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Beira-Mar
RITO FEMINISTA
Protagonista da novela das 9, O Outro Lado do Paraíso, Bianca Bin fez um barulho danado na internet há alguns dias ao incentivar um ritual um tanto quanto naturalista. Chamado de “Plante sua lua”, ele se baseia na ideia de que a mulher deve coletar seu sangue menstrual e espalhá-lo sobre a terra para “fechar o ciclo com a natureza e recuperar a sua potência feminina”. No caso de quem mora em apartamento, vale até usar os vasos de plantas para isso. Formada pela Uerj, a ginecologista Bel Saide, referência no assunto, defende a prática como um resgate à autoestima. “A mulher era sagrada nas culturas ancestrais, antes do patriarcado. Esse é um ato de consagração, de honrar seu corpo e se reconectar consigo mesma”, afirma. A médica prega ainda o fim do uso dos contraceptivos com hormônio. “Eles privam a mulher de seu ciclo natural, o que é um absurdo. O mundo de hoje exige que estejamos produtivas, mas precisamos respeitar nossa TPM, nossa cólica. Isso é empoderamento.”
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TALK SHOW NOS ARES
Tem de tudo no território livre da internet, até entrevista com famosos cruzando o céu do Rio de parapente. Assim é o novo programa que o ator Sandro Cardoso, que já comandou o Aventuras Reais no Multishow e no Canal Off, vai lançar em seu canal no YouTube. Os primeiros participantes do talk show Papo Avoado, que deve entrar no ar após o Carnaval, são os atores André Gonçalves e Sérgio Malheiros — esse último, quase ninguém sabe, piloto iniciante de parapente. “O André estava morrendo de medo. Disse que não ia, mas foi e adorou”, diverte-se Cardoso. “Somos amigos desde a infância, quando ele vendia água na rodoviária para ajudar a família. Passou um tempo apanhando da mídia, sofreu com a fama de mulherengo, mas tem um baita coração”, diz o apresentador, que se inspira em astros como Jimmy Fallon, Jô Soares e Tatá Werneck. O convite para o bate-papo nas alturas já foi estendido a David Brazil, Whindersson Nunes e Simone e Simaria. MARCO ANTÔNIO CAVALCANTI/AG. O GLOBO
O cantor Luan Santana já tem o seu, assim como o youtuber Felipe Neto. Famoso que é famoso cria o próprio aplicativo de celular para divertir os fãs e, claro, ganhar um dinheirinho extra. Claudia Leitte acaba de lançar o dela, com mensalidade de 9,90 reais, que dá acesso a promoções e até mesmo a experiências como encontrá-la no camarim. “O Brasil tem 200 milhões de habitantes e 300 milhões de celulares, ou seja, um aparelho e meio por pessoa. Seria um desperdício não fazer dinheiro com isso”, afirma Alexandre Ktenas, sócio da startup carioca Kontente. Responsável pelos apps de Santana e Cláudia, ele agora está em negociação com Cleo Pires, Pabllo Vittar e Preta Gil. Em 24 horas, o programinha da cantora foi baixado 50 000 vezes. Ainda não foram computadas as assinaturas, mas, se depender do case de sucesso do colega sertanejo, o cofrinho dela também vai engordar. Luan já soma 70 000 assinantes. Com cada um pagando 9,90 reais por mês, o faturamento ultrapassa 8,3 milhões de reais por ano. RECEITA MILIONÁRIA
ALINE MASSUCA/AG. ESTADÃO
YURI SARDENBERG E ANINHA MONTEIRO/DIVULGAÇÃO
Pré-candidato do PRB a deputado federal, Marcelo Hodge Crivella, filho do prefeito da cidade, é afeito a doses diárias de autoajuda. Tanto que suas redes sociais são repletas de dizeres motivacionais, como “O sucesso não é um destino. É uma jornada”. Ou “Conte suas bênçãos. Não seus problemas”. Fã de psicologia, sua primeira formação universitária, e de coaching (ele já fez alguns treinamentos), Marcelinho vai lançar ainda neste mês o livro Mente Nova, Vida Nova, o que já lhe rendeu convites para sete palestras. Ele falou a VEJA RIO.
De onde vêm suas pílulas de sabedoria? Sou um colecionador de frases inspiradoras, porque existe uma tendência natural do ser humano de pender para a negatividade. Procuro me esforçar para manter a mente otimista. Meus livros de cabeceira são Criatividade S.A. e Hipercrescimento.
Tem algum mantra? Repito sempre para mim mesmo: “Uma mente positiva não é capaz de tudo, mas torna as coisas mais fáceis”. Os vinte primeiros minutos do dia são sagrados. É nesse período que o cérebro define o humor do dia. Lá em casa, é proibido mexer no celular logo depois de acordar.
No fim do ano, você encorajou seus seguidores a criar um plano de metas. Quais são as suas? Sim, minha esposa e eu finalizamos 2017 avaliando e estabelecendo novos objetivos: quantas vezes iremos à academia, quanto queremos pesar até o fim do ano, quantos livros vamos ler. Para o Rio, quero trazer uma edição da maior feira de startups do mundo. A última foi na Finlândia. Desejo fortalecer nosso ecossistema de empreendedores.
Mas nenhum político costuma cumprir muitas metas... A meta define o rumo que você vai tomar. Como chegar lá depende de vários fatores. Muitas empresas no Brasil não alcançaram suas metas nos últimos anos por causa da crise no país, por exemplo.
As críticas feitas a seu pai o incomodam? Claro que me afetam, mas a prefeitura já teve muitas conquistas no
primeiro ano. É que o Crivella não sabe comunicá-las. Ele poderia fazer um trabalho melhor nesse sentido. Além disso, herdamos uma dívida de 10 bilhões de reais dos Jogos Olímpicos, então o jeito foi promover cortes. E ninguém gosta de cortes, inclusive os vereadores. Sem o apoio da Câmara, o prefeito não consegue governar.
Muitos acreditam que ele está fazendo mais pela Igreja Universal do que pelo Rio... Ele nunca misturou as coisas. Nem na prefeitura do Rio nem quando estava no Senado ou no Ministério da Pesca.
Tem medo de que a religião o torne uma figura caricata? A imagem de crente fanático não condiz com quem eu sou. Não tenho como tirar Deus da minha vida nem acho que acreditar em Deus é a solução para tudo. A gente precisa agir. Isso envolve muito preparo, não apenas oração. A Bíblia é muito condizente com isso: ela incentiva a buscar sempre seu melhor.
Quem você apoia para governador do Rio e para presidente do país? Quem tem o melhor discurso e está mais preparado para encarar o desafio de governar um estado com tantos problemas na área de segurança é o Índio da Costa. Para presidente, torço muito pelo João Doria.
ARCA DE NOÉ
Extintas por causa da caça predatória e do desmatamento, espécies nativas da Floresta da Tijuca são reintroduzidas em seu hábitat Gustavo Côrtes
s macacos bugios são conhecidos pelo vozeirão. De tão potentes, seus rugidos alcançam 128 decibéis, volume superior ao da sirene de uma ambulância, e são ouvidos a até 5 quilômetros de distância. Com pelagem alaranjada, alimentam-se basicamente de folhas e frutos, pesam, em média, 7 quilos e podem medir de 30 a 75 centímetros. Também são famosos por se movimentar com rapidez entre os galhos, mas isso não impediu que acabassem dizimados na Floresta da Tijuca, devastada por fazendas de café ali instaladas ao longo dos séculos XVIII e XIX. Após mais de 100 anos sem ser vistos na região, uma boa notícia: os bugios O
voltaram a circular livremente pela mata, graças a um programa de reintrodução de animais nativos extintos em consequência da caça predatória e do desmatamento. “As próximas espécies da fila são as antas e as ararasvermelhas, que desapareceram da área antes mesmo de termos registros fotográficos delas no local”, revela Fernando Henrique Sousa, diretor de sustentabilidade do Grupo Cataratas, uma das entidades que vêm financiando as atividades do projeto Refauna.
Os bugios, também conhecidos como guaribas ou barbados, foram instalados em um viveiro dentro do Parque Nacional da Tijuca que permitiu sua aclimata
Macaco, arara e cutia: desafios no processo de adaptação à casa nova
Zoológico natural Criado em 1961, o Parque Nacional da Tijuca reúne 359 espécies de animais
31 répteis, muitos deles lagartos e serpentes
39 anfíbios, como a rãde-goeldi e o sapo-cururuzinho
63 mamíferos, incluindo agora o macaco bugio
226 aves, com destaque para o tucano-de-bico-preto
ção gradativa ao ambiente. Nesse período, eles ganharam uma dieta nova, com folhas e frutos típicos que poderiam encontrar quando soltos. Dos seis animais já reintroduzidos no parque, oriundos de cativeiro e de apreensões feitas por órgãos ambientais, dois deles, Kala e Juvenal, se saíram tão bem que tiveram até um filhotinho, em setembro do ano passado. O principal entrave para a adaptação, no entanto, é mesmo o contato com seres humanos, que podem transmitir doenças contra as quais os primatas não têm imunidade. Muitas pessoas ainda oferecem comida, o que vicia os bichos em comportamentos que inviabilizam a ambientação e o exercício da função ecológica da espécie. “Tivemos de resgatar dois macacos que só ficavam no chão pedindo comida. Dessa forma, eles também deixam de comer os frutos com as sementes dentro, e as fezes não contribuem mais para a dispersão das plantas, o que é importante para garantir que a floresta possa conservar, a longo prazo, a sua biodiversidade”, explica Ernesto Viveiros de Castro, chefe do Parque Nacional da Tijuca.
FOTOS ANNA FISCHER
Equipados com coleiras de rastreamento, os novos moradores do parque recebem visitas semanais de doze pesquisadores da UFRJ, que verificam como anda a saúde dos bichos e avaliam o processo de adaptação à nova casa, bem mais ampla e desafiadora. “O monitoramento é auxiliado por armadilhas fotográficas e marcas no pelo, que os diferenciam uns dos outros”, detalha o biólogo da UFRJ Fernando Fernandez, coordenador do projeto, que trabalha agora em uma nova soltura. Até o fim de janeiro, um grupo de doze cutias, capturadas no pátio do zoológico do Rio, numa área que passará por obras em breve, também será devolvido à natureza, na região do Corcovado. No momento, os pequenos roedores estão no período de quarentena em cativeiro, quando são submetidos a baterias de exames, para garantir que não levem doenças ou parasitas para o meio ambiente. Como aconteceu com os macacos, as duas primeiras semanas na floresta serão de confinamento em um cercadinho, onde começam a se habituar ao novo terreno. Se tudo der certo, ficarão o resto da vida em liberdade. ß
SAMBA ESQUEMA
NOVO
Às vésperas do Carnaval, uma geração de jovens bambas leva adiante a tradição centenária das rodas pela cidade Pedro Tinoco e Daniela Pessoa
lvaro Santos nasceu há 29 anos na comunidade do Catiri, em Bangu, e dia desses estava feliz da vida batucando entre estrelas da MPB, dentro de um baita apartamento com vista para a Praia de Ipanema. Levado pelo parceiro Pretinho da Serrinha para participar da Cantoria, tertúlia musical promovida na casa da empresária Paula Lavigne, Nego Alvaro, como é mais conhecido, gelou quando esbarrou com Gilberto Gil. “Vi o cara lá, tocando com a gente, queria dar meu CD para ele, mas, puxa vida, era o Gil, né? Não tive coragem”, lembra. Lançado há pouco mais de um ano, Cria do Samba, disco de estreia do jovem bamba, não foge ao gênero que o batiza, apesar de trazer no repertório versões para um rock (Extra II, o Rock do Segurança, do venerável Gil) e um rap (Hino Vira-Lata, do paulista Emicida). A nova geração, à qual pertencem Alvaro e Pretinho, é assim: ignora fronteiras entre estilos musicais e nem liga para distâncias como a que separa Catiri da Avenida Vieira Souto. Neste verão, para saber mais sobre essa turma, siga-a por aí. Na rua, nos palcos de clubes e casas noturnas ou no sofá de Paula Lavigne, a tradição das rodas de samba vai adiante, com público, repertório e protagonistas renovados. Moacyr Luz é o fundador e líder do Samba do Trabalhador, um fenômeno das rodas que há doze anos leva multidões ao Renascença Clube, no Andaraí. Detalhe: sempre às segundas, e a partir das 4 da tarde, a festa frequentemente reúne mais de 1 000 pessoas. No conjunto que acompanha Moacyr, Nego Alvaro toca percussão e tem seu momento de brilho-solo quando canta o libelo contra o racismo Estranhou o Quê?. “O Alvaro é um grande instrumentista, intérprete de ótima dicção e está compondo muito. Aliás, a juventude está fazendo samba à vera”, atesta o chefe, antes de teorizar. “O pop é naturalmente, e por força do mercado, associado ao público mais novo. Para reagirmos a isso, é muito importante o surgimento, no mundo do samba, de uma garotada que fala a língua dos seus contemporâneos.” A “garotada” a que o mestre se refere ganha cada vez mais espaço e, em muitos casos, está no comando dos trabalhos. Nesse pelotão, que dá expediente o ano inteiro e sobressai às vésperas do Carnaval, o nome de Pretinho da Serrinha aparece na linha de frente.
Cria de Madureira, nascido no Morro da Serrinha, que carrega no sobrenome artístico, Ângelo Vitor Simplício da Silva, 39 anos, está em todas. O começo foi duro, muito duro, mas o talento e a gana de fazer A
música o desviaram do destino triste de parentes e companheiros de infância. Sua mãe cumpriu pena por tráfico. “Da minha turma, lá atrás, o Thiago da Serrinha hoje toca com o (bandolinista) Hamilton de Holanda. Outros amigos morreram em troca de tiros com a polícia. De dezenove, restaram apenas cinco”, resume Pretinho. A ligação da família com o samba e o virtuosismo precoce na percussão lhe abriram as portas da bateria do Império Serrano aos 10 anos. Aos 13, o menino- prodígio acompanhou uma excursão do tradicional Jongo da Serrinha pela Itália. Na volta da turnê, já era artista. “A música me salvou”, diz. Em rodas na cidade e em outros compromissos, esbarrou (e trabalhou) com gente como Dudu Nobre, Seu Jorge (de quem é parceiro em Burguesinha e Amiga da Minha Mulher, entre outros hits), Lulu Santos, Marcelo D2 e Paula Lavigne — ela foi sua empresária por três anos e segue amiga, anfitriã nas animadas sessões musicais da Cantoria.
Pretinho não perdeu nenhuma oportunidade e ampliou o leque. Em 2017, bancou o ator duas vezes. No teatro, dividiu o palco com Maria Ribeiro e Carolina Dieckmann no espetáculo Ensaio sobre Alguma Coisa que a Gente Ainda Não Sabe o que É. No cinema, fez o papel de China, irmão do personagem principal, no filme Pixinguinha — Um Homem Carinhoso, de Denise Saraceni, inédito no circuito. Ainda encontrou tempo para tocar cavaquinho no show da americana Alicia Keys, em pleno Palco Mundo do Rock in Rio, um dia depois de conhecer a cantora americana na casa de... Paula Lavigne. Mesmo mais pop do que nunca, o músico voltou à roda. Em novembro e dezembro do ano passado, levou ao Circo Voador edições do seu Samba Iaiá, apresentação com convidados ilustres do naipe de Marisa Monte, João Bosco, Iza e Roberta Sá, entre outros. As duas noites de casa cheia garantiram a continuidade do projeto: até o fim de janeiro, o Samba Iaiá volta a acontecer em novo endereço — e já estão confirmadas duas edições no Camarote Rio Exxperience, na Sapucaí, nos desfiles do Sambódromo. O estouro de Pretinho da Serrinha empolga músicos mais novos e, pelo menos por enquanto, menos conhecidos. Como cada um quer chegar lá à própria maneira, o samba agradece.
Dona de tranças cor-de-rosa e vozeirão exuberantes, Marcelle Motta, 32 anos, nasceu em Juiz de Fora e mudou-se para o Rio ainda criança. Por aqui, deu os primeiros passos musicais soltando a voz na Igreja Messiânica e, depois, ensaiando com uma banda de pop rock. O samba chegou tarde, mas ficou. Frequentadora da roda do Grupo Arruda no Centro Cultural Cartola, ela tornouse amiga dos músicos, e certa vez foi convidada a dar
PRETINHO DA SERRINHA, 39 anos Estrela da nova geração, o músico esbanja prestígio levando convidados como Marisa Monte, Iza, João Bosco e Roberta Sá para cantar junto
JUNINHO THYBAU, 31 anos O sobrinho do bamba Zeca Pagodinho criou a roda Na Porta de Casa, no Irajá, fenômeno de público que já ganhou canjas do tio ilustre e do veterano Monarco
MARCELLE MOTTA, 32 anos A cantora solta seu vozeirão em eventos que vão desde batucadas na Lapa até ensaios do bloco Spanta Neném, na Lagoa
NEGO ALVARO, 29 anos Promessa, com um disco-solo lançado, o cantor e percussionista toca no Samba do Trabalhador, mas já comanda as próprias noitadas uma palinha. “Entrei no grupo e não parei mais. No começo, sabia apenas três sambas, mas passei a estudar
FOTOS FELIPE FITTIPALDI
com afinco e me apaixonei por Cartola, Paulo César Pinheiro, João Nogueira, Dona Ivone, Jorge Aragão”, conta. A roda, hoje, é seu hábitat. “Sinto uma energia surreal, saio extasiada”, diz. Quem já a ouviu sabe que não é exagero: a moça é elogiada e incentivada por artistas como o violonista e produtor musical João de Aquino e o cantor e compositor Jorge Aragão. Marcelle bate ponto em batucadas variadas, do Beco do Rato, reduto concorrido na Lapa, à Festa da Raça, na Praça Tiradentes, passando pelos ensaios do Bloco Spanta Neném, na Lagoa. “A roda é acessível, é democrática e não custa caro. Tem de ser valorizada”, convida.
Solidariedade é uma marca da nova geração nas rodas de samba cariocas. A relação bem próxima de toda a turma lembra Quadrilha, o famoso poema de Drummond. Exemplo: Pretinho da Serrinha produziu o disco de Nego Alvaro, que costuma dividir o palco com Marcelle Motta, que, por sua vez, é apaixonada pelo repertório de João Martins — assim como Nego Alvaro e Pretinho. João, 33 anos, filho de músico (o cavaquinista Wanderson Martins, que tocou com Martinho da Vila por 25 anos), foi criado no samba de raiz. Já deu expediente no Renascença Clube, na quadra do Cacique de Ramos — influência maior das rodas a partir dos anos 80, com o surgimento do grupo Fundo de Quintal — e no Pagode da Ciça, no Irajá. Hoje, diverte-se na Pedra do Sal, no Terreiro do Crioulo, “roda com muita energia, num quintal arborizado, em Realengo”, na Pede Teresa e na Feira da Glória, entre outros cantos. “Minha mulher bota comida em várias rodas, então acabo frequentando os lugares com ela, para ajudar, e dou minhas canjas”, conta, modesto (ou malandro) demais para quem já tem dois discos lançados e duas canções gravadas com a inigualável Dona Ivone Lara.
Parceiro de João Martins no samba Minha Meta, Juninho Thybau, 31 anos, é cantor e compositor. Há um ano, pensando em “levantar algum dinheiro para investir na carreira”, inaugurou uma roda na rua, de graça, bem em frente à própria casa. O retorno financeiro viria da venda de bebida — além de vodca e uísque, latinhas de cerveja acondicionadas em baldes de plástico cheios de gelo, prática comum nas batucadas por aí. “Hoje em dia tudo é filmado e cai na rede. Acho que o pessoal, depois de ver na internet, ficou curioso”, arrisca Thybau, tentando entender o enorme sucesso do festejo, conhecido como Na Porta de Casa. Em frente ao número 20 da Rua Marinho Pessoa, no bairro do Irajá, todo segundo domingo do mês, a massa feliz interdita a
Um roteiro de rodas de samba, das novidades às tradicionais, passando por atrações da estação FESTA DA DEMOCRACIA
Aos Novos Compositores. Um time de 26 sambistas se reúne quinzenalmente para mostrar canções inéditas. A cada quatro meses, o caderno com o repertório é renovado. Beco do Rato. Rua Joaquim Silva, 11, Lapa. Na segunda e na quarta terça do mês, 19h/23h. Grátis.
Cacique de Ramos. Fundado em 1961, o bloco abriga batuque semanal regado a feijoada em sua sede, em Olaria. Marquinhos de Oswaldo Cruz, Marquinhos Diniz e outros bambas costumam dar pinta por lá. No dia 21, a festa começa às 13h para celebrar o 57° aniversário do bloco. Rua Uranos, 1326, Olaria. Domingo, 17h. Grátis.
Casuarina. Nas quintas de janeiro, o grupo recebe convidados e passeia por seu repertório autoral no reduto de decoração carnavalesca. Baródromo. Rua do Lavradio, 163, Lapa. Quinta, 20h. R$ 25,00 (até 21h) e R$ 30,00 (após 21h).
Mesa de Jorge. Cercado pelo público, Jorge Aragão desfia clássicos em sua roda dominical no Festival Haras, entre DJs e outras atrações. Sociedade Hípica Brasileira. Avenida Lineu de Paula Machado, 2448, Lagoa. Domingo (dias 14, 21 e 28), 17h. R$ 60,00 (1º lote).
Na Porta de Casa. Diante do imóvel em Irajá onde nasceu Zeca Pagodinho, seu sobrinho Juninho Thybau recebe convidados na roda mensal, que vai de samba da antiga e partido - alto a composições do anfitrião, gravadas por Diogo Nogueira, por Mariene de Castro e
via para cantar junto dos músicos. Nomes ilustres, como Diogo Nogueira, Monarco e Zeca Pagodinho, tio de Juninho, já deram canjas históricas ali. Empolgado, ele acha que o bom momento não tem hora para acabar. “Estávamos precisando disso para o samba voltar a se democratizar, em vez de ficar restrito a shows com ingresso caro ou ao Carnaval”, analisa.
Além de democráticas, as rodas andam em sintonia com as questões (e conquistas) de hoje. Sem perderem a reverência por Cartola, Candeia e outros ídolos de tempos idos, os novos bambas arriscam-se por temas atuais, despindo-se de preconceitos de outrora. É bom exemplo dessa linha Eu Vos Declaro, parceria de Fernando Procópio com Flávio Galiza. Sobrinho e neto de integrantes da Velha Guarda da Portela (Serginho Procópio e Osmar do Cavaco, respectivamente) e bisneto de Lalau do Bandolim, nome respeitado no choro, Fernando Procópio orgulha-se de representar “a quarta geração de artistas da família”. É dele a letra que diz “Eu vos declaro marido e
PEDRO LOBO/DIVULGAÇÃO
pelo tio Zeca. Rua Marinho Pessoa, 20, Irajá. Domingo (21), 17h/23h30. Grátis.
Nego Alvaro. Nome em ascensão, com um disco-solo lançado, Cria do Samba, o cantor e compositor dá expediente no Samba do Trabalhador, mas também comanda as próprias rodas. As próximas acontecem em Niterói e no Catete. Toca da Gambá. Rua Carlos Gomes, 23, Niterói. Sexta (19), 20h30. R$ 20,00. Samba DuCatete. Rua do Catete, 97. Dia 25, 16h/22h. R$ 20,00. Pede Teresa. Surgida há três anos de um encontro de amigos em um bar no Bairro de Fátima, vizinho de Santa Teresa (daí o nome), a roda passou pela Lapa e pela Praça Tiradentes antes de fincar bandeira no Arco do Teles. O agito mescla sambas tradicionais aos de talentos em ascensão. Espaço XV, Arco do Teles. Quarta, 18h/0h30. Grátis.
Pedra do Sal. A semana começa animada aos pés do Morro da Conceição. Ao ar livre, na região conhecida como Pequena
marido / Eu vos declaro mulher e mulher / Hoje a união tem um novo sentido / Tudo é permitido, casa quem quiser”. Fã de Candeia e Jorge Aragão, mas também de Gabriel, o Pensador e Racionais MCs, Procópio não se considera ousado. “Fazemos samba, não estamos inventando a pólvora, mas a linguagem que a gente usa é a do nosso tempo”, diz. Eu Vos Declaro foi testada e aprovada na roda Aos Novos Compositores, realizada no Beco do Rato duas terças-feiras por mês. Nos encontros, o público é apresentado a canções recém-criadas por um grupo de 26 autores e reunidas em um caderno.
Só que a cada quatro meses o caderno é trocado e entram em cena mais inéditas. “Há um entendimento geral de que não existe renovação. Você sempre vai ouvir Candeia, Zeca, Fundo de Quintal, mas isso não quer dizer que não estejam sendo produzidas novidades”, opina João Grand Jr., funcionário do Instituto Pereira Passos, órgão da prefeitura dedicado a projetos de desenvolvimento para a cidade. Grand Jr. defendeu uma pre-
África, a batucada reúne turistas e jovens de todos os cantos da cidade. Rua Argemiro Bulcão, 38, Largo João da Baiana, Saúde. Segunda, 19h. Grátis.
Samba da Gávea. Em clima intimista, o batuque abre espaço para violões e vozes de craques como Pedro Miranda, Luís Filipe de Lima, João Cavalcanti e Alfredo Del-Penho. O time de bambas passeia por repertório próprio e inédito. Casa da Táta. Rua Professor Manuel Ferreira, 89, Gávea. Segunda, 20h. R$ 30,00. Samba da Ouvidor. Fundada há dez anos pelo músico Gabriel Cavalcante, atrai cerca de 2 000 pessoas a cada edição, com composições que vão da década de 30 à de 80 e canjas de convidados ilustres como Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro. Rua do Ouvidor, Centro. No primeiro e no terceiro sábado do mês, 16h30. Grátis.
Samba das Estações. A laje no alto do Morro do Pinto abriga os encontros. Um dos três sets é sempre reservado a homenagens ou convidados. Já passaram por lá nomes como Chico Alves e Bira da Vila. Julião Pinheiro, filho de Paulo César Pinheiro, é esperado na próxima roda, no dia 28. Bar do Omar. Rua Sara, 114, Santo Cristo. No segundo e no último sábado do mês, 19h. Grátis.
Samba do Bilhetinho. Uma turma jovem e animada lota a calçada diante do pé-sujo em Botafogo às quintas (em dia de
miada tese de doutorado em geografia econômica, batizada de “Cultura, criatividade e desenvolvimento territorial na cidade do Rio de Janeiro — O caso da Rede Carioca de Rodas de Samba”. Também um dos fundadores da Rede Carioca de Rodas de Samba, organização da sociedade civil voltada para o estudo e o aprimoramento das condições da batucada no Rio, ele reuniu dados expressivos em seu trabalho acadêmico. Um mapeamento iniciado em 2015 registrou 150 rodas espalhadas pela cidade. Outro estudo, de 2016, feito com cinquenta rodas, apontou potencial de consumo, apenas nesse universo, em torno de 1,3 milhão de reais por mês. “A crise diminuiu esse valor, mas posso afirmar que a intensificação do número de rodas continua. Acaba uma, surgem duas, três”, diz.
Além de efetivamente contribuir para a economia local e garantir diversão nos quatro cantos do Rio, a roda é um patrimônio cultural. No Dicionário da História Social do Samba (Civilização Brasileira), de chuva, eles costumam migrar para o 2º andar do vizinho Plebeu). O repertório dos 22 músicos reverencia mestres da velhaguarda, a exemplo de Paulo da Portela, Marçal, Monarco, Dona Ivone Lara, Candeia e Nelson Cavaquinho. Fuska Bar. Rua Capitão Salomão, 52, Humaitá. Quinta, 19h/22h. Grátis.
Samba do Trabalhador. Costumeiramente folga para os músicos, a segunda-feira virou dia oficial de uma das mais concorridas rodas da cidade, criada há doze anos. No clube do Andaraí, o samba está nas mãos de bambas de diferentes gerações, como Moacyr Luz, Gabriel Cavalcante e Nego Alvaro. Renascença Clube. Rua Barão de São Francisco, 54, Andaraí. Segunda, 16h/ 21h30. R$ 20,00.
Samba Iaiá. Pretinho da Serrinha reúne convidados de várias gerações em torno de clássicos das rodas. Depois de duas concorridas edições no Circo Voador, o encontro ganha endereço mais amplo e faz seu Grito de Carnaval. Terreirão do Samba. Rua Benedito Hipólito, 66, Centro. Sábado (dias 20 e 27). 18h. Grátis.
Spanta Neném. O bloco da juventude da Zona Sul tem roda própria, comandada pelos cantores Julio Estrela e Marcelle Motta. A batucada divide espaço com a bateria do Spanta e convidados. Sociedade Hípica Brasileira. Avenida Lineu de Paula Machado, 2448, Lagoa. Sábado (dias 13 e 27), 17h. R$ 100,00.
Tim Music no Samba. No Dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, Mumuzinho e Xande de Pilares defendem sucessos em formato de roda ao lado da bateria do Salgueiro, a Furiosa, cujo samba-enredo de 2018 foi composto por Xande. Fundição Progresso. Rua dos Arcos, 24, Lapa. Sábado (20), 22h. R$ 60,00.
Carol Zappa
Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, o verbete dedicado à expressão roda de samba assim a define: “o fenômeno verifica-se desde antes de seu desenvolvimento como gênero e da organização das agremiações do tipo escola de samba”. Ela merece respeito, portanto, mas às vezes ainda é tratada como nos primórdios, no começo do século XX, quando batidas da polícia interrompiam a festa na casa de Tia Ciata, a matriarca do samba brasileiro. Em julho do ano passado, Nego Alvaro, o promissor talento citado no início desta história, saía do Beco do Rato, seu local de trabalho, quando, após algum bate-boca sem sentido, foi levado à 5ª DP por agentes do projeto de segurança Lapa Presente. A cena kafkiana incluiu quarenta minutos de espera na delegacia e mais nada, nenhuma explicação. “Fiquei mal, com medo, depois passou. É um episódio que parece ridículo, mas, infelizmente, ainda acontece todo dia com algum dos nossos”, diz o músico. Desse enredo ninguém vai sentir falta. ß
PISANDO EM FALSO
Instaladas de forma incorreta em muitos casos, as faixas táteis reservam armadilhas perigosas no caminho dos deficientes visuais Dilson Júnior
á 37 anos Maria da Glória Souza sai às 8h30 de sua casa, na Rua Cândido Gaffrée, na Urca, em direção ao trabalho, no Instituto Benjamin Constant (IBC), centro de referência nacional na área da deficiência visual, que fica no mesmo bairro. Às escuras desde os 6 anos, quando um tumor cerebral paralisou e atrofiou seu nervo óptico, a professora poderia ir caminhando até lá, mas prefere não se arriscar. “Acabo pegando um táxi porque sempre há um buraco novo ou um carro estacionado em local proibido. Sem falar nas faixas táteis, que deveriam servir de guias e estão instaladas de forma incorreta”, alerta, chamando atenção para um dos acessórios fundamentais na orientação e mobilidade de deficientes visuais em espaços públicos. Fixados no chão, em alto-relevo, com cores contrastantes e materiais antiderrapantes, os chamados pisos podotáteis auxiliam na identificação de desníveis, obstáculos e outros perigos, além de indicarem o caminho a ser percorrido com segurança. Se na teoria foram feitos para ajudar, na prática têm causado muitos problemas. “Prefiro me guiar pelos muros em certos lugares. Não sei quando posso confiar nos pisos”, conta João Batista Alvarenga, revisor de textos em braile do instituto, onde dá expediente diário, e morador do bairro do Sampaio, na Zona Suburbana.
Antes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, o programa Rotas Turísticas Acessíveis, capitaneado pela Secretaria Municipal de Turismo, a RioTur, instalou 4 000 metros quadrados de faixas táteis nas redondezas de pontos turísticos cariocas com o intuito de beneficiar tanto visitantes quanto moradores da cidade — segundo o IBGE, cerca de 3,1% da população tem algum tipo de deficiência visual. Especialistas afirmam, no entanto, que o serviço foi feito às pressas, o que resultou em uma série de erros. Vizinho do Pão de Açúcar, uma das atrações contempladas, o entorno do IBC ganhou o piso especial, mas alguns trechos se tornaram verdadeiras armadilhas (veja o quadro). Outro ponto crítico é o Boulevard Olímpico, onde a passagem do veículo leve sobre trilhos (VLT) deixa os deficientes visuais ainda mais vulneráveis. Apesar do piso de alerta paralelo ao carril, a grande circulação de pessoas pelo calçadão já danificou alguns pontos. Em outros, o equipamento nem sequer foi instalado. Ainda há casos em que o pavimento especial foi posicionado depois de uma série de obstáculos na via. “Nas áreas abertas, como o Boulevard e a Praça Mauá, costumamos ficar desnorteados porque não existem muros ou guias que podem ser usados como referência”, relata Vitor Alberto, professor de história e geografia do IBC. Procurada, a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente informou que vai vistoriar os locais. embora as recentes obras de mobilidade urbana apontem para uma sociedade mais inclusiva, o caminho, ao que tudo indica, ainda será longo. ß H
FOTOS FELIPE FITTIPALDI
JOGO DOS SETE ERROS
A falta de manutenção é um dos problemas recorrentes
Praça Medalha Milagrosa, Urca
1 Rampas sem guias rebaixadas são um grande risco. A inclinação adequada das abas laterais é essencial também para cadeirantes, principalmente perto de travessias
2 Além de haver obstáculos em cima da faixa, toda a extensão da rota que liga o Rio Sul ao Pão de Açúcar é escorregadia. Em locais abertos, o piso deve ser antiderrapante
Avenida Pasteur, Urca
5 O piso foi posicionado muito próximo ao lancil localizado em frente ao Museu de Ciências da Terra. Qualquer saída mínima da rota pode causar um acidente
Avenida Rodrigues Alves, Centro
3 Em frente ao Armazém 2 do Píer Mauá, um problema comum em vários pontos da cidade: o piso está localizado depois de um obstáculo, o que põe o deficiente visual em risco
6 Uma corrente de ferro que protege o canteiro da Escola de Guerra Naval é o destino final do deficiente que confiar neste trecho
O professor Vitor Alberto: dificuldades perto do trabalho
Praça Mauá, Saúde
4 Sem a reposição das pastilhas, a sinalização de alerta nas faixas do entorno do VLT, que mostram por onde passa o veículo, sofre com a falta de manutenção
Avenida Rio Branco X Avenida Presidente Vargas, Centro
7 Na Estação Parada Candelária do VLT, o piso tátil
é da mesma cor que o restante do pavimento. A sinalização deve contrastar para auxiliar também pessoas com baixa visão