Capas de discos no Brasil - Anos 60: Bossa Nova e Tropicalismo

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história da tecnologia e do desenho industrial

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1. introdução 2. contexto 3. bossa nova 4. tropicália 5. referências

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no brasil

anos 60: bossa nova e tropicalismo

capas de discos

Relatório do seminário apresentado na disciplina História da Tecnologia e do Desenho Industrial do curso de Desenho Industrial da Universidade Federal do Espírito Santo, como exigência da disciplina para obtenção de nota.

Daniel Dutra Glenda Barbosa Isabela Malacarne Marianna Schmidt Profa Letícia Pedruzzi

Vitória, ES 2010


introdução 4

contexto 6

bossa nova 13

tropicália 22

referências 38 3


introdução

A música popular brasileira, mundialmente reconhecida e aclamada por suas características singulares, durante o século XX, desempenhou importante papel no processo cultural do país. É simples perceber seu relacionamento com os fatos sociopolíticos de nossa história e visualizar a indústria fonográfica brasileira modificando-se junto com a sociedade, a economia, o regime político. (Laus, 1998) Essa música, entre outras particularidades, também possui uma cara. Esta modificou-se com o passar do tempo e das alterações ocorridas no cenário cultural. Inserido neste processo também está o design gráfico; é ele o responsável pela cara da música: as capas dos discos. Passando pela Época de Ouro, o auge dos cantores de rádio, pelos discos de 45 e então para os long-playings de 33 rotações, a chegada da televisão, a modernização de JK; o carnaval, o samba-canção, a Bossa Nova, a Jovem Guarda, os festivais, os militares, os protestos, a Tropicália; a modernidade e a pós. É nos anos 1950 que o design, no Brasil, passa a ser valorizado – na onda de modernidade que se instaurara, este passava a ser valorizado como um fator de superação do subdesenvolvimento. Este trabalho pretende apresentar o surgimento do projeto gráfico de capas de discos no Brasil, tratanto especificamente de dois momentos: a Bossa Nova, cuja estética minimalista e de inspiração modernista fora instituíta pelo artista gráfico César Villela e a Tropicália, movimento de caráter pós-moderno, cujo maior expoente no design gráfico foi o bahiano Rogério Duarte. Parafraseando André Villas-Boas, o percurso do design gráfico nas últimas décadas tem sido pontuado por suas inserções na música, começando pelo neo-rock inglês, o movimento hippie, passando pela nossa Tropicália, o punk, o pop britânico e chegando aos dias atuais. A indústria fonográfica sempre teve uma enorme demanda por itens gráficos (Villas-Boas, 2000a) A começar pelas capas dos discos. (Rodrigues, 2007: 48)

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contexto 6

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Escrever sobre a história do design das capas de discos no Brasil implica numa breve análise a respeito da introdução da indústria fonográfica no Brasil e no contexto histórico, social e econômico em que ela se insere. Afinal, como toda pesquisa história, o objeto estudado deve ser situado em um contexto para que possa ser analisado. Primeiramente, é importante lembrar que, apesar de um relativo atraso, o Brasil foi pioneiro em muitos aspectos nessa indústria. A invenção do processo de gravação musical teve seu inicio nos Estados Unidos, nos fins do século XIX. Pode-se dizer que tal invento passou pelas mãos de grandes inventores como Thomas Edison e Graham Bell. Entretanto, apenas com o aperfeiçoamento do graphophone de Graham Bell por Emile Berliner tornou-se possível a sua comercialização em 1888 com o nome de gramophone. Em 1893, deu-se inicio a industrialização desse processo, o que permitiu a reprodução de cópias, sendo este o ponto de partida para o mercado do entretenimento do mundo da música. No Brasil, a novidade chegou primeiro ao Rio de Janeiro por meio de Frederico Frigne, em 1892. Com a venda de aparelhos, cilindros e chapas gravadas, fundou a Casa Edison, em 1900, além de fazer as primeiras gravações comerciais do Brasil, incluindo a primeira “chapa dupla”, uma gravação feita dos dois lados da chapa - inovação que chegou aqui antes mesmo de existir nos Estados Unidos e na Europa. Inicialmente, os discos eram vendidos em envelopes de papel pardo, os quais possuíam um circulo vazado no centro, em que era possível visualizar o selo colado ao disco que guardava. Para diferenciar os estilos musicais utilizavam-se discos de tamanhos diferentes: dez polegadas de diâmetros eram para músicas populares, doze polegadas para músicas eruditas.

Gramophone

Em 1913, surge na América Latina a primeira fábrica de discos, a Odeon, fruto da sociedade entre a empresa alemã International

Cilindro comercializado pela Casa Edison

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Talking Machine e Fred Figner e sua casa Edison, no Rio de Janeiro. Seu nome é uma homenagem ao famoso teatro parisiense e faz alusão ao Odeon Grego, um local de reunião ateniense usado para ouvir poesia e música. O potencial do mercado brasileiro era tão grande que a fábrica veio a se tornar a maior produtora de discos desde sua fundação até o fim da década de 1920. Com a Primeira Guerra Mundial, na Europa a indústria fonográfica sofreu uma enorme paralisação, o que proporcionou às Américas o surgimento de uma grande onda de modismo, ligado à dança e a música, sem precedentes na história. Então, em 1920, surgem os tempos do ragtime, do fox-trot, paso doble, do charleston e do maxixe, todas danças e ritmos com origens no continente americano. Nos fins dos anos de 1920 muitas coisas aconteceram, chegam ao Brasil as gravações elétricas – um sistema de gravação eletromagnético mais sensível que garantia maior qualidade e fidelidade a reprodução – juntamente com as duas maiores fabricas de discos norte-americanas na época, a Columbia e a RCA-Victor. Tais novidades trazem consigo uma disputa acirrada por mercado, ocasionando investimentos pesados em pesquisas de novas tecnologias aplicadas ao disco. Foi ainda no ano de 1929 que se iniciou a chamada Época de Ouro, pois, com a crise mundial e as diversas conseqüências que isso trouxe para a economia em todo o mundo capitalista, aumentou a procura de produtos nacionais, incluindo-se nesse meio a música, o que levou à valorização do mercado interno e consequentemente incentivou a industrialização. Assim, com o apoio do governo e de intelectuais da época, a música brasileira pôde tornar-se o maior fator de integração e identidade nacional. Além disso, o cinema falado, a gravação elétrica e a venda maciça de fonógrafos, juntamente com o surgimento da rádio comercial, abriram as portas para a concretização das bases tecnológicas e a renovação da música popular brasileira, na qual foi intro-

Selo da fábrica Odeon

Fox-trot, um dos novos ritmos americanos

Selos das gravadoras RCA-Victor e Columbia

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duzido o samba e uma legião de cantores e compositores, que seriam consagrados mais tarde. Finalmente, é na entrada nos anos 1930 que se pode começar a enxergar o disco com olhos de designer. Indícios sugerem que os discos que chegavam do exterior para a Casa Edison vinham embalados em caixas de papelão com um papel intercalado e somente quando chegavam aqui recebiam embalagens individuais e eram vendidos numa espécie de envelope de papel pardo, parecido com o kraft, de baixa gramatura, uma abertura de um lado e um círculo central vazado com o mesmo diâmetro do rótulo do disco para possibilitar a leitura do mesmo. Esse rótulo trazia impresso o nome do artista, os nomes das músicas, autores, o estilo musical entre outras informações complementares, as quais eram dispostas numa tipografia comum com serifa ou bastão, num corpo sempre abaixo de 14 pontos, enquanto toda sua área superior era preenchida pelo logotipo da gravadora. Esse tipo de embalagem individual foi por muito tempo vendido somente pelas gravadoras e por isso serviam de veiculo de propaganda dos discos e equipamentos da companhia. Posteriormente, quando os discos passaram a ser vendidos em outras lojas, estas imprimiam seus próprios envelopes contendo anúncios de seus próprios produtos, o que fez com a que a embalagem passasse a servir apenas para proteger os discos, na ausência dos álbuns. Os álbuns, por sua vez, tinham a finalidade de guardar e organizar os discos, criados inicialmente pela necessidade d armazenar as várias músicas de concerto que compunham uma única obra orquestral, devido o reduzido tempo de gravação que cada chapa possuía. O nome do álbum originou-se dos álbuns de fotografia por suas características bastante semelhantes. A capa era coberta por um tecido que imitava o couro e com estampas prateadas ou douradas, geralmente trazendo o nome do proprietário, autores musicais ou numeração no rosto e na lombada, dentro havia divisões de seis a doze envelopes. Algumas

Capa da gravadora RCA-Victor

Álbum contendo uma sinfonia de Mozart

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continham até molduras e outros elementos em relevo. Com o passar do tempo, os envelopes contendo apenas textos passaram a apresentar ilustrações e vinhetas ainda no papel tipo kraft com impressão em preto ou tinta especial utilizando, no máximo, duas cores. Já por volta dos anos 1940, começa utilização das fotografias de artistas, impressas em apenas uma cor. Vale lembrar que a capa personalizada ainda não pode ser reconhecida como tal nessa época, o que vem a acontecer quando ela passa a remeter ao conteúdo especifico daquele disco. Entretanto, essa mudança no envelope exigiu das fábricas uma preocupação e trabalho maior quanto à embalagem marcada por um novo gênero de discos: os discos de carnaval, com ilustração e texto único para todos os discos de carnaval do ano de 1945, criado pela RCA Victor. Em 1951, chega ao Brasil o long-playing trazido pela gravadora Sinter com uma seleção de músicas para o carnaval, tornando o Brasil o quarto país no mundo a editar um LP - atrás apenas da França, Inglaterra e Estados Unidos. Em todo caso, a existência do LP só aconteceu devido ao desenvolvimento tecnológico pós-guerra, pois a matéria-prima do disco, o vinil, foi criada para satisfazer a necessidade de se encontrar um substituto para a borracha natural, bastante escassa durante a Segunda Guerra Mundial. Os primeiros long-playing seguiam os padrões de divisão das chapas, 10” para música popular e 12” para a clássica, e continham quatro faixas de cada lado. Apesar da evolução quanto ao número de faixas, o pioneirismo brasileiro não obteve tanto retorno quanto se esperava, pois a quantidade de toca-discos no Brasil era bem escassa, o que tornava o mercado consumidor muito pequeno. Por conta disso, o lançamento de LPs no Brasil por algum tempo foi apenas anual. O disco de vinil só ganhou popularidade mesmo quando surgiram os toca-discos portáteis, baratos, e um novo público consumidor: os jovens. Um público que causaria, a partir de então, uma revolução no mercado.

Selo da gravadora Sinter

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As capas personalizadas no Brasil começaram a ganhar forma nos fins dos anos 1940. Trata-se de discos infantis, contendo histórias cantadas como Branca de Neve e os sete anões, A Gata Borralheira, Alice no país das maravilhas, A formiga e a neve, Chapeuzinho Vermelho e a História da baratinha, lançados pela gravadora Continental e com desenhos de capa assinados por Alceu Penna e Nássara. Foi no ano de 1950 e em seus anos seguintes que as capas de discos no Brasil começaram a ser vistas como tal. Nesse ano foram lançados os discos Cantigas de Roda e Noel Rosa, com desenhos de Di Cavalcante, e nos anos seguintes várias capas ilustradas, em álbuns como Jacob do Bandolim interpreta Nazarete, Zequinha de Abreu, Mário Reis canta Sinhô, Francisco Alves, entre outros. Porém, são nas capas de LPs que pode-se perceber que o trabalho continuado de design começou.

Capa ilustrada: A história da baratinha

O primeiro LP lançado no Brasil, por exemplo, continha uma ilustração de Paulo Bréves, ilustrador e capista da Sinter por mais de uma década, criada para uma seleção de sucessos do carnaval que se intitulava Capitol – carnaval em long playing. É muito comum encontrar nas primeiras capas personalizadas a partir de então um design constituído de ilustrações e um lettering desenhado a mão, geralmente assinado por Lan, Nássara ou Miécio Caffé. Depois de décadas utilizando o rótulo pra compor as informações da capa, a contracapa só começou a ser trabalhada e conter textos sobre os discos e fotos dos artistas em meados da década de 1950. Até então pouco se fazia com o novo espaço, limitando-se apenas ao destaque do logotipo da gravadora com impressão em preto e branco. A partir da segunda metade dos anos 1950, o LP já tinha obtido um reconhecimento considerável. Se o rádio tinha sido o grande divulgador da música até então, a televisão, que durante quase uma década se restringiu a um pequeno grupo com

Capitol, seleção de sucessos do carnaval

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poder econômico, a partir do anos 1960 ela passa a dominar o mercado e, consequentemente, a imagem do artista passa a ser valorizada, glorificada, endeusada. Isso obrigou as gravadoras a desenvolver capas com fotos dos cantores e com um maior cuidado gráfico. Assim, surgiu no mercado uma espécie de parceria profissional nas artes gráficas, a qual se constituía de um fotógrafo e um diretor de arte (ou layout man) que era responsável pela construção do layout das capas e contracapas. Um exemplo dessa parceria era a relação entre o fotógrafo Mafra e Joselito de Oliveira Mattos, ilustrador de revistas e um dos mais conhecidos designers de capas de discos por quase 30 anos. As gravadoras trabalhavam com essas duplas num sistema parecido com o trabalho de freelances hoje. Entretanto, as duplas normalmente faziam a grande maioria das capas da gravadora para qual trabalhavam. Depois da grande fase da ‘Época de ouro’, que se estendeu de 1929 a 1945 em todo o país surge a segunda grande fase da MPB com a Bossa Nova, em 1958, seguindo até o fim da era dos festivais, em 1972. Com o golpe de 1964, vêm as músicas de protesto. É o tempo dos festivais, da Jovem Guarda e da Tropicália. Esses são os estilos musicais mais influentes na produção de capas de discos, com seus respectivos designers César Villela e Rogério Duarte, como será abordado nos capítulos a seguir.

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A Bossa Nova surge como movimento da música popular brasileira no final dos anos 50. Em meio à atmosfera carioca, ao mesmo tempo despojada e apaixonada, a Bossa Nova nasce idealizada por João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e outros jovens cantores e compositores de classe média da Zona Sul carioca. (Castro, 1990)

anos 50 e 60: surgimento da bossa nova

Historicamente o movimento tem como marco inicial o lançamento, em 1958, do LP Canção do Amor Demais, gravado por Elizabeth Cardoso, com música de Tom Jobim e letra de Vinícius de Moraes e o selo da gravadora Odeon. O acompanhamento feito pelo violão de João Gilberto e os acordes dissonantes de Tom Jobim introduzem uma nova batida, identificada como a Bossa Nova. Dizer que a Bossa Nova é um produto de Copacabana é fato incontestável. Afinal era lá que moravam Nara Leão, no famoso apartamento do Posto 4, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal, onde ficavam o Beco das Garrafas e os demais clubes famosos em Ipanema nos anos 50. A juventude de compositores e cantores viam-se dia e noite, bebia, pescavam, compunham juntos; trocavam idéias, namoradas e Harmonias. (Maciel; Chaves, 1994)

A expressão Bossa Nova designa genericamente um “novo jeito de fazer alguma coisa”. A palavra bossa era um termo da gíria carioca que, desde os anos 40, significava: jeito, maneira, modo. Quando alguém fazia algo de modo diferente, original, de maneira fácil e simples, dizia-se que esse alguém tinha bossa. (Castro, 1990)

A Bossa Nova nasce opondo-se a tudo e a todos que a juventude carioca achava superado, velho, antigo: as letras tristes e melancólicas, a saturação dos jovens ouvidos pelos ritmos 'abolerados' e dos 'sambas-canção'. A Bossa Nova propunha diferentes harmonias, poesias mais simples, novos ritmos. O Ritmo seria a batida do relógio, do pulso, do coração. A Bossa

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Nova não seria melhor nem pior. Seria completamente diferente de tudo, mais intimista, mais refinada, mais alegre, mais despreocupada, otimista. Diferente. (Castro, 1990) Analisando seus aspectos puramente musicais, a Bossa Nova caracteriza-se por uma maior integração entre melodia, harmonia e ritmo, letras mais elaboradas e ligadas ao cotidiano, valorização da pausa e do silêncio e uma maneira de cantar mais despojada e intimista do que o estilo que vigorava até então. A música popular brasileira anterior à Bossa Nova, tinha como destaque a melodia. Os artistas que cantavam o Bolero e o Samba-canção, estilos que predominaram na sociedade brasileira dos anos anteriores, tinham uma preocupação em que a melodia pudesse ser facilmente entendida e memorizada; por isso a harmonização era geralmente simples e consonante, e não dissonante, destoante, para melhor compreensão, como a harmonia proposta pela Bossa Nova, como que para não “aparecer” mais que a melodia, e para não dificultar sua compreensão.Os artistas da Bossa Nova procuraram integrar melodia e harmonia na realização da obra, de maneira a não se permitir a prevalência de qualquer deles sobre os demais. De acordo com uma definição de Tom Jobim, a bossa nova é “o encontro do samba brasileiro com o jazz moderno”. É musicalmente percebido semelhanças entre a harmonia da Bossa Nova com o jazz americano dos anos 50. Esse fato levou a muitos críticos da época atacar a Bossa Nova como a mistura da técnica musical americana com a poesia brasileira. (Castro, 1990; Maciel, Chaves. 1994)

Observando o lirismo e poesia das composições, as letras das músicas são marcadas pela vida dos artistas, retratam, na maioria das vezes o cotidiano dos jovens, a vida apaixonada, tranqüila, vivida. As letras também sofrem toda a influência do movimento, passam a ser valorizadas não apenas por suas mensagens, mas também pela sua sonoridade, a fonética das palavras. As composições ganharam um valor de individualida-

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de sonora. O lirismo exagerado, a voz passiva e outras figuras de linguagem rebuscadas perdem seu lugar para uma linguagem mais próxima do coloquial, mais intimista. A integração entre letra e melodia é tão marcante, que algumas letras descrevem o percurso da melodia, é o caso de Samba de uma nota só e Desafinado. Tom Jobim dizia que a concepção do canto na Bossa Nova é cool: cantar sem procura de efeitos ou interpretações melodramáticos, sem malabarismos melódicos. Embora bem recebida pelo público jovem, as letras despreocupadas, e alheias aos problemas sociais da época fazem, juntamente a outros fatores sociais contextuais, com que, a partir de 1964, a Bossa Nova comece a perder espaço para outras tendências, como a Jovem Guarda e o Tropicalismo, resultando em uma mudança radical de valores na música brasileira. A Bossa Nova é, até hoje, consagrada mundialmente, superou qualquer discussão e conquista um público que reúne desde críticos ferozes até apreciadores entusiasmados. A Bossa Nova alcançou identidade, e hoje pode ser considerada como um símbolo nacional brasileiro. Garota de Ipanema, de Tom e Vinícius, e Wave, de Tom Jobim, estão entre as músicas mais gravadas em todo o mundo. A música brasileira deixou de ser uma curiosidade exótica e passou a integrar o repertório dos músicos e dos ouvintes mais sofisticados no mundo inteiro. (Castro, 1990) As mudanças introduzidas pela Bossa Nova, no entanto, não ficam só no campo musical. É com ela que surge, pela primeira vez no Brasil, a idéia de um projeto gráfico para a capa do disco. Com influências do funcionalismo modernista, as capas adquiriram uma simplicidade inédita no país. (Rodrigues, 2007:21) O maior expoente do design bossanovista é César Gomes Villela, cujas capas criaram a identidade da Bossa Nova e serviram de influência para vários designers que vieram em seguida. A simplicidade contida nessa identidade é explicada pelo próprio Villela:

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as lojas expunham nas vitrines as capas, um monte de capas. Eu játinha observado que era uma poluição muito grande, mesmo as minhas ficavam confusas junto às outras. E eu pensava em simplificar para aparecer mais, não ter muito detalhes (Villela, 2001 apud Rodrigues, 2007: 21).

Cesar G. Villela começou a vida profissional em 1950, é de uma geração anterior ao surgimento das Escolas de Design no Brasil, sua formação foi a vida. No começo ilustrou duas revistas de professores, Humanidades e Gente Nova, no Instituto Lafayette onde estudou (Laus, 2005).

césar g. villela

Começou sua carreira como ilustrador e cartunista em revistas infantis como Tico-Tico, Vida Infantil e Vida Juvenil. Foi trabalhar como desenhista das revistas de quadrinhos da Rio Gráfica Editora (hoje Editora Globo). Dentre seus colegas desenhistas estavam Getúlio Delphim e Flávio Colin, além de José Luiz Benício. Entre os "paginadores" estava Mário Salles, que lhe apresentou o trabalho de Mondrian, o qual, segundo Villela (2003 apud Laus, 2005), "influenciava, na época, a arquitetura as paginações, as capas de livros e as próprias artes plásticas". Migrou para o jornal O Globo, onde ilustrava crônicas de Elsie Lessa, Henrique Pongetti e do "Ouvinte desconhecido" (Djalma Sampaio), entre outros. Segundo Laus (2005), duas tendências estilísticas de maior qualidade competiam pela primazia das capas de disco. A primeira, influenciada pelos discos de jazz da Blue Note e da Vere, utilizava retângulos contendo fotos coloridas em duotones e letterings em tipos sem serifa. A segunda era uma abordagem que revolucionou as capas de disco no Brasil e que ficou marcada como uma representação gráfica da bossa-nova: as capa em fundo branco com fotos em alto contraste em preto e um toque de vermelho, criadas por Cesar G. Villela e com fotografias de Francisco Pereira para a Elenco. Villela estava colocando em prática o que havia idealizado e começado a realizar nas

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capas da Odeon. O lettering era desenhado a mão por Villela ou utilizava suas "fotoletras" de um catálogo norte-americano de agência de publicidade. Depois da Rio Gráfica Editora, Villela trabalhou na Standard Propaganda, foi por um curto espaço de tempo, mas o suficiente para entrar em contato com profissionais que contribuiram para sua formação, ente eles Oscar Grosso (diretor de arte senior), Licínio de Almeida e Milton Luz (diretores de arte), a ilustradora Maria Luiza Ferguson (hoje designer de moda), Moura, o português Fausto, o argentino Ituarte e o pintor e ilustrador Ney Tecidio. De acordo com Villela (2003 apud Laus, 2005), Milton Luz tinha uma maneira própria de iniciar um layout: traçava linhas nas áreas correspondentes ao que chamava de "proporções e pontos áureos", "assim, distribuía a matéria, alinhando e dando ao anúncio uma facilidade de leitura". Orlando Loponte foi outro nome importante que Villela conheceu na Standard. Foi através do redator que Villela conheceu Marshall McLuhan [1911-1980], que havia lançado o Livro Galáxia de Gutemberg, deste autor Villela guardou a frase: "O excesso de detalhes numa composição chama-se ruídos visuais". Cesar Villela resume assim suas influências: "Mário Salles com seu Mondrian, Milton Luz com sua proporção áurea e Marshall McLuhan, do Loponte, fecharam um triângulo importante para mim" (Villela, 2003 in Laus, 2005). Ao se reencontrar com um ex-colega do Instituto Lafayette, o músico João Donatto, que estava em companhia de Tom Jobim, recebeu um convite para uma visita à gravadora Odeon para, quem sabe, conseguir um trabalho. Na Odeon, junto com o diretor artístico Aloysio de Oliveira, encontrava-se André Midani que, recém contratado e responsável pela arte das capas, não dominava o assunto pelo qual era responsável. A chegada de Villela foi de extrema importância e logo ficou responsável por todas as capas produzidas pela Odeon, como uma espécie de

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"freelance fixo". O então fotógrafo da Odeon, Otto Stupakof, mudou-se para Nova York. Villela procurou Francisco "Chico" Pereira, com quem já havia trabalhado da Standard. Foramarase uma dupla (Laus, 2005). Um dia, Villela visitou com Chico a Associação Brasileira de Arte Fotográfica (ABAF), onde Chico era professor, e ficou impressionado com as experimentações dos fotógrafos amadores, em especial com a técnica de solarização e alto-contraste lhe chamaram a atenção, e Chico se propôs a utilizá-las nas capas. Produziram então, em 1960, a capa do LP de João Gilberto O amor, o sorriso e a flor, com uma foto solarizada (Laus, 2005). Em 1962 Aloysio de Oliveira saiu da gravadora Odeon, ao entrar em atrito com a alta direção por ser contra a decisão de um corte de artistas. Todos os "maus vendedores de discos" seriam dispensados, entre eles os artistas da bossa nova os quais Aloysio se interessava em investir. Como não encontrou gravadoras que quisessem manter um selo dedicado a produzir os músicos, resolveu ele mesmo bancar o projeto em sociedade com Flávio Ramos, dono do Au Bom Gourmet onde os shows "da bossa nova" eram feitos. Prensando os discos na RCA Victor, nascera assim, a gravadora Elenco. Os músicos convidados toparam o projeto e também a dupla de capistas Cesar Villela e Chico Pereira acreditaram no empreendimento. De início, a dupla não recebia pelas capas, mas tinha liberdade total para criar (Laus, 2005).

O Amor, o sorriso e a flor, João Gilberto, 1960

As capas produzidas por Villela para a Elenco são bastante conhecidas, utilizam fotos em alto contraste em preto e branco e detalhes em vermelho. Pode-se resumir seus conceitos num artigo que Villela publicou na revista Propaganda, em 1962, tratando como "arte publicitária específica" a capa do LP: Não se pretende que alguém entenda uma capa de LP mas sim que se sinta decisivamente atraído por ela. Assim, deve a

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capa provocar uma reação imediata, um impulso, um apelo. Seu pior fracasso é passar despercebida: ser um envoltório comum, sem força de venda. A capa deve "soar" graficamente, numa mensagem convincente e fácil de ser gravada. Não devemos nos orientar pelo critério de beleza: principalmente no nosso caso é por demais relativo. Em ótica, no entanto, somos todos iguais. O truque visual - permitido pela razão gráfica - é a forma mais rápida, direta e rentável de comunicação entre a capa e o indivíduo. Chamo de "razão gráfica" a solução simbólica visual de alguma coisa. [...] Além do mais, esse tipo de capa nos permite, justamente por sua simplicidade, disfarçar a deficiência de impressão.[...] (Villela, 2003 apud Laus, 2005).

Cesar Villela compara a bossa nova ao art nouveau: Esse movimento não nasceu de ninguém, foi um movimento quase que espiritual, uma inteligência coletiva. Foi tão amplo que abarcou a escultura, a pintura, o mobiliário, a moda, o desenho de jóias… (tributo a Cesar Villela, por Marcello Montore).

Da esquerda para a direita: Nara, Nara Leão, 1963 Maysa, Maysa, 1964 Baden Powell à vontade, Baden Powell, 1963

Agora, com distanciamento histórico, conseguimos enxergar que Villela estabeleceu novos padrões para o design de capas

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de disco no Brasil, no entanto, naquele momento sua influĂŞncia foi praticamente nenhuma. A gravadora Elenco resistiu apenas por cinco anos, seus discos eram produzidos com tiragens reduzidas e circulavam essencialmente na Zona Sul do Rio de Janeiro.

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A música popular brasileira sempre teve um importante papel como condutora dos processos culturais, incluindo, portanto, o design gráfico. (Rodrigues, 2007: 17) Durante a década de 60, o design desempenhou importante papel para três segmentos da indústria fonográfica: a Bossa Nova, como visto no capítulo anterior, a Jovem Guarda e a Tropicália. Cada um desses eixos possuía suas características enquanto movimento musical, o que influenciava o design de suas capas: enquanto a Bossa Nova aparecia com as capas minimalistas e de inspiração modernista de Villela e as capas da Tropicália representavam o caráter pós-moderno do movimento, os discos da Jovem Guarda não traziam nenhum tipo de inovação. (Melo, 2006: 40; 45). Antes de entrar de fato no assunto de que trata o presente capítulo, a Tropicália, cabe um breve parêntesis sobre a Jovem Guarda. Este movimento que, entre 1965 e 1968, revolucionou a indústria fonográfica, inovou em diversos aspectos, a começar pela existência do programa de televisão. (Melo, 2006: 46) Se o rádio tinha sido o grande divulgador da música nos anos 1930/50, agora a televisão dominava o mercado e, consequentemente, a imagem do artista passa a ser valorizada, glorificada, endeusada. (Rodrigues, 2007: 16)

A Jovem Guarda era um grupo de jovens cujos ícones eram a guitarra e o automóvel; a velocidade e o rock ’n’ roll. “Se a Bossa Nova foi um barquinho na tardinha, a Jovem Guarda foi um carrão na contramão.” (Melo, 2006: 46) Utilizando a então inovadora – para o Brasil – estratégia do marketing segmentado, os empresários do grupo cuidavam desde a imagem dos cantores no programa, com cenários e figurinos impecáveis, ao lançamento de diversos produtos com a marca da Jovem Guarda. No entanto, o produto que deveria ser o principal de toda a linha era justamente o que recebia o menor cuidado e parecia fora de contexto, pois não apresentava nenhuma

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inovação em relação ao que vinha sendo realizado no segmento até então: as capas dos discos. Elas eram francamente conservadoras em comparação a todo o resto do pacote. Se o objetivo era criar produtos para vender... bem, discos são o produto por excelência de um movimento musical. Se o cenário é arrojado, se o figurino é arrojado, por que razão as capas eram tão tímidas? (Melo, 2006: 47)

Há algumas explicações possíveis para a questão: talvez pelo pressuposto sucesso já garantido dos discos, pois as músicas já era conhecidas e consumidas pelo público na televisão; talvez pela necessidade de apenas reafirmar excessivamente a imagem dos cantores e cantoras da Jovem Guarda (que sempre estampavam as capas); talvez até por despreparo da indústria fonográfica, que não possuía a mesma visão e ousadia da TV Record na produção do programa. O fato é que, apesar de sua importância como movimento musical, a Jovem Guarda não trouxe nenhuma inovação para o design de capas de discos no Brasil, não sendo, portanto, relevante para o presente estudo. (Melo, 2006: 47; 48)

Capa de disco de Wanderlea, cantora da Jovem Guarda

A música sempre se fez presente nos principais acontecimentos sociopolíticos da história de nosso país. É possível observar com o golpe militar de 1964 o surgimento das músicas de protesto e, poucos anos depois, da Tropicália. (Rodrigues, 2007: 17) Os artistas que compunham e cantavam as músicas de protesto, acreditavam na música como forma de alertar as massas, “a forma artística, toma de empréstimo à cultura popular, era usada como invólucro para o discurso político” (Naves, 1988:17 apud Rodrigues, 2007:26) As capas dos discos, nesse momento, ainda eram ecos do design de César Villela para a Bossa Nova feito pelas mãos de outros artistas e designers. (Rodrigues, 2007:29) Seja como for, a partir da Tropicália as capas de discos tomam uma nova forma e, mais importante, ditam novos rumos para o

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design de capas no Brasil: a capa do disco apresenta-se, enfim, como uma extensão do trabalho musical a que se refere, deixando de atuar como “meros objetos de embalagem e divulgação” (Rodrigues, 2007:30). O movimento musical é, de fato, representado visualmente através do design das capas. Inaugurando a Era dos Festivais, em 1965, a TV Excelsor de São Paulo organizou o primeiro Festival de Música Popular Brasileira, o qual foi televisionado pela emissora. Foi na década de 1960 que a televisão, antes restrita a um pequeno grupo que possuía poder econômico o suficiente para comprar o aparelho, começou a popularizar-se. (Rodrigues, 2007:27) Por esse motivo, o festival da Excelsor foi uma grande oportunidade para divulgação de novos artistas, pois contava com a apresentação de novos compositores e músicos. Estava inaugurada a Era dos Festivais. Nesse mesmo momento, em Salvador, um grupo de jovens iniciavam suas carreiras artísticas: Tom Zé, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso; aqueles que dariam corpo e voz ao movimento tropicalista mais tarde. Foi através dos festivais dos anos seguintes, de 1966 e 1967, que esses nomes tornaram-se conhecidos: Caetano ficou em quinto lugar com a música Ensaio Geral, no II Festival de Música Popular Brasileira, organizado pela TV Record. É em 1967, porém, no terceiro festival da Record, que o movimento começa a tomar forma, mudando o curso da música brasileira, como havia sido feito pela última vez por João Gilberto, iniciando o que viria a ser a Tropicália. (Rodrigues, 2007:28)

início

Mutantes, Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentando-se em um festival da MPB

A Tropicália (...) constituiu um movimento que empreendeu mudanças radicais em várias áreas da cultura no Brasil, notadamente na música, mas também nas artes plásticas, no teatro e no cinema, com repercussões na propaganda, design, televisão, moda, etc., incorporando novos valores e lingua-

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gens. (Favaretto, 1996 apud Rodrigues, 2006: 188)

Após um período no Recife, em que teve contato tanto com a miséria local quanto com a criatividade e riqueza da cultura pernambucana, Gilberto Gil voltou ao Rio de Janeiro desejoso de fazer algo novo pela música brasileira, “Algo que unisse o universalismo e a modernidade da música pop à mais típica música popular brasileira” (Rodrigues, 2007:41) E, desse desejo, partilhava Caetano, que nesse momento, 1967, já havia lançado seu primeiro disco, Domingo, junto com Gal Costa, o qual era apenas um prenuncio do que estava porvir tanto musicalmente quanto em termos de design de capas de discos. A capa de Domingo não constitui uma ruptura no design gráfico – mas indica um novo caminho. A singularidade da foto é quebrada com a ilustração, posta sobre o canto esquerdo superior da foto. (...) Nesse caso, a placa indicava para o público o que estava por vir: Caetano e Gal, meses mais tarde, estaria rompendo com as amarras que tentavam prender o curso da música popular brasileira. As personagens da foto da capa e as que estão no verso desapareceriam num sol de quase dezembro, mas as formas estéticas do letreiro ficariam por muito tempo presentes e atuantes. (Rodrigues, 2007:31)

Domingo, Caetano Veloso e Gal Costa, 1967

No festival daquele ano Caetano Veloso e Gilberto Gil deram início ao movimento, que iria durar de forma organizada apenas até o ano seguinte, 1968, com o lançamento de seis discos dos artistas envolvidos no movimento – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão e Rogério Duprat –, encerrando-se com a prisão e exílio dos dois músicos. (Rodrigues, 2007:48) Com a apresentação das músicas Alegria, Alegria e Domingo no parque, chocaram a platéia do III Festival da Record. Segundo Celso Favaretto, “Alegria, Alegria denotava uma sensibilidade moderna, decorrente da vivência urbana de jovens imersos no mundo fragmentário de notícias, espetáculos, televisão e propaganda” (Favaretto, 1996 apud Rodrigues, 2007:43). Nas

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duas músicas, já encontravam-se presentes as referências que serão amadurecidas e posteriormente colocadas no disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses e nos discos seguintes de Caetano e Gil: “arcaico e moderno, alegoria e objetividade, rural e universal, pop e cafona, humor e drama, Chacrinha e Godard” (Rodrigues, 2007:43). Ainda em 1967, o artista plástico Hélio Oiticica, apresentou uma instalação intitulada Tropicália, na qual criou um ambiente tropical com plantas, araras e pedras, uma maneira de se opor a imagética internacional da Pop Art e da Op Art, que envolviam muitos artistas nacionais. (Rodrigues, 2007: 41). Após ter assistido o filme Terra em Transe, do cineasta Glauber Rocha, Caetano compôs uma canção, ainda sem título, com a qual ele desejava alcançar a mesma força política e estética que sentira ao ver o filme. A música era uma síntese das discussões de que ele participara sobre a música e a cultura brasileira naquele momento, e serviria como um manifesto do movimento que já tomava forma. O produtor de cinema, Luis Carlos Barreto, ao ouvir a canção, sugeriu o nome Tropicália, comparando-a a obra de Oiticica. Nesse momento, Barreto nomeava não só a música, mas todo o movimento. “Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente brasileira ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional” (Oiticica, 1986:106 apud Rodrigues, 2007: 41). Assim como o movimento que nascia o era, na música. Após assistir à peça escrita nos anos 20 por Oswald de Andrade, O rei da vela, Caetano teve contato com a obra do escritor e pensador do modernismo brasileiro, e o Manifesto Antropofágico foi prontamente assimilado e integrado às referências do grupo que se formava: “a idéia do canibalismo cultural servia-nos, aos tropicalistas, como uma luva. Estávamos ‘comento dos Beatles e Jimi Hendrix” (Veloso, 1997 apud Rodrigues, 2007:44).

Tropicália, Hélio Oiticia, 1968

o tropicalismo é um neo-antro pofagismo* *Campos, 1993 apud Rodrigues, 2007:65

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A Tropicália era um movimento eclético e descomprometido em proferir idéias unívocas. Se havia algum tipo de hegemonia, essa era a hegemonia da diversidade. Por, entre outros, misturar culturas populares e eruditas, é possível enxergar a Tropicália como “o primeiro movimento cultural brasileiro a fazer ponte entre o moderno e o pós-moderno” (Rodrigues, 2007: 54). De acordo com Denis (2000:28, apud Rodrigues, 2007:76), “a marca registrada da pós-modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para posturas novas e a tolerância para posições divergentes. Na época pós-moderna, já não existe mais a pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas (...)”. A junção de referências diversas, fragmentos do que era visto, ouvido, lido, consumido, no Brasil e por todo o mundo; o popular, o kitsch, o alegório, a Bossa Nova, o carnaval; tudo isso junto, e mais, era o que definia a Tropicália, uma colagem. Seitz fala que a colagem não é apenas um procedimento técnico específico utilizado tanto nas artes literárias e musicais quanto nas artes visuais, mas também um complexo de atitudes e idéias (apud Damázio, 1996:18). A justaposição de imagens, tanto nas canções como nos arranjos, assim como na mise-en-scène do grupo, é mais um dos procedimentos básicos da Tropicália. (Rodrigues, 2007:53)

Favaretto, sobre a temática tropicalista (1996:25 apud Rodrigues, 2007: 47): Carnavalização, festa, alegoria, crítica à musicalidade brasileira, crítica social, cafonice, pop, psicodélico, justaposição do arcaico e do moderno, antropofagia cultural, esta mistura, como diz Favareto, ‘notabilizou-se como uma forma sui generis de inserção história no processo de revisão cultural. [...] Os temas básicos dessa revisão consistiam na redescoberta do Brasil, volta às origens nacionais, internacionalização da cultura, dependência econômica, consumo e conscientização.

Tropicália ou Panis et Circenses, disco-manifesto, 1968

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Em um mesmo momento, uma série de pequenos acontecimentos culturais estavam se cruzando, seja pelo encontro de seus autores, seja pelas características das manifestações – como aconteceu com a música de Caetano e a instalação de Oiticica – revelando que algo estava acontecendo ali. Nelson Motta, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Luis Carlos Barreto, e Gustavo Dahl, concluíram que “a música Tropicália fazia parte de algo novo na cultura brasileira. Terra em transe, O rei da vela, o penetrável Tropicália, tudo tinha alguma coisa de comum a qual deram o nome de Tropicalismo” (Rodrigues, 2007: 46). A estética tropicalista começa a se formar ainda antes do início oficial do movimento, com a capa do disco Domingo, de Caetano Veloso e Gal Costa. O disco, musicalmente, já era um prenuncio do que estaria por vir com a Tropicália, e o mesmo pode ser dito sobre o design de sua capa. (Rodrigues, 2007:30) A capa, que apresenta uma foto dos artistas em preto e branco, evocando um clima nostálgico, não chega a representar uma ruptura no design gráfico da época, “mas as formas estéticas do letreiro ficariam por muito tempo presentes e atuantes” (Rodrigues, 2007:31).

O primeiro disco solo de Caetano Veloso, o segundo de Gilberto Gil e o disco-manifesto do movimento – Tropicália ou Panis et Circenses – formam a tríade musical que alavanca o sucesso da tropicália em 1968. “Oswaldianos, antropofágicos, desmistificadores – parodiando Augusto de Campos – os discos materializaram as imagens tropicalistas em suas capas, que passam a ser a continuação dos conceitos estéticos do movimento.” (Rodrigues, 2006:199)

O importante a se observar sobre o design da Tropicália, principalmente quando comparado com o que vinha sendo realizado na MPB, sob influência da produção de César Villela, é o rompimento com as convenções gráficas presentes até então. Tendo

Canções, filmes, peças de teatro, arte plástica, moda, programa de TV, tudo passou a ser tropicalista. E o design gráfico? No que consistiria um design tropicalista? * *Rodrigues, 2007:46

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como exemplo o primeiro disco de Caetano, pode-se dizer que a composição, que articula texto e imagem de forma inovadora, “faz do design gráfico da capa do disco o grito de alforria, libertando-se do grid funcionalista. Tal qual a música e letra mantêm entre si uma correspondência isomórfica, assim se dá com as capas e se conteúdo. A capa tem um conceito só apreendido com a audição do disco.” (Rodrigues, 2007:50,51) O principal expoente do design tropicalista, Rogério Duarte, foi formalmente educado em design, utilizando toda a técnica apreendida na produção das capas e outros impressos relacionados ao movimento. No entanto, de forma a condizer com o que o movimento representava musicalmente, as capas assumiram um caráter experimental, aderindo às estéticas da Pop Art e da Psicodelia, funcionando, portanto, para comunicar as idéias tropicalistas. (Rodrigues, 2007:79) Segundo Duarte (2000, apud Rodrigues, 2007:79), “design não é um trabalho aleatório, é um trabalho de comunicação”, por isso embora não seguisse os dogmas do design internacionalista praticado em Ulm, o que era feito na Tropicália comunicava exatamente o que devia ser comunicado: o caráter do conteúdo do disco. Fugindo do idealismo racional da estética moderna que predominava o design brasileiro, na Tropicália as principais referências de movimentos artísticos vieram do Pop e da Psicodelia. O Pop, segundo Favaretto, foi em grande parte responsável pela vitalidade do Tropicalismo (Favaretto, 1996:41 apud Rodrigues, 2007:49). O que aproxima as duas estéticas é a análise realizada por ambas da sociedade de consumo e da relação desta com a cultura e a arte. A presença de influências psicodélicas é bastante perceptível, principalmente nos desenhos a mão livre dos nomes dos discos e dos artistas. As cores ácidas, frequentemente utilizadas, também são fruto dessa influência. Conforme Medeiros, a estética psicodélica ‘eram desenhos que ocupam a folha inteira do papel, ricos em linhas ou pa-

Tom Zé, Tom Zé, 1968 Capa com projeto gráfico encomendado a uma agência

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drões ornamentais. A tipologia é compacta, talhada em formas abstratas, onduladas, esticadas ou entortadas; ou podendo ser finamente executadas e elegantemente adornadas. (Medeiros apud Owen e Dickson, 1999 apud Rodrigues, 2007:50)

Em 1968, os artistas tropicalistas foram convidados a apresentar seu próprio programa na televisão. Em um dos programas, os participantes chocaram mais que o esperado pelos produtores em suas performances e o painel utilizado como cenário, uma obra de Oiticica, foi tomada como ofensa à bandeira. Após este episódio, Gil e Caetano foram presos, enviados à Bahia e, posteriormente, exilados por dois anos. (Rodrigues, 2007:67) Enquanto preso, Caetano lançou um novo disco, mais melancólico e com uma capa completamente fora daquilo que vinha sendo feito pela tropicália – mas muito apropriada para o momento. Devido à prisão, o uso de sua assinatura na capa de um disco – referência ao White Album, dos Beatles – mostrava-se uma alternativa inteligente para preservar a imagem do cantor.

fim do movimento

Embora a Tropicália tenha mudado os rumos da música, do design e da cultura brasileira como um todo, o último disco lançado por um artista do movimento completamente inserido nos conceitos e estética tropicalista, foi o de Gal Costa. Considerado o disco mais agressivo do Tropicalismo, essa força reflete-se na capa mais chocante de todo o movimento. Uma ilustração surrealista ocupa a capa, Rostos humanos, animais fantásticos, seres intergaláticos e o nome da cantora se fundem num cenário estelar. A comunicação se dá por meio de representações oníricas, e não da imagem da cantora ou do seu nome. A capa de Gal é totalmente psicodélica e também enfatiza a sintonia da antropofagia cultural com os eventos globais. O design não segue os padrões funcionalistas, no que diz respeito à legibilidade e à clareza da informação, mas mesmo assim funciona para inserir a cantora na esfera pop mundial e reafirmas as propostas tropicalistas. (Rodrigues, 2007:70)

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Quando voltam do exílio, Gil e Caetano encontram um cenário cultural em que a liberdade estética inaugurada pelo Tropicalismo tornou-se corriqueira. “Tardiamente, o hippismo se instaurava pelos trópicos.” (Rodrigues, 2007:72) Os álbuns lançados após a volta ao Brasil pelos dois músicos trazem influências muito claras do movimento concretista – Transa e Expresso 2222 são discos com capas-objeto, inspiradas pelos objetos maleáveis de Lygia Clark. Apesar de todas as mudanças estéticas, “A antropofagia cultural continua a se estabelecer em todos os sentidos” (Rodrigues, 2007:73). Os layouts de Transa e Expresso 2222 fogem de qualquer padrão até então estabelecido pelas capas de disco. De simples envelopes pardos, as capas haviam evoluído, alcançado a sofisticação dos discos citados acima. Na primeira grande mudança, durante a Bossa Nova, as capas era orientadas por um modelo de contenção – simplicidade, mas na Tropicália ela ‘recorrem aos efeitos grandiosos’ (Naves, 2001). A Tropicália não é econômica nem simples, ela é alegórica. (...) Durante a década de 1970, a música popular brasileira, apesar da censura imposta a ela, continuará sendo um dos maiores veículos a falar do comportamento político e social, e o design das capas de discos estará visualmente traduzindo essas idéias. (Rodrigues, 2007:73, 74)

“O design visto na Tropicália é um marcante indício da ruptura com a previsibilidade. Inventa-se, portanto, o espaço das possibilidades da contemporaneidade” (Rodrigues, 2007:50). É essa característica que se mantém viva por gerações dentro da cultura e da música popular brasileira, a possibilidade da ruptura com o padrão, da justaposição de referências, do encontro de opostos para formar uma única peça. A turbulência do movimento tinha passado. Mas as propostas tropicalistas ainda vão ecoar por muito tempo na cultura brasileira. No Brasil, não é difícil ver na Tropicália o eixo de

Acima: Expresso 2222, Gilberto Gil, 1972 Transa, Caetano Veloso, 1972

Na página anterior: Caetano Veloso, Caetano Veloso, 1969 Gal, Gal Costa, 1969

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mudanças para as capas de disco. Do mesmo modo como digeriram o arcaico e o moderno, o nacional e o internacional, o pop e o kitsch em suas composições, Caetano e Gil transportaram para as capas estas mesmas idéias. A Tropicália inaugurou conceitos novos em produto, consumo, marketing e política visual (Sanches, 2000). Esta transmutação se dá, principalmente, pelas mãos de Rogério Duarte (...). (Rodrigues, 2007:76)

Músico, poeta, professor e designer. Nascido em Itabira, Bahia, em 1939, Rogério Duarte mudou-se para o Rio de Janeiro em 1960. Lá, estudou na Escola de Belas-Artes, na Escolinha de Artes do Brasil e no Museu de Arte Moderna, lugares em que iniciou sua educação formal como desenhista industrial, tendo como mestres designers adeptos de práticas modernistas, como Alexandre Wollner. Em 1961, passou a integrar a equipe de Aloísio Magalhães, outro grande designer brasileiro. (Rodrigues, 2006:191) Entre todos os trabalhos por ele desenvolvidos, incluindo aí cartazes para ações políticas da UNE, da qual foi militante, e shows de Bossa Nova, estão as capas de discos para o Tropicalismo e os cartazes do Cinema Novo, trabalhos “memoráveis, inovadores e, poderíamos, inclusive, chamá-los de pós-modernos.” (Rodrigues, 2006:188)

rogério duarte

Entre os trabalhos realizados para o Cinema Novo, está aquele que, provavelmente, é seu projeto mais conhecido: o cartaz do filme Deus e o diabo na terra do sol, do cineasta e amigo Glauber Rocha. O cartaz revela toda a aridez e violência do sertão, assim como o filme o faz. Ou seja: o cartaz traduz a mensagem do filme. (Rodrigues, 2006:191) Em 1965, Rogério Duarte torna-se amigo de Caetano Veloso, contribuindo com o tropicalismo ainda em sua fase embrionária. No mesmo ano, escreve um artigo para a Revista da Civilização Brasileira, em que questiona a influência ulmiana no design gráfico brasileiro. “Rogério mantém o rigor e conhecimento

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técnico, mas faz uma síntese entre o racionalismo e a exuberância tropical. Para ele não havia oposição entre racionalismo e fantasia” (Rodrigues, 2006: 196). A crítica do designer em relação ao design modernista praticado no Brasil não era por desprezo, ele via a necessidade de mudar para não dogmatizar a tradição suíça. Para Rogério, a grande riqueza de Ulm foi ter trazido uma linguagem nova ao design – ‘um repertório próprio de usar a foto, a retícula, elementos gráficos, e não usar a reprodução da pintura e do desenho – uma oposição ao artesanato’. Com isto, ele comungava totalmente. Contudo, aqui era necessário que à técnica, ao formalismo ulmiano, fosse acrescentado o caráter experimental, transgressor, do movimento. (Rodrigues, 2007:78, 79)

O cartaz do filme Opinião, de Arnaldo Jabor, é um exemplo da utilização dos elementos utilizados tradicionalmente, apreendidos na formação de Rogério e utilizados à sua maneira no trabalho. Todo o rigor e racionalismo de escolas como Bauhaus e Ulm fazem parte do repertório de Rogério; mas também o fazem as festas populares, as pinturas dos trios elétricos, a tipografia popular. (Rodrigues, 2007:77) Em seus projetos profissionais, notadamente naqueles realizados para artistas tropicalistas, o designer rompe com as tradições modernistas: minha ruptura não é de uma pessoa qualquer, é de uma pessoa que falava a mesma linguagem que eles: não era de um cara que não conhece e pensa que design é outra coisa, não. Era de alguém que conhecia bem a estética do design, que tinha aprendido bem naquela cartilha e que rompeu por adotar toda uma contemporaneidade, inclusive na linguagem... (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2007:79).

Ainda sobre sua ruptura tropicalista:

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minha visão era bem pós-moderna, no sentido de que eu não estava contestando o passado, mas queria incorporar tudo... Quando começamos a estudar profundamente uma coisa e refletir sobre ela, só assim podemos estabelecer uma ruptura. Qualquer ruptura baseada no desconhecimento é uma pseudo-ruptura. Veja os músicos do serialismo, da dodecafonia, como Schoenberg, que era professor de harmonia tradicional. (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2006:197)

Sua inserção no movimento tropicalista aconteceu naturalmente, através da amizade com Caetano e por compartilhar os mesmos pensamentos de seus integrantes. “Ele era o homem do campo do design que ‘falava a linguagem’ dos músicos, em termos de visão de mundo, de política, de existência e de estética. Desta forma, considera ter sido ‘totalmente natural’ sua inserção na indústria fonográfica.” (Rodrigues, 2007:78). O próprio Rogério considerava-se o “porta-voz visual do tropicalismo” (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2006: 196). Não gosto que digam que eu traduzi o Tropicalismo visualmente. O que se traduz é obra alheia. Eu fui autor também. (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2007:77)

Para Rogério, a Tropicália “foi um modo de ser da produção brasileira; é um sotaque nosso, brasileiro, de fazer as coisas que se estende até os dias de hoje” (Duarte, 2000:78). Apesar de considerar que, pouco a pouco, o tropicalismo foi-se encerrando, de acordo com o encerramento da carreira dos próprios artistas tropicalistas, Duarte acredita que o que foi realizado pelo movimento não morreu. Nós descompartimentalizamos a cultura, aprendemos a lição do modernismo e fomos mais longe, pois a Semana de 22 era um movimento das elites, fechado. A ruptura do Tropicalismo tornou possível, por exemplo, músicos como Luís Melodia, Djavan ou um Carlinhos Brown. (Pires, 1997 apud Rodrgiues, 2007:69)

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As idéias de Caetano e Gil, expressadas em suas músicas, diferente do que acontecia usualmente na época, eram projetadas nas capas produzidas por Rogério Duarte (e, posteriormente, outros designers e artistas envolvidos com o movimento, como Aldo Luiz, Oscar Ramos e Luciano Figueiredo), que não era apenas o designer, mas contribuía com formulações teóricas sobre política, estética, e mesmo musicais. (Rodrigues, 2006: 189) O primeiro disco solo de Caetano Veloso, por exemplo, conta não só com projeto gráfico da capa assinado por Duarte, mas também com uma composição deste. Neste disco, é clara a postura antropofágica tanto nas músicas de Caetano quanto na capa de Rogério, ocupada quase completamente por uma ilustração. Apropriando-se da estética das historias em quadrinhos, a ilustração tem cores chapadas, linhas, nada de meio-tom; é Pop. O desenho da moça de cabelos longos que, envolta por uma serpente, segura o ovo em que está estampada a foto do cantor, lembra vinhetas românticas, mas distingue-se claramente da idealização da estética predominante música brasileira. Já a tipografia, desenhada a mão, é uma referência ao estilo psicodélico. (Rodrigues, 2006: 200) No design de Rogério Duarte, o princípio é tirar partido do choque entre linguagens e, para isso, apropriar-se de tudo: das imagens vernaculares a elementos da dita ‘alta cultura’, da arte pop a vinhetas de um romantismo nostálgico. De acordo com Santuza Cambraia Naves (1988: s.p.), ‘no plano estético, o novo tom se pauta basicamente pelo ecletismo, de maneira inversa aos padrões lineares e funcionais da modernidade’. As capas são uma salada de referências, assim como é a Tropicália. O mundo pop, desenvolvido, psicodélico, atômico, eletrônico era triturado e lançado sobre o país tropical, subdesenvolvido, marginal. A esta multiplicidade, Ismail Xavier (1993: 21) chama de ‘jogo de contaminações’. E tudo isso pode ser visto na Tropicália, que rompia com a previsibilidade, abrindo um novo espaço de possibilidades da contem-

Caetano Veloso, Caetano Veloso, 1968 (capa e verso)

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poraneidade. (Rodrigues, 2006: 201)

É possível, ainda na mesma capa, observar a oposição entre o arcaico e o moderno, presente na composição: apesar da agressividade e exuberância dos elementos estético-formais, o nome do artista, centralizado, continua no topo e, no centro da capa, está a foto do artista. A ilustração tem algo de kitsch, assim como o verso em que uma moldura envolve o texto manuscrito; sem grid funcionalista, mas comunicando o caráter tropicalista. (Rodrigues, 2006: 201, 202)

Em parceria com o artista plástico Antônio Dias e o fotógrafo David Drew Zingg, Rogério Duarte projetou no mesmo ano, 1968, a capa do segundo disco de Gilberto Gil. Esta, “um deboche ao estado, à cultura e à nação” (Rodrigues, 2006:202), traz três fotografias do artista, em poses e uniformes diferentes: na maior, no centro da capa, ele veste um fardão semelhante ao usado na Academia Brasileira de Letras, nas outras duas aparece ora como um militar, empunhando sua espada, ora como um piloto segurando apenas um volante. A semelhança dos uniformes com as roupas usadas pelos Beatles na capa do disco Sgnt. Peppers Lonely Hearts Club Band é mais uma apropriação. O uso das cores verde e amarelo e as características militares das roupas relacionam-se com o momento em que se encontrava o país, governado pelos militares em regime ditatorial, desde o golpe de 1964. Mais uma vez, a tipografia é desenhada a mão, com um efeito de tridimensionalidade.

Gilberto Gil, Gilberto Gil, 1968

Nesta capa ‘dialogam várias vozes, ideologias e linguagens, relativizadas/devoradas por uma produção que usa de paródia, polêmica secreta, montagem, bricolagem, imagens surrealistas, corroendo a fruição-divertimento’. (Favaretto, 1996:69) Como a de Caetano, a capa é alegoria, pop, irreverente, antropofágica. (Rodrigues, 2006: 203)

Em abril de 1968, após deixar a missa pela morte do estudante

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Edson Luís, Rogério Duarte foi preso e torturado pela Ditadura Militar. Após a prisão, com problemas psicológicos, foi internado várias vezes no pavilhão psiquiátrico de um hospital carioca. Durante as décadas de 70 e 80 continuou a produzir como designer, projetando capas de livros e discos, inclusive continuando seu trabalho com os membros da então moribunda Tropicália. (Rodrigues, 2006: 195) Não cabe, aqui, analisar o caráter pós-moderno do trabalho de Rogério Duarte, ou mesmo da Tropicália, embora ele mesmo se enquadre nesse contexto. (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2006:197) O fato é que, fugindo dos cânones do design, Rogério transgrediu as regras do funcionalismo e influenciou toda uma geração de capistas. (Rodrigues, 2006:82) Com toda a falta de modéstia que lhe é devida, Duarte afirma: Fui meio solitário na coisa gráfica exclusiva dentro do Tropicalismo. Sem pretensões, eu quero afirmar que, dentro do design gráfico, eu fui único. (Duarte, 2000 apud Rodrigues, 2007:82)

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referências

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