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receberam uma nova roupagem, distanciando-se em parte das gravações originais, apoiando-se numa contínua recriação da obra do compositor. Fatores como estes me levaram a pensar em qual seria o limite cronológico mais acertado a esta pesquisa. Acabei fazendo uma opção que tornou mais ameno meu trajeto na pesquisa, visto o grande número de composições envolvidas, mantendo-me no limite cronológico da vida do compositor, mas estendendo-o quando necessário à análise proposta.

Desta maneira, justifico a existência de exemplos e canções analisadas, de autoria de Lupicínio Rodrigues, no período pós-1974, chegando a 2001; assim como, introduzindo outros elementos e dados históricos, de acordo com a prática e a estética musical do compositor, anteriores a 1914. Reitero, porém, que a maior parte desta pesquisa encontra-se centrada dentro dos limites da existência de Lupicínio Rodrigues (1914-74).

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O compositor declara em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, que compôs mais de 200 canções. Esta pesquisa encontrou referência a 214 títulos, e destes, 110 foram gravados comercialmente. Acrescentando que destas gravações, uma grande parte teve regravações. Além destes títulos, existem outras canções presentes nos depoimentos, de autoria atribuída a Lupi, sem referência ao nome da música. 2

O grande número de canções, prescindia ainda de um elemento agregador, que apenas a utilização dos recortes cronológicos não seria suficiente. Optou-se, enquanto parte da construção metodológica deste trabalho, justapor a noção de trajetória aos limites de tempo já estabelecidos. Pretendeu-se, através da noção de trajetória, inserir a figura do compositor em meio aos diferentes campos em que atuou ou aos quais esteve condicionado.

A opção por tal via de análise deveu-se em vários aspectos a linha de investigação desenvolvida por Pierre Bourdieu, ao longo de diversos textos, mas melhor especificada em "Por uma ciência das obras", quando apresenta a noção de trajetória,

2 Faz-se necessário a esta leitura, em função do extenso suporte documental que a caracteriza, consultar o volume de Anexos (II Volume desta Tese), elaborado com tal finalidade. Especificamente quanto ao

associada ao conceito de habitus. Ao refutar a possibilidade de construção da biografia pelas ciências sociais, Bourdieu exalta a importância do aspecto relacional em que se encontrariam as histórias retratadas dos indivíduos, e suas obras, apontando para os diversos campos em que se acham inseridos. Refere-se, então, ao subcampo da produção e das lutas existentes entre as vanguardas consagradas e as novas vanguardas, estabelecendo a crítica aos estudos sobre literatura ou arte e apontando como alternativa a substituição do seu caráter biográfico pelo método relacional, que atravessa os diferentes campos em que tal criação acontece.

Ao destacar a situação do escritor, podemos associar as palavras de Bourdieu ao percurso do cancionista, quando apresenta tal idéia, de trajetória, como proposta e método de pesquisa:

"(...) Diferentemente das biografias comuns, a trajetória descreve a série de posições sucessivamente ocupadas pelo mesmo escritor em estados sucessivos do campo literário, tendo ficado claro que é apenas na estrutura de um campo, isto é, repetindo, relacionalmente, que se define o sentido dessas posições sucessivas, publicação em tal ou qual revista, ou por tal ou qual editor, participação em tal ou qual grupo, etc." 3

No caso do cancionista/compositor, as posições que ocuparia dentro do campo apontariam para a gravação de seu registro na forma escrita - as partituras e letras de canções, pelas editoras - , ou na forma sonora - através dos discos nos diversos sistemas de gravação, pelas gravadoras -, além de escritos especializados no assunto, ou textos da imprensa em geral, ressaltando a produção cultural, entre jornais e revistas de grande circulação.

Partindo destas colocações, neste trabalho, foram elaboradas diversas listagens de dados, encadeados por uma seqüência cronológica, envolvendo aspectos da vida de

número de canções de Lupicínio, consultar no Anexo 2, o "Quadro Total das Músicas de Lupicínio Rodrigues". 3 O texto citado foi uma conferência realizada pelo autor em 1986, sob o título "Por uma ciência das obras", editado posteriormente, junto a uma coletânea de seus trabalhos, o livro Razões práticas: Sobre a teoria da ação, Campinas, SP: Papirus, 1996, pp.71-2. Sobre a impossibilidade de construir a biografia, o autor ainda tem outro importante texto, no mesmo livro, denominado "A Ilusão Biográfica". Sobre este assunto, é importante ressaltar a contribuição de Benito Shmidt, na dissertação de Mestrado, defendida no PPG em História/UFRGS, em 1996, sob o título "Uma reflexão sobre o gênero biográfico: A trajetória do militante socialista Antônio Guedes Coutinho na perspectiva de sua vida cotidiana (18681945).

Lupicínio Rodrigues, a seqüência das gravações de suas músicas, acontecimentos que integraram a produção musical, especialmente nas manifestações populares, ao nível nacional e regional, o desenvolvimento tecnológico que abarcou as diferentes formas de gravação das músicas, junto a sua divulgação pelas emissoras de rádio, e posteriormente, tevês; também buscando acompanhar o crescente processo de profissionalização que acompanhou a atividade musical, ao longo deste século, especialmente a popular, através de uma legislação com tal propósito, além da formação das associações de classe. Todos estes dados foram sistematizados na forma de um longo quadro cronológico, dentro do período circunscrito pela trajetória de Lupicínio Rodrigues, entre 1914 e 1974. Colocado em anexo, para facilitar o manuseio de seus dados, representa parte e apoio a este texto. A seqüência deste texto foi elaborada a partir deste grande levantamento de dados.4

Apesar deste trabalho não se tratar de uma construção biográfica por si só, adverte-se que, por diversos momentos, a análise ocupar-se-á da experiência individual do sujeito Lupicínio Rodrigues, como fonte de informação e enquanto perspectiva sistematizadora e integradora das muitas variáveis que o recorte cronológico abarca.

Em síntese, a noção de trajetória permite contrapor a experiência individual de Lupicínio Rodrigues, dentro do limite cronológico que encerra, aos diversos contextos e instituições em que esteve envolvido de maneira aparente ou remota.

Dentro desta pesquisa, pretende-se destacar então: a) a trajetória individual do compositor Lupicínio Rodrigues frente a sua produção musical; b) a trajetória individual do compositor Lupicínio Rodrigues em meio aos acontecimentos na área musical em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e, no Brasil; c) a trajetória individual do compositor Lupicínio Rodrigues em meio às condições de mercado frente à produção musical, desdobrando-se em oportunidades/relações de trabalho, espaços e condições de trabalho, envolvendo a legislação trabalhista, o reconhecimento dos direitos autorais, o surgimento das associações de classe.

4 Ver o Anexo 2, "Quadro/Lista Cronológica das Canções".

No caso de Lupicínio Rodrigues, vale ressaltar que sua expressão musical resulta, enquanto traço definidor: nem folclórica/popular autêntica, nem erudita ou nacionalista, mas certamente, voltada a um mercado fonográfico crescente.

A maneira como os compositores relacionam-se com tal setor da indústria cultural, a partir das décadas iniciais, entre 20 e 30, até a virada deste século, modificase conforme o contexto. Mas, por mais envolvimento político, ou consciência, quanto ao desempenho de sua atividade, todos se encontram dentro desta lógica definida de consumo. A partir da década de 20, fazer música implicava estar inserido em tal lógica de mercado, mesmo que tal atividade ainda fosse encarada como diversão, e nãotrabalho. A apropriação que a indústria fonográfica, acompanhada da disseminação da atividade radio-difusora, vem a fazer da música, delimitando-a enquanto um produto cultural, leva a que se criem mecanismos que cada vez mais condicionam sua prática e resultados.

Lupicínio Rodrigues nasceu em meio as primeiras tentativas de registro de som em Porto Alegre, protagonizadas pela Casa A Elétrica, que no ano de 1914 começava a prensar os discos que gravava em Porto Alegre, tendo iniciado as gravações já no ano anterior. Quando atinge maturidade suficiente para compor algo que se destacasse em meio à música local, por volta dos seus 20 anos, passa a ser irradiado pela também nascente Rádio Farroupilha, além das outras emissoras locais (como a Rádio Gaúcha e a Rádio Difusora). Suas composições foram gravadas pela primeira vez, em 1936, pelo amigo, e parceiro naquelas canções, Alcides Gonçalves. Mas, ainda que estas tenham sido as primeiras gravações, Lupicínio já era um compositor bastante conhecido por seu envolvimento no carnaval.

Pode-se afirmar com isso que Lupicínio Rodrigues teve a oportunidade de ver seu trabalho registrado, enquanto produto sonoro, e que tal fato repercutiu favoravelmente à sua atividade como compositor, definindo sua crescente profissionalização neste ofício.

Todos estes fatores certamente influenciariam a sua conduta pessoal e profissional, assim como, a sua expressão musical, possivelmente condicionando muitos dos aspectos que levaram ao resultado final de cada canção. Não se quer afirmar com

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