Lado N

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Lado N

A VOZ DAQUELES QUE Nテグ DESCANSAM ENQUANTO A MAIORIA DORME


A cidade de Bauru é conhecida pela movimentação de estudantes universitários, responsáveis pela agitação noturna e pelas atividades realizadas por seus habitantes à luz do dia. Mas, quando o sol se põe, tudo continua funcionando sob a luz do luar. O Lado N pretende apresentar a dinâmica noturna da maior cidade do centro-oeste paulista, exibindo uma nova perspectiva, distante das festas e badalações e próxima da realidade que alveja grande parte da população. Profissões que não encerram o expediente após o horário comercial, serviços públicos que atuam na escuridão para ordenar o caos diário e grandes histórias encenadas logo após o crepúsculo, são abordados pelo suplemento Lado N. Nesta edição, você confere detalhes que passam despercebidos aos nossos olhos e personagens que habitam os cantos mais obscuros e ali fazem histórias. As reportagens são ainda guiadas pelas poéticas visuais capturadas pelas lentes da fotógrafa. Lado N é a luz que tremula sobre a noite bauruense, iluminando histórias que são construídas em silêncio para não acordar aqueles que fecham os olhos ao cair do sol.

Lado N Editorial

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Ana Raquel Mangili Reportagem

Érika Turci Reportagem Fotografia

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Transporte Segurança Dossiê Sociedade Saúde

Marcos Cardinalli Reportagem Diagramação

E X P E D I E N T E Paula Nishi Reportagem Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Dr. Julio Cezar Durigan Vice-reitora: Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge Departamento de Comunicação Social Chefe: Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier Vice-chefe: Dr. Angelo Sottovia Aranha

Curso de Jornalismo Coordenador: Dr. Francisco Rolfsen Belda Vice-coordenadora: Dra. Suely Maciel

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Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC Diretor: Dr. Nilson Ghirardello Vice-diretor: Dr. Marcelo Carbone Carneiro

Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Dr. Francisco Rolfsen Belda Jornalismo Impresso II Professor: Angelo Sottovia Aranha

Tamiris Volcean Reportagem Fotografia


Foto: Tamiris Volcean

“Eu tenho 2 filhos pequenos e minha esposa não gosta que eu trabalhe à noite, mas é preciso. Taxista não ganha muito, mas a bandeira dois ajuda” (Moisés Meira)

Para muitos taxistas, a rotina noturna é marcada pelo medo da violência e da criminalidade

A rotina dos taxistas bandeira dois – seus medos, aprendizados e histórias que se mantêm acordadas mesmo depois do pôr do sol Por Tamiris Volcean

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sol se põe, mas o transporte não pode parar. A rotina dos taxistas de Bauru demonstra que o período noturno é tão agitado quanto qualquer outro. São mais de 10 corridas para cada carro parado no ponto de táxi situado na Praça Rui Barbosa, centro da cidade. Os taxistas possuem organização própria para não deixar nenhum cliente esperando, afinal, segundo os próprios motoristas, a noite é o período mais violento para se trabalhar. Moisés Meira tem 54 anos e há 8 entrou para a frota da praça Rui Barbosa. O taxista cumpre jornada de 8 horas, entra logo que anoitece, às 18h, e deixa o posto às 2h da madrugada. Segundo Moisés, o maior fluxo após o horário comercial é de estudantes em direção à festas ou à casa de amigos. O número de corridas aumentou proporcionalmente ao número de assaltos e crimes cometidos contra os estudantes que residem em Bauru. Trabalhava como metalúrgico em Pirajuí, mas ao ser transferido para Bauru, enxergou o transporte de passageiros como uma atividade lucrativa. Para ele, apesar do cansaço gera-

do pela atividade noturna, o período gera ganhos até quatro vezes maiores que as corridas de bandeira um, realizadas durante o dia. “Eu tenho 2 filhos pequenos e minha esposa não gosta que eu trabalhe à noite, mas é preciso. Taxista não ganha muito, mas a bandeira dois ajuda”, diz Moisés. No ponto de táxi Praça Portugal, a história é outra. Diferente da praça Rui Barbosa, os taxistas que aguardam as ligações dos clientes na rua Rio Branco afirmam que o lucro da bandeira dois não compensa. Ali, os carros fazem jornadas de 24h seguidas com o mesmo motorista, iniciando às 6h da manhã e descansando sempre que possível em horários menos movimentados. Para o taxista Serafim Junqueira, 68 anos, a rotina noturna é marcada pelo medo da violência e da criminalidade. Naquele ponto, muitos de seus colegas sofreram assaltos ou foram enganados, transportando em seus veículos pessoas de má fé e seus cúmplices. “Um dia um moleque me chamou num bairro afastado, disse que queria uma corrida para um bar na Duque. Quando cheguei para buscar o cliente, a rua não tinha iluminação e fui abordado por

quatro homens que pediram todo o meu dinheiro”, conta Serafim. Outros taxistas do local afirmam que já recusaram corridas para determinados bairros por medo da violência. Com a ausência de transporte público após determinado horário, alguns passageiros, nesse caso, ficam sem opção de transporte. Quando questionados sobre o prejuízo, muitos afirmam que, acima do dinheiro, desejam preservar a própria vida. A renda líquida de um taxista em Bauru varia de R$1.500,00 a R$2.000,00, de acordo com informações cedidas pela companhia “The Táxi” Rádio Táxi Bauru, a qual possui pontos espalhados pela cidade (Praça Rui Barbosa, Aeroclube, Getúlio Vargas, Jd. Brasil e Zona Sul). A companhia informa que o turno noturno é o mais disputado, apesar de suas desvantagens. Segundo o gerente de relacionamento, apesar da preocupação com a violência, a companhia preocupa-se também com a saúde de seus motoristas. O funcionamento biológico de trabalhadores noturnos é afetado pela inversão da rotina: dormir durante o dia e passar a noite acordado. Dessa forma, juntamente com o medo, tal alteração intensifica ainda mais o estresse sofrido pelos motoristas bandeira dois. As principais doenças desenvolvidas pelos taxistas do período noturno são hipertensão arterial e problemas de coluna, ambas decorrentes da sobrecarga de trabalho. De acordo com pesquisas desenvolvidas pela Secretaria de Saúde Pública com taxistas no Rio de Janeiro, trocar o dia pela noite na rotina de trabalho pode aumentar em quase seis vezes a chance de infarto em pacientes com menos de 50 anos. Apesar do medo e estresse, trabalhar à noite também tem suas vantagens. Moisés, da praça Rui Barbosa, diz que tem muita história para contar e que pretende, futuramente, escrever um livro para eternizar todas elas.

Lado N Transporte

MADRUGADA: A PASSAGEIRA DA VEZ

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Policiais param carro com suspeitos, durante a noite, em frente ao Parque Vitória Régia

OS POLICIAIS NOTURNOS E A VIGILÂNCIA PELA PAZ As dificuldades para exercer a profissão são superadas por uma única razão: a satisfação por proporcionar a segurança Por Paula Nishi

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ara manter a cidade em segurança e proporcionar o bem-estar da comunidade, é necessário que os policiais militares estejam alertas 24hrs por dia. Muito além do horário comercial, essa profissão exige dedicação constante, atenção e vigilância enquanto a maioria de nós já está dormindo. Em Bauru, a Polícia Militar atua através do 4º Batalhão, que se divide em três Companhias da PM e uma Força Tática. Aqui, a base militar funciona no sistema 12 por 24 e 12 por 36. Dessa forma, o policial trabalha 12 horas seguidas, descansa um dia inteiro, trabalha mais 12 horas e descansa 2 dias. O revezamento permite que todos os profissionais da área ganhem experiência tanto no horário vespertino, quanto no noturno. A rotina, inexistente, torna o trabalho intenso e dinâmico, pois cada dia traz uma situação diferente para ser vivenciada. Dia Vs Noite

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Apesar do mesmo número de profissionais trabalhando durante o dia e a noite, as dificuldades encontradas para exercer a profissão são diferentes. Segundo Rafael Pereira Fenille, aspirante a oficial do 4º Batalhão da Policia Militar (4BMP), além do perfil das ocorrências entre os períodos, é preciso levar em consideração a logística trabalhada em cada um deles. “No período noturno acontecem algumas coisas diferentes. A movimentação é diferente, alguns recursos funcionam diferente entre os turnos” Entre esses recursos, o policial aponta o número de viaturas disponíveis em relação ao número de PM’s, e a dificuldade em encontrar locais abertos para suas refeições. Mas a noite também traz as suas vantagens. Sem trânsito, o deslocamento dos veículos torna-se muito mais ágil e eficaz, além do maior número de viaturas disponíveis. “Durante o dia, todas as viaturas estão empenhadas em alguma ocorrência, fazendo com que cada policial se acostume a trabalhar mais sozinho. A noite, a possibilidade de concentração de mais veículos, dá a possibilidade de trabalhar com mais segurança e mais profissionais em cada caso”. A maior dificuldade, entretanto, está no perfil das

ocorrências. A noite se destaca pelos furtos e roubos de maior gravidade e casos de violência e acidentes de trânsito ligadas à embriaguez. A cautela, nesses casos, é redobrada, e cada equipe é orientada por seu comandante para agir nessas situações. Ícones: Freepik.com

Lado N Segurança

Foto: Érika Turci

“É gratificante, as vezes ninguém reconhece, mas quando fazemos bem o nosso trabalho, e conseguimos cumprir com o nosso objetivo, já valeu o dia”. (Oficial Fenille)

Rondando a noite em Bauru

15 viaturas

atendem o 190

1 viatura é do

comando de força

4 são da

força tática

8 viaturas do

patrulhamento especial

A Polícia Militar no interior Ao ser questionado sobre a maior diferença entre trabalhar durante a noite no interior e na capital, o oficial Fenille destaca ‘’o tipo de ocorrência é o mesmo. A maior diferença é apenas o número de chamadas, pois na capital o rádio não pára’’. Contudo, ele também aponta para uma questão importante: o perfil dos profissionais. O Batalhão jovem e em constante mudança de equipe da capital se contrasta com a polícia militar do interior, mais experiente e constante. Rafael explica que, a tendência dos oficias é voltar para suas cidades de origem, onde possam enfim criar raízes e família. Nesses casos, o conceito de Políicia Comunitária é aplicado: o policial se estabelece na mesma cidade em que mora, onde possa lutar e buscar benefícios para a sua própria comunidade. A recompensa A profissão, que exige comprometimento e coragem de seus profissionais, é recompensada com a gratidão no olhar de cada indivíduo que um dia já acionou a PM. Muitas vezes ingrata e mal compreendida, a profissão também revela suas honras ao fazer o bem sem olhar a quem. “É gratificante, as vezes ninguém reconhece, mas quando fazemos bem o nosso trabalho, e conseguimos cumprir com o nosso objetivo, já valeu o dia”, relata Fenille.


Foto: Érika Turci

MEIA-NOITE: A ROTINA DAS PROSTITUTAS DE BAURU

Lado N Dossiê

Homens, mulheres e travestis movimentam o mercado do sexo durante as madrugadas

Por Marcos Cardinalli

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protituição é a mais antiga das profissões. Sua história se perdeu no tempo e nenhuma civilização escapou à sua existência. Na Idade Média, foi oficializada como profissão pelas autoridades e, durante a Revolução Industrial, os casos de prostituição aumentaram em toda a Europa, devido ao êxodo rural, às condições de pobreza e a promiscuidade das aglomerações urbanas, conforme J. Rossiaud conta em seu livro “A Prostituição na Idade Média”. Atualmente, vários são os caminhos para se penetrar neste ‘submundo’. A forma mais comum ocorre quando adolescentes chegam aos

grandes centros urbanos como migrantes, iludidas pelas expectativas de trabalho fácil, dinheiro e estudo. Associada à desqualificação profissional, ao problema da documentação irregular e ao analfabetismo, as oportunidades de emprego tornam-se cada vez mais escassas para essas jovens. A necessidade e a luta pela sobrevivência são fatores que contribuem para que parte delas opte pela prostituição como uma maneira aparentemente mais fácil de se conseguir dinheiro. A comercialização do sexo reflete a dominação do homem sob a mulher. Historicamente, a prostituição sempre foi um negócio dos homens e do Estado, os quais man-

tiveram o controle da situação geradora de recursos econômicos à custa da exploração das mulheres, seja na figura do proxeneta (popularmente conhecido como cafetão), nas taxas, leis ou extorsões que as prostitutas são obrigadas a se submeter. Juntamente com a violência conjugal, o estupro, e outras tantas formas de dominação masculina, a prostituição constitui mais uma manifestação da cultura machista, pois, em certa medida, a sexualidade feminina continua sendo gerenciada pelos homens. Além disso, a sociedade que cria fiscalizações, sanções e punições às atividades de prostituição em nome da moralidade e dos bons costumes é a mesma que cria subterfúgios para manter esses serviços ativos e disponíveis, conforme explica o psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli: “Seja como for, refletir sobre a prostituição é aprofundar o debate sobre as relações entre homens e mulheres, o que não pode ser feito sem levar em conta as questões ligadas à posição subjetiva da mulher na sociedade, em particular a da prostituta, e a hegemonia do discurso masculino dominante”.

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Lado N Dossiê

A rotina da profissão

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Dizer que a rotina de pessoas envolvidas com a prostituição é uma “vida fácil”, conforme a expressão popular, está longe de refletir a realidade das ruas. Dispersas na noite, as prostitutas ficam vulneráveis, para além da discriminação, à várias formas de violência, tanto verbal e emocional como a agressão física. As atividades não começam somente na madrugada. Percorrendo as Nações Unidas, uma das principais avenidas de Bauru, é possível observar o surgimento de profissionais do sexo já pelas oito horas da noite, estendendo-se até o amanhecer, dependendo do movimento. Sexta e sábado são os dias de maior clientela, ou então, quando acontece algum evento na cidade. Apesar de não ser regularizada, a prostituição possui sua própria organização, e as prostitutas se dividem em grupos. Cada grupo possui uma localização determinada para trabalhar, obedecendo aos proxenetas ao qual trabalham. Pagam 20 reais pelo ponto, preço fixo na cidade. Nas ruas, há espaço para todos: próximo a Rua Rodrigues Alves, concentram-se as travestis, enquanto ao arredores do mercado Paulistão, as mulheres. Os homens também podem ser encontrados, porém de um jeito muito mais discreto. Por programa, geralmente é cobrado 50 reais e há uma média de 5 clientes por noite. Kelly, 23 anos, veio de Marília para trabalhar nas ruas de Bauru. A travesti diz que desde os seus 17 anos se vestia como mulher, se envolvendo com a profissão devido ao enorme preconceito que sofria . “Foi uma forma que encontrei de arrecadar dinheiro e que pudesse ser eu mesma. Mesmo com os deboches nas ruas, a noite há uma maior aceitação por conta do anonimato. É uma forma de proteção já que a sociedade nos condena”, declara. Ela, junto a mais seis travestis, vivem juntas em uma casa, pertencente a seu proxeneta, próximo a mercado, farmácia e padaria. “A casa das travestis é tipo uma república: tem muita festa, muito cabelo, muita calcinha por todos os lados”, brinca Kelly. No caso de mulheres, a situação é bastante diferenciada. Não são permitidas mulheres de fora, mas somente da própria cidade e, por isso, acabam ficando em suas próprias residências. Somente as travestis vêm de outras localidades. Para uma melhor organização e também respeito à privacidade, os clientes não vão até às residências das prostitutas. Existem localidades específicas para a consumação dos atos sexuais, como motéis drivers. Algumas profissionais possuem empregos durante o dia, mas a maioria descansa para mais uma longa noite de trabalho. Apesar do trabalho sexual, muitas prostituas possuem namorados. No caso das travestis que moram juntos, há quartos separados para casais, porém custam mais caros. Os quartos são compostos por beliches, e é comum se colocar lençóis como cortinas improvisadas para a privacidade dos casais. Quanto ao preconceito, as entrevistadas confessam que é constante. Há bastante ovada e pedrada, além do despejo de lixos e garrafas com areia contra elas. Até mesmo nos últimos ônibus circulares da cidade acontecem atos de des-

respeito, sendo comum a prática de xingamentos por estudantes. Já ocorreram vezes, de acordo com Kelly, em que o próprio motorista de ônibus se direcionou às prostitutas, ameaçando-as atropelar. Houve um caso ainda mais grave de um cliente esfaquear uma travesti, e outro que utilizava uma arma de choque para agredi-las. Há ainda casos de clientes que não pagam pelo serviço, utilizando de armas para obrigar a profissional do sexo sair do carro sem o devido pagamento. “O dinheiro você recupera depois, sua vida é uma só”, conforma-se Kelly. A jornalista Priscila Gonçalves Bernardes,em seu livro-reportagem “Profissão da vida: olhares femininos sobre a regularização da prostituição”, relata que “as prostitutas de Bauru não desenvolveram a capacidade organizativa e autônoma que podemos verificar em cidades como Campinas e Ribeirão Preto, por exemplo. Elas estão muito mais marginalizadas e, portanto, expostas a diversos tipos de violência. No livro, aborda a questão da prostituição em diversas cidades, inclusive Bauru, retratando a questão do preconceito e violência. Segundo Priscila, falta organização das prostitutas por melhorias nas condições de trabalho, pois a maioria das garotas de programa consideram a atividade como uma ocupação temporária. Sobre o fato de se previnirem contra DSTs, há uma ONG que toda sexta-feira, dia de maior movimento, distribui inúmeras camisinhas para serem utilizadas durante a semana toda. O que diz a lei Apesar da prostituição não ser assegurada por lei, ela é uma realidade. A legislação penal brasileira não criminaliza a prostituição por entender que ela não é um problema penal, mas social. Entretanto, de acordo com o Capítulo V do Código Penal, é considerado crime, digno de prisão, induzir ou atrair alguém à prostituição, ou, ao

contrário, impedir alguém de abandoná-la. Criar ou manter casas ou locais para este fim, havendo ou não intuído de lucro, tirar proveito da prostituição alheia, intermediar a entrada, o transporte, a transferência ou acolhimento no território nacional de pessoas que venham exercer a prostituição e facilitar a saída de pessoas para exercê-la no exterior também são considerados crime. De acordo com a Polícia Militar de Bauru, as ocorrências envolvendo a prostituição são casos isolados e que não acontecem com frequência. Segundo o departamento de Relações Públicas da PM, a polícia somente é acionada quando algum terceiro faz alguma denúncia, e atua principalmente em casos de drogas ou atentado ao pudor. “A rua é livre e as pessoas estão no seu direito de ir e vir, então não é proibido que as pessoas permaneçam em seus pontos de prostituição. Quando há agressão física, geralmente recorrem à Delegacia da Mulher”, explica a responsável pelas relações públicas da polícia. Relacionando os depoimentos da polícia militar e das travestis entrevistadas, percebe-se divergências nos relatos. Segundo o advogado Thiago Tezani, especialista em Direito Penal, as prostitutas não costumam recorrer à polícia, pois ficariam muito expostas, além de o crime necessitar de provas e de flagrantes. As garotas de programa, em caso de violência, podem recorrer à Delegacia da Mulher, mas as travestis não têm a quem recorrer, pois se reconhecem como mulher, mas não as são para fins de leis e burocracia. Devido a esta situação, entende-se um dos motivos das travestis serem muito mais agressivas que as garotas de programa. A situação das profissionais do sexo é difícil de ser regularizada e totalmente contemplada, visto que envolve questões subjetivas como religião, crença e cultura. Ainda há muito preconceito quanto essa forma de trabalho, e muitos não a consideram como tal. Deste modo, é difícil assegurar direitos específicos para essas pessoas.


Foto: Érika Turci

Lado N Dossiê

Nas fotos, a Avenida Nações Unidas, de Bauru, durante a noite. Sempre movimentada, a avenida é um dos principais pontos de prostituição na cidade. Abaixo, cliente e prostituta são flagrados negociando o programa sexual.

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“No começo, me senti um pouco insegura, pois dependia muito de mim para ele entender as questões da prova e respondê-las. [...] O aluno foi me ‘moldando’ [...]”. (Aline Abrão)

MONITORES ESTUDAM ENQUANTO TRABALHAM

Lado N Sociedade

Conheça a profissão de Aline Abrão, monitora de aluno com deficiência na ITE

Na foto, o aluno Jorge Galli e a monitora Aline Abrão, da Instituição Toledo de Ensino (ITE) Por Ana Raquel Périco Mangili

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nquanto alguns utilizam o período noturno para trabalhar, outros aproveitam esse tempo para os estudos em faculdades ou cursos técnicos. Porém, nem todos têm iguais condições físicas, sensoriais ou intelectuais para frequentar com autonomia uma universidade. Em um total de 6,3 milhões de estudantes de cursos de graduação, apenas 16.328 universitários são identificados como pessoas com deficiência, registrou o Censo da Educação Superior Brasileira de 2010. Dependendo do tipo e do grau da limitação, podem existir barreiras no meio universitário que dificultem ou até mesmo impeçam a realização da vida acadêmica. Quando tais obstáculos não podem ser contornados com ações físicas e pontuais de acessibilidade, entra em cena o profissional Monitor de Apoio à Pessoa com Deficiência (MAPD). Ajudando e aprendendo

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O monitor é contratado como servidor público na área magisterial, quando atua em escolas públicas de ensino fundamental e médio. No ensino superior, o contrato de trabalho varia de acordo com cada universidade estadual ou federal, assim como nas escolas e faculdades particulares. A formação exigida desse profissional é livre, podendo a pessoa ter cursado apenas o ensino fundamental, ou ter feito pósgraduação na área educacional; os critérios de escolha, bem como os salários, variam para cada instituição contratante. As atividades do serviço de Monitoria são diversificadas de acordo com a deficiência e as necessidades de cada estudante. No atendimento às pessoas com deficiência física, as principais ações do monitor podem ser referentes à ajuda no deslocamento do aluno e nas anotações do material passado em aula. Para os estudantes com graus variados de surdez, o profissional pode ajudar na sua comunicação interpessoal. Aos alunos com baixa visão ou cegueira, o auxílio é direcionado para a leitura e transcrição dos trabalhos e provas e, finalmente, para os estudantes com deficiência intelectual ou com Transtornos Globais do Aprendizado, o monitor auxilia na mediação dos conhecimentos passados pelos professores.

Quando o aluno tem mais de um tipo de deficiência, as funções do profissional são ampliadas para dar conta de todas as necessidades do educando. O serviço de monitoria nas escolas e universidades faz parte do Atendimento Educacional Especializado, este garantido por Lei, segundo o Artigo 227, § 1º, inciso II e 208, inciso III da Constituição Federal: “O Estado promoverá a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência [...]”. Nas universidades de Bauru A cidade de Bauru é um grande polo universitário da região e, apesar disso, há pouquíssimos casos de alunos com deficiência no nível de educação superior que fazem uso do serviço de monitoria. Isso evidencia a dificuldade de acesso desse público ao universo acadêmico brasileiro. Entre quatro universidades bauruenses consultadas, apenas a Unesp e a ITE (Instituição Toledo de Ensino) mantêm monitores contratados (dois em cada universidade, totalizando quatro profissionais). Uma das monitoras da ITE, Aline Cristina Caffêo Abrão, aceitou contar com exclusividade um pouco de sua profissão, a rotina de trabalho e sua realização pessoal com o serviço prestado.

Aline tem 35 anos, reside em Bauru e foi estudante de Serviço Social (incompleto). Sua função principal na ITE é o atendimento como secretária, há dez anos. “Minha rotina de trabalho é entrada às 12h, com intervalo das 17h às 18h e saída às 21h, onde executo serviços de atendimento ao aluno, pessoal, e-mail e telefone, referente a matrículas, notas, faltas, pedidos e elaboração de documentos, transferências (entradas e saídas), entre outros”, conta ela. Porém, com o ingresso de um aluno com deficiência visual no período noturno da instituição, há quatro anos, Aline passou a desempenhar também a atividade de monitoria. “Auxilio o aluno ocasionalmente, somente no período de provas. Faço a leitura de todas as informações contidas nas avaliações, ele interpreta e responde. Eu nunca havia trabalhado como monitora antes, e não tenho contato com nenhuma outra pessoa que seja monitora, embora, no ano passado, tenha ingressado mais um deficiente visual e uma outra funcionária o acompanha nas provas também, mas quase não conversamos sobre isso por sermos de setores diferentes”, comenta ela sobre seu trabalho. Pela responsabilidade que a função de monitoria envolve, Aline conta que teve algumas dúvidas e receios no início do seu trabalho. “No começo, me senti um pouco insegura, pois dependia muito de mim para ele entender as questões da prova e res-


to para estar mais preparada para lidar com todas as situações de deficiência, pois a qualquer momento a faculdade poderá estar recebendo novos ingressantes e, hoje, nós, monitores, não temos esses conhecimentos a mais para oferecer”, finaliza. A opinião do aluno monitorado Jorge Luís Galli, o estudante de 22 anos e com deficiência visual monitorado por Aline durante as provas do curso de Direito da ITE, relata como se deu o processo da seleção do monitor para auxiliá-lo durante as avaliações do seu curso. Antes de entrar na universidade, ele nunca havia tido contato com esse tipo de profissional, e realizava suas provas separadamente com os próprios professores ou com a sua professora de Braille. “Quando ingressei na faculdade, fui chamado para uma conversa com o diretor da instituição, para que eu explicasse todas as minhas dificuldades por causa da minha deficiência, e dessa forma, poder ajudar a instituição a realizar as adaptações necessárias. Neste sentido, a faculdade me ofereceu a ajuda da minha então monitora Aline Caffêo para a realização das minhas avaliações”, conta Jorge.

O aluno também explica como realiza suas demais atividades acadêmicas, já que a monitora o acompanha apenas no período das provas. “As anotações das aulas são feitas por meio de um programa leitor de tela, chamado JAWS, que é instalado em um notebook. Com os trabalhos escritos, os professores sempre abrem uma exceção, pois eu não tenho como realizar a escrita à mão, portanto, eles me deixam sempre fazer com alguma outra pessoa. As maiores dificuldades estão com a locomoção, pois sempre dependo de alguém para ir e vir na faculdade, isso porque não há o piso apropriado para que eu me locomova sozinho com minha bengala, e também com relação à lousa e aos slides das aulas, porque, por diversas vezes, tenho que lembrar os professores de me inteirar sobre o que está exposto nesses locais. Apesar disso, nunca vi necessidade da solicitação de monitores para me acompanhar integralmente, porque isso já acontece por iniciativa própria dos meus colegas de sala”, conclui.

A cidade de Bauru é um grande polo universitário da região e, apesar disso, há pouquíssimos casos de alunos com deficiência no nível de educação superior que fazem uso do serviço de monitoria. Isso evidencia a dificuldade de acesso desse público ao universo acadêmico brasileiro.”

ABRIGO NOTURNO: DAS RUAS ÀS CAMAS Durante a noite, voluntários atendem, orientam e alimentam os moradores de rua que procuram o Albergue Foto:Érika Turci

Por Érika Turci

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pondê-las. Eu tinha receio de ler rápido demais, devagar demais, ler errado, o que acontece muito (risos), pois os professores usam muito o Latim no curso de Direito, mas deu tudo muito certo no final. O aluno foi me “moldando”, pedindo para ler novamente a questão mais devagar, e eu repito quantas e quantas vezes ele achar necessário, leio pausadamente quando a questão é bem extensa. E, em alguns casos, é necessário fazer uso dos Códigos (Civil, Penal, Processual), então ele traz o notebook e tem o Código falado, o que ajuda muito. Em outros casos, usamos o livro, e mesmo assim ele me orienta quanto à página, artigo e tudo mais a ser consultado”, explica. A atividade de monitoria gerou em Aline uma genuína gratificação e despertou seu interesse pelas questões que envolvem a adaptação e o apoio às pessoas com deficiência. “Eu estou gostando muito desse trabalho, estou me sentindo muito útil e importante para o aluno. Posso ajudá-lo quando ele precisa e isso é gratificante demais. Nós ficamos amigos, conheço seus pais, sua namorada, seus irmãos e o local onde ele estagia. Tenho vontade de fazer cursos ou algum treinamen-

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Albergue Noturno, desde 1951 oferece abrigo, comida, banho, roupa lavada, carinho e atenção àqueles que buscam novas oportunidades. O atendimento e a manutenção do lugar foram feitos pela Prefeitura de Bauru até 1948, quando a instalação pegou fogo. A partir de então, o Centro Espírita Amor e Caridade (CEAC) passou a administrar e a responder pelo atendimento na cidade. Em 2008 iniciou-se o trabalho com moradores de rua, pelo convênio com a Prefeitura Municipal de Bauru, no qual são oferecidas quatro refeições por dia, calçados, material de higiene pessoal e outros de acordo com as necessidades requeridas. Funcionamento

A proposta do trabalho é reduzir a população de rua e a mendicância

Com atendimento integral que garante condições de estadia, convívio e endereço de referência a indivíduos ou grupos familiares em situação de rua, promovendo a construção conjunta de seu processo de saída das ruas, o albergue faz cerca de 50 atendimentos por dia com alimentação, pernoite e encaminhamentos. O albergue atende qualquer pessoa que procurar o serviço ou for encaminhado pelo posto de saúde, abordagem de rua, comunidades terapêuticas, polícia, concessionária de rodovia, entre outros. Mas a maioria chega por livre e espontânea vontade.

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Voz aos usuários Luis Henrique Turato, 26, Marcio Gomes da Silva, 32, e Edson Aparecido da Silva, 33. Os três têm algo em comum: a dependência pelo crack e a procura de ajuda para sair do vício. Procurou o albergue após perder o emprego e a casa, mas não chegou a morar na rua. Está no albergue há aproximadamente 3 semanas e procura se livrar do vício pelo crack e retomar a vida que deixou para trás, como família e emprego. Marcio estava na rua há 11 meses e já conhecia o Centro de amor e caridade desde 2007. No dia 31 de março desse ano,

Foto: Érika Turci “O crack tira o amor à vida”, desabafa Márcio, um dos frequentadores do Albergue

Márcio procurou o albergue em busca de uma última oportunidade em se espelhar em outros usuários que venceram o vício. No tempo que passou nas ruas, Márcio conta que cuidava de carros e roubava para comprar a droga. “O crack tira o amor à vida. Quem usa não tem, tipo assim, não dá amor a própria vida, o negócio é o dinheiro. Então era assim que eu vivia. Muitas vezes, levava geral da polícia, as pessoas da sociedade mesmo, criticavam, desfaziam, passavam longe. Você não tem valor pra sociedade.’’ Edson nasceu em São Paulo e é filho de uma andarilha, morou na rua desde os oito anos de idade. Com onze anos veio para Bauru com a sua mãe, que depois de uma semana, morreu vítima de tuberculose. Sem documento de identificação, Edson foi para uma casa de recuperação, mas fugiu com outras pessoas que também estavam lá. Quando atingiu a maioridade, Edson foi trabalhar como cuidador de carros no parque Vitória Régia e morou por lá durante 10 anos. O Jornal da Cidade de Bauru fez uma matéria sobre Edson e outras pessoas que moravam no parque. Uma advogada que não teve o

Foto: Érika Turci

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Segundo Francine Tamos da Silva, coordenadora social do albergue, a maioria das pessoas procura o albergue para passar somente uma ou duas noites e 90% da procura é feita pelos homens. Quando chegam, passam por um atendimento técnico, uma maneira de avaliação dos usuários. Nesse atendimento, o usuário expõe suas origens, histórias e precisam traçar um objetivo, seja um emprego, o encontro da família, ou tratamento de alguma dependência. De acordo com Francine, em aproximadamente 98% dos casos, o motivo da procura pela rua está relacionada a dependência química. Muitos casos também estão relacionados ao desemprego e falta de acesso à outras políticas. O usuário perde, muitas vezes, o contato com a família. Todas as quartas- feiras acontece a visita das famílias, que também recebem apoio e assistência social e terapêutica. Os usuários recebem 4 refeições por dia: café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Durante o dia, são desenvolvidas atividades com os monitores, terapeutas e psicólogos de acordo com os planos traçados pelos usuários. À noite, as equipes de voluntários compostas por aproximadamente 50 pessoas atendem, orientam, fornecem passes e vestimentas. Até o fim de 2009 foram servidas 12.702 refeições, 9.816 lanches, ministradas 5.988 medicações e doadas 4.030 peças de roupa. O albergue faz entrega de roupas e calçados para moradores de rua. Com o passar dos anos, o serviço assistencialista foi aos poucos adquirindo caráter promocional, com a instalação do Centro de Triagem de Migrantes (1974) e com a criação da Casa de Convivência (1990). Desde sua fundação até 31 de dezembro de 2009, registrou a marca de aproximadamente 750 mil pernoites. A proposta do trabalho no Albergue Noturno é reduzir a população de rua, mendicância, e proporcionar melhor qualidade aos assistidos, facilitar a integração SUS e Policia Militar, implantar cursos profissionalizantes (através de convênio com o Sesi e o Senac) e melhoria da segurança pública.

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Edson e Luis desejam se ver livres do crack e retomar a vida que a droga os fez deixar para trás

nome identificado, se comoveu com a história publicada no jornal e ofereceu uma casa aos moradores de rua. Durante esse período Edson começou a namorar a prima de um dos rapazes que morava com ele. Sua namorada estava grávida de 6 meses quando foi preso pela primeira vez. Depois de passar 2 anos e 2 meses na penitenciária, Edson voltou a trabalhar, mas na maioria das vezes não levava dinheiro para casa. Ao se separar, casou-se com outra mulher com quem teve mais 6 filhos. Edson foi preso mais uma vez, saiu da cadeia no dia 10 de fevereiro de 2015 e se deparou sem casa, esposa e filhos. Agora responde a um processo em liberdade e procurou o albergue. “As pessoas que gostavam de mim, não foram elas que se afastaram de mim, fui eu quem me afastei delas(...) Mas graças a Deus to aqui, e to vivo, enquanto há vida há esperança”, pontua Edson. Os dependentes ressaltam a importância das atividades oferecidas pelo centro de amor e caridade. Como passeios ao zoológico, por exemplo, e outras atividades que provocam o resgate de valores que foram perdidos, como o prazer pela vida sem o uso das drogas.

Muitas vezes o inimigo rouba nossos sonhos’’. Márcio fazia vários planos com a família, como comprar uma casa na praia. Hoje o único sonho que Márcio tem é sair do vício da droga. Luis quer terminar o tratamento, voltar a estudar, jogar bola e ser professor de educação física. Já Edson, também quer cumprir o tratamento, construir sua própria casa e uma nova família. Poder ajudar woutras pessoas arrecadando cobertores, fazendo lanches, sucos e entregar paras aqueles que não conseguiram enxergar que podem ser ajudadas.


“Precisamos nos manter vigilantes para driblar o sono e vencer o cansaço dos plantões intermináveis e, além disso, encontrar soluções com a mão-de-obra e serviços disponíveis nesse período.” (Gláucia Junqueira)

HOSPITAIS E SUAS ROTINAS: QUANDO O DIA NUNCA TEM FIM Os bastidores do atendimento hospitalar e as experiências dos que mantém os olhos abertos quando Bauru já adormeceu Por Tamiris Volcean

Quando se encara os bastidores do funcionamento hospitalar, compreende-se alguns fatores que justificam a demora do atendimento. Gláucia Junqueira é enfermeira do hospital há 3 anos e conta como a rotina hospitalar muda do dia para a noite. Ela, que prefere trabalhar durante o dia, afirma que, apesar do número de profissionais disponíveis, os casos noturnos são, quase sempre,

Lado N Saúde

Os bastidores da espera noturna

Foto: Tamiris Volcean

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ma mulher de 43 anos espera por seu atendimento no Hospital de Base de Bauru. Passa das 22h e ela é a prova viva de que alguns sintomas não têm hora certa para aparecer. Dores de cabeça, acidentes domésticos, trabalho de parto, até diagnósticos graves. O hospital não pode parar. O ambiente nunca fica vazio. Embora menos movimentado do que as manhãs e tardes, o período noturno concentra os casos mais graves. Segundo a atendente Dolores de Lourdes, 54 anos, a maioria dos atendimentos são destinados a traumas decorrentes da ingestão de bebidas alcoólicas. Quando anoitece, chegam, em número maior, ao pronto-socorro, vítimas de brigas, acidentes automobilísticos e atropelamentos. “Eu atendo muita gente nessa secretaria todas as noites, mas nos finais de semana esse pronto-socorro quase explode de tanta gente!”, conta. Para atendimento médico, 12 profissionais especializados e 5 residentes fazem plantões noturnos. Cada um responsável por uma especialidade diferente. Um dos médicos de plantão, cirurgião cardiovascular, afirma que o número de leitos ativos não é suficiente para atender às necessidades da população. De acordo com a Famesp, Fundação Para o Desenvolvimento Médico, há 140 leitos disponíveis no Hospital de Base e, após assumir a administração, os quartos passaram a ter serviço de camareira, as quais fazem a arrumação e um kit de higiene individual. Segundo a atendente da instituição, a espera pelo atendimento noturno leva de 30 minutos à 1 hora. Entretanto, nos finais de semana, os pacientes podem aguardar até 3 horas para serem atendidos, o que motiva reclamações.

Entrada do Hospital Estadual de Bauru

mais complexos e demandam maior atenção. “Desde que comecei a trabalhar no Hospital de Base, percebo que a tensão dos profissionais noturnos é bem maior. Precisamos nos manter vigilantes para driblar o sono e vencer o cansaço dos plantões intermináveis e, além disso, encontrar soluções com a mão-de-obra e serviços disponíveis nesse período.”, relata a enfermeira. É preciso levar em consideração todo o desgaste causado pelas noites não dormidas. Por isso, o profissional da área da saúde pode, ao longo dos anos, apresentar intensas variações de humor e elevados níveis de estresse. Devido a esses efeitos a longo prazo, muitos abdicam dos plantões, o que causa déficit na mão-deobra profissional do período noturno. Experiências Marcantes Para os ginecologistas e obstetras de plantão, os partos inesperados são os acontecimentos mais significantes. No Hospital Estadual de Bauru, o ginecologista Fábio

Ferreira conta que já fez um parto de emergência dentro de um táxi, nas portas do hospital. Para ele, o período noturno é cheio de imprevistos. As mães, na maioria das vezes, não estão preparadas para ter a criança e levam um susto, o que implica em consequências não planejadas pelo médico. Outras experiências marcantes ocorrem quando surge algum tipo de epidemia na cidade. Com o aumento nos números dos casos de dengue em Bauru, o fluxo de pacientes aumentou em todos os períodos, entretanto, na UNIMED o contingente cresceu drasticamente. No mês de março, foram realizados mais de 100 atendimentos noturnos diagnosticados como suspeita de dengue. A atendente da noite conta que já cadastrou famílias inteiras para serem atendidas num mesmo dia. Certa madrugada, chegou ao hospital pai, mãe e a filha de cinco anos buscando atendimento: todos com suspeita de dengue. Na recepção, teve até café com bolachas para os enfermos que, devido ao fluxo elevado e à ocupação de todos os leitos, tiveram que esperar horas. A troca de turno

Quando a madrugada chega ao fim, é hora de trocar o turno e bater o cartão. Os pacientes não param de chegar e Gláucia, a enfermeira do Hospital de Base, diz que é o ponto crítico do plantão. Os últimos minutos do plantão demoram a passar. O estresse responde por todos os atos. É hora de ir para casa. O que muitos não sabem é que, do lado de lá da bancada também é composto por pessoas.

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