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741.1.3 A permanência e recriação de Lupicínio Rodrigues no pós

primeiro a partir dos arranjos de César Camargo Mariano em suas gravações, que continha entre outras músicas, Mestre sala dos mares e o bolero Dois prá lá, dois prá cá. 84

1.1.3 A permanência e recriação de Lupicínio Rodrigues no pós-74

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Após a morte do compositor, multiplicaram-se as gravações de sua obra.

Continuaram os intérpretes que costumavam gravá-lo, como Jamelão, somandose a muitos outros de tendências de interpretação e estéticas musicais as mais diversas.

Elaborei, apenas como exemplo da variedade de estilos que acompanham as gravações do repertório de Lupicínio, uma listagem apresentando os intérpretes conhecidos, que chegaram ao disco com suas músicas. Tenho certeza que tal lista não corresponde a totalidade daqueles que o gravaram, apesar do número expressivo. Encontra-se junto ao volume de Anexos desta Tese.85

Entre as regravações que aconteceram de sua música, merece um destaque todo especial, principalmente no que se refere ao contexto da música no RS, o registro de Amargo (feita em parceria com Piratini), na gravação do grupo "Os Almôndegas", em 1975.86 A releitura desta música, numa característica muito própria deste conjunto, reintroduziu a canção no contexto regional, identificada com a nova geração, impulsionada pelo pop, e pelo seu experimentalismo no instrumental e vocal.

Assim como Felicidade voltara ao cenário nacional identificada pela juventude de Caetano, Amargo tem efeito similar, no ano seguinte, junto ao público deste Estado. Estranhamente, o compositor voltou a ser reconhecido pela via regional, e não pelos gêneros que o tornaram famoso. Os Almôndegas, em 1977, ainda realizariam uma interpretação muito própria da canção folclórica Velha gaita, quando cantam em seqüência além desta canção, parte de outras canções associadas ao ideário rio-

84 Lp "Elis", matriz: 6349121, 1974, gravadora Philips. 85 Anexo 3, "Lista de Intérpretes". 86 Versão p/ Tese: Cd 3 - Multiplicidade de estilos: faixa 13.

grandense, como Felicidade, Pezinho e Prenda minha. 87

A associação feita pelo grupo é clara, quanto a considerar a música Felicidade, parte do folclore do RS, ainda que tenha autor conhecido. Pode-se perceber um fenômeno semelhante com a canção Negrinho do pastoreio, de Barbosa Lessa, que se confunde com a tradição folclórica, sendo muitas vezes negada-lhe a autoria. O que impressiona, é que no caso de Negrinho do pastoreio, o autor tinha uma identificação de resgate em direção a busca desta identidade regional, ao passo que em Lupicínio, a composição surge de maneira aleatória.88

É importante voltar ao ano de 1974, no contexto que se segue à morte do compositor, e acompanhar as novas interpretações que aconteceram de suas músicas.

Elis Regina, acusada tantas vezes de dar as costas ao RS, lançaria neste ano Cadeira vazia e Maria Rosa, ambas da parceria de Alcides Gonçalves e Lupicínio Rodrigues.89 O que pode parecer, a primeira vista, "bairrismo" da cantora, reflete um momento da MPB onde a valorização de antigos conceitos na forma de cantar, assim como na escolha do repertório, se reforçariam na sua interpretação emocional. Elis nunca negou a extrema admiração que tinha por Ângela Maria, intérprete que representava muito da dramaticidade do samba-canção, e gêneros a ele associados, além de utilizar toda sua extensão vocal, na interpretação das canções. Entre a forma contida de cantar, que veio generalizando-se a partir da Bossa Nova, e a maneira explosiva com que Ângela Maria e Cauby Peixoto externavam suas canções, de certa maneira , acompanhados por Elis, pode-se compreender nesta cantora, tal escolha de repertório naquele momento. Não por acaso, o mesmo disco em que é gravado Maria Rosa, traz o bolero Dois prá lá, dois prá cá (João Bosco e Aldir Blanc), que soa quase como provocação aos críticos da cantora. Não consegui precisar quando se deu a gravação de Maria Rosa, se antes ou depois da morte de Lupicínio Rodrigues. No caso de Cadeira vazia, a primeira versão vem do mesmo compacto duplo, no qual Caetano, Gil e Gal gravaram também Lupicínio.90

87 Versão p/ Tese: Cd 1 - As três canções: faixa 6. 88 Sobre o assunto, consultar o Anexo 2, "A canção identitária do RS no século XX". 89 Versões gravadas p/ Tese: Cd 2 - Os Parceiros: faixas 2 e 3. 90 Ver nota 80.

Entre as intérpretes que também mantiveram Lupicínio Rodrigues atualizado, frente a gerações que não o conheceram nas gravações originais, pode-se citar Maria Bethania, ao longo de vários Lps, quando volta e meia introduzia em seu repertório uma canção do compositor. Além dela, outras cantoras, de sua geração ou posteriores, bastante conhecidas em seus bons momentos de carreira gravaram o compositor, como por exemplo, as integrantes do Quarteto em Cy, Simone, Maria Creuza, Fafá de Belém, Mariza, e, mais recentemente, Joanna.

Percebeu-se, no entanto, que a escolha de repertório, no momento quase imediato à morte do compositor, recaiu quase sempre nos mesmos sucessos, ou nas músicas mais conhecidas. Todo um conjunto de canções, ou mesmo músicas inéditas, ficou à margem deste revival a partir de Lupicínio, ou dos setores que mais divulgaram a música no país. Conheceu-se, então, neste processo, em torno de 30 músicas do compositor, o que já é considerado um número bastante expressivo, dadas às condições de mercado e ditames da indústria cultural em que se encontram. Nesse sentido, vale a pena ressaltar mais uma vez a importância da figura de Jamelão, quanto à façanha de divulgar muita coisa do compositor, além das fronteiras do RS, ao mesmo tempo em que revalorizava no estilo próprio do samba-canção sucessos já bem conhecidos. Também importante destacar, a atuação do parceiro de Lupi, Rubens Santos, que com menos oportunidades em gravar, também introduziu várias músicas desconhecidas da dupla, em seus discos e shows.

A memória de Lupicínio Rodrigues e sua música, seguiu também sendo resgatada pela comunidade musical de Porto Alegre, através de vários de seus expoentes. É o caso de Lourdes Rodrigues, que praticamente lançou-se como cantora profissional pelas mãos de Lupicínio Rodrigues, no programa na Rádio Farroupilha, ainda na década de 50 e que, a cada show que faz, dá um destaque todo especial ao compositor e aos autores gaúchos que interpreta, como Túlio Piva e Demosthenes Gonzalez, além de retratá-los em seu Cd. Também a cantora Zilá Machado, que na década de 80 gravou todo um Lp com suas canções; ou mesmo Naura Elisa, que em seu recente Cd gravou uma música inédita do compositor, a ela destinada há bastante tempo, Minha cidade. Lupicínio foi lembrado também pelo amigo e acompanhante ao violão, Darcy Alves, na gravação que fez; assim como, o Clube do Choro, que na tradição seresteira que carrega, não poderia deixar de gravar o compositor. É

importante lembrar ainda, especialmente pela diferença de gerações entre seus representantes e a boemia de Lupicínio, o registro deixado pela Cooperativa de Músicos de Porto Alegre - COOMPOR -, no Lp que realizou em 1989, em consonância com o show que percorreu o RS naquele ano; oportunizou a gerações mais novas no Estado, conhecer um pouco mais sobre o compositor, já que também trazia em seu repertório outras canções além daquelas já "repisadas" pela mídia nacional.91

Finalizando, chamaria a atenção mais uma vez, a grande diversidade de estilos de interpretação que acompanharam as regravações de Lupicínio Rodrigues da década de 90 em diante, principalmente. Intérpretes das mais diversas tendências tem se valido de sua música, recriando-a a sua maneira, reinventando o próprio compositor infindáveis vezes. Releituras como as da gaúcha Adriana Calcanhoto, Arrigo Barnabé, Jards Macalé, Tetê Espíndola, entre outros, ao mesmo tempo em que provocam o estranhamento naqueles que se identificam com o samba-canção, ou interpretações mais tradicionais na música popular, demonstram em contrapartida a força da canção de Lupicínio Rodrigues. Seja pela letra, pela harmonia ou melodia, o fato é que este compositor continua sendo muito gravado, e sua música expressa e recria a cada dia nosso imaginário regional e nacional.

Reporto-me, novamente, ao Anexo que acompanha este trabalho, como indicativo e amostragem das diversas tendências associadas à música de Lupicínio Rodrigues, especialmente na relação cronológica das gravações, a partir de 1974. Também, como forma de exemplificar a constante recriação que é feita de sua obra, incluí os Cds que acompanham este trabalho. Destinam-se a ser uma variada amostragem, quanto a versões de uma mesma canção, e também entre os diferentes temas e tendências com os quais Lupicínio expressou-se, as muitas leituras que se fizeram sobre estas músicas, diversificando-se arranjos, alterando-se timbres e, em algumas vezes, o gênero em que foram compostas.

Os Cds encontram-se agrupados, segundo os objetivos deste trabalho, em quatro grandes conjuntos de faixas, utilizando-se como critérios:

91 As gravações, Lps e Cds aqui mencionados constam da relação da discografia consultada, junto da referência as Fontes de Pesquisa.

Primeiro Cd: As três canções: inclui 19 faixas, a partir de três músicas escolhidas do repertório do compositor - Felicidade, Vingança e Se acaso você

chegasse que serão alvo desta análise, no 2 º

Capítulo da Tese. Destacam as características essenciais na maneira de criação de Lupicínio Rodrigues, junto aos processos de reinterpretação que passam a cada nova gravação (novo registro).

Segundo Cd: Os parceiros: inclui 13 faixas, contendo músicas da parceria de Lupicínio Rodrigues junto a Alcides Gonçalves e Rubens Santos, destacados por este trabalho como os parceiros mais representativos frente ao conjunto de sua obra. Além das músicas em parceria, destaco também a produção individual e o estilo diferenciado de cada um dos parceiros escolhidos. Alvo de análise no 3 º Capítulo desta Tese.

Terceiro Cd: Multiplicidade de estilos : inclui 21 faixas, demonstrando a variabilidade de gêneros com que Lupicínio expressou-se, como marchas e sambas carnavalescos, sambas-canção e músicas regionalistas. Além dos gêneros citados, procura demonstrar como o compositor ocupou-se das diversas temáticas, assim como de percepções diferenciadas, a cada momento de criação destacado, como o aspecto biográfico e memorialista que carregam, as imagens poéticas de que se vale (junto às imagens sonoras de cada gravação), o aspecto regional das canções, entre letra, gênero e arranjos de uma ou mais versões, a troca de gênero musical a que está sujeita a música do compositor, nas gravações, como mostra do processo freqüente e extremo de recriação.

Quarto Cd: Sambas: inclui 15 faixas, demonstrando o contraste entre o samba alegre, carnavalesco em oposição ao samba-canção abolerado, dando uma idéia da rica produção e da dimensão assumida por Lupicínio Rodrigues onde mais se destacou frente à história da música popular brasileira. O terceiro e quarto cds, além de algumas faixas do segundo, serão alvo de uma análise mais detalhada no 4 º e 5 º Capítulos desta Tese.

Quanto ao critério na escolha das músicas gravadas que integram este trabalho, tive a preocupação primeira em demonstrar, na trajetória do compositor frente à história da música brasileira, os momentos destacados de sua produção, através de canções "ícones", junto aos intérpretes mais representativos, como maneira de situar sua atuação

neste percurso. Num segundo momento, procurei sempre que possível, incluir a gravação de intérpretes gaúchos frente ao seu trabalho, dando a conhecer a expressão de uma dicção local, comum a Lupicínio Rodrigues, parte de seu entorno musical. Através da dimensão regional destas interpretações tive a intenção de colocá-las em contraste com as recriações nacionais, buscando rediscutir tais dimensões, a partir da expressão musical.

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