livros Q U E D E V E T E R N A S UA E S TA N T E . T E X TO : M A R C O S F E R N A N D E S
Street Photography © Rui Palha
FOTOS DE RUI PALHA | EDITORA: EDIÇÃO DE AUTOR | PÁGINAS: 240 | €50
mador: adjectivo e substantivo masculino que representa o apreciador, o que exerce uma arte por gosto, e o que ama. Rui Palha tem, em si, todos estes sentidos, alinhados, como se estivessem na mesma linha de mira, a que gosta de se referir, para se definir, na citação de Cartier-
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Bresson. E Rui Palha acaba por representar o triunfo dos amadores. Anos vão em que publica imagens em galerias online e as expõe em mostras fotográficas. Chega agora a vez de levar à estampa as suas fotos de rua, corolários de passeios citadinos em solidão, mas junto de muitos dos que lhe compõem o mundo visual. Rui Palha ama a geometria de formas. Ama silhuetas andantes. Ama escadas e a calçada, singular, que é única, portuguesa. Ama chuva e chapéus. Ama a condição humana. Como qualquer paixão, consome-a, por vezes, à
exaustão, repetindo fórmulas, vencedoras. Intitula as imagens em jeito de comentário ficcionado, a lembrar salões fotográficos, de tempos idos. A Sociedade Portuguesa de Autores consagrou este livro como Melhor Trabalho de Fotografia nos prémios de 2011. Eu sugiro que aprecie a obra de Rui Palha de duas formas: a tradicional e a ortodoxa, com o livro de pernas para o ar! Henri CartierBresson ficaria orgulhoso deste seu discípulo, ao ver a beleza das fotografias com sentido, na análise tradicional, e da pura bela abstracção geométrica, em sentido contrário.
Libera Me © Alex Majoli
FOTOS DE ALEX MAJOLI | EDITORA: TROLLEY | PÁGINAS: 64 | €30
ibera Me é um cântico fúnebre católico, que pede a Deus para ser misericordioso sobre o defunto, no Julgamento Final: ‘Dies irae, dies illa calamitatis et miseriae; dies magna et amara valde. Requiem aeter-
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nam, dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Libera me, Domine, de morte aeterna in die illa tremenda’ (‘Naquele dia de ira, de calamidade e miséria, um grande e amargo dia, dai-lhes descanso eterno, Senhor, e que a luz perpétua os ilumine. Livra-me, Senhor, da morte eterna nesse dia horrível’). As imagens de Alex Majoli representam esse clamor pelo salvamento. São retratos a preto-e-branco, dramáticos, de quem aparenta ser julgado por pecados que reconhece. Nas imagens, os rostos emergem da escuridão. A luz vem do alto, como se divina fosse. Vela, revela, e desvela faces encolhidas, em sinal de penitência.
Libera Me é o primeiro de três tomos, nos quais Majoli nos deixa uma visão pessoal do sentimento de perda, e do céu e do inferno. A este primeiro capítulo, apresentado como Persona, vão seguir-se Libera Me, uma visão surrealista de paisagens da Letónia, e Lacrimosa, um rol de imagens, a cores, de memoriais do genocídio no Ruanda.
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livros Q U E D E V E T E R N A S UA E S TA N T E . T E X TO : M A R C O S F E R N A N D E S
Transtempo © Cristina García Rodero / Magnum Photos
FOTOS DE CRISTINA GARCÍA RODERO | EDITORA: LA FABRICA | PÁGINAS: 256 | €45 com a fotógrafa que ao longo de 35 anos rumou inúmeras vezes de Madrid à Galiza para espreitar rituais, esses sim, presos no tempo, noutro tempo, e confinados a fronteiras. Há um gosto especial de García Rodero por cultos religiosos e pagãos, já se sabe, e a Galiza é um laboratório fértil de análise. As fotografias são sublimes, não por incidirem Janela ao ar, sobremaneira em cerimónias Amoeiro, 1986 católicas, mas pela mestria do olhar, que, de resto, levou García Rodero a ser a primeira fotógrafa espanhola – e ibérica, para puxar a brasa à nossa sardinha –, a entrar na Magnum Photos. Ela tem a rara capacidade de incluir um segundo clímax no enquadramento de uma situação que, já por si, parece atingir um expoente. É o caso da imagem de um casamento ficcionado em que os noivos têm
universal é o local sem muros’. A expressão é de Miguel Torga e foi aproveitada pelo escritor galego Manuel Rivas, no prefácio de Transtempo, para fazer um paralelismo entre Cristina García Rodero e a galinhola, ave dama dos bosques, que tem um olhar de praticamente 360º. Rivas encontra na visão fértil de um pássaro, que sobrevoa ‘muros’, uma ligação
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por máscaras cabeças de porco, e a fotógrafa ainda apanha um dos jovens acólitos a esconder a cara, e a rir. Noutra fotografia, o ‘rei das margaridas’ é um homem com rosto franzido, em sinal de tédio, barbado, e de vestido de princesa! Na mesma imagem, um compadre rosna, com a dentadura quase a pender da boca.
Love on the Left Bank á um lado negro em Ed van der Elsken. Não é trágico. Consideremolo taciturno, romântico. Van der Elsken, holandês, migrou para Paris em 1950, aos 25 anos, para experimentar a vida de artista na cidade que ainda ia vendendo a marca de capital mundial da cultura. Saboreou a vida nocturna de Saint-Germainde-Prés, bairro vizinho da Sorbonne, em Rive Gauche, a margem sul que é apregoada como esquerda, talvez pelos ideais políticos e libertários de artistas que a habitaram, como Rimbaud, Matisse, Picasso, e Hemingway. Foi em Rive Gauche que Ed van der Elsken conheceu Vali Myers, artista plástica, também ela longe da pátria, australiana, e que procurava inspiração para as suas primeiras obras. Love on the Left Bank é um fotoromance inspirado num diário visual de Van der Elsken, centrado em Myers. Usa amigos comuns para relatar um quotidiano de boémia, amor e sobrevivência. Tem histórias do submundo do haxixe e do ópio, dos cafés, da violência, da noite. Van der Elsken disse em 1988, numa entrevista, que Rive Gauche se
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© Ed van der Elsken
FOTOS DE ED VAN DER ELSKEN | EDITORA: DEWI LEWIS | PÁGINAS: 112 | €30 autor usa imagens maiores e mais pequenas, alinhadas com o texto, para contar a história de jovens loucos que desacreditavam na vida e, talvez por isso, vivessem uma contínua véspera do eventual fim.
adequava ao seu «sentimento de incerteza e raiva, depressão, pessimismo e derrotismo». Esta obra fotográfica serve de exemplo. Love on the Left Bank é um fac-símile do clássico livro de 1956. Tem fotografias excepcionais mas vive, principalmente, do seu conjunto, da paginação arrojada, da forma como o