No Reino da Pedra Bonita - Marcos Lira

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MARCOS LIRA

NO REINO DA PEDRA BONITA

2007 Direitos reservados a Marcos Lira marcosrlira@gmail.com

Santa Luz – BA


FICHA NOME – NO REINO DA PEDRA BONITA TEMA - HISTÓRIA AUTOR – MARCOS LIRA ESTROFE - Dez versos decassilábicos. ESQUEMA RÍMICO - ABBAACCDDC BIOGRAFIA DO AUTOR – Marcos Lira Nasceu em Campo Formoso, Bahia em 21 de outubro de 1963. Filho de professores, sempre foi ligado às artes e literatura. Fez o curso de Mineração em Pojuca, onde conheceu diversas pessoas ligadas à política, música e teatro. Em Campo Formoso fundou o grupo de teatro Culturart quando promoveu variados movimentos culturais na região, incluindo música, teatro, dança e literatura. Exercendo o ofício de Prospector Mineral, teve oportunidade de viajar por todo o Brasil, conhecendo as diversidades de culturas e hábitos do povo brasileiro, escrevendo histórias e poesias. Fez duas coletâneas de poesias e publicou nos livros EVOLUÇÃO e DO OUTRO LADO DO MUNDO. Publicou também um romance chamado OLHOS. ___________________________________________ A literatura de cordel é uma poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. São escritos em forma rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola. A história da literatura de cordel começa com o romanceiro luso-espanhol da Idade Média e do Renascimento.


NO REINO DA PEDRA BONITA Distante, tão longe de minha terra, No deserto, outro lado do mar, As caravanas vagam a rumar. Transportam ouro e gado que berra Na ânsia de ver o verde da serra. O alimento é de encantar. E os Mouros bem alegres a cantar Contam os lucros, a grande riqueza As esposas de mui rara beleza Colhem trigo, preparam o jantar Assim Marrocos segue sua vida Rezam, trabalham com grande paixão Não querem guerra que leva ao caixão Não querem ver sua casa dividida Nem tampouco a pátria invadida Por algum outro povo aventureiro Por mercenário, mesmo desordeiro Que trazem a dor, a morte, a violência Impiedosos que não têm clemência Fazem tudo para roubar dinheiro


Os portugueses de riquezas parcas Cujo comércio é a colonização Descem à África em mais uma ação Utilizando suas grandes barcas Dom Sebastião e mais dois monarcas Tomam Marrocos para ganhar os louros Mas não contaram com a garra dos Mouros Os guerreiros de ação violenta Resistem com raça, luta sangrenta Defendem a pátria com os seus tesouros Vindos da Itália muitos mercenários E tantos mais soldados da Alemanha Pensam que é uma batalha ganha O exército Mouro numeroso Conta com o cansaço pavoroso Além da proporção um para seis Em meados do século dezesseis Eles são dizimados totalmente Dom Sebastião lutou heroicamente E morreu na batalha dos três reis O seu corpo jamais foi encontrado E o pesar comove a terra lusa A política por demais confusa E o povo agora tão desolado Quer o seu rei, está inconformado Espalha-se que ele voltará A todos seguidores salvará E a lenda de Dom Sebastião É passada a cada geração Grande dia ele regressará

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Imigrantes chegam em nosso solo Em suas bagagens os costumes seus Sua cultura, crenças e seu deus Entre elas a lenda de um rei Morto em combate, que segundo a lei Voltará em favor dos desvalidos E o povo de dias tão sofridos Precisa de alguma esperança Um milagre que lhes traga bonança Apague o sofrer dos dias idos Os mamelucos, escravos fiéis Dos árabes, califas muçulmanos Tornaram-se soldados desumanos E afamados por serem cruéis Um dia enfim trocaram os papéis Viraram uma grande dinastia Deram seu nome a quem investia Contra pobres escravos brasileiros Aqueles portugueses, estrangeiros Que impunham a dor com maestria Mamelucos, do sul a Fortaleza Em perseguição por este país Andando entre as tribos Guaranis Mamelucos, mania de grandeza Herdaram no seu nome a malvadeza Encontram escravo e cantam vitória Sobre este sofredor gritam glória O chão fica vermelho, o céu azul Mamelucos, América do Sul Um desses começou a nossa história

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Pequeno lugarejo é Villa Bella No calor do sertão de Pernambuco Chegou neste lugar um mameluco Fugindo do costume natural Mostrava ele ao povo do local Trazia em suas mãos pedras brilhantes E dizia que eram diamantes No tempo que o governo era de reis Em mil oitocentos e trinta e seis Dão-se esses casos impressionantes Era João Antônio, homem calado Contava-lhes que Dom Sebastião Apareceu à noite, uma visão E para ele tinha revelado Enquanto o povo olhava admirado E que aonde eles residiam Duas enormes pedras existiam Que eram torres de uma catedral E com um poder sobrenatural As torres logo desencantariam Seria ali a sede do reinado De justiça em prol dos desvalidos A volta daquele rei referido Do Dom Sebastião ressuscitado Aquele reino tanto desejado Viria redimir toda pobreza Traria as pompas da realeza Daquele tão distante Portugal Ninguém jamais veria nada igual A catedral seria uma beleza

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Ele agora de todos conhecido Falou também de outras profecias Desse rei que lhe vinha em noites frias Era ele o mui grande escolhido, Que tinha o Monarca concedido Que o próprio João naquele dia Com a mais linda moça casaria E que os dois então seriam reis Assim de fato é que tudo se fez A mais bela chamava-se Maria Grande festa, dia do casamento Maria deslumbrante em seu vestido João Antônio jamais tinha sido Elegante qual aquele momento Em carroça puxada a jumento Rumaram ao leito matrimonial Um lugar de beleza natural Serra do Catolé, Lagoa Azul E próximo dali, do lado sul Ficavam as torres da Catedral Atraiu assim muitos seguidores Alguns tão sedentos de liberdade Outros acreditavam ser verdade Que o rei os livraria das dores Eles teriam então grandes favores Que ali existiam diamantes O pão não faltaria como antes Que enfim acabou o sofrimento Fez-se ali um grande acampamento De todo lugar vinham retirantes

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Aquele lugar então passaria De simples vilarejo de campônio A ser o reino de Dom João Antônio E da tão bela Rainha Maria. O reino aumentava a cada dia. O rei ditava as leis daquele chão Ordenava que dividissem pão Ao povo renovava as profecias Estavam por virem melhores dias Com a volta de Dom Sebastião O Reino Encantado em paz crescia Contrastando com a vida dos pobres A corte eram os parentes dos nobres Simão que era primo de Maria Pedro Antônio, homem de alegria E as meninas de bom coração Regina* e Eleonora*, são Esses três últimos irmãos do rei João Ferreira que casou, eu sei Com Eleonora por ambição Foi o primo de Maria, Simão Nomeado bispo oficial Enquanto esperava a Catedral Rezava a missa em um barracão Falava sobre a ressurreição Daquele monarca de Portugal E como esperava ser normal Foi montada a guarda do Estado Transformou o jagunço em soldado Vigiando a vila e matagal

8 *- Nomes fictícios


Um vaqueiro da fazenda Belém Propriedade do major doutor Manuel Pereira da Silva, por Nunca lhe sobrar mesmo um vintém Fugiu sem dizer nada a ninguém E foi juntar-se ao povo do reinado Na espera que fosse aliviado O seu penar. Sonhava com riqueza Seu nome era Miguel, sua natureza Pedia pra deixar de ser criado Villa Bella bem próximo ficava Lá na comarca de Serra Talhada Estava muita gente preocupada Com esse fato que se revelava O povo preocupado apelava Para autoridades um prelado Então pra lá um padre é mandado, Francisco Correia de Albuquerque Esperando que assim ele cerque Acabe o poder desse reinado O padre pede a pedra preciosa Achando que dela vem o poder Está firme, pois isso lhe faz crer Que aquela atitude vaidosa De ser um rei era de pura prosa O rei entrega sem hesitação O padre pensa com essa ação Todo problema foi solucionado Volta para casa ovacionado Pelas autoridades do sertão

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De fato o rei ficou desencantado Por conta dessa tal desconfiança Pensou em dar ao povo esperança Sentiu-se então bastante desolado Deixou o poder para o seu cunhado E partiu dali para outras terras Pois não queria se envolver com guerras A vida passou pra outra maneira Para João Antônio e João Ferreira Passou a ser o rei daquelas serras As regras foram então modificadas Todos os domingos no barracão O rei fazia sua pregação Dizia que as pedras encantadas Tinham que com sangue serem regadas Pra Dom Sebastião desencantar Assim com sua corte retornar As pedras virariam catedral Depois daquele evento triunfal Seus súditos muito iam ganhar Os pobres muito ricos ficariam Todos os negros virariam brancos Seriam curados todos os mancos Os velhos em jovens transformariam Os que morressem ressuscitariam Jovens, belos ricos e imortais Pedia sacrifícios infernais Em nome desse reino do porvir Obrigava a todos a assistir A todas as pregações matinais

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O Bispo fazia os casamentos O rei distribuía aos presentes Algo que deixava a todos contentes Um vinho feito de encantamentos Erva que os índios fazem fermentos Decerto uma droga alucinante Então, a partir daquele instante As noivas eram segundo a lei Primeiro possuídas pelo rei Depois eram de qualquer um passante Ali ninguém havia entendido Que João Ferreira era um afoito Quatorze de maio de trinta e oito Do século dezenove referido O rei falou que tinha aparecido A ele o próprio Dom Sebastião Dizendo estar triste porque não Realizavam o tal sacrifício Ao encantado assim era difícil Acontecer a tal ressurreição E a um sinal desse rei insano Todos guardas puxaram seus facões Como o inferno abrisse os seus portões Como a executar um velho plano Qual bárbaros do império romano Cravavam seus facões como espadas No peito de crianças assustadas No crânio de mulheres sem defesa Em nome da macabra realeza Terríveis criaturas desalmadas

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O próprio rei executou seu pai Sangrou Eleonora com punhal Tombando ao chão como um animal Que sucumbiu sem dizer nem um ai Em seguida Regina é que cai Na frente do seu irmão João Antônio Perplexo por um pavor medonho Fica por muito tempo sem ação Vendo tombarem corpos pelo chão Torcendo pra que tudo fosse sonho Não eram alucinações dementes A cena tenebrosa foi real Regaram as pedras da catedral Com litros de sangue de inocentes Um cenário horrível, deprimente Foram justos três dias de matanças Velhos, mulheres, cães e as crianças Classificados pela qualidade Conforme sexo e conforme idade Jaziam nas pedras sem esperanças No dia dezessete desse mês Pedro Antônio, ainda chocado Pela morte das irmãs, o coitado Disse que Dom Sebastião lhe fez Uma visita e que dessa vez Pedia morte de João Ferreira E que assim se tornaria inteira A profecia pra o desencanto E toda a corte daquele rei santo Iria agora reinar sem fronteira

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O povo então saiu em romaria Aprisionou o rei João Ferreira Jogando-o ali sobre a pedreira Matando onde ele ficaria Só que a morte não lhe bastaria Pois continuou a se debater Ainda assim depois dele morrer Urrava, gemia, gritava berro Quebraram a cabeça com um ferro Amarraram-no para não correr Apavorado, Miguel, o vaqueiro Aproveitou a grande confusão Correu, fugiu dali daquele chão Voltando para seu lar verdadeiro Conseguiu chegar em casa inteiro Depois de ter corrido pela mata Chegou na fazenda na mesma data Contou ao major todo o ocorrido O delegado tendo entendido Teve providência imediata Por ser de João Antônio irmão Pedro Antônio tornou-se o rei E algo que eu não imaginei Que corpos alastrados pelo chão Já em estado de putrefação Do fúnebre cenário tão tristonho Causavam aquele fedor medonho Forçava a levantar acampamento Depois de um breve entendimento Para lugar melhor, eu que suponho

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Mudaram-se ao lugar adiante À beira do caminho para a vila Pensando em uma vida mais tranquila Mas essa ação é que não foi bastante Pois próximo dali, não tão distante O Major marcha com seu batalhão Para se encontrar com o Capitão Simplício Pereira e mais soldados Para encontrar os homens confinados Juntos eles fariam essa incursão Mas o major ficou surpreendido Com novo endereço dos fanáticos Esses que em desesperos dramáticos Partiram para a guerra sem sentido Homens com armamento esquecido Pois se não era a hora da labuta Corpo-a-corpo travou-se luta Os fiéis se entregavam a morte Pois a ressurreição seria a sorte Pra eles a verdade absoluta Depois de duas horas de batalha Estavam mortos nove seguidores O rei com três mulheres e horrores Daquele reino que foi uma falha Que deixou o sertão como mortalha Cobrindo mortos a serem velados Também morreram uns nove soldados Entre eles dois irmãos do major Que por isso não se sentiu melhor Com o fim desses sonhos malfadados

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Ainda existiam fugitivos Os soldados fiéis ao capitão Desses partiram em perseguição Mataram oito sem nem mais motivos Ninguém sabe quantos ficaram vivos O major depois do sepultamento Perseguia-lhe forte pensamento Queria a vingança em suas mãos Daqueles que mataram seus irmãos Restava quem criou o movimento Enviou seus homens de confiança Pra prenderem o primeiro dos reis João Antônio como conheceis Foi preso, trazido sob fiança Só que no meio daquela andança Na ponte perto donde o rei morou Entoou um canto que agitou Os soldados que tombaram doentes Mas atiraram no preso, tementes Que ele fugisse e assim findou Morreu o reino da Pedra Bonita Ainda penso nas barbaridades Reprimindo o povo que sem maldades Crê em qualquer uma promessa dita Ao pobre sofredor que alto grita Sempre por justiça, por igualdade Lembre Canudos, da fraternidade Abençoada pelo Conselheiro Que virou pó e foi não o primeiro A sucumbir com a sua cidade

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