© Daniel Rodrigues
PORTUGUÊS GANHA CATEGORIA DO WORLD PRESS PHOTO... E FALA À zOOm
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4Canon 50D . Canon 10-22mm . 12mm . f/3.5 . 1/250” . ISO 320
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“VOLTEI A FOTOGRAFAR, O QUE É MUITO BOM!” 15 DE FEVEREIRO DE 2013 MUDOU A VIDA DE DANIEL RODRIGUES. FOI NESSE DIA, DESEMPREGADO E SEM MATERIAL FOTOGRÁFICO, QUE VENCEU UMA DAS CATEGORIAS DO WORLD PRESS PHOTO. UM MÊS DEPOIS TINHA MAIS MATERIAL DO QUE NUNCA, EMPREGO E NÃO SABIA QUE OUTROS CONVITES CONSEGUIRIA ACEITAR, QUE O TEMPO NÃO ESTICAVA. A ZOOM FALOU COM DANIEL RODRIGUES A 15 DE FEVEREIRO E A 15 DE MARÇO. E DESCOBRIU QUE A VIDA PODE DAR UMA CAMBALHOTA NUM SÓ DIA E MUITAS OUTRAS VOLTAS NUM MÊS. E A MONTANHA-RUSSA MAL COMEÇOU. esde que fiquei desempregado, em Setembro de 2012, tive que vender todo o meu material fotográfico para suportar as despesas do dia-a-dia. Não estou a fotografar... Não estou a fazer nada... Estou, simplesmente, à procura de trabalho em qualquer área. Talvez emigre. Estou a sobreviver do pouco dinheiro que me rendeu o material fotográfico”. O desabafo foi de Daniel Rodrigues na manhã de 15 de Fevereiro de 2013, poucos minutos depois de ter confirmado que tinha vencido o primeiro prémio da World Press Photo na categoria Vida Quotidiana. Tinha sido um antigo colega de trabalho a telefonar-lhe para dar a notícia, estava Daniel Rodrigues fora de casa. Pediu um computador emprestado e confirmou que o seu nome e fotografia figuravam no site, junto a fotojornalistas das maiores agências e jornais do mundo, como a Reuters, a Associated Press, a Agence FrancePress, a Magnum Photos, a Panos Pictures, a Getty Images, o New York Times, a Time e a National Geographic. “Ainda não acredito. Não pode ser verdade…”, dizia Daniel Rodrigues à zOOm, nessa manhã. “Sou sincero: quando ele me telefonou pensei que estivesse a gozar”. A fotografia vencedora faz parte de uma série tirada em Março do ano passado na Guiné-Bissau, enquanto Daniel Rodrigues acompanhava o trabalho humanitário da Missão Dulombi, que pela primeira vez levava toneladas de material escolar e de saúde para duas povoações. “Na primeira vez que cheguei à aldeia (Dulombi) estavam a jogar à bola. Juntei-me, a brincar com eles, e a fotografar”. Em terra batida, com o pó a levantar a cada passo, de ténis, sandálias ou descalços, rapazes e raparigas corriam atrás da bola, num local onde jazem antigas instalações militares portuguesas. Tinha sido Daniel Rodrigues a propor juntar-se à Missão Dulombi, para cumprir o sonho de conhecer África. Passou por Marrocos, Mauritânia, Senegal, Mali e pela Guiné-Bissau. Fez retratos, a cor, dos quais se destacam os de crianças. Fotografou a vida de rua, cultos e, por acaso, a revolta no Mali.
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Ensaiou uma intensa reportagem a preto e branco sobre um hospital guineense, em Galomaro, uma série que merecia publicação. No dia em que foi premiado, Daniel Rodrigues dizia-nos que “nenhuma das fotografias que tirei na Guiné-Bissau foi publicada. Apenas as do Mali, porque fui dos poucos portugueses a lá ficar retido no ano passado, no golpe de estado. De resto nada foi publicado”. Bater à porta de galerias a propor exposições também de nada tinha valido. A 15 de Fevereiro, Daniel Rodrigues dizia que “era muito difícil ser fotojornalista em Portugal. Está a haver muitos cortes e os mais jovens vão para a rua”. Um mês depois, questionado sobre se mantinha a mesma opinião, respondeu: “Continuo (riso)! Ninguém me contactou, de jornais”. Mas de resto, muito mudou na vida do jovem fotógrafo. No dia em que se soube galardoado confessou-nos que ia usar os 1500 euros do prémio para recuperar algum do material vendido. Não foi necessário. “A Canon ofereceu-me uma 5D Mark III e uma lente 1635mm f/2.8L. O Banco Espírito Santo deu-me a 70-200mm f/2.8, a 50mm e a 24mm - tudo f/1.4 -, e um flash. O equipamento é muito melhor do que eu tinha!”, diz Daniel Rodrigues à zOOm, por telefone, enquanto caminha para o Marquês de Pombal, na capital, em trabalho, a 15 de Março. A Leica também tinha prometido uma câmara, com a contrapartida de fotografar a renovada fábrica que a empresa alemã tem em Lousado, no concelho de Vila Nova de Famalicão. E cumpriu. A 21 de Março estava Daniel Rodrigues a documentar a inauguração com uma Leica M9. “Voltei a fotografar, o que é muito bom!” Sim, caminhava para o Marquês de Pombal em trabalho. Daniel Rodrigues foi comissariado pela Câmara de Lisboa para um projeto que, por enquanto, está no segredo dos deuses. A escolha do próximo está difícil, que os convites abundaram. Há outra entidade pública, e uma multinacional, no lote de interessados em encomendar trabalhos institucionais a Daniel Rodrigues. “Surgiram propostas, mas não quero
falar muito sobre elas porque ainda não decidi a que vou escolher”, diz o fotógrafo, rematando “estou um bocado baralhado”. O trabalho obrigou-o a rever os planos para regressar a Dulombi numa nova missão humanitária, que partiu em meados de Março. Mas na agenda, agora preenchida, Daniel Rodrigues conseguiu cinco dias para viajar até à Guiné-Bissau em Abril, antes de seguir para a cerimónia do World Press Photo, em Amesterdão, de 25 a 27 do mesmo mês. O fotógrafo quis voltar a ajudar a missão humanitária, ampliar a série fotográfica sobre Dulombi e ser ele próprio a entregar à população uma cópia fotográfica da imagem vencedora. Se bastou um dia para a vida dar a volta num mês, onde estará Daniel Rodrigues daqui a um ano? Um semanário português já lhe comprou o direito para publicar fotografias e uma das galerias que não tinha disponibilidade para uma exposição telefonou-lhe a perguntar, afinal, quando Daniel Rodrigues consegue montar a mostra. Daniel Rodrigues ainda se tem desdobrado em entrevistas em Portugal e no estrangeiro, e admite à zOOm que vê nisso uma oportunidade para abrir portas além-fronteiras. A somar, a apresentação de portfólio em Amesterdão, nos dois dias que antecedem a entrega formal do prémio, é das mais cobiçadas entrevistas de emprego a que um fotojornalista pode aspirar. “Tenho a esperança de chamar a atenção das agências. Vou ter 10 minutos para apresentar o meu trabalho perante fotógrafos, editores e jornais do mundo inteiro”. Por fim, parecem valer pouco os 1500 euros do prémio comparados com o direito de colocar no CV que se venceu o primeiro prémio de uma categoria no prestigiado World Press Photo. “Mudou muita coisa num mês, mas penso que ainda há muito por mudar. Há muito por mudar em Amesterdão!”. E antes de lá chegar, Daniel Rodrigues atingiu a consagração em Portugal. A 13 de abril, venceu a categoria Desporto no Prémio Estação Imagem | Mora, com a série completa de imagens a que chamou “Futebol Africano”.
© Daniel Rodrigues
Apenas uma entre tantas
Quem é Daniel Rodrigues?
© Paul Hansen, Sweden, Dagens Nyheter
É difícil, para Daniel Rodrigues, escolher qual a sua fotografia preferida. Após silêncios e hesitações, elege, como seria de esperar, a fotografia distinguida pelo World Press Photo. Mas destaca, ainda, um retrato de uma menina feito em África, a ver-se a metade superior do rosto, enormes olhos, carrapitos no cabelo, mãos na nuca, e uma parede encarnada e corroída pelo tempo, como fundo. “O olhar da miúda… É um retrato simples. Muitas vezes não é preciso técnica. O olhar dela diz muita coisa. Para além disso, é uma fotografia mais pessoal. Eu estive muito ligado aquela miúda enquanto lá estive. Ela não me largava! Sempre que eu ia ao hospital ela estava lá, porque morava perto. Andava sempre comigo”. Daniel Rodrigues escolhe, ainda, uma fotografia que tirou nas costas de um bombeiro, prestes a lançar-se a um incêndio florestal. “Estão sempre prontos a trabalhar horas e horas a combater incêndios”, diz Daniel Rodrigues. “A fotografia demonstra a força que, às vezes, as chamas podem ter e o bombeiro pronto a combater esse inferno”.
Daniel Rodrigues tem 26 anos. Formou-se no Instituto Português de Fotografia, em 2010, estagiou três meses no Correio da Manhã e trabalhou na Global Imagens até Setembro de 2012. Agora é freelancer. Tem no mundo os sonhos. “Tenho tantos projetos! Gostava de fazer um trabalho na Força Aérea, na Marinha e sobre pesca radical. Quero fazer um projeto à volta de África, agarrar num jipe e fazer várias reportagens. Mas isso demoraria um ano e é difícil em termos de financiamento. Mas é esse o sonho da minha vida! Adoro África. Não sei explicar porquê... Sempre tive paixão por África e depois de lá ter ido cresceu ainda mais. São fascinantes, as pessoas... É um mundo fascinante”, contou-nos Daniel Rodrigues, a 15 de Março. Ter trabalhos no New York Times, na National Geographic e um livro sobre o continente africano são outros desejos.
World Press Photo 2013 A Fotografia do Ano, para o painel de júris do World Press Photo, foi tirada pelo sueco Paul Hansen. Mostra duas crianças palestinianas a serem levadas, em braços, para o funeral. Foram vítimas, laterais, de um ataque israelita sobre Gaza. Num segundo, ou terceiro plano, está o corpo do pai, a ser levado numa maca. A 56ª edição do World Press Photo recebeu mais de 100000 fotografias de 5666 autores, oriundos de 124 países. 54 fotojornalistas foram galardoados. A exposição das imagens vencedoras vai passar por mais de uma centena de cidades. Em Portugal, por enquanto, está apenas prevista a ida ao Museu da Eletricidade, de 3 a 23 de Maio. 4Canon 5D MK III . Canon 16-35mm . 16mm . f/5 . 1/800” . ISO 400
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