Galleria degli
Uffizi Florença
Índice das salas
10 11 14 18 19 23 26 32 34 42 47 48 53 54 56 59 60 62 66
71 72 76 78 79 80 81 82 a Tribuna 83 Sala 19 de Perugino e de Signorelli 84 Sala 20 de Dürer 85 Sala 21 de Giambellino e de Giorgione 86 Sala 22 dos Flamingos e Alemães do Renascimento 87 Sala 23 de Mantegna e de Correggio 89 Sala 25 de Miguel Ângelo 94 e dos florentinos Sala 26 de Raffaello e de Andrea del Sarto 95 Arqueológica do século XIII e de Giotto Sala 3 do século XIV senense Sala 4 do século XIV florentino Sala 5-6 do Gótico Internacional Sala 7 do Primeiro Renascimento Sala 8 dos Lippi Sala 9 de Pollaiolo Sala 10-14 de Botticelli Sala 15 de Leonardo Sala 16 das cartas geográficas Sala 1 Sala 2
de Pontormo e de Rosso Fiorentino Sala 28 de Tiziano e de Sebastiano del Piombo Sala 29 de Dosso e de Parmigianino Sala 30 Sala dos Emilianos do século XVI Sala 31 de Veronese Sala 32 de Bassano e de Tintoretto Sala 33 Corredor do século XVI Sala 34 dos Lombardos do século XVI Sala 35 de Barocci e da Contra-reforma Toscana Sala 42 de Niobe Sala 43 do século XVII italiano e europeu Sala 44 de Rembrandt e dos Flamingos do século XVII Sala 45 do século XVIII italiano e europeu Sala de Caravaggio Sala de Bartolomomeo Manfredi, de Gherardo delle Notti, dos Caravagescos Sala de Guido Reni Sala 27
Cimabue Madonna da Santíssima Trindade sala 2, pagina
14
Duccio Madonna de Rucellai sala 2, pagina
14
Giotto A Madonna de Todos-os-santos sala 2, pagina
15
Lorenzo Monaco A Coroação da Virgem sala 5-6, pagina
22
Gentile da Fabriano Adoração dos Magos sala 5-6, pagina
23
Masolino Madonna da Humildade sala 5-6, pagina
24
Paolo Uccello A Batalha de São Romão sala 7, pagina
25
Beato Angelico A Coroação da Virgem sala 7, pagina
26
Masaccio e Masolino Santa Ana Metterza, sala 7, pagina
27
Sandro Botticelli O Nascimento de Vénus sala 9, pagina
38
Sandro Botticelli A Primavera sala 9, pagina
39
Hugo Van der Goes Tríptico de Portinari sala 9, pagina
42
Rogier Van der Weyden Deposição no sepulcro sala 9, pagina
43
Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci Baptismo de Cristo sala 15, pagina
45
Leonardo Da Vinci Anunciação sala 15, pagina
45
Leonardo Da Vinci Adoração dos Magos sala 9, pagina
48
Bronzino Retrato de Eleonora de Toledo A Tribuna, pagina
51
Pontormo Retrato de Cosimo o Velho A Tribuna, pagina
52
Rosso Fiorentino Anjo tocando A Tribuna, pagina
53
Mariotto Albertinelli Visita Sala 25, pagina
64
Miguel Ângelo Tondo Doni Sala 25, pagina
66
Andrea del Sarto Madonna das harpias Sala 26, pagina
69
Raffaello Sanzio Madonna do pintassilgo Sala 26, pagina
69
Raffaello Sanzio Leão X com os cardinais Giulio de’ Medici e Luigi de’ Rossi Sala 26, pagina
70
Tiziano Vecellio Flora Sala 28, pagina
74
Tiziano Vecellio Vénus de Urbino Sala 28, pagina
74
Caravaggio Sacrifício de Isaac Sala de Caravaggio, pagina
89
Caravaggio Medusa Sala de Caravaggio, pagina
90
Caravaggio Baco Sala de Caravaggio, pagina
92
Artemisia Gentileschi Judite e Holofernes Sala de Caravaggio, pagina
93
História dos Uffizi
E
stá a percorrer a Piazza della Signoria. Em seu redor, a fonte de Neptuno, David, o Persa, a imponente fachada do Palazzo Vecchio. Deixando-os para trás, dirija-se às margens do Arno: subitamente, estará circundado por um edifício em U, cujos dois corpos principais são unidos por uma arcada. Está nos Uffizi, no coração de Florença, no início de uma história que une o século XVI aos nossos dias. Na segunda metade do século XVI, Florença era uma senhoria. Depois de séculos de orgulhoso governo comunal, a cidade tinha-se rendido ao predomínio dos Medici. O Palazzo Vecchio tornara-se o palácio real de Cosimo I, o primeiro Grão-duque de Florença, fundador de uma dinastia que governaria a cidade por mais de dois séculos. Cosimo subira ao poder com apenas dezassete anos e em pouco tempo tinha revelado a sua natureza autoritária e abertura política. Patrocinador de artes e mecenatos, encomendou ao arquitecto Giorgio Vasari a construção de um edifício adjacente ao Palazzo Vecchio, que se ergueria em manifestação do poder do grão-ducado. Eram os Uffizi, assim chamados porque na sua origem destinavam-se a acolher os escritórios das 13 magistraturas florentinas. O edifício tinha sido completado em 1565, quando se celebrara o casamento do herdeiro Francesco. Foi então que o Grão-duque teve uma nova ideia. Obcecado como era pelo medo dos atentados, decidiu construir uma galeria elevada que unisse o Palazzo Vecchio ao Palazzo Pitti, passando pelos Uffizi e a Ponte Velha, e
que lhe permitisse movimentar-se sem ser incomodado. Nasceu assim o Corredor Vasariano que, partindo do corpo principal dos Uffizi, representa o seu prolongamento ideal entre as casas e os tectos de Florença. Desde a época de Francesco I, os Medici utilizaram os Uffizi também para conservar tesouros das suas colecções de arte privadas. Mas foi apenas com os Lorena, que os substituíram no poder no século XVIII, que os Uffizi se transformaram num verdadeiro museu. Era o Século das Luzes e o Grão-ducado da Toscana estava na vanguarda do progresso social. O novo Grão-duque, Pietro Leopoldo, decidiu criar um acesso público à Galleria degli Uffizi, para consentir finalmente a entrada aos cidadãos. Através da escadaria vasariana, os Uffizi tornaram-se então património de toda a cidade de Florença. E assim permaneceram até aos dias de hoje, graças a uma espécie de pacto ideal com a cidade de Florença, estipulado por altura da morte do último herdeiro dos Medici. As extraordinárias colecções da família foram deixadas em herança aos Lorena, sob a condição de que fossem conservadas nos Uffizi. E são estas obras que testemunham a ligação secular entre os Uffizi, os Medici e a sua cidade. Uma ligação eterna e uma herança inalienável.
Perspectiva do segundo corredor
Guia das salas
Sala 1 Archeologica
Sala 2 do século XIII e de Giotto
O
que aconteceu na Toscana do século XIII no âmbito pictórico? Podemos descobri-lo na sala do século XIII e de Giotto, um espaço aproveitado no final do século XIX do antigo teatro dos Medici que hoje em dia oferece a prova irrefutável de que a força da revolução pictórica que aconteceu exactamente naquele período graças aos florentinos Cimabue e Giotto e ao senense Duccio di Boninsegna. Os especialistas e os apaixonados chamam-lhe “A sala das três Maestà”, dado que aqui estão expostas três telas destes mestres que representam o mesmo sujeito: a Virgem no trono com o Menino. Incentivados pelo seu génio, oferecem ao espectador uma visão da pintura inovadora: a Maestà de Cimabue mostra uma nova organização espacial de volumes fortes e de um claro-escuro pronunciado; por fim, a Pala Rucellai di Duccio está impregnada num fascínio luminoso e quase oriental.
Arte romana, Altar cilíndrico com sacrifício de Efigénia I sec. a.C. Arte romana, Retrato de Cícero. età del I sec. d.C. Arte romana, Relevo com a representação de uma oficina de almofadas. 50 d.C
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Maestro della Croce n. 434 Cwrucifixo com oito histórias da Paixão
Scuola toscana (fim do século XII - início do século XIII) Crucifixo com oito histórias da Paixão 11
■ Cimabue (1240-1302), Madonna da Santíssima Trindade, c. 1279 Segundo a tradição bizantina, Maria é representada como uma figura divina, sentada num trono, longe das misérias terrenas. Com esta Maestà, Cimabue parece recuperar o modelo bizantino e repetir a sua estrutura. Mas na tela estão presentes alguns detalhes que diferem do modelo e que contribuem para a humanização da figura de Maria. Os elementos inovadores são as marcadas linhas de contorno e o modo em que Cimabue consegue criar uma profundidade espacial. 12
Repare na forma como se sobrepõem os anjos e admire a complexidade arquitectónica do trono, sob o qual surgem os bustos dos profetas do Antigo Testamento. De Duccio e da pintura de Siena Cimabue parece ter aprendido a conferir uma maior suavidade aos rostos e aos gestos, mas a procura volumétrica é totalmente florentina, bem como a corporeidade da figura de Maria, que parece menos solene. A obra é unanimemente situada no período de plena maturidade de Cimabue, em anos próximos aos frescos de Assis.
■ Duccio (c. 1260-1318), Madonna de Rucellai, 1285 A Madonna no trono foi encomendada a Duccio di Buoninsegna pela Companhia dos Laudeses. Chama-se Madonna de Rucellai devido à capela Rucellai em Santa Maria Novella, onde estava originalmente exposta. Compare-a com a Maestà da Santíssima Trindade de Cimabue. É evidente que Duccio deu os seus primeiros passos seguindo as pisadas de Cimabue, mas é também evidente que se soube destacar do mestre florentino criando uma poética pictórica autónoma.
O tema da Virgem no trono, de facto, é aqui representado com uma nova sensibilidade, mais gótica. Os rostos são mais delicados e a dolorosa humanidade das figuras encanta pela sua beleza melancólica. Os seis anjos que circundam a Virgem são perfeitamente simétricos e estão irrealistamente ajoelhados um sobre o outro de ambos os lados do trono, sem uma mínima sensação de planos de profundidade, como acontece por sua vez no quadro de Cimabue. A mesma observação pode ser feita em relação ao trono, em que são mais importantes os detalhes preciosos do que a construção em perspectiva.
■ Giotto (1266-1336), A Madonna de Todos-ossantos, 1300-1303 Observe a Maestà de Todosos-santos: é uma das mais belas e famosas obras de Giotto. Mas o que é que nesta obra nos faz perceber que Giotto é um dos expoentes máximos da pintura mundial? Em primeiro lugar, a tela de grandes dimensões parece verdadeiramente gigantesca, graças à luminosidade do fundo dourado mas, sobretudo, graças ao novo relevo da figura e ao trono “tridimensional” que parece literalmente sair da moldura. Mas a verdadeira novidade é o potente efeito de claro-escuro que torna Maria dominante, que a faz sobressair potentemente da tela e a afasta da hierática imobilidade das figuras bizantinas.
Faz pensar no célebre terceto do Canto XI do Purgatório de Dante: “Acreditou Cimabue na pintura ser primeiro, e Giotto o há vencido, tanto que a fama se lhe torna obscura”. De facto, Giotto supera o mestre e a herança da sua renovação tem uma
importância fundamental na história da pintura. Consegue-se respirar a força desta renovação no rosto da Virgem, delicado e realista, e o cuidado quase naturalístico com que são pintadas as rosas e os lírios. Nos sujeitos da escola bizantina, a imobilidade e fixidez dos
olhares e dos elementos retratados eram símbolo da imutável eternidade do divino; em Giotto, pelo contrário, parece que as figuras começam a ganhar vida. O ar, símbolo do tempo e da mudança, começa já a envolver as vestes e os objectos. 13
scontornare???
Sala 3 do século XIV senense
Pietro Lorenzetti A Virgem com o Menino
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Simone dei Crocifissi (1330 ca.-1399) Presépio
Pietro Lorenzetti (1280-1348 ca.) Pala da Beata Humildade
Ambrogio Lorenzetti (1285-1348 ca.) Presentazione al Tempio
NON C’E’ DIDA TRADOTTA
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Simone Martini (1284-1344) e Lippo Memmi (ca.1290-1347) Anunciação 16
Sala 4 do século XIV florentino
Sala 5-6 do Gótico Internacional
Q
ue denominador comum liga a arte em Itália nos anos entre os séculos XIV e XV? E que fio vermelho liga obras de diversos artistas provenientes de centros muito distantes entre eles, por vezes? Para sabê-lo, não resta mais nada do que entrar na sala do gótico internacional. Reestruturada nos anos cinquenta, a sala é dominada para Adoração dos Magos e pelos Santos do Político Quaratesi do pintor das Marcas Gentile da Fabriano, mas também a monumental Coroação da Virgem do florentino Lorenzo Monaco, obra de grande elegância que se destaca pelas cores fortes e brilhantes e pela sinuosidade das figuras. Atribuída a Beato Angelico é Tebaide, uma preciosa tela em que é abordado o tema da vida eremítica, enquanto que a Madonna da humildade de Masolino é uma obra de grande doçura e perícia técnica. Além dos exponentes florentinos e de Gentile, são colocadas neste ambiente obras provenientes de outros centros artísticos, que documentam a uniformidade da linguagem pictórica cortês entre os séculos XIV e XV, como as telas do senense Giovanni di Paolo e do veneziano Jacopo Bellini.
Andrea Orcagna (activo entre 1343 e 1368), São Mateus e histórias da sua vida 18
Giottino (registos de 1324 a 1357), Pietà de São Remígio
Maestro di Santa Cecilia (século XIV), Santa Cecília e episódios da sua vida
Beato Angelico (c. 1395-1455) Tebaida
19
■ lorenzo Monaco (c. 1370 - 1423), A Coroação da Virgem, 1414 Nesta grandiosa tela, Lorenzo Monaco oferecenos a sua interpretação da Coroação da Virgem. O Paraíso é inundado pela luz do fundo dourado e apoia-se nos arcos azuis 20
e estrelados do céu. As tonalidades fluorescentes das cores prendem a atenção, mas o que nos fascina nesta obra são as figuras animadas por movimentos sinuosos e a elegância magnética dos mantos. A própria composição
permeia-se de uma vibrante sensibilidade lírica que alcança o auge nas seis cenas que decoram a predela. Única obra datada e assinada pelo artista, no decurso dos anos foi contudo deturpada para dar lugar a um tabernáculo.
A figura do anjo musical colocado no centro da composição foi cortada mas, felizmente, hoje em dia a obra pode ser novamente admirada por inteiro, graças a um recente restauro.
■ Gentile da Fabriano (c. 1370 - 1427), Adoração dos Magos, 1423 Palla Strozzi, rico mercador mas também homem de cultura, encomendou esta obra a Gentile da Fabriano propositadamente para a capela da família na igreja da Santíssima Trindade em Florença.
Que coisa idealizou o artista para celebrar a prosperidade da família Strozzi? Gentile da Fabriano inseriu na pintura materiais valiosíssimos, como ouro e pedras preciosas, que utilizou para decorar as vestes sumptuosas das personagens, entre as quais o próprio Palla Strozzi, retratado com um falcão na
mão, e o seu filho Lorenzo. Podemos seguir o caminho dos reis partindo de cima, à esquerda, e continuando no sentido dos ponteiros do relógio. A Adoração dos Magos é representada em tom de fábula, com um colorido cortejo de servos, trovadores e cavaleiros que atravessa
colinas e castelos para prestar vassalagem ao Messias. Chegados à presença do Menino, a história assume tons sentimentais quando o mais velho dos reis se ajoelha, tremendo de emoção, para beijar os pés de Jesus que, com uma naturalidade infantil, apoia a mão sobre a sua cabeça calva. 21
Sala 7 do Primeiro Renascimento
C
ausa sempre grande impacto entrar nesta pequena mas importantíssima sala, onde estão guardadas algumas das maiores obras-primas do século XV italiano. De facto, é como se num único lugar estivessem reunidas as “bases” do Renascimento. As obras aqui contidas, mesmo com sujeitos e caracteres formais diferentes, traduzem em imagens a cultura do humanismo, da redescoberta do antigo à procura de um espaço prospectivamente definido. Masaccio, com a tela de Santa Ana Metterza, realizada em colaboração com o seu mestre Masolino, apresenta-se como o padre na renovação da pintura. Em Santa Lucia de’ Magnoli, Domenico Veneziano, mestre de Piero dela Francesca, cria um dos primeiros tabernáculos no novo formato rectangular. Elimina o fundo dourado da tradição medieval e imerge as personagens sacras na clara luz da madrugada. A Batalha de São Romão de Paolo Uccello mostra-nos por sua vez uma interpretação original da perspectiva e um sentimento de conto de fadas.
■ Masolino (1383-1440), Madonna da Humildade, c. 1420 Este fascinante “Virgo Lactans”, atribuído a Masolino, encanta-nos imediatamente pela sua doçura imaterial. Chama-se Madonna da Humildade segundo uma iconografia particular que coloca em evidência a modéstia de Maria, mais do que a sua magnificência; de facto, vemo-la sentada no chão em cima de uma almofada, em vez de um sumptuoso trono. No plano compositivo, no ritmo jocoso da linha e nas cores que vão do azul-escuro do manto ao ténue cor-de-rosa das vestes e do véu, a obra de Masolino ainda está ligada à experiência das figuras de Lorenzo Monaco, apesar de não faltarem toques plásticos definidos (como o joelho possante onde se apoia o Menino) que a aproximam dos valores volumétricos e espaciais de Masaccio.w 22
■ Paolo uccello (1397 - 1475), A Batalha de São Romão, 1435-40 Este famosíssimo quadro de Paolo Uccello representa a batalha de São Romão, durante a qual Niccolò di Tolentino conduziu os florentinos à vitória contra os senenses em 1432. A obra fazia originalmente parte de um tríptico, com as telas que hoje se
conservam no Louvre de Paris e na National Gallery de Londres. A tela fascina-nos pela grande artificialidade da composição que ultrapassa completamente uma descrição verosímil de uma batalha. Considerado um dos artistas mais misteriosos e extravagantes do primeiro renascimento florentino, Paolo Uccello
oferece-nos aqui uma representação não realista, em que soldados e cavalos se imobilizam em poses arriscadas e difíceis, como se fossem marionetas aprisionadas na moldura geométrica criada pelas lanças partidas espalhadas pelo campo de batalha. O fundo campestre está claramente separado da cena em primeiro
plano, porque não parece perturbado pela guerra: camponeses trabalham nas vinhas, lebres fogem dos cães que se preparam para a caça. As sebes dividem os campos arados que se erguem como um fundo plano, sem efeitos de profundidade
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Domenico Veneziano (c. 1410-1461) Pala de Santa Lucia dei Magnoli
■ beato angelico (1387 - 1455), A Coroação da Virgem, 1435 Sons de tromba e músicas celestiais ecoam neste Paraíso em miniatura em que tudo se ilumina no esplendor do ouro, símbolo da luz divina. O uso da cor neste quadro parece de facto evocar o pensamento de São Tomás de Aquino, que teorizava que, uma vez que a luz é emanação celeste, as cores, de acordo com a quantidade de luz que absorvem e reflectem, revelam a maior ou menor participação na essência divina das personagens retratadas. Daí que nesta tela a luz emanada pelas duas figuras divinas centrais envolva com grande intensidade todos 24
Masaccio (1401-1428), Virgem fazendo cócegas
os santos. Mas a abstracção sugerida pelo fundo dourado é, na realidade, apenas
aparente. A composição foi estudada para sugerir uma tridimensionalidade, criada pelas nuvens em baixo e
pela diminuição gradual do tamanho das figuras dispostas em círculo em torno da auréola de luz.
■ Masaccio (1401 - 1428) e Masolino (1383 - 1440), Santa Ana Metterza, 1424-25 Esta esplêndida obra, que Vasari retrata no interior da igreja de São Ambrósio em Florença, foi realizada a quatro mãos por Masaccio e Masolino e desenvolve um tema iconográfico insólito, em que Santa Ana, mãe de Maria, é “inserida como terceira figura” no trono, atrás da Virgem que tem o Menino nos braços. Onde podemos reconhecer a mão de Masolino e a de Masaccio, o aprendiz que, no decurso da sua breve vida, executou uma verdadeira revolução na pintura florentina? A figura da Virgem constitui o núcleo central em redor do qual se estrutura toda a composição. Mãe e filho formam um bloco compacto, uma pirâmide que se apoia nos joelhos afastados de Maria e que
culmina na sua cabeça dourada. Masaccio, além de conferir às figuras um físico real e harmonioso, enfatizou a ligação entre
elas através dos braços da Virgem, bem firmes e fechados em redor de Jesus. Em contraste, parece plana e sem vida a
figura de Santa Ana, que os estudiosos atribuem a Masolino, juntamente com o anjo frágil à direita.
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Sala 8 dos Lippi
Alesso Baldovinetti (1425-1499) Anunciação
26
Filippino Lippi (1457-1504) Adoração dos Magos
27
Filippino Lippi (1457-1504) A Virgem dos Oito Filippo Lippi (1406-1469) Coroação da Virgem
Filippo Lippi (1406-1469) A Virgem com o Menino e dois anjos 28
Piero della Francesca (c. 1420-1492) Duplo retrato dos Duques de Urbino 29
Sala 9 dos Pollaiolo
Piero Pollaiolo (1443-1496) A Temperança
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Antonio Pollaiolo (1433-1498) Hércules e Hidra
Antonio Pollaiolo (1433-1498) Hércules e Anteu
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Sala 10-14 de Botticelli
E
stamos prestes a admirar alguns dos quadros mais famosos do mundo. Nesta sala, de facto, encontram-se reunidas muitas das mais importantes obras-primas do Renascimento, executadas nas últimas décadas do século XV. Encontramos as obras do grande Sandro Botticelli, mas também os quadros de Domenico Ghirlandaio, Hugo van der Goes e Rogier van der Weyden, que testemunham os intercâmbios entre os mestres florentinos e flamengos naquele período. Em particular, são as pinturas de Botticelli que nos impressionam pela pureza das cores e a proporção das figuras, qualidade que alcançam com maior grau nas telas de sujeito profano como a famosíssima Primavera, Palas e o centauro e O Nascimento de Vénus. Nestas três obras, encomendadas a Botticelli por Lorenzo di Pier Francesco de’ Medici para a Villa di Castelo, pela primeira vez um tema profano é tratado com a mesma dignidade e as mesmas medidas imponentes até então reservadas às telas de cariz religioso.
Domenico Ghirlandaio (1449-1494) A Virgem com o Menino e santos
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Sandro Botticelli (1445-1510) A Virgem do Magnificat
Sandro Botticelli (1445-1510) Retrato de um jovem com medalha
Sandro Botticelli (1445-1510) A Calúnia
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■ Sandro botticelli (1445-1510), O Nascimento de Vénus, c. 1484 Tal como A Primavera, conservada nesta mesma sala, também esta famosíssima tela foi pintada por Botticelli sob encomenda de Lorenzo di Pierfrancesco de’ Medici. O tema iconográfico, inspirado na mitologia clássica, representa o nascimento de Vénus. A deusa, representada nua sobre uma concha, surge da espuma do mar e é empurrada na direcção da praia de Chipre pelo sopro de Zéfiro, o deus do vento retratado à esquerda, envolvido no abraço da ninfa Clóris. Na margem, a Hora da Primavera, uma das ninfas que comandam a mudança
3
das estações, estende à deusa um manto bordado com flores para a proteger. Botticelli realiza a obra através de um desenho harmonioso e delicado. As linhas muito elegantes criam jogos decorativos sinuosos e embelezados pelo encrespar das ondas, pelas vestes sopradas e pelo fluir harmonioso dos cabelos da deusa. Também as cores são claras e puras e as formas nítidas, muito refinadas, encontram a sua exaltação na nudez estatuária e pudica da deusa.
■ Sandro botticelli (1445-1510), A Primavera, c. 1482 Na penumbra de um bosque de laranjeiras e sebes de louro, num prado coberto de flores retratadas com minúcia, surgem numerosas figuras, entre as quais reconhecemos em primeiro lugar, partindo da direita, Zéfiro, o vento do oeste que dá início à época primaveril. Representado como um ser alado de cor azulada, parece ter acabado de chegar junto de Clóris, a ninfa que depois deste encontro se transforma em Flora, que comanda a regeneração da natureza e caminha espalhando flores. Ao centro está Vénus, emoldurada pela auréola que a sebe de murta cria artificialmente atrás de si.
A deusa do amor e da fecundidade, com o corpo parcialmente envolto num manto escarlate, avança efectuando um passo de dança. Sobre ela voa Cupido, vendado, enquanto lança uma seta na direcção das três Graças, entrelaçadas num bailado circular. A última figura representa Mercúrio que ergue o caduceu, símbolo de prosperidade e de paz, para dissipar as nuvens. O quadro, caracterizado por uma iconografia bastante complexa, sobre a qual ainda estão em curso novas hipóteses de interpretação, é tradicionalmente conhecido como Primavera, porque nele se encontram referências explícitas e alegóricas ao despertar da natureza.
3
■ Hugo van der Goes (c. 1420-1482), Tríptico de Portinari, 1477-78 A grande tela recebe o nome do seu comprador, o banqueiro florentino Tommaso Portinari, retratado com os filhos no painel à esquerda. A obra, pintada em Bruges, foi levada para Florença em 1483. Na Adoração do painel 40
central, as figuras dispõemse numa espécie de plano inclinado e transgridem as regras das proporções a favor de uma representação das personagens que tem em conta a importância de cada um, em vez das ligações geométricas das dimensões. O artista reproduz com uma notável precisão cada minúsculo detalhe natural, inserindo na
composição magníficos elementos de natureza morta. Estes têm um valor meramente decorativo, mas contêm também significados simbólicos muito complexos: o trigo recorda a Última Ceia e os lírios a Paixão. Esta cena do nascimento de Jesus, portanto, prefigura já a sua morte e ressurreição. A mesma minúcia caracteriza a representação
dos rostos, especialmente nos traços grosseiros do grupo de pastores e de São José, que reencontramos nos pastores da contemporânea Adoração dos Magos de Ghirlandaio, testemunho da influência que a obra teve entre os pintores de Florença.
■ rogier van der Weyden (c. 139-1464), Deposição no sepulcro, c. 1450 Existe uma personagem que foi o verdadeiro fundador da fortuna da família Medici em Florença, e esta personagem é Cosimo o Velho, grande comerciante, mas também perspicaz político e excelso homem de cultura. Foi ele quem encomendou ao flamengo
Rogier Van der Weyde esta tela. O famoso pintor encontravase naquele momento em Itália, e Cosimo não perdeu a ocasião para ter uma sua obra preciosa na vila de campo em Careggi, às portas de Florença. Que o pintor estivesse naquele momento em Itália e que, portanto, tenha sido influenciado pelos mestres italianos, é evidente neste
quadro, onde notamos em primeiro lugar figuras mais monumentais. Se depois compararmos esta tela com a realizada alguns anos antes por Beato Angelico, as analogias tornam-se mesmo surpreendentes: esta propõe o mesmo objecto no interior da mesma composição. Um realismo rigoroso e rico em detalhes, traço distintivo da pintura nórdica,
caracteriza contudo a obra: Rogier Van der Weyde retrata minuciosamente as colinas no fundo e a vegetação do prado em primeiro plano, enquanto traduz os mais íntimos sentimentos humanos nos rostos das personagens representadas, que dramaticamente “exibem” o corpo magro de Cristo morto.
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Sala 15 de Leonardo
Q
uanta da maestria e génio de Leonardo da Vinci na pintura são fruto da sua aprendizagem no atelier de Verrocchio? Pode-se tentar percebê-lo observando seus primeiros passos artísticos, a partir da primeira obra atestada, o Baptismo de Cristo, onde colabora com o seu mestre. A Adoração dos Magos foi por sua vez deixada inacabada quando o artista foi chamado a Milão por Ludovico il Moro. Mas seguramente que a obra mais fascinante presente nesta sala, reestruturada pelo arquitecto Giovanni Michelucci em 1991, é a Anunciação que Leonardo pintou quando tinha apenas vinte anos. Junto às obras de Leonardo encontramos expostos outros importantes retábulos de mestres activos entre o final do século XV e o início do século XVI, entre a Úmbria e a Toscana: Pietro Perugino e Luca Signorelli. Por fim, Piero di Cosimo e Lorenzo di Credi, também estes alunos exemplares de Verrocchio, se distinguem pela procura da pureza devota das suas obras.
Piero di Cosimo (1462-1521) Imaculada Conceição
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■leonardo da Vinci (1452-1519), Anunciação, c. 1475-80 O episódio evangélico da Anunciação é ambientado ao ar livre, no jardim de uma casa toscana renascentista. Este ambiente permitiu a Leonardo da Vinci, na altura com vinte anos, introduzir singulares novidades compositivas em relação ao século XV, quando os
artistas criavam o espaço através da perspectiva linear. Mas qual é esta inovação de Leonardo? A perspectiva da zona dianteira na realidade é a tradicional: os detalhes arquitectónicos do edifício, os ladrilhos sob os pés da Virgem e a base do púlpito respeitam todas as regras geométricas da perspectiva. Todas as linhas convergem
■ andrea del Verrocchio (1436-1488) e leonardo da Vinci (1452-1519), Baptismo de Cristo, 1473-78 Dois artistas pintaram a quatro mãos este Baptismo de Cristo para a igreja de San Salvi em Florença: Verrocchio e o seu jovem aluno Leonardo da Vinci. O mestre reservou para si as escultórias figuras centrais e as rochas e a palma dos lados. Confiou a Leonardo parte do fundo e a figura do anjo em primeiro plano. Naquela paisagem rica em ribeiros e colinas e iluminada por uma luz dourada, densa e vibrante, reconhece-se um daqueles que se viriam a tornar os traços distintivos da
pintura do artista. Mas é o anjo que em particular prende a nossa atenção. Destaca-se pela doçura da execução e pelo ténue sfumato, mas sobretudo porque, posicionando-o de costas, Leonardo consegue orientá-lo segundo uma directriz diagonal que aponta para o interior da pintura e movimenta a composição do grupo central de Cristo e João Baptista. Segundo Vasari, depois de ter visto a tela, Verrocchio nunca mais tocou nos pincéis, dedicandose apenas à escultura. Na realidade, é apenas uma lenda que serve para sublinhar o talento precoce de Leonardo, que naquele tempo era apenas um rapaz.
para o ponto de fuga colocado ao centro da pintura. Para lá do muro, ao contrário, a perspectiva muda: é o matizar progressivo das cores que confere forma à tridimensionalidade! Leonardo coloca de parte as linhas e começa a plasmar o espaço utilizando unicamente a cor e a luz. Entre a névoa, ao fundo,
consegue-se vislumbrar uma cidade marítima, com os barcos atracados no porto. Este motivo deriva da pintura flamenga, mas a extraordinária flora do prado, quase um herbário, e as asas do arcanjo Gabriel são representadas com uma minúcia de detalhes típica do engenhoso cientista e observador da natureza que era Leonardo. 43
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Sala 16 das cartas geográficas
Lorenzo di Credi (1459-1537) Adoração dos pastores
Luca Signorelli (1441-1523) Crucifixação e Santa Maria Madalena
■ leonardo da Vinci (1452-1519), Adoração dos Magos, 1481 Os monges de San Donato a Scopeto encomendaram esta tela a Leonardo da Vinci em 1481, mas como pode ver a obra ficou incompleta. De facto, o artista partiu para Milão abandonando o projecto, que contudo já tinha sido claramente orientado segundo as características revolucionárias que Leonardo tinha trazido para a pintura. A forma quase quadrada da tela permitiu ao artista organizar a composição segundo linhas directrizes diagonais cujo ponto de encontro se situa 4
exactamente na cabeça da Virgem. Toda a figura de Maria, colocada num plano recuado, constitui o vértice de uma pirâmide ideal que na sua base tem os magos ajoelhados diante da figura. Mas esta geometria sólida e precisa é movimentada pela pose da própria Virgem, que parece efectuar um ligeiro movimento rotativo: as pernas estão levemente inclinadas para a esquerda, enquanto o busto e o Menino estão voltados para a parte oposta. É com esta torção levemente sugerida que o artista parece imprimir ao quadro um movimento que se propaga aos espectadores, quase a simbolizar a manifestação
visível das emoções intensas suscitadas pela revelação do Salvador. No fundo, os edifícios em ruínas e os vertiginosos
combates de cavaleiros insinuam talvez a destruição do mundo pagão.
Ludovico Buti (c. 1560 - após 1611) e Stefano Buonsignori (? - 1589), Carta geográfica do velho domínio florentino
Ludovico Buti (c. 1560 - após 1611) e Stefano Buonsignori (? - 1589), Carta geográfica do Estado de Siena
4
a Tribuna
P
ode existir um museu dentro do museu? Entrando na famosa “Tribuna” da Galleria degli Uffizi, a resposta é obviamente positiva. O ambiente é composto por uma única sala octogonal, edificada por Bernardo Buontalenti, a partir de 1584, por encomenda do grão-duque Francesco I de’ Medici, para guardar as suas preciosas colecções de família. A forma e a decoração seguem um programa cosmológico preciso que alude aos quatro elementos: a rosados-ventos na lanterna evoca o ar, as conchas de madrepérola aplicadas em volta a água, enquanto que o veludo vermelho das tapeçarias e os preciosos mármores do pavimento simbolizam o fogo e a terra. Esta simbologia era enriquecida por estátuas e pinturas que desenvolviam o tema dos elementos e das suas combinações. O significado do conjunto era, além disso, a glória da família Medici, que graças à vontade divina tinha alcançado o poder terreno, simbolizado pelos preciosos objectos que possuía. Durante séculos foi a sala de museu mais famosa da Europa. Hoje em dia é a única sala na qual se pode compreender o espírito original da galeria; isto é, um lugar de maravilha onde se podem confrontar directamente as obras dos antigos com as dos mais modernos.
Giorgio Vasari (1511-1574) Retrato póstumo de Lourenço, o Magnífico 48
Bronzino (1503-1572) Retrato de Lucrezia Panciatichi
■ bronzino (1503-1572), Retrato de Eleonora de Toledo, 1545 Estamos perante um esplêndido exemplo da arte celebrativa de Bronzino, um dos mais apreciados pintores da corte de Medici do período quinhentista.
Eleonora de Toledo, a mulher espanhola de Cosimo I, é retratada sentada, com a mão direita apoiada sobre o ombro do filho, sublinhando o seu papel de mãe, ao qual alude o motivo da romã gravada no vestido. Alguns identificam o menino como sendo o filho mais velho Francesco, outros como o segundo filho
Giovanni. Eleonora encontrase sumptuosamente envolvida no seu precioso vestido de brocado, provavelmente o mesmo com o qual se casou e com o qual foi sepultada. A sua figura, delimitada por uma linha de contorno subtil e precisa, não apresenta sombras nem pregas expressivas e a dama,
sozinha, parece preencher a tela com a sua solidez arquitectónica. A elegância do vestido e a sofisticação das jóias são enfatizadas pelo abstracto fundo de cor lápis-lazúli, enquanto a fixidez dos rostos de mãe e filho confere às figuras uma aura quase divina. 49
■ Pontormo (1494-1556), Retrato de Cosimo o Velho, 1518-20 Também nesta obra Jacopo Pontormo confirmase como a figura mais complexa e inquietante do Maneirismo toscano. Retratar Cosimo o Velho, morto cinquenta anos antes, dá-lhe modo de prosseguir as suas extravagantes pesquisas no 50
campo formal, inserindo na tela muitos elementos de irrealidade. As medalhas quatrocentistas constituíram provavelmente a fonte através da qual recuperou os traços somáticos precisos do antepassado da família Medici, mas o rosto retratado é tão pálido e magro que faz lembrar uma máscara mortuária.
Além disso, o corpo parece quase sem preso por baixo das compactas vestes vermelhas e o tom escuro do fundo sugere um ambiente abstracto e simbólico. Qual foi a ocasião para este retrato póstumo? A obra foi provavelmente encomendada por ocasião do nascimento de outro importante Cosimo de’ Medici, que em 1569 seria
o primeiro grão-duque da família. Confirma esta hipótese a presença da cartilha em latim que diz “UNO AVULSO NON DEFICIT ALTER” (“ARRANCADO UM, NÃO FALTAM OUTROS”). Enrolada no ramo de louro desfeito mas que floresce novamente, a escrita simboliza os novos ramos frutíferos da família.
■ rosso Fiorentino (1494-1540), Anjo tocando, 1521 Este anjo com asas muito coloridas que toca absortamente o seu instrumento é talvez a obra mais famosa de Rosso Fiorentino, reproduzida em posters e postais. A seriedade com que o
pequeno músico toca as cordas do seu alaúde e a bochecha docemente apoiada sobre este, têm sempre fascinado o público. É uma tela que transmite toda a vivacidade e o movimento do sujeito retratado, em particular nas asas agitadas e nos caracóis dourados do anjo,
que parecem animados pela onda do som. Apesar de ter todas as características para parecer uma pintura autónoma, um recente restauro revelou que esta tela em tempos fez parte de um retábulo. Encontramse muitas vezes anjos deste género inseridos
nos quadros de Rosso, a completar composições mais complexas como esta Madonna e os Santos conservada numa outra sala dos Uffizi. Em baixo, à direita, foram também descobertas a assinatura e a data: Rosso Fiorentino, 1521.
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Sala 19 de Perugino e de Signorelli
Arte romana Vénus de Medici Andrea del Sarto (c. 1487-1530) Retrato de uma desconhecida 52
Francesco Salviati (1510-1563) A Caridade
Lorenzo di Credi (c. 1457-1536), Anunciação
Perugino (c. 1450-1523), Retrato de Francesco Maria delle Opere
Piero di Cosimo (1461/62-1521), Andrómeda livre de Perseu 53
Sala 20 de Dürer
Lukas Cranach, o Velho (1472-1553) Adão e Eva 54
Jan Bruegel, o Velho (1568-1625) O grande Calvário
Albrecht Dürer (1471-1528) Retrato do pai
Albrecht Dürer (1471-1528) Adoração dos Magos 55
Sala 21 de Giambellino e de Giorgione
Giovanni Bellini (1430-1516) Retrato de jovem Cima da Conegliano (c. 1459 - c. 1517) A Virgem com o Menino Giorgione (1477 - c. 1510) Guerreiro com escudeiro 56
Cosmè Tura (c. 1430-1495) São Domingos 57
Sala 22 dos Flamingos e Alemães do Renascimento
Hans Holbein, o Jovem (1497 ou 1498 - 1543), Retrato de Sir Richard Southwell Hans Memling (c.1435-1494), Retrato de Benedetto Portinari Giorgione (1477 - c. 1510) A prova de Moisés e O juízo de Salomão 58
Giovanni Bellini (1430-1516) Alegoria sacra
Hans Memling (c. 1435-1494), Virgem com o Menino e os anjos
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Sala 23 de Mantegna e de Correggio
Correggio (1489-1534) Adoração do Menino Andrea Mantegna (1431-1506) A Virgem das caves
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Correggio (1489-1534) Repouso durante a fuga para o Egipto
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Sala 25 de Miguel Ângelo e dos florentinos
E
stamos a entrar numa das salas mais famosas de todo o museu. Dedicada ao período quinhentista florentino, acolhe, entre tantas obras, uma absoluta obra-prima da arte italiana. Imediatamente depois de entrarmos, o nosso olhar é quase que raptado pelo famoso Tondo Doni di Miguel Ângelo, um dos raríssimos quadros em tela do mestre florentino que, pelas inovações trazidas para a composição e pelo uso de cores, foi um modelo para gerações inteiras de artistas, sobretudo para aqueles que deram vida ao Maneirismo. Exemplos de uma arte religiosa de cariz mais tradicional, as obras de Mariotto Albertinelli e Fra’ Bartolomeo interpretam uma devoção popular e comunicativa, inspirada nos ensinamentos do frade dominicano Girolamo Savonarola. Quase contemporâneas mas estilisticamente muito diferentes surgem por seu turno as obras de Francesco Granacci, Ridolfo del Ghirlandaio e do pintor espanhol Alonso Berruguete, que se ressentem do “estilo anticlássico” do Maneirismo florentino.
■ Mariotto Albertinelli (1474-1515), Visita, 1503 Esta Visita é desde sempre considerada a obra-prima de Mariotto Albertinelli. O pintor trabalhou durante muitos anos lado a lado com Fra’ Bartolomeo, com o qual partilhou o atelier mas também os interesses artísticos, entre os quais o interesse pela pintura de Perugino. Foi deste artista que retirou inspiração para a cena sagrada no interior de uma estrutura arquitectónica. A arcada quatrocentista abrese num céu pouco nublado e emoldura as duas figuras contribuindo para lhes 2
conferir uma marcada monumentalidade. Também a linguagem narrativa é vigorosa, como pode observar no perfil de Elisabetta e na eliminação do ombro da Virgem. No conjunto, esta obra é um importante contributo de Mariotto à arte florentina do novo século.
Ridolfo del Ghirlandaio (1483-1561) Retrato feminino (a Freira) Alonso Berruguete (1486-1561) Salomé Fra’ Bartolomeo (1472-1517) Aparição da Virgem a São Bernardo
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■ Miguel Ângelo (1475-1564), Tondo Doni, 1504-05 A forma circular da pintura testemunha que a obra destinava-se à devoção privada. O tema da Sagrada Família surge em sintonia com a ocasião para a qual é executado este quadro, isto é, o casamento de Agnolo e 4
Maddalena Doni. A Virgem senta-se no chão, segundo uma iconografia de origens medievais que representava Maria como a Madonna da humildade. A composição parece bastante dinâmica: a Virgem é representada enquanto recebe o pequeno Jesus das mãos de José.
Quer o corpo da Virgem quer o do Menino caracterizam-se por uma potente musculatura que torna as figuras semelhantes a esculturas. Por detrás do grupo surge o pequeno São João Baptista, reconhecível pelas vestes de pele de camelo. São João ocupa um espaço separado do da Sagrada
Família, a indicar a separação entre a época do Velho Testamento, representada por São João Baptista, e a da Redenção, personificada pela Virgem com o Menino Jesus. Ao fundo, os indivíduos nus provavelmente representam a humanidade que ainda não recebeu de Deus as tábuas das leis. 5
Sala 26 de Raffaello e de Andrea del Sarto
A
ndrea del Sarto era verdadeiramente o “pintor sem erros”, como o define Vasari? Pode-se avaliá-lo através das suas obras presentes nesta sala. Em particular, a Madonna das harpias chama a nossa atenção pela perfeição e equilíbrio das figuras, que nos faz quase ignorar as outras obras-primas presentes na sala. E contudo estão aqui expostas algumas obras de Raffaello de rara beleza, como os retratos juvenis do duque Guidobaldo da Montefeltro e de Francesco Maria Della Rovere que dialogam entre si imersos numa pura e serena abstracção. Pertence por sua vez à maturidade do pintor a grande tela com Leão X e os cardinais Giulio de’ Medici e Luigi de’ Rossi. A obra fora enviada pelo próprio Papa a Florença por ocasião do casamento de Lorenzo Duque de Urbino com Madeleine de La Tour d’Auvergne em 1518. Fecha esta série de obras-primas de artistas da zona de Urbino a célebre Madonna do pintassilgo, que foi recentemente restaurada e regressou ao seu antigo esplendor.
Raffaello (1483-1520) Auto-retrato
Raffaello (1483-1520) Retrato de Elisabetta Gonzaga
■ andrea del Sarto (1486-1530), Madonna das harpias, 1517 No rosto da Virgem, aqui retratada quase como se fosse uma estátua animada, colocada como está numa base esculpida entre um nicho escavado na parede, o pintor Andrea del Sarto representou mais uma vez Lucrécia, a sua amada esposa com a qual se casou em 1518. Na base em que está a Virgem podemos ler o ano de realização da obra, 1517. Dos lados da inscrição observamos esculturas bizarras. Algumas foram identificadas com as mitológicas harpias (das quais recebe o nome o quadro), outras
com esfinges, mas na realidade são gafanhotos que o pintor inseriu inspirando-se no nono capítulo do Apocalipse. Pode-se reconhecer uma influência de Miguel Ângelo na monumentalidade das figuras, mas suavizadas com um ténue claro-escuro que recorda Leonardo, para além das cores brilhantes exaladas pelos ricos reflexos de luz. A composição no geral resulta de forma harmoniosa e muito equilibrada, com a Virgem que funciona como eixo central para as outras figuras movimentadas por uma leve rotação contrária.
■ raffaello (1483-1520), Madonna do pintassilgo, 1506 Narra uma lenda que um pintassilgo se pôs a retirar os espinhos da coroa que feria Cristo crucificado e que, sujando-se com sangue, o passarinho ficou para sempre com a mancha vermelha na cabeça. É por este motivo que esta belíssima obra do jovem Raffaello san Giovanni apresenta um pintassilgo apoiado no Menino Jesus, que o acaricia, símbolo da aceitação da Paixão que o espera. A Virgem está sentada sobre uma rocha, enquanto 8
interrompe a leitura para desviar ternamente o seu olhar para os meninos que brincam à sua frente. Alguns elementos recordam-nos as obras de Leonardo, como o rosto docemente esfumado da Virgem, por exemplo, e as atmosferas da paisagem. A composição recorda-nos a Virgem das Rochas, obra na qual o grupo de figuras centrais está igualmente organizado num esquema em pirâmide. Mas para além das influências, nesta obra a paisagem e as figuras são unidas pela harmonia e pela serenidade típicas do Raffaello do último período florentino, o período anterior à sua partida para Roma.
Sala 27 de Pontormo e de Rosso Fiorentino
■ raffaello (1483-1520), Leão X com os cardinais Giulio de’ Medici e Luigi de’ Rossi, 1518-19 Um dos filhos de Lorenzo o Magnífico, Giovanni, foi obrigado a seguir a carreira eclesiástica, que percorreu com grande distinção até ser eleito Papa em 1513 com o nome de Leão X. Raffaello mostra o pontífice na companhia de dois 0
sobrinhos: os cardeais Giulio de’ Medici e Luigi de’ Rossi. Exames de laboratório demonstraram porém que as figuras dos dois cardeais foram pintadas num segundo momento. Inicialmente, a obra tinha sido concebida como o retrato de Leão X sozinho, transformado depois numa exaltação da sua dinastia. Leão X é retratado sentado,
examinando com a lente de aumento um maravilhoso código decorado com letras vermelhas. Inserindo estes poucos elementos, Raffaello representa o amor que o Papa nutria pelas artes e a sua predilecção humanística e antiquária. O rosto do Papa é representado tal como era, sem embelezamentos, enquanto que a obra
impressiona pela sua riqueza cromática, em que é enfatizada a variedade de materiais e de tecidos com um incrível jogo de diversos tons de vermelho. Ressalta depois o claro contraste entre as partes iluminadas e as que permanecem na sombra, e no geral a densidade compositiva do quadro.
Bronzino (1503-1572) Sagrada Família Panciatichi
Rosso Fiorentino (1494-1540) Virgem no trono com os santos João Baptista, António Abade, Estêvão e Jerónimo
Jacopo Pontormo (1494-1556) A ceia em Emaús
Rosso Fiorentino (1494-1540) Moisés defende as filhas de Jetro
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Sala 28 de Tiziano e de Sebastiano del Piombo
Q
uanto deve a arte italiana aos pintores venezianos dos primeiros anos do século XVI? Basta observar as obras-primas presentes nesta sala para se ter uma ideia. São numerosas as obras de Tiziano, algumas das quais chegaram às colecções dos Medici graças à herança de Vittoria della Rovere, última descendente dos duques de Urbino e esposa de Ferdinando II de’ Medici. Numa recordação desta origem, é chamada Vénus de Urbino a obra mais célebre desta sala, bem como o quadro mais amado da galeria. A arte veneziana do primeiro decénio do século XVI reconduz-nos também à intrigante Morte de Adónis de Sebastiano del Piombo, pintor veneziano que é influenciado principalmente pelo dinamismo e pela força das obras de Miguel Ângelo. Os belíssimos e intensos retratos do período juvenil de Tiziano, entre os quais vemos o Retrato viril dito “homem doente”, Flora e o Retrato do Cavaleiro de Malta, concluem o percurso ligado ao artista de Pieve di Cadore.
Tiziano Vecellio (1480/90-1576) Virgem das rosas 72
Tiziano Vecellio 1480/90-1576) Retrato viril
Palma, o Velho (1480-1528) Judite
Sebastiano del Piombo (c. 1485-1547) A morte de Adónis 73
■ Tiziano Vecellio (1480/90-1576), Vénus de Urbino, 1538 A figura feminina nua, sem pudor e estendida sobre um lençol branco, atrai e encanta o olhar do observador. Pintada por Tiziano para o duque de Urbino Guidobaldo della Rovere, é uma deusa magnética e profana, provavelmente retratada com as feições de uma cortesã, que atrai o espectador com o seu olhar consciente e malicioso, com controlo total da sua inegável sensualidade. Recorda a Vénus adormecida de Giorgione, no qual de facto o artista se inspira mas, ao contrário dessa, a deusa de Tiziano cai numa dimensão completamente profana. Apercebemo-nos disso observando o fundo, onde não encontramos uma paisagem idealizada de suaves colinas clássicas, mas sim o interior de um edifício
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veneziano, no qual se podem reconhecer ao fundo duas criadas a trabalhar. ■ Tiziano Vecellio (1480/90-1576), Flora, 1515 Estamos perante uma obra juvenil de Tiziano que representa a antiga deusa da Primavera, Flora. Também aqui, tal como na sucessiva Vénus de Urbino, exposta nesta mesma sala, a figura emana uma forte carga de erotismo. O cabelo cai em reflexos dourados sobre os ombros da jovem mulher, que tem na mão folhas e flores de rosa. Uma misteriosa melancolia é transmitida nos traços irregulares do rosto ligeiramente inclinado de perfil, enquanto o tecido ligeiro e fino da roupa interior mal cobre o seio. O rosto, com traços muito claros, recorda quase todos os modelos clássicos das
estátuas romanas. É ainda evidente a ligação de Tiziano com o seu mestre Giorgione. Contudo, estão já presentes notáveis sinais do
seu surpreendente talento, sobretudo em detalhes de difícil execução, como a diminuição em perspectiva do antebraço da deusa.
Sala 29 de Dosso e de Parmigianino
Dosso Dossi (c. 1479-1542) Repouso durante a fuga para o Egipto Amico Aspertini (1474-1552) Adoração dos pastores Dosso Dossi (c. 1479-1542) Bruxaria ou Alegoria de Hércules 76
Parmigianino (1503-1540) Virgem de pescoço comprido Parmigianino, (1503-1540) Virgem de São Zacarias
Sala 30 Sala dos Emilianos do século XVI
Sala 31 de Veronese
Ludovico Mazzolino (c. 1480 - c. 1528), A circuncisão Ludovico Mazzolino (c. 1480 - c. 1528), A Virgem com o Menino e os santos Ludovico Mazzolino (c. 1480 - c. 1528), Massacre dos inocentes
Veronese (1528-1588), Sagrada Família com Santa Bárbara e São João 78
Veronese (1528-1588), Martírio de Santa Justina
Veronese (1528-1588), Anunciação
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Sala 32 de Bassano e de Tintoretto
Tintoretto (1518-1594), Leda e il cigno
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Jacopo Bassano (1515-1592), Dois cães
Tintoretto (1518-1594), Retrato de um almirante veneziano
Sala 33 Corredor do século XVI
Tintoretto (1518-1594), Retrato de Jacopo Sansovino
Giorgio Vasari (1511-1574), A frágua de Vulcano
Bronzino (1503-1572), Alegoria da Felicidade
Andrea Boscoli (c. 1560 - c. 1607), São Sebastião
Alessandro Allori (1535-1607), O sacrifício de Isaac
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Sala 34 dos Lombardos do século XVI
Sala 35 de Barocci e da Contra-reforma Toscana CONTROLLARE TRADUZIONE PER BAROCCI
Federico Barocci (1526-1612), A Virgem e a gata Federico Barocci (1526-1612), A Virgem do povo Ludovico Cigoli (1559-1613), Deposição Ludovico Cigoli (1559-1613), São Francisco recebe os estigmas
Bernardino Licinio (c. 1489 - c. 1565), Nua
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Giovanni Girolamo Savoldo (c. 1480 - c. 1548), Transfiguração
Lorenzo Lotto (1480-1556), Susana e os velhos
Giovan Battista Moroni (c. 1525 - c. 1578), Retrato do cavaleiro Pietro Secco Suardo 83
Sala 42 de Niobe
Peter Paul Rubens (1577-1640), Chegada triunfal de Henrique IV a Paris
Arte romana, Estátua de ninfa ou musa chamada Trophos dos Niobides
Sala 43 do século XVII italiano e europeu
Peter Paul Rubens (1577-1640), Henrique IV na batalha de Ivry
Mattia Preti (1613-1699) Vanitas Domenico Feti (1589-1624) Ecce Homo Annibale Carracci (1560-1609) Vénus, sátiro e amores 84
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Sala 44 de Rembrandt e dos Flamingos do século XVII
Sala 45 do século XVIII italiano e europeu
Jean Etienne Liotard (1702-1789) Maria Adelaide de França vestida de turca Giuseppe Maria Crespi (1665-1747) A pulga Francisco Goya (1746-1828) Retrato de Maria Teresa de Vallabriga a cavalo
Rembrandt (1606-1669) Auto-retrato jovem Rembrandt Auto-retrato com corrente e pendente Jacob van Ruysdael (c. 1628-1682) Paisagem com pastores e camponeses 86
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Sala de Caravaggio
A
arte pode também ser “terrível”, e as obras de Caravaggio e dos seus seguidores presentes nesta sala são-no verdadeiramente. Três obras-primas juvenis de Caravaggio confrontam-se numa sucessão ideal: Medusa, cuja cabeça decepada pelo herói Persa é exibida num escudo redondo, o Sacrifício de Isaac, em que o gesto cruel de Abraão é miraculosamente suspenso pela chegada do anjo, e Baco, que nos acolhe oferecendo-nos um copo de vinho. O tema da decapitação, que pela sua dramaticidade foi muito desenvolvido na pintura seiscentista, é retomado nos quadros de Battistello Caracciolo, Salomé com a cabeça de Baptista, e de Artemisia Gentileschi, Judite decapita Holofernes. A decoração particular do ambiente permite confrontar facilmente os artistas seguidores do grande pintor lombardo, empenhados no tratamento de sujeitos semelhantes numa relação directa com o mestre.
Jean Baptiste Siméon Chardin (1699-1779) Jovem com peteca 88
Jean Baptiste Siméon Chardin (1699-1779) Jovem que joga às cartas
Canaletto (1697-1768) Vista do Palácio Ducal
■ Caravaggio (1571-1610), Sacrifício de Isaac, 1603 Caravaggio é capaz de transformar uma história agrada, O Sacrifício de Isaac, num acto de extrema violência; de facto, Abraão segura com determinação a faca para sacrificar o seu filho a Deus; Isaac grita desesperado o seu medo, com o jovem rosto desfigurado pelo grito. O pai está pronto a cometer o terrível gesto e parece nem se aperceber do desespero do filho. Apenas a chegada providencial do anjo interrompe a cena. O mensageiro de Deus aponta com o dedo um carneiro, que surge da escuridão e que será a vítima no lugar do rapaz. O fluxo de uma energia brutal parece ligar
entre si os volumes dos protagonistas, desde o anjo a Isaac, passando por Abraão. O formato da tela que,
no seu corte horizontal, se concentra nos três quartos das figuras dos protagonistas, e o uso da luz, que faz surgir da
sombra alguns elementos da cena em primeiro plano, contribuem para a dramaticidade desta representação. 89
■ Caravaggio (1571-1610), Medusa, 1590-1600 O olhar alucinado, a expressão do rosto deformado e a violência do sangue que escorre copioso: eis o terrível rosto dos condenados à morte por decapitação, fielmente reproduzido por Caravaggio. Ou pelo menos é muito 90
provável que o artista se tenha inspirado mesmo naquelas almas desafortunadas, vista a absoluta fidelidade com a qual normalmente utilizava os modelos reais. O sujeito da Medusa, de origem clássica, é aqui elaborado numa nova imagem, dotada de um realismo extraordinário e
de uma força expressiva sem par. A cabeça decepada é animada por uma prepotente vitalidade, acentuada pela forma convexa desta originalíssima tela. Caravaggio realizou-a sob encomenda do cardeal Del Monte, que a montou num quadro circular para
oferecer ao grão-duque da Toscana como escudo para a sua armadura de gala. A górgone, de facto, era muitas vezes representada nas armaduras dos séculos XVI e XVII, uma vez que, segundo a lenda grega, o olhar de Medusa transformava em pedra quem se cruzasse com ele.
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■ Caravaggio (1571-1610), Baco, 1596-97 Pode parecer incrível hoje em dia saber que uma obra tão famosa possa ter entrado na galeria apenas em 1913, depois de ter sido descoberta nos depósitos do museu. Isto pode-se explicar, no entanto, com o facto de 92
que os gostos mudam com o tempo, e aquilo que era considerado não apropriado vem-se depois a descobrir como belíssimo. Baco é uma imagem extraordinariamente moderna e transgressiva do classicismo que é aqui reinterpretado em absoluta liberdade, com um acentuado realismo.
A pose da figura e o manto que cai sobre um ombro fazem de facto lembrar as representações dos antigos banquetes. Mas se observarmos os elementos realistas em que insiste o pintor, como o detalhe das unhas sujas e as bochechas rosadas do rapaz, percebemos quão complexa e ambígua é a
relação com o classicismo, que convive com elementos de um naturalismo sensual, imediato e contemporâneo. Até as folhas frescas e a fruta madura são extraordinariamente realistas, objecto de estudo do pintor, que lhes garantiu a mesma atenção reservada à figura do deus em primeiro plano.
■ artemisia Gentileschi (1597-1652), Judite e Holofernes, 1620 Ao longo do tempo, muitos duvidaram que a autora de um quadro tão dramático e cruel pudesse ser uma mulher, Artemisia Gentileschi.
E no entanto, foi mesmo uma mulher que quis impregnar a cena em que Judite decapita Holofernes com um realismo muito cruel e que soube retratar protagonistas tão frias e determinadas: Judite, ao cumprir um massacre,
parece apenas preocupada em evitar o esguicho de sangue para não se sujar. Mesmo a criada que está ao seu lado e que a ajuda neste gesto selvagem parece fria e impiedosa, impassível enquanto a lâmina corta a garganta de Holofernes.
Esta tela faz recordar Caravaggio, pelo sujeito trágico e o gesto cruel representados, tornando-se ainda mais dramáticos pelo uso teatral e sábio da luz, além do contraste cromático do sangue no leito cândido.
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Sala de Bartolomeo Manfredi Sala de Gherardo delle Notti Sala dos Caravagescos
Sala de Guido Reni
Guido Reni (1575-1642), David com a cabeça de Golias Guido Reni (1575-1642), A Virgem com o Menino e as santas Lúcia e Madalena (A Virgem da neve) Guido Reni (1575-1642), Êxtase de Santo André Corsini
Bartolomeo Manfredi (1580-1620), Disputa com os doutores (Sala de Bartolomeo Manfredi) 94
Gerrit van Honthorst (1590-1656), A boa ventura (Sala de Gherardo delle Notti)
Gerrit van Honthorst (1590-1656), Adoração do Menino (Sala de Gherardo delle Notti)
Regnier Nicolas (c. 1590-1667), Cena de jogo com adivinho (Sala dos Caravagescos)
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