Cartografia Silvafreireana

Page 1



Ficha Técnica Olhar Cuiabá - Cartografia Silvafreireana

Governo do Estado de Mato Grosso

Proponente: Mari Gemma De La Cruz

Pedro Taques Governador

Termo de concessão de Auxílio - Processo n. 494552/2015.

Carlos Fávaro Vice-governador

Fotografia Mari Gemma De La Cruz Curadoria Amanda Gama Willian Gama Produção Executiva Amanda Gama Mari Gemma De La Cruz Willian Gama

Secretaria de Estado de Cultura Leandro Falleiros Rodrigues Carvalho Secretário Regiane Berchieli Secretária Adjunta de Cultura

Coordenação de Ações Educativas Mari Gemma De La Cruz Willian Gama

Palloma Emanuelli Torquato Silva Secretária Executiva do Conselho Estadual de Políticas Culturais

Projeto Expográfico Desyree Niedo Gabriel De La Cruz Mota

Giordana Laura da Silva Santos Superintendente de Políticas Culturais

Design Gráfico Muxfeldt Júnior Assessoria de Imprensa Protásio de Morais Casa Silva Freire



Silva Freire

- Olhar Cuiabá -

Benedito Sant’Anna da Silva Freire nasceu em Mimoso-MT, a 20 de setembro de 1928, mas foi registrado em Cuiabá. Graduouse em Direito pela Faculdade Cândido Mendes - RJ, em 1959. Entre diversos cargos e funções, foi contínuo, auxiliar judiciário, escriturário, oficial de diligência substituto da Justiça do Trabalho, em Cuiabá, São Paulo e Rio de Janeiro; conselheiro da Caixa Econômica Federal, em Mato Grosso; delegado regional do SAPS e SENAM (extintos); professor do Depto. de Direito da UFMT; presidente do Tribunal de Justiça Desportiva da FMD (extinta); conselheiro, presidente da Comissão de Exame e vice-presidente do Conselho Seccional daOAB-MT; presidente do Instituto dos Advogados Mato-grossenses. Foi também secretário geral da União Metropolitana dos Estudantes; presidente do Diretório Central dos Estudantes das Faculdades Independentes; diretor do Departamento de Cultura da UNE; presidente do Teatro Universitário Brasileiro (1956-1959); diretor-redator da revista Movimento (1957-1959), da UNE; do jornal O Roteiro, da AME-MT; e da página universitária do jornal O Semanário, no Rio; membro do Clube de Poesia da cidade de Campos-RJ. Fundou o Grêmio Literário Lamartine Mendes, os jornais Arauto da Juvenília, Vanguarda Mato-grossense, Saci (1949) e Sarã (1951), em Cuiabá, e Japa, no Rio. Escreveu nos jornais: Tribuna Liberal, O Social Democrata e Folha Trabalhista, de Campo Grande; O Momento, de Corumbá; Folha Mato-grossense, Correio da Imprensa, O Estado de Mato Grosso e revista Esquema, de Cuiabá. Fundou e dirigiu os suplementos literários: Poemas e Letras, no jornal Equipe; e Proposta, no jornal Folha da Serra, de Campo Grande. Promoveu, com outros parceiros, eventos e peças de teatro, em Cuiabá e no Rio de Janeiro; como advogado, atuou em inúmeras causas sociais. Publicou Silva Freire – Social, Criativo, Didático (UFMT, 1986); Barroco Branco (Fundação Cultural de Mato Grosso/Ed. Amazônida, 1989); Depois da Lição de Abstração (Separata da Revista da Academia Mato-grossense de Letras, 1985); Trilogia Cuiabana, volumes 1 e 2, organizada por Wlademir Dias Pino, (UFMT, 1991); 13 Cadernos de Cultura, em páginas avulsas; Águas de Visitação (1979), reeditado em 1980 (Edições do Meio); 1989 (Adufmat-UFMT); e 2002 (Lei Estadual de Incentivo à Cultura).

5


- Olhar CuiabáGemma Mari Autodidata, natural de Porto Alegre, vive em Cuiabá há 26 anos. Servidora pública, farmacêutica do SAMU-MT, Mestre em Saúde e Ambiente (etnobotânica), professora universitária por mais de 15 anos, organizou e coordenou diversos eventos, ministrou cursos e oficinas junto à comunidade e por seu trabalho na área de plantas medicinais e cultura popular recebeu a indicação como finalista para Mestre em cultura Popular edição 2009. Começou a desenvolver trabalhos como artista visual aos 50 anos onde, desde 2012, utiliza a fotografia como base para sua expressão, podendo ou não haver intervenções com outras linguagens como xilogravura, colagem, pintura, poesia autoral, instalações e performances. Sua obra é permeada pelo olhar “psicosocioambientalespiritual”. Participou de diversas exposições regionais, nacionais e internacionais, com destaque para: 25º Salão Jovem Arte Mato-grossense (2016); 8a Bienal de Gravuras pela Paz. Monterey México (2016); Janelas (In)Visíveis para o Mundo. Museu Histórico de Mato Grosso (2016). Exposição coletiva Transmitologismo João e Maria, Galeria Casa do Parque, Cuiabá 24º e 25º Intercâmbio Internacional de Miniarte Moda/ Fashion. Gramado, RS (2015); Visual Virtual MT: Museu de Arte Contemporânea da UFMT - Exposição Virtual. Coletivo à Deriva/Largo da Mandioca-Intervenção (2015); Exposição Maratona Fotográfica (2015) - Cuiabá Sustentável. Arena Pantanal; Exposição Coletivo de Outono. Shopping Goiabeiras, Cuiabá (2014); Exposição Maratona Fotográfica (2014) - Cuiabá Criativa. Galeria da SEC; Exposição Fotográfica Cuiabá #7 (2014) – Museu da Caixa d’água; Miniprint Internacional de Paraná 2014 Provincia de Entre Ríos- Argentina(2014); Exposição Um Olhar Sobre Cuiabá (2014) Sesc Casa do Artesão; Exposição Virtual Em Lugar Nenhum - Em Todo Lugar/ Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais-Galeria Virtual (2004); Convocatória Internacional MiniPrint (2014) Tucumán, Argentina; Gravuras pela Paz, Espaço Cultural Parque Água Branca (2014); Mostra Fotográfica KUYAVERÁ. Museu da Caixa d’Água. Cuiabá (2013). Mostra de Arte Contemporânea de Artistas Mato-Grossenses (2013); 1ª Maratona Fotográfica Cuiabá (2013); Exposição do Coletivo a Deriva no SESC Arsenal e no Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT – Intervenção no Largo da mandioca (2012); Mostra de Arte Contemporânea de Artistas Mato-Grossenses. Galeria do Palácio da Instrução (2012). Ganhou prêmios e menções honrosas (2º Lugar Categoria fotografia da Maratona Fotográfica, 2016; Menção Honrosa Categoria Fotografia da Maratona Fotográfica, 2015; Menção Honrosa para Fotografia da Maratona fotográfica, 2014). É escritora publicando livros e cartilhas na área de plantas medicinais e cultura popular.

6


- Olhar Cuiabá Olhar Cuiabá – Cartografia Silvafreireana Mari Gemma De La Cruz, como uma autêntica artista moderna, almeja fazer uma arte que espelhe seu tempo. Nesta mostra fotográfica, Mari traz conceitos para além das fotografias, incorporadas numa instalação que interpreta livremente a geografia da capital mato-grossense, Cuiabá, no centro da América do Sul, ponto convergente de incríveis artistas e seus sonhos. Para Mari Gemma cabem descrições muito além das de fotógrafa. Existe ali uma construtora, costureira, artista, inventora, poeta, educadora, conhecedora da medicina popular, mãe, enfim adjetivos mil. Nesta instalação, sobre o mapa existem postes antigos com cúpulas envoltas de poesias, existe em conjunto uma representação em grande escala do lendário animal “Minhocão do Pari”. As fotografias são um capítulo à parte: elas são fruto da “desconstrução” de cenas cotidianas encontradas naturalmente ou produzidas e representam o esforço da intensa pesquisa bibliográfica e de entrevistas com moradores locais para consolidação de uma plataforma física e virtual para a ressignificação de imagens, tendo feito esse experimento em várias paisagens latino-americanas e do velho mundo. Olhar Cuiabá – Cartografia Silvafreireana é uma exposição coroada pelas poesias de Benedito Sant’Anna da Silva Freire, um dos mais proeminentes juristas e poetas do interior do Brasil, um dos introdutores do poema concreto em Mato Grosso, ainda indiviso. Vê-se, então, no longínquo Mato Grosso, uma literatura moderna. Silva Freire, um dos gênios da cuiabania, traz com sua poesia o orgulho de pertencer a esta terra e a exalta a todo o momento. É o autor universal deste rincão que “cai nos braços do mundo” por retratar sua “aldeia”, tal como citou Tolstoi: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Conceitos antropofágicos e antropológicos existem nas fotografias onde realidade e ficção se misturam na construção de cada imagem e na forma de sentir a cidade sob o olhar de Gemma. Um pouco da arte concreta se faz presente na sua imagética do cotidiano, uma vez que se percebe em seu trabalho uma grande busca por uma arte que una a expressão emocional com a noção de pensamento e construção mental.

Na obra Trilogia Cuiabana, V. I )presença na audiência do tempo(, objeto de estudo deste projeto, Silva Freire cita: “- por que você disse lá atrás que Cuiabá é uma cidade mágica?

- por que ela reinventa a sobrevivência . . . - fala de novo

- o ouro acabou, o rio sustentou . . ., começaram matar a mãe da vida, o ouro voltou!, mas vai matar o eco-homo-boi, com seu porrete-tóxico, o mercúrio e a predação da terra.”

Nessa perspectiva, existem, na exposição, vários pontos lúdicos. Nela está contida a oportunidade de se ver a quase tricentenária Cuiabá de outra forma, talvez com mais cuidado e carinho, apesar das duras críticas pela perda dos quintais cuiabanos,

7


- Olhar Cuiabáárvores, - do rio límpido e do patrimônio histórico preservado, tão bem das frondosas

representados na literatura “Silvafreireana”. Intrinsecamente, percebem-se, na abordagem apresentada pela artista, unidades de significado que se separam apenas didaticamente, pois a todo o momento são transversais entre si: a gastronomia, o meio ambiente, a política, a religiosidade, o comportamento social, a violência urbana e os lugares de se viver convidam o espectador para o desenvolvimento de um posicionamento mais crítico e reflexivo sobre as questões socioambientais, sensibilizando-os para a importância da conservação do patrimônio material e imaterial e da biodiversidade.

Amanda Gama¹ & Willian Gama²

Curadores de Arte

Setembro de 2016

¹ Curadora de Arte; Produtora Cultural; Diretora/Fundadora da Galeria Mirante das Artes; Acadêmica de Direito do Centro Universitário de Várzea Grande – Várzea Grande - MT; Vice-presidente da AMA - Associação Mirante das Artes. ² Curador de Arte; Produtor Cultural; Diretor/Fundador da Galeria Mirante das Artes; Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Várzea Grande – Várzea Grande - MT; Diretor Executivo da AMA - Associação Mirante das Artes.

8


- Olhar Cuiabá A Poesia Silvafreireana e a Fotografia As fotografias apresentadas configuram conjuntos de fragmentos visuais que informam a atividade humana especialmente no Centro Histórico de Cuiabá, dentro de um contexto biopsicossocial contemporâneo e de acordo com nossas referências ao pensar e interpretar a poesia de Silva Freire, uma vez que ele buscava caminhos que absorvessem as manifestações populares, por meio de versos não lineares que conferiam visualidade ao poema. A poesia concretista Silvafreireana, constante na obra Trilogia Cuiabana volume 1, estabelece relação com a cidade delineando, pelos trajetos percorridos página a página, uma cartografia afetiva que suscita profundas reflexões a respeito das questões socioambientais que cidade e rio de mesmo nome enfrentam devidos a degradação ambiental, do patrimônio material e imaterial e do processos de exclusão social frente às políticas públicas para educação, saúde, segurança pública, cultura e fortalecimento da cidadania, que não conseguem ser implantadas total ou parcialmente no município. Isso tudo associado à figura lendária do Minhocão do Pari, uma fera fluvial que ataca aqueles que tem valores morais também degradados e consequentemente suas ações frente à sociedade onde atuam, tais como corrupção, falta de ética, descomprometimento com a sociedade e destruição da natureza.

Através das imagens, que foram produzidas a partir do reflexo em fragmentos de espelhos, obtivemos uma documentação ficcional ou ficção documental do cotidiano urbano, sob um ponto de vista autoral. Houve certo distanciamento da figuração e dos clichês, na busca de uma imagem-sensação que, em vez de representar formas, apresentasse forças e por isso tornou-se autônoma a qualquer modelo prévio que procurasse representar, já que ocorreu deformação, multiplicação e imprecisão da imagem refletida e captadas pela lente, possibilitando muitas vezes apenas a sugestão de algo que não estava diretamente implícito, mas que ativava a percepção subconsciente e o lado não racional.

Os espelhos representam um instrumento de magia universal e sempre trouxeram fascínio já que transformam coisas em espetáculo, eu no outro, o outro em mim. Speculum (espelho) está associado a spetaculum (festa pública) que se oferece ao spectator (espectador), que se vê no espelho, que vê o espetáculo e se volta para o speculandus (investigação), ficando em speculatio (observação investigadora) uma vez que exerce a spectio (procura de sinais indicadores para prever o futuro) e é capaz de discernir entre as species e o spectrum (visão irreal). A desfocagem proposital da imagem e uma espécie de névoa que se forma, resultantes do reflexo em fragmentos de espelho, representa essa ambiência que mistura passado, presente e futuro, tornando a fotografia obtida onírica e instigante. As fotografias apresentadas nesta exposição, resultantes da nossa decodificação da poesia de Silva Freire, foram realizadas a partir do cenário urbano tal qual se encontrava ou que passou por alguma intervenção na construção da cena. A partir daí seu reflexo em fragmentos de espelho foi fotografado, podendo haver ou não sobreposições de imagens para obter a fotografia final. Por essa razão cada fotografia é acompanhada pela respectiva poesia de Silva Freire, bem como um código de barras bidimensional de resposta rápida, que pode ser escaneado por qualquer celular que tenha o aplicativo

9


- Olhar Cuiabá e que direciona o usuário para o link com informações mais específicas sobre o local fotografado.

Sabemos que quando se apresenta uma fotografia legendada, o enunciado pode ser limitador para a interpretação da mesma, pois nos direciona àquilo que deve ser visto, e cabe somente ao espectador concordar ou não com o proposto, nesta perspectiva a poética Silvafreireana é aberta e o leitor tem possibilidade de interagir com ela construindo sua própria imagem mental e consequentemente comparando com aquela que apresentamos, proporcionando assim um processo crítico e reflexivo.

As fotografias realizadas a partir da poesia de Silva Freire estão dispostas numa instalação que representa o Minhocão do Pari sobre o mapa livremente interpretado do Centro Histórico de Cuiabá com postes antigos que trazem luz às poesias, sendo apresentado ainda um vídeo sobre os trajetos percorridos nessa cartografia afetiva. Este conjunto passa então a representar uma rede de sentimentos, sensações, imagens e informações que fluem pelo imaginário do espectador, para que elas sejam um espetáculo que permita a libertação da visualidade e brinquem entre a realidade e a ilusão, por meio de uma estética construída pela desconstrução da imagem e assumindo outra narrativa portadora de possibilidades interpretativas. Apreciem! Bom espetáculo.

Mari Gemma De La Cruz

10


- Olhar Cuiabá -

- talvez até porque:

- de suas sombras ambíguas mínimos de luz perfuram silêncios cáqui . . . - ou, porque:

- na idade do tempo contam-se: um dia e uma noite no tempo oceânico de tudo . . . 11


- Olhar Cuiabá -

. . . ainda assim tocos-de-letras (fiapos-de-acha-de-lenha) veem desassossegar o passado raspando fundo fundos-de-tachos tão-de-enzinavrados-estão-largados no tempo ... - por quê?

12


- Olhar Cuiabá -

soletrando este livro crispado de nomes avivados no ar . . . (progresso é vício alegre passarinhando) mas . . . - ó fisionomia pendular da história pespegando em nós! (chamamento permanentemente do passado . . . )

13


- Olhar Cuiabá -

- mecanização do trabalho? Arrumação da pressa? - não, armação de vidro empilhando a vida no placar de 9,15, 20 andares de fechaduras em suspeição . . . (time do ter : 100 - -time do Ser: 02)

14


- Olhar CuiabĂĄ -

- novelo esconde o carretel enchendo-se de pandorga - bolita laurita/baredeira cascabuia estalando na sacolinha de algodoim encardida de pegação de aposta . . .

15


- Olhar Cuiabá -

- lesmosos carretéis de siriris ambíguos surge de fibrilhas da chuva des-pegada es-voando na tarde mole e baça . . .

- tão antiga e ambígua tarde no esconderijo(rijo)(do)dia . . .

16

- restam os (mor)maços de (enx)arcos abaixados de deita-capim (reza quase a de São José)


- Olhar Cuiabá -

... Bairro da minha infância. Casa dos meus pais, Randolpho Rodrigues Freire e Joanna Euphrosina da Silva Freire. Galinha choca no quintal!, o galo mestiço recortando asas, esquecido da maternidade; galinha choca no quintal, galo tarado! Grunhidinhos de leitãozinhos esprimidos no escorrega-encosta-deitando-se no capadão... Frangotes do primeiro vôo despencado no galho-pulheiro da goiabeira, esbatendo no lusco-fusco do fim do dia... Gaiola de periquitos setembrinos roendo manga-piqui ...

17


- Olhar Cuiabá -

no treme-treme duma tarrafa-de-mão estufadinha de lambaris, rubafos, sopra-fogo (- um rapa-canoa raspa. . .!) sauás, traíras e pacupevinhas-de-prata prá gente esturricar nos dentes fresquinha de fritas na hora . . . (- não chora, menina, não chora, espirro de gordura-de-peixe-fritando cura sapiroca dos olhos . . .) 18


- Olhar Cuiabá -

- aromática de ensinamentos:

- na floração maternal de mangueiras cacheadas de peito-de-moça coração-de-boi espadinha! a papo-de-piru, prima-primeira da manga borbão - rosa e rosinha nos equilíbrios de ouro empezados de . . . “- eu que vi primeiro!” (os sabores de caldo vim-sendo na boca líquida dos olhos . . .) e tanto a piqui e manga comum im-pegadas pelo alto! - essas mangueiras franciscanas coçando pi-o-lho pi-o-lho . . . em ninhadas de periquitos, piquititinhos . . . a madurez do tempo bolinando as vez-frutas de-vez . . .

(árvore-símbolo / vida-viva)

19


- Olhar Cuiabรก -

- Beco Torto ( esgualepado ) รณ Beco Torto, fogo pagou meu Candieiro . . . (ah digitais descascadas de nomes em funeral ficadas!)

20


- Olhar Cuiabá -

- Praça Conde Azambuja: - Palácio dos Capitães Generais - fim da linha do bonde, puxado à tração muar . . . - e a vendinha simples de Nhá Fulô!

21


- Olhar Cuiabá -

Rua do Campo: -mas, Rua do Campo, pelo principalmente, é a estridência eufórica dum ... Vivaaa São Benedito !!!, no casarão-patrimônio-do-povo-devoto-de-dona-Bem-Bem, de todos nós!

22


- Olhar Cuiabรก -

- eco no beco rateio do fato no corte do encanto - morte - anais da morte no beco a ata reclama silhueta de morto 23


- Olhar Cuiabá -

24

- no Beco do Cabo Agostinho, a calçadinha de régua, prá gente andar de perfil . ..


- Olhar Cuiabá -

- Rua do Meio: - e seu Amarílio de Brito, mestre barbeiro e fundador do alvi-rubro, Paulistano Esporte Clube . . .

*Sr, Eurides Gonçalves da Costa, barbeiro há mais de 50 anos exercendo seu ofício na região do Centro Histórico de Cuiabá.

25


- Olhar Cuiabรก -

: : : sem pejo

26

sem asma sem medo : : : nem queixa sequer sem noite nenhuma de se humilhar (noite . . . pecรกvel noite . . . pecรกvel . . .) que o sol que esgrima com dedos de ferro gusa penteando poeira escamando barulho de gente-nova-em-folha


- Olhar Cuiabá -

- acalmando a fera fluvial: - minhocão do Parí tá bufano, seo Ilário! - tjoga um pilão véio no rebojo, qu’ele sussega o pito!

27


- Olhar Cuiabá -

- na Mandioca pintaram as casas de muxoxo namoro a receber pracinha antiga calçadinha de humildades: . . . ficou fundo de caixinha de lá-pis-volpi-cor . . . - nas rifas em caixas de tabletes de marmelada “embaré” , as férias da escola ficavam empoileradas nas prateleiras de papelão rifa-rifando-a-riqueza (embrulhinhos com segredo de espera) 28


- Olhar Cuiabá -

- Na ladainha das senhoras janeleiras: - São Raymundo. Casa-se todo mundo. São Bartholomeu. Que vos fiz eu? São Severo. Casar-me também quero. São Benedicto. Com moço bem bonito. São Odorico. Que seja muito Rico. São Roberto. Que seja também esperto. São Ivo. Que seja sempre vivo. São Eleutério. Que seja bem sério. São Hilário. Que não seja perdulário. São Estanisláu. Que não seja mau. São Ezequiel. Que seja sempre fiel. São Vicente. Que seja inteligente. São Conrado. Que seja muito honrado. São Agostinho. Que me ame com carinho. São Henrique. Feliz com eu fico. Santa Felicidade. Que faça-me a vontade. São Clemente. Casa-me brevemente. Santa Theodora. Que seja mesmo agora, tô apurada!

*Dona Carmosina Maria de Jesus, era moradora da rua do Meio, em setembro de 2016 completaria 100 anos. Ela faleceu em 2015. Em seu quarto ainda existem seus oratórios com seus santos de devoção.

29


- Olhar Cuiabá -

- Rua do Campo: - nos apontamentos da história; “Retalhos de Vida” nas “Datas Mato-grossenses”, ao ritmo caligráfico dos Mendonça / Estevão e Rubens . . . (pg 125) - ali, seguindo em frente, o Centro Operário, Clube Estudantino, Academia de Letras e o Instituto Histórico Mato-grossense documentando a memória, defendendo os valores espirituais da gente. . . (pg. 126)

30


- Olhar Cuiabรก -

-Rua de Cima: - assim, era a casa, de esquina; - e assim . . ., a gente e as coisas do tempo; pela Rua de Cima nรฃo hรก como perder . . .

31


- Olhar CuiabĂĄ -

- cronofotografia refrigerada na testa da arquitetura d’embrulho . . . (desventa ) desnuvem

32


- Olhar Cuiabá -

- time de botão de osso/de 4 furos (aquela amarração em cruz) e as lininhas de ceroula de genovesa no atrapalho: (1 quipe – 2 béqui – 3 alfi – 5 linha) ... e o falar no hábito da forma se destinando às miudezas

33


- Olhar Cuiabá -

- por que você disse lá atrás que Cuiabá é uma cidade mágica? - por que ela reinventa a sobrevivência . . . - fala de novo - o ouro acabou, o rio sustentou . . ., começaram matar a mãe da vida, o ouro voltou!, mas vai matar o eco-homo-boi, com seu porrete-tóxico, o mercúrio e a predação da terra.

34


- Olhar Cuiabá -

- Ladeira do Beco Alto agora é puro cimento ondulado largos planos e pouso ao pasto mineral de grilos . . . nunca mais a bolina punheteira no desafio adolescente . . . ( de nó-na-vista, uma nesga do casario colonial amoitando promessas nos telhados de São Benedito . . .

35


- Olhar Cuiabá -

36

“ Vamo lavá São João lá na Bica-da-Prainha . . ., João Cavalo vai no Bombo, Dito Paca na flautinha . . .”


- Olhar Cuiabá -

- naquele tempo, dos bão, sim, tinha requinte de paladar . . . - e o que que tinha de tão especial assim? - nas seis postas de fritas, e a gordura-de-lambari ia pro tchão-do-quintá, de seis em seis . . - e por que isso? - economia de gosto requinte. - economia, jogando fora? - pôs repetí é dá gosto-de-terra, prejuízo, não de pêtxe, mas no orige do comê . . .

37


- Olhar Cuiabรก -

lavrada em rede lavrando lavando levando meu cansaรงo

38


- Olhar Cuiabá -

- esta casa é sua, vem morando . . . ouça minha alegria musical

39


- Olhar Cuiabá -

- então, quando pinchar conversa fiada pega embalo e conversa coça conversa que nessa terra ninguém prova idade ninguém mesmo . . . vai dando de ombro no tempo empurrando assoprando o viver o tempo vivendo de vista (es-cor-re-ga-di-nho . . . pois nem sempre se despede de tudo . . .é sempre . . . “- até de repente, comadre!” e, de repente, prisca o aroma do cafezinho agraciando mais um chegado! 40


- Olhar Cuiabá -

na queimação amarela do gole-forte-licor-de-piquí cristalizando o gordo no ronco da tarde endomingada . . .

41


- Olhar Cuiabá -

- doce de mangava ou limãozinho . . . - os guris estalam a língua na supimpagem da queimada-de-canela com rosquinha de queijo ou francisquito (e já foram brincar de bate-bareta no vizinho)

42


- Olhar Cuiabá -

na cordialidade caseira à porta-da-rua-de-meia-lua rendada de cadeira-de-urubamba . . . - ah, doce de catjú-em-calda (catjú deitado de doce) catjázinho-de-ouro-canarinho

43


- Olhar Cuiabá -

na conversa ferrada de bagre-de-papo-amarelo perguntando ao pescador matreiro: - cum quê? Cum quê? Cum quê? (e a resposta tão bem temperada) - cô pimenta, coentro e mandioca seca, vem cá seo veáco !

44


- Olhar Cuiabá -

Rua do meio: - Rua de zigue-zagues, em baixo e altos relevos (...) garapeiros-e-meio, raspando cana cristalina, enquanto limõeszinhos cuiabanos azedavam tolentinhos de gelo, à vista de maribondos-tatús, rendados de sugação da sede da freguesia . . .

45


- Olhar Cuiabá -

- Rua de Baixo, lembra sea Jórgia, de chapéu azul e vestido branco, de laços até nos pés, laços brancos de brancura-encolhida-de pensar- de suas garças cismarentas, cismando em seu belo presépio: - são sete os presépios a percorrer, na regra da tradição . .

46


- Olhar CuiabĂĄ -

- de bancos e bandos cavando, cevando esgar-de-gralhas em concordatas frĂ­volas . . . - de clubes-recreio perfilando desfiles na polĂ­tica de intrigas-de-etiquetas . . .

47


- Olhar Cuiabá -

Jardim Alencastro: - escritório central da Turma dos Anjos da Cara Suja, Turma do Morro, estudantada e protesto político com banho de “estrangeiro” no chafariz da praça . . . prá aprender primeiro, o cuiabanez.

48


- Olhar Cuiabá -

- aqualera o canto aguça o uso pessoal do azul canto azul campo sul sul do azul além do anil do olho azul

49


- Olhar Cuiabá -

50

- de repente

ennuva um mole . . . brusco embrífero descaindo spic splic scif splacnsprics sprocs pracs (pentes d’água palitam ... splics rilham splcas – pasmos d’água tamborilam recanta a cancã semostrada splacsspricssplocssplicssplacprocscifsplcssprocs )destampação( rincões-de-zinco revessam nas canaletas . . cordões-de-conta-gotas flecham feixes na frigideira de pedras espirradeiras . . .


- Olhar Cuiabá -

- inação o canto acumula o sem-pique da lâmina lápide lapa

51


- Olhar Cuiabá -

- mesmo assim ó lentidão horizontal de velocidade-à-mão-armada que não vence nunca, nunca de, nem nunca a marca vertical desse passado, porque . . .

52


- Olhar CuiabĂĄ -

- Rua de Cima: - a calma enlatada de Mario Mota, resistindo, com senadores Vilasboas e Vespasiano Martins ataque de balas vivas, vindo no clarear-do-dia, saĂ­do do Beco Alto . . .

53


- Olhar Cuiabá -

54

- Cotxipó-da-Ponte é reduto e atalia na resistência estacada de seresteiros ou resumo orquestral de chorinhos rasqueados e valsas puras quase um turbilhão de abismo tropical de Rosa ao violão violino flauta e cavaquinho!


- Olhar Cuiabá -

- é gozação carnavalesca sambô ô-le-le pegado-sem-sal-de-maracujá . . . - se quisé é tjá!

* Jeje de Oyá foi alfaiate, colunista social e carnavalesco. Sofreu e lutou contra o preconceito por ser negro e homossexual. Faleceu aos 81 anos em 2016.

55


- Olhar Cuiabá -

- Mané-Fim-do-Mês, rijo farmacêutico, vendedor de raizamas: - Canela-de-ema, douradinho e barba-timão velaime, carapiá, capim-cidreira . . . raiz-de-fedegoso, casca-de-jatobá e garrafa-de-quartilho de mel borá . . . raiz-de-bugre, nó-de-cachorro e hortelã-do-campo . . .

56


- Olhar Cuiabá -

- encurtando caminho. - no anfíbio voo Condor, apagando os rastros d’água da Navegação Miguéis . . . - colosso!, monstruoso!, viajei de Corumbá pra Cuiabá, tão ligeiro, mas tão, que nem caguei!

57


- Olhar Cuiabá -

no tremeluzir da piraputanga assanhada pacus, jeripocas-de-salto-alto jurupensem e douradinhos subindo subiando subindo em lufadas o macio Cuiabazinho . . . (são frotas de ventrechas postas) prateando os beiços dentados das praias . . . - na carruagem que nada pra-cá-tás de cardumes serrilham n’água . . . 58


- Olhar Cuiabá -

- nas queimaduras pétreas há um palidecer de veredas como feridas não lidas . . .

59


- Olhar Cuiabá -

(...) o que se quer é desembrulhar emoções petrificadas, que pedras vertem o Homem que casa a cama que come. espanar a cara do passado, ainda que nos dissesse Eliot que o passado é alterado pelo presente porque este altera a mente que julga entre a expressão e a experiência expressa, entre o passado tal foi e o passado que eu imagino que é. O passado é alterado pelo presente, porque o presente altera a mente que, ao conhecer o passado, lhe dá sua única existência acessível. E o passado ao se apossar do poeta, confere a este grande responsabilidade, uma vez que não só os melhores, mas as partes mais individuais de seu trabalho, podem ser aquelas nas quais os poetas mortos, seus ancestrais, assentaram sua imortalidade mais vigorosamente. 60


Referência bibliográfica - Olhar Cuiabá O Projeto Olhar Cuiabá – Cartografia Silvafreireana teve toda sua pesquisa e material de execução elaborado a partir da obra: Freire, Silva. Presença na audiência do tempo. Organização Wlademir Dias-Pino. Cuiabá: Ed. Universidade Federal de Mato Grosso, 1991. (Trilogia cuiabana ; 1), 208p.

61





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.