Folha de sala Cidade de Vermelho(r)

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Projeto

VIAGEM A LISBOA


Naquele instante, sobre o precipício de si, nascera uma decisão. A decisão de um passo. Que importância tinha isso? Afinal, quantos passos damos na vida? E em que direções? Pedro de Sá, in “Letras no ocaso”

Era uma noite como muitas outras noites, húmida e pouco estrelada. Aparentemente sem história. Uma noite incendiada pelas dúvidas de quem não sabia se alguma vez chegaria a ter tempo para ter certezas. E onde estava eu nessa noite para que a noite, para mim, pudesse fazer sentido? Estava no centro geográfico de todas as esperanças e,mesmo sem saber o que me esperava, sabia que estava no sítio certo. E houve uma noite antes dessa noite. Muitas noites, mas uma em particular da minha memória agitada pelos afetos e pelos desaires. José Jorge Letria, in “Uma noite fez-se ABRIL” Lisboa, um trecho da Avenida da Liberdade, in O Bilhete Postal Ilustrado, de José Manuel da Silva Passos e imagem de Volta do Duche, Sintra, paisagem noturna.


CIDADE DE

VERMELHO(R) O projeto Viagem a Lisboa, desenvolvido pelos alunos do primeiro ano do curso de Design de Comunicação da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, consistiu num conjunto de 3 fases que de certa forma se relacionam com o facto de muitos estudantes terem de partir do seu local de conforto a fim de que tem um objetivo maior possa ser cumprido – o percurso universitário. Assim, numa primeira fase do projeto, propunha-se que a partir de deambulações pela cidade de Lisboa, a partir de encontros e desencontros, se encontrasse um local que de alguma maneira nos identificássemos ou tivesse por alguma razão despertado a nossa atenção. Um dia, um conhecido meu pediu-me que o acompanhasse nos seus afazeres. Aceitei o convite. Não perguntei qual era o destino. Confiei na minha própria sorte. Preparada para tudo o que pudesse surgir, vim munida da minha câmara e filmei exatamente ao mesmo tempo que via. A minha visão foi a da objetiva. Caminhei pé ante pé. Sempre convicta, mas sem a convicção. Enquanto caminhava, absorvi tudo o que podia pelos sentidos. No entanto, algo de inesperado se sucedeu. Entre todos os lugares que passara, pela primeira vez o meu olhar foi atraído por algo. Uma cor. O vermelho. E assim parti para a segunda fase do projeto. A procura por um local psicológico dentro do local físico dera-se imediatamente. A Avenida da Liberdade, tornara-se o espaço do ver-

melho e imediatamente a cidade de Lisboa se apresentava com o mesmo sentido que esta avenida teve para mim quando entrei nela. Despertou-me diversos sentimentos, por vezes até contraditórios conforme ia caminhando. Ideia de confusão, repetição, perseguição, frustração. Ideia circular – diversos ”objetos” que passavam por mim enquanto caminhava, eram da cor vermelha. Peças de roupa, malas, sinais luminosos vermelhos, placas de sinalização de zona vermelha ou automóveis. Mas também, ideia de “glamour”, de sofisticação dada por cartazes que publicitavam marcas de luxo como a “Cartier” ou os cortinados vermelhos que vestiam o Teatro Tivoli. Na terceira fase do projeto, regresso ao local que deu origem a todo o processo. O local de partida. Começo por refletir como este local se me apresenta no presente. Um local que já só existe de noite. Sintra tornou-se num dormitório para mim. E nesse dormitório, tudo o que vivi se apresenta como algo distante.Regresso a todas as memórias com o custo de quem acorda e se tenta recordar do que sonhou, pois o que me faz pensar neste local de forma especial, é o facto de viver nele desde a minha infância. Nesse dormir, essas recordações que quase se apresentam como sonhos por estarem tão distantes, essas memórias são nervuras que se interligam e que vão surgindo na minha mente a partir do momento em que cheguei a Sintra - de noite. Esta jornada que começa numa viagem a lisboa, termina com um percurso de reflexões que levam o indivíduo que o percorreu, a sair da sua visão singular sobre a sua condição na vida, e a identificar-se com um todo. Uma dimensão mais abrangente, a condição de um país e da sua gente - A dimensão lusa da noite.


Mara Abreu, 1º ano de Design de Comunicação Exposição “Viagem a Lisboa” Faculdade de Belas Artes 05.12.2013


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