Como a transitoriedade contemporânea impacta a crítica da prática artística "site-oriented"?

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MAK0136 - ARTE E IMAGINÁRIO CONTEMPORÂNEO PROF.: FELIPE CHAIMOVICH ALUNA: MARINA GAIDO CORTOPASSI Nº USP: 4672842 2º SEMESTRE DE 2021

Questão-síntese: Como a transitoriedade contemporânea impacta a crítica da prática artística site-oriented do final do século XX? O seguinte texto tem por objetivo refletir sobre os impactos causados pelo capitalismo tardio sobre a prática artística site-oriented do final do século XX. Tomando como ponto de partida a tensão existente entre os princípios de fluidez e transitoriedade contemporâneos e aqueles de estanqueidade e pertencimento originalmente definidores da produção site-specific, investiga-se de que forma essa produção teve seus discursos transformados ao longo do tempo, à medida em que se moldava às novas contingências socioculturais impostas pela consolidação do capitalismo tardio. A investigação permite avaliar, em última análise, as possibilidades críticas da produção artística em âmbito contemporâneo. A prática artística site-specific se propõe, desde o seu surgimento, a desafiar e questionar ideologias dominantes (museológicas e de mercado), e tem como movimento inaugural (e fundamental) a afirmação do “lugar” [site] em face ao paradigma moderno da autonomia do objeto de arte. A escultura moderna “autorreferente” e “nômade” vigente (KRAUSS, 1985) foi assim tensionada por uma produção que atestava a inseparabilidade física entre o trabalho e seu local de instalação, assim como sua dependência em relação a uma presença corporal que lhe atribuísse sentido. A polêmica em torno da remoção da escultura Tilted Arc (1981), de Richard Serra, da Federal Plaza, em Nova Iorque, é exemplar nesse sentido, na medida em que ilustra a transferência do significado do interior da obra para as contingências do seu contexto: “remover a obra é destruir a obra”.


Richard Serra, Tilted Arc, at Federal Plaza, Nova Iorque, 1981. Fonte: http://www.artefazparte.com/2010/11/arco-inclinado-1981-de-richard-serra-as.html

O deslocamento de sentido da obra para a sua moldura [frame] - dos seus meios, das suas qualidades ópticas e táticas, para as condições perceptivas de sua exibição - foi introduzido pela pesquisa de artistas minimalistas como Robert Morris, e constituiu o primeiro de uma série de movimentos que ampliaram progressivamente o sentido do “lugar". A crítica institucional, desenvolvida na década de 1970 e representada pela produção de artistas como Mel Bochner, Hans Haacke, Daniel Buren, Lawrence Weiner e Michael Asher, foi então responsável por realizar um novo deslocamento. Nele, o cubo branco fenomenológico de Morris passava a ser entendido como um disfarce institucional, uma convenção que se pretendia “neutra” e “objetiva", mas que na realidade cumpria uma função ideológica. O “lugar” deixava assim de se definir apenas em termos materiais, ganhando contornos discursivos alicerçados em relações socioeconômicas. Afirmar esse “lugar” significou, para a prática site-specific, decodificar as convenções institucionais de modo a expor suas operações ocultas: revelar as maneiras pelas quais as instituições moldam o significado da arte para modular seu valor cultural e econômico.


Daniel Buren, Within and Beyond the Frame, at the John Weber Gallery, Nova Iorque, 1973. Fonte: https://2012.monumenta.com/en/within-and-beyond-the-frame/

Daniel Buren, Within and Beyond the Frame, at the John Weber Gallery, Nova Iorque, 1973. Fonte: http://gallery.98bowery.com/2019/john-weber-gallery-daniel-buren-s-survey-of-works-1966-1995-card-1995/


Mel Bochner, Measurement: Room, 1969. Fonte: http://www.melbochner.net/archive/1960s/


Lawrence Weiner, Wall cutouts 36x36, 1968. Fonte: http://www.melbochner.net/archive/1960s/

Hans Haacke, Condensation cube, 1968. Fonte: https://www.macba.cat/en/art-artists/artists/haacke-hans/condensation-cube


Hans Haacke, MoMA Poll, Nova Iorque, 1970. Fonte: https://www.phaidon.com/agenda/art/articles/2016/september/13/a-movement-in-a-moment-institutional-critique/


Apesar de o ponto de partida para essa revelação ter sido a própria condição física desses espaços expositivos, à medida que essa investigação adentra os anos 1980, ela se apoia cada vez menos em parâmetros físicos para articular sua crítica. Anuncia-se assim um processo de desmaterialização e desestetização da obra de arte, por meio do qual ela deixa de perseguir uma condição de nome/objeto para almejar uma condição de verbo/processo. A obra de arte passa assim a provocar a acuidade não mais física, mas crítica do observador, apelando não mais aos seus sentidos, mas ao seu pensamento. O “lugar” também se vê acometido por esse processo de desmaterialização, movimento que resulta no surgimento de uma noção de lugar funcional em adição à de “lugar literal” existente até então (MEYER, 2000). O "lugar funcional" é definido pelo pensador James Meyer como podendo ou não incorporar um lugar físico - aspecto que, por princípio, rebaixa de forma inédita o lugar físico a um segundo plano da conceituação. Além disso, define-se, essencialmente, enquanto um "processo, uma operação ocorrendo entre lugares (…) um lugar informacional” que recusa, por meio da incorporação de uma temporalidade e de uma transitoriedade, a intransigência do lugar literal das obras de Richard Serra, por exemplo. Nesse processo, a relação entre a obra site-specific e o “lugar" passa a se pautar não mais em relações de permanência, inexorabilidade e especificidade, mas sim em impermanências; na construção de experiências e de situações de fugacidade e irrepetibilidade. A possibilidade de afirmar um “lugar” não exclusivamente material permitiu com que a crítica desse um salto, primeiro físico e em seguida intelectual, para além das fronteiras tradicionais da arte. Ainda levantando questionamentos sobre o confinamento cultural gerado pelas instituições, a produção site-oriented partiu em busca de um engajamento mais intenso com o mundo exterior e com a vida cotidiana, numa tentativa de integrar a arte mais diretamente à esfera social. Ocuparam-se hotéis, zoológicos, ruas, construções, escolas, hospitais, igrejas, supermercados; infiltraram-se meios de comunicação como o rádio, a televisão, os jornais e a Internet; estabeleceram-se diálogos com uma gama mais ampla de disciplinas - a antropologia, a sociologia, a crítica literária, a ciência computacional. E, finalmente, incorporaram-se à esfera do debate artístico discursos do âmbito popular, como a moda, a música, a propaganda, o cinema e a televisão.


Autoria desconhecida, Fotografia da ocupação do Hotel Chelsea por artistas, em Nova Iorque, na década de 1970. Fonte: https://www.dagospia.com/rubrica-29/cronache/parabola-quot-chelsea-hotel-quot-new-york-rifugio-grandi-267398.htm


Gordon Matta-Clark, Food, Nova Iorque, 1971. Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Gordon-Matta-Clark-Food_fig3_316905795


A condição do “lugar funcional” implicou não apenas na ampliação do sentido de “lugar”, mas em sua efetiva multiplicação. Somou-se às existentes categorias do "lugar físico” e do “lugar institucional”, o “lugar” determinado discursivamente. Delineado como “um campo de conhecimento, intercâmbio intelectual ou debate cultural”(KWON, 2002), o discurso passa a se configurar enquanto um “lugar" ao qual o ambiente (enquanto “lugar”) e a instituição (enquanto “lugar”) estão subordinados. A obra de Mark Dion On Tropical Nature ilustra bem essas camadas e definições interdependentes de “lugares”: o primeiro “lugar” do projeto (físico) trata-se da floresta tropical próxima à Caracas, na Venezuela, onde Dion acampou por três semanas para realizar sua coleta de espécimes; em seguida, esses espécimes foram encaixotados e enviados ao segundo “lugar” (institucional) do projeto, Sala Mendoza, um espaço expositivo em Caracas onde eles seriam expostos; no espaço da galeria, os espécimes, expostos enquanto obras de arte, foram contextualizados dentro do que constituía um terceiro “lugar” - a moldura curatorial da exposição coletiva temática. O quarto “lugar”, apesar de ser o menos material, era aquele com o qual Dion pretendia um relacionamento mais duradouro: a obra era assim inserida num discurso sobre as representações culturais da natureza e da crise ambiental global. (KWON, 2002) O “lugar”, dessa forma, deixa de ser representado por um espaço específico, para ser representado por um itinerário, uma sequência fragmentada de eventos e ações através de espaços - isto é, uma narrativa nômade, cuja trajetória é articulada pela passagem do artista. Muitos artistas, críticos e curadores aderiram ao fenômeno por entenderem que ele oferecia caminhos eficazes para se resistir às forças institucionais e de mercantilização de práticas artísticas críticas. Por um lado, isso significa que a produção site-oriented, em seu processo de desmaterialização, continuou a atender ao que se propunha desde as suas origens: desafiar e questionar as ideologias dominantes. Por outro, o movimento cada vez mais acentuado de desvinculação da obra de arte em relação à materialidade sugere o aparecimento de forças paradoxais na produção, sobretudo quando considerado os princípios fluidos e transitórios que definem capitalismo e poder no final do século XX. Nesse cenário, a prática site-oriented poderia estar não resistindo, mas cedendo à lógica de expansão capitalista. Há duas diferentes condições por meio das quais a arte site-specific/site-oriented circulou no final do século XX. A primeira se deu por meio da tendência de realocação ou de reprodução de obras até então únicas e vinculadas ao local de sua produção. Trata-se do caso do trabalho do artista americano Barry Le Va Continuous and Related Activities: Discontinued by the Act of Dropping. A instalação, originalmente produzida em 1967 no Newport Harbor Art Museum, na Califórnia, foi recriada por Le Va no Whitney Museum, em Nova Iorque, por ocasião da exposição !The New Sculpture 1965–75: Between Geometry and Gesture”, em 1990. Seu caso revela-se particularmente interessante na medida em que, diferentemente de outros exemplos de reprodução (que são criados para ocasiões específicas e então destruídos), a recriação de Le Va foi comprada pelo Whitney Museum e, em seguida, exposta em outras exibições, “viajando" para vários locais diferentes e configurando, efetivamente, um novo original.


Acima: Barry Le Va, Continued and Related Activities: Discontinued by the Act of Dropping (1967), instalação no Newport Harbour Art Museum, Califórnia, 1982. Abaixo: Barry Le Va, Continued and Related Activities: Discontinued by the Act of Dropping (1967), instalação no Whitney Museum, Nova Iorque, 1990. Fonte: imagens extraídas do livro “One Place After Another”, de Miwon Kwon.


A principal consequência dessa prática repousa no fato de que a especificidade do “lugar” em termos de tempo e espaço tornou-se irrelevante. Aspecto que, por um lado, facilitou o processo de reinserção (ainda que de forma implícita) da autonomia para dentro da obra de arte, e, por outro, atribuiu ao artista sua autoridade enquanto fonte primária de sentido do trabalho. Nas palavras de Miwon Kwon: “O trabalho de arte é novamente objectificado (e mercantilizado) e a especificidade do “lugar” é redescrita como a escolha estética pessoal da preferência estilística de um artista, em vez de uma reorganização estrutural da experiência estética” (KWON, 2002). Princípios metodológicos são capturados enquanto conteúdo, e processos são transformados em objetos inertes outra vez. O “aqui e agora” da experiência estética é isolado à medida que o significado é separado do significante: a obra, em sua desvinculação em relação à especificidade do “lugar”, torna-se um objeto de apreciação formal esvaziado de sentido, “um trabalho bonito, mas inócuo” (KWON, 2002). A obra de arte site-specific passa a representar criticamente, e não mais performar. Essa domesticação de trabalhos de vanguarda pela cultura dominante, vale observar, não se dá somente devido às necessidades de autoengrandecimento da instituição ou à natureza lucrativa do mercado. Há também uma parcela de responsabilidade do artista nesse processo de legitimação cultural, não importa quão rígida seja sua crítica à ideologia dominante. Um exemplo que ilustra de forma interessante essa condição se deu em 1990, quando Carl Andre e Donald Judd escreveram cartas negando publicamente a autoria de duas esculturas atribuídas a eles expostas na Ace Gallery em Los Angeles, em 1989. Tratavam-se de recriações da escultura Fall, feita por Andre em 1968, e de uma peça de ferro sem título feita por Judd em 1970, ambas pertencentes a uma coleção italiana. O episódio levanta questões em torno das noções de autenticidade e autoria no âmbito da arte site-specific em contexto contemporâneo, e é sintomático em relação ao processo de sujeição do artista às forças do mercado. As obras não são julgadas inautênticas por sua desvinculação em relação ao lugar de sua instalação original, mas sim pela ausência dos artistas no processo de sua (re)produção. A autoria em relação à produção de um determinado objeto é assim reconfigurada sob a forma de uma autoridade enquanto diretor ou supervisor de (re)produção. O artista revela-se assim como elemento importante no processo de mercantilização da arte site-specific no final do século XX. Enquanto alguns, como Judd e Andre, resistem à mobilização, outros lançam-se à possibilidade de reinventar a prática site-specific enquanto uma prática nômade, por meio do desmonte da associação entre a crítica e os pressupostos de imobilidade, permanência e irrepetibilidade. Artistas itinerantes configuram a segunda condição pela qual a arte site-specific circulou no final do século XX. A mobilização por parte dos artistas para atender o crescente interesse institucional na realização de projetos críticos in situ foi responsável por redefinir radicalmente: o status da obra de arte enquanto mercadoria, a natureza da autoria artística e a relação entre arte e “lugar”.


Carl Andre, Fall (1968), instalação no Solomon R. Guggenheim Museum, New York Panza Collection, 1991. Fonte: https://www.guggenheim.org/artwork/218


Como já abordado, a perda da relevância da especificidade do “lugar” na produção site-oriented levaria a uma reemergência da centralidade do autor enquanto fonte primária de sentido do trabalho. Esse “retorno do autor” pode também ser explicado por outros aspectos, como a tematização de locais discursivos (processo que no geral leva a um reconhecimento equivocado dos locais discursivos enquanto extensões naturais da identidade do artista), e a posição do autor como peça-chave na construção da rede de significados que estrutura a arte site-oriented. Ou seja, a intrincada orquestração de locais literais e discursivos que compõem uma narrativa nômade requer o artista como narradorprotagonista. Nesse cenário, o aspecto performático de um modo de operação característico de determinado artista é repetido e circulado como nova mercadoria. Um bom exemplo para ilustrar esse fenômeno é o projeto site-specific de Fred Wilson Mining the Museum (1992), na Maryland Historical Society, em Baltimore. Durante o período de um ano, Wilson explorou a coleção permanente da instituição e estudou sobre as contingências históricas locais, para então executar um projeto de reorganização temporária dos objetos em exposição da coleção permanente. A ação, que combinava crítica institucional a políticas identitárias multiculturais, foi muito aclamada pela crítica, levando Wilson a realizar, no ano seguinte, uma escavação de arquivos similar no Seattle Art Museum. Surpreendentemente, apesar da introdução de novas variáveis e desafios, o que se verificou no projeto em Seattle foi o estabelecimento de um modelo repetitivo entre o artista e a instituição que o recebia. Constituiu-se assim uma nova e muito empregada prática museológica: o comissionamento de artistas para “rependurar" coleções permanentes. O fato de o projeto em Seattle ter obtido muito menos sucesso do que sua “primeira edição” em Baltimore ainda ilustra em que medida a contínua repetição de comissionamentos pode tornar as metodologias críticas mecânicas e genéricas. Elas facilmente se tornam extensões do próprio aparato de autopromoção do museu, enquanto o artista se torna uma mercadoria com um especial valor em “criticidade”. O artista rapidamente abre mão de uma subversão orientada por suas convicções em prol de uma “subversão de aluguel”, transformando a crítica em espetáculo. Nesse processo, interessa notar, a mercadoria deixava de estar vinculada ao universo da manufatura (de coisas), para ser definida sem relação às indústrias de serviço e gestão. De forma análoga, o artista deixava seu lugar produtor de objetos para se tornar um fornecedor de serviços estéticos, muitas vezes “crítico-artísticos”.


Fred Wilson, Mining the museum, instalação na Maryland Historical Society, Baltimore, 1992. Fonte: https://portfolio.newschool.edu/alanacampbell/2019/03/05/site-specific-art-example/


Fred Wilson, Mining the museum, instalação na Maryland Historical Society, Baltimore, 1992. Fonte: https://judithestein.com/1993/10/01/sins-of-omission-fred-wilsons-mining-the-museum/


Fred Wilson, Mining the museum, instalação na Maryland Historical Society, Baltimore, 1992. Fonte: http://appartement22.com/spip.php?article419


A autonomia do objeto artístico em relação ao “lugar” e o protagonismo do artista enquanto figura de autoridade gerados pela desmaterialização da produção site-specific não devem, no entanto, ser confundidos com um retorno à autonomia modernista do objeto nômade e autorreferente. Eles devem, sim, ser entendidos como evidências do surgimento de novas pressões sobre a prática - pressões engendradas por imperativos estéticos e determinantes históricos externos (KWON, 2002). O deslocamento do “lugar literal” dos anos 1960, assentado nas verdades da experiência fenomenológica, em direção a um conceito de “lugar” fluido e transitório, por mais que se propusesse enquanto um movimento eminentemente contrário à lógica de perpetuação sistêmica, estava, na realidade, seguindo e sofrendo as influências do alcance global do próprio capitalismo. Na virada do século, a cultura do capitalismo tardio inaugurada na década de 1960 - a cultura que o site-specific procurava resistir - atingia um novo apogeu. Valendo-se das reflexões de Rosalind Krauss, pode-se dizer, nesse sentido, que a prática artística site-specific, apesar de sua natureza antissistêmica, programava dentro de si, desde o seu surgimento, a lógica de sua violação. Segundo Krauss, esse paradoxo poderia ser entendido como sendo “da própria natureza da relação da arte modernista com o capital”. Nessa relação, o artista, em um esforço de resistência a uma manifestação particular do capital - para a tecnologia, ou mercantilização, ou a reificação do sujeito de produção em massa -, produz uma alternativa a esse fenômeno que pode igualmente ser lida em função dele: uma outra versão, “possivelmente mais ideada ou rarefeita”, da própria coisa contra a qual ele estava reagindo. (KRAUSS, 1990) E não é necessário ir muito longe para se entender que, na realidade, esse processo imita a própria divisão do trabalho que é realizada no corpo do capital. A fragmentação, concebida como uma possibilidade de compensação utópica e desesperada, reverte-se, inevitavelmente, em especializações e divisões da vida capitalista. A essa lógica Krauss atribuiu o nome de “reprogramação cultural” (equivalente à “revolução cultural” de Fredic Jameson), e definiu-a com as seguintes palavras: “(…) enquanto o artista pode estar criando uma alternativa utópica, ou uma compensação, para um certo pesadelo induzido pela industrialização ou mercantilização, ele está ao mesmo tempo projetando um espaço imaginário que, se for moldado de alguma forma pelas características estruturais desse mesmo pesadelo, trabalha para produzir a possibilidade de seu receptor ocupar ficticiamente o território do que será um próximo nível mais avançado de capital. Com efeito, (…) o espaço imaginário projetado pelo artista não só emergirá das condições formais das contradições de um dado momento do capital, mas preparará seus sujeitos - seus leitores ou espectadores - para ocupar um futuro mundo real que a obra de arte já os fez imaginar, um mundo reestruturado não pelo presente, mas pelo próximo momento na história do capital.” Krauss recorre como exemplo para ilustrar essa lógica as unités d’habitation de Le Corbusier: erguidas sobre um tecido urbano velho e em desmonte, as unités idealizavam uma alternativa urbana poderosa e futurista, celebrando o potencial criativo que germinava dentro do indivíduo projetista. No entanto, o que Le Corbusier não anteviu foi que, na medida em que a criação desses complexos habitacionais


pressupunha a demolição de antigas redes urbanas ricas em padrões culturais heterogêneos, seus projetos acabaram por precisamente preparar o terreno para o avanço da cultura anônima da expansão suburbana e dos shoppings centers, cultura essa que ele vinha tentando combater em primeiro lugar. Por fim, faz-se o caso de se refletir sobre as possibilidades de produção antissistêmica na contemporaneidade. Hoje, vinte anos após a publicação da maioria das teorizações aqui citadas, a lógica descrita por Rosalind Krauss parece se agravar sem precedentes. As políticas identitárias propõem enfrentamentos aos paradigmas e ideologias vigentes ao mesmo tempo em que cindem a sociedade. A multiplicação dos “lugares de fala” cria um terreno fértil para o avanço do capitalismo financeiro na medida em que gera infinitos nichos de mercado. Frente a esse cenário, quais são os caminhos possíveis para uma produção antissistêmica no âmbito da prática site-oriented? Seria este um momento proprício para a (re)definição da especificidade do “lugar”, em sua unidade e literalidade (em contraposição à virtualidade e infinitude de “lugares” da realidade atual)? Seria essa (re)definição possível, desejável, ou há novos caminhos a serem trilhados?

Referências bibliográficas BUREN, Daniel. Function of the Museum. Art Forum, [s. l.], Setembro 1973. Disponível em: https://www.artforum.com/print/197307/function-of-the-museum-1-36272. Acesso em: 28 nov. 2021. GENEALOGY of Site Specificity. In: KWON, Miwon. One Place After Another: site-specific art and locational identity. 1. ed. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2002. cap. 1, p. 1131. KRAUSS, Rosalind. The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum. October, Cambridge, Massachusetts, v. 54, p. 3-17, Outono 1990. MEYER, James. The Functional Site; or, The Transformation of Site Specificity. In: SUDERBURG, Erika (ed.). Space, SITE, Intervention: Situating Installation Art. Minneapolis: University of Minnesota Press, Setembro 2000. cap. 1, p. 23-37. NECHVATAL, Joseph. How Daniel Buren’s Institutional Critique Became Institutional Chic. Hyperallergic, [s. l.], 14 set. 2016. Disponível em: https://hyperallergic.com/322774/how-daniel-burens-institutional-critique-becameinstitutional-chic/. Acesso em: 28 nov. 2021. POSTFACE. In: LIPPARD, Lucy. Six Years: The dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Los Angeles, California: University of California Press, 1997. p. 263-264. SCULPTURE in the Expanded Field. In: KRAUSS, Rosalind. The Originality of the AvantGarde and Other Modernist Miths. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1985. p. 276290. UNHINGING of site specificity. In: KWON, Miwon. One Place After Another: site-specific art and locational identity. 1. ed. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2002. cap. 2, p. 3355.


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