus, Henrique Flanzer.

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Ação governamental

NOVO TETO Escola Vale de Luz reformou telhado para retomar atividades; logo após a tragédia, prédio abrigou 20 pessoas

foto: Thiago facina

Governo federal lança programa para atender crianças e adolescentes vítimas em tragédias

dos nossos prédios, onde tínhamos oficinas de dança, balé, judô entre outras, foi muito afetado e está condenado. Com a doação, resolvemos começar um novo bloco para receber nossa clínica”, diz Maria das Dores Mello Pacheco, coordenadora geral. Segundo ela, o apoio da Camargo criou uma corrente de solidariedade que sensibilizou outras organizações do Terceiro Setor. “O Banco do Brasil já nos ajudou e possivelmente o Itaú Social virá ajudar. Aqui em Friburgo quando um ajuda, o pessoal se anima e também ajuda”, diz. A Apae de Nova Friburgo atende cerca de 500 pessoas, em sua maioria crianças. Já na escola Vale de Luz, no bairro da Cascatinha, em Nova Friburgo, a ajuda transformou-se em um novo telhado. A obra, já concluída, livrou as crianças das goteiras. Com a doação, a escola decidiu também consertar rachaduras que atingiam algumas paredes da casa, que serviu de abrigo para mais de 20 pessoas que perderam suas moradias durante a enchente.

Considerada a maior tragédia climática da história do país, as chuvas na região serrana do Rio de Janeiro motivaram uma ação especial do governo federal voltada especificamente para as crianças e adolescentes que tenham suas vidas afetadas por grandes desastres. Em fevereiro, a presidenta Dilma Rousseff determinou a criação de um plano de proteção a crianças e adolescentes em situação de emergência. A coordenação desses trabalhos é feita pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “Nas situações de calamidade pública, as crianças e adolescentes são sempre os mais atingidos. É necessário que tudo seja feito para minimizar o sofrimento e as perdas”, afirmou a ministra Maria do Rosário, que coordena uma equipe de representantes de outros sete ministérios incumbida de formular o plano. O plano contempla a criação de comitês para o acompanhamento das crianças. O modelo dos comitês montados nas cidades de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis poderá servir, no futuro, para outras cidades que sejam atingidas por desastres de qualquer natureza. O importante para o governo é colocar à disposição um plano que será usado nos casos de emergência. “Esse é o objetivo da ação que agrega a União, o estado e os municípios. Todos os procedimentos devem ser articulados para que prevaleça o interesse das crianças e adolescentes. Isso inclui as ações dos conselhos tutelares e órgãos de Justiça”, afirmou a ministra. Na região serrana do Rio, um levantamento realizado nos municípios de Teresópolis e Nova Friburgo apontou a existência de 3,6 mil menores que demandavam ação imediata dos governos federal, estadual e municipais. Desses, somente quatro crianças não contam com parentes que possam abrigá-las e contarão com um acompanhamento especial. Os demais foram acolhidos por familiares. ideal comunitário 33


inovações sustentáveis

Práticas que incentivam a sustentabilidade Um carro movido a energia elétrica, a promoção de práticas sustentáveis em condomínios e a aquisição de madeira originária de manejo sustentável para grandes obras foram os trabalhos vencedores na categoria Práticas do Prêmio Ideias e Práticas - Inovação Sustentável, organizado pelo Grupo Camargo Corrêa. Entregue em dezembro de 2010, o prêmio incentiva a adoção e multiplicação de ações sustentáveis inovadoras dentro do Grupo. Na edição de 2010, foram inscritos 897 trabalhos de 19 empresas de cinco países (Brasil, Chile, Argentina, Peru e México). Ao todo, houve a participação de cerca de 4 mil profissionais. Os projetos foram avaliados por um júri composto por alguns dos maiores especialistas brasileiros e latino-americanos em desenvolvimento sustentável.

Boas práticas Carro elétrico faz entregas em Campinas (SP); comissões impulsionam sustentabilidade em condomínios; obra usa madeira sustentável

foto: marcelo f. jimenez

foto: divulgação

foto: divulgação

Conheça as práticas vencedoras

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Carro elétrico Estrelas do Programa de Veículos Elétricos da CPFL, que existe desde 2006, o veículo utilitário Aris circula pelas ruas de Campinas (SP) a serviço dos Correios. O carro fabricado especialmente pela Edra Automotores é utilizado para entrega de documentos enviados pelo Sedex, percorrendo diariamente cerca de 70 quilômetros sem emitir CO2. A parceria entre a CPFL e os Correios é uma das primeiras iniciativas do gênero no país. Sustentabilidade comunitária A HM Engenharia desenvolve uma ação diferenciada dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. A prática consiste na criação de Comissões Avançadas de Sustentabilidade nas comunidades, que passam a promover discussões sobre temas de interesse coletivo como reciclagem de lixo, redução do consumo de água e energia, além de propor ações e eventos coletivos. O projeto ainda incentiva a mobilização das comunidades, identificando e potencializando suas lideranças. O projeto surgiu em abril de 2009, no empreendimento Quinta das Laranjeiras, em Jaguariúna (SP). Madeira sustentável A construtora Camargo Corrêa adotou um processo mais abrangente e rigoroso para certificar-se da aquisição de madeira originária de manejo sustentável para a Usina Hidrelétrica Jirau (RO), verificando não apenas a origem legal da madeira, mas também se o fornecedor tem o mesmo cuidado e controle sobre toda a sua cadeia de abastecimento. Também são checadas as práticas sociais e ambientais das empresas fornecedoras. Hoje, a Usina Hidrelétrica Jirau utiliza mais de 40 tipos de madeira, como o angelim saia, sucupira, faveira, roxinho, angelim amargoso, cedrorana, amarelão e o tauari vermelho.


Madeira responsável A construtora Camargo Corrêa, em parceria com a organização The Forest Trust (TFT), vem fazendo um trabalho de prospecção nos estados do Pará, Maranhão e Rondônia para rastrear as florestas de origem da madeira serrada oferecida pelas empresas locais. É um primeiro passo no sentido de alcançar uma meta ambiciosa da empresa: a de que toda a madeira tropical usada nas obras seja oriunda de fontes responsáveis e que estejam comprometidas com planos que garantam a sustentabilidade da produção. Até agora, foram identificados fornecedores com potencial para garantir o manejo adequado das florestas e que tenham disposição para progredir para a sustentabilidade, ou seja, para que toda a operação de produção siga padrões sustentáveis. Os fornecedores selecionados e representantes da construtora participaram de um encontro em 16 de fevereiro. Em um segundo momento, a TFT construirá com os fornecedores interessados planos de ação rumo à sustentabilidade, visando inclusive as certificações internacionais. O projeto tem, assim, o objetivo de funcionar como indutor de práticas res-

ponsáveis e sustentáveis. “Esse projeto é estratégico e está contribuindo significativamente para o fortalecimento e criação de práticas empresariais alinhadas aos princípios de sustentabilidade”, observa Carla Duprat, diretora de Sustentabilidade do Grupo Camargo Corrêa. De um lado, o projeto pode ter impacto positivo em estados da Amazônia Legal fortemente afetados pela extração madeireira predatória. Dados da organização Imazon apontam que 63% da madeira que sai do Pará têm origem ilegal. “Além disso, Maranhão e Pará são estados prospectados para grandes obras, e para onde nossos clientes atuais e futuros estão se dirigindo”, comenta Carla Duprat. De outro lado, a proatividade da construtora é necessária inclusive para que, no futuro, seja alcançada a meta de garantir a origem sustentável da madeira utilizada nas obras da Camargo Corrêa. Hoje, a realidade brasileira não permite que haja produção em escala e prazos que sejam compatíveis com a demanda de uma grande construtora.

Rádio Planeta Sustentável Está na web, desde o dia 22 de janeiro, a rádio Planeta Sustentável. A programação da emissora online traz músicas de artistas engajados com as questões socioambientais e dicas sobre consumo e práticas sustentáveis, além de outras informações sobre o tema. Para ouvi-la, basta acessar o site do Grupo Camargo Corrêa (www.camargocorrea.com.br) e clicar no ícone da rádio. A programação entrou no ar durante a realização da edição 2011 do Planeta no Parque, evento promovido em parceria com a Editora Abril, entre os dias 22 a 25 de janeiro, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Durante o evento, a rádio também teve veiculação de duas horas diárias pela Rádio Alpha FM de São Paulo. A programação é realizada pela Diretoria de Comunicação da Camargo Corrêa S.A.. “A receptividade dos profissionais tem sido muito positiva e há um potencial enorme para fomentar mais a troca entre as pessoas de nossas diversas empresas, comunidades, clientes e fornecedores”, observa Carla Duprat, diretora de Sustentabilidade do Grupo Camargo Corrêa.

NA INTERNET v Rádio pode ser acessada através do site www.camargocorrea.com.br

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cartas

Este espaço está aberto a opiniões, sugestões e debates a respeito de reportagens publicadas na revista Ideal Comunitário, do Instituto Camargo Corrêa. O e-mail de contato é idealcomunitario@ institutocamargocorrea.org.br

Sou leitor da revista Ideal Comunitário desde o número 1 e posso afirmar que seu conteúdo está cada vez melhor. Quero saudar o ICC pelos seus 10 anos investindo no desenvolvimento social. Temas como empreendedorismo, voluntariado corporativo e o artigo “Comunidades à frente de seu desenvolvimento”, escrito por Rogerio Arns, merecem destaques. Por isto que redirecionei a revista número 12 para mais de 100 blogs e e-mails de rádios, jornais e amigos que apreciam a boa leitura. O artigo de Rogerio Arns foi tema de abertura do Programa Agronomia em Ação, que apresento todas as segundas-feiras na rádio Seis de Abril FM Comunitária. Antonio dos Santos de Oliveira Lima Cruz/CE Agradeço a oportunidade de ter acompanhado o trabalho do Instituto Camargo Corrêa por mais um ano, através da revista Ideal Comunitário. O quadro-síntese das realizações do Instituto, apresentado na última publicação, foi uma excelente ideia. Parabéns ao Instituto pelos dez anos de existência! Parabéns à equipe da Ideal Comunitário pela atuação admirável! Lêda Pereira Machado Juiz de Fora/MG

ICC no Twitter O Instituto Camargo Corrêa agora tem um perfil no Twitter. Para acompanhar as novidades do ICC siga o endereço @i_CamargoCorrea

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Opinião importante A revista Ideal Comunitário quer conhecer um pouco mais seus leitores Uma das marcas do trabalho do Instituto Camargo Corrêa é buscar conhecer as comunidades onde atua para alinhar suas ações às características de cada região. Com a revista Ideal Comunitário não poderia ser diferente. Por esta razão, neste quinto ano da publicação, a revista abrirá espaços para colher as opiniões de seus leitores, através de uma pesquisa online. O questionário busca traçar um perfil do público e, ao mesmo tempo, entender as formas como ele interage com a revista e como avalia o seu conteúdo. É também uma oportunidade para que os leitores sugiram pautas que gostariam de ver abordadas pela publicação. Para responder à pesquisa, basta acessar o site do Instituto Camargo Corrêa (www.institutocamargocorrea.org.br). Os resultados da pesquisa serão publicados nas próximas edições da revista.


ações&parcerias

Unidos pela infância 14 empresas e organizações unem-se no movimento Juntos pelo ECA para fortalecer ações de promoção dos direitos de crianças e adolescentes

Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, a formação de redes entre instituições governamentais e não-governamentais tem sido apontada como um dos melhores caminhos para se alcançar a plena vigência de todos os seus artigos. Tomando para si o conselho que muitas vezes dão a seus parceiros, 14 empresas e organizações do terceiro setor que se dedicam à promoção dos direitos das crianças e adolescentes juntam-se em uma nova rede: o movimento Juntos pelo ECA. O movimento nasce com a intenção de promover a sinergia entre organizações que realizam ou apóiam projetos e ações para melhorar a qualidade de vida e as perspectivas de futuro das crianças brasileiras. “Já que todo mundo acredita que o trabalho em rede é importante para se trabalhar com crianças e adolescentes, não fazia sentido que as empresas e fundações que lidam com esta temática também não atuassem em rede”, diz Gabriela Bighetti, gerente de projetos da Fundação Telefônica. Já fazem parte do Juntos pelo ECA os institutos Camargo Corrêa, Votorantim, HSBC Solidariedade, Unibanco e Paulo Montenegro; as fundações Itaú Social, Telefônica, Vale e ArcelorMittal; os bancos Santander e Bradesco; o SESI/SP, SESI/CN, e o Gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas. O plano de ações para 2011, que começa a ser implementado este mês, prevê como primeiro passo do movimento o mapeamento da atuação social desse conjunto de empresas e organizações participantes, com a finalidade de se discutir sinergias e buscar formas de ação integrada. “Atuamos diretamente na defesa dos direitos da infância através do programa Infância Ideal, hoje implantado em 11 municípios reunindo 32 projetos e acreditamos que a soma de esforços é o melhor caminho para avançarmos no cumprimento do ECA”, afirma Francisco Azevedo, diretor executivo do Instituto Camargo Corrêa. O movimento nasceu em 2010, a partir da mobilização inédita de empresas e instituições sociais para a comemoração dos 20 anos do ECA. O perfil e os objetivos do grupo estão reunidos em uma carta de intenções. Além de registrar a intenção de trabalhar de forma colaborativa e visando compartilhar e melhorar metodologias de trabalho, a carta aponta como objetivos do Juntos pelo ECA: sensibilizar e mobilizar outras empresas, organismos multilaterais e demais organizações a aderirem ao movimento; estimular a destinação de parte do imposto de renda devido das empresas e pessoas físicas para os Fundos da Infância e Adolescência; cooperar para o fortalecimento dos Conselhos de Direitos e Tutelares e conhecer pactos, compromissos e outras iniciativas na área da criança e do adolescente para integrar ao movimento. ideal comunitário 37


artigo Rubem Alves

foto: DivulgaçÃo

O prazer da leitura

RUBEM ALVES é educador, escritor, psicanalista, professoremérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Academia Campinense de Letras. É autor de diversos livros de crônicas e obras voltadas para a filosofia, a religião, a infância e a educação. Sobre o tema educação, escreveu, entre outros, A Alegria de Ensinar e Ao Professor, com meu Carinho.

A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras 38 ideal comunitário

Alfabetizar é ensinar a ler. A palavra alfabetizar vem de “alfabeto”. “Alfabeto” é o conjunto das letras de uma língua, colocadas numa certa ordem. É a mesma coisa que “abecedário”. A palavra “alfabeto” é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego: “alfa” e “beta”. E “abecedário”, com a junção das quatro primeiras letras do nosso alfabeto: “a”, “b”, “c” e “d”. Assim sendo, pensei na possibilidade engraçada de que “abecedarizar”, palavra inexistente, pudesse ser sinônima de “alfabetizar”... “Alfabetizar”, palavra aparentemente inocente, contém uma teoria de como se aprende a ler. Pressupõe-se que o processo de aprender a ler começa com a aprendizagem das letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntandose as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras... Estou olhando para um cartão-postal, miniatura de um dos cartazes que antigamente se usavam como tema de redação: uma menina cacheada, deitada de bruços sobre um divã, tendo à sua frente um livro aberto onde se vê “fa”, “fe”, “fi”, “fo”, “fu”... Se é assim que se ensina a ler, ensinando as letras, imagino que o ensino da música deveria se chamar “dorremizar”: aprender o dó, o ré, o mi... Juntam-se as notas e a música aparece! Posso imaginar, então, uma aula de iniciação musical em que os alunos ficassem repetindo as notas, sob a regência da professora, na esperança de que, da repetição das notas, a música aparecesse... Todo mundo sabe que não é assim que se ensina música. A mãe pega o nenezinho e o embala, cantando uma canção de ninar. O que o nenezinho ouve é a música, e não cada nota, separadamente! A aprendizagem da música

começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes. Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto se apossa do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se ele luta com as palavras, se ele não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos que ela termine logo. Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que seus alunos tenham prazer no texto, tem que ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida em nossas escolas a prática de “concertos de leitura”. Se há concertos de música erudita, jazz e MPB – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão os prazeres do ler. E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de ser picado pela sua beleza, é impossível esquecer. Leitura é droga perigosa: vicia... Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é deles. Ler é fazer amor com as palavras. E essa transa literária se inicia antes que as crianças saibam os nomes das letras. Sem saber ler, elas já são sensíveis à beleza. E a missão do professor? Mestre do Kamasutra da leitura...


expediente

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA CAMARGO CORRÊA S.A. Presidente: Vitor Hallack Vice-presidentes: A.C. Reuter, Carlos Pires Oliveira Dias e Luiz Roberto Ortiz Nascimento ConselHo Deliberativo do instituto camargo corrêa Presidente: Rosana Camargo de Arruda Botelho Vice-presidente: Renata de Camargo Nascimento Conselheiros: Angelo Fuchs, Antonio Miguel Marques, Carla Duprat, Daniela Camargo Botelho de Abreu Pereira, Elisa Camargo de Arruda Botelho, Francisco Tancredi, Gabriella Camargo Nascimento Palaia, José Édison Barros Franco, Luiza Nascimento Cruz, Márcio Utsch, Maria Regina Camargo Pires Ribeiro do Valle, Maria Tereza Pires Oliveira Dias Graziano, Olga Colpo, Raphael Antonio Nogueira de Freitas, Ricardo Fonseca de Mendonça Lima e Vitor Hallack    Instituto Camargo Corrêa Presidente do Grupo Camargo Corrêa e do Instituto: Vitor Hallack Diretor executivo: Francisco de Assis Azevedo Superintendente: João Teixeira Pires Coordenador administrativo: Leonardo Giardini Coordenadora de comunicação: Clarissa Kowalski Coordenadores de programas: Jair Resende, Juliana Di Thomazo, Lorenza Longhi e Toni Niccolini Analistas de projetos: Ana Lúcia Santiago, Ariane Duarte, Flávio Seixas, Lívia Guimarães e Paula Freitas Assistente administrativo: Bárbara Gomes Estagiária de comunicação: Mariana Ramos de Baère Estagiária de projetos: Letícia Berchielli REVISTA IDEAL COMUNITÁRIO Comitê editorial Antonio Miguel Marques, Carla Duprat, Clarissa Kowalski, Francisco de Assis Azevedo, João Teixeira Pires, José Édison Barros Franco, Kalil Cury Filho, Luiza Nascimento Cruz, Marcello D’Angelo, Mauricio Esposito, Olga Colpo, Sunara Avamilano e Veet Vivarta

Arte Carolina König – studio1101 CAPA Gustavo Moura – foto impressão Leograf COMUNICAÇÃO DO GRUPO CAMARGO CORRÊA CAMARGO CORRÊA S.A. Marcello D’Angelo, Mauricio Esposito, Cecilia Paula Costa Mello Rosner, Cintia Mesquita de Vasconcelos, Elaine Pimenta e Sunara Avamilano Alpargatas Cássia Navarro Camargo Corrêa Cimentos Fernanda Guerra ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO Denise Pragana e Amanda Lucindo TAVEX CORPORATION Andrea Shimada e Bianca Kapsevicius Gonçalves

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Produção Editorial Máquina Public Relations EDITORA Cristina Charão

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Texto Cristina Charão, Henrique Costa, Henriqueta Santiago, Marcelo Pinho, Uilson Paiva

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No Grupo Escolar Maria da Luz, em Campina Grande (PB), crianรงas participam de atividades de leitura incentivadas pelo projeto Ler: Prazer e Saber


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