Rio de Janeiro
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Este livro é o resultado do Seminário Software Livre novos rumos para a Cultura e Comunicação, realizado no ARTE SESC, de 8 a 9 de novembro, como parte das atividades do Tangolomango 2005 - Diversidade Cultural. Os textos são de responsabilidade dos palestrantes
Edição
Cultura e Comunicação
Publicação Coordenação editorial: Marina Vieira Colaboração: Raquel Diniz Edição: Cristiane Ramalho Projeto Gráfico: Maria Clara de Moraes Revisão: Tetê Oliveira Edição Executiva: Mil e Uma Imagens Comunicação Copyright... O conteúdo deste sítio é publicado sob uma Licença Creative Commons.
Seminário Coordenação geral: Marina Vieira Coordenação das palestras: Raquel Diniz Patrocínio: Petrobras / MinC Apoio: Unesco; Rits; Associação Software Livre; Projeto Software Livre-RJ; Proderj Realização: Mil e Uma Imagens Comunicação Parceria: PACC; SESC-Rio
Agradecimento: Agradecemos a Petrobras, ao PACC, SESC-Rio, Unesco, Rits e Proderj por nos ajudarem a viabilizar o debate dessas questões...palestrantes
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Cultura e Comunicação
Índice
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Cultura e Comunicação
Generosidade Intelectual
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Em 2004 o Seminário do Tangolomango colocou em foco do debate sobre a comunicação comunitária e o direito universal à comunicação. Ficou claro que um dos gargalos para a disseminação do conhecimento é a falta de acesso à tecnologia e de consciência crítica para utilizá-la. Deste então, procuramos conhecer iniciativas que oferecessem alternativas concretas a essa exclusão tecno-cultural. Foi durante o V Fórum Social Mundial que finalmente despertamos para a utilização do Software Livre. Pudemos perceber que estávamos diante de novos rumos sócio-tecno-culturais e o Tangolomango em 2005 precisava chamar atenção para esse fato. Daí então, foi fácil escolher o tema "Software Livre" para guiar nossos debates em 2005. Já tinha sido muito importante descobrir que este era um instrumento de difusão do conhecimento de forma livre, mas nem imaginávamos o que estava por vir... Aos poucos fomos descobrindo que sua criação era feita de forma descentralizada e colaborativa. E isso muda muita coisa. Durante esse processo aprendemos muito, trocamos muitas informações com pessoas especiais como Mário Teza - que nos deu as primeiras coordenadas -, e com a Heloísa Buarque de Hollanda e a Ilana Strozenberg, ambas do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nossas cúmplices nas buscas e descobertas que nós fizemos. Cada convidado contribuiu com alguma parte, de alguma maneira. Ficamos muito impressionados como todos se mostraram disponíveis para indicar nomes, fazer contatos, colocando seus conhecimentos à disposição do Tangolomango. Foi aí que começamos a realmente entender o que estava por trás do software livre, os conceitos, as novas formas de comportamento e, sobretudo a interação. O programa do nosso seminário foi produzido colaborativamente, a partir de uma combinação de conhecimentos e idéias diversas. E isso só foi possível por que, como nos ensinou Reinaldo Pamponet, da Eletrocooperativa, que já havia aprendido com Mabuse, do Re:Combo, há Generosidade Intelectual. O que significa essa tal generosidade? Confiança, reciprocidade, cooperação, ajuda mútua, coesão social, solidariedade, compartilhamento, liberdade criativa. Essas são as forças que movem esse movimento de reapropriação tecnológica, de criação colaborativa, diversidade cultural e generosidade intelectual que permearam todo o nosso debate. Durante dois dias, as diversidades que permeiam a história e a luta pela democratização do acesso ao conhecimento e à informação trocaram experiências e pararam para escutar o que o outro está pensando e/ou fazendo.
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E juntos, rapper, povos da floresta, metarecicleiros, militantes de software livre, intelectuais, advogados, representantes do governo, de empresas e da sociedade civil apresentaram um roteiro, um caminho para aqueles que desconhecem a trajetória dessa luta tão importante pelo acesso à comunicação, cultura e cidadania. A sinergia gerada por essa combinação de conhecimentos, nos deixou otimistas com as mudanças profundas que a cultura e a comunicação estão traçando nesses novos rumos, ao interferi na realidade e trazer novas soluções para problemas tão difíceis, como a pobreza e desigualdade. A publicação dos debates do seminário Software Livre - novos rumos para a Cultura e Comunicação tem por objetivo atrair novos parceiros para participarem deste momento único de reapropriação da arte, mídia e tecnologia, por aqueles que até agora foram excluídos do acesso à cultura e à comunicação.
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Diretor do Grupo de Pesquisa da Cultura da Informática (Computer Culture Research Group) do Media Lab, MIT (Massachusetts Institute of Technology), o norte-americano Christopher Csikszentmihályi é artista, engenheiro e ativista dos direitos civis. Entre os projetos que desenvolveu, estão um robô-jornalista e um sistema de informações sobre os congressistas norte-americanos. Seu trabalho se situa no campo das novas tecnologias, da mídia e das artes.
Christopher Csikszentmihályi Bem, eu dirijo o Computer Culture Research Group do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), um grupo de pesquisa da arte e da tecnologia voltado para integrar as visões poéticas e políticas no desenvolvimento de novas tecnologias. Nessa era de crescimento apoteótico, nossos projetos de pesquisa incluem desde tecnologias para confrontar as mudanças impostas pelo governo dos Estados Unidos até técnicas para se produzir novas tecnologias e sistemas de informações. Baseados em 'estudos humanitários', criamos novas tecnologias que funcionam não só como exemplos do poder material, mas também como exemplo do que devemos projetar para o futuro. Nossos estudantes podem ser treinados em artes, ciências e/ou engenharia, mas devem sempre fazer o cruzamento entre essas três áreas. Um estudante de artes, por exemplo, deve ser um bom programador, ter habilidade para lidar com máquinas ou projetar um aparelho eletrônico. Os estudantes de engenharia, por sua vez, devem ter feito diversos projetos de arte, ter trabalhado como artistas profissionais, ou ter mostrado sua habilidade na criação de tecnologias radicais ou inesperadas. Todos os que pretendem atuar nessa perspectiva devem se basear na convicção impetuosa de que há algo de profundamente errado com as tecnologias hoje presentes em nossas vidas. Depois de 10 anos trabalhando com as mais altas tecnologias, percebo que a tecnologia e a ciência têm um forte poder em minha vida. Em meu trabalho eu procuro me realizar e me sentir parte da pesquisa, tento transformar o inimaginável. Esse é o caminho para ser um cientista e para descobrir algo de muito interessante no mundo 'natural' - deixar que o instinto interfira em todas as situações de pesquisa, mesmo que de forma paralela aos acontecimentos.
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Se você é forçado a trabalhar para grandes companhias ou grandes instituições, algumas das quais muito conservadoras, torna-se profissionalmente muito difícil fazer coisas interessantes, diversificar seu trabalho. Eu deixei um trabalho desse tipo para atuar em uma escola da arte. Posso dizer que a escola de arte é quase que o oposto à de engenharia. Na engenharia, você trabalha essencialmente para uma chefia, que lhe diz o que fazer e como fazer. Você é responsável pelo marketing, pela venda das pessoas e a produção da companhia. Talvez isso faça você se sentir mais responsável pelos outros. Mas depois de longos e difíceis anos fazendo projetos da engenharia clássica, cheguei à conclusão de que não conseguia fazer as coisas que eu queria. Cerca de quatro anos atrás, me tornei professor da escola de Laboratórios de Mídia, o Mídia Lab, responsável por discussões de tecnologias mais avançadas. Lá, há uma discussão transparente dos objetivos que se quer alcançar. No caso do programa 'PC Conectado', por exemplo, os objetivos gerais são ampliar e simplificar o acesso das classes mais desfavorecidas e das pequenas e micro empresas à melhor tecnologia de informática. Este esforço pró-inclusão digital é valioso porque ajuda na construção do capital social, da sociedade civil. Um outro grande objetivo da ampliação do acesso a grandes tecnologias é o crescimento econômico que surge com a abertura de novos mercados, com o aumento de produtividade, com a redução de custos e, a longo prazo, com a educação. Como o crescimento econômico sustentável tem suas bases no incremento da economia criativa e do conhecimento, fica claro que o melhor caminho é o maior investimento possível no acesso a experiências positivas através de tecnologia de ponta. É igualmente óbvio que a tecnologia mais poderosa, pelo menor custo possível, é a que oferece maior impacto. Por esta razão, defendemos o uso de software livre de alta qualidade, ao contrário de versões simplificadas de softwares proprietários mais onerosos. Para estes objetivos, o software livre é muito superior, no tocante a custo, capacidade e qualidade. À longo prazo, existe ainda um outro gigantesco benefício: um grande potencial de aprendizagem no uso de software livre, que não existe no software proprietário. Porque quando o código fonte é proprietário, ele não é conhecido pela população em geral. Isso tira da população uma grande oportunidade de aprendizado. Com o código fonte aberto existe uma comunidade que aceita contribuições de melhorias ao ambiente ou a novos aplicativos. Então, tudo isto também é aberto ao mundo, ou, pelo menos, ao mundo com acesso. A comunidade de desenvolvimento serve como uma comunidade social de prática, com acesso a todos. Isto representa uma base global gratuita de suporte e educação. Através da participação na comunidade do software livre, temos visto surgir exemplos de desenvolvimento de conhecimento de alto nível em países em desenvolvimento como Brasil e México.
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As pessoas que participam destas comunidades não apenas criaram aplicativos valiosos e de grande qualidade, mas também iniciaram atividades de alta tecnologia nesses países. A partir do desenvolvimento de aplicativos e serviços para o setor público contribuíram para o bem-estar social. Criaram ainda um capital de aprendizado que formou as bases para o desenvolvimento sustentado. Este tipo de experiência não pode ser reproduzida através do uso de software proprietário. Por tudo isso, fica claro para nós que a adoção de software livre proporciona a base para um acesso mais amplo, para usos mais ativos e para uma plataforma muito mais robusta para o crescimento e o desenvolvimento no longo prazo. Eu também defendo o direito à informação sem controle dos meios de comunicação de massa, nem censurada pelo Pentágono. Por exemplo, o que realmente acontece no campo de um país em guerra? Como você pode compreender o conflito do ponto da vista daqueles que o experimentam diariamente? Se eu tivesse em contato direto com estes povos, certamente minha percepção da guerra seria diferente. O que me deixa realmente curioso é o que a guerra tenta provar e o que efeitos produz para os que estão perto dela. Então, para fazer oposição à 'versão cirúrgica' da guerra do Afeganistão que o Pentágono transmite e impõe, desenvolvemos um robô-jornalista programado para relatar a guerra. Este robô-jornalista, chamado afghan explorer (explorador ou repórter afegão), é uma espécie de veículo de exploração espacial. Alimentado por dois painéis solares, ele se move na terra com um sistema de quatro rodas e pode fazer um percurso de até 50 quilômetros num dia. O 'miolo' de um computador de laptop compõe seu cérebro. O veículo é equipado com uma câmera de vídeo com a finalidade de entrevistar todos os povos que cruzar em seu trajeto. Tem também um monitor de vídeo pequeno que permite aos povos entrevistados ver com quem estão falando. Os entrevistados e entrevistadores se comunicam através de um microfone e de um altofalante. A entrevista é transmitida via satélite. O 'repórter afegão' é dirigido por controle remoto e usa um sistema GPS. É, na verdade, um dispositivo de teleconferência. Seus motores são feitos de dispositivos de máquinas copiadoras, com rodas de 14 polegadas de diâmetro, e todas as peças estão disponíveis no mercado... Este projeto não representa, de forma alguma, um ato de desobediência civil; nenhum governo pode, esperase, impor uma lei que proíba despachar tal dispositivo em uma zona da guerra. É, entretanto, uma alternativa criativa que envolveu tanto a pesquisa tecnológica quanto o protesto político, e que convida os usuários eventuais - aqueles que não se submetem aos poderes estabelecidos -, a um teste de eficácia e sucesso. Os jornalistas que acreditam que sua profissão está a ponto de se tornar obsoleta criticaram a iniciativa. O jornalista francês Emmanuel Poncet descreveu o repórter afegão como "a maravilha que é o último grito do cinismo dos meios e da política dos Estados Unidos". Já Natalie Jeremijenko, artista e professor de engenharia em Yale, disse que estamos fazendo um grande e significante trabalho para a maioria dos americanos.
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O explorador afegão foi idealizado e projetado por Ryan McKinley, sob a minha supervisão, como parte de um programa comum entre o Laboratório de Mídia do MIT e o grupo de pesquisa Computando a Cultura. Já em 2003, depois que o governo norte-americano havia invadido o Iraque e no momento em que estava aprovando uma série de leis domésticas que reduziam a liberação de informações sobre seus atos, nós desenvolvemos o GIA (Consciência da Informação do Governo). A idéia era criar um sistema para 'espionar' membros do governo norte-americano. O GIA é um site que tem como foco principal organizar informações para ajudar os cidadãos americanos a compreender a complexidade de seu governo. O nosso GIA foi inspirado pelo TIA (Consciência Total da Informação), projeto do governo que tem por função investigar as atividades de milhões de americanos na esperança de encontrar potenciais terroristas. O TIA foi desenvolvido pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Defesa (Darpa), a mesma agência que criou a Internet. O objetivo do TIA era desenvolver um sistema que servisse para espionar todo mundo, a todo momento. Eles espionariam emails, registros médicos, compras em lojas, telefonemas em todo o planeta. Nossa idéia foi usar o modelo deles e inverter as coisas. O que um cidadão comum poderia conseguir de informações sobre os atos do governo? Seria possível, pensamos, criar uma agência de informações alimentada pelos próprios cidadãos com dados muito detalhados sobre os membros do governo. O GIA procurou oferecer ao cidadão comum a possibilidade de consultar fontes de informação sobre empregados do governo e políticos em organizações e corporações que fazem negócios com o governo americano. Por causa de muitas pessoas que nos ajudaram alimentando o sistema, e depois do protesto de grupos de direitos humanos e de defesa dos direitos civis, o congresso dos Estados Unidos decidiu limitar o espaço do projeto e o Senado acabou retirando o financiamento. Esta inversão estratégica tem como objetivo reduzir o crescente vão entre o potencial limitado de um cidadão de prestar atenção ao seu governo e o potencial ilimitado que o governo tem de prestar atenção no cidadão. Segundo McKinley, a "informação total" deve fluir em ambos os sentidos, entre governo e cidadãos: uma democracia saudável é baseada na responsabilidade compartilhada. Desenvolvemos ainda um DJ-robô, que usa registros reais. A idéia era questionar o que poderia fazer uma máquina que fundisse realmente pessoas e sons, descobrir o que isso provocaria nos DJs e qual seria a maneira das pessoas se adaptarem a ele.
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A verdade é que por trás dos muitos artifícios da tecnologia se esconde uma imensa quantidade de trabalho do ser humano. A inteligência autônoma não acontece pura e simplesmente, mas compromete a nossa idéia do que é humano. Se existe uma coisa certa sobre o futuro é que a influência da tecnologia, especialmente da tecnologia digital, continua a crescer e a trazer profundas mudanças na forma como nos expressamos, como nos comunicamos e na forma como percebemos, pensamos e interagimos com nosso mundo. Essas "tecnologias de comunicação" estão apenas nos primeiros estágios de sua evolução moderna; elas ainda estão imaturas, não são utilizadas de forma adequada, não são personalizadas e não correspondem perfeitamente às necessidades humanas de seus usuários. Seu desenvolvimento total nesses termos está surgindo como um dos principais desafios técnicos e de projeto da emergente era da informação. Gosto de fazer as tecnologias que ninguém mais no mundo está fazendo. Eu as vejo como utópicas e 'desutópicas'.
Pessoas que fazem tecnologias são chamadas freqüentemente de artistas, significando,
essencialmente, fabricantes de coisas. No MIT, tudo isso tem um significado: o estudo, a invenção e o uso criativo das tecnologias de capacitação para a compreensão e expressão de pessoas e máquinas. O campo tem como base a comunicação moderna, as ciências da computação, as ciências humanas e o programa acadêmico, que está profundamente ligado a programas de pesquisa dentro do Laboratório de Mídia. Computadores e computação são os denominadores comuns mais proeminentes dessa fusão multidisciplinar de domínios anteriormente separados. Para fornecer uma base para os grandes avanços das diversas tecnologias envolvidas, o MIT vem descobrindo e cultivando novos conjuntos de preocupações intelectuais e práticas compartilhadas que estão se tornando a base de uma nova disciplina acadêmica. O campo das Ciências e Artes de Mídia, embora criticado e promovendo reações de antipatia por parte de alguns segmentos, pode ser considerado como a exploração das bases técnicas, cognitivas e estéticas da satisfação das interações humanas mediadas pela tecnologia. Em termos mais profundos, ele aborda a qualidade de vida no ambiente rico em informações do futuro.
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Palestra 1 A jornalista Delânia Cavalcante trabalha no Instituto Telemar desde sua criação. Especializada em marketing e responsabilidade social, Delãnia atua no momento no projeto Novos Brasis, que dá apoio a organizações do Terceiro Setor.
Delânia Cavalcante Cerca de 95% dos computadores instalados hoje no Brasil estão nos grandes centros urbanos, no entanto, há um movimento muito forte de inclusão digital no interior do país. O Instituto Telemar, por exemplo, trabalha em comunidades muito pequenas com IDH's (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixos. É um projeto único no país. Um desses locais é São Gabriel da Cachoeira, que fica a 600 km de Manaus, onde, em uma escola pública, temos um laboratório de Internet. A gente trabalha com o Office, mas a gente acha que com o software livre poderia fazer muito mais. Por que o Instituto Telemar resolveu trabalhar com tecnologia? Porque a empresa que mantém o Instituto Telemar, o Grupo Telemar Norte Leste, é concessionária de um serviço de telefonia e de comunicações e nós estamos numa área onde a 'mancha social' nesse país é mais evidente - nas regiões Norte e Nordeste. Por isso, resolvemos trabalhar a questão da inclusão digital no interior do país. Então, trabalhamos com as escolas públicas, em parceria com os governos, atingindo alunos de 5ª a 8ª série. Para nós, a tecnologia é um instrumento de aceleração do conhecimento. E a gente acredita que é necessário que existam políticas públicas neste país suficientes para incluir toda essa comunidade, essa gama de alunos e professores que estão fora desse mapa da inclusão social e da inclusão digital no Brasil. Hoje estamos com o Projeto Telemar Educação em 67 escolas, nessas pequenas comunidades brasileiras. Esses meninos já desenvolveram, através desses núcleos, 350 projetos sociais. A escola aqui passa a ser um agente transformador e passa a ter novamente um papel importante dentro da sociedade. Eu posso trazer para vocês dois grandes projetos que aconteceram em Santa Bárbara, no interior do Pará, onde as meninas não conseguiam concluir a 8ª série. Elas tinham problemas sérios de gravidez na adolescência, que é um mal comum em todo o país, e buscaram, na internet, mecanismos de informação para desenvolver uma ampla campanha, não só na escola, mas dentro do município. O resultado foi que, naquele período, não houve registro de nenhuma gravidez entre essas jovens. As meninas não engravidaram porque tiveram algo que não tinham antes - informação. Já no interior da Paraíba, na cidade do Conde, a plantação de maracujá é uma das maiores fontes de geração de emprego e renda. Ali, as crianças, através da escola e de pesquisas na Internet, com a ajuda de softwares, resolveram e conseguiram criar o Dia do Maracujá, incentivando os pais a plantarem maracujá em cultivos próprios. Com isso, elas passaram a se tornar atores importantes na questão da inclusão digital no interior do país.
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Aqui no Rio, nós criamos o Centro Cultural Telemar, que é um pólo irradiador das ações do Instituto Telemar de Artes e Tecnologia. Nós temos lá um teatro, galerias de artes e tecnologia, e também todo um ambiente democrático de acesso à informação, porque acreditamos que é importante democratizar, fazer parcerias e também mostrar que esse país é diferente e feito de pessoas capazes. Isso se faz também através do projeto Telemar de Educação, da Kabum!, que também participa do Tangolomango, onde os meninos têm a chance de mostrar seus trabalhos. Aliás, os meninos da Kabum! de Salvador também estão aqui. No total, são três projetos Kabum! e convido todos vocês a conhecê-los. No Rio, a Kabum! é desenvolvida em parceria com a ONG Spectaculu, do Gringo Cardia, ali na rodoviária Novo Rio. Essa questão do software livre para a gente também é muito importante. Acreditamos que essa deva ser uma política pública de democratização do acesso. Nós temos a causa da inclusão digital como um fator tão forte, tão importante, que nós criamos o Prêmio Telemar de Inclusão Digital. É um prêmio de reconhecimento para as ONGs, universidades, escolas, personalidades e agora também para a imprensa. Esse prêmio visa reconhecer as melhores iniciativas nessa área. Os números movimentados pelo Instituto Telemar são impressionantes. Mais de dois milhões de alunos, cerca dois mil professores engajados em projetos de inclusão digital, apoiando inclusive projetos de outras ONGs que trabalham com inclusão digital. Em projetos próprios como: Projeto Telemar Educação, Kabum!, Comunidade Digital Telemar - vou falar dele mais à frente. E, ainda, o Prêmio que veio descobrir quem são essas pessoas e instituições que também trabalham com inclusão digital no Brasil. Em relação especificamente à questão do software livre, nós recebemos mais de 960 inscrições para o Prêmio Telemar de Inclusão Digital - muitos desses projetos utilizam o software livre com sucesso. No Prêmio, apoiamos trabalhos de empresas. A gente quis saber o que as empresas estavam fazendo nessa área de inclusão digital. Para 2005, escolhemos 34 principais iniciativas para premiar. Inclusive, a personalidade que foi escolhida pelos próprios inscritos foi o professor Sérgio Amadeu, um defensor árduo da causa do software livre no Brasil. Fica claro que muitos projetos estão sendo desenvolvidos nesse momento no interior do Brasil com software livre. No interior do Ceará, principalmente, as escolas e os telecentros estão utilizando o software livre porque seu uso é mais barato e mais maleável. Foi uma grande surpresa esse ano a gente perceber que as pessoas estão recebendo treinamento em relação a softwares livres. E foi mais surpresa ainda saber da sua utilização nas escolas públicas do interior do Brasil, onde o acesso à informação é muito restrito. Quando existe um programa ou uma política pública responsável, as pessoas pegam esses ganchos para trabalhar. No Prêmio Telemar de Inclusão Digital foram 470 instituições inscritas. Com isso a gente percebe o crescimento de utilização do software livre. Os professores que participam desses projetos passam a ter uma auto-estima elevada, o que é ótimo, já que essa é uma questão importante hoje no Brasil. Os professores precisam ser vistos de uma maneira diferenciada, precisam ser treinados. É preciso mostrar a eles que educação e pedagogia são muito mais do que eles aprenderam até hoje. É importante informar ainda que o Projeto Telemar Educação está virando uma política pública e que a gente vai sistematizar essa metodologia para dividir com os outros. Não é uma política nossa concentrar as informações, já que trabalhamos com a democratização da informação e do conhecimento. Para nós, o importante é que cada vez mais as pessoas possam utilizar isso.
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O projeto Telemar Educação, aliás, tem um portal onde as crianças se comunicam e conversam: o www.projetotelemareducacao.com.br. Nele as crianças mantêm contato e podem trocar informações. Além disso, estamos agora com um projeto de educação digital muito interessante: o Comunidade Digital Telemar. É um grande orkut pedagógico. A Telemar tem um programa de disponibilização de Velox, que é a banda larga da companhia, para prefeituras e governos estaduais. E a gente viu aí uma grande oportunidade, principalmente para as escolas públicas. Na grande maioria das escolas públicas brasileiras o governo dá o laboratório, mas não dá a conexão, que é o ponto mais caro. Então a Telemar viu nisso uma oportunidade de aceleração do conhecimento e decidiu dar a conexão. A aceleração é imediata e a gente viu nisso a oportunidade de trabalhar um projeto pedagógico, que é justamente essa Comunidade Digital Telemar, onde se troca experiências e onde os professores entram. Até agora, são 55 prefeituras e governos estaduais parceiros. A Telemar entra com o Velox, o laboratório começa a funcionar, a PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), que é o nosso parceiro pedagógico, entra também no processo, e eles criam suas comunidades, suas páginas. A Comunidade Digital Telemar hoje já deve contar com mais de três milhões de pessoas com suas páginas. A tecnologia também está apta para isso, para aproximar as pessoas. E a gente está muito feliz de estar aqui com o Tangolomango, um projeto que a gente apóia há três anos. Fóruns como esse deveriam acontecer mais na cidade do Rio de Janeiro.
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Ulisses Leitão é diretor de tecnologia do Instituto Doctum e coordenador geral do projeto Muriqui Linux. Professor e pesquisador, fez doutorado na Alemanha e publicou mais de 30 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais. Desde 1998, está engajado no debate para adoção do software livre no setor público e empresarial.
Ulisses Leitão Discutir a inclusão digital tem uma importância ímpar, já que devemos refletir sobre questões básicas, como a quem ela deve beneficiar e qual deve ser a preocupação central do projeto de inclusão digital a nível nacional. São perguntas que precisam ser respondidas porque, muitas vezes, temos visto esforços de inclusão digital por grandes empresas no sentido de aumentarem seu próprio mercado de venda de hardware e de software. Neste caso, o maior beneficiário não é a sociedade... Gostaria de relatar as experiências que temos tido com projetos de inclusão digital e com desenvolvimento de software livre no interior de Minas Gerais. Quero mostrar também a preocupação que nos levou a criar uma versão do Sistema Operacional Linux voltada para a inclusão digital e apresentar algumas novidades do sistema que desenvolvemos, como a Central de Ajuda e o conjunto de aulas de multimídia. Sou diretor de tecnologia de uma instituição chamada Instituto Doctum, uma rede de faculdades isoladas que ganha qualidade com a sinergia entre suas unidades. Desde 1998, utilizamos exclusivamente o Linux em nossos laboratórios de ensino. A Doctum possui unidades no Leste de Minas, desde Teófilo Otoni até Juiz de Fora, e em Iúna e Guarapari, no Espírito Santo. São cidades de porte médio para pequeno. Em muitas delas, a Doctum criou a unidade como uma necessidade de inclusão social, com o objetivo de viabilizar o acesso ao ensino superior no interior do país. Queria passar alguns exemplos do que temos feito no Laboratório de Inclusão Digital (LID), em Caratinga, interior de Minas, e no projeto Cidadão.net - uma iniciativa do governo estadual que já conta com mais de 100 telecentros com software livre na região mais pobre de Minas. Em Caratinga, o laboratório de inclusão digital foi uma parceria do Instituto Doctum com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de Minas Gerais. O objetivo era muito claro: fazer da experiência um modelo de inclusão digital para o interior do estado. Já existiam iniciativas paralelas em São Paulo e no Rio Grande do Sul, mas não tinha nenhuma em Minas Gerais.
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Dentro deste projeto, trabalhamos a tecnologia de 'boot remoto com balanceamento de cargas', que se tornou conhecida como Terminais Inteligentes. Nós não vamos entrar em detalhes técnicos. A única coisa importante a saber é que, com o uso do software livre e a tecnologia de Terminais Inteligentes, um laboratório de inclusão digital que custaria alguma coisa em torno de R$ 70 mil, na época (2002), foi construído com R$ 27 mil, todo ele legalizado! Esta enorme diferença de custos ocorre por dois motivos: 1) o software livre dispensa o pagamento de licenças de software, tanto do sistema operacional quanto dos aplicativos utilizados; e 2) a tecnologia de 'boot remoto' permite o uso de máquinas sem disco rígido ou HD. Então, num laboratório com 20 máquinas, se economiza algo em torno de R$ 8 mil a R$ 10 mil no hardware. O HD é necessário apenas para o servidor. Hoje podemos dizer que o Laboratório de Inclusão Digital de Caratinga é uma experiência de sucesso. O projeto é utilizado intensamente e virou realmente um modelo para várias iniciativas semelhantes. Em 2004, por exemplo, o governo de Minas criou o projeto Cidadão.Net, voltado para a inclusão digital na região de mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Minas, a região do Vale do Mucuri e do Jequitinhonha. Participamos ativamente da primeira etapa do projeto. Os alunos e funcionários da Doctum viajaram 12.500 km fazendo o processo de instalação, treinamento e capacitação de monitores em cada uma das cidades contempladas. Vale ressaltar essa questão do IDH extremamente baixo da região atendida. Em uma dessas cidades, Setubinha, o IDH registrado pelas estatísticas oficiais é de 0,568 - o IDH mais baixo do estado - e o índice de analfabetismo atinge a cifra de 45,08% da população de 15 anos ou mais. Assim, o grande desafio do projeto pode ser expresso em uma pergunta: como viabilizar tecnicamente a Unidade de Inclusão Digital em cidades com tão baixo IDH? E mais: como realizar a transferência tecnológica em um ambiente de baixa escolaridade? A resposta foi desenvolver um Sistema Operacional amigável e um modelo de capacitação tecnológica multimídia, tendo o usuário final como paradigma. Além disto, a criação de um comitê gestor local, como forma de organizar a comunidade para o projeto, viabilizou o controle da iniciativa pela população-alvo da ação. Estes dois pontos são imprescindíveis, pois o projeto seria inviável sem uma forma de organização gestora e sem um projeto intenso de capacitação de monitores. Aliás, a capacitação de monitores continua até hoje, através de aulas multimídia e cursos de atualização. Mais de 100 cidades já participam desse projeto. A dificuldade que encontramos ao levar esse modelo, o laboratório de inclusão digital baseado em software livre para o interior, em cidades de baixíssimo IDH, nos levou ao seguinte desafio: é necessário trabalhar no sentido de tornar o Linux cada vez mais fácil de ser usado. Entendemos que seria necessário desenvolver um sistema que fosse fácil o bastante para que o monitor de Setubinha fosse capaz de reinstalar todo o sistema sem a necessidade da presença de um suporte técnico externo. Caso contrário, não seria transferência de conhecimento, de cultura e de tecnologia para a região.
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Esta foi a razão que justificou a decisão do Instituto Doctum de desenvolver uma versão própria do Linux, que veio a se tornar o Muriqui Linux. O nome é uma homenagem ao macaco Mono-Carvoeiro ou Muriqui, o maior macaco das Américas. A palavra Muriqui significa povo tranqüilo. Esse macaco tem muito a ver com a cidade de Caratinga, sede do Doctum. Na década de 30 e 40, quando o leste de Minas estava sendo desmatado de forma violenta, como hoje está sendo destruída a Floresta Amazônica, um fazendeiro decidiu preservar uma área de 1600 hectares de mata. Em pouco tempo, começaram a aparecer espécimes do Mono-Carvoeiro. O fazendeiro, Feliciano Miguel Abdala, preservou essa mata e, na década de 70, pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) descobriram que lá estava a maior população de Muriquis do país e do mundo, já que a espécie só acorre aqui na América do Sul. Por isto costuma-se afirmar que o ser vivo mais importante de Caratinga não é o Ziraldo nem o Agnaldo Timóteo, mas o Muriqui. São macacos tranqüilos, que não brigam por nada. É o nome ideal para este primata. O nome Muriqui Linux pretende ser uma homenagem e uma luta pela preservação da espécie. O projeto Muriqui Linux tem por objetivo criar uma distribuição do Linux voltada ao usuário leigo, para facilitar o trabalho de inclusão digital. Objetiva a facilidade de utilização e o apoio a processos de migração e de inclusão digital. A diversidade faz parte do jogo do software livre. O Muriqui faz parte da família Debian. O Debian talvez seja hoje o maior projeto comunitário de desenvolvimento tecnológico do mundo. É uma grande distribuição que opera em computadores de arquiteturas completamente diferentes. O Muriqui foi feito só para a arquitetura PC, a arquitetura dos computadores pessoais mais utilizada no mundo. O projeto tem se destacado por dar grande ênfase ao processo de acelerar a curva de aprendizagem do sistema. Para acelerar o processo de aprendizagem, tem sido realizado enorme trabalho na documentação e nas aulas multimídia. É um projeto de software livre suportado financeiramente pela DoctumTec, o Centro de Tecnologia do Instituto Doctum. Tem seu código aberto, licença GPL e um sistema colaborativo. Mais informações encontram-se no site www.muriquilinux.com.br. Um dos aspectos técnicos interessantes do projeto é o seu sistema de instalação gráfica. Ele é todo em português e voltado para a realidade do Brasil. Entretanto, mais de 22% do acesso ao site e do download do sistema são feitos do exterior. Os países que mais acessam o site são o Brasil, os Estados Unidos, Portugal e França, disputando o terceiro lugar, a Espanha e, logo a seguir, a Jordânia. E aí você se pergunta: por que alguém da Jordânia estaria tentando baixar os arquivos de um projeto brasileiro? Na realidade, tem um brasileiro lá e, como o software livre abre a possibilidade das colaborações, ele está traduzindo todo o material para o árabe. O Linux, com o sistema UTF8, permite suporte a linguagens não-latinas, como o árabe e as línguas asiáticas.
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Bom, mas vamos fazer algumas reflexões. Primeiramente, por que usar o software livre para a inclusão digital? Bem, angustia-me um pouco que o CDI (Comitê para Democratização da Informática) venha insistindo na utilização sistemática de software proprietário em seus projetos de inclusão digital. Eles têm repetido a seguinte argumentação: "o objetivo do CDI é preparar o cidadão para o mercado de trabalho, para fazer a inclusão social". A necessidade de utilizar software proprietário seria, dentro desta visão, uma necessidade do mercado. Fico pensando que, para melhor compreender o problema, devemos usar a metáfora chinesa, o provérbio chinês que afirma que "não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar". Neste caso, porém, ensinar a pescar não basta, pois o que se está fazendo nesta pretensa Inclusão Digital é ainda pior do que não ensinar a pescar. Ensina-se a pescar, mas obriga-se a pescar exclusivamente com determinada ferramenta, a ferramenta da empresa XYZ. Esta contradição é grave. Cria-se um dependente digital e amplia-se o mercado de uma empresa que já detém um monopólio mundial. É preciso se perguntar se o incluído digital terá condições de adquirir uma cópia legal da ferramenta que ele aprendeu a utilizar. Caso contrário estaremos criando um candidato a pirata de software. É necessário capacitar e ensinar sim, para que o incluído digital não fique dependente da solução A ou B a vida toda. É importante que ele tenha o controle do instrumento que ele vai utilizar. Nesse sentido o software livre faz as duas coisas ao mesmo tempo: o incluído digital adquire habilidade de resolver problemas tecnológicos e, de uma maneira geral, ele é senhor das ferramentas que utiliza. Isto auxilia o País a dominar o processo de produção e absorção de tecnologia. Isto tem a ver com acreditar na inteligência do País, com criar soberania tecnológica, acreditar no desenvolvimento colaborativo. E isto é a essência do novo paradigma de construção de uma nova sociedade solidária. Nesse sentido, eu não consigo conceber inclusão digital que não tenha no software livre sua base ideológica e sua principal ferramenta tecnológica. Caso contrário, estaremos criando futuros piratas de software, porque o cidadão vai usar um software no telecentro e, em casa, terá que ter uma cópia pirata. Como impingir ao cidadão algo que custaria em torno de R$ 1.600,00, somente em licenças do sistema operacional e da suíte de escritório? O agravante é que estamos falando de inclusão digital em regiões de baixo IDH, onde ela se faz mais necessária e onde o custo do software é mais relevante. Essa é uma questão que tem que ser resolvida pelo CDI e por todos os projetos de Inclusão Digital que queiram fazer a diferença neste País. Eu creio que o Linux é viável para a inclusão digital. Acredito nisso desde 1998, quando iniciamos esse projeto numa universidade que usa exclusivamente o Linux. Tem sido muito interessante ver o impacto que este projeto acadêmico teve na comunidade universitária, em especial nos estudantes, na cidade e na região. O
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acesso ao código fonte foi fundamental como estratégia didático-pedagógica na consolidação prática da formação acadêmica dos estudantes de Ciência da Computação em Caratinga, permitindo o desenvolvimento de soluções adequadas à realidade brasileira. Acho que o Linux é necessário para a soberania do País na era do conhecimento, senão este País não vai ter independência tecnológica nunca. Finalmente, creio mesmo que o Linux é inevitável. Nenhuma empresa, por mais rica que seja, é capaz de produzir a força criativa do processo de desenvolvimento colaborativo do software livre. A experiência de Caratinga enfatiza o poder de transformação e motivação do software livre para a criação de um ambiente inclusivo e colaborativo, voltado para a produção científica e para a inovação tecnológica. Esta dinâmica gerou uma quantidade de desenvolvedores que estão hoje pelo Brasil, desenvolvendo software livre. Essa dinâmica é muito interessante. "Quem não luta não merece o que deseja". Essa é uma frase de camiseta criada pelos alunos de Caratinga quando eles entenderam o significado do software livre e por que tínhamos que lutar por ele. Para a comunidade de software livre, onde o debate é uma constante, eu tenho falado o seguinte: nós somos diferentes, mas temos o mesmo sonho e a gente precisa entender isso e fazer de nossas diferenças a nossa maior virtude. E estamos muito contentes de poder repassar um pouco do nosso conhecimento e de nossa experiência em projetos de inclusão digital e, conseqüentemente, de inclusão social. E não podemos deixar de destacar que tal ação só é possível hoje com o software livre e a sua política de "tecnologia para todos". Quem quiser mais informações sobre os nossos projetos de software livre e discutir sobre o tema da inclusão digital e tantos outros correlacionados, o meu contato é uli@doctum.com.br. Para conhecer melhor o projeto, basta acessar a página do Muriqui Linux, no site www.muriquilinux.com.br, ou a página da DoctumTec: www.doctumtec.com.br. Nosso projeto universitário pode ser acessado em www.doctum.com.br.
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Marcelo Sávio Arquiteto de Software da IBM Brasil, com 18 anos de experiência em tecnologia da informação. É formado em Matemática pela Uerj e mestrando em Engenharia de Sistemas de Computação pela COPPE/UFRJ
Costumo fazer apresentações falando de bits e bytes, compiladores e kernels, mas tentei criar uma apresentação que não fosse tão técnica e que pudesse dar um tom de abertura em nosso evento. Vou contar um pouco da trajetória do software livre, como nasceu e como se desenvolveram suas potencialidades, o que o mercado está falando sobre o software livre, seus modelos de negócio e de como se ganha dinheiro com isso. A primeira coisa que a gente percebe é que o software livre não é uma coisa nova, pois já existiu no passado e depois voltou "ressurgindo das cinzas". Outra coisa interessante é que recomeçou como um movimento "romântico-filosófico" e vem ganhando cada vez mais adesão de empresas do mercado, que estão criando um ecossistema de negócios que permite que o modelo de software livre se desenvolva, beneficiando cada vez mais empresas e pessoas. Isso é condição fundamental para que o modelo seja bem-sucedido. Inicialmente vamos definir o que é software. A melhor explicação que conheço diz: quando o computador não funciona como esperado, software é "tudo aquilo que você xinga" e hardware "é tudo aquilo que você consegue chutar". O valor do software nem sempre foi uma coisa visível. Nos anos 50/60, você comprava um computador naquela época eram todos de grande porte, os chamados mainframes -, e vinha ali todo o software, não tinha valor próprio. O software era um "brinde", vamos dizer assim, que vinha junto com o hardware. E nessa época o software era livre porque os códigos fontes iam junto com os programas e as pessoas não só trocavam software entre si, como eram estimuladas a fazer isso. Existiam grupos de usuários que compartilhavam software, problemas e soluções. Os fornecedores, de certa forma, apoiavam esse comportamento porque os usuários que se ajudavam demandavam menos suporte deles. O grupo de usuários da IBM, denominado "SHARE", por exemplo, é dessa época. É o grupo mais antigo do mundo em atividade e existe desde 1955. É uma entidade importante não só para representar os usuários perante a IBM e solicitar modificações nos nossos produtos, mas também para estabelecer um senso de comunidade entre os usuários.
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No início dos tempos, então, o software era livre, mas apenas ainda não tinha esse nome. O cenário começou a mudar a partir dos anos 70, quando começaram a surgir mais fabricantes de hardware, assim como outros tipos de hardware menores, os chamados minicomputadores. Depois, vieram os microcomputadores, e a partir de então o software começou a ser quase que totalmente comercializado em separado. Outro fator também mudou: antes, um software que rodasse em uma máquina de um fabricante qualquer só poderia rodar em outra máquina do mesmo fabricante. Como naquela época não havia muitos fabricantes de hardware, cada um tinha o seu conjunto de software (que era livre) dentro da sua esfera. Com o aparecimento de novos fabricantes de hardware, algumas empresas começaram a desenvolver softwares que serviam para vários fabricantes diferentes. Assim começa a comercialização do software, como algo separado do hardware. As empresas de software, então, começam a se especializar e assim surgem novos modelos de trabalho com o software: licenciamento, formas de uso, conceitos de propriedade intelectual sobre códigos, patentes etc. Acontece aí o nascimento da indústria de software como a tradicionalmente conhecemos hoje. A indústria de software ganhou impulso nos anos 80, atravessou os anos 90 e está aí até hoje. Só que uma coisa aconteceu nesse meio tempo: o ressurgimento do software livre. O momento histórico que se atribui a esse ressurgimento se deu dentro do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (Massachussets Institute of Tecnology), uma universidade americana, quando um programador chamado Richard Stalmann, que ali trabalhava, ficou incomodado com uma série de situações. Da noite para o dia, o software que vinha sendo desenvolvido pela equipe de Stallman passou a pertencer a uma determinada empresa, criada por ex-funcionários do próprio laboratório. Essa empresa passou a licenciá-lo para a universidade impondo uma série de restrições nas quais o acesso ao código fonte dos programas já não foi tão fácil. Stalmann se incomodou muito com isso e achou tudo estava errado, na sua visão de criação de software sob o verdadeiro espírito hacker. No bom sentido de hacker, já que essa palavra hoje virou pejorativa. Naquela época, nos anos 60/70, hacker era aquele sujeito que "respirava" computadores, que adorava mexer em máquinas e gostava de esmiuçá-las, assim como de transferir os conhecimentos que conseguia para os outros. Era a busca incessante do conhecimento e o do compartilhamento com os demais. Esse era o verdadeiro espírito hacker. Quando Stallman se viu assim, como o "último hacker", porque todos os outros do laboratório tinham ido trabalhar nessas empresas, decidiu criar um movimento alternativo. Ele lançou o manifesto GNU, conclamando as pessoas e empresas a colaborar no desenvolvimento de um conjunto de software novo e livre, que seria escrito do zero, não pertenceria a ninguém e que de alguma forma ficaria protegido para que nunca ninguém pudesse se apropriar dele. Seria um bem comum a ser trabalhado e usado pelas pessoas. Ele então criou o projeto GNU. O nome é uma sigla recursiva que significa "GNU's Not UNIX" e o mascote do projeto é um animal de nome Gnu (coisas de hackers).
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Em 1984, Stallman deixou o emprego no MIT. Passa a se dedicar somente a essa causa e criou a Free Software Foundation (FSF). Com isso, o movimento passou a ter uma personalidade jurídica. A definição do que seria um software livre surge na FSF. Uma das primeiras coisas foi determinar que o software livre não é uma questão de preço, mas de liberdade, e deve sempre haver liberdade para aperfeiçoá-lo, para que todos da comunidade possam se beneficiar também. Um dos princípios do software livre, para que seja sempre mantida a liberdade, é que a porta esteja sempre aberta. O código fonte dos programas precisa ser visível para que todos possam entender o que o programa faz e sugerir modificações, melhorias e tudo mais. Então o código aberto é uma condição necessária para que o software seja livre. A partir daí a FSF começou a empreitada do projeto GNU, que inicialmente começou com a idéia de desenvolver um sistema operacional livre, o GNU, que como o nome dizia, não era o UNIX. O Stallman gostava do UNIX, até porque era um sistema que ele já usava e conhecia, mas o GNU que ele estava construindo não poderia ser o UNIX, porque afinal este "já tinha dono" (a AT&T). Até mais ou menos o início dos anos 90, quando o Projeto GNU já tinha quase sete anos e seu desenvolvimento já estava bem avançado (com seus editores de texto, compiladores, linguagens de programação e uma série de outras coisas), ainda faltava um elemento importante: o 'kernel' do sistema operacional. O kernel é um elemento importante no contexto, pois é o núcleo de um sistema operacional. Nesse ponto, o pessoal do projeto GNU decidiu partir para a criação de um novo kernel, chamado HURD, mas como ainda levaria muito tempo para ficar pronto, algumas alternativas foram avaliadas, como usar o do próprio UNIX (que continuava com "dono") e o do BSD (que era livre mas estava envolto em batalhas judiciais). Até que apareceu o Linux, que havia surgido havia pouco tempo (1991), inicialmente por iniciativa do finlandês Linus Torvalds, mas que já estava rodando muito bem por aí, dando bons resultados. Foi um casamento natural, vamos dizer assim, do projeto do GNU com o kernel do Linux, ou seja: o Gnu (mascote do GNU) "casou-se" com um pingüim (mascote do Linux) e deu origem ao GNU/Linux. O licenciamento do Linux foi feito conforme os preceitos do projeto GNU, ou seja, um software livre, no qual qualquer um poderia trabalhar, mexer e distribuir de acordo com os interesses da comunidade, utilizando-se principalmente da Internet como canal de comunicação e de colaboração para o seu desenvolvimento. Isso fez com que o Linux se tornasse o exemplo de software livre mais importante e famoso até os dias de hoje, com muitas empresas o utilizando, como a IBM. Essas empresas o estão usando não só pela qualidade e robustez, enquanto sistema, mas também pela capacidade e potencial que tem, do ponto de vista de inovação e redução de custos. Em torno do Linux cresce um próspero ecossistema de negócios, com adesões cada vez mais numerosas de empresas, governos, escolas, organizações não-governamentais e usuários.
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Mas como é que funciona o desenvolvimento do software livre? Um projeto de software livre não tem uma definição formal, mas podemos dizer que é algo que possui um código fonte aberto, um grupo de pessoas que estejam trabalhando neste código (os chamados 'desenvolvedores'), usuários que usufruem do software e contribuem com sugestões de modificações e, finalmente, algum lugar onde está tudo armazenado e disponível para download (documentos, manuais e o próprio código software). Assim, qualquer projeto que tenha esses quatro elementos, provavelmente poderá ser considerado um software livre. O que diferencia um projeto de software tradicional de um projeto de software livre? Bem, entre outras coisas, no modelo tradicional você tem um trabalho hierárquico estruturado e uma liderança formal. Já no modelo livre você tem uma rede social baseada em comunidade onde se trabalha mais com a informalidade. No primeiro modelo, você tem um direcionamento estruturado, 'de cima-para-baixo' (top-down), e no outro uma imensa boa vontade de um grupo de pessoas que se organiza na base da meritocracia pra desenvolver software com uma metodologia própria. Um projeto do software livre começa quando alguém tem uma idéia, depois surgem os primeiros 'contribuidores', que começam a definir o que e como o software vai ser, até que sai uma primeira versão. Cria-se, então, uma comunidade que trabalha em cima do software até que finalmente sai uma versão mais estável do programa, atraindo usuários e mais contribuidores. Depois, surgem as tradicionais divergências que podem resultar em novas funcionalidades (com a implementação das sugestões que surgirem) ou eventualmente em um novo projeto (geralmente também de software livre). Um projeto pode simplesmente acabar, seja porque não deu certo e ninguém o quer mais, ou porque surgiu uma variante, com novas funções que vão trazer novas lideranças pra desenvolver um novo software e por aí vai... Além do Linux, existem diversos projetos de software livre bem-sucedidos, para diversos fins, como bancos de dados, correio eletrônico, browser, ferramentas de desenvolvimento, e de escritório. Para quase qualquer coisa que você possa imaginar hoje, provavelmente há pelo menos um software livre equivalente e disponível, com o qual se pode trabalhar ou contribuir para que amadureça. Todos os projetos vão ter o mesmo sucesso do Linux? Provavelmente não, porque alguns desafios geralmente são impostos às comunidades de software livre e obviamente necessitam ser transpostos. A redundância de esforços, por exemplo, é uma coisa que tem que ser mais trabalhada, já que tem muita gente fazendo a mesma coisa em paralelo, e ainda há problemas de comunicação. A maioria dos projetos ainda é desenvolvida em inglês e isso é uma limitação pra muita gente. Além disso, se usa muito email como forma de comunicação e este meio vem ficando cada vez mais improdutivo por causa de spams. Algumas vezes, o senso de prioridade nos projetos não é compatível com a agilidade necessária para o sucesso de um software. Em outras, o foco de um grupo de repente muda, vai pra outra direção, seguindo uma outra linha, noutro lugar, etc. Pode ocorrer uma dependência de pessoas-chave em alguns projetos, dessa forma, caso alguma dessas pessoas saia do projeto, este pode simplesmente acabar. E há ainda a escassez de líderes capazes de gerenciar pessoas. Aliás, essa foi uma coisa que o próprio Linus Torvalds falou em um evento, quando disse que uma das coisas que o preocupava é que tem sempre muita gente querendo codificar programas, mas não há pessoas em número suficiente com potencial para liderar as outras pessoas, com capacidade de negociação, com poder de agregação e de fazer as coisas acontecerem.
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Além de tudo, há alguns problemas legais em relação ao software livre, que por descuido pode conter pedaços de códigos e idéias patenteadas que, se vierem a ser usadas podem vir a causar problemas jurídicos no futuro. Esses são alguns exemplos de problemas que podem acontecer com projetos de software livre, principalmente os mais novos. Os projetos de software livre possuem vários estágios de maturidade. Hoje existem cerca de 75 mil projetos, muitos em fase de planejamento, alguns em pré-lançamento, outros em versão alfa, versão beta ou já em versão estável. Mas, considerados maduros mesmo, só cerca de 1,6% deles. É como se fosse um funil, uma "seleção natural", um monte de idéias que vão se refinando e transformando-se, e saindo apenas algumas poucas no final. É assim que caminha o desenvolvimento do software livre, mas este número está cada vez crescendo mais, e deve alcançar mais de 100 mil até o final do ano de 2005. No entanto, as proporções de softwares maduros provavelmente se manterão. E como se ganha dinheiro com o software livre? Na cadeia de valor do negócio de software, o desenvolvimento, a documentação e o empacotamento do software, representam apenas uma parte, na qual o software livre interfere diretamente. As outras partes da cadeia (marketing, vendas, consultoria, implementação, suporte, treinamento e gerenciamento), compõem o mercado de serviços e só tendem a crescer, na medida em que mais software livre entra no mercado. Ou seja, o modelo de negócio de um software livre é essencialmente um modelo de serviços e a IBM já percebeu isso, assim como outras empresas. O software é um bem imaterial (lembrem-se de que é "tudo aquilo que a gente xinga") e apenas aproximadamente 30% dos softwares escritos no mundo são vendidos "em prateleiras". A maioria é desenvolvida internamente, feita sob encomenda ou vem embutida em outros produtos. O software livre não vai acabar com o mercado de software de um dia para o outro, como algumas pessoas pensam, principalmente porque a indústria de software também não é homogênea. Software não é tudo igual, algo que você vai à loja e compra. Existe também o software sob encomenda e o software embarcado - que é o que roda em algo que não é computador, como celular, microondas, máquina digital, painel de avião, freios ABS, relógios, software em vídeo game etc. Cada vez o mercado de software se torna maior do que aquele que a gente enxerga nas prateleiras das lojas, e o software livre está muito bem situado nesse contexto amplo, por uma série de razões, por características e qualidades que possui. Em relação a medir o tamanho desse mercado, algumas lições foram aprendidas. É bem difícil contabilizar a base instalada de um software livre. Alguns produtos comerciais, como os da própria IBM, embutem software livre e isso não se reflete nas pesquisas.
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O movimento de software livre normalmente começa nas áreas técnicas das empresas, de forma que o percentual tende a parecer pequeno, se você pesquisar pela área gerencial, principalmente porque, no fundo, os executivos tendem ainda a subestimar o uso do software livre, talvez até como proteção de orçamento motivada pela idéia errada de que software livre é igual a software grátis. É o tal mito do "se eu falar para o meu chefe que eu vou usar software livre, ele vai cortar meu orçamento pela metade". Outra lição que a gente percebe é que quanto maior o nível de "comoditização", ou seja, quanto mais as coisas forem comuns para todos, mais espaço há para o software livre, como nos casos dos sistemas operacionais, browsers, ferramentas de escritório, compiladores e ferramentas de desenvolvimento de software. Na medida em que um software se torna um diferencial competitivo, com amplitude de utilização mais estreita, o modelo livre perde espaço para o software comercial tradicional. Isso é mais ou menos um mapa de como vemos a utilização do software livre hoje. Voltando ao caso do Linux, os números em relação às máquinas (servidores) vendidas com esse sistema instalado vêm crescendo bastante nos últimos anos, indicando uma taxa de crescimento anual de 50%, cerca de sete vezes a média deste mercado, e três vezes a média dos servidores com o outro sistema operacional mais vendido até então. Isso é um dado importante: Indica que o mercado está absorvendo bem o Linux, em todas as plataformas de hardware. Quase todos os fabricantes estão vendendo hardware com Linux embutido, devido à demanda do mercado. Sem contar aqueles que compram hardware com outros sistemas operacionais e posteriormente os substituem pelo Linux. A Business Week, uma revista de negócios, dedicou seu número recente quase que exclusivamente ao Linux, onde afirmou que o Linux era "o primeiro ecossistema natural de negócios" onde vemos empresas, universidades, escolas e usuários simples envolvidos em torno de um mesmo ambiente. E alguns fatores, como o TCO (que é o custo de você manter um determinado ambiente computacional), têm-se mostrado muito mais baixos com o Linux quando comparados com outros sistemas operacionais. E o que a IBM tem a ver com essa história? Primeiro falemos de novo da questão do "livre", que não é questão de preço, mas de liberdade. Liberdade de colaborar, a liberdade para inovar. A IBM entende que com o código aberto disponibiliza pra mais pessoas os componentes básicos de inovação e permite uma diversidade maior de perspectivas. Quanto mais gente pode olhar para uma mesma coisa, mais suas diferentes perspectivas podem influenciar no processo criativo. Isso tem impacto também no avanço de padrões, pois quando você distribui alguma coisa de forma livre ela pode, em muitos casos, se tornar um padrão, e muitas vezes depois ser adotada como um padrão de mercado. O avanço dos padrões abertos está permitindo transferências mais rápidas, adoções de novas idéias e metodologias em benefícios de todos do ecossistema que eu falei anteriormente. E como a IBM tem se posicionado em relação a isso? Foi basicamente a partir de 1998 que "caiu a nossa ficha" sobre essa questão e, posteriormente, em 2001, durante o evento Linux World, a IBM anunciou pesados investimentos em cima do Linux. A partir daí, houve várias iniciativas importantes em outros projetos de software livre, como Eclipse, Apache, CloudScape, Gluecode, Globus Toolkit, Ajax e PHP
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A IBM hoje é a maior detentora de patentes de software do mercado e, apesar disso, está rediscutindo essa questão. A IBM vem doando algumas patentes para que as comunidades de software livre possam se utilizar delas sem medo. A IBM também participa em mais de 150 projetos de software livre com diversos profissionais envolvidos diretamente com desenvolvimento destes. Especificamente no caso do Linux, mantém centros de apoio (Linux Technology Centers, LTCs) ao redor do mundo. Os LTCs representam basicamente os profissionais da IBM que desenvolvem o Linux e que têm três missões principais: melhorar os produtos da IBM para rodarem em Linux; expandir o alcance do Linux (notebooks, em equipamentos embarcados, vídeo games e tudo mais); e melhorar também a qualidade e segurança do Linux. Existem mais de 700 pessoas envolvidas nesses LTCs, inclusive no Brasil, em São Paulo. Além do mais, há um projeto récem-lançado, o Open Power, no qual a IBM está colocando algumas máquinas poderosas à disposição de universidades para que a comunidade possa ter acesso a elas e desenvolver softwares livres dentro delas. Tem uma destas máquinas dessas aqui no Brasil. A IBM tem hardware de todos os tamanhos para rodar o Linux, quase todos os nossos produtos de software rodam em Linux e oferecemos diversos serviços para Linux (manutenção, desenvolvimento, suporte e consultoria em migração etc.). Além, é claro, da IBM usar o Linux internamente. Afinal, em casa de ferreiro, o espeto tem que ser de ferro.
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Natural de Porto Alegre, Mário Teza é membro do Comitê Gestor da Internet do Brasil e do Consortium of Free Softwares Developers and Users in Latin America and the Caribbean, da Unesco. Foi fundador do Projeto Software Livre do Rio Grande do Sul e eleito para o Comitê Gestor da Internet no Brasil representando o Terceiro Setor.
Mário Teza "... Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda..." Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, 1953
Muita gente no Brasil acha que software livre "é coisa de PT". Toda semana, a mídia nacional dedica muitas páginas para debater a opção do governo federal de uso preferencial de software livre. Na verdade, o uso de software livre não foi iniciativa do PT. No Rio Grande do Sul, o uso de software livre comecou no Governo Antonio Britto, na epoca do PMDB. Coube ao PT do Rio Grande do Sul, isto sim, elevar o software livre a uma posição de destaque num reposicionamento estratégico da área de TI (Tecnologia da Informação) no estado. A maior prova de que o software livre não "é coisa de PT" foi a decisão da Direção Nacional do referido partido de montar uma rede nacional de computadores utilizando softwares Microsoft. Com certeza, petistas importantes no governo, a começar pelo ex-ministro José Dirceu, têm se empenhado na orientação do uso preferencial de software livre. Mas esta luta é partilhada por figuras ilustres da República, como o ex-presidente José Sarney, pela prefeitura de Salvador e pelo governo do estado da Bahia (PFL), por prefeitos do PSDB no Ceará, pelos governos estaduais de Santa Catarina e Paraná, ambos do PMDB. Software livre é uma opção de país, é uma opção de integração internacional de forma colaborativa, é uma janela de oportunidade para nossas empresas privadas da área. O Bush acabou de ser eleito há algum tempo, está numa crise do cão, mas se vocês não sabem, ele usou software livre na campanha dele. Toda a campanha dele foi usando ferramental livre. Ele usou como ferramenta para administração, divulgação de conteúdo e geração de comunidade, o drupal.org, vocês podem procurar aí. Nas imagens, em fotografias, ele não usava nenhum formato proprietário, ele usava formato livre. Grupos de discussoes online, peticoes, listas, etc também foi com software livre. Então, qual é a ideologia do software livre? O software livre não é coisa da esquerda, nem da direita. A gente poderia comparar com a energia nuclear. Tu podes fazer eletricidade com ela numa cidade, com usinas nucleares, podes fazer pesquisa médica, ou meter bomba nos outros. Claro que pra quem é de esquerda ou pra quem defende os direitos humanos, ou a inclusão, a cidadania, o software livre tem tudo a ver. Mas também foi provado aqui pela Telemar que foi possível fazer um trabalho super interessante ainda com software convencional.
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A cada maior abertura para pesquisas e questionamentos o software livre vai mostrando sua força vinda de baixo. Talvez isso explique o questionamento do Ulisses (Ulisses Leitão), no sentido de que já existem vários CDIs (Comitês para Democratização da Informática) que estão migrando para softwares livres. Mas ainda tem gente que acaba se agarrando na ideologia do software proprietário, em vez de se pegar na idéia principal: a idéia de que a inclusão, como é feita, tem tudo a ver com software livre. E aí eu concordo com o Ulisses. A gente pode ensinar muito mais e aprender e desenvolver. Em relação ao Brasil, o software livre é uma enorme oportunidade. A IBM, algum tempo atrás, deu um passo fundamental quando decidiu investir no seu portfólio de produtos para que rodassem em cima de software livre. A partir daí, também compartilhou centenas de patentes e patrocinou 'desenvolvedores' importantes da nossa comunidade. Hoje, a IBM contrata tanto para projetos seus como para projetos diretamente para a comunidade. E outras empresas perceberam isso. Pra mim, o mais importante é a possibilidade de os países se apropriarem dessas tecnologias. Há pouco tempo esteve aqui no Brasil o Mark Shuttleworth. É um sul-africano desgraçado de se dizer o nome. Ele é mais conhecido porque foi para o espaço. Primeiro, foi um milionário americano, depois foi ele. E ele não nasceu com dinheiro. Ele viveu a maior parte do tempo, apesar de ser branco, na África do Sul. Não era um branco racista, ele apoiou a luta contra o apartheid, mas vivia fora do eixo do mundo em termos de tecnologia. Um dia, lá na empresinha dele, ele desenvolveu uma ferramenta, um conjunto de aplicativos de segurança para criptografia e para outras questões. Aí, o governo americano, como proibia a exportação de softwares desse tipo, possibilitou o surgimento de uma indústria interessante. Em vários lugares. Em Israel, na África do Sul também. Quando o mercado americano percebe que está perdendo muito, eles resolvem comprar, pois não vão perder tempo em desenvolver coisas do zero. E para a empresa dele pagaram uns 500 ou 700 milhões de dólares. Ele viajou pra cá, fez uma turnê pelo Brasil para conhecer a comunidade de software livre. Com o avião dele, pra você ter uma idéia. E aí o que ele dizia? Minha empresa ganhou muito dinheiro, eu tenho quase tudo, só não tenho uma namorada, o que é um grande problema. Mas ele já está chegando à idade de querer ter, já com seus quase trinta, já está ficando velho... Mas o que ele dizia pra nós lá em Porto Alegre era: "Melhor do que uma empresa ganhar dinheiro é a possibilidade de um país se reposicionar estrategicamente no novo mundo da tecnologia. E o software livre elimina essas barreiras, te dá acesso ao código, acesso às patentes, aos royalties e tudo mais. E com um volume cada vez maior, com parcerias que começam a ver nisso algo importante e que tendem a crescer mais ainda. Então, o Brasil pode fazer um reposicionamento muito interessante. Nós somos hoje a maior comunidade de Java. Eu não estou falando de Java livre, mas de Java, do mundo. Somos a liderança da comunidade livre do mundo. Inclusive o nome é muito legal: projeto Javali, cujo símbolo é um javali, e tem a ver com comunidade de Java livre. O nosso pessoal lá, aqueles que transitam pelos eventos nossos, acabam de seguir para os Estados Unidos para discutir com a Sun, a IBM, a Borland e outros, como é que vão fazer isso no mundo inteiro, saindo daqui, do Brasil. Nós temos as maiores comunidades em cada um desses segmentos, o país é muito atuante.
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E nós temos uma diferença em termos de indústrias em relação, por exemplo, aos países emergentes como a China e a Índia. A China é uma ditadura, e não estou falando no sentido de detonar nada, mas é uma restrição enorme à liberdade, mas eles estão investindo em software livre. Não como princípio da liberdade, como foi dito, mas como uma opção tecnológica. E o foco deles é hardware, inclusive tinha uma compra dos segmentos de PCs aí da IBM que o governo americano andou vetando. Mas eles têm um foco no hardware e o desenvolvimento em software lá é muito dirigido, tem muitos cérebros, é obvio, na China. Na Índia, a indústria é muito forte, mas muito com o padrão da certificação. Algumas castas indianas têm a facilidade do idioma, com a colonização inglesa. Temos inclusive alguns conhecidos de Porto Alegre que trabalham na Europa e os caras disseram que mandaram uma especificação de um sistema pra Índia, pra duas empresas diferentes, e não falaram nada pra nenhuma delas. Os caras mandaram de volta a aplicação exatamente igual. Cada linha de código igual, os comentários iguais, a documentação, tudo. Uma padronização assim esmerada. No Brasil, conseguimos fazer muito aquele software que o Sávio (ver artigo de Marcelo Sávio) citava aqui, que cada vez mais é maioria, que não faz parte daqueles 30% de software de prateleira, aquele software sob encomenda, aquele redondinho que vai pra empresa, pra universidade, pra escola, pra ONG. O país, independentemente da tecnologia, foi o primeiro a informatizar o comércio exterior. Os Estados Unidos, é óbvio, tem as aduanas informatizadas. Mas eram integradas, não sei se são ainda. Nós temos o controle do comércio exterior, entrada e saída, venda ou compra por segundo. Se a gente quiser agora boicotar o país, criar qualquer coisa, é possível no sistema Siscomex. Nós informatizamos as eleições enquanto ninguém fazia isso e até hoje é um fiasco nos Estados Unidos. Basta lembrar o horror das eleições ocorridas há pouco tempo. O sistema financeiro mesmo é uma coisa, uma loucura. A gente ensina, as matrizes dos bancos que vêm aqui pra ver o que nos doidos fazemos. O caso mais típico foi o Banco Nacional del Lavoro, que durante muito tempo aplicou aqui software livre, enquanto na Itália eles usavam e tinham um monte de problemas, mandaram desinstalar e depois reviram tudo. Hoje isso já está virando moda. O HSBC, o Banco do Brasil, a Caixa, todo mundo usa software livre, é normal. O que eu quero colocar é o seguinte: cada vez mais, essas coisas que a gente conseguiu implementar com a tecnologia proprietária - que lá fora, no país original, eles não conseguiram fazer, e nós aplicamos aqui -, estamos conseguindo fazer mais coisas ainda com o software livre também. A gente, por exemplo, começa a fazer o imposto de renda aqui. No mundo inteiro, muito tempo depois, passaram a fazer o imposto de renda pela Internet. Nós já fazemos e agora o nosso é multi-plataforma, através de Java. A próxima versão já vem com Java, com máquinas virtuais totalmente livres. Está-se tentando com a máquina virtual da IBM, que é livre, da Free Software Foundation, entre outras. Mesmo rodando na máquina virtual da Sun, é multi-plataforma. E o conjunto de serviços do governo, de empresas, hoje é com software livre. Ficou fácil ver aqui que o software livre pode permitir a inclusão digital em projetos que vão gerar economia imediata pra quem vai fazê-los. Mas a grande sacada é que o software livre, depois que a gente inclui as pessoas, que elas têm acesso às tecnologias, elas começam a ser produtoras de conhecimento e de tecnologias.
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É aquela história do futebol - quanto mais campinhos de várzea tiver pelo país, mais vão surgir Pelés. Então, vai ser a mesma coisa com a tecnologia, mas as pessoas não precisam necessariamente utilizar a tecnologia pra produzir tecnologia. Elas podem estar usando essa tecnologia apenas como uma ferramenta para o seu objetivo. É assim na Rede Floresta, na Amazônia, trabalhando com software livre; é assim na USP (Universidade de São Paulo), em projetos de super computação com software livre; foi assim na Petrobras, com as pesquisas; é assim no Instituto de Mama. Lá, as mulheres faziam exame de câncer de seio e demorava dois ou três dias. Elas não voltavam pra buscar o diagnóstico e então morriam. Hoje, com máquinas GNU/Linux, elas já saem com o resultado em 15 minutos, e com isso o índice de morte caiu violentamente. Enquanto aguardam o resultado, o hospital faz todo um trabalho de orientacao. Então o software livre pode permitir construir esse ecossistema, que eu também gosto dessa idéia, e tenho trabalhado lá com esse conceito. Nós não temos todas as peças do ecossistema montado, está se construindo. Mas ele vai ser fundamental quando a gente conseguir visualizar e implementar. Nós vamos conseguir gerar empregos e implementar a renda local, vamos conseguir produzir tecnologia de padrão internacional que não vai deixar a desejar nada a ninguém. E nós vamos dar o toque brasileiro: a criatividade, a sacação, o diferencial que nos caracteriza e que será muito interessante em termos de possibilidade de exportação, se for o caso, ou de serviços e integração de compartilhamento. O maior desafio do software livre é que nós temos de reconhecer o direito de opção de quem não quer usar a nossa tecnologia. Os aplicativos que a gente vai desenvolvendo, inclusive para atender a essas pessoas, não são fáceis de se conseguir, porque isso exige tempo, dinheiro, pesquisa. Mas estamos conseguindo. O GNU/Linux é o sistema operacional mais conhecido, mas agora tem o Firefox, o antigo Netscape. Só do Mozilla e do Firefox são 100 milhões de downloads, quer dizer, é muito mais do que um sistema operacional, porque é multi-plataforma. Então, é verdade que uma das dificuldades do software livre é que aqueles que têm MS-Windows não vão ler. Mas se tu pensares que a maioria não tem nada, e que talvez o primeiro contato dessas pessoas vá ser com o software livre, talvez valha a pena. É claro que se eles tiverem que atender a um público que já está informatizado, que usa, no caso, DOSVOX e é ambiente MS-Windows, aí vai ter que ter uma solução. E opções existem. Teve uma época que a gente discutiu com o pessoal que estava trabalhando com DOSVOX. Existem opções internacionais e existe todo o acumulado em relação ao DOSVOX aqui. O melhor ainda nesse caso talvez seja usar Java, porque tu consegues fazer em multi-plataforma, mas existem outras opções, é o pessoal que deve escolher. E use Java Livre. O grande lance é que devemos pensar nos que estão incluídos, mas também devemos pensar nos cerca de 95% dos que estão completamente fora. Talvez essa seja a grande opção de mercado pra quem quer vender e também de inclusão pra quem quer incluir.
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Palestra 2 Luiz Fernando de Souza, o 'Pezão', é subsecretário de governo do estado do Rio de Janeiro. Pezão foi prefeito de Piraí ao longo de dois mandatos e responsável pela implantação do premiado projeto Piraí Digital.
Gostaria de falar da experiência de um pequeno município do estado do Rio, um município de 23.600 habitantes, às margens da rodovia Presidente Dutra. Em 1997, no início do nosso primeiro mandato, capacitamos em informática cerca de 400 funcionários da prefeitura de Piraí. Isso, numa prefeitura que tinha dois computadores, e que sofreu muito com o processo de privatização da Light. Piraí era um município que vivia em função da Light, tinha 1.100 funcionários na estatal, e de um dia para o outro, logo que nós assumimos o mandato, perdeu 1.000 postos de trabalho. A gente tinha que reagir. E reagir numa cidade pequena, que é a realidade de 85% das cidades brasileiras - são cidades com menos de 50.000 habitantes e que, infelizmente, não são prioridade no país -, não é fácil. A gente sofreu muito, e uma das causas do nosso sofrimento, ao procurar desenvolver e fazer crescer o município, foi a busca desse serviço de comunicações tão importante que era a telefonia. Para vocês terem idéia, a prefeitura só tinha duas linhas de telefone, e isso numa cidade que está a 80 km do Rio de Janeiro. Esta era a realidade, e ainda é hoje em muitos lugares. E a gente ainda vê a implantação da internet em banda larga sendo colocada como meta para o período de 2012 a 2014 em cidades com menos de 50.000 habitantes... Então, o município precisava crescer, dar vazão a essa demanda provocada pelo desemprego. E aqui vou contar um pouco a história de como nós chegamos nesse projeto de inclusão digital. Nós primeiro fizemos um planejamento estratégico do município, que tinha o atrativo de ter uma logística boa. Para aproveitar as áreas à margem da rodovia Presidente Dutra, saímos construindo condomínios industriais, investimos na piscicultura, no cooperativismo, e conseguimos desenvolver o município ao longo desses oito anos. Esse projeto ganhou o prêmio de Gestão Pública e Cidadania para desenvolvimento econômico local, da Fundação Ford e da Fundação Getúlio Vargas. Naquela ocasião, a direção do BNDES acenou para nós com a idéia de fazer um projeto de inclusão digital. E nós - eu peguei o Frank aqui, que é professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), e a Marilena, que é professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) -, fizemos um projeto de levar a internet a todo o município, ao município que tem 520 km quadrados, metade dele na área rural. E com uma topografia muito difícil, porque é serra...
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Quando apresentamos esse projeto ao BNDES, eles falaram que nós tínhamos apresentado uma Ferrari, e que era para ter apresentado um fusquinha. Eu falei que ia botar minha Ferrari debaixo do braço, mas não ia deixar de fazer, queriam fazer um telecentro, dentro de uma cidade que é esparramada, e falar que isso era inclusão digital. E a gente tinha feito um projeto de levar a internet, de colocar pelo menos um laboratório,nos postos de saúde e levar acesso à população. Aí a gente saiu tentando viabilizar esse projeto, ao longo do meu segundo mandato. Quando foi em fevereiro de 2004, a gente conseguiu inaugurar a nossa rede. O município hoje é dono da rede. Nós aproveitamos um recurso que tinha no BNDES para o Pinat, um programa de modernização da administração tributária muito voltado para cobrar o cidadão, para arrecadação de impostos, e nós mostramos que com o mesmo recurso a gente poderia estar levando pras escolas, pros postos de saúde, acesso para a população. Hoje isso não é mais um projeto, é uma realidade. E instalado numa cidade com muito morro, era uma topografia complicada... A gente denominou nosso projeto de 'SHSW', que é um sistema híbrido com um suporte wireless. Ele usa diversas tecnologias, fibra ótica, bastante rádio. Num distrito que está a 30 km da divisa com Barra do Piraí, não tem nenhuma obra. A internet só chega via rádio. Em Arrozal, na divisa com Volta Redonda, é área rural e lá também recebeu internet sem que fosse feita nenhuma obra. A gente sempre fala que a informação é um direito e a tecnologia é um meio. Concebemos o projeto com quatro pontos muito fortes na área de educação. Hoje, todas as nossas 23 escolas têm um laboratório com 10 computadores cada, todos ligados à internet em banda larga. No centro da cidade, uma escola com 1600 alunos ganhou um laboratório. Nos finais de semana, toda a população usa esse laboratório, os pais e as mães dos alunos usam esse laboratório nos finais de semana. E isso foi doado, a gente fez muitos pedidos às empresas. Todas as bibliotecas têm quiosques com internet e isso aumentou a freqüência a elas em cerca de 80%. Já temos cerca de 400 computadores em toda a nossa rede, formada por prefeituras e todas as escolas, incluindo a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e todos os postos de saúde. A gente tem uma parceria muito grande com o governo do estado - a gente usa a Infovia do estado, o Proderj é um grande parceiro nosso. Na nossa universidade de ensino à distância, já temos cinco cursos superiores no município, e um trabalho muito grande de capacitação de professores e funcionários da prefeitura. Há também muito trabalho voluntário da população, com ensino nos fins de semana. E um laboratório de inovação tecnológica e aprendizagem produtiva, onde são feitos conteúdos para os jovens que já fazem softwares de histórias do município. Há jovens de 15, 16 anos de idade, trabalhando nesses softwares. Nos quiosques que a gente tem na praça e na rodoviária de Piraí, a população acessa e pratica participação no orçamento. Os postos de saúde todos têm quiosques também, e sempre tem pessoas dando cursos, ajudando a população, ensinando a utilizar essa ferramenta. O ponto.com, o nosso telecentro, é um projeto muito importante. A gente tem um fundo de ciências e tecnologias, onde a gente já comercializa serviços e vende através desse fundo. A gente tem uma tarifa social onde a gente cobra cerca de R$ 35,00.
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Além disso, o município deu entrada e está esperando a licença da Anatel. Vai ser o primeiro município brasileiro a ter certificado para atuar como provedor e poder prestar esse serviço também 'como uma tela' em outros municípios. É um caso pioneiro. E o fato de o município ser detentor dessa rede toda, dentro dessa estrutura que é tão importante, pode significar uma nova fonte de receita para a cidade. Não só para ajudar na manutenção do projeto, como também para se tornar uma nova fonte de arrecadação. No telecentro de Arrozal temos cerca de 40 voluntários. E nós temos o condomínio da arte, voltado para a terceira idade. A gente tem muito curso para a terceira idade e isso ajudou muito a essa população, até para usar serviços do banco. Porque eles tinham trauma de entrar em banco, e hoje a gente tem esse treinamento para mais de 300 pessoas da terceira idade. Temos ainda um laboratório em uma fazenda de produção de noz macadamia. A fazenda já montou um laboratório e os filhos dos agricultores estudam lá. Também temos uma parceria com um sindicato que montou um telecentro dentro de uma fábrica de papel. Esses telecentros estão sempre abertos nos fins de semana, e eles têm uma freqüência incrível, principalmente nas áreas mais afastadas do município. Nós fizemos essa opção pelo software livre e isso foi muito importante pra gente, porque só o que nós pagamos no inicio lá dos computadores que a gente tinha com licença... só a licença que a gente teve que pagar uma vez, quando a gente teve quase todos os computadores da prefeitura lacrados... isso estimulou ainda mais a gente a fazer essa opção. Porque não é possível que a gente com pouco computador -eu tive que pagar R$ 100 mil do dia pra noite, quase paralisando a prefeitura. E a gente, pra fazer toda essa rede, a gente não gastou nem R$ 300 mil. Então essa opção tem estimulado outras iniciativas, através da associação de prefeitos e da confederação nacional dos municípios. Acho que a gente tem que investir cada vez mais em software livre. Uma das últimas coisas que eu deixei na prefeitura: nós fizemos uma licitação pra comprar quase 200 computadores. E se a gente fosse comprar windows, software proprietário, eu acho que seria quase R$ 600 mil. E a gente comprou por quase R$ 400 mil. Compramos uma máquina moderna, que facilita muito, e está dando emprego dentro da cidade. Os jovens é que fazem a manutenção. Nós compramos com a Itautec e padronizamos todos os nossos computadores, e ficou quase 50% mais barato. Conta aí, a sensibilização da cidade. Piraí é uma cidade muito carnavalesca, o próprio bloco local saiu mostrando a importância do projeto. A gente usa sempre essa frase do Abraham Lincoln que eu acho sempre muito atual... Para aqueles que questionam os custos da educação, o Abraham Lincoln costumava responder: "Muito bem, então, cavalheiros... experimentem então o preço da ignorância...". Com cerca de R$ 370 mil, fizemos todo esse investimento na nossa rede, e numa cidade que tem uma topografia muito difícil, que é uma topografia de serra. Se fosse uma cidade plana, com uma topografia mais fácil, seria possível fazer com custo muito menor.
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A gente chegou a ter até o reconhecimento internacional antes do reconhecimento nacional. A gente obteve a chancela da Unesco no projeto, o que nos ajudou muito a captar parceiros. Ganhamos o prêmio latinoamericano de melhor cidade digital, na Colômbia. Em 2005, nós ficamos entre os finalistas, Top Seven, em Nova York, junto com cidades da França, Japão, Singapura, Reino Unido, China e Canadá - todos projetos de bilhões de dólares, com custos altíssimos, e a gente mostrando o que é possível fazer com poucos recursos. O projeto também foi capa da revista Newsweek. A gente só foi capaz de fazer isso com muito pedido aos nossos parceiros, como o CNPq, ministérios, governo do estado do Rio de Janeiro, Faperj, UFF, TAHO, Confederação Nacional dos Municípios, entre muitos outros... É interessante como isso acontece num país que tem mais de R$ 4 bilhões depositados para se fazer a inclusão digital através do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações)... Sempre que eu levava esse projeto para Brasília, eu escutava: "Ah, espera o dinheiro do Fust, que vai sair". Se eu estivesse esperando, estaria esperando até hoje. E não ia conseguir, que é a maior cabeça de bacalhau que existe esse dinheiro do Fust. É um absurdo a gente estar discutindo uma meta de 2012 a 2014 para estar levando a internet em banda larga para todo o país. Eu acho que é a maior discriminação que pode existir dentro do país. As pessoas ficam aqui reclamando de inchaço nas grandes cidades, na periferia, mas não procuram levar as coisas para prender a população na pequena cidade. E a internet hoje, eu tenho sempre colocado - o presidente Juscelino (Kubitschek) falava que ao se abrir estrada vinha o progresso -, a internet é essa estrada hoje... Quando tem internet lá na área rural, o fazendeiro quer ficar lá, quer investir lá na sua fazenda. Ele produz melhor, ele vende e comercializa melhor. E a gente está aí discutindo 2012/2014. Então esse é um projeto feito pelas nossas universidades públicas, que eu acho que durante meus oito anos de prefeito foram os melhores parceiros que eu tive, onde a gente tem uma mão-de-obra de excelência, bons projetos. A gente tem que usar e investir cada vez mais nas universidades e levar essas parcerias. A gente só faz isso com muita parceria.
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Ricardo Ruiz é uma pessoa conturbada, que utiliza mídia + software livre para a desconstrução psicogeográfica dos povos.
Ricardo Ruiz Em 2003, a gente montou um festival em São Paulo que se chamava 'Mídia Tática Brasil' e que foi parte de um festival holandês chamado The Next Five Minutes, organizado e criado por dois caras de lá, o David Garcia e o Geert Lovink. Eles trabalhavam com uma instituição que se chama Waag Society for Old and New Media. O intuito dessa instituição é descobrir quais são os caminhos da informação durante o século XXI. Eles são pretensiosos, mas são bacanas. O grande mote desse festival e era produção de mídia autônoma por comunidade ou por indivíduos sozinhos. A gente organizou o festival junto com uma galera de São Paulo, e teve um pessoal de Fortaleza que ajudou, um pessoal de Brasília que ajudou, um pouco de gente do Rio e bastante gente do Sul também. Mas quase todo mundo morava em São Paulo. O software livre estava começando a entrar na jogada ali com a gente como única forma de opção de trabalhar software - a gente chega em software livre rapidinho... A gente terminou esse festival em 2003, em março, e as pessoas gostaram muito, acharam muito bacana, afinal a gente reuniu cerca de cinco mil pessoas no meio da Paulista (Avenida Paulista). Daí o pessoal falou: "Pô, foi no meio da classe média, ali até eu me dava bem!". Por conta disso, a gente fez um outro festival, que durou seis meses, em três distritos da zona leste de São Paulo: Itaquera, São Miguel Paulista e Ermelino Matarazzo. Itaquera até que é mais tranqüilo, mas São Miguel e Ermelino têm os menores índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de São Paulo, é pura periferia (o que é periferia?). Nesses seis meses, a garotada teve aula de metareciclagem - que é a montagem de laboratórios com terminais reciclados e pinturas de gabinetes - e foi colocada para repensar a máquina como um utilitário, repensar a tecnologia e o fetichismo tecnológico. A gente teve produção de rádio livre, produção gráfica, produção de DJ, de vídeos, numa série de sete oficinas com software livre. Além disso, a gente trabalhou com 300 crianças. Dessas, 15 ou 20 acabaram trabalhando com produção de vídeo ou em algum telecentro em São Paulo, estão fazendo alguma coisa assim hoje. Pelo menos alterou minimamente o cenário delas. Daí a gente fez outro festivalzinho pra marcar o final desse, e depois disso entrou uma outra história muito bacana. Chegaram esses holandeses do Waag Society for Old and New Media e também os indianos do Sarai, que misturam teorias e práticas para discutir os caminhos da Sociedade da Informação em megacidades. Principalmente em megacidades, talvez aí minha crítica maior pra eles, porque eu boto a maior fé no que o Pezão falou (ver artigo sobre Piraí Digital). No meio disso, eles viraram pra gente e falaram assim: "Poxa, cara, vocês estão com esse projeto aí - a gente estava com o 'midiatatica.org' e o outro cara que trabalhava com a gente, o Felipe Fonseca, estava com o metareciclagem -, e nós queremos saber como seria fazer um projeto de centro de mídia no Brasil."
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Eles tinham uma intenção bem clara de ter um centro de mídia em São Paulo. Mas pelo projeto que a gente desenvolveu e pelas coisas que a gente estava fazendo, não tinha cabimento ter um centro de mídia em São Paulo. Não fazia lógica, na nossa cabeça, colocar um centro num lugar onde as pessoas teriam que ir acessar e tal. E como a gente tem rede com pessoas aí pelo país, principalmente em Recife, Campinas, Tibau do Sul, Rio e Curitiba, a gente pensou num projeto onde esses centros seriam descentralizados. Na verdade, eram quatro desses centros que ficavam trocando informações e tal. O mais bacana aconteceu também durante as pesquisas, quando a gente chegou à conclusão de que o 'metareciclagem' não era um grupo, não era um site, não era nada. Metareciclagem era uma metodologia para a apropriação tecnológica. Isso foi um marco muito grande no que rolou de metareciclagem a partir de então. Acabou que os indianos e os holandeses falaram: "Vocês estão muito loucos, isso não vai funcionar". Mas só que a gente conseguiu emplacar um projeto bem parecido dentro do Ministério da Cultura, que são os Pontos de Cultura. Boa parte dessa galera que já tinha montado esse projeto em 2003, o Mídia Tática Brasil, montou uma lista de discussão pra começar a pensar como seriam os 'autolabs' - um projeto feito na periferia de São Paulo -, em larga escala. A gente tinha uma idéia, no princípio, de montar cinco pontos e, em cada um deles, outros cinco. Mas a partir do momento que a gente entrou no governo federal, essa idéia de multiplicação dos cinco pontos caiu e chegou-se a uma receita média. Em 2004, saiu o primeiro edital, onde foram selecionadas 254 entidades pra receber R$ 150 mil, no prazo de um ano e meio, e mais um kit de multimídia e software livre, no valor de 20 mil reais. No ano seguinte, saiu mais um edital para mais de 350 novos pontos. Depois que saiu esse primeiro, a gente saiu montando e fazendo mapeamento pra ter idéia de todos os lugares que iam receber. A gente tem comunidade indígena, comunidade quilombola, de artesanato, de senhoras viúvas de pescadores que morreram no mar. Tem uma porrada de comunidades e como a gente vai chegar falando? Muito simples. A idéia era produzir um vídeo, então, a gente teve a idéia de fazer um mapeamento prévio pra descobrir qual a melhor forma de fazer isso chegar à mão da rapaziada e mostrar como eles podiam se aproveitar melhor disso. Bem, nós tivemos muitos problemas com a interpretação da palavra inclusão digital. Se eu tiro uma foto da Luciana (Fleschmann) e ponho uma foto digital on line, ela está incluída? Que história é essa? Na realidade é um problema com o termo inclusão digital. A gente fica sempre pirando entre difusão digital e difusão cultural. Por quê? O que tem de projetos de supostas inclusões digitais no país é pouco. E tem uma boa grana, essa grana do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) que o pessoal aí está atrás. É óbvio, o ministério das Telecomunicações é enorme, mas qual é o grande barato disso? Você pega e monta um telecentro pra comunidade, na Rocinha ou no Santa Marta. Você coloca ali umas 15 máquinas e a criança entra ali, olha e fala assim: "Nossa, computador!". Aí ela pode ir lá, fazer planilha, texto e não-sei-o-quê e tudo mais, e na Internet ela entra no site da globo.com, no e-mail dela, no bate papo do UOL, essa história toda. Mas a gente sacou que simplesmente abrir a porta de um telecentro e falar pra galera meter bronca nunca vai alterar a relação do cara perante o conteúdo do meio em que ele está trabalhando. A gente tem essa experiência sabida de broadcast no Brasil, em que uma estação de TV faz programa pra 198 milhões em ação. E se você só abre telecentros, por exemplo, no Santa Marta (comunidade da zona sul do Rio de Janeiro), o cara vai começar lá com o mesmo passado histórico. Tem um cara fazendo broadcast para as mesmas pessoas e, com isso, toda essa história de inclusão digital acaba se transformando em balela porque o cara não está utilizando a ferramenta pra produzir realmente alguma coisa ou pra pensar no que ele está introduzido.
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Essa foi a história que a gente pirou nesse ponto de cultura. Então o cara tem que produzir, não tem essa. Internet não é pro cara absorver informação, é muito mais pra ele produzir informação. Nesse festival dos holandeses, o The Next Five Minutes, tem um texto muito bacana, que começou a ser divulgado em 96, que é o ABC da Mídia Tática. Numa certa altura do texto, o David coloca que acabaram os 'consumidores de informação'. Não importa pra quem você esteja produzindo, desde que você esteja produzindo informação. Então, a gente partiu do princípio de que o mais importante pra pessoa, quando ela vai ter acesso a esse tipo de tecnologia de informação, é que ela passe a produzir, por exemplo, seus próprios programas - se forem trabalhar com TV e rádio. A gente está fazendo agora, com esses pontos de cultura, a primeira leva de oficinas regionais. A gente fez uma oficina regional no Piauí, em agosto, onde foram 190 pessoas. Era um piloto. Depois, em Aracaju, formamos mais 86 pessoas em outro piloto. A partir de ontem, começaram as outras capacitações que vão até o final desse ano, com um total de 17 oficinas em todos os cantos do país. Qual o lance principal dessas oficinas? O mote principal aí é de meta-reciclagem. A gente pega uma porrada de máquina trash (imprestável), daquelas ruins mesmo, e fala: meu amigo, a partir de agora você pode quebrar tudo. Vamos destruir esses computadores e ver o que tem de útil neles. E aí destrói mesmo, fica uma puta zona, placa jogada pra todo lado, máquina espatifada aqui e ali, é capaz de não conseguir remontar todas. É possível que só se consiga aproveitar aí uns 60% dessas máquinas. Até aí, beleza. Isso tudo é pra mostrar pro cara o que é o computador. Perceber que computador é o mesmo que Lego, que liquidificador, não é a mesma coisa que um Fiesta, mas o mesmo que um Fusca. Põe o dedo lá na mangueirinha e faz funcionar, sei lá, serve pra isso, funciona assim, enfim. Essa história de destruir o computador é que faz o cara perder o medo dos computadores. A gente também produz em cima dele com software livre. Começa pelo dinheiro, porque senão essa coisa de Ponto de Cultura não rolaria. Se não tivesse muita grana envolvida não rolaria, se a gente tivesse que pagar por licença não rolaria. A gente deve desmistificar, e nesse desmistificar eu vou abrir um parêntese. Tem um cara que se chama Pedro, de um núcleo que se chama Cienti, dentro da Unicamp, que tem um texto muito bacana sobre 'Software Livre e Xamanismo'. Ali ele coloca que na computação essa desmistificação deve ser levada para o lado xamânico, mostra como o computador pode ser o xamã do próprio cara. Ele coloca que o software livre é uma ferramenta que permite que você seja o xamã do próprio Xamã. É mais ou menos isso, é como você ter um Xamã que vai fazer sempre o que você quiser. Então, você vai ali e programa aquele Xamã e mistifica seu computador. E isso é bem bacana quando você trabalha com software livre. Qual é o nome do teu computador? O quê? Manga Larga? Pô, o meu chama Shiva. Isso é bem legal. Quando você trabalha com o Windows você não pode nem dar nome pro teu computador. Pô, tu tem um computador, ele é um 486 e não faz nada. Então, vamos cortar ele, vamos tirar essa placa, cortar mesmo. A gente vê circuito que funciona, que não funciona, recorta, monta. Agora esse 486 apita! O cara liga e ele faz piiiiiiii, piiiiiiiiii. Pô, o cara montou um sistema para aquele 486 apitar e é isso, funciona.
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Funciona, mas é um sistema tosco e que não daria pra montar em Windows, então se faz com aqueles scriptzinhos, o Phyton. A maioria das vezes a galera monta com um Phyton umas instruçõezinhas e abre umas merdinhas na tela, é um lixo, mas pelo menos o cara está vendo que o computador dele pode virar uma máquina que apita e aí ele começa a perceber que pra fazer vídeo também dá, e vídeo é meio complicado. É meio complicado, mas não é impossível. Por que eu acredito nesse negócio de software livre e distribuição de conteúdo pra disponibilização na Internet? Todo material que a gente produz com o Ponto de Cultura é desenvolvido em cima de software livre. A gente está desenvolvendo muito wiki (ferramenta de documentacao colaborativa online), a gente está fazendo também o fork do Cinelerra... Esse software edita vídeo pro Linux e a gente está na versão 1.2, a gente tem uns programadores meio doentes e agora a gente está montando a versão 2.0 dele em português e vai se chamar Cinelândia, porque Cinelerra não está com nada... Então a gente fez um 'forkzinho' do Cinelerra, que está rodando meio com umas coisas esquisitas, mas está aí. E também a gente está desenvolvendo uma distribuição em cima do Ubuntu, que são multimídias, então vão ter Cinelerra e tais. E tudo isso que a gente está usando está dentro das comunidades. Mas qual é a importância disso tudo? É que tem a Universidade de Graz, que fica na Áustria, e tem um cara que tem uma empresa chamada Cybernetics. Um braço dela fica na Inglaterra e o outro fica lá na Áustria, onde ele está estudando, e lá eles começaram há 13 anos a desenvolver um protocolo que já foi da Atari, aquela do videogame. Eles chamam ela de computer brain interface. É dessas 'mantinhas' que você coloca na cabeça e ela consegue sacar se você está com as mãos fechadas. Tipo quando você pensa "mexe a mão direita" ou "mexe a mão esquerda", você move células nervosas, ou massa encefálica, como queira, e pela manta se é capaz de perceber se o cara está pensando em mexer com a mão direita ou esquerda. Eles desenvolvem esse sistema porque o computador é capaz de descobrir o que você está pensando, como jogar uma bolinha pra lá e pra cá. Lindo, até o ano retrasado isso era desenvolvido como um trabalho de arte, uma pesquisa pelo Instituto de Artes e pelo de Neuro Ciências. Em março desse ano, se lançou o primeiro cara conectado no computador. Ele tinha paralisia, derivada de um acidente doméstico, e ficava deitado o tempo inteiro. Colocaram essa manta nele, por dento do couro cabeludo, e deram um controle remoto na mão dele, que estava ligado ao computador, e o computador dele tem a placa controladora serial que liga na testa do cara, que por sua vez tem uma saída serial. Com isso, ele consegue mudar o botão da TV quando ele pensa. Esse software que controla esse sistema aí é proprietário e aí vem a questão: que história é essa de você liberar pra trabalharem com seu corpo com software proprietário, saca? Qual a intenção da Cybernetics nisso tudo? Qual a relação que a arte tem nisso tudo? Tem uma instituição na Inglaterra chamada Nesta, e ela é como se fosse o conselho de arte que distribui a grana pra lá, mas é independente. Esse ano, eles têm 17 bolsistas desenvolvendo trabalhos na área de artes e desses 17, seis desenvolvem trabalhos com biotecnologia. Um deles desenvolve trabalhos com uma cobrinha que mata insetos e é biodegradável; outro desenvolve uma bactéria que vai dentro desses sucos de caixa e mata todas as bactérias e é biodegradável; e tem um outro que descobriu uma cobrinhas que andam pela sua pele e mata todos os ácaros e é biodegradável.
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Praticamente todos esses experimentos baseados em biotecnologia são biodegradáveis, saca? Bom, eu não boto fé que são biodegradáveis... O código desses genes é fechado, nenhum deles tem código aberto, os softwares que desenvolvem esses experimentos são fechados. Mentira, o software aqui da USP (Universidade de São Paulo) que desenvolve o Projeto Genoma é aberto, só que é Unix. A grande idéia disso é que daqui a 30 anos teu filho vai estar conectado com um adaptador na cabeça, o software que vai controlar ele vai ser proprietário e as informações que ele vai receber naquela cabeça provavelmente vêm de algum provedor de conteúdo que vai cobrar por isso. Então vamos pirar mais um pouco. Tenho cá pra mim que a internet é uma extensão da memória humana brincando de McLuhan... Você tem essa memória humana tomada por conteúdo proprietário, conteúdo de grandes portais, conteúdo comercial e qual é a grande verdade? O que existe de real nisso? Qual é a importância de fazer comunidades locais produzirem conteúdo pra Internet? Em minha opinião é a de manter uma memória humana ativa pro futuro um pouco maior do que as que existem focadas nos portais comerciais aí da vida. Veja mais nos sites: Metareciclagem.org. e Midiatatica.org
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Ricardo Filipo é presidente do Instituto Brasil Padrões Abertos em Software (IBPAS), coordenador geral do Projeto Software Livre Empresas, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e criador do primeiro curso de graduação em Software Livre do país, na Universidade Estácio de Sá.
Ricardo Filipo Eu participo da comunidade de 'desenvolvedores' Perl - uma linguagem de programação que usa a licença do software livre, mas funciona em qualquer plataforma. A gente ajudou a comunidade aqui da USP (Universidade de São Paulo) a produzir alguns algoritmos para o projeto. Foi mapeada uma bactéria, o 'glucofito lacetobactilo', pela USP, se não me engano, e essa bactéria modificada permite que as plantas de cana-de-açúcar modificadas possam retirar o nitrogênio do ar. Esse nitrogênio serve de adubo para desenvolver e fazer uma plantação de cana-de-açúcar produzir. Mas ele normalmente custa uma fortuna e é importado. Com essa bactéria modificada você não precisa mais comprar o adubo. Isso está gerando para o país uma economia de 700 bilhões de dólares por ano. Nós, do software livre, que ajudamos a fazer essa bactéria, a gente não ganhou nada. Bem, ajudamos o nosso país... Com certeza, o software livre, o Projeto Genoma... Tudo isso é uma grande questão atualmente. Só para fazer aqui um comentário em cima do que o Ricardo (ver artigo de Ricardo Ruiz) falou, a Microsoft, no ano passado, patenteou o processo de interação entre uma máquina e um ser vivo. Ela patenteou, na verdade, uma troca de energia, uma coisa assim, entre um ser vivo e uma máquina. Nós ficamos nos perguntando o que a Microsoft pretende com isso. Vão usar a máquina pra lavagem cerebral? É, até pode ser isso. Agora vou falar um pouquinho da minha experiência, muita gente já me conhece. Sou um pioneiro não só na utilização de Linux, mas de software livre no Rio de Janeiro. Comecei esse processo por volta de 1994/95. Criamos alguns movimentos aqui no Rio de Janeiro. Um dos mais interessantes foi o CIPSGA, junto com Djalma Valois e Renato Martini. Criamos, na Universidade Estácio de Sá, o primeiro curso de software livre em nível de graduação. Criamos ainda uma instituição chamada Abrasol, e o projeto de software livre do Rio de Janeiro, lá em Brasília, e isso fez com que o software livre se integrasse em diversas instituições. Criamos o IBPAS (Instituto Brasil Padrões Abertos em Software), originado do projeto software livre em empresas, e assim por diante.
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A minha origem é musical, venho de uma família de músicos. Quando estava fazendo meu mestrado, descobri o software livre exatamente por essa questão que o Ricardo Ruiz estava falando, e que é a base do projeto Piraí Digital (ver artigo de Pezão), que é a Internet, o computador em formação, ele representa a nossa inteligência, isso é idéia do Pierre Levy. A teoria da música, a expressão musical, se ela fosse totalmente livre, e funcionasse como o software livre, iria se desenvolver muito. Acho que a cultura, se não estiver calcada na expressão, deixa de ser cultura. Não é porque eu estou abrindo um conhecimento que eu vou perder esse conhecimento. Ao contrário, vou multiplicá-lo. Essa é a base da experiência coletiva. Essa troca de informações é a base da Internet. Só vejo sentido no conhecimento se este for livre e aberto. Uma questão muito interessante da inclusão digital é o celular. Se você conseguir trazer a Internet para o celular, de uma forma barata, incluirá digitalmente as pessoas. As pessoas podem ser incluídas indiretamente dessa forma. Para celular, muitas distribuidoras, a Nokia, a Motorola, a LG, já estão fazendo esses sistemas operacionais em Linux, o que inclusive é muito mais barato. Um projeto fantástico do MIT (Massachusetts Institute of Technology) é o PC a 100 dólares. É um laptop de borracha. Ele não quebra, não tem HD, tem um chip de memória e roda com o sistema operacional Linux. O MIT está lançando agora esse computador. E aí vem uma questão muito importante. Esse celular que está na minha mão eu não paguei nada por ele, sabe disso? No sistema empresarial, a gente paga uma conta e fica como comodato. É exatamente o que o Negroponte (Nicholas Negroponte, cientista e professor do Media Lab, laboratório do MIT), pensou em fazer. Isso aqui (o celular) não é grátis, você paga pelos serviços que estão envolvidos, você transforma isso. Os produtos não são simplórios. Eu não vendo um grão de arroz, eu vendo um punhado, dentro de um saquinho, já polido. Da mesma forma acontece com o serviço de celular. Assim como eu posso ter um celular grátis e pagar essa conta, eu posso ter um laptop de borracha de altíssima durabilidade, com Linux, conectado à Internet, via wireless (sem fio). Daqui a pouquinho o Rio de Janeiro será todo wireless. É fundamental a inclusão digital para as pessoas. E como a empresa está ganhando? Por exemplo, a inclusão digital brasileira. Pretende-se que até 2010 se tenha pelo menos metade da população, e eu acho pouco isso, incluída digitalmente. São cerca de 100 milhões de computadores funcionando no país. Vamos pensar em termos de licença. Se a gente pensar em Windows, em software proprietário, são uns R$ 300 em licença Windows com Office. Já que é tão grande, talvez a Microsoft consiga fazer isso, ou dar de graça a primeira e as outras você compra. Isso dá coisa de R$ 300 bilhões.
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Se o governo pegasse esse dinheiro e investisse em geração de emprego, isso significaria um ganho enorme para o país. Quer dizer, além do software livre custar 20 vezes mais barato do que o software proprietário, ele vai dar um lucro estrondoso para o país, porque gera emprego e serviço, direto e indireto, aos montes. Então, se eu estou dedicando minha hora vaga para desenvolver um software pro LNCC, que eu nem trabalho lá, eu estou agindo como hacker (no bom sentido de estar construindo tecnologia) e com isso eu estou ganhando também, pois estou aprendendo e o país também está ganhando. Essa é uma questão importante. Será que esse dinheiro no país está sendo bem investido? Algumas dessas empresas deveriam estar investindo não apenas em estrutura básica, mas em pesquisa. O que permitiu que essa infra-estrutura básica feita para a agricultura desse lucro? Foi a própria tecnologia. Acho aí que pelo menos algum percentual dessa grana deveria ser revertido não exatamente para o hacker que ajudou a desenvolver aquele código, mas para órgãos de tecnologia, para a pesquisa básica.
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Palestra 3 Carlos Afonso é diretor da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e membro da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann) e do Conselho Interino do Comitê Gestor da Internet do Brasil.
Carlos Afonso A gestão global da Internet é um tema bem complexo e tem sido cada vez mais difícil falar sobre ele, porque de tanto repetir as mesmas informações a gente começa a achar que as pessoas já sabem do que se trata. Mas infelizmente não é assim. É uma coisa tão complexa que, nos debates internacionais, às vezes você vê um representante de governo preocupado com o fato de os Estados Unidos terem dez daqueles 13 servidores-raiz famosos, que fazem o referenciamento entre nomes e números, porque seus dados "vão passar por esses servidores do Bush". E isso não é verdade, dado nenhum passa por lá, isso é só um endereçamento. Então você tem uma série de equívocos na análise do tema, e nem por isso o tema deixa de ser de fundamental importância para todos nós. E há umas questões de partida, alguns paradigmas sobre os quais precisamos conversar um pouco para entender a importância, principalmente para a sociedade civil, para o cidadão e a cidadã, de governar os componentes que compõem a Internet. Um primeiro conceito se refere à questão dos famosos nomes e números. Para você fazer duas máquinas na Internet trocarem informações, uma precisa ter o número IP, o número do Protocolo Internet da outra. Isso é tudo que uma precisa para poder "conversar" com a outra, se a outra permitir. Não é necessária, para que duas máquinas se "falem", a existência de nomes de domínio. Você pode ter uma rede de Internet inteirinha sem nomes de domínio. A criação do nome de domínio foi feita porque nós não somos computadores, nós somos seres humanos. No padrão atual de endereços da Internet, o chamado IPv4, existem mais de quatro bilhões de números IP. É óbvio que a gente não vai decorar. Nem dez números alguns de nós conseguem decorar, quanto mais quatro bilhões ou o que seja... Então se criou a idéia de fazer um relacionamento entre nomes, que as pessoas possam memorizar facilmente, e números, que são muito difíceis de memorizar. Daí nasceu a idéia dos famosos nomes de domínio. E o que acontece com esses números IP? Esses números IP, na verdade, tal como os nomes de domínio, deveriam ser considerados por todos e todas como um bem de uso comum, um patrimônio das comunidades.
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Tal como a gente hoje defende a liberdade de conhecimento, a gente deveria defender que os nomes de domínio e os números IP fossem, como a Internet como um todo, fundados em coisas que são de todos e de todas, que não são mercadorias etc.. A noção de que o nome de domínio é um bem comum veio com o início dessa idéia de relacionar nomes a números. Quer dizer, em vez de digitar lá 200.198.184.109, eu digito www.rits.org.br - é muito mais fácil de guardar do que esse número de IP. Mas acontece que, no processo de crescimento, de explosão da Internet, principalmente a partir de 1995, interesses comerciais começaram a avançar sobre isso, a descobrir as grandes possibilidades que se poderia ter com o uso da Internet. Apareceu a oportunidade de fazer grandes negócios via Internet e com a própria prestação do serviço Internet. Isso virou um assunto, portanto, para o Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Era algo administrado por pessoas de grande confiança que se querem pioneiras da Internet, como Jon Postel etc., e que passou a ser do interesse do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Durante o governo Clinton, foi feito um famoso white paper, um 'livro branco da Internet', que tratava da questão do comércio eletrônico, que já começava a crescer. Era preciso fazer alguma coisa para que houvesse critérios universais para a distribuição dos famosos nomes de domínio. Quem era dono do quê? Começaram a aparecer questões sobre marcas e patentes, sobre direitos de propriedade de marcas, por exemplo cocacola.com etc.. E aí o passo seguinte foi o governo americano decidir que o nome de domínio deveria ser administrado comercialmente - a distribuição, a criação, a delegação, a redelegação de nomes de domínio deveriam ser terceirizadas para uma empresa. Isso passou então a ser operado por uma empresa americana chamada Network Solutions. Na época, só se falava de domínios chamados 'genéricos', que eram os famosos ".com", ".net", ".org" etc.. Isso gerou uma série de disputas e interesses econômicos em torno da geração e da distribuição desse novo negócio criado pelo governo dos Estados Unidos chamado nome de domínio, que deveria ser um bem de domínio público, mas foi, digamos, apropriado por interesses privados, com o aval do governo dos Estados Unidos. Esse processo de discussão resultou na criação de uma entidade sem fins de lucro que pudesse servir como uma espécie de espaço de negociação e coordenação desse sistema de distribuição, delegação e redelegação de nomes de domínio. Daí nasceu a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann), uma entidade sem fins de lucro sediada na Califórnia, portanto sob as leis do estado da Califórnia e também sob as leis do governo dos Estados Unidos. A Icann também coordena a distribuição dos nomes de domínio de topo de países. Por exemplo: ".br", ".kr", ".us".
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Essas coisas são importantes para a gente entender o contexto. Nós poderíamos ter tido um cenário, como no início, em que nome e domínio seriam bens públicos, um bem de domínio público ou um bem da comunidade que fosse distribuído sem fins de lucro e sem critérios comerciais de nenhuma natureza. Na verdade, mais ou menos como acontece hoje com a distribuição dos números IP. Os números IP são distribuídos através de uma espécie de consórcio organizado em torno de registradores regionais de números de IP. Tem um para a América Latina e o Caribe, que se chama Lacnic; outro para a África, que se chama Afrinic; outro para a Ásia e o Pacífico, que é a Apnic; outro para a Europa, que é o Ripe NCC, e o Arin, para a América do Norte. Esse sistema - apesar de ter havido grandes falhas no início da distribuição desses números de IP - é hoje bem coordenado. Esse consórcio de distribuidores e de registradores de números de IP é coordenado por uma instituição chamada Organização de Recursos de Números (Number Resource Organization) também vinculada à Icann, mas com grande autonomia. O critério é que esses números sejam distribuídos da maneira mais eqüitativa possível. Não existe um negócio de distribuição de números IP como existe o negócio da distribuição de nomes e domínios que se referem a esse número. Ao longo do tempo, o negócio de nomes de domínio passou a ser o fator determinante, quase que a razão da existência dessa organização, que foi criada para administrar a distribuição dos nomes e domínios. Com isso, uma empresa praticamente monopoliza a distribuição de nomes de domínios globais, como ".com", ".net", ".org". Esses domínios genéricos, ou seja, que não se referiam a qualquer país, passaram a ser tratados como globais na medida em que são usados hoje por usuários do mundo inteiro. Eu posso ter "carlosafonso.com", basta ter um cartão de crédito internacional válido, ir lá e comprar o domínio. Esse comércio passou a ser administrado por uma empresa que absorveu a Network Solutions, que é a Verisign. A Verisign, inclusive, tem uma filial no Brasil chamada Certisign. Essa empresa é responsável por mais de 70% do mercado de nomes e domínios do planeta. É um negócio de centenas de milhões de dólares, e ela é responsável por 87% do orçamento dessa Icann, a famosa organização que administra os nomes e domínios (eu cortaria tudo isso aqui, pois vem logo abaixo e ganha mais destaque lá - coloquei em negrito pra vc conferir) Vocês podem imaginar a confusão ou os interesses que existem entre a Icann, instituição sem fins de lucro, que supostamente tem que administrar com imparcialidade a distribuição, delegação, redelegação de nomes e domínios, e a principal empresa que ganha dinheiro com a distribuição de nomes e domínios. Essa empresa cobra pelo serviço o equivalente a 87% do orçamento da Icann. Portanto a Icann, além de ser praticamente escrava do negócio dos nomes e domínios, ainda é dependente, na prática, de duas ou três grandes empresas que distribuem nomes e domínios.
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Essa Icann também é responsável pela administração dos principais servidores, dos servidores que ficam no topo da cadeia de distribuição de nomes e números, que definem a localização dos computadores na Internet a partir dos nomes e domínios. Então, por exemplo, se alguém da Malásia quer conectar com um computador no domínio ".br", do Brasil, o computador dele, de algum modo, vai fazer uma consulta que se refere a esse servidor-raiz administrado pela Icann nos Estados Unidos. Esse servidor-raiz vai dizer que tem um servidorespelho no Brasil que se encarrega exclusivamente de fazer esse relacionamento entre nomes, domínios e números para o ".br", que é o Brasil. Então a consulta é direcionada para esse servidor no Brasil e esse servidor diz para esse outro computador lá na Malásia qual é o número IP dessa máquina que ele está buscando, e aí as duas se falam. Esse é o procedimento. Mas sempre, de algum modo, esse servidor-raiz, que fica nos Estados Unidos, administrado pela Icann, é central nessa distribuição. Existe hoje uma rede de espelhos desses servidores, inclusive distribuídos pelos países. São mais de 90 desses espelhos, que são cópias desses servidores-raiz que você pode consultar, às vezes até no seu próprio país, para descobrir qualquer endereço na Internet no mundo. O Brasil, por exemplo, é um dos países que têm um espelho desse servidor-raiz, então quase todas as nossas consultas, ou todas as nossas consultas que se referem ao servidor-raiz que fica nos Estados Unidos, na verdade, consultam esse espelho no Brasil. E qual é a vantagem? Nós não temos tráfego de dados para os Estados Unidos para fazer essas consultas. Tudo é feito aqui dentro do Brasil, para nós, para o domínio ".br". Então o que acontece? Quem é que manda nesse servidor-raiz, que faz esse direcionamento, esse endereçamento central de toda a Internet? Por exemplo, se alguém vai lá e muda um domínio, apaga desse servidor o domínio ".br", do Brasil, todos os domínios ".br" desaparecem da Internet e ninguém mais consegue localizar, porque toda essa rede de servidores-espelho está atrelada a esse servidor-mestre. Qualquer modificação lá se propaga automaticamente por todos os servidores-espelho. Então quem administra esse servidor central pode, em tese, tecnicamente, fazer desaparecer um país inteiro da Internet, todos os domínios de um país. A mudança dos dados que estão nesse servidor depende do governo dos Estados Unidos. O único governo no mundo que tem autoridade sobre o servidor-raiz é o governo dos Estados Unidos. Se, por exemplo, eles quiserem desaparecer com o domínio do Irã, ".ir", ou o domínio do Iraque, ".ik", podem desaparecer com ele. Politicamente, seria um inferno, seria uma coisa muito complicada para os Estados Unidos, mas eles podem fazer isso, inclusive legalmente. Podem desaparecer com qualquer domínio, porque a Icann recebeu uma delegação do governo americano para administrar. Na verdade, esse servidor-raiz é administrado pela Verisign, que é a empresa que trabalha com os domínios globais, em acordo com a Icann e o Departamento de Comércio dos Estados Unidos. E o Departamento de Comércio tem a última palavra sobre qualquer tipo de alteração no arquivo-raiz, que tem todos os dados de domínios de primeiro nível do mundo e está nesse servidor-raiz.
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Essa é a questão central de uma parte da governança da Internet que a gente chama de governança da infraestrutura lógica, que é a coordenação mundial dessa estrutura que permite que nomes e domínios sejam associados automaticamente, sem que os olhos percebam como isso acontece, a números IP para que os computadores se falem. Essa é a tarefa central da governança da infra-estrutura lógica na Internet, que está nas mãos, literalmente e legalmente, do governo dos Estados Unidos. A grande questão hoje, no mundo, é se a governança global dessa infra-estrutura lógica relacionada à governança na Internet deveria ser efetivamente internacionalizada. Se a Icann, por exemplo, deveria deixar de ser uma entidade nacional americana e passar a ser efetivamente um organismo internacional, com um acordo de sede entre o governo dos Estados Unidos e essa organização, que daria autonomia a ela. Se a Icann deveria ser administrada de uma forma pluralista, democrática, transparente, com participação de todos os grupos de interesse que dependem de algum modo da Internet, todos os representantes de organizações civis, acadêmicas, setor privado e governo. Essa é uma das discussões da governança na Internet. Como é que o Brasil se posiciona sobre esse aspecto especifico da governança da infra-estrutura lógica? Porque isso não é a totalidade da governança de Internet, existem muitos outros componentes que precisam de governança, não só a infra-estrutura lógica, e a gente vai ver em seguida. Nesse caso da governança da infra-estrutura lógica, o Brasil procura se espelhar no seu próprio modelo. Desde 1995, criamos uma estrutura de governança no país que leva em conta aquilo que falei logo no começo: que o nome de domínio é um bem da comunidade, que não pode ser comercializado, não pode ser vendido, trocado como se fosse uma mercadoria. E essa decisão foi uma decisão tomada na raiz da criação do nosso Comitê Gestor da Internet, em 1995. O nome de domínio é um bem da comunidade, não se vendem nomes de domínio, pelo menos não no Comitê Gestor da Internet. O que as pessoas, usuárias desse domínio, pagam é uma anuidade para poder manter o próprio serviço do Comitê Gestor, que vai muito além de simplesmente manter o servidor que relaciona nome a números. A idéia, que vem se ampliando ao longo do tempo e se consolidando, é de uma participação ampla da sociedade na governança da Internet no Brasil. O Comitê Gestor já nasceu com representação de vários setores, só que infelizmente, pelo menos até 2003, essa representação era por indicação do governo federal. A partir de 2003, isso começou a mudar, e hoje o Comitê Gestor da Internet tem maioria de representação dos vários grupos de interesse - organizações da sociedade civil, associações empresariais e associações acadêmicas -, que fazem a maioria do Conselho Gestor do Comitê Gestor da Internet.
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Ainda falta um passo para completar o nosso projeto de governança democrática, transparente, pluralista que temos para o Brasil e que se iniciou em 95. Esse passo é que o próprio Comitê Gestor da Internet possa administrar todos os aspectos da governança. Hoje ele ainda depende de uma instituição chamada Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que tem um acordo com o governo federal para operar administrativamente, vamos dizer, ou financeiramente, toda a operação do sistema de governança brasileiro. Em tese, o Comitê Gestor não pode contratar ninguém. Sempre se contrata alguém pela Fapesp, apesar de já ter sido criada uma entidade civil para isso. Falta só o Ministério de Ciência e Tecnologia autorizar o Comitê Gestor da Internet a assumir essa administração. Isso concluiria o processo de democratização, que na verdade nasceu já com um conceito de governança na Internet. Pois bem, essa visão de participação ampla e pluralista, de que é um bem comum, é a visão que o Brasil tenta levar para a governança mundial da Internet em todos os seus aspectos. Não se trata de fazer uma cópia idêntica, porque a governança mundial envolve todos os governos, além de toda a sociedade civil, a comunidade acadêmica etc., todos os grupos de interesse. Então a questão de participação intergovernamental não se dá aqui. O que se dá lá fora é que você tem uma diversidade de governos com suas soberanias, com visões específicas sobre o que é Internet, que você precisa coadunar nessa governança global na Internet. Por isso não dá para simplesmente transpor o modelo, mas os conceitos sim! E são os conceitos que o Brasil procura defender lá fora. Então para que surgiu a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação? A idéia foi formalizada em 2002, para tratar não só da governança na Internet. Na verdade, o tema da governança nem aparecia explicitamente na discussão da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. Ela foi criada com um objetivo central que permanece até hoje: discutir como as tecnologias de informação e comunicação podem contribuir para o desenvolvimento humano, principalmente nos países que têm menor grau de desenvolvimento e menor presença dessas novas tecnologias. E é esse o objetivo central da Cúpula. Não é discutir se é Icann ou UIT (União Internacional das Telecomunicações), é muito mais do que isso. E esse objetivo permaneceu. No entanto, nesse processo, apareceu a discussão da governança. Apareceu ainda a discussão sobre a criação de recursos para ajudar países menos desenvolvidos a potencializar o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento humano, sobre o acesso universal, sobre a inclusão digital, a capacitação etc.. São os grandes temas, vamos dizer, do uso dessas tecnologias para o desenvolvimento humano. Na primeira fase da Cúpula, em Genebra, em 2003, surgiu a iniciativa de dois grupos de trabalho que iam apresentar suas propostas sobre a governança da Internet e o Fundo de Solidariedade Digital (alimentado por contribuições voluntárias dos governos e voltado para investimentos em programas, materiais e iniciativas de inclusão digital nos países mais pobres) e sobre o mecanismo de financiamento, que na verdade era o tema mais amplo do outro grupo.
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O grupo de governança acabou seu relatório recentemente, e aí o governo dos Estados Unidos imediatamente se pronunciou sobre qualquer possibilidade de internacionalização nesse aspecto da governança na Internet que trata do controle daqueles servidores-raiz que ficam nos Estados Unidos. Pode acontecer qualquer coisa nos Estados Unidos, mas ninguém toca nesses servidores-raiz: 'Estão sob o nosso controle'. O argumento é de segurança e estabilidade. Com isso, eles bateram de frente com a União Européia, por exemplo, que quer uma internacionalização nesse sistema. E essa é uma grande discussão que está rolando, não tem uma definição. O que se filtrou da discussão, depois do relatório, é que o grupo de trabalho de governança na Internet propôs que se criasse um Fórum Global que pelo menos fosse um espaço mundial, com representação de todos os interesses, que pudesse ficar como uma referência para discutir o processo de governança, que inclui não só infra-estrutura lógica, mas interconexão, conexão entre países, quem paga o quê na conexão entre um país e outro... Hoje é um grande problema, porque você tem uma cadeia alimentar em que as grandes redes dos Estados Unidos recebem tudo e os países menores pagam tudo para a conexão na Internet. No entanto, os usuários americanos podem entrar nos servidores web desses países para consultar, mas esses países é que pagam tudo pela conexão. Então aí existe um problema que precisa ser discutido e uma grande pressão dos países menos desenvolvidos para que isso também seja um tema da governança. Os outros são segurança, spam, phishing (uso fraudulento da Internet) etc., que precisam também de uma discussão mundial e de um espaço de debate e conclusões. Há ainda a questão do e-commerce (comércio eletrônico). Os países têm sistema de taxação nacional, no entanto o e-commerce atravessa suas fronteiras. É preciso discutir isso também, não tem uma governança para isso. Você tem hoje a OMC (Organização Mundial do Comércio), mas que não resolve o problema de que trata o comércio eletrônico. E a questão da liberdade de expressão, do direito à privacidade, dos padrões abertos - onde se encaixa a liberdade do conhecimento, a questão do software livre... todas precisam de pelo menos um fórum global para serem discutidas. E todas elas, e muitas outras, são componentes de uma governança mundial na Internet, não é só a governança de nomes e números. Mas não existe nada! Se na infra-estrutura lógica nós temos governança, só que sob um único país e sob os termos do governo desse país, nos outros nós não temos. No máximo, você tem organizações espalhadas que não têm as especificidades da Internet como centro das suas discussões, e isso é um grande esforço que se vai fazer. Talvez esse Fórum Global, que pode nascer e talvez seja a única coisa que saia dessa Cúpula agora na Tunísia, possa ajudar a criar as condições de uma governança ampla na Internet e que trate de todos esses assuntos.
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Omar Kaminski é diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil, coordenador do GT-Info da OAB (PR) e sócio da Kaminski, Cerdeira e Pesserl Advogados Associados. Na vida acadêmica, é professor de pós-graduação em Direito e Tecnologia e co-autor de diversos livros na área.
Omar Kaminski Vou tentar fazer um apanhado geral da gestão global da Internet envolvendo a Cúpula Mundial da Sociedade de Informação. Como temas principais este ano, temos a inclusão digital, a governança eletrônica (ou egov), os cibercrimes, a pedofilia, o racismo, o software livre, a propriedade intelectual, com foco nos copyrights ou direitos autorais, o multiculturalismo e também o desenvolvimento sustentável. Os Estados Unidos e os países do G-8, os chamados 'países desenvolvidos', pretendem discutir a gestão global da Internet com foco apenas nos cibercrimes, nos copyrights e no spam. Mas Brasil, Índia, África do Sul, China, Síria e Irã querem ampliar essa discussão. A União Européia, por sua vez, tomou um certo distanciamento dessa polêmica. No âmago dessa discussão estariam a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e o controle dos servidores-raiz. O objetivo do grupo onde o Brasil está inserido é a descentralização desses servidores. Atualmente, existem dez desses servidores: sete nos EUA, dos quais quatro são militares; e mais três espalhados por Alemanha, Suíça e Japão. Os Estados Unidos não querem abrir mão, não querem largar o osso. Eles alegam questões de segurança, mesmo que seja o caso de passar esse controle para uma entidade transnacional, como a União Internacional de Telecomunicações (ITU), ligada à ONU (Organização das Nações Unidas). Já a posição do Brasil seria a de transferir o poder de decisão política para a esfera intergovernamental, que é algo que vem sendo bastante discutido e na prática tem se consolidado com a posição do Comitê Gestor da Internet no Brasil - embora alguns questionem a legitimidade desse órgão. Em 2003, foram eleitos para o Comitê Gestor diversos representantes da sociedade civil, mas mesmo assim alguns entendem que esta entidade tem uma atuação ainda "secreta", e que suas ações deveriam ter mais transparência. Mas esta é uma questão à parte.
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Sobre multiculturalismo, o foco é na discussão dos IDN - International Domain Names, que acabam de ser adotados no Brasil. Muitos países utilizam caracteres não-latinos, como os orientais. Mas os três principais países que usam o sistema do IDN são Grécia, Alemanha e Brasil. Com isso, um nome domínio que tenha cedilha poderá ser usado no Brasil graças às novas implementações adotadas. Os Estados Unidos não defendem e não concordam com essa adaptação porque acreditam que isso pode trazer complicações desnecessárias. Eles não têm cedilha, não têm trema etc. Um exemplo prático: a cidade de Foz do Iguaçu. Lá, o prefeito municipal assinou um decreto dizendo que queria mudar o Iguaçu, tradicionalmente com cê-cedilha, para Iguassu. Por quê? Porque não existe cê-cedilha em outros locais, e as pessoas procuram, principalmente os turistas estrangeiros, Iguassu no Google ou em qualquer outro mecanismo de busca. Como não tem a cedilha, e eles não sabem que não é com dois "s", a cidade acaba perdendo potenciais turistas. Parece que já se fala até na realização de um plebiscito para se discutir essa mudança de nome. Outra questão pouco discutida no Brasil, mas que merece a maior atenção, é a liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, eles têm a famosa primeira emenda à Constituição, e são tolerantes à xenofobia, ao racismo etc.. Não aceitam, no entanto, que países que utilizam a infra-estrutura deles ajam desse jeito. Então, podem se tornar potenciais censores, chegando a bloquear o acesso de países que, de uma maneira ou de outra, possam atrapalhar seus interesses. Como exemplo vou citar o grande Firewall da China - um mecanismo de filtragem, de bloqueio do tráfego de dados que entram e saem daquele país comunista, que pode trazer problemas para os Estados Unidos. Situação mais recente é a do domínio 'xxx' - uma convenção internacional que define conteúdos pornográficos. A princípio, esse 'xxx' foi criado para ser uma zona neutra, um espaço reservado apenas para domínios eróticos e pornográficos. Isso permitiria a criação de mecanismos de bloqueio no navegador, por exemplo, para que as crianças não tivessem acesso a esse tipo de domínio, mesmo involuntariamente. Seria uma espécie de "zona de luz vermelha" dentro da Internet. Atualmente, discute-se em que termos isso vai ser implementado. Imagine, hipoteticamente, se alguém registra um 'Petrobras.xxx', um 'Tangolomango.xxx'. Que conseqüências isso poderia ter? Outras questões que devem ser abordadas na Cúpula são a pirataria e a propriedade intelectual, com foco nos direitos autorais (copyrights, em inglês). Os Estados Unidos têm uma legislação chamada Anti-Circunvention Act e têm o Digital Millennium Copyright Act (DMCA), uma lei do início do século 21 que traz diversas restrições, como o uso da 'engenharia reversa', uma das bases dos hackers e das pessoas que trabalham com software livre.
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Brasil, China e Índia estão buscando alguns modelos mais maleáveis na esfera dos direitos autorais, como o Creative Commons, que é um projeto que vem sendo capitaneado pela Fundação Getúlio Vargas e tem tido boa repercussão. A primeira tradução para o português da GPL, que é a licença básica do software livre, foi elaborada pelo iCommons brasileiro, e já vem sendo adotada por alguns órgãos do governo. A inclusão digital é outra questão que, sem dúvida nenhuma, permeia o software livre. Software livre é uma das bases da inclusão digital, como assim temos defendido. Então a questão já não é mais sobre a necessidade ou não de uma inclusão digital, e sim de como ela tem que ser feita. Como pode ser estabelecida essa regulamentação? Os Estados Unidos sugerem um modelo neutro, e dentro desse modelo neutro, é claro, caberiam softwares livres e softwares proprietários. Sobre os cibercrimes, os phishing scams, os vírus e o próprio spam, que é visto por alguns como um crime, a questão é muito mais de adaptação da legislação pré-existente. É disso que precisamos, pois já temos uma legislação, mas é preciso definir o que pode e o que não pode ser aplicado. O que acontece, por exemplo, se o servidor está fora do país, já que a maioria desses phishing scams estão fora do país? Muitas vezes, ou na maioria das vezes, é um brasileiro que está por trás dessa prática no Brasil. Mas ele hospeda esse malware em servidores de fora, que apresentam certa vulnerabilidade. Então são necessários acordos bilaterais, tratados, convenções, para que se torne mais célere a busca e a efetiva prisão desses meliantes virtuais. Sem dúvida esse tipo de iniciativa maléfica traz um custo desnecessário, traz um aumento de banda, traz uma utilização desnecessária de recursos da rede. E é importante lembrar que a Internet não é um shopping center virtual. Então, temos a questão da governança, a questão da própria cidadania e a questão do multiculturalismo, que acaba sendo uma espécie de soberania compartilhada. Temos visto muitas iniciativas voltadas para o comércio eletrônico, mas temos que pensar de forma mais ampla, porque cada vez mais a Internet faz parte de nossa vida. Kofi Annan, secretário-geral da ONU, declarou recentemente que rejeita que a ONU queira se apossar da Internet, e que a intenção não é essa. A intenção da ONU é promover o diálogo e o consenso entre os governos para que todos os povos possam se beneficiar das vantagens da Internet, reduzindo a exclusão digital e construindo uma sociedade aberta. Já os Estados Unidos entendem que cabe gratidão a eles, porque 'inventaram' a Internet. Mas, devido à importância que a rede tem para todos os países, acho que eles devem admitir a necessidade de internacionalização desses mecanismos de administração. Os EUA, inclusive, já anunciaram que não abandonarão o controle do sistema de novos domínios, e que essa é uma questão não negociável, por mais que estejamos mandando representantes para a Tunísia para discutir a realização de um fórum.
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Segundo o presidente Bush, eles não vão abrir mão dos servidores-raiz para 'conservar o livre comércio'. Não sei por que ele interpreta assim, acho que é possível prever a intenção de derrubar a Internet de países hostis, uma situação em que os Estados Unidos acabariam agindo como censores. Sobre o Icann (Conselho da Organização de Apoio a Nomes de Domínios Genéricos), eu li uma matéria interessante que define essa entidade, que tem certos aspectos de ONG, como uma agência regulamentadora nos moldes do que seria o Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária). Mas eles têm uma função política muito mais forte, por isso é importante definir isso melhor. Temos dois representantes atualmente no Icann. Uma das principais proposições do Brasil junto à Cúpula Mundial é a criação de um fórum internacional que permita um processo mais democrático e transparente de gestão da Internet. Esse fórum teria a função de definir e supervisionar globalmente políticas voltadas para a governança da Internet, além de elaborar recomendações e promover acordos internacionais. Se tivermos sucesso na criação desse fórum, podemos dizer que já fomos muito bem-sucedidos, muito embora, repito, os Estados Unidos não queiram abrir mão dos backbones e dos root servers. Seria chegada a hora de termos servidores próprios, além de um espelho, talvez junto com a Lacnic (registradora regional de números IP para a América Latina e o Caribe), ou talvez desenvolvermos uma Internet paralela, algo um pouco utópico, mas que nos protegeria numa eventualidade - por exemplo, na iminência de uma guerra eletrônica, onde hackers ficariam mandando ataques de negação de serviços (DDoS), e colocando máquinas 'zumbis' para lutarem umas contra as outras. Para que não derrubem a Internet inteira um dia, talvez seja o caso de começarmos a pensar num mecanismo, numa estrutura suplementar. E por fim, na questão do software livre, já temos uma política de incentivo como forma de viabilizar programas de inclusão digital e o compartilhamento de conhecimento. O Paraná, de onde venho, junto com o Rio Grande do Sul, que foi o estado pioneiro, tem desenvolvido um papel de destaque no Brasil. Tivemos recentemente a criação de uma licença de software aberto, adotada por decreto do governador. Todos os softwares da administração pública desenvolvidos a partir de agora devem obedecer a essa licença. Já temos também uma lei estadual, assim como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, e diversas leis municipais, regulamentando o software livre. Temos entendido que o governo está muito receptivo a essa questão. Talvez estejamos tendo uma chance que não teríamos em outro governo. Sem dúvida nenhuma, o software livre representa soberania, transparência. É uma questão de você poder saber o que está acontecendo, de não ficar na mão de programas proprietários. A gente já sabe que mais de 60% dos softwares utilizados no Brasil são piratas. Então, uma das melhores maneiras de combater a pirataria sem causar evasão de divisas para o estrangeiro seria realmente o software livre.
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Gestão Global da Internet Cultura e Comunicação
Corinto Meffe, Gerente de Inovações Tecnológicas e Coordenador dos Projetos: 'Guia Livre', 'Sistema de Inventário CACIC' e 'Plano de Migração para Software Livre', do Ministério do Planejamento. Atualmente é um dos articuladores da discussão do Software Público Brasileiro.
Corinto Meffe Um bom começo, já que o tema central do evento trata do software livre, é demonstrarmos na prática que o software livre nos permite fazer basicamente tudo aquilo que já obtemos no ambiente proprietário (como vemos nesta apresentação). Uma vantagem imediata de quando se trabalha na ótica do software livre é que você acaba ajudando as outras pessoas, organizações e entes públicos direta e indiretamente. Recentemente no governo federal, temos usufruído muito, por exemplo, de um estudo do governo do Paraná. O estado fez uma licença específica para disponibilizar, por Decreto e de uma única vez, todas as soluções desenvolvidas pelo estado. O governo federal está adotando para disponibilizar as suas soluções a Licença Pública Geral - GPL original, em sua versão 2. Foi disponibilizada no ano de 2005 uma solução seguindo este modelo: o Sistema de Inventário Cacic (desenvolvido pela Dataprev). Trata-se da primeira entre várias outras soluções que seguem o mesmo curso de disponibilização, onde se destacam como disponibilizadores o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Educação (MEC). A ação federal, no entanto, pode ser considerada mais tímida do que a do estado do Paraná em função da quantidade de soluções. Entretanto, reforçando o que coloquei anteriormente, a atitude do Paraná fortalece indiretamente a nossa decisão em disponibilizar as nossas soluções em cima da própria GPL. Paralelamente, estamos começando uma discussão mais profunda: a materialização do conceito do software público, que consideramos um desdobramento natural e um aprofundamento da discussão do software livre, que, neste caso, percebemos alguns avanços com relação à proposta do Paraná. Graças ao software livre, nós conseguimos trazer de volta a discussão da disponibilização de softwares desenvolvidos pelo setor público. A verdade é que o conceito do software público passou por momentos cíclicos nos últimos 20 anos. Num primeiro momento tratava da colaboração entre instituições públicas. Nós sabemos que os recursos públicos são escassos. As instituições queriam evitar o mesmo gasto relacionado a uma mesma solução, vendida "n"
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vezes para diversas instituições governamentais. Nesta época se tratava somente do compartilhamento entre entes governamentais. Retornou com força no início da década atual em função do apoio do governo do Rio Grande do Sul ao Software Livre, conjugada com a percepção, acertada, de que a modalidade livre poderia influenciar na estruturação do público. Nos últimos três anos as empresas e entidades estaduais de TI retomaram o debate, e juntamente com o Ministério do Planejamento, começaram o desenho de uma proposta para o Software Público Brasileiro. Mesmo com o avanço que alcançamos com o software livre, podemos verificar que ainda persiste um embate dentro das diversas estruturas sociais. Um deles por exemplo, trata de um nível de discrepância entre a velocidade da comunidade de software livre (para desenvolver, colaborar, corrigir etc.) e a velocidade que o mundo corporativo funciona. Essas velocidades dificilmente serão as mesmas. Talvez o software público seja um elemento, que respeitando a velocidade do setor público, possibilite aos governos que possam contribuir de forma mais efetiva e dentro de suas limitações organizacionais e legais com o próprio software livre. Me parece que essa temática vai nos trazer um caloroso debate, principalmente para o ano de 2006, porque a discussão ainda se encontra num processo de amadurecimento no governo e ainda muito incipiente em outros setores da sociedade. Agora para conjugar o software livre com a questão do mundo global e da Internet, devemos considerar um tema que pode abranger estas duas questões de forma mais ampla: a Sociedade da Informação. Como representante do governo federal, me sinto muito à vontade para entrar no tema, porque o governo e a sociedade têm atuado em conjunto na discussão da Sociedade da Informação. Participei de várias reuniões para a construção da proposta brasileira da Cúpula (Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação), em Brasília, e nós percebemos uma sintonia com a sociedade muito grande. Vamos levar para o evento um documento consensuado, discutido em diversas regiões do país, com os representantes do Comitê Gestor da Internet, ativistas dos movimentos sociais e especialistas. Posso afirmar que a proposta brasileira será uma das mais consistentes e influentes na Cúpula. Agora não podemos investir neste debate sem colocar que a Internet tem uma de suas ramificações originais na estrutura militar. E nós sabemos que todo acabamento militar ainda requer muita coisa a ser feita. Basta nós entrarmos no banheiro de um barco militar... tem um aspecto rudimentar. Mas, quando surge a proposta comercial da Internet, e justamente começa a existir uma interação diferenciada com o usuário, essa tecnologia passa a ser tratada com muito mais qualidade por ambas as partes: do lado da demanda e do lado da oferta. Neste momento surgem os primeiros parâmetros que devemos considerar: a parte "rudimentar" da Internet do meio militar e acadêmico, que na verdade sustentam a Internet, não atraem muito o usuário.
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Outro ponto que devemos considerar também é a percepção de que da década de 70 para cá muda o caráter do termo "universalidade". Antes, quando alguma empresa falava em universalidade - "Isso vai ser universal, vamos dominar mercados, queremos que a nossa empresa seja a empresa dominante" -significava monopólio. Mas com o tempo a sociedade se apropriou desse termo e mudou o enfoque terminológico, tornando "universal" algo que refletisse as garantias essenciais da sociedade. Hoje, o governo precisa se preocupar em como "fazer" essa Internet - que está sendo discutida aqui, mas como sabemos este tema no Brasil é discutido por poucos. Como é que nós conseguimos trazer o conjunto da sociedade para o debate? Como se consegue fazer com que o cidadão tenha a visão de que não é só mais um pólo receptor, mas um pólo emissor, que pode trabalhar coletivamente e superar inclusive as barreiras geográficas? Isso muda o escopo não só da discussão, da comercialização tradicional, mas também dos limites impostos pelas barreiras sociais tradicionais. Para vocês terem uma idéia, a rádio na Internet hoje não tem legislação específica. Vejamos que interessante... percebam a barreira que a sociedade está superando! Para você colocar uma rádio tradicional no ar tem toda uma abrangência legal, como a discussão da Lei da Radiodifusão, das outorgas para legalização. Muitas vezes, você ainda sofre com a política local e com a política estadual. Mas o ato de colocar algo na Internet em rádio, hoje em dia, não possui legislação específica. É possível verificar que existe todo um mecanismo novo para o qual a sociedade não tinha se preparado, e que vem sendo construído à mercê dos mecanismos de controle tradicionais. E analisar o que ocorre no interior da web é um elemento muito interessante. Se pensarmos bem, a Tecnologia da Informação e Comunicação (em especial a Internet) produziu uma mudança significativa na vida das pessoas, com impacto comparável à chegada do motor a combustão, a utilização dos transportes aéreos e a energia elétrica. Sem dúvida essa tecnologia digital também causa um grande impacto quando chega. Mas ela tem um elemento diferencial - uma boa parte dessas tecnologias tem relação com o aprimoramento dos meios de produção. Então, se pensava em aumento de produtividade, em otimização de processo, em vários elementos, com um processo de distanciamento entre o meio e o cidadão (no caso o trabalhador). Sempre se colocava limites físicos e econômicos, para aquele cidadão passar a ser possivelmente um pólo produtor. Não é fácil você adquirir um meio de produção, aliás, essa sempre foi uma boa reflexão para a esfera econômica. Por isso é importante passarmos de consumidores de equipamentos para cidadãos da Sociedade da Informação. Causa impactos inimagináveis pensar que a Internet possibilita que uma pessoa acesse a informação autonomamente, ponto a ponto, onde alguém é ao mesmo tempo emissor e receptor. Possibilitar que alguém tenha a mesma capacidade de produção do que aqueles que estão numa grande estrutura.
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O retrato do Brasil é a concentração de pontos de acesso à Internet nas áreas de capacidade econômica. Em geral, a sociedade ainda tem muita dificuldade de ter acesso a essa tecnologia. Mas apesar de todas as dificuldades econômicas, o mercado está represado. Esta é uma tecnologia emergente, e se você pensar bem é óbvio que ela pode se expandir rapidamente. Lembro de um número, por exemplo, citado pelo Linus Torvalds (criador do Linux) em entrevista a uma revista. Lembraram ao Linus que o Linux (sistema operacional livre) há 10 anos era apenas "um hobby"' quando ele o desenvolveu. E ele estava brincando: "Pois é, depois de dez anos é um hobby que movimenta mais de doze bilhões de dólares". Essa resposta tem mais ou menos uns três anos. Então vocês imaginem o volume de negócios que pode ser gerado. Eu estou falando aqui de um componente livre, que não é gratuito, mas é um componente livre. Imaginem a capacidade de volume de negócios que a Internet traz. Bem, o governo tem uma preocupação muito grande quanto a isso para possibilitar justamente a universalidade do direito à informação. Na questão da TI (Tecnologia da Informação), tanto a sociedade quanto as diversas esferas de governo costumam enxergar apenas a ponta do iceberg. Por baixo dela, tem uma camada tecnológica cada vez mais inteligente: às vezes, a gente liga e alguém dá um atendimento de segundos, você consegue cruzar a informação do seu cheque com o seu cartão de crédito, você consegue fazer uma compra sair na impressora e a instituição já sabe o que você está comprando, quer dizer, essa é uma grande camada de TI que a gente vê. Por isto ela na verdade funciona como iceberg. Possui uma ponta visível que interage com uma estrutura imensa por trás. Um desafio que está posto é que o cidadão, primeiro, não consegue perceber muito essa lógica, ou seja, o que está por baixo do nível da água. Ele percebe a ponta do iceberg, mas não entende porque existe isso tudo. Mas tem um elemento que eu, como militante dessa discussão, sempre tento trazer à tona: é o fato de o cidadão não perceber a questão estratégica da tecnologia da informação. E esse é um dos nossos papéis no governo. Boa parte das pessoas com uma visão mais progressista da Internet tem trazido à tona a importância de a sociedade participar dos processos de discussão sobre a tecnologia da informação. E um dos desafios é mostrar para o cidadão não só a complexidade técnica, porque às vezes não há interesse de todos, mas principalmente como isso interfere no cotidiano e no trabalho das pessoas. Mostrar como essa informação é utilizada e como isso vira instrumento de poder. Uma das estratégias do governo é o realinhamento de serviços públicos. Há um dado muito interessante de uma pesquisa feita a partir do referendo sobre a comercialização de armas. A pesquisa mostra a importância relativa de serviços proporcionados pelo Estado e o grau de necessidade do serviço. Olha o que aparece lá no topo: evitar assaltos e outras ameaças. Esse mapeamento foi muito interessante para a gente, porque ele nos
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direciona para os serviços que o governo tem que disponibilizar ao cidadão, sem ter a visão pura e simplesmente do Estado ou do governo. Porque o governo tem aquela vocação de prestar serviços que às vezes não são demandados. E, às vezes, não oferece direito o que o cidadão precisa. O nosso desafio é conseguir conjugar para o cidadão, num grande multicanal de acesso e de possibilidades de interação com o setor público, a visualização de locais públicos e de corporação. Isso permitirá que ele veja, de modo transparente, o ministério '1', o governo estadual 'X' e o governo municipal 'Y' (figura 1). Para isso, nós já estamos atuando pesadamente. Hoje, esse padrão de "interoperabilidade" é uma norma para que os governos possam conversar entre si. E aí a conversa não é só na camada da comunicação, a conversa não é só entre aplicações, disponibilização de aplicações, não é só disponibilização de bases, mas você possibilitar que sistemas interoperem, possibilitar que esses acessos sejam transparentes, facilitar ao cidadão a visão de um ambiente de trabalho único.
Ministério 1
Ministério 2
Cidadãos
Locais Públicos
Governo Estadual X
Governo Municipal Y
Corporações
Figura 1: interoperabilidade no setor público
A "e-ping" (padrão de interoperabilidade do governo federal) foi normatizada esse ano, e um dos objetivos do governo federal é justamente conseguir fazer todos esses níveis de relacionamentos, vê-se que não é simplificado. Há ainda muitas especificações de projetos que não atendem ao e-ping e a nossa luta é conseguir facilitar isso. A gente pode pensar: "Nossa, isso é uma coisa muito técnica...". Mas eu vou dar um exemplo de como isso interfere na vida da pessoa. Volta e meia, aparece nos meios de comunicação que alguém não consegue receber programas sociais do governo, em nível municipal, estadual e federal. Ou, às vezes, aparecem pessoas que não têm necessidade e estão recebendo aquele programa social. Uma das questões por trás dessas falhas é que essas bases não conversam. O cidadão vai lá, entra num programa social do governo federal e também
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entra no programa social do governo municipal. Aí, você tem primeiro uma sobreposição. Você tem recursos que podiam ser direcionados para outras pessoas, e o que é pior: às vezes, você tem pessoas que não deveriam estar recebendo esse tipo de benefício e estão. Esse é um caso muito concreto de como uma plataforma como essa pode vir a ajudar. A nossa idéia também é fazer com que os portais do governo peguem essa "camada de integração" e deixem todos os seus níveis transparentes para a sociedade. Isso já vem acontecendo em alguns sistemas. Ao fazer um histórico do avanço da Internet, a gente percebe que houve um momento onde o que valia era a conexão - quanto mais conexão a gente colocasse, mais gente entraria na rede. Isso aconteceu muito na década de 80. Todo mundo enxergava que a solução se daria pela infra-estrutura. Num segundo momento, a discussão passou a ser dos "conteudistas". Algumas pessoas argumentavam que a Internet não era só infra-estrutura, que conteúdo era fundamental, e que era preciso fazer com que a sociedade participasse. Esse é um desafio posto até hoje. Mas, nos últimos anos, a visão tem sido mais sistêmica. A gente agora tem que pensar a Internet sob todos os pontos: infra-estrutura, conteúdo, modelo de negócios, descentralização de poder, participação da sociedade. O governo, então, está pensando num plano nacional de conectividade em banda larga. E isso também vem de uma possibilidade de integrar redes já existentes. Por exemplo, você tem a necessidade de um programa para escolas desconectadas - são 170 mil escolas e nem todas estão atendidas. Tem uma necessidade de conexão em 70 mil pontos da área de saúde, e nós temos lá em curso o programa do Infovia, que está conectando basicamente 47 pontos do governo. Nessa malha das escolas a gente tem presença em todos os municípios. Já o mapa da saúde mostra um nível de desigualdade razoável, mas se você começar a cruzar a malha da saúde com a malha da educação, dá para atingir, do ponto de vista de conectividade, quase o país inteiro. E qual a característica de conexão da infra-estrutura atual? Ela é insuficiente, há instituição ainda com modem dial-up. Nos prédios públicos, em 99,9% do tempo ativo são cerca de nove horas de queda imprevista de conexão por ano, o que é razoável. Não é baixo, mas o problema aqui não é se ela está disponível ou não. A questão aqui é quanto tempo estamos ocupando dessa banda que está disponível. Estudos governamentais mostram que essas bandas são subutilizadas. Então, por que não pensar em conectar a partir da tecnologia sem fio? Já há gestores de TI nessas instituições pensando nisso.
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Se nós conseguirmos fazer alguns níveis de conexões aproveitando apenas essa banda atual e essa capacidade de banda ociosa, nós poderemos levar as conectividades já existentes a locais mais distantes aproveitando apenas a infra-estrutura atual. Queria, agora, discutir quais são os objetivos-chave do que chamamos de Programa Nacional de Conectividade de Banda Larga. Quero dar destaque à inclusão digital. A nossa defesa neste sentido é que precisamos de uma inclusão digital ampla e irrestrita. A tentativa visa alcançar entre 2 mil e 5 mil municípios. Isso é um marco para esta Ação do governo. Estamos buscando este resultado com a aplicação do Programa Brasileiro de Inclusão Digital em curso. Ele está em discussão esse ano e traz um modelo de parceria inovadora. Essas parcerias, aliás, já têm acontecido. Em Santa Catarina, por exemplo, a empresa de processamento de dados estadual fez um convênio com o Serpro e com o Datasus, que são duas instituições federais, para poder aproveitar a banda ainda física dessas instituições, porque havia capacidade ociosa e os prédios estavam próximos. Isso já tem acontecido em alguns estados, e esses projetos têm nos dado a possibilidade de criação de uma grande rede nacional de conectividade. É preciso, principalmente, aproveitar a fibra federal existente. Se eu estou falando de escola, se estou falando de hospital, posso falar de universidade, quanto disso posso aproveitar para fazer conectividade, não só para estrutura de governo? E quando eu falo da disponibilidade, falo em disponibilidade para a sociedade, em parcerias com o Comitê Gestor da Internet. Uma questão aqui, que eu acho muito importante, é de modelos apropriados de parcerias público-privadas. Muito se fala dessa questão da parceria público-privada, e a gente tem percebido que a entrada de empresas privadas para ajudarem nesse meio pode ajudar a acelerar esse processo de inclusão. Uma empresa de telecomunicações tem interesse em fazer esse nível de conectividade, uma empresa de conteúdo tem interesse, claro. Então, por que não pensar também que esses investimentos possam ser feitos em conjunto, ajudando a acelerar esse processo? Temos a percepção de que a inclusão digital deve ser uma estratégia nacional. E aqui eu pego, por exemplo, o desenho de uma arquitetura mais física do que a gente imagina, com conexões que já acontecem via wireless. Você pode imaginar que você pode criar espaços de conectividade federais, estaduais e municipais, e partir desses espaços. Você fazer reproduções do sinal e usar as bandas ociosas para fazer conectividade para a sociedade.
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E por que o debate de software livre é tão importante? Em primeiro lugar, fala-se desse mundo da sociedade de informação, da sociedade do conhecimento. Mas eu tenho avaliado - e isso é avaliação de seis, sete anos que nós estamos num mundo em convergência (figura 2). Você imaginava falar em convergência sete anos atrás? Cheguei a ser apelidado de "marciano" por algumas pessoas do nosso meio. Mas estava percebendo o impacto que isso poderia causar na vida das pessoas, até por conta de trabalhos que vinha realizando na Dataprev, e também como militante social.
CONTEÚDO COMPUTAÇÃO VÍDEO COMUNICAÇÃO
TECNOLÓGICA
ÁUDIO ESCRITA
MÍDIAS CONHECIMENTO INFORMAÇÃO COMUNICAÇÃO
SABER
INTERNET
TECNOLOGIA DIGITAL Figura 2: mundo convergente
Essa transformação ancorada na tecnologia digital e na Internet delineou um conjunto de perspectivas de um mundo desconhecido, dada sua fragmentação começou a me chamar a atenção e passei a me perguntar para onde esse debate estava caminhando e o que significaria esse mundo em convergência, que ainda não estava dado na época. Com a evolução tecnológica, começou-se a discutir em cima de uma outra convergência que a própria tecnologia possibilitava, onde você juntava vídeo, áudio e escrita, que se chamou de "convergência de mídias". Algo que atualmente é facilmente percebido. Começamos a conviver com outro nível de convergência. Eu acho que esse é um elemento bem interessante, porque eu ainda não encontrei um termo... Como os teóricos ainda estão começando a abordar essa situação, chamei de "cruzamento de conhecimento". Nele, a comunicação não é a comunicação do ciberespaço, mas é a comunicação da interação humana, e a questão da informação, que chamei de "convergência dos saberes". O que significa isso? Qual foi o elemento que a Internet trouxe que ainda não foi mensurado pela sociedade? A Internet deu a possibilidade de fazer com que uma pessoa que não estava na linha de ensino tradicional - da instituição religiosa, do meio educacional, da família -, se conectasse na rede e criasse (ou: A Internet deu a possibilidade de uma pessoa que não estava na linha de ensino tradicional - ... - se conectar e criar...) o seu próprio processo de construção do saber.
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Um bom exemplo disso é a comunidade do software livre na Internet. Às vezes, entramos num debate e nos deparamos com jovens de 15, 16 anos, que ainda não entraram no meio acadêmico, mas que têm um nível de conhecimento que, às vezes, é assustador. Esse jovem, por auto-motivação, por busca própria, começou a se inteirar desse assunto. Esse jovem digita em qualquer buscador, procura qualquer palavra-chave, entra em qualquer página eletrônica, se informa, opina, reage, estuda. Talvez nem ele tenha percebido tal transformação. O certo é que tem preocupado muito a sociedade. Isso possibilitou o que a gente pode chamar de "conhecimento instantâneo" - embora seja um absurdo, os teóricos vão me "puxar a orelha" -, mas você imaginar a Internet possibilitando esse nível de discussão é incrível. Isso acontece por causa da tecnologia digital. E aí, olhando esse modelo, comecei a perceber uma coisa que é muito perigosa para a sociedade. Eu adequei a teoria de conjunto - por isso que eu usei os balõezinhos, quem estudou matemática sabe como eles funcionam -, e é só você imaginar que se você domina qualquer um desses núcleos, ou subnúcleos, como esse mundo está em convergência, você pode dominar qualquer outro mundo. Por isso que esse mundo está em disputa. Ele está em disputa por segmentos da mídia, ele está em disputa por segmentos de comunicação, ele está em disputa pelos segmentos que geram conhecimentos. Por que a discussão do patenteamento, por exemplo, é uma discussão tão latente? Porque se você domina, por exemplo, só a célula do saber, só a subcélula que está dentro do conhecimento, que é o conhecimento em aplicação - eu não estou nem falando do conhecimento puro, do conhecimento em processo -, você pode dominar todos os outros segmentos. Por isso é que essa discussão não está dada. Eu trouxe para encerrar um caso muito claro. Vamos pegar computação e vídeo. Olha como eu posso dominar, por exemplo, a partir da computação. Na computação eu tenho o quê? Tenho periféricos, tenho software, hardware... O que significava software em 100% das estações com a Microsoft? Vamos pensar bem. Apesar de toda a benevolência da Microsoft, hoje em dia, quando você cadastra o XP, você vai para três locais. Um é a chave fornecida pela Microsoft. O segundo é uma central de atendimento fornecido pela Microsoft, e o terceiro é na Internet, pela Microsoft. Isso pode significar que ela tem um rastreamento mundial de todas as pessoas que estão usando o software dela. Isso é completamente possível. Mas não é só isso que é danoso. Ela pode saber quando você está comprando um DVD e acoplando à sua máquina. E se ela tiver essa projeção em escala mundial, sabe o que ela vai fazer? Ela vai comprar ação de DVD. Isso é um colapso no sistema capitalista. Não estou falando aqui de socialismo, comunismo, anarquismo. Viva a Internet! Estou falando no colapso no sistema central. Porque ela consegue, através de um elemento - ela não está preocupada com o hardware, ela não está preocupada com a conexão, pois tem o domínio através do software e está presente em todas as bases -, mas eu posso pensar que o
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domínio pode sair do vídeo. "O hardware eu dou para vocês, o software eu também dou para vocês, mas o formato é meu. Vocês querem usar meu formato? Me paguem". Olha só que interessante eu não desenvolvo tecnologias, mas sim padrões. O formato é aquele que faz com que o computador, por exemplo, leia o vídeo que você produziu. Então, às vezes não adianta nada você produzir o vídeo, você disponibilizar o vídeo, quando a empresa que detém um formato, que detém o software ou que vai disponibilizar a banda, diz para você o seguinte: "Vocês vão fazer vídeo, vão produzir vídeo, quer dizer, o conhecimento, a comunicação está livre, eu deixo a comunicação livre, todo mundo aqui se comunica". Mas e se ela disser que, para disponibilizar, você vai ter que usar o seu formato, e para usar o seu formato, vai ter que pagar para ela? Imaginem quando estiver em negociação o satélite. Quanto nós vamos pagar para usar o satélite? O desafio está posto. É preciso saber como a gente vai inserir a discussão da sociedade na questão da tecnologia. E em especial na Tecnologia da Informação. Porque se a sociedade não percebeu o que está em jogo, se a sociedade não entrar nessa discussão, os meios de dominação, que são subjetivos, não vão ter qualquer controle social no futuro. E essa é uma grande diferença. Quando você faz um muro, quando você faz uma ocupação territorial, quando você manda arma, você manda aviões, isso todo mundo vê. Agora, quando você faz o domínio subjetivo, a dificuldade de nós percebermos o que está acontecendo é muito maior. E se você juntar quem domina os domínios e quem tem esse poder da lógica da Internet, com quem está querendo dominar o conhecimento dessa lógica, nós podemos perceber muito bem que o jogo de poder está cada vez mais dado na tecnologia da informação.
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Palestra 4 BNegão Compositor e rapper, cuja banda disponibilizou seu cd inteiramente na internet pelo sistema copyleft. Eu normalmente venho nessas palestras e debates para aprender, não tenho muita ligação com computador e com essas coisas, sou meio leso nessa história. Mas a ideologia de compartilhar as obras com todos é uma coisa que me acompanha há muito tempo, então entrei nessa de peito aberto justamente por acreditar na idéia. Uns cinco anos atrás, ainda antes do Creative Commons, eu estava conversando sobre isso com um amigo que tem a ver com o Centro de Mídia Independente - um site com várias coisas que não passam nos jornais de rede -, e ele me falou: "Pô, cara! Tem uma lei agora, regulamentada juridicamente, o Copyleft, que você pode usar para disponibilizar as suas obras. Pode fazer as coisas e as pessoas vão ter acesso a isso, não vão ficar restritas ao sistema louco que existe agora". Hoje, num país de Terceiro Mundo que nem o Brasil, você tá com um CD que é vendido a R$ 30 na promoção, enquanto o salário mínimo é R$ 300, é tipo 10% de seu salário para pagar um CD. Isso é um absurdo! Em qualquer lugar do mundo, se for botar o preço nessa proporção, vai dar quebra-quebra. E daí eu falei: "Bom, a coisa é meter bronca mesmo". Então, botei lá sem saber o que ia acontecer. Não tinha ainda pesquisa, nenhum parâmetro, nada sobre no que ia dar isso. Lancei o disco pela revista Outracoisa, do Lobão, no final de novembro de 2003. Em dezembro, por acreditar nisso, já botei ele nesse site de mídia independente; tem um link para ele lá no site da gente, no www.bnegao.com.br. O resultado que teve, o surpreendente da parada, foi que o disco - depois que foi lançado nas bancas e distribuído nas lojas pela Tratore, a maior distribuidora independente que tem no Brasil -, dois anos depois disso, está entre os 20 mais vendidos da Tratore. Mesmo estando disponível no site da gente, com as letras inteiras, todo o disco inteiro, você pode baixar tudo, a gente disponibilizou para fins não comerciais, tipo em larga escala. E ele continua como um dos mais vendidos. E teve algumas situações quase inacreditáveis. Ele foi lançado como independente por opção. A gente tinha proposta de gravadora e tal, mas como eu já estava trabalhando em gravadora grande há um bom tempo, junto com Planet Hemp, e o Planet foi uma banda grande, vendeu um milhão de discos e tal, vi aquela parada toda, várias coisas que me incomodavam, tipo essas amarras, essa camisa-de-força, tanto da gravadora quanto da editora.
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Eu não tenho editado mais minhas paradas, minhas obras, tem que ser tudo direto. Tipo você faz uma música, bota lá na editora, e daí um cara faz um filme que você leva fé: "Pô, esse filme tem tudo a ver com minha música". Aí acredito na parada e vou lá, peço autorização para a editora. Os caras vêm e cobram R$ 5 mil para autorizar a música pro filme, que obviamente não vai pagar. Nem gastaram isso para fazer o filme inteiro, e nego fica nessa loucura. Depois de várias situações deste tipo, resolvi não mais editar música e resolvi lançar independente por isso. A gente lançou no final de 2003. E essa parada dessa licença acabou sendo uma progressão dessa história. O que aconteceu? A gente, por essa parada de Internet, só por isso (porque não tem outro sentido), a gente começou a receber convites desde o ano passado, em 2004. A gente foi convidado para tocar, para fazer a primeira microturnê da gente na Europa, em Portugal e na Espanha. Em Portugal, eu já tinha ido com o Planet; já sabia, mais ou menos, o que esperar.Tocamos num lugar em que cabiam 300 pessoas e lá estavam essas 300 cabeças. A surpresa veio na Espanha. Eu nunca havia pisado naquele país, apesar de sempre ter tido uma identificação com ele. Fomos a última atração convidada para o festival "Brasil no Ar", um evento sobre a música brasileira moderna. Esse festival aconteceu no La Paloma, uma casa clássica, centenária, em que cabem duas mil pessoas. A gente pensou: "Bom, não vai dar ninguém, mas vai ser um clássico, vai ser uma viagem maneira tocar pra dez pessoas, beleza. Mas vai ser do caramba conhecer Barcelona". E daí a gente chegou lá, e foi uma loucura. Quando a gente tava para subir no palco, o organizador do show falou: "Pode parar, que a fila está dando volta no quarteirão". A gente falou: "Deve ter algum problema, cara. Vai ter alguém depois da gente?". O cara: "Não". "Botaram o ingresso de graça?". O cara: "Não". "Que diabo deve ser esse negócio?". Eu não fazia idéia. Então, era para ver a gente mesmo! Eu pensei: "Vai dar merda! Vai ter uma chuva para dispersar, vai acontecer alguma coisa". E daí, não. Foi o maior show, e na casa cabiam duas mil pessoas e deu 1.875 pagantes. O resto foi de convidados e lotou a parada. Foi uma loucura, o show foi um clássico, tivemos que dar dois bis e o caramba. Esse show repercutiu muito, em muitos lugares da Europa. Depois disso, a gente tocou mais duas vezes em Barcelona. E lá já dá para ser vereador; passo na rua e tem gente que me reconhece e fica: "BNegon! BNegon!". Resultado: voltamos ao Brasil e fomos convidados para cantar num festival da Alemanha. Lá fomos nós de novo: Portugal, Inglaterra, Barcelona, num teatro grande, o Apollo... Esse festival, Womex Festival, na Alemanha, tinha a gente e Seu Jorge, do Brasil. Na Inglaterra tocamos num squat, e foi a mesma loucura... Lá eu já tinha tocado com o Planet uma vez, num lugar legal, o Fórum... O squat ocupado, tipo um centro cultural e com um som bonzão, inacreditável! Deu mil pessoas na parada; e nego sabendo as músicas! Eu ficava sempre espantado com a situação. Eu dizia: "Pô, tem alguma coisa esquisita". Depois é que caiu a ficha: "Pô, essa coisa de Internet funciona mesmo...".
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Esse festival da Alemanha era mais ligado à world music e tal... A galera da world music achou a gente muito pesado, mas a galera do rock gostou. Então fomos convidados para tocar no Roskilde Festival, na Dinamarca, um dos dez maiores festivais do mundo, onde já tocou Bob Marley. Só esse ano teve Brian Wilson, Black Sabbath com Ozzy (Osbourn) e tudo, foi lindo esse show, tocamos lá, com um cachê monstruoso, que nunca tínhamos visto na vida. Na seqüência fomos chamados para o festival da Alemanha e o produtor viu, gostou, e a gente esse ano tocou lá, em uma turnê maior. Tocamos na França pela primeira vez, e demais lugares de novo, na Inglaterra, no Marquée, um lugar que já teve show de Jimmy Hendrix e vários shows clássicos; tocamos em Barcelona de novo, Portugal e tal. Estou nessa ideologicamente, e entrei sem esperar nada. Eu não sabia no que ia dar, se ia prejudicar a venda do disco ou não. Mas eu acredito realmente que quanto mais pessoas tiverem acesso a essa história, melhor pra todo mundo, melhor pro mundo. Não é só tipo nego me conhecer, conhecer a música. É uma coisa que é boa pra todo mundo mesmo, quanto mais do jeito que hoje está o mundo, essa loucura toda, nego cada vez mais restrito, e esse radicalismo que está sendo posto a ferro e fogo. Do jeito que nego está viajando e processando a molecada que baixa música, começando essa zoeira toda, muita ganância... E nego que tem milhões preocupado com centavos, ou, sei lá, nego que tem bilhões preocupado com um milhão, e falando que está sendo assaltado. Eu acho um absurdo da tal indústria cultural essa história de você ter que pagar trinta contos em um CD. Daí, se você compra um CD pirata num país onde todo mundo tá ferrado, duro, tá sendo considerado um criminoso. Você, que tá comprando o CD pirata porque está querendo ouvir música! O cara que botou o CD, que custa uns R$ 5, no máximo, a trinta contos... Ele é considerado um cara maneiro, o bonzinho da história. Você é o criminoso da parada, porque está comprando um disco. Quem gosta de música é você, não é o cara que bota o disco a trinta contos, só que o criminoso é você. E essa parada é uma coisa que me deixa bolado faz tempo. E eu estou nessa, basicamente, por isso. Ando sempre bastante ligado a essas discussões de software livre e de conteúdo compartilhado na Internet. Amanhã vou estar na Leopoldina (no Rio de Janeiro), fazendo um som com a galera, e falando mais sobre isso. Na sexta-feira, em Brasília também, e por aí vai. É isso aí. A minha parada é bem simples e direta, é mostrar que na prática a coisa funciona. Tem outra coisa também que rolou e que foi engraçada. Nesse meio tempo, em 2003, a indústria fonográfica fez uma pesquisa para criminalizar, para ser o golpe clássico para finalizar essa história de "como o download prejudica os artistas".
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E daí os caras fizeram essa pesquisa monstruosa, e o resultado é tipo as pesquisas e experiências da Monsanto: quando o rato fica com três cabeças, o cara não divulga e fica o ratinho de três cabeças lá no cantinho dele, neguinho não fica sabendo... O que saiu da pesquisa foram os cinco discos mais baixados na Internet - nessa época, não tinha muito essa parada de download permitido, pago e não sei o quê; não existia muito, tava começando... Daí que os cinco mais baixados foram também os discos que mais venderam... Eu já discuti diversas vezes isso... Tipo gente que mora no Maranhão e reclama que lá não chegou o disco... E eu falo pra baixar, que tem no site. Mas o cara diz assim: "Não, não vou baixar; eu não sou desses!". E eu digo: "Não, cara, baixa aí o disco, ele tá aí pra baixar!", "Não, eu quero comprar". Tipo loucura total. Já aconteceu isso várias vezes, de eu discutir com as pessoas para elas baixarem o disco, e a pessoa estar vestindo aquela camisa, achando que ela que vai ser criminosa se fizer isso. Bom, o resultado disso tudo é que as coisas estão andando lindamente. E tem essa parada, com essa política toda, de 100% das músicas que se ouve em rádio grande serem músicas que são pagas para serem tocadas ali. E quando você está nessa parada independente, você está fora desse esquema e não vai chegar ali mesmo, você vai ficar ali no seu subterrâneo. Essa história da Internet dá uma micro-equilibrada, um pouquinho para o lado que está nessa 100% pela música, que quer viver disso, mas que não precisa fazer esse clube de 20 pessoas/bandas massacrando o ouvido da população, tocando na rádio a mesma música eternamente. Com toda essa parada do Copyleft, do Creative Commons, de você compartilhar as músicas, isso é bom para todo mundo: bom para quem está ouvindo, bom para quem está fazendo a música... A coisa não interfere nas vendas. Se interferisse eu ia continuar nessa, mas a parada realmente não interfere, melhora a situação de você fazer show... Você cria mais público e consegue sobreviver nessa loucura toda que está a indústria cultural hoje, que é a história toda de travar o caminho.Você não tem idéia do que acontece se você ficar só na rádio... Eu não ouço rádio há anos; o único programa que ouço na rádio é do Mauricio Valadares, que é um mestre. Anos atrás, o cara já estava lançando as paradas que nego faz hoje em dia. Ele tem um programa às segundas, meia-noite, numa rádio comercial, a Rádio Cidade, e toca todas as paradas. Fora disso é difícil. Então é uma pena para a população em geral que não tem acesso à Internet, e depende do rádio, depende da televisão, nego fica vetado da maioria das melhores coisas que estão acontecendo no Brasil. Nação Zumbi, pra mim a melhor banda do Brasil, não toca na rádio! Os caras dizem que não tem qualidade suficiente. Qualidade suficiente? E daí fica essa loucura toda e a gente vai dançando a dança, que nem um patinho.
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Propriedade Intelectual Cultura e Comunicação
Caio Mariano é consultor jurídico do Ministério da Cultura, advogado da área de direitos autorais e propriedade intelectual, além de membro do grupo Coletivo Sociedade Secreta Re:Combo e sócio da Kaminski, Cerdeira e Pesserl Advogados.
Caio Mariano Vou falar um pouquinho sobre a minha experiência como produtor e ativista relacionado à propriedade intelectual do Re:Combo, e como consultor jurídico do Ministério da Cultura. Não sei se vocês conhecem o Re:Combo, um coletivo de arte que nasceu em Recife e hoje está no Brasil todo e em alguns lugares do mundo. Normalmente as pessoas me perguntam o que é o Re:Combo e o que ele faz. Até hoje eu não sei. O Re:Combo não tem definição. A definição que mais se aproxima dele é a de um coletivo de arte. O Re:Combo é um trabalho de produção cultural livre, um grupo que produz de uma forma colaborativa e descentralizada. Acho que foram Carlos Affonso e Ronaldo Lemos que vieram com a definição, que para mim cai perfeitamente, de que o Re:Combo é uma "sociedade secreta". Uma "sociedade secreta" sem rostos definidos, e com vários rostos pensando a mesma coisa. O Re:Combo começou suas atividades em Recife, cerca de três anos atrás, como uma grande brincadeira. Algumas pessoas que mexiam com software, tecnologia, música e conteúdo queriam voltar a fazer arte para se divertir. Só que essas pessoas não tinham tempo e tinham um sério problema de preguiça para se reunir e para produzir in loco e ao vivo, como tradicionalmente se produz conteúdo. As pessoas queriam fazer música, só que não tinham saco de ir para o estúdio no fim de semana carregando amplificador, case, guitarra, cabo pra caramba, para depois se reunir, tocar três horas, desmontar tudo e voltar pra casa, para no outro fim de semana fazer tudo aquilo de novo. E como essas pessoas produziam colaborativamente? Como produziam as músicas, os filmes, os textos e as performances? Elas ficavam em casa, mandavam um e-mail para os outros com uma base de guitarra, um sample de baixo, alguma coisa assim. Os outros recebiam o e-mail, que era um arquivo digital sonoro, e, num editor de áudio simples, caseiro, que você acha em qualquer site especializado em áudio, ficavam montando as músicas e criando a partir daquele arquivo recebido. Por exemplo, um mandava uma linha de baixo, outro chegava lá e adicionava um bit de bateria e mandava de volta, e falava: "Vê aí se ficou bom". O outro respondia: "Manda pra fulano que ele vai botar uma guitarra".
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Então, as pessoas começaram a produzir de forma despretensiosa e descentralizada, colaborativamente. Porque muitas vezes elas não se encontravam, nem se falavam por telefone, e estavam fazendo música sem nem ao menos se conhecerem pessoalmente. Aí viram que era bacana a experiência, não levava muito tempo, você podia ficar em casa trancado, de short e camiseta, e estar produzindo conteúdo intelectual com a possibilidade de ecoá-lo globalmente. Assim, começaram a chamar outros amigos que mexiam com informática e com produção artística para participar do projeto e para colaborar no projeto de criação das obras do grupo. Essa brincadeira foi crescendo, até ter perto de 60 pessoas produzindo não só música, como filme, fotografia, videoclipe, textos, ensaios e artigos no Brasil inteiro. E começou-se a discutir a questão da propriedade intelectual. De quem são essas obras? Como a gente vai definir a autoria das criações do grupo, já que muitas vezes não se sabe quem interferiu ali, quem foi que mexeu, quem foi que acrescentou algo, naquela lógica desordenada de produção do grupo. E eu, como advogado e como produtor musical - também brinco lá com as minhas coisinhas, com computadorzinho caseiro e tal -, já estava trabalhando com direito autoral, já estava estudando essas questões relacionadas à propriedade intelectual no âmbito da Internet, no âmbito da difusão disseminada de conteúdo e no âmbito de produção cultural livre. E começamos a pensar em como definir essas questões de autoria e de remuneração para os autores pelo seu trabalho dentro do grupo. Chegou uma época em que a gente tinha um certo medo da "síndrome de Alexandre Pires", que era uma figura representativa para o grupo. Começou-se a produzir sambas - muito bons por sinal, vocês podem baixar no site do grupo lá, que é o www.recombo.art.br. E a gente ficou pensando: "Pô, e se o Alexandre Pires pega a minha base, e um dia eu ligo a TV, no Faustão no domingo, e tá lá o Alexandre Pires cantando o Dragão Chinês (que eu acho que era o maior hit na época, totalmente alucinado e engraçado... )?". E criou-se a "síndrome de Alexandre Pires" dentro do grupo, onde ninguém sabia como regular a questão da propriedade intelectual e como ter um controle do uso dessas obras por terceiros. Como é que a gente vai controlar isso, já que tudo que a gente faz e produz, a gente coloca em nosso site para quem quiser se apropriar e remixar, a gente incentiva as pessoas a pensarem dessa forma, que é uma forma de pensar a criação intelectual não como 'propriedade' - algo concebido pelo homem como um conjunto de regras que criam monopólio exclusivo do autor sobre a sua criação. A gente pensava na criação como algo passível de se utilizar de uma forma generosa, e aí o grupo começou a pensar no conceito de 'generosidade intelectual' em contraponto ao conceito da 'propriedade intelectual'. Generosidade intelectual, o que isso significa? Generosidade intelectual é uma prática muito antiga do homem, está no DNA do homem ser criativo, e está no DNA do homem ser colaborativo. O homem não inventou a roda sozinho, o homem não aprendeu a caçar sozinho, o homem não produz conteúdo intelectual, de forma acabada, sozinho. Então, a forma de produção colaborativa do homem talvez exista há milhares de
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anos. Mas só que esse conceito de generosidade intelectual, de você pensar as obras intelectuais enquanto algo que não seja exclusivamente de propriedade do autor, está entrando em voga agora, sobretudo depois do aparecimento do software livre e da difusão da produção colaborativa e da gestão compartilhada de direitos autorais. Depois da síndrome de Alexandre Pires, a gente pensou: "O que é que a gente vai fazer???". Havia alguns fatores que, apesar de ajudarem no fluxo de comunicação e de produção, também representavam obstáculos para a solução de um problema como esse. Por exemplo, toda a forma de comunicação do grupo é em rede. A gente utiliza, por exemplo, uma lista de e-mails, uma lista simples, acessível a qualquer um, para trocar conteúdo e definir as formas de atuação e estratégias do grupo. Tudo de uma forma muito democrática, colaborativa, não tem um líder, não tem um cacique, não tem nada disso dentro do Re:Combo. E aí ficou definido que faríamos uma licença de uso através da qual a gente disporia de todos os aspectos patrimoniais e dos direitos autorais sobre as obras, além de permitir que as pessoas usem esse conteúdo como bem quiserem. Hoje você pode pegar uma música do Re:Combo e fazer o que você quiser, inclusive utilizar com finalidades comerciais. A gente pensava e pensa muito dessa forma. E a gente criou uma licença que é uma forma de instrumentalizar isso juridicamente e garantir que essa cadeia de produção livre dentro do grupo mantenha-se aberta e freqüente, para evitar que o Alexandre Pires pegasse nossa música e dissesse que era dele. A gente lançou, em meados de 2004, uma licença de uso livre das obras do grupo, o Lucr - Licença de Uso Completo Re:Combo -, que é um trocadilho com o "lucre", na base do faça você mesmo, tenha acesso, explore comercialmente, refaça, recombine, remix e se divirta, acima de tudo. Isso causou uma repercussão bem interessante, não só no meio de produção de conteúdo, como no meio jurídico. Inclusive fomos surpreendidos, no ano passado, com o Creative Commons, que homenageou o grupo com a licença internacional de sampling, a primeira de sampling de obras intelectuais do mundo, que é a 'Licença Re:Combo', batizada internacionalmente com o nome do grupo. E foi aí que aconteceu a história toda. O grupo continua produzindo e vocês devem estar se perguntando: "Como esses malucos ganham dinheiro e como fazem para sobreviver? Como é que eles fazem disso um modelo de produção intelectual viável e sustentável dentro da vida deles?" Em primeiro lugar, o grupo tem gente que vive disso e gente que não vive. Tem advogados, como é meu caso, e tem professores, artistas plásticos, músicos etc..
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Em segundo lugar, o modelo de exploração comercial do Re:Combo, apesar de ele permitir que qualquer um vá lá no site, prense os CDs e os venda como bem queira, é um modelo alternativo e viável. Por exemplo, hoje em dia a gente recebe milhares de convites para participar de exposições, feiras e projetos de arte digital que são remunerados e a gente ganha por isso. Também não há uma restrição quanto ao uso do acervo do Re:Combo. Você só precisa estar de acordo com as regras e com o conceito de generosidade intelectual. Qualquer um pode entrar no site, se inscrever e começar a participar das discussões e a colaborar com isso, sendo efetivamente um membro do grupo. Por exemplo, qualquer um pode chegar, juntar três malucos aqui, fazer um show do Re:Combo, pegar umas bases, botar um computador, lançar e ele cantar em cima, e a gente pode cobrar ingresso por isso. Nada impede que a gente ganhe dinheiro com essa história, tem todo um modelo paralelo de negócio que não impede que a gente ganhe grana, e torne isso viável, que não seja na venda de suporte, de estar prensando CD e de estar vendendo, como é o modelo clássico da indústria hoje em dia. Recentemente, uma distribuidora de discos em São Paulo procurou a gente e falou que queria lançar um disco do Re:Combo. E perguntou o que precisava fazer para isso. A gente falou: "Vai lá! Siga em frente! As músicas estão lá no site, estão todas autorizadas. Você chega lá, baixa, pega a licença, imprime e vai numa prensa de disco, manda prensar e vende". Mas o cara não acreditou: "Como assim? Mas tem que ter um contrato!!". Nós dissemos que não, era só pegar lá e mandar brasa! O modelo de produção e de distribuição de conteúdo do Re:Combo foge desse modelo exclusivo, amarrado e engessado da indústria, porque se a gente fosse pensar como o modelo de distribuição de conteúdo que a indústria impõe até hoje, embora esteja mais flexível, estaria completamente fadado ao gelo, e a não poder distribuir nossas obras. Por isso nós temos essa preocupação com a propriedade intelectual também. A gente não usa obra de terceiros, todo o conteúdo utilizado e distribuído pelo grupo é um conteúdo livre, "puro", no sentido de que é da autoria do próprio grupo. O grupo não se apropria do que é de terceiros para estar remixando e refazendo, salvo por autorização, mas autoriza tudo o que seja produzido pelo grupo a ser apropriado por quem quer que seja, desde que se coadune com a generosidade intelectual e respeite a nossa licença de uso. Essa história do disco vai sair agora, o pessoal vai prensar dois discos. Nosso sonho é que duas gravadoras lancem ao mesmo tempo, seria muito interessante, porque como não há regime de distribuição exclusiva, não tem exclusividade para ninguém, qualquer um pode chegar lá e prensar e gravar. E está perto dessa história de duas gravadoras lançarem, o que seria interessante do ponto de vista de mercadológico, já que isso nunca aconteceu. Não sei se nós vamos ganhar dinheiro vendendo disco, mas que vai ser interessante para dar uma chacoalhada na indústria vai.
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Agora eu vou passar para a segunda parte da minha apresentação, que tem muito a ver com isso, com o conceito de generosidade intelectual, e com a aplicação desse conceito na produção cultural do projeto Pontos de Cultura, que estou coordenando juridicamente e que é do Ministério da Cultura. O projeto Pontos de Cultura é desenvolvido pelo Núcleo de Cultura Digital, do Ministério da Cultura, com base nesse conceito de generosidade intelectual e visa fazer "mini-Re:Combos" no Brasil inteiro e em alguns lugares do mundo. O governo está incentivando uma série de comunidades locais a se tornarem Pontos de Cultura e esses pontos vão ter, durante um tempo, um incentivo financeiro. Vão ter também um incentivo material, recebendo equipamentos para produzirem cultura, produzirem obras intelectuais nesse formato livre e aberto e de forma compartilhada. A idéia é que esses pontos se comuniquem, pela rede, com integrantes do Re:Combo. Eles vão fazer uma analogia com aquele iniciozinho que eu falei lá. Cada um é um Re:Combo. Eles trocam informações, toda a produção é licenciada como livre, as pessoas autorizam o seu uso, autorizam que outras pessoas reutilizem as suas criações e, a partir daí, formem uma cadeia de conteúdo muito maior e multipliquem o conhecimento produzido dentro dos pontos. É um trabalho muito interessante no qual eu atuo tanto na parte consultiva, estratégica, quanto na parte de campo. Há pouco tempo eu saí de casa com uma mala nas costas para viajar por uns 45 dias conversando de perto com os pontos nas diversas regiões do Brasil. O interessante é que nesse trabalho de campo temos tido uma experiência muito bacana com diversas pessoas. Elas têm acrescentado muito do ponto de vista da produção e do pensar a criação sem o conceito de propriedade intelectual. Então é um trabalho que você chega e tem um retorno surpreendente em cada uma das localidades pelas quais você passa. Eu fui para Teresina outro dia conversar numa comunidade hip hop que é incrível. No movimento organizado do hip hop brasileiro às vezes as pessoas te ensinam muito mais do que você a elas. A experiência é de duas vias. Todo mundo saca o que é a generosidade intelectual, todo mundo pratica isso, mas ninguém saca quais são os pormenores e os poréns de você aplicar a generosidade intelectual sem entender o que é a propriedade intelectual. A propriedade intelectual está hoje tão engessada que se o autor - que é aquele cara que cria e a quem cabe ser generoso -não autorizar o seu uso, o uso do que ele produziu, para que terceiros estejam utilizando aquilo, você vai continuar no regime da propriedade intelectual. Então você começa um papo com a molecada, explica com exemplos muito práticos, eu tenho esse exemplo do Re:Combo e tenho legitimidade para isso, e é muito claro para as pessoas entenderem como criar através da rede, entenderem que essa é uma ferramenta democrática de produção e de distribuição de conteúdo, e saberem como compartilhar isso sem causar problemas para terceiros.
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Falo sobre propriedade intelectual, contextualizo o histórico da propriedade intelectual, explico como isso começou e como o homem se apropriou da criação humana como um bem material para ser explorado economicamente e como esse bem ficou restrito, em nome de um monopólio do autor sobre a sua criação, à circulação de conteúdo. A partir daí, parto para o licenciamento prático, que significa como você pode autorizar o uso de sua obra por terceiros. Ao longo de dois meses estarei viajando pelo Brasil mostrando esse projeto e tentando mudar um pouquinho a cabeça dos autores. Mudar não, apertar um botãozinho que está lá meio dormente. Mas eu creio que quando esse botão for apertado no sentido de que o conteúdo que se produz possa ser compartilhado - e há uma segurança não só jurídica, mas de modelos de negócios variados viáveis para esse tipo de produção colaborativa e livre -, as pessoas começarão a despertar. De uma maneira muito lenta ainda, elas já começaram a despertar em relação a essas possibilidades. E muitas já buscam informações sobre o tema. Algumas pessoas me perguntam, por exemplo, como é possível usar o nosso material. Eu sempre respondo que elas podem usar como quiserem, desde que mantenham a autoria, ou co-autoria, em certos casos. Se vão usar para fazer a trilha de um vídeo, por exemplo, devem dar o crédito ao grupo referente à obra que foi utilizada. E explico que não há limitação para uso comercial, cada um pode fazer o que bem quiser. Tem um banco de samples lá no site, que é o www.recombo.art.br. Cada um pode acessar e usar o conteúdo segundo as condições estabelecidas. Agora, é interessante que essa cadeia seja mantida aberta. É preciso informar que aqueles fonogramas são livres também, que as pessoas que têm acesso aquela obra podem utilizar a sua trilha sonora, e explicar que se usou um trecho da música do Re:Combo, para manter a venalidade da história. Não precisa pedir autorização. Basta dar o crédito e informar que outras pessoas podem utilizar isso para qualquer finalidade. Mas tem uma restrição que é interessante falar. A licença Re:Combo tem uma única restrição. Você não pode usar as obras do grupo para finalidades políticas, de agremiações esportivas ou de cunho racista, nem envolvendo sexo. Aí você tem que pedir autorização ao grupo. Porque é difícil você ver um político safado usando aquilo de trilha sonora. A restrição se resume a esses quatro usos aí. O interessante nisso é a questão do licenciamento. É importante ficar claro que só o autor pode licenciar. Você não pode licenciar coisas que não são suas. O software livre é um exemplo dessa criação colaborativa. O Creative Commons é como se fosse um gênero da aplicação desses princípios de produção colaborativa, de licenciamento, não na área de software, mas na área de cultura - livros, arte, cinema, música etc. E não existem só essas licenças livres do Creative Commons. A licença nada mais é do que um contrato, através do qual o autor expõe e defende os usos permitidos de suas obras, é um contrato através do qual ele fala 'pode', desde que sejam respeitadas tais e tais condições.
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O interessante do Creative Commons é o aspecto global das licenças. Qualquer pessoa onde o projeto exista no mundo e que tenha acesso à obra licenciada por uma licença do Creative Commons, automaticamente vai saber o que pode e o que não pode fazer com aquela obra. Isso facilita muito a vida de quem quer usar obras de terceiros. Posso citar como exemplo um case da Fundação Getúlio Vargas no qual tive o prazer de trabalhar como advogado e consultor jurídico, que foi o caso do Marcelo Tas e de seu personagem, o 'repórter' Ernesto Varela. Tas é um dos exemplos, assim como o BNegão, de alguém que não agüenta mais gente ligando para ele pedindo autorização para usar a obra do Ernesto Varela. Ele tinha contratado uma secretária só para atender o telefone, para responder se autorizava ou não. Até que procurou o pessoal da Fundação Getúlio Vargas, o Ronaldo Lemos e o Carlos Affonso, e pediu essa orientação a eles. Aí eu licenciei pelo Creative Commons. Todo mundo agora que tiver contato com o acervo audiovisual de Ernesto Varela vai saber as condições de uso e de exibição daquelas obras, e assim vai automaticamente utilizá-las de acordo com o que estiver permitido.
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Carlos Afonso é Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenador adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) e Professor de direito Civil da FGV DIREITO RIO. É também professor da PUC- Rio e dos cursos de pós-graduação lato sensu da UERJ e membro da Comissão de Direito do Autor e Entretenimento da OAB - RJ.
Carlos Afonso Coube a mim tratar dos problemas, das restrições que o direito autoral pode representar para a difusão da manifestação cultural. Coube a mim abordar temas que mostram como a legislação, quando aplicada com todo o seu rigor, ao invés de incentivar a produção autoral, eventualmente termina por fazer justamente o oposto. O objetivo dessa exposição, portanto, é identificar os principais pontos da legislação autoral e avaliar como ela gera efeitos na disponibilização de obras. Começamos com uma pergunta: Para que serve o direito autoral? Qual é o fundamento último que torna o debate sobre propriedade intelectual tão relevante para todos nós? O direito autoral é o campo do estudo do Direito voltado para as criações intelectuais, criações do espírito humano, com o viés essencialmente estético/cultural. E para que o Direito procurou regulamentar a criação dessas obras? O Direito tutela a criação intelectual do autor porque esse mesmo autor necessita de estímulo e proteção. Essas duas palavras andam juntas: na medida em que o autor se sente protegido com relação ao regime aplicável à sua criação, ele é estimulado, incentivado a continuar a criar. O estímulo à criação contínua é o fundamento do direito autoral. Esse estímulo surge de todo um sistema de proteção previsto na lei. E como é que se dá essa proteção? Quando falamos em proteção, a primeira imagem que vem à tona é a idéia de remuneração, isto é, o autor recebe da lei a possibilidade de cobrar pela maior parte de utilizações que venham a ser empregadas sobre sua obra. Mas falar em proteção é algo um pouco mais abrangente do que simplesmente a possibilidade de o autor receber pela execução de sua música, por exemplo. A forma pela qual o Direito protege o autor é através da concessão de uma exclusividade sobre as formas de utilização da obra. O direito autoral é a forma pela qual o Direito incentiva os autores a continuar a criar, e faz isso através da concessão de uma exclusividade que é dada a esse autor.
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Se vivêssemos num estado de natureza, no qual qualquer pessoa pudesse reclamar a paternidade de toda e qualquer obra, qual seria o incentivo que a pessoa teria para criar? Esse é o raciocínio feito pelo sistema de proteção ao autor. Ao mesmo tempo, é garantido um prazo no qual apenas o autor decide como explorar a sua obra. Ele possui exclusividade para decidir se divulga a sua obra, se a deixa na gaveta, se lê em voz alta no meio da praça, ou se leva para uma editora ou gravadora, ou mesmo se a disponibiliza gratuitamente para download na Internet. E como é que o autor faz tudo isso? Através da exclusividade que lhe é concedida. E de onde provém essa exclusividade? Da lei de direitos autorais, Lei nº 9.610/98, mais especificamente, dos artigos 28 e 29. O artigo 28 traz a definição exata dessa exclusividade sobre a qual estamos falando. Diz o artigo: "Cabe ao autor o direito exclusivo de usar, fruir e dispor da obra literária, artística e cientifica". E o que significa, na prática, essa exclusividade? O artigo 29, logo a seguir, traz as respostas. Diz o artigo 29: "Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a reprodução, parcial ou integral; a edição; a adaptação, o arranjo musical e quaisquer transformações; a tradução; a inclusão em fonograma ou produção audiovisual, a distribuição; (...) além de quaisquer modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas". Não é preciso maiores esforços para compreender que o direito autoral foi construído com base em uma concepção de proteção através da exclusão. O autor é protegido no sentido de que ninguém pode utilizar uma obra autoral sem a sua autorização prévia (porque tem ele exclusividade sobre o uso da obra). O procedimento de obtenção da autorização é o cerne do nosso problema. Se a maior parte das utilizações de uma obra passam pela necessidade de se pedir autorização, como será que o interessado em se valer da obra obtém autorização? Para quem deve ligar? E pelo lado do autor, como será que ele deve conceder essa autorização? A questão que é colocada em debate hoje em dia não é a supressão do sistema do direito autoral, mas o repensar a existência de outras formas de incentivar autores a criar, sem que esse estímulo gere um afastamento da obra com relação às pessoas que gostariam de utilizá-la para os fins mais diversos. Proteger através da exclusão parece ter sido a marca dos direitos de propriedade erigidos originalmente no Direito Romano, e reforçados pelas concepções individualistas da Revolução Francesa. Mas será que essa forma de proteção está adequada para os tempos do avanço tecnológico? Será que a Internet não tem um papel de transformação nessa dinâmica de exclusividade e autorização para acesso a obras culturais? Vamos retornar à lei de direitos autorais. Nós vimos que os artigos 28 e 29 estabelecem que é necessária autorização para uma série de atividades. Mas será que não existem situações em que você pode utilizar uma obra sem pedir autorização?
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A própria lei de direitos autorais cuida de criar uma zona de liberdade, na qual a utilização de obras é permitida, não pelo autor, mas diretamente pela lei. São as chamadas exceções e limitações aos direitos autorais. Mas ainda nos artigos dedicados às limitações e exceções, a nossa lei de direitos autorais em vigor mostra uma faceta pouco permissiva. Tome-se o exemplo do artigo 46, II, da lei. A sua redação é a seguinte: "Não constitui ofensa aos direitos autorais: a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro". Novamente o balanceamento entre proteção autoral e acesso à obra intelectual não se mostra muito equilibrado. Mesmo quando se trata de um artigo que deveria ser permissivo. O conceito de pequenos trechos é bastante controvertido. A cópia, para se adequar à letra da lei, deve ser feita pelo próprio copista. O que isso quer dizer? Que terceiros não podem tirar uma cópia para você? Podemos concluir então que a legislação sobre direito autoral foi criada com a intenção de proteger e incentivar o autor. Contudo, os reflexos práticos da legislação parecem não ter surtido efeito para o atendimento de um outro interesse existente por trás de todo o debate sobre propriedade intelectual, isto é, o debate sobre o acesso à informação e à cultura. O direito autoral, como visto, deve atender aos interesses do autor, estimulando e remunerando o autor por sua criação, mas também deve construir os meios através dos quais informações e cultura são disponibilizadas a todos. Todavia, o debate sobre direito autoral contemporâneo parece concentrar todas as atenções para o chamado "combate à pirataria". O que é pirataria? Esse termo não foi originado de estudos jurídicos sobre a propriedade intelectual. Não existe nas enciclopédias jurídicas clássicas o termo "pirataria". Trata-se de uma construção moderna, muito utilizada em notícias e artigos de jornal, para fazer referência, de forma genérica, à infração ao direito de propriedade intelectual. O debate sobre a pirataria parece eclipsar o debate sobre os fundamentos do direito autoral. Geralmente acompanhadas de números que mostram o quanto o Brasil perde com a escalada da pirataria, as diversas reportagens sobre o tema passam a imagem de que, atrelada ao fenômeno da informalidade, a venda de produtos "pirateados" nos grandes centros urbanos do país representa um dos maiores males à economia nacional. Não estamos de forma alguma negando os impactos perniciosos da pirataria. O que deve ser enfocado, todavia, é 'o que é' e 'o que não é' pirataria. Melhor dizendo, a falta de esclarecimento sobre o tema tem levado todas as pessoas que tomam contato com o assunto através dessa abordagem a privilegiar uma visão específica do direito de propriedade intelectual.
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E essa visão é justamente aquela que reúne as concepções sobre proteção e infração abordadas no início da nossa exposição. Temos aqui o risco de ficarmos à mercê de dois extremos: ou a infração epidêmica, ou a proteção ultra-restritiva. Nenhum dos dois cenários permite o crescimento de um debate sobre os fundamentos do direito autoral e o alcance de finalidades como o acesso ao conhecimento e à informação. Podemos dizer que o cenário atual, de reforço das concepções restritivas sobre o direito autoral, conforme visto na legislação em vigor, gera dois tipos de reações: reações negativas, e reações que chamaremos de criativas. A primeira reação negativa é a própria "pirataria" em si, ou seja, na medida em que as leis são tornadas mais severas, e que as zonas de liberdade para utilização de obras autorais são diminuídas, existe o movimento de muitos agentes no sentido de simplesmente não cumprir a legislação e praticar atividades ilícitas. Essa é a reação mais nociva e mais imediata. Existe, porém, uma outra reação negativa, e essa reação, por seu turno, não é desencadeada por grupos organizados de "piratas" ou pelos camelôs que vendem CDs e DVDs falsificados nas ruas. A segunda reação negativa é o eventual radicalismo empregado na criação, interpretação e aplicação da legislação autoral. Essa segunda reação negativa pode ser ilustrada com alguns exemplos. Vamos ficar com apenas dois: (1) a patente de programas de computador; e (2) o crescimento da responsabilização civil por infração à propriedade intelectual na Internet. A patente de software é uma questão que nos leva à reflexão pelo seguinte motivo: no Brasil, o programa de computador é protegido pela legislação de direito autoral. Existe um movimento mundial no sentido de se proteger o software não pelas regras aplicáveis às obras literárias e artísticas, mas sim pelo regime típico das invenções, ou seja, pelo regime de patentes. Qual é então o problema em se proteger o software através de patente? Vou procurar tratar desse assunto sem falar diretamente sobre programa de computador, para facilitar o nosso entendimento. A proteção da propriedade intelectual pode ser dividida em dois grandes grupos: o direito autoral e a propriedade industrial. No primeiro campo estão as obras literárias, artísticas ou científicas, como livros, filmes, músicas (e softwares). No segundo campo estão as obras do espírito humano voltadas para uma finalidade prática específica (com uma utilidade própria). Nesse campo estão as invenções, as marcas, o desenho industrial etc.. Patente é forma pela qual protegemos as invenções. E qual a diferença entre enquadrar o software como direito autoral ou como patente (leia-se propriedade industrial)? As diferenças são basicamente duas: (1) a forma de registro; e (2) a extensão da proteção conferida.
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Sobre o registro, é importante mencionar que, no regime do direito autoral, as obras tornam-se detidas pelos seus autores no momento de sua criação. Isto é, o registro é facultativo. No momento em que Fernando Pessoa viu nascer o sol, depois de passar a noite em claro escrevendo, num estirão só, o poema "A Tabacaria", aquela obra já era dele. Na seara da propriedade industrial, por sua vez, o registro é obrigatório para se constituir o regime de propriedade. A segunda diferença entre os dois regimes reside na extensão da proteção conferida. Aqui, importa descobrir se o Direito protege apenas a forma de expressão, ou se a tutela conferida abrange a idéia e a sua conseqüente aplicação prática. No campo do direito autoral, a proteção conferida pela legislação apenas abrange a forma de expressão. Idéias não são objeto de proteção autoral, mas tão somente a sua concretização, ou seja, a sua forma de expressão. Tome-se o exemplo dos filmes de faroeste. Boa parte desses filmes inclui ataque a diligências em trânsito pelas paisagens áridas do oeste norte-americano, confronto com índios e aqueles saloons típicos do velho oeste. Nós poderíamos passar o dia elencando situações, locações e figurinos que constituem o cerne de determinados tipos de filmes. O que isso quer dizer? Isso significa que ninguém é dono do gênero faroeste, com diligências, índios e saloons. Ninguém é o titular da idéia, mas apenas do filme realizado em si. O que se protege é cada um dos filmes que são produzidos dentro desse gênero, mas não a idéia, a concepção de um filme com diligências, índios e saloons. Se assim o fosse, a primeira pessoa que fizesse um filme que obedecesse a esses requisitos seria a proprietária do gênero. O mesmo se dá com os livros. O que se protege é o livro em si, e não a idéia sobre o enredo de um livro. O que se protege, repetindo, é a forma de manifestação da imaginação criadora, e não a idéia em si. Na proteção concedida pelo regime de patentes, por outro lado, a idéia e a sua aplicação prática são detidas pelo titular da patente. Vale mencionar que, na seara da propriedade industrial, as idéias em si também não são protegidas, mas sim a idéia e sua conseqüente aplicação prática. Vamos passar essa situação agora para a produção de softwares. Na medida em que se protege o software pelo regime do direito autoral, o que se protege é apenas a sua forma de expressão, ou seja, a sua programação e, eventualmente, a interface gráfica criada pela programação (look and feel). Não se protege a idéia sobre um software. Caso o software em si fosse objeto de proteção pela propriedade industrial, teríamos a possibilidade de criar situações em que uma determinada empresa, ou pessoa, deteria o monopólio sobre uma idéia e a sua programação aplicada. Imagine o efeito na criatividade alheia que seria gerado pelo fato de uma empresa deter
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a patente, por exemplo, do programa de editor de textos para computadores. Esse é o risco que corremos com a patente de softwares. Através de linhas de programação distintas, pode-se chegar a resultados semelhantes. Ao se proteger o código de um programa, o que se protege é apenas a sua forma de expressão (regime de direito autoral). Na medida em que a tutela se expande para alcançar outros elementos que não apenas a expressão, estaríamos obstaculizando uma série de produções em desenvolvimento, que agora teriam que pedir autorização para o detentor da patente registrada. O risco aqui é evidente: a criação de verdadeiros monopólios de idéias, de uma privatização do conhecimento no campo da informática. O segundo exemplo de radicalismo na elaboração, interpretação e aplicação da lei pode ser notado no crescimento da responsabilização civil por infração à propriedade intelectual na Internet. Nesse ponto é importante mencionar que o combate às infrações cometidas contra o direito de propriedade intelectual, de forma geral, deve ser estimulado, uma vez que o sancionamento de práticas ilícitas é um dos modos encontrados pelo Direito para alcançar os seus objetivos. Mas, sem dúvida, não é esse o único meio para que o ordenamento jurídico atinja os seus fins colimados. O problema da responsabilidade civil na Internet é uma questão qualitativamente e quantitativamente distinta dos ilícitos praticados fora do ambiente da rede mundial de computadores. Qualitativamente porque a maior parte das infrações à propriedade intelectual desencadeadas através da Internet só é possível mediante a utilização de modernos softwares de compartilhamento de arquivos digitais, sejam eles músicas, filmes ou jogos. O componente de inovação tecnológica anda lado a lado com as condutas que se busca sancionar nessa seara. Por outro lado, as infrações à propriedade intelectual na Internet são quantitativamente distintas por uma razão bastante clara: as condutas cuja prática se busca reprimir ocorrem aos borbotões. Para ser mais exato, estima-se que 2,5 milhões de brasileiros trocam arquivos de música e filmes de forma ilícita (ou seja, não autorizada pelos seus autores) na Internet. Adicionalmente, vale lembrar que os infratores aqui, as pessoas que causam danos a autores, gravadoras e produtoras em geral, são pessoas que encontramos a cada dia. Não são, repito, os grupos organizados e os camelôs, mas sim os médicos, engenheiros, estudantes, advogados, administradores, economistas e mesmo artistas que praticam essas condutas sancionáveis pelo aspecto criminal (art. 184 do Código Penal) e pelo aspecto civil (artigos 102 e seguintes da Lei nº 9.610/98). Como a responsabilidade civil pode deixar de ser um instrumento de incentivo aos autores, e reforço da proteção, para se tornar um meio de impedir ou dificultar o acesso ao conhecimento e à informação? Isso fica claro a partir de uma análise do caso Napster, ocorrido nos Estados Unidos há cerca de quatro anos.
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O Napster era um programa que permitia a troca de arquivos pelos seus usuários, bastando apenas que as pessoas se cadastrassem em seu website. O servidor central do Naspter foi lacrado por ordem judicial depois de processo aberto por causa das infrações à propriedade intelectual que os seus usuários cometiam. O professor da faculdade de Direito de Stanford, Lawrence Lessig, preparou um parecer para o caso Napster que me parece bastante oportuno para o debate que estamos tendo aqui sobre os fundamentos do direito autoral e o seu relacionamento com as novas tecnologias. Em seu parecer, Lawrence Lessig afirma que para se verificar se uma decisão judicial que aborda o tema das novas tecnologias atende às demandas do progresso tecnológico e o seu impacto no universo jurídico, devese analisar três pontos: (1) a possibilidade de uso lícito da tecnologia; (2) a existência de meios menos gravosos para lidar com a nova tecnologia do que simplesmente bani-la; e (3) a eficácia da medida pleiteada. Trazendo cada um dos critérios acima para o caso Napster especificamente, pode-se verificar que o programa de troca de arquivos, embora fosse utilizado na maior parte das vezes para a troca de arquivos de música sem autorização de seus autores, também era utilizado para disponibilizar músicas de bandas ou artistas que voluntariamente as inseriam na grande rede de trocas criadas pelo Napster. O Napster demonstrou, pela primeira vez, em larga escala, o quanto a Internet poderia democratizar o acesso à cultura. Boa parte das músicas imaginadas pelos seus usuários, e cuja obtenção através de CDs era muito dificultosa -, ou porque o CD já estava esgotado ou porque nunca chegou a ser fabricado em seu país -, estava agora disponível a um clique de distância. Contudo, o fato de um determinado CD estar esgotado não confere ao internauta a possibilidade de baixá-lo gratuitamente, sem autorização do seu autor. As promessas de democratização do acesso à cultura estavam sendo cumpridas, no que se refere ao campo musical, mas em total desconformidade com a legislação autoral. É nesse impasse que reside o primeiro critério de avaliação proposto por Lessig: a tecnologia em análise apenas serve como instrumento para a consecução de atos ilícitos, ou ela permite também que usos lícitos sejam feitos através de sua implementação? Como exemplo, Lessig citou a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre a licitude do vídeocassete. Atualmente pode parecer algo inacreditável, mas foi questionado em juízo, e chegou até a Suprema Corte, uma ação judicial para declarar a tecnologia do vídeo-cassete como algo ilícito. O raciocínio era algo muito próximo ao que estamos acostumados a ver e ao ouvir hoje em dia: o vídeo-cassete, na medida em que permite ao seu usuário gravar em fitas a programação de filmes, fará com que o mesmo deixe de ir ao cinema. Com isso, as bilheterias cairão, milhares de pessoas perderão os seus empregos, e a indústria do entretenimento audiovisual caminhará em direção da falência.
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O que houve então? A Suprema Corte decidiu não banir a tecnologia do vídeo-cassete e o seu desenvolvimento gerou novos modelos de negócio. Hoje, com o DVD, estabeleceu-se uma nova forma de relacionamento com a obra audiovisual, que estréia no cinema, depois é licenciada em DVD para locação, posteriormente para venda, em seguida é exibida em canais por assinatura e, posteriormente, passa em canais de televisão aberta. O Direito poderia ter desempenhado um papel importante para transformar todo o desenvolvimento tecnológico experimentado nos últimos 20 anos. E é justamente o mesmo dilema que vivemos hoje com a Internet. O segundo critério é a existência de meios menos gravosos para lidar com a nova tecnologia do que simplesmente bani-la. Aqui, enfrentamos uma questão que no Direito Constitucional brasileiro nós tratamos através do chamado princípio da proporcionalidade. Isto é, existem meios menos gravosos, para a coletividade como um todo, para tutelar os interesses de autores, gravadoras e editoras, do que simplesmente taxar determinada tecnologia como algo ilícito? Nesse particular, Lessig afirma que a existência de tecnologias alternativas para a proteção do conteúdo de obras musicais já colocaria em xeque a necessidade de se retirar um website como o Napster do ar. Mecanismos de gestão de direitos autorais (digital rights management, ou simplesmente DRM) poderiam ser utilizados pelas gravadoras e a sua inserção nas obras seria menos nociva do que a promoção de ações judiciais que visam a eliminar a própria tecnologia de troca de arquivos. Vale mencionar que o pêndulo parece ter se movido de três anos para cá, e o avanço das tecnologias de DRM atualmente representa ameaça tão ou mais relevante para o acesso à cultura e à informação do que o ingresso com reiteradas ações judiciais. Mas esse é um assunto que não é comportado pelo nosso tempo de exposição. O terceiro critério, por fim, analisa a eficácia da medida proposta, isto é, se o real objetivo dos autores da ação judicial foi alcançado com a decisão concedida. No caso Napster, claramente o objetivo dos autores da ação, ou seja, a eliminação de infrações à propriedade intelectual através do website Napster, foi alcançado, mas os efeitos dessa decisão em nada favoreceram aos autores. Em última análise, a eficácia da medida reverteu contrariamente às expectativas dos autores, pois a queda do Napster apenas fomentou o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais sofisticadas para a troca de arquivos. E quando falamos em "mais sofisticadas" estamos nos referindo a tecnologias nas quais o fechamento de um servidor, como ocorrido no caso Napster, não teria mais o condão de impedir todo o fluxo de troca e compartilhamento de arquivos. Aqui estamos tratando das chamadas redes peer-to-peer, ou tão somente "p2p".
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Antes mesmo de sair a decisão definitiva sobre o caso Napster, boa parte dos usuários já tinha migrado para o programa AudioGalaxy. E em seguida vieram o Gnutela, Kazaa, Kazaa Lite, Emule, Soulseek, Bit Torrent etc.. Cada programa mais sofisticado do que o seu antecessor. Em síntese, o ingresso de ações de responsabilidade civil contra os usuários desses programas, ou mesmo contra os seus criadores, não parece ser o meio mais efetivo para se evitar as constantes infrações ao direito de propriedade intelectual. No aspecto criminal, por sua vez, quando a conduta a ser sancionada se torna tão difundida, chegamos a situações paradoxais. José de Oliveira Ascensão, grande jurista português, chega mesmo a se referir à empreitada de sancionamento dessas condutas na Internet como um "crime contra a cidade", ou seja, um crime praticado por quase todos os habitantes de uma cidade. Poderíamos falar de outras formas de radicalismo na proteção da propriedade intelectual, sobretudo do alargamento do prazo de proteção das obras autorais ocorrido em 1998 nos Estados Unidos, principalmente para atender aos interesses de determinados conglomerados da indústria do entretenimento. A lei que tratou dessa extensão do prazo de proteção, apelidada de "Mickey Mouse Protection Act", é um assunto que também mereceria uma discussão maior do que o nosso tempo permite. Passaremos então às boas notícias. Depois de comentar as reações negativas ao cenário atual do direito autoral, cumpre abordar as reações criativas, ou seja, as formas encontradas para contornar as restrições da legislação autoral, fazendo com que autores possam ser estimulados a criar, ao mesmo tempo em que o acesso às obras criadas é facilitado. Tudo sem representar infrações ao disposto na lei. A primeira reação criativa ao cenário atual do direito autoral é a eclosão das formas de produção colaborativas, ou seja, a expansão de diversas iniciativas, criadas ou potencializadas pela Internet, que reúnem inúmeras pessoas em torno de uma obra, acrescentando aperfeiçoamentos e atualizações sobre a mesma. O software livre é o primeiro exemplo que vem à mente quando pensamos em obras que envolvem o trabalho de diversas pessoas, espalhadas pelo mundo afora, em prol da criação de um programa de computador, no caso específico. Mais recentemente, a congregação de esforços coletivos também gerou uma iniciativa talvez tão impressionante quanto o software livre: é o caso da Wikipedia, a enciclopédia disponibilizada na Internet em cujos verbetes qualquer um pode acrescentar ou suprimir informações.
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Cultura e Comunicação
A Wikipedia é atualmente um grande sucesso, superando a desconfiança generalizada que pairava sobre um projeto tão ambicioso. Imaginava-se que, como qualquer pessoa poderia ingressar no website e alterar o conteúdo dos verbetes, a Wkipedia rapidamente se tornaria uma fonte pouco confiável para pesquisas e estudos. Muito ao contrário, foi justamente a possibilidade de contar com um capital humano superior ao imaginado por qualquer um que fez da Wikipedia uma fonte bastante segura e, por vezes, muito mais informativa do que as enciclopédias tradicionais. Uma segunda reação criativa ao dilema posto pelo cenário atual do direito atual é a expansão das licenças disponibilizadas pelo Creative Commons. O Creative Commons é uma organização não-governamental norte-americana que, em seu website, disponibiliza para autores de diversas espécies de obras intelectuais modelos de licenças jurídicas para a veiculação de sua obra na Internet. Para cada licença produzida pelo Creative Commons é gerado um código de computador que identifica a obra e o espectro de direitos concedidos, desde já, pelo seu autor. Mais de 30 países já traduziram e adaptaram as licenças do Creative Commons para as suas respectivas línguas e legislações, fazendo com que o movimento hoje tenha alcance mundial. No Brasil, o Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, atua no trabalho de adaptação e difusão das licenças. O principal problema que o Creative Commons visa
solucionar é justamente aquele impasse que
comentamos no início da exposição: se a autorização do autor é necessária, em regra, para se utilizar uma obra, como é que se obtém essa autorização? Valendo-se das facilidades trazidas pela Internet, o Creative Commons criou uma série de símbolos de imediata compreensão que identificam quais formas de utilização de obras autorais foram permitidas pelo seu autor. Na medida em que o autor disponibiliza a sua obra na Internet através de uma licença Creative Commons ele, de imediato, já informa aos seus futuros usuários o que pode e o que não se pode fazer com a obra. Por exemplo, o autor escolhe se a obra poderá ou não ser utilizada para fins comerciais, se a obra musical poderá ou não ser objeto de sampling ou remix, e assim por diante. Através de um sistema de fácil entendimento, o autor licencia a sua obra, dentro dos parâmetros permitidos pela legislação autoral, sem que todo o burocrático procedimento de obtenção da autorização tenha que ser trilhado por cada pessoa interessada em utilizar a obra. Essa foi a forma encontrada pelo Creative Commons para se valer de todo o potencial da Internet, não para praticar infrações ao direito de propriedade intelectual, mas para permitir uma maior aproximação entre o autor e a coletividade. No website do Creative Commons no Brasil (www.creativeccommons.org.br) podem ser encontradas, através de mecanismo de chave-de-busca, diversas obras já licenciadas nesse formato. De fotos do Cristo Redentor a concertos da Orquestra Sinfônica de Joanesburgo.
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Propriedade Intelectual Cultura e Comunicação
Djalma Valois é gestor do Centro de Difusão de Tecnologia e Conhecimento. Em 1998, fundou o Comitê de Incentivo à Produção do Software GNU e Alternativo (CIPSGA), primeira entidade não-governamental a atuar junto ao poder público disseminando o software livre como instrumento de mudanças sociais.
Djalma Valois Antes de falar em propriedade intelectual, eu gosto sempre de falar a respeito do software livre. Primeiro, do ponto de vista histórico. Porque muita gente confunde as coisas, achando que o software livre só passou a existir a partir de um determinado momento. Mas o software sempre foi livre, assim como toda a produção humana até o século XV. Tudo o que vem sendo produzido na nossa sociedade tem sido livre durante toda a nossa história. No caso do software, existe uma peculiaridade: até os anos 70, existia um comportamento diferente na sociedade. Quando você adquiria um software, as licenças que eram utilizadas até então eram muito menos restritivas. A partir dos anos 80 é que surgem, de fato, algumas restrições relativas à quantidade de processadores, número de usuários, número de terminais utilizados e por aí vai. Em 84, apareceu o Richard Stallman - lembro que nem todo mundo de software livre é gordo e cabeludo, nós temos pessoas de todas os matizes -, que trabalhava no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e era um desses técnicos que criava software livre. A história do software livre é muito peculiar, eu diria até que é engraçada, porque ela começa graças a uma impressora a laser. Um dia, o pessoal do MIT ganhou de presente uma impressorinha a laser, que veio a substituir uma impressora matricial que eles tinham na época. E o pessoal do MIT, por conhecer a impressora, e por ela ser dos anos 70 - quando os drives ainda eram abertos -, conseguiu implementar soluções para as necessidades do próprio pessoal do MIT. Eles alteraram o drive dessa impressorinha, que passou a avisar quando começava a impressão, quando tinha um atolamento de papel, quando acabava a fita, enfim, sempre que houvesse qualquer problema, eles recebiam esse tipo de aviso. Só que a impressora a laser entregue para eles na época tinha um drive proprietário. E quando o Stallman procurou o representante dessa impressora para pedir permissão para implementar as mudanças que eles já tinham feito na impressora matricial, esse camarada rejeitou o pedido. Stallman tentou negociar de várias maneiras a liberação do drive, no entanto, a proposta sugerida pelo representante foi de Stallman assinar um acordo se comprometendo a não revelar a funcionalidade. Isso na
época era comum, e baseava-se em três razões: a informática estava em pleno crescimento, e a indústria queria fazer restrições de mercado para reduzir o número de adversários para seus produtos; e havia a guerra fria. Eles ficavam temerosos de que seus computadores fossem usados para fazer cálculos vetoriais e, com isso, os russos se tornassem capazes de mandar uma bomba atômica na cabeça dos americanos. Enfim, como a proposta feria princípios que o Stallman defendia, onde o conhecimento devia ser um bem público e não proprietário, ele deu meia volta e iniciou o movimento pelo software livre, criando a Licença GPL, o editor EMACs e o Compilador GCC. E tudo isso ocorre por conta de uma impressora. O software proprietário, do ponto de vista de quem trabalha com software livre, não é ético. É anti-social, divide o público e mantém os usuários desamparados e dependentes. E como o software proprietário faz isso? Nesse mundo em que vivemos, nesse mundo capitalista, a maioria das empresas hoje tenta ter o monopólio dos seus produtos o tempo todo para garantir mercado. Isso, apesar das leis e da própria Constituição Brasileira que determinam ao Estado lutar contra o monopólio. Se não me engano, esse é um papel do Estado. E a propriedade intelectual nada mais é do que uma forma de você garantir o monopólio para uma pessoa ou para uma empresa. O software, claro, tem tudo a ver com isso. O software proprietário trabalha de uma forma que eu diria até que é ilegal. Porque você, quando entra numa loja para comprar um determinado equipamento, você não compra uma televisão que só pega a Rede Globo, ou uma televisão que só pega a TV Educativa. Você compra um aparelho que lhe serve na função televisão para mostrar todos os canais. Com software essa história não é assim. Eles criaram no mercado um tipo de mecanismo para se defenderem, para fazer com que o produto deles tenha mais saída, onde um determinado computador, um determinado sistema, só trabalha com aquele determinado produto. Então, se você pegar, por exemplo, um banco de dados muito famoso que tem no mercado, vai notar que ele tem uma linguagem que é específica dele. Se sua empresa investiu e criou um sistema baseado em Oracle por exemplo, e amanhã você quiser fazer qualquer migração da sua base de dados, você terá que refazer todo o sistema, porque aquela linguagem utilizada pelo Banco de Dados é patenteada. Eu não posso reproduzir aquela linguagem dentro de um outro banco de dados. Além disso, existe também a questão das versões. No mundo proprietário, é uma coisa interessante. A cada dois anos, coloca-se uma versão nova e obriga-se todo mundo a comprar uma nova versão. Isso pode parecer bobagem para algumas pessoas que simplesmente vão lá e copiam, mas do ponto de vista legal - para uma empresa pública, ou mesmo para uma empresa privada -, você é obrigado a fazer reinvestimentos na compra da licença a cada dois anos. O Brasil gasta cerca de um bilhão de reais por ano em aquisição de softwares. Só para o ano que vem, o Ministério do Planejamento está colocando cerca de 2 bilhões de reais no orçamento para gastar com software.
Do ponto de vista de orçamento, isso poderia estar servindo a uma coisa muito mais útil à sociedade, no entanto, o Estado vai ser obrigado a estar recomprando licenças a todo o momento, porque precisa dessas atualizações. E a razão para isso parece brincadeira. Imagine você estar trabalhando junto com um amigo seu, que mora em outro país, e você todo dia faz o seu trabalho no editor de texto. Encerra o seu trabalho, põe no e-mailzinho atachado, dispara para o seu amigo, ele abre lá no editorzinho dele, faz as alterações, encerra o trabalho, manda de volta para você no dia seguinte, e assim vocês vão trocando informação. Vamos supor que você usasse o editor 'Palavra 95', e seu amigo também tivesse um 'Palavra 95'. Um belo dia, ele, que ganha mais dinheiro do que você - o cara deve estar morando lá na Suíça -, entra numa loja e vê a nova versão do editor, o 'Palavra 2000'. E resolve comprá-la. Ele compra, instala na máquina, pega o arquivinho que você mandou no seu último e-mail, edita, faz as alterações, encerra e manda para você de volta. Você não consegue abrir mais o arquivo. Simplesmente porque as versões não são feitas para falarem com as versões anteriores. Essa é a maneira que o mundo da informática utiliza para colocar adiante as novas versões, isso sem falarmos nos padrões fechados que cada produto tem se utilizado. E esta é uma forma de obrigar o usuário a adquirir novas versões do produto que nós consideramos anti-social e não ética, porque você está obrigando sempre o usuário a ter que adquirir um produto novo, porque sua nova versão não fala com a versão anterior. E isso é um processo que a indústria da informática utiliza o tempo todo. Já com o software livre, a gente considera que ele é uma forma de ajudar as outras pessoas, o que para nós é a base da construção de nossa sociedade. E eu queria trabalhar com vocês essa questão da propriedade intelectual justamente no sentido de como nós nos vemos socialmente. Eu queria perguntar para vocês se alguém aqui nunca ajudou alguém ou foi ajudado por alguém? Isso não existe. Sempre tem uma condição onde você ajuda alguém - ou alguém lhe ajuda. Esse processo de relacionamento que nós temos é do ser humano, é parte de nossa história, como é termos dois olhos, dois braços, duas pernas. Isso é natural para a gente. É parte da natureza humana ser solidário, é parte do nosso trabalho ensinarmos o tempo todo. Fazemos isso com nossos filhos, fazemos isso com nossos sobrinhos, netos, amigos... Toda vez que temos alguma informação, temos essa tendência natural a compartilhar com o outro, porém isso muda em determinado momento da história. E aí que a gente vai falar agora da propriedade intelectual. O Werner Korr é um criptógrafo alemão, ele deu uma entrevista para o CIPSGA (Comitê de Incentivo à Produção do Software GNU e Alternativo) uns seis anos atrás, e eu destaquei esse texto dele: "A nossa tecnologia moderna, com todas as suas vantagens e desvantagens, não teria sido possível com a ciência não livre. Penso que software e ciência são similares em muitos aspectos". Na verdade, o Werner quis chamar a atenção da gente para o fato de que, durante um longo tempo na história da Humanidade, tudo o que nós produzimos foi livre, inclusive a música.
Aqueles menestréis que a gente vê nos filmes antigos, aquele camarada que fazia uma determinada música e cantava para uma moça, ele em alguns momentos até era pago para fazer isso. No entanto, se algum sujeito estava ao lado dele e ouvia a música, esse mesmo camarada saía, ia para outra janela e cantava a mesma música para uma outra moça, talvez trocando o nome, imagino eu. Isso era algo natural. No entanto, isso mudou a partir do século XVI. Eu sempre gosto de usar como referência as prensas gráficas, que foram uma invenção do Gutenberg. Para vocês terem só uma idéia do que estava mudando no processo produtivo à época, até então, e quem viu o filme Em Nome da Rosa vai saber do que eu estou falando, até então era comum se fazerem livros manuscritos. Em Nome da Rosa mostra isso muito bem, aqueles fradezinhos, todos gorduchinhos, sentadinhos ali o dia inteiro, fazendo e desenhando os livros. Um único livro levava de um ano e meio a dois anos para ser feito, e ele era um produto, vamos dizer assim, socialmente considerado, como se fosse hoje ter um carro importado na garagem. Um livro na época era um bem ao qual nem todo mundo tinha acesso, só pessoas de muita posse podiam comprar um livro. Quando Gutenberg inventa a prensa, surge uma novidade no meio de produção. Passa-se a ter uma maneira de se produzir rapidamente os produtos e você pode ter um custo mais baixo. Isso coincide com o mesmo período onde a gente começa a observar o avanço da propriedade intelectual. O que começa a ocorrer é que, à medida em que o processo produtivo avança na sua forma de produção, à medida em que a sociedade encontra meios mais ágeis de ter essa produção mais rápida e com custo mais baixo, surge um movimento do capital no sentido de tentar se apropriar não mais da produção, mas da forma como essas coisas são produzidas. Se a gente fosse fazer um comparativo hoje, e pegasse o manifesto comunista lá do Marx, onde ele diz que os trabalhadores devem apropriar-se dos meios de produção, eu diria que hoje nós temos que nos apropriar do conhecimento. Isso não pode ser propriedade individual, tem que ser propriedade coletiva. Porque à medida em que você tem pessoas que detêm as patentes de produtos, ou detêm a propriedade intelectual, e aí, até mesmo nos meios industriais, eu acho que a gente deveria questionar e se colocar contrário a estas iniciativas. Um bom exemplo disso é o caso dos remédios contra a AIDS, que no Brasil tiveram suas patentes quebradas em favor dos genéricos. Por quê? Porque a indústria produzia, tinha patente, cobrava extremamente caro, e o governo precisava colocar remédios mais baratos para a sociedade. Com a quebra da patente, passa-se a constituir o genérico e a partir daí tivemos um avanço nesse processo de acesso da sociedade. O que eu queria chamar mais a atenção de vocês é no sentido de que as questões das patentes ou da propriedade intelectual, de uma forma geral, no mundo em que vivemos hoje, trabalham muito mais dentro do conceito do monopólio.
Na lógica da propriedade intelectual, sempre tenta-se colocar alguém ou alguma empresa com um direito específico a respeito dos ganhos com uma determinada idéia. No entanto, nenhuma idéia é fruto de si mesma. Você não consegue trabalhar nenhuma idéia, ou ter qualquer tipo de produto no qual você esteja trabalhando, sem usar inicialmente informações anteriores. Tudo o que a gente produz é fruto de algo aprendido antes. Dificilmente nós poderíamos ter hoje qualquer tipo de trabalho se não tivéssemos o conhecimento da matemática, da geografia, de outros tipos de ciência anteriores. Na verdade, o grande problema que estamos encontrando hoje, principalmente nos governos da América Latina, está diretamente ligado à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). E por que a ALCA? Porque na ALCA nós temos a tentativa de um estabelecimento de regras de propriedade intelectual, de conceitos e patentes muito nocivos. Eles estão trabalhando muito no sentido de dar garantias ao mercado, dentro da ótica de como os americanos vêem esse mercado. Se você parar para pensar, hoje o número de patentes de posse das empresas nos Estados Unidos é um negócio incontável. Nós, como países do Terceiro Mundo, não temos a menor condição de ter a quantidade de patentes que eles têm. Então, a patente vem muito no sentido de inibir os mercados de se apropriarem de informações e de quererem ser mais produtivos. Acho que devemos ter atenção com a ALCA. Esse é um dos pontos que a gente está discutindo no governo, é uma das coisas que estão sendo trabalhadas pelo Ministério das Relações Exteriores no sentido de alterar esse tipo de proposta. Para mudar a realidade que vivemos nós temos que construir uma outra sociedade, baseada em outros princípios éticos, que viabilize a justiça, a igualdade e a liberdade, onde o conhecimento seja visto como um bem público e não como um direito privado. A gente trabalha o tempo todo com software livre, tentando reconstituir nas pessoas o conceito de que propriedade intelectual não pode servir ao monopólio, a um direito específico de um cidadão ou de uma empresa. Um outro aspecto que eu queria enfatizar para vocês e que tem a ver com o trabalho que nós estamos fazendo lá no ITI diz respeito à qualificação. Nós criamos um projeto chamado Centro de Difusão da Tecnologia e do Conhecimento (CDTC). A idéia desse centro de difusão é trabalhar a questão do software livre sob a ótica de um conhecimento tecnológico e fazer com que todo o setor público tenha acesso às ferramentas livres. Além disso, queremos o CDTC voltado para o conhecimento de uma forma geral e ampla.
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Temos ainda um site que estamos usando para qualificar pessoas do governo. Em menos de um mês, tivemos mais de 2.500 inscritos. Temos também cursos que foram produzidos por técnicos remunerados pela IBM, são estagiários que a IBM colocou à nossa disposição, e todos esses cursos são livres. Todos estão publicados na FDL, qualquer um pode baixar esses cursos nas suas empresas ou onde quiser, e transformar isso em aulas para todo o seu pessoal. Até o final de 2006, pretendemos qualificar mais de 25.000 pessoas. O que é importante salientar aqui? É que toda essa produção intelectual é livre, e está vindo do próprio governo. Nós estamos fazendo os projetos para permitir que todos tenham acesso à cultura e ao conhecimento, não só do ponto de vista de tecnologia da informação, mas também a partir das comunidades. Existe outro site que nós criamos, o www.comunidade.cdtc.org.br, que está aberto para todas as ONGs. As entidades que necessitarem de qualificação profissional voltada para o software livre só precisam se inscrever lá no site para fazer o curso de graça.
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Impacto Cultural das Novas Tecnologias Cultura e Comunicação
Palestra 5 A escritora Eliane Potiguara, de origem indígena, é diretora do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, conselheira política do Comitê Intertribal e coordenadora da Rede de Escritores Indígenas e da Rede de Comunicação Indígena (Grumin).
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Eliane Potiguara Estou indo para a Tunísia para atender a Conferência das Nações Unidas sobre a Sociedade da Informação um momento altamente importante para nós, povos indígenas, para que a gente possa defender e apresentar as nossas propostas. Importante para dizer o que queremos na defesa dos nossos conhecimentos tradicionais dentro desse assunto novo que é a Sociedade de Informação. Gostaria de fazer uma pequena abordagem aqui sobre o que significa 'conhecimento tradicional'. Estou muito preocupada porque nós temos vinte minutos para falar e a questão indígena é muito complexa, muito ampla, tem muitas abordagens, muitos assuntos, e eu tenho medo de não conseguir dar essa visão do que a gente precisava colocar aqui com relação ao tema e à questão indígena no Brasil. Aliás, não só no Brasil, mas no plano internacional inclusive. Aos cinco anos, eu tive um tumor no olho, no supercílio direito, e outro no mamilo esquerdo, e fui curada com uma mistura de minhoca amassada com teia de aranha e visgo de jaca. Minha avó permaneceu dias, semanas, colocando essa mistura, com uma folhinha, ora de alface, ora de couve, o que fosse. Então eu fui curada de uma doença, um tumor, por uma sabedoria indígena. Então o que significa essa sabedoria indígena? Essa sabedoria significa os nossos conhecimentos ancestrais. Em cima dessa premissa, existe uma infinidade de outros conhecimentos, de filosofias, uma cosmovisão altamente sagrada e importante para a preservação da cultura indígena. E a minha preocupação, quando a gente fala com relação a conhecimentos tradicionais, é o que está acontecendo com esses conhecimentos no mundo moderno. Nesses últimos cinco séculos, todo mundo sabe a História do Brasil, mas eu quero me reportar mais ou menos à data de 1759, quando foi criado o cargo de 'diretor dos índios'. Esse foi o primeiro passo para o paternalismo oficial, que na realidade foi uma forma de racismo que vigora até hoje.
É um racismo incubado, porque no período anterior, não só a população negra, mas também a população indígena, vinham sendo literalmente escravizadas. E assim como as Bulas Papais vieram para proibir a escravidão indígena, outros mecanismos foram criados para preservar essa subserviência indígena, atendendo a essa classe nova que chegava ao Brasil. Então, em 1759, o irmão do Marquês de Pombal criou o cargo de 'diretor dos índios'. E o que nós queremos hoje é, justamente, preservar a nossa cultura indígena, as línguas, as tradições, a cosmovisão, toda essa tradição, contrapondo-a com o mundo moderno. Eu estou do lado de uma pessoa muito bonita, de uma essência muito especial, que é a professora Heloísa Buarque de Hollanda. Eu estou com 55 anos, fui sua aluna na universidade (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Então, há muitos anos, eu tive essa felicidade. E eu quero mostrar aqui nessa mesa para vocês como é possível a preservação dos conhecimentos tradicionais na modernidade. Quando a gente fala em novas tecnologias da informação, fala de isenção na abordagem dos povos indígenas pela mídia, no desenvolvimento sustentável, no que podemos fazer em termos de trabalho, saúde e educação para os povos indígenas. Mas tem muita gente desinformada que chega e diz: "Ah, mas vocês indígenas já querem fazer faculdade, querem usar relógio, querem produzir vídeos, querem ser advogados...". Gostaria de dizer que, infelizmente, aqui no Brasil existe um preconceito muito grande. Os povos indígenas estão sendo vistos como sinônimo de pessoas pobres, excluídas, quando na realidade os povos indígenas são os primeiros povos do planeta Terra. São as primeiras nações, os que trouxeram a primeira ética, o primeiro princípio de vida, que é o princípio mais humano, mais lindo do Planeta, que é o respeito ao ser humano, o respeito às relações humanas, que é o lidar dentro da família, que é a conexão com o sagrado, com a espiritualidade. Eu digo nós, porque ao passo que estou participando da sociedade em si, eu também venho sofrendo. Mas eu tive uma raiz muito forte, porque sou de origem indígena e consegui mostrar isso para o mundo, não só para o Brasil - haja vista que fui indicada para o Prêmio Nobel da Paz, uma das 54 mulheres brasileiras a conquistarem essa indicação - e nós teremos uma exposição itinerante pelo mundo inteiro, com nossas histórias. Essa história então não é minha, é a história de todas as pessoas brasileiras. Somente que a minha história foi 'visibilizada', mas a maioria das pessoas indígenas que vivem no mundo urbano têm suas histórias 'invisibilizadas', e a gente tem que trazer para a luz da ciência, da tecnologia da informação, a história de vida das pessoas humanas, porque isso é que faz o caminhar de uma nova democracia, de uma nova sociologia, de uma nova ciência, de uma nova política. São as relações do homem com ele mesmo.
Quando a gente discutiu na Conferência do Meio Ambiente, que falava que a gente tinha que defender a mata etc. etc, ficou todo mundo muito nessa coisa da natureza, e não se falava do ser humano que vivia na natureza, e não se falava dos primeiros que estavam na natureza, que são os povos indígenas, nem de como foi o processo de destruição desses povos ao longo desses cinco séculos, como dizia o Marçal Tupã - assassinado com um tiro na boca porque em 82 testemunhou para o Papa todas as arbitrariedades cometidas contra os povos indígenas -, destruição da cultura, de todas as tradições, da cosmovisão, e todo esse antagonismo que a gente vem assistindo ao longo desses anos, desses séculos, que é o Estado e a Igreja de um lado, e o povo excluído, no caso, os povos indígenas, de outro. Dando prosseguimento a nossa história indígena, no estado atual estamos convivendo com os obstáculos para essa comunicação. Nós temos os conhecimentos tradicionais a preservar, o que contrapõe, a meu ver, a opinião de Carlos Afonso colocada aqui. Eu até conversei com ele sobre como é possível para nós a preservação dos nossos conhecimentos tradicionais na medida em que a ciência, a tecnologia, as instituições aí eu incluo também as universidades, me desculpem - vêm usurpando esses conhecimentos sem a permissão indígena... Para onde vai todo esse nosso conhecimento tradicional? Um exemplo disso foi o caso dos genes que foram tirados dos povos indígenas. No caso dos ianomamis também... Eles tiveram o sangue levado para o exterior, para pesquisa, para servir de material para a ciência. Os povos indígenas então, e o órgão governamental, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), e instituições como o Ibrape (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino), que trabalha com a propriedade intelectual, então gritaram. Por quê? Porque quando a gente vê que enquanto determinados conhecimentos podem ser compartilhados com a Humanidade, outros não podem. Não pelo fato de não querermos compartilhar solidariamente para o bem da ciência, para a cura de uma doença, etc. e tal, mas justamente para preservar esse conhecimento, para impedir que esse conhecimento chegue às mãos dos cafetões. Sempre digo nas minhas palestras, nas aulas que eu tenho dado nas aldeias indígenas, que os povos indígenas sempre foram as putas, e essas ciências são os cafetões. Então a gente precisa tomar cuidado e ver como lidar com tudo isso. De uns tempos para cá, o Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual, coordenado por indígenas - nós temos centenas de organizações indígenas hoje, como a Coordenadoria Indígena da Bacia Amazônica, o Conselho Indígena de Roraima, o Comitê Intertribal -, tem lutado para preservar essa cultura, vista por esse ângulo. Uma luta para que os povos indígenas possam ter acesso à educação, saúde, desenvolvimento sustentável, preservação de sua biodiversidade, e o direito de manter as rédeas disso aí em suas mãos.
Porque senão isso tudo passa para as mãos de pessoas... Não vou dizer que não sejam credenciadas... mas acho que está na hora de os povos indígenas - como nós já temos vários advogados, temos advogadas indígenas estudando para serem juízas, temos várias pessoas indígenas já trabalhando, coordenando seus projetos de desenvolvimento dentro dos seus povos -, está na hora de eles assumirem essa responsabilidade. Ai vocês podem me perguntar: "Oh, Eliane! Vocês então vão deixar de ser indígenas? Por que vocês estão dentro das universidades?" Mas isso é pura bobagem. Eu mesma, por exemplo, estudei na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E lá, o professor Eduardo Portela, que em 1991 era um dos coordenadores da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), apoiou para nós um projeto de educação indígena para o Nordeste feito para beneficiar 40 mil indígenas. Eu fui a responsável por esse projeto, por escrever esse projeto, elaborar o material didático, elaborar a cartilha de alfabetização baseada na cultura indígena e adotando segmentos em filosofias do professor Paulo Freire. Quer dizer, nós estamos caminhando e mostrando que é possível manter a cultura indígena, toda essa diversidade cultural, lingüística, junto com esse mundo moderno. Basta que as pessoas da sociedade possam reconhecer essas diferenças e não tratar essas diferenças com base na questão do poder, nas bases desse paternalismo antigo, baseado na discriminação social e racial. A mudança começa quando a sociedade reconhece, através do órgão de educação do governo, do estado e dos municípios, e leva para as crianças, para os adolescentes, para os jovens e para as universidades, essa diversidade cultural representada pelos povos indígenas - que são uma riqueza do país, e não pessoas altamente empobrecidas usando artesanatos com penas de galinha... Porque, por exemplo, numa rádio da Paraíba falaram que o povo indígena potiguara estava dançando 'toré', e que mais parecia a dança da galinha. Nós não podemos ter esse tipo de resposta quando estamos lutando pela nossa cosmovisão indígena, uma visão que tem a contribuir com os seus princípios éticos para a sociedade brasileira. A sociedade indígena tem, como eu disse no início da minha fala, uma grande participação na cultura brasileira. O ventre da mãe indígena criou esse país também, tanto quanto o das mulheres negras, tanto quanto o das mulheres brancas. Mas a presença foi maior das mulheres indígenas. Nós temos conceitos e filosofias altamente construtivos para a sociedade brasileira. Se vocês pegarem no dicionário, vocês vão ver. E também fisicamente. O povo indígena é organizado como nações, porque na realidade somos nações indígenas, e não um único povo indígena generalizado, são 220 etnias e 180 idiomas diferentes.
É uma riqueza cultural muito grande que não é valorizada no Brasil e que, muitas das vezes, os políticos corruptos ou facções de igreja utilizam para manipular pessoas indígenas, para conduzir para um princípio completamente distorcido do que seja realmente uma pessoa indígena nesse país. Então essa contraposição entre modernidade e conhecimentos tradicionais é possível. É possível sim, dessa forma como eu coloco, quando nós somos os interlocutores e os protagonistas dessa história, do que se forma dessa história. As experiências que nós temos de inclusão na mídia não são muitas. Hoje já temos rádios comunitárias, TVs comunitárias, vários sites de povos indígenas, de organizações indígenas, cartilhas em línguas indígenas, conferências orais - que nós também consideramos a comunicação oral como forma de comunicação, porque a tradição indígena ela é oral, mas também não perde a sua essência se for conduzida do jeito que eu coloquei aqui no começo. Então nós temos as conferências orais, as conferências escritas, as redes de comunicação indígena, a educação dos jovens, das crianças... Nós já tivemos um avanço através do Ministério da Educação, porque nós já conseguimos ter uma educação bilíngüe reconhecida oficialmente. Isso é muito sério, muito importante, e muito histórico. Nós queremos também a preservação das ervas medicinais e o conhecimento tradicional dos pajés reconhecidos pelo Ministério da Saúde, mas defendendo seu conhecimento tradicional e não colocado de um jeito que deixe esse conhecimento à mercê do mundo. E queremos que esse mundo - por exemplo, uma fábrica, uma empresa de remédios - não possa chegar e roubar o remédio indígena. Queremos ainda contribuir com a Humanidade com nossos conhecimentos tradicionais, mas sabendo para onde eles estão indo e o que vão fazer com eles . E nós queremos a repartição de benefícios. Nunca houve volta para os povos indígenas nessa repartição com relação aos conhecimentos tradicionais. Temos milhares de teses sobre nações indígenas, livros publicados, muita gente já comprou muitos apartamentos na Vieira Souto (avenida na zona sul do Rio de Janeiro) com teses antropológicas, mas nunca um povo indígena teve volta para essa ação. O que nós queremos são parcerias, não a usurpação dos conhecimentos tradicionais. Nós podemos 'parcerizar', trabalhar e contribuir com a Humanidade. Para finalizar, eu gostaria de dizer também que nós tivemos uma outra vitória, que é essa conferência sobre a Sociedade da Informação na Tunísia. Nós conseguimos incluir ali um item para que a gente pudesse beneficiar povos indígenas com relação a esse assunto, que é a inclusão dos povos indígenas na Sociedade de Informação, na mídia, nessas novas tecnologias.
É um desafio? É. Mas nós queremos esse desafio porque é possível termos nossa cultura preservada, nossa língua, nossa espiritualidade, nossa força indígena. Esses princípios fundamentais do homem onde a sociedade brasileira deveria se espelhar. E a gente pode estar inserido na sociedade brasileira sem que as pessoas digam: "Ah, ela está com relógio, com roupa... ela não é mais indígena, porque ela já sabe falar o bom português e já viaja de avião, já vai aqui, já vai acolá... ". Então, o que queremos mostrar para a sociedade é que não é bem assim. Queremos mostrar que nós podemos sim - nossas crianças indígenas, nossos velhos, nossas verdadeiras bibliotecas -, nossas sabedorias podem estar preservadas, e os nossos futuros filhos e jovens, eles poderão estudar, se essa cultura for direcionada nesse contexto com relação ao respeito a quem somos como povos indígenas, e escutando o que nós queremos como povos indígenas, para efetivar na realidade essa Constituição de 1988. Ali a gente coloca a preservação da terra, da cultura, da espiritualidade, da cosmovisão, da diversidade lingüística, da diversidade cultural. Se vocês quiserem ler algum material, vocês podem ver no meu site, que é o www.elianepotiguara.org.br. Tem também o primeiro dos livros que publiquei: 'A Terra é mãe do índio', que foi uma cartilha de conscientização política para povos indígenas, para mostrar que nós podemos trabalhar na educação como professores indígenas, passando a nossa cultura sem perder a nossa identidade, identificando onde mora o nosso inimigo, onde mora no dia-a-dia aquele que nos discrimina, e conversando com essas pessoas que nos discriminam - não em ritmo de guerra, mas de diálogo, para que nós possamos construir um Brasil democrático e um Brasil que, vocês já sabem, possui uma diversidade cultural grande, mas que na questão indígena ainda está muito, muito aquém do desejado. Depois dele, ainda publiquei mais dois livros. O último se chama 'Metade cara, metade máscara', pela Global Editora. As pessoas ainda me perguntam se eu sou índia mesmo. E olha que dá vontade de perguntar de volta assim, de uma forma bem deselegante: "Você é branco mesmo?". Ou então fazer outras perguntas para que a gente possa chocar, chocar mesmo, para ver se as pessoas acordam.
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Impacto Cultural das Novas Tecnologias Cultura e Comunicação
"Junta aquela coisa, o tambor, a teoria e a tecnologia, e aí a gente fica completo." (extraído de um rap)
Reinaldo Pamponet é fundador e coordenador geral do Instituto Eletrocooperativa.
Reinaldo Pamponet Vivemos num país onde a gente tem do medieval ao mais avançado, do sertão ao povo indígena. É um país com muita diversidade, com muita desigualdade. E o objetivo primordial da nossa missão é justamente entender como é que o humano está dentro desse processo da inclusão digital e dessa nova vertente da tecnologia. Isso nasce com o conceito, que é fundamental, de ver o ser humano como patrimônio cultural. Porque o maior patrimônio cultural que nós temos é justamente o ser humano. Antes de falar em tecnologia, e no projeto Eletrocooperativa, que fundei em Salvador com o meu grupo, eu queria trabalhar um pouco o tema do humano, que para mim é o fator mais importante nessa questão. Como é que o humano está nesse cenário? Muitas vezes, a figura do homem é tão descartada... E o mal-estar está justamente em perceber como o ser humano está vivenciando essa história toda. Porque a gente acha que sabe tudo, mas quando a gente está falando que essa história começou com a revolução industrial, que tem pouco mais de um século, então fica claro que é muito pouco tempo para a gente estar chegando a conclusões tão objetivas e pragmáticas. Algumas falas dos meninos da Eletrocooperativa, captadas por um vídeo, ajudam a trabalhar essa questão da tecnologia um pouco mais na subjetividade: "Eu vivo da música. Sem a música eu não seria nada." "Cada vez mais, as pessoas estão fechadas em círculos, cada vez estão se fechando mais, e essa carência, meu Deus, de informação, de conteúdo, de escola... Não se tem música na escola hoje! Num país musical como o Brasil, não se tem aula de música." "A música mexe com qualquer pessoa, mesmo ela não querendo, ela mexe. E quando mexe, mexe para revolucionar." "Música para mim é a linguagem dos povos. A forma de se comunicar através do ritmo, através do som, mensagem, poesia." "Fica evidente que, se houver oportunidade, essas pessoas aprendem, todo mundo aprende se tiver oportunidade." "Eu não estou na música para ser rico, ser milionário. É uma coisa que vem de mim."
Para mim é muito gratificante estar liderando esse projeto da Eletrocooperativa, que nasceu na Bahia, mais precisamente no Pelourinho, no ano de 2003. Nós começamos com 30 jovens e já estamos com 400. Ele nasce de uma necessidade emergencial... Muitas vezes esse país fala dela, mas precisa falar muito mais... É a necessidade da juventude de 16 a 24 anos, que é a turma que eu costumo falar que mata, morre e faz filho. Um grupo em que morrem 60 jovens por dia nesse país, e praticamente não se ouve falar. E quando morre um jovem desses, ele geralmente deixa um filho, deixa uma família para trás, deixa uma falta de perspectiva para o próximo que virá, que está com 14, com 12, com 13, com alguma coisa próxima dele como referência. E daí que o nosso projeto nasce com essa intenção e com o objetivo, acima de tudo, de humanizar o processo de inclusão digital. Eu sempre militei nessa área de tecnologia, e sempre me coloquei como uma pessoa preocupada com o humano dentro do processo da tecnologia, onde muitas vezes se discute o 'zero-um', mas se esquece de entender justamente como o ser humano está sendo beneficiado. A Eletrocooperativa nasceu com a missão de promover a inclusão musical - que era o próximo passo dessa inclusão digital -, e utilizar o talento nato brasileiro para a música, para que pudéssemos dar uma perspectiva diferenciada para a juventude baiana e brasileira. Nós começamos com o conceito, que está muito próximo do que a Eliane (Potiguara) falava e que me encheu muito os olhos, que é um conceito que a gente prega muito: o 'futuro primitivo'. É o futuro ligado à estratificação, às raízes, ele propagando o mundo, mas preservando justamente a raiz. Por que uma comunidade indígena não pode ter sua própria gravadora de música? Quem disse isso? Eu acho que a tecnologia está a serviço de possibilidades como essa. É aí que meu coração bate mais forte, que minha cabeça pensa. São essas coisas que eu estou disposto a encarar como desafio no nosso país. O nosso processo se inicia muito bacana, criando justamente um contraponto entre o que era considerado mais inovador, do ponto de vista de produção musical, e o que era, para alguns, o mais rudimentar: o próprio tambor. Tambor sempre como um veículo de passar mensagens, um instrumento ancestral, totalmente rudimentar, e um criador de ritmos, mais precisamente na Bahia. Bahia, que coisa folclórica... Você vai ao Pelourinho ver o som dos tambores, mas no fundo, quem passa a conhecer um pouco o que é aquela realidade, o que aquilo representa para toda a comunidade de Salvador, tem que se preocupar bastante. Porque hoje você tem os movimentos dos blocos afro, e eu tive a felicidade de justamente contrapor uma coisa que me foi colocada, quando eu falei a palavra 'movimento' e algum burocrata chegou para mim e falou: "Aqui você não deve falar a palavra movimento, aqui nós falamos de ações pontuadas". Não é uma questão de apropriação ilegal - por mais que se tenha hoje os conceitos de copyright, copy qualquer coisa. O que é importante é entender que existe uma tradição, que existe uma cultura. E que existem, acima de tudo, seres humanos envolvidos naquele processo, que é um processo ancestral que tem que ser respeitado. Essa foi uma das primeiras vitórias que nós tivemos lá, de conscientizar a população de que o mundo tinha mudado. A gente percebeu muito essa questão de que muitos viviam na era medieval ainda, achavam legal tirar foto com gringo. Gringo chegava lá, tirava foto, "como o negro é lindo!", "como a negra é linda!", e o pessoal ia embora e eles ficavam lá naquela luta, naquela semi-miséria em que se vive hoje nos centros urbanos desse país.
E aí foi que tudo começou, como um processo. Hoje nós definimos nosso processo em três etapas. Na primeira etapa, a gente trabalha a capacitação. A gente tem um acordo com a UFBA (Universidade Federal da Bahia), com o Núcleo de Software Livre. Os meninos vão para a universidade fazer o processo da inclusão digital, aprender como se mexe com computador. Em cada módulo, são geralmente entre 40 e 60 meninas e meninos - eu costumo chamar de meninos e meninas, mas são bem adultos, muitos deles são pais de família, mas é um pouco de carinho que a gente tem com eles. Esse processo de capacitação é muito integrado. Depois que ele sai da fase da inclusão digital, ele vai lá para o Pelourinho, onde ele começa a entender como se produz música, que na realidade, é o meio. Porque dessa turma toda, dizer que 100% dos nossos meninos dão para virar músicos profissionais, que coisa linda, não é bem assim... Eu costumo não acreditar em quem só conta história positiva. A gente, dentro desse processo, tem pessoas que vão embora porque a mãe não quer ou porque estão na igreja evangélica. A gente teve um exemplo desse com um que estava já no final, com seu processo praticamente definido... Tinha também um menino que era de uma comunidade chamada Engenho Velho de Brotas. Ele era aluno do grupo Okambi, liderado por um grande mestre popular da Bahia chamado Jorjão Botafé, fundador do antigo Badauê, que gerou uma música que ficou consagrada na voz de Caetano Veloso. Aí o Jorgão me falou: "Pô, eu acho que o menino entrou para a igreja evangélica...". Eu não estou levando na questão do preconceito religioso, não tem nada a ver com isso. É uma questão de respeito à tradição cultural, e esse menino é um menino fantástico, é um menino de formação incrível, é um dos maiores percussionistas que tínhamos lá. Aí, o grupo decidiu que ele seria um dos líderes de um determinado trabalho fundamental para toda a equipe. Esse menino foi lá, passou por um processo de treinamento. Chegou no final e ele falou: "Eu vou ter que abdicar porque a igreja não permite que eu trabalhe com música, nem com ritmo de candomblé, porque isso é coisa do demônio". Isso nos criou problemas muito sérios, porque nada melhor do que você transformar um menino que é uma possibilidade de problema em um santo. Isso é um dito milagre em que poucos lá acreditam, mas uns ainda costumam acreditar nisso. Essa é uma das questões que nós enfrentamos no dia-a-dia. Para tratar das questões complicadas é que precisamos de um fórum como esse. Mas se existe uma questão que me preocupa muito mais do que a questão religiosa é a questão cultural. Quem vive a realidade de Salvador, que foi a primeira capital desse país, e que muitos hoje cultuam porque a Bahia está na moda... Todo mundo pensa: "Eu vou para Salvador, aquele clima, aquele povo, aquela coisa legal...". Para quem vive ali dentro, tem que ver que aquela lógica é muito arraigada na religiosidade afro-descendente. Quem vive na Bahia tem sempre seu ritual - desde a classe mais alta aos mais humildes dentro das comunidades de Salvador -, e todos dialogam dentro dessa lógica. É uma coisa que precisa ser respeitada. Agora, tem um ponto que tem me preocupado bastante dentro desse processo de capacitação dos nossos colaboradores, que passam por um processo de aulas para ser DJs, aulas de produção, de teoria musical e, acima de tudo, de empreendedorismo... E o que eles vão fazer daquilo ali? Qual a necessidade de se profissionalizar? Porque a maioria dos projetos sociais, das ONGs, trabalham muito com a questão do sonho no processo de arte educação, que é uma coisa que dá muito certo.
Nosso parceiro lá, o projeto Axé, é um dos que têm hoje uma metodologia mais apurada dentro desse processo de arte educação. E eu acredito bastante que funciona. Porque esse menino chega numa fase de vida que o sonho dele é ter um emprego, é ganhar dinheiro, é ter dignidade. E muitos deles não têm essa possibilidade. Então muitos se intitulam como músicos, como talentos musicais, como aquele menino que chega e diz que sem a música ele "não seria nada". E esse menino com certeza é um dos maiores percussionistas que nós temos lá dentro, é um talento musical incrível, e que se não for trabalhado... Ele é o único da casa dele que segura a barra, porque um irmão está preso, o outro morreu, mataram. Ele hoje segura a história da família dele. E a música é o veículo para que ele possa ser alguém na vida. O nosso dever é fazer com que ele entenda que a trajetória dele é de longo prazo. A gente quer sair um pouco do culto da celebridade instantânea. Nós não acreditamos nisso, nós acreditamos numa jornada de mais longo prazo, isso passa a ser um grande desafio para a gente nesse processo de educação e de capacitação desses meninos lá. Outro tema que trabalhamos bastante é justamente o valor do dinheiro, o valor da profissão. E como a maioria de nosso público é um público masculino, trabalhamos também a questão da paternidade responsável, que é uma coisa que a gente vem trabalhando de uma forma muito grande porque a gente vive numa sociedade sem pai. Uma sociedade totalmente matriarcal, onde você não tem o referencial do pai, e você vai criando uma cadeia exponencial muito complicada de se resolver. Essa é a parte mais dura do processo. É você justamente capacitar. Educar não é fácil, é um trabalho contínuo. Quando você pensa que a coisa já aconteceu, volta para a estaca zero, e aí todo o processo continua da mesma forma. É uma luta diária. Nós temos hoje uma equipe muito bem montada, com coordenação pedagógica, com assistente social, que envolve toda a família no processo, onde se tem uma expectativa em cima desse ser humano. E o mais importante nisso tudo é trabalhar a questão da individualidade de cada um desses meninos. Isso tem nos dado um resultado muito grande. Estamos fazendo um trabalho de acompanhamento psicológico com eles, quase um processo freudiano. Está sendo um teste muito interessante, porque o que a gente percebeu é que boa parte dos meninos que eram considerados bem-sucedidos nesse processo nos criavam um problema muito grande, porque esses meninos começavam a ganhar dinheiro e aí era uma loucura. Teve um menino, por exemplo, que se tornou um dos maiores DJs de Salvador e no verão ganhou R$ 3 mil. E o que ele fez? Fez um churrasco para toda a comunidade, comprou quatro celulares, três televisões, e o dinheiro acabou em uma semana. Alguém pode dizer que esse cara é louco. Mas não sei se ele é tão louco, porque ele não tem nem onde guardar, porque o grau de miséria é tão grande do lado dele, que ele não tem um banco, não tem aquele hábito de guardar dinheiro. Ele vai guardar dinheiro no colchão?. O processo é muito complicado. E essa figura nunca foi ele mesmo. Se conhecer um pouco a realidade dele ele morava numa casa, num quarto. E quando ele podia dormir, quando ele tinha espaço, era um espaço verticalizado, e isso nos amadureceu para olhar muito forte a questão de como a gente vai trabalhar essa individualidade. E temos tido bons resultados com esse acompanhamento psicológico. A segunda etapa é mais divertida. Depois que isso passa, esses meninos passam a formar núcleos de produção. Temos um vídeo, por exemplo, que foi feito por um coletivo que faz um trabalho conosco... A trilha sonora foi toda produzida lá dentro também. Agora vamos concluir essa etapa, vamos lançar seis CDs, seis registros. Essa palavra CD está meio fora de moda... Então, são seis registros feitos por esses meninos durante esse processo.
Não foi um trabalho muito fácil fazer com que eles trabalhassem ordenadamente em torno de um objetivo, que é outra coisa fundamental dentro desse processo. Nesses seis discos tem um aspecto que é fundamental. Boa parte dos músicos, os amigos que nos ajudaram durante esse processo, nos colocaram alguns desafios com relação à evolução dessa sonoridade do tambor. O Axé Music foi um momento fantástico, do ponto de vista musical. Depois, se tornou uma questão muito comercial. Cheguei ao cúmulo de ver um produtor falando para um cara: "Não me importa o que você fala, eu trabalho com sua música que nem com um sabonete, boto na prateleira e tem que vender". São coisas que estão acontecendo aí, e eu tenho que falar que o sabonete não é mais o mesmo, isso que é bom também, porque agora nem esse sabonete vende mais. Então a coisa começa a ser uma oportunidade para quem leva realmente a música a sério. Esse processo de produção dos CDs é concluído através de um processo de difusão, onde nós vamos disponibilizar todos esses álbuns de graça na Internet. Além disso, vamos vender a preço do pirata, porque os 30 meninos que estão formados vão sair na rua, nos centros históricos, vendendo CD legalizado ao preço do pirata. E aí vai ser uma alternativa bacana. A grande lição aprendida é que nós temos que conviver com esse processo de evolução da tecnologia. Onde tem raiz, tem resistência. A gente tem que aprender a conviver com isso, entender que quando você vai falar com os mestres populares, com pessoas que realmente militam dentro de uma causa, muitas vezes eles não são compreendidos. Às vezes, tem que ter muita habilidade, porque o processo não é fácil. E não é má vontade, não é ignorância, não é nada. É só a forma como a coisa acontece. Venho preocupado com uma palavra que chama muito a minha atenção: a 'world music'. Eu bato bastante nesses formatos que são criados. Tudo o que não era formato conhecido no mundo, virou world music, quer dizer, a música dos subdesenvolvidos, aquela música que tem menos valor. E virou uma coisa até certo ponto exótica, e disso para virar folclore é rápido, para destruir valor e para acabar com a possibilidade de algumas pessoas realmente fazerem aquilo de uma forma séria é um pulo. O que a gente está propondo dentro desse processo da Eletrocooperativa é promover justamente a inclusão musical, que agora vai transcender Salvador. Já estamos começando a interagir com outras localidades do Brasil. Não quero parecer pretensioso, mas, já que o conceito é liberdade, vamos lançar uma gravadora livre. Nessa terceira etapa, a gente vai ter um selo, onde outros artistas vão poder utilizar uma sistemática parecida com o blog, botar suas músicas e contar sua história. O nosso anseio é justamente criar espaço na sociedade onde você possa ter um pouco de liberdade para criar e desenvolver.
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Impacto Cultural das Novas Tecnologias Cultura e Comunicação
O mineiro César Piva tem 45 anos, é autodidata, e atua como gestor cultural da Fábrica do Futuro e como presidente do Instituto Cidade de Cataguases. Casado com Beth, é pai de Fernanda, Bárbara e Julia, e avô de Gabriel.
César Piva Em 2002, fomos convidados para animar um programa em Cataguases, Minas Gerais, que pudesse envolver a cultura numa perspectiva de desenvolvimento humano e sustentável na cidade e na região. O programa, batizado de Fábrica do Futuro, começou com a formação de um grupo de trabalho local, que hoje consegue envolver uma série de lideranças empresariais, culturais, sociais, governamentais e não governamentais da cidade. Com o tempo, esse grupo passou a conversar sobre cultura e desenvolvimento de maneira horizontal e cooperativa, compartilhada e democrática, com uma visão do contexto local e global. Um contexto mundial muito abordado no Tangolomango de 2004, do pós-industrial, da sociedade do conhecimento, globalizado e midiático, que foi a marca do final do século XX, de grandes perspectivas, mas, também, com profundas desigualdades, intenso egoísmo e terror. Dentro desse contexto, entendemos a cultura a partir de três dimensões principais: a da liberdade, a da linguagem e a do trabalho. A liberdade e a diversidade cultural surgem como contraponto democrático a qualquer tentativa de uniformização e ganância. E a migração digital, a convergência de novas tecnologias e a economia dos meios de comunicação colocam para as dimensões da expressão e do trabalho novas perspectivas no campo da criação, produção e satisfação das necessidades humanas nesse novo século. Neste cenário, compartilhamos também com pensamentos que consideram o chamado ciberespaço um novo campo de disputa política na sociedade mundial. Um espaço tencionado a servir à democracia e à criatividade humana ou limitado apenas a atender os interesses de um grande mercado de serviços, na mão de cartéis, principalmente das telecomunicações. É a partir desse contexto que centramos as nossas atenções em Cataguases, onde buscarmos integrar nosso trabalho com muitas outras iniciativas que nos dão a oportunidade de conhecer, de trocar reflexões e práticas em várias regiões do Brasil e do mundo. O que nos interessa muito, o que nos mobiliza diante dessas perspectivas e desafios do mundo atual, é o comportamento das juventudes.
Temos refletido muito sobre o que pode significar a relação dos novos meios de informação e comunicação com os meios tradicionais. Os impactos sobre a sociedade e, em especial, sobre a juventude, definindo valores, formas de pensar e de agir. Temos pensado no quanto o acesso intenso a conteúdos globais está redefinindo aspectos fundamentais de nosso cotidiano e estabelecendo novos tipos de laços sociais em todo o mundo. Nós alinhamos a nossa missão na perspectiva de enfrentar esses desafios e, sobretudo, contribuir para superar as mazelas herdadas para esse novo milênio. Nesse sentido, acreditamos que essa responsabilidade não é exclusiva de governos, é tarefa para todos os setores da sociedade. Nos juntamos a idéias e iniciativas que em todo mundo, não só no Brasil, investem em respostas locais, através de relações equilibradas entre os três setores: governamental, empresarial e o chamado Terceiro Setor. Onde, principalmente, a sociedade civil organizada possa colaborar com a criação de novos caminhos e práticas numa visão atualizada do que é público, do que é desenvolvimento humano sustentável, do que é governança e uma nova ética planetária. Acreditamos numa nova postura do setor privado, hoje humanizado pelos novos programas de responsabilidade social empresarial, e unido à sociedade civil através de redes e de uma nova geração de entidades pró-ativas. Esses dois setores podem e devem assumir um papel central e fundamental de construção política de uma nova ordem mundial, sem eximir os governos de seu papel e de suas obrigações. Na esfera da mobilização social, para falar em sustentabilidade é preciso apostar na participação efetiva da juventude, sobretudo da juventude urbana. É preciso superar idéias conservadoras que enxergam a juventude somente com a visão limitada da vulnerabilidade social, "do tirar os meninos da rua ou da criminalidade". Para nós é preciso atuar para e com essa juventude de maneira pró-ativa e afirmativa, de uma nova geração cidadã e responsável, com o presente e o futuro. Já é possível reconhecer no mundo inúmeras iniciativas que confirmam propostas que apostam na formação de jovens e adultos como cidadãos críticos, capazes de se posicionar e intervir em suas comunidades através de experiências comunicativas. Que constroem alternativas e novas práticas de intervenção social através de redes de cooperações horizontais e virtuais, que promovem a interação entre gerações, na troca de experiências, na formação de novos valores e laços sociais. Como diz André Urani, do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), do Rio de Janeiro, busca-se uma nova prática social que consiga transformar projetos em processos que gerem poder local, em escala, que induzam outras ações inovadoras. Um processo que tenha visão histórica e geracional, sobretudo, para superar o maior dilema dos projetos: a questão da continuidade e da sustentabilidade.
No mesmo sentido, outro aspecto importante é reconhecer, na convergência das telecomunicações e da indústria dos meios de comunicação, uma enorme possibilidade de indução de uma economia solidária, geradora de trabalho e renda. Nesse aspecto, dependemos de qual visão social prevalecerá sobre os direitos autorais e os softwares livres. E é justamente diante dessa visão social que surge a Fábrica do Futuro. Seu processo, como já disse, nasce em 2002, dentro de um programa de gestão cultural e desenvolvimento local chamado "Programa Humberto Mauro de Cultura e Cidadania - Um Foco Sobre o Futuro", com a idéia de incubadora cultural, de produção de conteúdo audiovisual, em suporte digital e usando as novas tecnologias. Uma proposta inspirada no que há de melhor nas incubadoras tradicionais de empresas, de projetos, tecnológicas ou de cooperativas de trabalho, que reunida às experiências sociais bem-sucedidas em todo o país, procurasse trabalhar de maneira estrutural toda uma cadeia criativa e produtiva. No nosso caso, a escolha do audiovisual e das novas tecnologias. O audiovisual no sentido amplo, não só o cinema, mas na união de todas as suas possibilidades, mídias e tecnologias. Para conduzir esse processo fundamos, após a realização do 1º Fórum da Fábrica do Futuro, em 2003, o Instituto Cidade de Cataguases. Desde então, contamos com a parceria de empresas e governos, em especial, do Instituto Francisco de Souza Peixoto, da Companhia Industrial Cataguases e do Ministério da Cultura, que possibilitam mobilizar toda uma rede de apoio local, regional e nacional. Em junho de 2005, depois desse processo de três anos, através do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, inauguramos os nossos primeiros espaços físicos numa área de 300m2, onde funcionam o núcleo gestor, oficinas, um telecentro cultural, estúdios de gravação, edição e desenvolvimento de projetos. Conduzida por uma equipe de 20 pessoas, entre jovens e adultos, a incubadora cultural está em fase de experimentação de uma metodologia pedagógica participativa que estamos chamando de 'laboratório vocacional'. A inauguração da Fábrica do Futuro acontece junto ao 1º Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (Cineport), num momento importante para a cidade, resultado, não por acaso, desses anos de trabalho. Na programação paralela do 1 Cineport, houve o 2º Fórum da Fábrica do Futuro, animado por uma oficina experimental de televisão que produziu o programa "Geração Digitaligada", realizado por uma equipe de 60 jovens. O auditório do programa contou com a participação de mais de 700 jovens de Cataguases e mais 15 municípios da região. Essa experiência deu início à formação de uma rede de cooperação regional, que nos levou, pela segunda vez, a sermos selecionados pelo Ministério da Cultura para o Programa Cultura Viva. A partir de 2006, com a criação de núcleos de jovens criadores e produtores de mídias vamos ampliar e amplificar nossa experiência em 15 cidades de nossa micro-região.
Temos atuado, também, com a noção de metareciclagem, de recuperação de equipamentos, ditos obsoletos, como equipamentos de informática, máquinas de filmar e fotografar etc. bem como na pesquisa e experimentação de programas abertos, dos softwares livres. Temos estudado e pesquisado muito o que já vem sendo chamado de Cultura Digital. Ficamos um bom tempo dependendo de programas proprietários, mas fazer a migração não é tão simples assim. Realizar, na prática, ainda mais na área do audiovisual, é um desafio, é um processo que a gente deve perseguir, mas não basta apertar um botão e decretar: a partir de agora vamos todos trabalhar com programas livres. Nesse aspecto, realizamos, em setembro de 2005, em conjunto com o Ministério da Cultura, dentro do Programa Cultura Viva, uma oficina de Cultura Digital envolvendo todos os "pontos de cultura" de Minas Gerais. Em setembro de 2004, implantamos o Telecentro Cultural Comunitário, o primeiro da cidade e nosso embrião da Fábrica do Futuro. Com 40 computadores usados, recebidos do Banco do Brasil, realizamos uma experiência piloto toda centrada no acesso livre à internet (pesquisas, trabalhos e comunicação pessoal). O Telecentro recebe, em média, 1.600 pessoas por mês. Em 2006, iremos implantar mais cinco Telecentros Culturais Comunitários. Eles vão fazer parte do processo de comunicação que sonhamos, não serão apenas laboratórios de informática, mas, sobretudo, serão parte importante dessa rede criadora e produtora de comunicação da cidade e da região. Ainda em 2006, vamos participar do "Programa Filme Minas", da secretaria estadual de Cultura, onde fomos selecionados para produzir uma revista eletrônica na Internet chamada "Zinema". Estamos nos preparando ainda para participar de duas produções cinematográficas, um documentário e um longa-metragem, ambos inspirados na obra de Luis Ruffato, escritor de Cataguases que hoje mora em São Paulo. Começamos a elaborar a produção de um filme de animação com Marcelo Xavier, autor de obras infantis conhecido em todo Brasil. Ou seja, trabalhamos na perspectiva de formular política pública inclusiva associada à indução de alternativa econômica e inclusão no mercado de trabalho. As duas metas estão bem definidas para nós. Ao mesmo tempo, vamos lutar para que nossa experiência possa universalizar-se como direito a todo cidadão, e, também, batalhar para induzir o surgimento de um novo mercado, uma nova economia, para que possamos de fato estar incluindo toda essa juventude numa nova perspectiva de sociedade, trabalho e renda. Para nós, foi um privilégio poder realizar essa experiência numa cidade como Cataguases. Por que Cataguases? Cataguases é uma cidade histórica que traz a marca da modernidade. A cidade fica a 120 km de Juiz de Fora, 310 de Belo Horizonte e 230 do Rio de Janeiro, ou seja, é uma cidade estrategicamente próxima a importantes centros urbanos.
Toda essa história de modernidade não foi por acaso. No início do século passado, a cidade foi palco de um movimento literário muito forte, o Grupo Verde de Literatura, que participou ativamente do movimento modernista brasileiro. Ainda nos anos 20, surge na cidade Humberto Mauro, que inaugura a cinematografia brasileira. A cidade também detém o maior acervo arquitetônico modernista do interior do país. Toda essa riqueza cultural está historicamente lastreada pela força econômica, principalmente a partir de 1905, a partir da indústria têxtil e da energia elétrica. Em relação ao país, Cataguases realiza precocemente sua revolução industrial. Hoje, a cidade detém a segunda reserva brasileira de bauxita, tem 64.000 habitantes, 92%, digamos assim, entre aspas, alfabetizados, 20.000 jovens na faixa de 14 a 24 anos, uma população com, obviamente, enormes carências de políticas públicas inclusivas. Nos últimos 10 anos, começa um novo ciclo na cidade, basicamente liderado por instituições do chamado Terceiro Setor e por empresas que garantem e ampliam a manutenção de diversos grupos e equipamentos culturais. O Instituto Francisco de Souza Peixoto e a Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho são os melhores exemplos. Para ser ter idéia, o Instituto Francisco de Souza Peixoto, da Cia. Industrial Cataguases, realiza 25 projetos nas áreas de educação, cultura, esporte, saúde e cidadania, com mais de 4.000 pessoas atendidas por mês. Todo trabalho é bancado pelo resíduo industrial do algodão da companhia. Ou seja, são recursos próprios, com a venda do resíduo, que financiam o Instituto, não leis de incentivo fiscal ou programas governamentais. Um tremendo diferencial na chamada Responsabilidade Social Empresarial. Cataguases reúne, portanto, a tradição, a história e a capacidade de empreender projetos inovadores como a Fábrica do Futuro, que favoreçam a implantação de políticas públicas e o surgimento de novos mercados. Nesse sentido, para que se alcance esse impacto social de fato, nossa meta é preparar a cidade para receber um Pólo de Criação e Produção do Audiovisual e Novas Tecnologias.
Software
Impacto Cultural das Novas Tecnologias Cultura e Comunicação
Chico Caminati faz parte do coletivo da Rádio Muda [http://muda.radiolivre.org] e desenvolve pesquisa de Mestrado em Sociologia da Tecnologia na UNICMAP é isso mesmo ou Unicamp? Bem eis a mudança, se tiver sido erro de digitação: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Chico Caminati O mais interessante em eventos como esse são sempre os debates, onde as pessoas podem expor suas idéias. Se alguém, em algum momento, quiser fazer uma intervenção sobre o que eu estiver falando, eu gostaria de deixar esse espaço aberto, porque às vezes uma pergunta pode até ajudar a tornar a fala mais interessante, mais inteligível. Eu acredito que o software livre é um fenômeno muito interessante para pensarmos a relação entre o desenvolvimento tecnológico e a cultura contemporânea.
Nos
anos 60, com o surgimento dos
microprocessadores de dados e, logo depois, quando começaram a desenvolver microprocessadores cada vez mais
potentes, acelerando, numa escala absurda, o próprio processo de produção dos
microprocessadores, passamos a viver sob o ritmo daquilo que alguns autores chamam de aceleração da aceleração técnico-científica. Na verdade, durante a Segunda Guerra Mundial já há uma aceleração da revolução técnico-científica. Mas depois dos anos 70, o que se vê é uma aceleração da aceleração, uma velocidade maior ainda do desenvolvimento tecnológico. Isso é resultado da aplicação das conquistas da evolução técnica sobre o próprio processo de desenvolvimento técnico. Essa aceleração da aceleração causou um problema cultural, não um impacto na cultura, eu diria, mas um problema cultural no que concerne à capacidade da cultura de compreender os processos técnicos. Ou seja, nossa compreensão sobre os processos ficou para trás nessa corrida. Além disso, ainda há um aspecto que complica essa questão: a fusão da lógica do capitalismo com a lógica da produção técnico-científica. Ou seja, uma produção técnico-científica baseada na lógica de valorização do capital: a tecnologia é desenvolvida visando a produção de valor e isso traz conseqüências muito grandes. Hoje em dia praticamente tudo virou matéria-prima para esse desenvolvimento tecnológico, inclusive a cultura, inclusive o ser humano, a vida. Isso acaba causando curtos-circuitos em nosso pensamento, porque noções centrais como a noção de ser humano, como a noção de corpo, a noção de Humanidade, vão perdendo o sentido ao qual estávamos acostumados.
Com a clonagem, por exemplo, você pode tirar células do fígado de uma pessoa e criar um remédio. Mas é preciso que exista uma discussão jurídica para saber se a célula, o DNA, é da pessoa, uma vez que o DNA não foi extraído dela, mas é uma informação que foi codificada a partir de um padrão encontrado no padrão informacional do DNA da célula de uma pessoa. Enfim, vivemos hoje um momento em que é difícil compreender aquilo que estamos vivendo. E as conseqüências disso podem ser, e, infelizmente, estão sendo, drásticas em todos os aspectos da vida humana. Uma leitura que me orienta nessa reflexão - e eu gostaria de passar a referência, até porque ela é muito melhor do que eu falando - é a do filósofo Félix Guattari. Num dos últimos textos que escreveu, um texto pequeno de 50 páginas, que se chama As Três Ecologias, ele mapeia esse problema e tenta propor algumas alternativas. Guattari aponta que qualquer alternativa para isso que vivemos hoje precisa ser, necessariamente, uma alternativa de âmbito global, no sentido de abranger todas as dimensões da vida humana. E ele separa essas três ecologias, que seriam: uma ecologia do ponto de vista ambiental; uma ecologia - vou colocar aqui, simplificando demais, do ponto de vista da tecnologia, de como a gente se relaciona com essa 'segunda natureza' -, que é a tecnologia; e uma ecologia dos modos de vida, que inclui aí uma ecologia da subjetividade e das relações humanas. O que eu acho que o software livre tem para oferecer a isso tudo é a possibilidade de uma outra relação entre humanos e máquinas. Uma relação que não é mais uma relação só de utilização, onde utilizamos um computador, mas é uma relação de interação, onde o computador passa a potencializar aspectos humanos, e o humano consegue desenvolver potenciais do computador. Então, o software livre proporciona uma relação recíproca. Essa relação não é uma conseqüência direta da simples utilização do software livre. Isso é uma confusão que costuma ser muito comum em todos os projetos de inclusão digital, de você achar que o simples fato de usar software livre numa máquina já mudou tudo, já mudou sua relação com a tecnologia. Eu acredito que não é isso. Mas existe uma potência, uma possibilidade, uma abertura para que essa relação seja modificada. E qual é essa abertura? Vou pegar como exemplo a fala do César (César Piva): "Editar vídeo e áudio em software livre é complicado. Não é muito fácil, não é simples. Mas a gente está tentando". Então, no software livre, quando há um erro, isso não é ruim, pois esse é justamente o momento mais interessante no processo de produção. Porque o erro vai desencadear um processo criativo de aprendizagem, produção e troca que talvez aponte para aquilo que o Guattari chamou de refundação das práticas sociais. Quando você usa Windows e seu computador tem um problema -- e ele costuma ter problema sempre, pois ele não é uma máquina fechada e acabada, mas uma máquina que possui seu modo de existência -- o que é que
você faz? Você liga para um técnico, ele vai à sua casa, aí olha o seu computador e vai ter que resolver isso rápido porque ele tem vários para ver no mesmo dia. Ele vai olhar e dizer: "Ele está com problema aqui, e eu vou ter que formatar o seu computador e instalar de novo". Eu tinha um amigo que trabalhava com isso, e ele me contou que quando chegava diante de uma situação como essa, ele olhava o problema e geralmente tinha duas opções. Quando era um problema muito simples, de configuração básica, ele ia lá e consertava, mas não falava para a pessoa que era simples para não perder o cliente. Ele ia lá, consertava, fazia um showzinho e cobrava. Mas se o problema era um pouco mais complicado ou se ele não sabia resolver, ele reinstalava o Windows, que era muito mais fácil, e a pessoa pagava para ele. Então esse problema nunca era solucionado, mas adiado. Depois de um tempo, às vezes o problema se repetia, e novamente ele era chamado, ia lá e procedia da mesma maneira. E aí eu pergunto: que tipo de relação a gente está estabelecendo num contexto como esse? Está estabelecendo uma relação profissional, uma relação impessoal e de prestação de serviço, que gerou um consumidor de um lado, e um prestador de serviço do outro, uma relação mediada pelo dinheiro. Já quando você está instalando o software livre e você tem algum problema -- hoje em dia até já existe suporte técnico profissional para software livre, mas até seis meses atrás não existia -, você em geral não tem esse suporte profissional. Então, quando você tem um problema, um erro, você tem algumas opções para resolver esse erro. Você pode falar com um amigo, ou com alguém que você conhece e que sabe mais do que você, e pode pedir para ele resolver o problema. Ou, a maneira mais interessante, você pode pesquisar uma solução. Eu estava, por exemplo, falando com um amigo antes de vir aqui, e ele me perguntou onde era possível encontrar suporte para a instalação de um CD-Rom. Eu disse para digitar no Google "Como instalar um CDRom Linux". Ali ele encontrará inúmeras respostas, listas de e-mail, fóruns e wikis, que são sites de produção colaborativa. Na pesquisa você vai ter que encontrar canais que tenham respostas interessantes. Você vai depender de um tempo para investir, pesquisar e aprender. Depois de encontrar, você vai ter que aprender, vai ter que testar, vai dar errado de novo, aí você vai ter que procurar de novo, vai ter que ver qual é a configuração do seu computador, até consertar. Ou você vai chamar esse seu amigo que vai lá resolver para você. Mas ainda nesse caso é uma relação pessoal, que não é mediada pelo dinheiro. Em outros termos, seria uma troca do tipo que alguns autores chamam de dádiva. O princípio da troca de dádivas é a reciprocidade. Eu te dou algo e você me devolve algo. Não é uma troca direta e racionalizada, quantificada como a troca do dinheiro, onde uma água vale R$ 1, e eu te dou R$ 1 e você me dá uma água. Nessa troca, meu amigo conserta o meu computador, e eu posso, sei lá, pagar uma cerveja para ele, pagar uma pizza, ou então mandar um e-mail agradecendo e ele vai ficar muito feliz com isso.
Então, com o software livre estamos diante de um outro modelo de produção de conhecimento técnicocientífico, de produção de tecnologia. Porque são redes de produção colaborativa em que as pessoas disponibilizam aquilo que elas produzem, porque quanto mais você dá, mais você vai sair ganhando. É uma tremenda incoerência e talvez até loucura se pensarmos através da lógica do capitalismo contemporâneo, que é a lógica do software proprietário, das patentes, na qual quanto mais você exclui outras pessoas daquilo que você produz, mais você ganha, pois possui o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, a sua invenção, a sua criação. E por que quanto mais você dá mais você vai receber? Porque existem circuitos dessa cultura de compartilhamento e esses circuitos estão crescendo. Geralmente, quando você faz alguma coisa você nunca começa do zero. Você pega algo que já existe, faz uma adaptação, uma correção... ou você inclui e faz um incremento e você é obrigado a passar para frente de uma forma aberta, através das licenças abertas . Então, é um modelo de produção que já reúne milhões de pessoas em todo o mundo. (ponto) O processo técnico do modelo de produção técnico-científica baseado no capital, nas patentes, é restrito a um grupo de especialistas que ficam lá tentando desenvolver soluções e inovações. São pagos para fazer só isso, são pessoas altamente qualificadas que ficam ali concentradas num tipo de atividade. Então, num curto prazo eles atingem um rendimento mais alto. Mas, a longo prazo, se você tem milhões de pessoas colaborando, cada uma colocando um pouquinho, é um trabalho que vai demorar mais, mas ele tem mais chance de continuar evoluindo porque é um processo aberto a múltiplas interpretações e contribuições. As potencialidades estão sendo exploradas de uma maneira muito mais diversa e estão dando vazão também à diversidade que existe na sociedade, que existe no mundo. Existem distribuições Linux que já foram traduzidas para dialetos asiáticos, há um pessoal de Santa Catarina traduzindo uma distribuição Linux para o uarani... (guarani?) São projetos que envolvem ou despertam interesse comercial, mas existem pessoas que têm interesse no valor de uso, na utilidade daquilo. Em uma utilidade concreta, não é uma utilidade abstrata, que o matemático da empresa vê e analisa estatisticamente em busca de um mercado e de aumentar a produção em tantos por cento. É uma utilidade sentida intuitivamente por aqueles que usam o software livre. Eu falei do Félix Guattari, mas esqueci de falar que ele propõe uma perspectiva que ele chama de "ecosofia", que é uma articulação ético-política daqueles três registros ecológicos que eu coloquei antes: o do meio ambiente, o das relações sociais mediadas pela tecnologia e o da subjetividade humana. Então, o que ele está propondo na verdade, o que ele clama -- é um texto que ele escreveu no fim da vida dele, então ele deixou de lado o rigor acadêmico para falar algo que ele sentia -, é que estamos diante de um problema que atinge a Humanidade inteira e que precisamos dar uma resposta nos termos de uma refundação (padronizei com a forma usada lá em cima) das práticas sociais.
Hoje grande parte da sociedade está isolada dessa questão, ao mesmo tempo em que todos são afetados por ela, de uma forma ou outra. (ponto e espaço) Por mais isolado que se esteja no seu canto, com a sua cosmologia, alguém pode chegar e coletar seu sangue para fazer um teste, uma pesquisa e, posteriormente, desenvolver um produto patenteável e capaz de gerar valor. Acredito que o software livre - não pelas características tão propagadas na mídia, que são apropriadas como bandeiras políticas, inclusive pelo governo atual, sempre com ênfase na questão da liberdade, na questão da economia, das licenças, mas por aquela potência que já citei que ele tem a oferecer -, acredito que não seja "a"resposta (o que é isso em amarelo????)
para essa proposição que o Guattari coloca. Mas, é uma
experiência, talvez seja melhor falar em termos de uma potência, que nos oferece uma perspectiva, uma referência para pensarmos outras possibilidades de sociabilidade e de existência. Quando falo aqui de software livre, não estou falando de um produto. Eu estou falando de um processo social de produção que é agenciado em torno desse artefato híbrido que medeia nossa relação com as máquinas computacionais. Então o software livre precisa sempre ser pensado como processo, e não como produto, até porque não existe produto final no software livre, porque ele está sempre aberto para o desenvolvimento constante e para novas utilizações, para novos desenvolvimentos. Essa perspectiva que eu expus abre a possibilidade para que possamos problematizar e criticar a grande maioria dos projetos de inclusão digital. Acredito que o problema hoje não é que existam pessoas excluídas. De certa forma, está todo mundo incluído subjetivamente no campo dos desejos, naquilo que as pessoas querem, naquilo que elas acham que é o mundo, na forma como elas vêem o mundo e atuam sobre ele. É claro, nem todo mundo está compartilhando da mesma condição de vida, o mesmo modo de vida e a mesma condição de ter acesso às benesses desse "mundo maravilhoso" em que vivemos. Então, acredito que essa idéia da inclusão se torna uma coisa um pouco contraditória. Porque você vai querer incluir onde? Na lógica que produz a exclusão? De uma forma ou de outra, a lógica em que a gente vive hoje em dia é uma lógica que gera a exclusão necessariamente, tem que ter pessoas excluídas e não dá para todo mundo viver da mesma forma. Explico: há uma pequena parcela da população mundial que consome mais da metade de toda a energia que é produzida no mundo, de tudo que é produzido no mundo. E não dá para todo mundo ter o mesmo padrão de consumo dos Estados Unidos, porque senão o planeta explode, o planeta acaba. Precisamos pensar, precisamos ser mais radicais, precisamos ir além. É claro que eu estou falando isso de uma perspectiva, sei lá... utópica. Estou querendo pensar um negócio que não existe, entendeu... fazendo um esforço no sentido de pensar na perspectiva do planeta como um todo.
Eu não estou querendo menosprezar de maneira alguma os projetos que estão no front, que estão ali lidando com os problemas reais, que é claro que existem. Eu não vou falar para o cara: "Você não tem que procurar um emprego porque a gente tem que construir um mundo novo e tal". Porque todo mundo precisa ter um emprego. Porém, eu acho que essa dimensão utópica é muito importante, pois trabalha a criatividade, o desejo por coisas novas, por mudanças, para a gente construir uma outra racionalidade, e desenvolver outras (por que em vermelho????) práticas sociais. (diminuir um espaço) Penso que os projetos mais interessantes (sem vírgula) são aqueles cujo conceito fundador não é a inclusão, mas a apropriação. Apropriação é buscar que as pessoas tentem explorar outra forma de utilização, busquem outras maneiras de interagir e produzir tecnologia. Porque os objetos técnicos não contêm uma utilização em si mesmos. Eles não existem para funcionar somente de uma determinada maneira. A gente pode explorar outras utilidades, pode explorar utilizações 'menores' que não precisam ser hegemônicas. Então, é tentar ver como cada grupo vai conseguir utilizar aquilo para aquilo que quer fazer. De acordo com a maneira como ele vê o mundo. Esse é um processo muito interessante. Você vai em lugares no interior onde o tempo passa de uma maneira diferente, e o aprendizado se dá de uma maneira diferente e esses pontos de vista vão começar a desenvolver novas maneiras de utilizar a tecnologia. E esse exemplo do software livre baseado num compartilhamento, na criação de relações pessoais, na comunicação entre grupos diferentes, acho que vai gerar um processo muito rico.
Referências Bibliográficas: Félix Guattari. 1992. As três ecologias. Campinas, Papirus. Laymert Garcia dos Santos. 2003. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo, Editora 34. Gilbert Simondon. 1989. Du mode d´existence des objects techniques. Paris, Aubier.
Software
Impacto Cultural das Novas Tecnologias Cultura e Comunicação
Heloisa Buarque de Hollanda é professora titular de Teoria Crítica da Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do PACC - Programa Avançado de Cultura Contemporânea.
Heloísa Buarque de Hollanda Eu já estava namorando esse assunto da autoria fazia tempo quando fui convidada para falar aqui. Eu estava trabalhando isso na literatura, onde você vê umas novidades em termos de autoria, como um tipo de escrita coletiva nos romances de periferia. Nas artes plásticas a gente tem os fenômenos dos coletivos que são interessantíssimos também. Então, na prática, fora da web, o autor também está começando a se quebrar em muitos e a ter nessas frestas mais possibilidade de representação de coletividade, de comunidade, de diálogo. Tem um movimento aí de reformatação, de reprogramação da própria prática e da própria idéia de autoria no romance de ponta, geralmente meio que fora do mercado, em várias atividades culturais. São muitas, não é só o hip hop, que é bem óbvio com a questão do DJ. Também onde não é óbvio o autor está começando a se reinventar. Aí, quando me convidaram, eu fiquei completamente compulsiva. Comecei a pesquisar e arranjei uma pesquisadora péssima, que se chama Mariana Ribeiro. Porque ela é compulsiva, me trazia pilhas de papéis, e aí até agradeço a ela, mas ela me atrapalhou muito, porque ela não parou de trabalhar e eu fiquei com uma pilha aqui para formatar... No meio dessa confusão e dessa pesquisadora perfeitíssima, eu resolvi finalmente pensar em como se inventou esse 'autor'. Já que ele está em crise, já que ele está sendo questionado pela tecnologia, pelas relações sociais, pela produção cultural, ou então está se repensando ou não está encontrando mais, com tanto conforto, o lugar que a metafísica moderna deu para ele, comecei a pensar em como é que ele foi inventado. Porque ele é histórico, quer dizer, o 'autor' não, mas a idéia de 'autoria' não é uma idéia essencial. Nem sempre houve 'autores'. Estava ouvindo o Djalma (Djalma Valois) falar, e ele estava mostrando que também o saber compartilhado é uma coisa que não é de todo sempre. Aliás, nada é de todo sempre, tudo é bastante contextual e histórico. Então, eu fui catar cadê o autor. Por exemplo, está aí essa lei de propriedade intelectual, como é
que ela se fez também, em que contexto, quem pediu isso, o que foi necessário para isso? Então, eu fiquei curiosíssima. E a Mariana mandando e-mail, e eu ali no meio. Escrevi 40 páginas, mas diante dos meus 20 minutos aqui, reduzi para 20 páginas, depois para 10, e agora virou um menu... Eu separei um pouquinho as duas questões. Quer dizer, como é que o autor foi formatado foi uma curiosidade minha. E eu vi que em todas as civilizações da Antigüidade (trema), em rigorosamente todas, nunca a questão da propriedade autoral foi colocada. Quer dizer, não era uma variável importante, não interessava saber quem tinha escrito a "Ilíada"... Na China, na religião judaico-cristã, no Islã, na Grécia, em Roma... Em nenhum desses lugares tinha autor. Mas tinha muita literatura. Nessa época, a noção do valor literário, do valor dramatúrgico, era dada pela antigüidade (trema) do texto, ou pela interpretação do texto, e nunca pela autoria, o que é muito interessante. Então, quando será que esse autor foi 'inventado'? Tem um livrinho muito especial chamado "O que é um autor?", que traz três textos rigorosamente geniais. Um deles localiza um pouco isso. Ele localiza a invenção desse autor na Revolução Francesa, no regime imediatamente anterior, enquanto há uma oposição ferrenha à Monarquia por parte dos filósofos iluministas, por parte dos cientistas etc. Nessa época, começou-se a escrever textos e a panfletar. Diante desses panfletos rigorosamente de oposição e de resistência, a Monarquia começou a querer saber quem tinha escrito aquilo para poder ser passível de condenação penal, quer dizer, para poder prender os 'baderneiros'. Aí começou a se configurar a necessidade de se determinar a autoria do texto, o autor do texto. Isso aí é muito mais interessante do que eu estou contando, eu estou resumindo de uma maneira até muito cafajeste, jogando todas as nuances e as sutilezas dessa coisa fora. Mas é muito interessante a gente localizar a necessidade da criação da autoria exatamente no momento em que os autores estão passíveis de punição. Quer dizer, ela nasce muito ligada à idéia de transgressão, que é um dos atributos que o autor sempre se coloca. O autor que não é transgressor não é um bom autor. Isso inclusive traz nuances fantásticas de marketing, porque no modernismo, nas vanguardas, ele era um maldito, ele era um transgressor mesmo, ele ia inventar tudo, ele se vestia com roupa rasgada ou passeava de Cadillac, que nem Oswald de Andrade, era uma pessoa diferente das outras. Ele se atribuía um valor de transgressão e de oposição que hoje a gente lamenta que não exista mais, mas eu não sei se é tão ruim não existir mais isso. Em todo caso, vou pular essa conversa e vou direto para a questão da lei, que também é muito interessante. Para começar, a lei veio antes do autor. Eu fiquei perplexa, mas isso aparece em vários autores. A lei começa a ser formatada no século XVI para XVII, quando começa uma movimentação para regular a propriedade intelectual. Até essa altura do campeonato ainda não tinha 'autor'.
A figura do autor como valor artístico era o patrimônio, a propriedade principalmente dos produtos, das patentes, das invenções, ou mesmo de alguns textos, mais textos filosóficos. Mas não havia a categoria 'autor' tal como é hoje, que define um ser diferente, sobrenatural, melhor que os outros, que tem talentos, que conversa com Deus. Até hoje tem um pouco isso... O 'autor' não foi necessário até o momento da revolução burguesa. O momento em que exatamente aparece o indivíduo, a questão dos direitos do indivíduo, e aí esse 'autor' se formata. Esse autor também tem uma malandragem que perde o mecenato. Antes, ele era um empregado, e por isso também a questão dos direitos não era tão importante, porque o autor era servidor público do Estado (redundante, né? Servidor público é servidor do Estado, penso eu) ou era escravo. Estava com a vida garantida. Ele não precisava se colocar no mercado e ser dono daquele produto. A partir da Revolução Francesa, tem uma virada e as coisas todas começam a se formatar. O autor e a propriedade intelectual são fenômenos modernos. Claramente modernos. E o moderno aconteceu anteontem. Em termos de antigüidade (trema), você tem milhares de civilizações antes, foi literalmente anteontem que se inventou essa figura estranha que é a figura do autor, e as leis de propriedade intelectual. Acho engraçado um ter vindo antes do outro, essa é uma pesquisa que eu vou fazer com mais tempo. Já a propriedade intelectual existe mais tardiamente, antes você tinha apenas a patente e os direitos autorais. Propriedade intelectual é uma coisa já do século XIX - foi usada pela primeira vez no dicionário Oxford, em 1845, mas eu acho que o emprego mais comum dessa palavra começa bem mais à frente. Tem uma coisa que eu achei fascinante na história da lei, que é o que mais me chamou a atenção depois dessa coisa ininteligível da lei vir antes do autor, do objeto da lei. Uma coisa que é interessantíssima e que surge no primeiro momento em que se fala em formalização legal do direito autoral, que é o direito privado contra o interesse público. Quer dizer, então teve essa briga na nascença. Isso é fascinante, porque significa que o tema desse seminário estava presente já nos debates do século XVII e XVIII. Então, essa coisa da propriedade intelectual nasce com essa cisão, nasce com essas duas vertentes de interpretação. A lei vai proteger o bem público, o interesse público. A lei vai proteger o autor, o direito privado. Então, isso é antiguíssimo e é fantástico, porque você tem muita documentação disso na própria historinha da lei. Tem um texto que eu vou recomendar para vocês, eu não sei nem em que site está, mas é um texto de uma professora americana chamada Carla Hesse, ela é muito didática e conta a história com muitos detalhes. Ela não faz grandes interpretações, é uma pesquisa de base bem legal. E eu tirei muita coisa dela. Ela não chama a atenção para o fato de que o tempo todo o eixo do debate é esse embate entre o direito, o interesse público e o direito autoral. Mas ela mostra isso.
Porque em cada lei esse debate aparece. O direito do autor é questionado diante do interesse público. Então, dão o direito por sete anos, depois por 14 anos, e agora são 50 anos e depois da morte. Então, esse é o período mais longo que já houve em termos de domínio público. É uma história muito legal e eu recomendo que a gente leia. Nessa trajetória, outra coisa 'interessantérrima' é quando a coisa fica internacional, quando o primeiro tratado na Revolução Industrial começa a circular nos livros... Ah! E essa coisa de pirata que a gente acha que é tão pós-moderna, foi a primeira coisa que aconteceu. A primeira lei no século XVII, porque acusavam de piratas os que eram livreiros, não os editores. Os livreiros que pegavam os livros e faziam edições mais baratas em nome do bem público. Então, a pirataria existe antes da lei. É muito legal porque esses termos são os mesmos termos, quer dizer, é o que eu penso do software livre, é o que eu penso do Creative Commons, da pirataria criativa, do uso coletivo, dos limites do direito autoral. Tudo isso nasce com essa questão. E essa questão não está resolvida desde o momento em que foi nomeada. Ela já nasce quebrada, problemática. Não nasce resolvida. A trajetória inteira dessa conversa de lei é uma trajetória onde briga o autor e briga o bem público. Então é uma causa justa, não? No mínimo, intrínseca a essa idéia que não é uma idéia íntegra, do ponto de vista de redonda, de uma idéia aceitável. Ninguém aceita nunca, durante muitos séculos. Ela vem sempre provocando conflitos. Aí você vai ver na Revolução Comunista, isso volta e vira bem público, mas aí o Estado é que fica dono dos direitos. Depois, na Revolução Cultural Chinesa, volta de novo. É sempre uma história de transferência do monopólio das idéias para os regimes teocráticos ou comunistas. As revoluções socialistas todas produzem isso. Agora, quando entra na arena internacional, era isso que eu queria chamar a atenção, o que acontece? A primeira coisa é em 1870. Nesse momento, os livros começam a viajar, a ser exportados. Você vai ter que ter leis que regulem essas viagens. Então os livros gringos chegam aqui, e o que a gente faz? Que lei é que vale? A lei dele, a minha lei? Porque cada Estado tinha a sua lei, como ainda tem. Cada país tem lá suas características de lei de direitos e propriedades. Aí começa um novo conflito. Como adequar às necessidades locais, ao trânsito e ao acesso a mercados outros livros que não os seus? Criou-se, então, um tratado nacional, onde ficou estabelecido - acho que é uma coisa que vale até hoje - (sem vírgula) que as leis que vigem no Brasil, por exemplo, serão as mesmas para qualquer produto estrangeiro traduzido aqui. Então, você vai aplicar para o livro estrangeiro ou para o brasileiro as mesmas leis em território nacional. Acontece que nesse debate, o conflito se acirra quando é internacional. Porque os países mais centrais, os países, como eles chamam, 'exportadores de idéias e de patentes', e de textos, esses países defendem a
propriedade privada. E os países periféricos, ou os países em desenvolvimento, defendem o interesse público. Então é uma guerra grande. Nesse primeiro tratado, os países se recusaram a aceitar essa regra, inclusive os Estados Unidos - que eram uma nação nova e não estavam com essa bola toda que estão hoje -, que eram um país importador de idéias e patentes. Então os Estados Unidos são totalmente contra a propriedade privada e não assinam a lei do copyright inglesa, eles brigam pelo domínio público sem parar. (olha nessa seqüência fiquei em dúvida sobre o plural... mas o sujeito é, o tempo todo, "os EUA", né?) Um século depois, no comecinho do século XX, final do século XIX, tem outro tratado internacional e você vai ver os Estados Unidos numa posição totalmente diferente. Os Estados Unidos passam a defender os direitos privados, porque começam a ser exportador de idéias e patentes, enquanto os países de Terceiro Mundo continuam defendendo o domínio público. Quer dizer, cada vez se acirra mais essa coisa e se clarifica mais, porque é um conflito de interesses, não é exatamente uma coisa natural esse conflito. E os países mais poderosos, os países exportadores, claramente defendem o monopólio e os outros se viram como podem. Em 1989, você tem uma coisa muito importante que é o chamado 'Consenso de Washington' - um tratado internacional que regula as regras das operações financeiras e de Estado na globalização. E ali, a questão da propriedade intelectual ficou barra pesada. Ali houve um testamento enorme de sanções contra os países. E numa hora muito complicada, em que havia a questão dos remédios contra a Aids, a questão das células-tronco etc.. E essas patentes começaram, mesmo que se produzidas por países periféricos, a ser pilhadas. Os saberes locais, como disse a Eliane (Eliane Potiguara), ficaram totalmente não defendidos pela lei. E então você vai ter uma pilhagem muito grande de remédios, de ervas. Eu queria tanto saber como é que se comporta a lei nesses casos, não sei se vocês sabem as regras e as lógicas de propriedade intelectual de uma coisa imaterial. Para quem vai esse direito, é para a tribo? E a tribo é realmente a detentora disso? Eu achei interessante. É depois desse tratado (Consenso de Washington) tão absurdo e dessas práticas tão complicadas de apropriação de saberes, idéias e invenções dos países em desenvolvimento que eu acho que começa a aparecer essa briga de copyleft, essa consciência maior da questão da propriedade intelectual. Tem ainda uma coisa que eu acho muito complicadinha, que é o impacto da tecnologia na cultura. Isso é uma questão de fundo teórico. Eu acho que nunca a cultura se transforma por conta de uma tecnologia, eu não consigo acreditar nisso. O que me parece que acontece é o seguinte: você começa a ter umas
transformações nas relações sociais, você começa a ter umas transformações culturais e políticas que demandam a criação e a invenção de novas tecnologias. Só que essas transformações ainda estão em processo, essas transformações são sutis, estão ainda incipientes, mas elas já começam a sugerir e a pedir essa invenção. Quando chega essa invenção, é engraçado que a gente apresenta como um anjo exterminador e pronto. A fotografia vai acabar com a pintura! Mentira, não acabou. A pintura ficou muito mais pintura, porque pôde ser abstrata, parou de ser retrato. Aí vem o cinema... Vai acabar com o teatro! Mentira, o teatro ficou mais teatro, o cinema é que ficou com o ônus de retratar e aquela coisa. E depois chega a televisão e ameaça acabar com o cinema. Nesse momento, aparece o cinema de autor. O cinema começa a poder se experimentar e a coisa fica mais ela mesma. O livro também não acabou. Acabou o dicionário, porque também não faz sentido você ficar publicando essa Enciclopédia Britânica que fica obsoleta em seis meses. Mas o livro ficou mais livro, é só entrar nas livrarias e ver como eles ficaram lindos, glamourosos, com capas maravilhosas, sensoriais, cheirosos, apetitosos, enfim, e com experiências de relação com o leitor mais intensas, uma diversidade de publicação absurda. Quer dizer, se o livro anda mais livro, por que disseram que a Internet ia acabar com o livro? Me parece que ela estimula o livro. Então, eu estava querendo chamar a atenção para uma idéia que foi ciscada de um beliscão num texto do Foucault sobre Arquitetura. É sobre a chaminé. Ele mostra que a invenção da chaminé é considerada um momento sério da civilização ocidental, porque a chaminé vai levar para dentro da família. Porque o fogo era lá fora e quando vem para dentro de casa cria uma nova relação da privacidade da família. Vem da chaminé a formação de um núcleo familiar. Aí o Foucault, que é um estudioso, pegou o período anterior e começou a mostrar como isso já estava sendo formado, esse diabo desse núcleo familiar, essa questão da privacidade. E mostra que quando isso vai se formalizar pede a invenção da chaminé. O fogo tinha que vir para dentro porque aquela família, dinamicamente, já estava naquele espaço. É por isso que eu penso o que será, por exemplo, no caso da Internet - que a gente diz que é descentralizadora, que vai acabar com as coisas, da cultura dentro da web que vai exterminar tudo. O que será que pediu tudo isso? Agora é tão claro... eu acho que se a gente olhar - eu também não posso fazer essa história agora, mas se a gente olhar para trás vai ver essa dissolução da idéia de sujeito e de indivíduo vindo há bastante tempo. Essa conversa é velha, ela é anterior a nossa experiência cotidiana de convívio com a Internet, ela é bem anterior. Quer dizer, quando o indivíduo começa a se quebrar, a filosofia grita que morreu o sujeito, a literatura grita que morreu o autor, não tinha Internet, gente. Isso é 1950.
Não tinha Internet, podia ter sido inventado o computador ou sei lá o quê, mas isso não era do nosso cotidiano. Você já tinha essas questões todas colocadas, e uma certa dissolução dessa coisa central da modernidade, que é o indivíduo em aspectos mais comunitários, mais descentralizados, mais folgados, mais móveis, mais nômades. Você vai ver isso acontecer na cultura e na própria vida social e, de repente, tem a Internet, que é descentralizadora, que é móvel, que é tudo. E que me parece corresponder claramente a uma mudança de paradigma social e cultural seriíssima, que botou um ponto final numa época toda, numa epistemologia toda. Então eu acho que não é bem assim, que a tecnologia vem por demanda e ela agrega. Ela raramente destrói uma arte, que é esse o pânico. É que eu já sou muito velha. Eu não vi a invenção da fotografia, nem a do cinema. Mas a da televisão eu certamente vi, e ouvi esse papo. Vai acabar com o cinema, vai acabar com o teatro. Acabou nada... Você vai percebendo que a tecnologia não tem esses impactos todos na cultura. Me parece que a cultura tem impacto na criação da tecnologia, é uma coisa um pouco diferente. Se a gente pensar assim, talvez fique mais fácil pensar cultura e tecnologia. Esse impacto, é claro, dá mídia e dá canais para a cultura se agilizar, isso não há dúvida nenhuma. Na hora que você tem esse recurso na mão, sai de baixo. Porque o recurso descentralizado pela Internet é uma beleza para as redes de solidariedades, para a produção cultural, para o que quer que seja. Você muda, mas isso foi pedido, não me parece que isso tenha provocado a produção cultural atual. Quando você vai procurar a produção cultural dentro da Internet é interessante porque tem dentro e tem fora. Quer dizer, fora tem uma coisa que muda o padrão, mas dentro tem uma coisa feita por dentro e para dentro. Então, nessa de dentro e para dentro é engraçado que, à primeira vista pelo menos, temos duas tendências óbvias. Uma que é de protesto, que é para chatear, que é sabotagem, que é um pouco aproveitando politicamente, estrategicamente, a tática do hacker. E outra que é a de criação mesmo, de caráter mais coletivo. E é isso que a Mariana Ribeiro vai mostrar agora. Mariana Ribeiro: "Na nossa pesquisa, a gente elegeu alguns casos que seriam mais emblemáticos na questão do autor e do processo de criação colaborativa e coletiva. Como o Sabotagem, um site muito citado nos textos da nossa pesquisa, que disponibiliza obras para download. É um site pirata mesmo, porque as obras não são autorizadas. Elas todas têm copyright e eles mesmo assim disponibilizam a obra e divulgam que são piratas oficiais. Então, eles vão na contramão da questão do direito autoral e acham que têm que popularizar, independentemente de ferir legislativamente o direito de um indivíduo ou de uma editora qualquer.
O site do Re:Combo também disponibiliza uma obra literária para re-combinação. Então, uma autora surgiu com um enredo e ela abriu a obra dela para re-combinação e para participação coletiva. Basta que você entre no site para participar. Tem personagens, capítulos, e as pessoas colaboram. O Mídia Sana, por sua vez, atua na questão do audiovisual. É um grupo de pessoas que se juntaram para fazer uma produção colaborativa audiovisual também sem direito, sem a questão do autor. Eles são um grupo, têm uma produção muito legal de vídeos e questionam bastante o conteúdo visual. Questionam o conteúdo televisivo que é vinculado na TV, principalmente na TV brasileira, questões como violência e pornografia. Os vídeos são bem emblemáticos e feitos de samples de outros vídeos. É uma remixagem que eles fazem. Todos têm a mensagem de levar a uma reflexão do que está sendo veiculado e de fazer pensar sobre qual é a conseqüência desse conteúdo para a população. Principalmente na questão das crianças que sofrem com o amadurecimento e a sexualidade precoces. E a Heloísa agora vai falar do Vuming, que é também um caso bastante interessante." (fecha as aspas do início dela) Heloísa Buarque de Hollanda (acho que aqui não valem as aspas, pq continua como no texto principal de todos os autores, né?) Esse projeto Vuming é híbrido, por isso que eu o achei interessante. Antes de ele se chamar Vuming, ele se chamava Lutherblitser. Foi criado em 1994 para durar 5 anos. Esse Lutherblitser não existe. Tem a foto dele no site, né? É uma foto falsa, é uma foto construída. Isso no site é engraçado, porque é falso e não é. É muito interessante. Eu adorei as definições que o site dá para esse Lutherblitser. É uma reputação em aberto. É absolutamente genial um personagem ser uma reputação em aberto ou ser um pseudônimo multiuso. E ele foi adotado informalmente por centenas de ativistas hacker e ativistas sociais, artistas também, desde 1994, pela Europa inteira. Virou um certo vírus na Europa. Havia vários acontecimentos e várias produções assinadas Lutherblitser. Você não sabia quem era e tal, reputação em aberto, né? E é uso de identidade... E aí é interessante porque não é uso de texto, ninguém trabalhava o texto em cima do texto, como é normal. Você trabalhava em cima de uma foto de mentira. Você era essa pessoa e, em nome dessa pessoa, que tinha uma reputação em aberto, podia ser para o bem ou para o mal, você fazia várias coisas de hacker. Era um romance tipo James Joyce. Então é bem interessante essa coisa porque é um compartilhamento de identidade e não de produto.
Esse Lutherblitser acabou virando um herói folclórico, tipo um Robin Hood da informação. Ele fazia coisas terríveis também, tipo botar na mídia notícia falsa, falsos alarmes, criava redes de solidariedades falsas enormes às quais todo mundo aderia, gente séria, enfim... Em 1999, termina a existência do Lutherblitser. Acho engraçada essa periodicidade também, quando ele nasce diz que vai até os cinco anos. Então, com cinco anos ele morre mesmo. Ele se suicida, faz um Harakiri. Mas isso aí não satisfez a muita gente não, porque até hoje ainda tem Lutherblitser na Internet. Mas em princípio, o projeto acaba em 1999 com esse suicídio japonês do personagem. Depois, os quatro fundadores desse projeto juntam-se com mais um escritor e criam um outro projeto chamado Vuming. Esse Vuming é interessante porque ele também é diferente. Ele se define como uma banda de rock que não faz música, mas faz literatura. Em mandarim, a língua chinesa, Vuming significa anônimo. E o grupo, que é italiano, ficou muito famoso por ter esses políticos críticos e pela militância enquanto idéia de autoria. Eles são escritores, mas botam os livros lá. Cada um faz o que quer na Internet com os livros e depois que o livro está pronto, quer dizer, no momento em que você diz acabou, está pronto, ninguém mais pode entrar. Nesse momento, eles publicam por editoras e ficam famosíssimos, e são best-sellers todos. É muito estranho esse fenômeno, inclusive porque na indústria cultural tem um belo de um mito que se sai a íntegra de um romance na Internet, você depois não vende livros. Pois sai a íntegra e eles são bestsellers depois. A editora compra, todo mundo já leu, já mexeu, a editora compra e eles são best-sellers. No Brasil, eles têm uns seis ou sete livros. A Editora Conrad publicou três dos títulos. Um chama Q, o Caçador de Hereges, que é um thriller de pavor, que conta a história de um sobrevivente que tinha muitos nomes. Cada pessoa que entrava inventava um nome, porque ele muda de nome a história inteira e você não consegue localizar bem, e joga uma partida de xadrez onde vale tudo. Tudo completamente disperso. E a editora compra de quem? Compra da empresa Vuming Foundation. É uma Fundação. Está pensando que é brincadeira? É uma Fundação, que vende, que deve ter vários advogados em cima, né? A única coisa que eu tenho certeza na área da cultura é que o século XXI vai ser marcado pela questão da mudança no paradigma intelectual e eu acho que o Tangolomango sacou isso e está começando a fazer um trabalho importantíssimo de discussão, de organização, de debate, de chamar quem já está trabalhando nisso e de misturar com pensadores, com jornalistas e etc.. Acho que isso vai ficar na história.
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Cultura e Comunicação
Backbones Principais canais de dados da Internet. São redes nacionais ou internacionais de alta capacidade de tráfego de dados normalmente pertencentes a grandes empresas de telecomunicações ou governos - às quais se conectam as redes menores (provedores, empresas etc.), interligando redes de computadores do mundo todo e formando a Internet. Bits Simplificação para dígito binário, "BInary digiT" em inglês. É a menor unidade de informação usada na computação. Um bit tem um único valor, 0 ou 1, ou verdadeiro ou falso, ou quaisquer dois valores mutuamente exclusivos. Browser É o navegador, o programa utilizado para abrir páginas na Internet. Os principais browsers são o Internet Explorer, o Firefox, o Mozilla e o Opera. Byte Simplificação para termo binário, "BinarY TErm" em inglês. Um byte é um dos tipos de dados integrais em computação. É usado com freqüência para especificar o tamanho ou quantidade da memória ou da capacidade de armazenamento de um computador, independentemente do tipo de dados lá armazenados. Um byte tem 8 bits. Cinelerra Software livre para edição de vídeo Compilador Um compilador é um programa que transforma um código escrito em uma linguagem, o código fonte (do inglês source code), em um programa equivalente em outra linguagem, código objeto (do inglês object code). Normalmente, o código fonte é escrito em uma linguagem de programação de alto nível, com grande capacidade de abstração, e o código objeto é escrito em uma linguagem de baixo nível, como uma seqüência de instruções a ser executada por um sistema. Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação (CMSI) Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a CMSI (www.itu.org/wsis) foi uma conferência de âmbito mundial que procurou discutir o conceito e o modelo para uma Sociedade da Informação. O evento se deu em duas etapas. A primeira foi realizada de 10 a 12 de dezembro de 2003, em Genebra, Suíça. A segunda, de 16 a 18 de novembro de 2005, em Túnis, Tunísia. O objetivo era produzir um compromisso de todos os participantes - governo e sociedade civil. E-commerce Literalmente, comércio eletrônico. Modalidade de transação comercial efetuada pela internet. E-gov Forma reduzida para a expressão "e-government", ou seja, "governo eletrônico". Trata-se do uso das tecnologias da informação para o relacionamento entre governo, cidadãos, empresas e funcionários públicos. Firewall Programa cuja função é barrar a entrada de possíveis invasores em um computador.
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Cultura e Comunicação
Hackers Hacker é o termo originário do inglês usado para designar pessoas que criam e modificam softwares e hardware de computadores com destreza. Hacker tem muitos significados. Entre programadores, o termo refere-se às pessoas habilidosas em programação, administração e segurança de sistemas. Comumente na mídia usa-se o termo hacker para designar pessoas que usam os computadores para praticar atos ilegais ou anti-éticos. A palavra hacker originalmente se referia a pessoas que criam e modificam softwares e hardwares de computadores. O termo, porém, acabou sendo popularizado de forma incorreta para designar aqueles que invadem outros computadores, furtam informações, desfiguram sites, enfim, agem de forma aética e/ou praticando cibercrimes. Estes, na verdade, deveriam ser chamados de crackers. Icann A Icann - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Corporação para Atribuição de Nomes e Números na Internet) é uma corporação organizada em nível internacional, sem fins lucrativos, responsável pela alocação do espaço de endereços de números IP, pela atribuição de identificadores de protocolo, pelo gerenciamento do sistema de nomes de domínio de alto nível genéricos - os chamados gTLDs (".com", ".net", ".org" etc.) - e de códigos de países - os ccTLDs (".br", ".nl", ".de" etc.) e pela administração do sistema de servidores-raiz. A entidade tem a missão de preservar a estabilidade operacional da Internet, promover a concorrência, obter uma ampla participação das comunidades globais da Internet e elaborar políticas adequadas. International Domain Names Originalmente, os endereços (ou domínios) de sites não aceitavam caracteres especiais, como acentos ou cedilhas, por exemplo. Os International Domain Names (ou Nomes de Domínio Internacionalizados) resolveram esse problema. São domínios que permitem o uso de caracteres de idiomas locais. Mais informação em http://www.icann.org.br/topics/idn. Kernel Kernel de um sistema operacional é entendido como o núcleo deste ou, numa tradução literal, o cerne. Ele representa a camada mais baixa de interface com o hardware, sendo responsável por gerenciar os recursos do sistema computacional como um todo. É no kernel que estão definidas funções para operação com periféricos (mouse, disco, impressora, interface serial/interface paralela), gerenciamento de memória, entre outros. Resumidamente, o kernel é um conjunto de programas que fornece para os programas de usuário (aplicativos) uma interface para utilizar os recursos do sistema. Malware É o chamado "software mal-intencionado". É apresentado em mensagens que procuram induzir o destinatário a clicar em determinado link ou abrir algum programa anexo de origem suspeita que, se executado, acaba por contaminar com vírus ou danificar o computador do usuário. Metareciclagem Apropriação da tecnologia para transformação social Ver: metareciclagem.org Number Resource Organization Trata-se da Organização de Recursos de Números IP (www.nro.net), órgão que reúne os cinco registradores (RIRs) AfriNIC, APNIC, ARIN, LACNIC e RIPE NCC. Criado em outubro de 2003, se encarrega de desenvolver atividades conjuntas desses registradores e é responsável por sua coordenação estratégica.
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Cultura e Comunicação
Número IP Todas as vezes que uma máquina acessa a Internet, ela é automaticamente identificada por meio de um número chamado IP (da sigla em inglês para Protocolo de Internet). Os números IP são formados por um conjunto de quatro números separados por pontos. Cada um pode variar de 0 a 255. Por exemplo: 2.170.15.230 poderia ser um número IP. Phishing O termo vem do inglês fishing, que significa "pescar". Trata-se de uma modalidade de golpe bastante comum na internet que se caracteriza pela tentativa de se fazer passar por uma fonte confiável para obter informações sigilosas, como números de cartão de crédito, dados pessoais ou senhas bancárias. O golpe aparece sob a forma de mensagens instantâneas ou de correio eletrônico que direcionam o usuário para sites falsos ou programas maliciosos. Phyton Linguagem de programação Scams Em tradução literal, "golpes". São ofertas de produtos que prometem resultados falsos, vagas de emprego que não existem ou oportunidades de negócio fantasiosas. Script Série de comandos agrupados em linha num arquivo Servidor-espelho Eles mantêm cópias dos servidores-raiz, garantindo a manutenção do sistema na hipótese de um servidor-raiz falhar. Também são utilizados para equilibrar a carga de acessos entre os diversos pontos do planeta, de modo a dar mais agilidade ao sistema. Servidor-raiz Os pilares da Internet são formados por uma rede de 13 servidores de grande capacidade, os servidores-raiz. A maior parte deles (dez) encontra-se nos Estados Unidos. Há outros dois na Europa e um na Ásia. Se um deles falha, países inteiros podem se desconectar imediatamente. Por isso existem servidores-espelho. Spam Spam é qualquer mensagem de correio eletrônico não-solicitada enviada em massa. Na sua forma mais popular, o spam é uma mensagem com fins publicitários. O termo, porém, pode ser aplicado a correntes, boatos, mensagens indesejáveis ou inconvenientes. A origem do termo spam está descrita (em inglês) em: http://en.wikipedia.org/wiki/Spam_(Monty_Python). Spam é uma mensagem eletrônica não-solicitada enviada em massa. White Paper Relatório oficial relativo a um estudo produzido por especialistas sobre determinado tema.
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Cultura e Comunicação
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Contatos Projeto Tangolomango: contato@tangolomango.com.br; www.tangolomango.com.br
Palestrantes: BNegão - bnegao@gmail.com Caio Mariano - caio@kcp.com.br Carlos Affonso Pereira de Souza - http://www.direitorio.fgv.br/cts Carlos Afonso - www.rits.org.br César Piva - cesar.pi@terra.com.br; www.fabricadofuturo.org.br Chico Caminati - chico.caminati@gmail.com; www.descentro.org Christopher Csikszentmihalyi - csik@media.mit.edu Corinto Meffe - corintomeffe@gmail.com; Delânia Cavalcante - delania.cavalcante@institutotelemar.org.br; http://www.institutotelemar.org.br; Djalma Valois - http://www.iti.br Eliane Potiguara - http://grumin.blogspot.com Heloisa Buarque de Hollanda - hollanda@centroin.com.br Luiz Fernando de Souza (Pezão) - pezao@piraidigital.com.br; http://www.piraidigital.com.br Marcelo Sávio - msavio@br.ibm.com; www.ibm.com/br/linux; Mario Teza - mlteza@softwarelivre.org; http://www.softwarelivre.org; Omar Kaminski - contato@kcp.com.br; http://www.kcp.com.br Reinaldo Pamponet - www.eletrocooperativa.art.br Ricardo Filipo - ricardo.filipo@gmail.com Ricardo Ruiz - ricardo@midiatatica.org Ulisses Leitão - uli@doctum.com.br; www.doctumtec.com.br; www.muriquilinux.com.br;
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