Capítulo I O encontro com a gruta Dias atuais
A
s Highlands da Escócia estavam quente naquela manhã, por ainda estarem na metade do verão. Juliany MacRae, uma linda escocesa de 25 anos, com lindos olhos acinzentados e longos cabelos negros, resolveu sair cedo de Morvich com o seu grupo de visitantes para que aproveitasse melhor o dia quente, algo raro nas Highlands. Ela os levaria para conhecer as cinco montanhas famosas do lugar, conhecidas como as Cinco Irmãs de Kintail. O grupo consistia de 11 pessoas. Metade delas das Lowlands e a outra metade dividida entre: ingleses, irlandeses e galeses. Todos queriam conhecer melhor aquela parte das Highlands. Juliany foi até a pequena hospedaria onde os visitantes tinham passado a noite. Ao chegar ao local a moça ficou surpresa ao ver todos na porta da hospedaria esperando por sua chegada. O grupo estava realmente animado para aquele passeio. Todos conversavam animadamente entre si. Juliany caminhou em direção ao grupo. Não precisaria se apresenta, pois já tinha se apresentado no dia anterior. — Que bom que todos já estão pontos para o nosso passeio pelas Highlands da Escócia. — A guia olhou a
todos com um sorriso no rosto. — Aonde vai nos levar, Srta. Juliany? — perguntou o Sr. Roland, um homem de meia idade que estava acompanhado por uma jovem muito bonita. As alianças em seus dedos não deixava dúvida que eram recém-casados. — Vou levá-los até as montanhas conhecidas como as Cinco Irmãs de Kintail. Já ouviram falar dessas montanhas? — perguntou ao entregar um folheto com o mapa da região para cada um do grupo. Alguns acenaram que sim depois de olhar o folheto. — Srta. Juliany, minha esposa Anne tem um pedido para fazer — avisou o Sr. Roland olhando para sua jovem esposa. — Pode fazer. — A guia incentivou a jovem, que parecia ser alguns anos mais nova que ela. — É que hoje está um dia quente, não muito típico da Escócia — sorriu. — Eu estava pensando se não há algum lugar onde possamos ir para nos refrescar. E também conhecer a história do local. Todos concordaram com Anne. — Tem sim, Anne. Perto de Inverinate tem um lago, não muito grande. Mas tem algo nele que o torna singular nessa região. Anos atrás foi construído um buraco no meio do lago onde suas águas são escoadas para o lago Duich. — Eu já ouvi falar desses buracos artificiais que fazem em alguns lagos. Deixam a paisagem ainda mais bonita — disse um rapaz de longos cabelos pretos que estava acompanhando a avó. Ao olhar para a guia admirou-se com os lindos olhos cinza dela.
— É isso mesmo. Esse buraco artificial foi feito porque quando o lago enchia, por causa das chuvas constantes, inundava as plantações. Agora isso não acontece mais, graças à intervenção do homem. Até chegarmos ao lago é uma boa caminhada, e melhor começarmos. Vamos? O grupo acompanhou a guia pelas densas florestas de Kintail. Horas depois o grupo chegou a Inverinate. Juliany seguiu por uma trilha e o grupo todo parou em frente às ruínas de um castelo. Era o Castelo Inverinate, o antigo lar do clã MacRae. O castelo, que um dia foi belo e imponente nas matas de Inverinate, agora tudo o que restava deste grandioso castelo eram somente algumas paredes e uma parte onde parecia ter sido uma torre. Juliany deixou que o grupo admirasse as ruínas do castelo por um tempo antes de contar a sua história. Cada um tinha um semblante diferente ao olhar para as paredes que sobraram do castelo. Uns olhavam admirados para as paredes, outros com tristeza e tinha os que olhavam com indiferença para as ruínas. — Essas são as ruínas do castelo Inverinate — começou a guia. — Ele foi construído em 1210 por um MacRae que veio de Beauly Firth. Depois de uma disputa violenta que aconteceu entre os MacRae, que viviam em Beauly Firth, e os Fraser de Lovat, três filhos do chefe MacRae partiram para novas terras. Um dos filhos estabeleceu-se em Brahan, perto de Dingwall; outro se estabeleceu em Argyll; e o outro se instalou aqui em Kintail. E construiu esse castelo — terminou olhando para as ruínas do castelo. — E o que aconteceu para que ele ficasse desse jeito? —
perguntou uma senhora de olhos verdes arredondados, olhando intrigada para as ruínas. — O tempo, Sra. Helen. O tempo o deixou em ruínas. Todos olharam intrigados para a guia. — Como assim o tempo? — perguntou o rapaz de longos cabelos negros. — Os MacRae viveram nesse castelo até por volta do século 16. O clã MacRae era muito amigo do clã MacKenzie, que viviam no castelo Eilean Donan, que fica alguns quilômetros daqui. Sempre que os MacKenzie precisavam os MacRae estavam lá para ajudá-los. Quando os MacKenzie se mudaram para a Ilha de Lewis, eles deram o castelo para os MacRae pela ajuda que sempre os prestaram. Isso aconteceu por volta de 1511. O chefe e todo o seu povo foram viver em Dornie. E o castelo Inverinate foi esquecido por séculos pelos MacRae. E com o tempo as pessoas foram pegando as pedras do castelo para construir suas casas, celeiros e muros. E isso foi o que restou. Hoje em dia é proibido pegar as pedras do castelo. Uma das visitantes percorreu o local e disse ao voltar. — O castelo era bem grande! — Como sabe? — perguntou o Sr. Roland. — Eu segui o seu alicerce onde ainda está visível. Por isso consegui ter uma ideia do seu tamanho. — O castelo era realmente muito grande. Tinha dois andares e do lado esquerdo havia uma grande torre que era usada como um posto de observação. Eles tinham uma boa visão de quem chegava por ficar em uma pequena elevação. — E tinha uma muralha? — quis saber a Sra. Megan ao
lado do seu neto de cabelos longos e negros. — Tinha. Uma grande e grossa muralha de pedra. Ela circundava todo o castelo. Mas foi a primeira a desaparecer quando o povo começou a saquear suas pedras. — Que história triste do castelo! Você disse que o outro castelo fica a poucos quilômetros daqui? — quis saber uma jovem ruiva que estava com mais três amigos. — Fica. — Podemos vê-lo? — Iremos ao castelo Eilean Donan amanhã. Alguns reclamaram, pois queriam conhecer naquele dia o castelo que é considerado um dos castelos mais famosos da Escócia. — Vamos continuar a trilha. Vou levar vocês até o lago para poderem se refrescar. O lago não fica longe daqui. — Enquanto eles caminhavam, a linda guia falava um pouco mais sobre o castelo. — A aldeia dos MacRae ficava em torno da muralha. As cabanas ficavam espalhadas pela floresta em volta do castelo. Enquanto caminhava a guia ouviu uma conversa vinda detrás. Parou e virou-se. Ela viu que alguns visitantes tinham parado em frente a uma gruta e estavam olhando para dentro dela. A guia olhou para o seu braço e viu seus pelos todos arrepiados. Aquilo sempre acontecia quando chegava perto daquela gruta. Ela sorriu. A gruta sempre atraia os olhares dos curiosos. Juliany sempre tentava passar direto pela gruta, mas nunca conseguia. Parecia que a gruta queria que soubessem de sua história. — Que gruta é essa? — perguntou Anne.
— Por que ela está cercada? — quis saber a Sra. Megan. — Por que não podemos entrar? — indagou o Sr. Roland, tentando olhar para dentro da gruta atrás da corda que cercava a entrada. Todos começaram a fazer a mesma pergunta que o Sr. Roland quase ao mesmo tempo assim que a guia se aproximou. — Essa gruta está cercada para preservar a história que vive dentro dela. — Que história? — interessou-se pelo o assunto o rapaz de cabelos grandes e negros. — De um fantasma? — perguntou um jovem alto, que estava com a noiva ao seu lado. Ela olhou para o noivo e sorriu. A história do fantasma da gruta a animou. — Desculpe decepcioná-los, mas não tem nenhuma história de fantasma. Ela está cercada para preservar uma linda história de amor que começou dentro dela. E essa história liga essa gruta com o castelo Inverinate. — Eu sabia que o castelo tinha uma história de amor — disse a Sra. Megan sorrindo para o neto. O rapaz abraçou a avó ao ver sua animação. — Nos conte a história, Juliany — pediu o rapaz de forma íntima e muitos concordaram. A guia olhou para a gruta e sentiu um leve vento passar por seu corpo, fazendo com que sua pele se arrepiasse novamente. Era como se a gruta sussurrasse ao seu ouvido pedindo-lhe que contasse sua história. E mais uma vez ela iria atender ao seu pedido. Ela sentou em uma pedra que ficava em frente à gruta e olhou o grupo que ainda estava
em pé olhando para ela. — Eu vou contar. Sentem-se. Aos poucos todos foram arrumando um lugar em frente à gruta e perto da guia. Quando todos estavam em silêncio e olhando para ela, Juliany começou a contar. — Essa história não é só de amor. Mas também de sangue e morte. — Todos arregalaram os olhos com aquele comentário. — É a história de uma lady e de três irmãos. Todos do clã MacRae.
Capítulo II
Preparativos para uma nova vida Escócia, 1345
P
elos corredores silenciosos da Abadia de Santa Margarida, a freira Sloane andava apressadamente. O único barulho que se ouvia era o bater dos seus pés no chão de pedras escuras dos corredores da abadia. A abadia ficava na cidade de Torbemory e sobrevivia com as doações da rainha Joana e do leite de cabra e verduras que as freiras vendiam na cidade. A abadessa tinha pedido que a freira Sloane, uma jovem que tinha chegado à abadia com 15 anos, trazida pelos pais depois de uma promessa para Santa Margarida, que procurasse por sua sobrinha e a levasse até sua sala. Enquanto a freira percorria os corredores, ela se lembrava de como tinha chegado à abadia. Sloane nasceu muito pequena e a parteira deu a triste notícia que ela não sobreviveria por muito tempo, dando lhe apenas alguns dias de vida. Os pais de Sloane, desesperados pela notícia que sua primeira filha não viveria por muito tempo, prometeram à Santa Margarida que se a menina sobrevivesse, quando ela fizesse 15 anos, eles a levariam para a abadia que tinha o seu nome e a menina a serviria
para sempre. A menina sobreviveu e ao chegar aos seus 15 anos, foi levada para a abadia. Naquele ano completaria 10 anos que Sloane tinha sido levada pelos pais para viver na Abadia de Santa Margarida. E ela se sentia muito feliz servindo à santa. Dois anos atrás a freira Doirean, uma senhora de 55 anos, tinha morrido depois de vários anos servindo a Abadessa Beitris como sua ajudante. Dias depois do enterro da bondosa freira Doirean, a abadessa escolheu a freira Sloane para ser a sua ajudante. E agora ela corria pelos corredores da abadia para cumprir uma ordem da abadessa. Encontrar sua sobrinha Kellina. Sloane sabia onde a encontraria. Sentiu o coração pesar com a amargura que o afligia por causa da menina. Ela sabia que Kellina não iria gostar de ouvir o que a tia tinha para lhe contar. Sloane sorriu ao se lembrava do momento que a menina Kellina chegou à Abadia. Kellina tinha apenas 10 anos e olhava para todos com um misto de curiosidade e medo. Mas o medo que sentia não era por elas, mas pelo futuro incerto que tinha pela frente. Quando chegou a abadia, Kellina não sabia por que estava sendo deixada pelos pais com pessoas estranhas. Apesar de a abadessa ser sua tia, ela nunca a tinha visto. Todas se encantaram com a menina de olhos arredondados e com uma cor tão incomum. Rapidamente Kellina conquistou a todas com o seu modo gentil e curioso. E tinha uma linda voz. Pouco depois de chegar à abadia ela já estava cantando com o coral das freiras. Todas gostavam muito de Kellina.
A biblioteca da abadia era o lugar onde Kellina mais gostava de ficar. Ela passava horas dos seus dias lendo os livros sagrados. A Abadessa Beitris a ensinou a ler desde que tinha chegado à abadia seis anos atrás. No começo ela não entendeu por que seus pais a enviaram para viver com sua tia. Assim que chegou à Abadia perguntou para tia por que seus pais a queria longe deles. A tia lhe disse que esse não era o motivo dela ter ido para lá, mas, porque eles queriam protegê-la. Durante muitos anos Kellina se perguntava do que os pais queriam protegê-la. Ela nunca se sentiu ameaçada em casa. Mas depois de alguns anos ela foi se acostumando com a vida na abadia e acabou esquecendo sua curiosidade do começo. A abadessa a ensinou que nem sempre temos as respostas no momento que queremos. O tempo foi passando e Kellina passou a gostar de viver na abadia junto com as freiras. Ela gostava do silêncio que reinava dentro das paredes de pedras brancas. Gostava tanto que no começo sentiu vontade de se tornar uma noiva de Deus quando chegasse o momento, mas sua tia sempre dizia que seu pai nunca deixaria que aquilo acontecesse. Kellina dizia que lutaria para que sua vontade fosse respeitada. Sempre que dizia isso sua tia sorria e dizia que ela tinha uma grande força dentro de si, e que quando o momento chegasse ela iria precisar muito daquela força. Mas com o tempo a menina percebeu que não era aquele tipo de vida que queria. Sua vontade de conhecer o mundo fora daquelas paredes aumentava a cada dia. Os anos foram passando e ela sentia que seu lugar não era na
abadia. Era como se uma parte dela estivesse em outro lugar e que precisasse ir ao encontro dessa outra parte para se sentir inteira. Pouco tempo depois de chegar à Abadia, Kellina soube que a abadessa sabia ler, escrever e sabia como usar os números. Kellina nunca tinha conhecido uma mulher que sabia ler. Aquilo fez com que ela admirasse ainda mais a tia. Pouco depois ela pediu que a tia a ensinasse o que sabia, mas ela negou, dizendo que era perigoso para uma mulher saber a ler. Kellina não entendia como aprender a ler podia ser um perigo para ela. Depois de muito insistir a abadessa atendeu ao pedido da sobrinha. Kellina ficou fascinada quando começou a entender o que estava nos livros. E também aprendeu a como usar os números e começou a ajudar a abadessa com as contas da abadia. Kellina aprendia cada dia mais. Kellina levantou os olhos do livro que estava lendo ao ver a porta se abrir e a freira Sloane entrar. — Eu sabia que encontraria você aqui, Kellina — colocou uma das mãos na cintura e bateu um dos pés. — Por que está me procurando, irmã Sloane? — A abadessa quer vê-la em sua sala. — Eu já vou — voltou a olhar para o livro em suas mãos. — Agora — disse sílaba por sílaba. Kellina suspirou forte. Não gostava de se separar de sua leitura, a não ser por vontade própria. Fechou o livro e o colocou de volta em seu lugar em uma grande estante. — Podemos ir — disse ao se aproximar da irmã Sloane.
Quando chegaram à porta da sala da abadessa, a irmã Sloane mandou que ela entrasse. A abadessa já a estava esperando. — Mandou me chamar, tia? — perguntou ainda na porta. — Entre e sente-se, Kellina. Kellina percebeu que a tia estava ainda mais séria do que o habitual. Aquilo a deixou intrigada. — Aconteceu algo, tia? — Aconteceu, Kellina. — Aconteceu algo com meu pai? Kellina levantou-se da cadeira e encarou a mulher a sua frente com um semblante desesperado. Ela se lembrou do dia que recebeu a notícia da morte de sua mãe, dois anos atrás. Ela ainda teve que suportar a dor de não poder ir ao enterro da mãe. Foi nesse dia que sua tia lhe contou porque seus pais a enviaram para a abadia. Por seu pai não ter um filho homem, suas terras seriam herdadas por seu marido, e muitos lordes de Argyll queriam aquelas terras. Seus pais ficaram com medo que um deles raptasse-a e forçasse um casamento para poder ficar com as terras quando seu pai morresse. Por isso eles a protegeu sobre as muralhas da abadia, onde eles não poderiam raptá-la. A não ser que eles quisessem atrair a fúria do rei David atacando uma das casas de Deus. E ela ainda corria esse perigo. Ao saber disso Kellina conseguiu suportar a dor pela morte da mãe e por não poder estar em seu enterro. Agora ela temia que novamente fosse sentir a mesma dor que sentiu quando sua mãe morreu.
— Acalme-se, Kellina. Sente-se — pediu a Abadessa ao ver o sofrimento nos olhos da sobrinha. Ela adivinhou o que poderia estar passando por sua cabeça. — Não aconteceu nada com o seu pai. Ao ouvir que o problema não era com o seu pai, Kellina voltou a sentar. — Seu pai mandou uma escolta para levá-la para casa. Kellina se levantou novamente. — Por quê? — Em sua mensagem ele disse que você irá se casar. — Casar? Mas ainda sou muito nova, tia. — Sabe que não é mais nenhuma menina, Kellina. Já tem 16 anos. A idade com que sua mãe se casou com meu irmão. Está mais do que no momento de se casar. — Eu não estou preparada — afastou-se da mesa. — Não se preocupe. Não se casará imediatamente. Você irá para casa do seu pai e terá um ano para aprender como ser uma boa esposa e como cuidar da casa e dos filhos. — Mas eu não quero me casar, tia — disse emburrada. — Você terá um ano para se acostumar com a ideia. Dois dias depois tudo estava pronto para a partida da abadia. Todas as feiras estavam tristes pois gostavam muito de Kellina. Desde pequena Kellina sabia com conquistar a todos. Ela se despediu de cada uma com um demorado abraço. — Escute bem o que vou lhe dizer, Kellina. — disse a tia quando chegou a sua vez. — Não conte a ninguém que sabe ler, escrever e como usar os números. — Por quê?
— Porque os homens não gostam de se sentir inferiores a suas esposas. — Está bem, tia. Esse será o meu segredo. — Cuide-se, Kellina. — Vou me cuidar, tia. Dois dias depois Kellina chegou a Kilmartin, uma cidade que ficava no centro de Argyll. O pai estava acamado, pois estava muito doente. Fazia dois anos que Kellina não via o pai. Depois da morte de sua mãe seu pai parou de visitá-la. Foi somente uma vez, pouco depois do enterro da mãe, e nunca mais voltou. — Pai? O homem magro e acabado pela doença levantou um pouco a cabeça e olhou para a filha, que estava parada perto da porta de seu quarto. Aquele homem deitado na cama nada lembrava o pai que a tinha visitado dois anos atrás. Seu pai sempre foi corpulento, com uma voz grossa que dava medo até mesmo ao homem mais corajoso. Mas agora ele estava magro, seu rosto era somente pele e osso, como seu corpo. E seu olhar perdeu a ferocidade com que ele sempre olhava a todos. Menos para sua mãe. — Kellina, minha filha. Como você cresceu! É uma mulher agora. Kellina sentiu o corpo estremecer ao ouvir a voz baixa e mansa do pai. E pela primeira vez, desde que entrou naquele quarto, ela sentiu pena do estado do homem que amava tanto. Durante os dois dia de viagem, Kellina decidiu que ao chegar em casa imploraria ao pai que não a casasse. Mas ao
vê-lo tão debilitado em cima daquela cama, não teve coragem para lhe dizer que não queria se casar. Não queria aborrecê-lo e piorar o seu estado de saúde. — É bom vê-lo, pai. Ela estava feliz por ver o pai, mas não estava feliz por vê-lo naquele estado. — Você lembra tanto sua mãe. — Kellina sentiu dor naquelas palavras. Viu o pai desviar o olhar como se olhar para ela fosse doloroso demais. — Desculpe por não ter ido mais visitar você. Mas vê-la me fazia lembrar a sua mãe. Isso me doía demais. — Criou coragem e voltou a olhar para a filha. -- Sabe por que está aqui? Sua tia lhe contou algo? — Me contou que tenho que me casar. — Sim. Vou casá-la com um dos filhos do velho chefe Duncan MacRae. Na verdade ele não é mais o chefe. Ele passou o comando do clã para seu filho mais velho. Mas o velho Duncan ainda tem muita influência nas decisões do clã. Não vou durar muito tempo, Kellina. Tenho que deixála com alguém que cuide de você e das nossas terras. — Kellina ouviu tudo em silêncio. — Mas não se casará agora. — Minha tia disse que me casarei daqui a um ano. — Isso mesmo. Você passou sua vida toda no meio daquelas freiras. Com certeza não aprendeu nada com elas. Tem que aprender como cuidar de uma casa, marido e filhos. Como sua mãe está morta, a Sra. Mearya cuidará disso. Você terá um ano para aprender. Não quero que o velho Duncan devolva você porque não sabe fazer nada. Agora vá. Procure a Sra. Mearya e comece a aprender tudo
com ela. — Não vou decepcionar o senhor, pai. — É o que eu espero de você, Kellina. Kellina fez uma mesura e saiu do quarto. Depois de estar bem instalada em sua própria casa, a Sra. Mearya, que passou a cuidar da casa depois da morte de sua mãe, começou a ensiná-la como cuidar de uma casa e como se comportar na presença do marido e da família dele. Durante a noite ela ia até a biblioteca e lia os poucos livros que tinha. Ela não conseguia ficar longe dos livros por muito tempo. Mas decidiu que ninguém saberia sobre o seu segredo. Nem mesmo o seu pai.
Capítulo III
A troca das noivas Um ano depois
N
o pátio do castelo Inverinate, três guerreiros estavam com suas espadas Claymore nas mãos e olhavam um para o outro no meio de um círculo de pessoas. De repente os três gritaram com fúria e começaram a se atacar. Suas espadas se chocavam constantemente uma contra a outra. Os três homens lutavam com força e garra. A força dos três guerreiros se equivalia. Era impossível dizer qual deles sairia daquele duelo como vencedor. A luta continuava voraz e constante. Nem um dos três dava trégua para o oponente. Em volta deles homens e mulheres observavam a luta admirados e apreensivos pelo seu final. Os três highlanders que lutavam eram os irmãos MacRae, filhos do velho Duncan, ex-chefe do clã MacRae de Inverinate. Lorde Gillean MacRae era o mais velho dos três irmãos, tinha 25 anos. Era o chefe do clã MacRae. Os três irmãos eram muito parecidos fisicamente. Os três eram fortes, altos e bonitos. Tinham herdado os olhos verdes claros do pai. Mas tinha uma diferença entre eles, os cabelos. Gillean tinha longos cabelos negros e lisos. O
irmão do meio era Sir Cailean, que tinha 23 anos, o filho preferido do velho Duncan. O velho nunca conseguia dizer não para o filho preferido. Cailean tinha os cabelos bem curtinhos e negros como a do irmão mais velho. O caçula era Sir Uillean, tinha 20 anos e era o queridinho dos dois irmãos. Por ele não ter o amor do pai, os irmãos sempre o protegia e lhe davam o carinho que não tinha do pai. Uillean tinha os cabelos dourados da cor do sol, que iam abaixo dos ombros, a cor dos seus cabelos foi herdado do pai, os irmão herdaram os cabelos negros da mãe. Desde criança os três lutavam juntos e conheciam muito bem os golpes um do outro. Aquela luta estava longe de terminar. Ao chegar à porta do castelo, o velho Duncan viu a agitação que estava no pátio. Cada vez chegava mais pessoas e se espremiam para ver o que estava acontecendo. O velho sabia que só havia um motivo para toda aquela agitação. Seus filhos estavam lutando. Amparado por Kenia, a jovem criada de longos cabelos castanhos e de olhar meigo que o ajudava a se movimentar pelo castelo, desceu os cinco degraus e depois de alguns passos, os dois chegaram até a roda de homens e mulheres que estavam assistindo a luta. Kenia pedia que dessem passagem, e ao ver quem era, as pessoas rapidamente se afastavam. Logo os dois chegaram ao limite da roda. O velho Duncan olhou orgulhoso para os três filhos. Três guerreiros das Terras Altas. Seus Highlanders. — Acabou o treino — gritou o homem idoso para ser ouvido a cima do som das espadas.
Ao ouvir a voz do pai, os três homens pararam suas espadas ao mesmo tempo e as cruzaram no meio do círculo. E assim terminou mais uma luta entre eles. Empatada. — O que quer, pai? — perguntou Gillean ao colocar sua espada em sua bainha. Ele sabia que deveria ser algo importante. Desde que ficou doente e quase não conseguia andar que o pai não saía do castelo. Ele não gostava que seu povo visse o quanto ele estava fraco e debilitado. Dois anos atrás seu pai caiu no chão do grande salão e ficou desacordado por vários dias. Ninguém sabia o que ele tinha. Quando acordou não conseguia falar e nem andar. Mas com o tempo sua voz voltou, mas suas pernas não conseguiam mais sustentá-lo como antes. Ele se sentia cansado e não conseguia mais acompanhar o que acontecia no clã. Por isso decidiu deixar o comando do clã e nomeou Gillean como o novo chefe. Algo que aconteceria assim que morresse. Ele só adiantou as coisas. Mas, mesmo não sendo mais o chefe, o velho Duncan ainda atuava como um. Sua palavra era sempre a última a ser dada e respeitada. Gillean sabia que só seria o chefe realmente quando o pai morresse. E ele não tinha nenhuma pressa. Amava o pai. — Venham a minha sala. Eu quero falar com os três. — Já estamos indo, pai — avisou Gillean. O velho Duncan se virou e caminhou em direção ao castelo com a ajuda de Kenia. A multidão, que antes assistia a luta dos três guerreiros, tinha desaparecido assim que o velho Duncan parou a luta.
Agora só tinha os três irmãos no meio do pátio. Eles podiam ter acompanhado o pai até a sala, mas sabiam que teriam que andar devagar para acompanhar os lentos passos do velho Duncan, e eles sabiam que o pai odiava que isso acontecesse, ou eles podiam ultrapassar o pai e esperá-lo na sala, mas eles jamais andariam na frente do seu chefe. Por isso eles preferiram esperar que o pai se afastasse. Pouco depois o velho Duncan e Kenia entraram no castelo. Eles ainda esperaram um pouco mais para que desse tempo do pai chegar até a sala. — Vamos — ordenou Gillean ao olhar para os dois irmãos. Em poucos passos os três chegaram à porta do castelo e entraram. A sala do chefe ficava ao lado do grande salão. Quando eles entraram na sala o pai estava sentando em sua cadeira com a ajuda de Kenia. — Pode sair, Kenia. A criada acenou e saiu em silêncio. — Acabei de receber uma mensagem do castelo Eilean Donan. Padre Desmond já leu a mensagem para mim. Os MacKenzie precisam da nossa ajuda. — E dessa vez é para quê? — perguntou Cailean não gostando da novidade. Não gostava de bancar a babá dos MacKenzie. — Eu quero respeito pelos MacKenzie, Cailean. Quando chegamos a Kintail eles nos receberam de bom grado e nos deram essa terra para vivermos. É mais do que justo que os ajudemos quando precisam. Somos amigos e aliados. E em breve o casamento de um de vocês dois, unirá ainda mais
os dois clãs. — Está certo, pai. Desculpe. — Cailean aceitou a reprimenda do pai e sentou na cadeira em frente à mesa. — Eu não sei por que eles precisam da nossa ajuda dessa vez. Não disseram nada na mensagem. Mas acredito que seja algo com os MacDonald. — Sempre é — resmungou Cailean novamente, e por isso recebeu um olhar de reprimenda do pai. — Eu vou preparar os meus homens e partiremos em seguida — avisou Gillean. — Não! — disse o velho Duncan antes que Gillean se virasse. — Você vai ficar no castelo. Seus dois irmãos irão com os seus homens. Cailean ficou de pé em um salto e os três homens que estavam perto da mesa do chefe olharam-se surpresos. Quando tinha alguma missão fora do clã, Gillean sempre ia com os seus homens e levava um dos irmãos. Geralmente Cailean. — Por que isso, pai? — perguntou Gillean, não entendo a atitude do pai. — Será que o senhor esqueceu que nossas noivas chegarão amanhã? — lembrou Cailean ao olhar para Uillean, que ficou calado durante toda a conversa. — Eu sei. Não me esqueci. Eu e Gillean receberemos suas noivas enquanto vocês estiverem fora. Façam o que tiverem que fazer em Dornie e voltem para os casamentos. Agora vão. Os três saíram juntos da sala. Ao chegarem em frente ao grande salão, Cailean parou e olhou para os irmãos.
— Vão na frente. Eu preciso falar algo com o nosso pai. — Não vai demorar, Cailean — pediu Gillean. — Será bem rápido — disse já se afastando dos dois. O velho Duncan tomou um sustou ao ver Cailean entrar sem bater na porta. — O que você quer? Nada vai mudar minha decisão, Cailean. Você e Uillean vão para Dornie e Gillean vai ficar. — Não vim por isso. Quero fazer uma pergunta, pai — aproximou-se da mesa e apoiou as duas mãos nela. — Pergunte logo — olhou desconfiado para o filho. — Quero saber como é a minha noiva. O velho Duncan sorriu. Ele achou que demorou muito para aquela pergunta. Um ano atrás ele anunciou que os dois filhos se casariam para que o clã conseguisse homens e terras. Ele conseguiria homens através do casamento de Uillean e terras através do casamento de Cailean. No começo os dois esbravejaram porque não queriam se casar com mulheres que nem conheciam. Mas com o tempo se conformaram. O pai estava doente e eles não queriam agravar ainda mais o estado do pai. E depois mais nada foi dito sobre o casamento ou sobre as noivas. — Deixe de ser ansioso, rapaz. Vai saber como ela é quando voltar de Dornie. — Por favor, pai. Quero saber agora. — Está bem. Sua noiva se chama Kellina. Tem 17 anos. Viveu durante muito temo na Abadia de Santa Margarida... — Ela viveu em um convento, pai? — pergunto ao interromper o pai. — Passou seis anos na Abadia. Mas Malcolm me
mandou uma mensagem afirmando que sua filha saberá como se comportar como esposa. Ele disse que ela será uma boa esposa para você. — Eu não a quero, pai — disse decidido, o que deixou o velho Duncan surpreso. — Como assim não a quer? Está louco! Nesse momento ela já deve ter saído de Kilmartin em Argyll. — Como é a noiva do meu irmão? — O que está tramando, Cailean? — Responda, pai. — O nome dela é Mhairi. Também tem 17 anos. Ela viveu alguns anos na corte... — Eu a quero, pai. — Mas por quê? — Eu não quero uma esposa que vai passar o tempo toda rezando. Que quando eu estiver no meio das pernas dela vai chorar e rezar. Por favor, pai! Troque as noivas. Uillean nem vai se importar se souber. — Eu não posso, filho. As esposas já estão destinadas para cada um. Cailean se aproximou do pai e se abaixou. — Por favor, pai. Eu sou ou não sou o seu filho favorito? O velho Duncan passou a mão enrugada pelo tempo no rosto do filho preferido. — Você sabe que é. — Então trocará as noivas — ficou de pé e se afastou. — Me dará a que tem experiência na corte e dará a santinha para o meu irmão.
— Está bem — disse, se sentindo vencido pelo filho. — O que eu não faço por você, Cailean. — Você faz tudo por mim — disse sorrindo. — Isso porque eu sou o seu filho preferido. Agora eu vou até os meus irmãos. Pouco depois Uillean e Cailean estavam na estrada que os levariam até Dornie. Estavam levando com eles 35 guerreiros MacRae. Todos montados a cavalo e que cavalgavam atrás deles. — O que está pensando, Uillean? — Em nada — respondeu olhando pensativo para frente. — Mentira. Deve estar pensando em sua noiva. — E você não está? — olhou para o irmão. — Estou — confessou. — Penso no momento que estarei no meio das suas pernas, fazendo-a minha mulher. Quero colocar um filho dentro dela já na primeira vez. — Para que um filho assim tão rápido? Você já tem dois. — Dois bastardos. Os meus filhos com minha esposa poderão se tornar chefes do clã algum dia. — Não diga isso, Cailean — repreendeu o irmão. — Você sabe que estou certo. Gillean está casado a mais de um ano e nada de filhos. E todos nós sabemos que Ashlin não foi a primeira mulher dele. Nada de filhos com as outras também. — Ele pode ter evitado. Não queria ter filhos bastados para brigarem com os filhos legítimos pela chefia do clã. Eles ainda podem ter filhos. — Podem nada. Nem dormem mais juntos. Tem tempos que Gillean não procura por Ashlin.
— E como sabe disso? — perguntou Uillean desconfiado. — Tenho os meus informantes. — Você quer dizer as criadas com quem se deita. — Não importa como consigo as minhas informações. O que eu sei é que o nosso irmão é inútil para isso. E você também ainda não tem filhos. Também está evitando filhos bastardos? — sorriu. — Sei como evitá-los. Não quero bastardos antes de ter filhos com minha esposa. — Está certo, irmão. Se eu pudesse me livraria dos meus. Quando me tornar chefe do clã vou mandá-los para bem longe. Não os quero ameaçando os meus filhos. — Eles também são seus filhos. — Bastardos, são o que eles são. Não quero mais falar sobre isso. Agora me conte uma coisa. Ainda continua sonhando com a mulher misteriosa de olhos cinza? — perguntou ao revirar os olhos. — Não devia ter contado para você sobre os meus sonhos. — Desculpe, Uillean. Sei que isso é importante para você. Mas continua ou não? — Todas as noites. Aqueles olhos me fascinam. Eu vejo um brilho de uma promessa naqueles olhos. — Uma promessa? — Sim. Quando ela olha para mim, eu vejo em seus olhos a promessa de que um dia ela ainda me fará muito feliz. — É estranho sonhar com uma mulher por quase toda sua vida e saber que jamais a terá.
— Eu sonho com ela desde que era um menino. Ela também era uma menina quando comecei a sonhar com ela. Nos dois crescemos juntos. Os olhos cinza dela me fascinaram desde a primeira vez. — Acredita que ainda vai continuar sonhando com ela depois que se casar? Isso é traição, irmão — lembrou-o sorrindo. Ele sabia que o irmão levava a sério o mandamento de ser fiel à esposa. — É só um sonho, Cailean. Algum dia eu vou parar de sonhar com essa mulher misteriosa. — Eu espero que quando ela deixar os seus sonhos, ela venha para os meus. Eu vou mostrar a ela o que é visitar o sonho de um homem de verdade. Uillean olhou para o irmão e balançou a cabeça. Cailean nunca levava nada a sério. Nunca pensava antes de agir e por isso estava sempre se metendo em confusões. Ele estava muito ansioso para conhecer sua futura esposa. Esperava que sua ida até o castelo Eilean Donan não fosse algo demorado. Queria voltar para Inverinate e conhecer sua futura esposa e mãe dos seus filhos. Uillean sabia que desejar outra mulher estando casado, e mesmo que fosse em sonho, era uma traição. Mas, por mais que soubesse que era errado, ele não queria deixar de sonhar com a moça de cabelos negros e olhos cinza. Ela já fazia parte da sua vida e ele não sabia se conseguiria deixá-la partir.
Capítulo IV
Chegada ao Castelo Inverinate
D
epois de cinco dias sacolejando dentro da carruagem pelas florestas verdejantes das Highlands, Kellina avistou ao longe a muralha do castelo Inverinate. Ela colocou a cabeça para fora da carruagem e sorriu. Fechou os olhos e pediu a Deus que sua vida fosse tão boa naquele castelo como tinha sido na Abadia de Santa Margarida. Ela voltou a sentar no banco da carruagem e se preparou para conhecer o futuro marido e sua família. Seu coração disparava dentro do peito pela ansiedade da chegada do momento que conheceria o homem com quem sonhou durou todas as noites naquele último ano. Em seus sonhos ela nunca conseguia vê-lo nitidamente, mas sentia um carinho muito especial por ele. Kellina sabia que seu coração o reconheceria assim o visse. Durante o último ano que passou na casa do pai se preparando para a vida de casada, Kellina soube através dele algumas coisas sobre o futuro marido. Soube que ele não tinha mãe, e que seu pai estava tão velho que passou o comando do clã para o filho mais velho, que era casado há mais de um ano, mas que ainda não tinha filhos. Ela sabia que ia se casar com um dos dois filhos do velho Duncan, mas ainda não sabia o seu nome. Seu pai esteve tão doente
naquele ano que ela não quis incomodá-lo com suas curiosidades. O pouco que sabia foi o que ele lhe contou durante as poucas visitas que ela fez a seu quarto. A carruagem passou pela rua principal da aldeia que ficava em frente à muralha do castelo. Kellina viu as pessoas tentando ver quem estava dentro da carruagem, mas nada viam por causa da cortina que tinha na janela. Depois a carruagem passou pelo largo portão da muralha e seguiu em direção ao castelo. A carruagem atravessou uma pequena ponte no formato de arco por onde passava um pequeno córrego. Enquanto passava pela ponte, Kellina acompanhou as águas e viu que elas passavam por uma abertura na muralha que era fechada por grades. Depois que a carruagem passou pela ponte, Kellina voltou sua atenção para o castelo. Era um castelo muito grande, feito com pequenos tijolos cinza escuro. Tinha dois andares e poucas janelas. Do lado esquerdo tinha uma torre de três andares. O castelo era simples, mas muito grande. Kellina estava nervosa com aquele encontro. Em breve estaria em frente ao homem que seria o seu marido. Nos últimos dias o pai tinha tido uma pequena melhora, mas ainda se sentia fraco para uma viagem tão longa como aquela. Por isso Kellina teve que fazer a viagem sozinha até o castelo. Pouco depois de passar pela ponte a carruagem parou em frente a grande porta do castelo. Havia três pessoas esperando por ela. Um deles era um senhor de cabelos e barba branca, tão branca quanto a neve do inverno. Ele segurava o braço de uma mulher que estava no meio dos
dois homens. Ela era pequena e magra, sua cintura era tão fina que apenas um braço a rodearia por completo. Tinha um semblante triste, o que deixou Kellina intrigada. A mulher olhou o tempo todo para o chão. Ao seu lado direito estava um homem alto, moreno e de longos cabelos negros. Tinha um olhar sério, mas tranquilo. Ao olhar para o homem de cabelos escuros, Kellina sentiu uma amargura apertar seu coração. Se aquele homem era o seu futuro marido, então algo estava muito errado. Depois de alguns dias de ter chegado à casa do pai, Kellina acabou se conformando com o casamento. E então começou a pensar em seu futuro marido, imaginar como ele seria. E quanto mais se aproximava o momento de ir ao encontro do futuro marido, mais ansiosa ficava com a chegada do momento em que conheceria o homem por quem já estava apaixonada, mesmo sem nunca tê-lo visto. Ela sabia que quando o visse pela primeira vez seu coração o reconheceria. Mas não foi o que aconteceu ao olhar para o homem que a esperava ao lado da mulher e do homem velho, que ela sabia ser o velho Duncan, o ex-chefe do clã MacRae. Kellina desceu da carruagem com ajuda do cocheiro. Ela se aproximou e ficou de frente para os três. — Você é ainda mais bonita do que seu pai descreveu em sua mensagem um ano atrás. — Obrigada, lorde Duncan — fez uma pequena mesura de forma respeitosa em direção ao homem velho. — Pode me chamar apenas de Duncan, já que em breve será minha filha. E como está lorde Malcolm?
— Se recuperando, Sr. Duncan. Meu pai prometeu fazer de tudo para estar presente em meu casamento. Pediu que o senhor enviasse uma mensagem avisando sobre a data do casamento. — Eu enviarei. Esse é o meu filho Gillean e sua esposa Ashlin. Ao ouvir que o homem de longos cabelos negros era casado com a mulher a sua frente, o coração de Kellina voltou a bater acelerado e já não havia mais amargura em seu peito. Disse a si mesma que se ele já era casado, então não podia ser o seu futuro marido. — Seja bem-vinda ao castelo Inverinate, lady Kellina. Sinta-se como se estivesse em sua casa. — Obrigada, lorde Gillean. — Seja bem-vinda, lady Kellina — disse a mulher ainda olhando para o chão. — Obrigada, lady Ashlin. — Agora vamos entrar. Minha nora depois mostrará o quarto que ficará até o casamento com o meu filho Uillean. Kellina sentiu o coração em euforia ao ouvir o nome do futuro marido. Uillean. O nome do homem a quem estava destinada a amar até o último momento de sua vida. Enquanto caminhava ao lado do cunhado, atrás do velho Duncan e de Ashlin, Kellina percebeu que o homem andava amparado pela mulher. E seu passo era lento. Ela olhou para o homem ao seu lado e esboçou um leve sorriso quando ele olhou para ela. Sentiu ternura pelo futuro cunhado. Seu gesto de respeito ao pai a
surpreendeu. Apesar de ser o chefe, ele não passou na frente do pai. Isso mostrava que ele ainda via o pai como o seu chefe. Isso também mostrava que o futuro cunhado tinha um bom coração. Assim que viu Gillean parado em frente ao castelo, Kellina se sentiu decepcionada ao pensar que ele podia ser o seu futuro marido e que seu coração não tinha batido acelerado e o reconhecido como imaginou que aconteceria. Mas agora se sentia mais calma. Ela não sentiu o coração disparar porque ele não era o seu pretendente. Ela esperava que quando conhecesse Uillean seu coração o reconhecesse como o seu grande amor. Ao chegarem ao grande salão do castelo, Kellina viu o quanto ele era espaçoso e vazio por dentro. Ashlin deixou o velho Duncan sentando em uma poltrona feita especialmente para ele em frente a grande lareira e se aproximou da futura cunhada. — Venha, lady Kellina. Vou levá-la até o seu quarto para que possa descansar. Os dois homens ficaram olhando para as duas mulheres que caminhavam em direção as escadas que as levaria para o segundo andar do castelo. — Me sirva um copo de hidromel, Gillean — pediu o velho Duncan ao esticar as mãos para aquecê-las na lareira. — O que achou da sua futura cunhada? Gillean olhou para o pai enquanto enchia duas canecas de hidromel feito pelos MacRae. — Ela é muito bonita. Tem os olhos mais lindos que já vi em toda minha vida — entregou a caneca para o pai. —
Mas o senhor disse um ano atrás aos anciões que a filha de Lorde Malcolm era para Cailean. — Eu mudei de ideia. — Por quê? Gillean pegou uma cadeira e colocou ao lado do pai. — Seu irmão Cailean pediu que eu trocasse as noivas. Que desse Kellina para Uillean. — E por qual motivo ele decidiu pela troca? — Ele queria saber um pouco sobre sua futura esposa. Eu lhe contei que ela tinha passado alguns anos em um convento. — E a filha de Lorde Peterson? — Passou alguns anos na corte do rei David. Gillean balançou a cabeça não concordando com a atitude do pai. — Tem que parar de fazer tudo o que Cailean pede, pai — levantou-se e foi para perto do fogo. — Se continuar fazendo todas suas vontades, Cailean nunca se tornará um homem de verdade. Estará sempre criando confusão porque sabe que o senhor sempre o protegerá. — Ele vai mudar depois que se casar. Você vai ver. — Eu espero que a filha de Lorde Peterson seja ainda mais bonita que Lady Kellina. — Não acredito que isso possa acontecer — olhou para o filho mais velho e sorriu. — Cailean ficará muito desapontado se isso não acontecer. E não poderá mais destrocar as noivas. O senhor já disse o nome de Uillean para Lady Kellina. E amanhã chegará Lorde Peterson e sua filha e o senhor terá que dizer
o nome do noivo para eles. Eu tenho que resolver alguns problemas com os anciãos. Ficará bem se ficar sozinho? — O velho acenou que sim. Gillean foi até a mesa de bebidas e deixou a caneca. — Gillean — chamou-o, antes que ele se afastasse. — Não diga nada para Uillean. Ele não precisa saber da troca. — Não direi, pai. Fique tranquilo. Eu espero que um dia o senhor olhe para Uillean com o mesmo carinho com que olha para Cailean. Ele não teve culpa do que aconteceu, pai. — Vá resolver o seu problema e me deixe sozinho — disse aborrecido. Gillean olhou sério para o pai e voltou a caminhar em direção à porta do castelo. Ele nunca concordou com o tratamento que o pai dava ao filho caçula. Uillean não podia ser culpado por uma fatalidade da vida. Mas o velho Duncan não pensava como ele e tratava o filho caçula de forma rude, negando-lhe o carinho de pai, transferindo todo esse carinho para o filho do meio. Gillean nunca se importou com a falta de carinho do pai. Ele sempre lhe dizia que o que ele podia lhe dar era o ensinamento para que fosse um bom chefe. Seu pai o criava para ser o próximo chefe do clã MacRae, e durantes esses ensinamentos não havia espaço para momentos de carinho. Ele não podia ser mimado pelo pai como Cailean era, e nem evitado como Uillean. Um dia ele seria o chefe e seu pai tinha a obrigação de lhe passar toda a sua sabedoria. E foi com esse tratamento que Gillean cresceu. Estava sempre ao lado do pai, eram amigos, mas com certo
distanciamento. Ele gostava muito dos dois irmãos e não gostava da forma como o pai os tratava. Mimando um e o tornando cada vez mais irresponsável, e distante do outro e fazendo com que ele se fechasse para o mundo. Gillean quase não via Uillean sorrir. Ele esperava que Kellina trouxesse um pouco de alegria para a vida do irmão. No segundo andar do castelo, Kellina entrou no quarto e viu que ele já estava preparado para sua chegada. — Tem uma bacia com água em cima da mesa — disse Ashlin e olhou para uma mesa no canto do quarto. — Poderá se lavar e tirar a poeira da estrada. Antes do jantar mandarei uma criada para ajudá-la a se preparar. — Obrigada, lady Ashlin. E a outra noiva já chegou? — A filha de lorde Peterson chegará amanhã. — E onde está o meu futuro marido? Pensei que fosse conhecê-lo assim que chegasse ao castelo. — Uillean e Cailean foram até o castelo Eilean Donan para ajudar os MacKenzie. Chegarão daqui alguns dias. Vou deixá-la agora. — Obrigada novamente, lady Ashlin. A mulher esboçou um pequeno sorriso e acenou com a cabeça. Depois se virou e saiu do quarto. Kellina viu nos olhos azuis de Ashlin uma nuvem cinza de grande tristeza. Ela não conseguia entender por que aquela mulher sofria tanto. Vivia em um lindo castelo e estava bem protegida. Tinha um lindo marido e parecia ser querida pelo velho Duncan, que se referiu a ela com carinho quando a apresentou como sua nora. Kellina esperava que com o tempo descobrisse por que aquela
nuvem de tristeza pairava sob os lindos olhos azuis de lady Ashlin. Kellina parou de pensar na cunhada e olhou para o quarto que daquele dia em diante seria seu para sempre. Era um quarto simples, com poucos móveis. Tinha uma penteadeira velha e próxima a ela uma mesa com dois bancos. Olhou para trás e viu a janela. A madeira estava velha e havia algumas brechas por onde o vento entrava, tornando assim o quarto ainda mais frio. Agradeceu pela Sra. Mearya ter insistido que ela levasse a grossa cortina do seu quarto. Ela pediria que uma criada a ajudasse a colocála na janela. Assim o quarto não ficaria tão frio. Ela virouse novamente e olhou para a cama no meio do quarto. Com certeza seria ali que seu marido a faria mulher. Ao pensar nisso colocou as mãos nas bochechas e as sentiu quente. Sua respiração acelerou ao lembrar-se de tudo o que suas criadas disseram que seu marido faria com ela na cama. Apesar de envergonhada, Kellina sorriu.
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