Arte e Resistência ed. 01

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Revista do

Movimento de Teatro de Rua

de São Paulo Ano I - Nº 01 - Abril de 2009

ArtE e rEsisTênCia Na ruA


A Lenda de Sepé Tiaraju - Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV) :: Foto Augusto Paiva


Editorial

iste ncia. Ex ê t is s e r r ar te de rico, po ó é t a is u h r o e d rocess rseO teatro go do p o de pe n lv a lo i o o f A ção rito osia. anifesta erial esc t m por teim a a m , r s a o r t mod ste penil encon E . íc s if e diversos d õ ç é liza Por isso suas rea e de São d e a s id e guição. r c o a d n tinos us faze pelo me conscien , s o sobre se t o n p a u t r e g e re, entr do. Os samento r tância d o odifican p m im e s a em vista as acerca d m e is a Paulo, v o m d n z mal, te cada ve ca-se ta rias. Afin lo ó zam-se t o c is h o r t s sua regis cia. gistrarem ias históricas, o rma de resistên , ânc ativa fo , a ar te c o d ifi a n circunst iz ig r s de o uma petacula ção, ten a t bém com um mundo es s e if n ene ma Em oria. No a ação d r t a u c r o e r e m ma ção, ualqu o mais u locam em situa como q m o c a d rcara as se co aço abe t p is s t r e a ser en a m s am ulos e uando o espetác odos fru t tanto, q s e u u e q s do a oria. tando , de mo -mercad apresen a o d ic n ít r u c m orma tizam no m-se ao e e r õ c p to, de f n a o r t c o. me ras, con o públic videncia e m , suas ob o r c e d e e i proc amntre s ca efetiv r Ao assim de dialogismo e o r t e d ares che as vas form descor tin nsador Ernst Fis ve e s jo e mp o pe te de Novos la afirmou ra de ar b o o m a o c .) ão .. al, ar te: “( entificaç a id -se. Afin d a e d d s a é e reatrav cessid em A ne razão qu téia não la à p lo a e d p r-se um a apodera avés de r t a s os a m itos grup o.” u ã passiva, m is c r e e d z o fa a imção e procurad , por su queira a m im e s t s e A u . aulo ro das Éoq m São P essário o regist e a u r m e od acredita z-se nec a e f de teatr , u a q ic s r pista ia histó sses uto e por tânc d s o t e tan o hispossível. ações d apanhad de é o m d u n s u o om erem Rua que outr licação t eatro de b T u e p d a t da o t s Ne ovimen ta, lança r M e o b d A s a t e Rua a Car s açõ ), desde eatro de tórico da T P S e / d R T a r lo (M culos da la Most á e t p e p o São Pau s d e n es6, passa icas de diversos elo prof p em 200 s ít r a c d a , o rden s, com 08, coo m disso 0 lé Lino Roja 2 A . m e t e a dição s estive andre M x e t le n A a última e it r il o aseus m squisad Rede Br a d sor e pe r intermédio de o ã ç ntro , po rganiza r to enco e MTR/SP o princípio na o a u q jo cu qu de Rua, de cumento ram des e o d d o r m t u a e Te tirado o. sileira d aulo foi P o ã ublicaçã S p nia m s e s u e e a. Orga on f it e r r ocorr c a s t n a a r noss moenta t culos e se apres mos cumprindo á t e p s e s boa ssos Esta esejamo ando no r d t , is g im e s r s os, ria. A zando-n do histó n e z a f , s bilizaçõe todos! x leitura a


Carta aberta do Movimento de Teatro de Rua de são Paulo - MTR/SP O Movimento de Teatro de Rua de São Paulo agrega diferentes grupos e companhias de teatro de rua, pensadores e afins que visam a construção de políticas públicas permanentes que garantam a continuidade de pesquisa, produção e circulação do teatro de rua nessa cidade.

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Os integrantes do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo defendem a valorização do espaço público aberto como local de criação, expressão e encontro, compreendendo que, assim, esse espaço torna-se ambiente propício à ampliação da cidadania de quem com ele se relaciona.

Davids, Augusto Paiva, César Vieira, Claudia Gonçalves, Daniela Landin, Helena Cardoso, Isabela Penov, José Cetra Filho, Juliana Arapiraca, Kiko Rieser, Marcelo Perez, Natália Siuti e Nathália Bonilha Borzilo Revisão: Noemia Scaravelli Revisão final: Alexandre Mate Projeto gráfico/Diagramação: Maurício F. Santana Arte montagem da capa: Maurício F. Santana Fotos capa: Augusto Paiva, Joaquim Félix, Joca Duarte e Radhamés Sant’Anna Fotos 4ª capa: Augusto Paiva Produção executiva: Selma Pavanelli Tiragem: 1.000 exemplares

Jornalista responsável: Augusto Paiva – MTB 28118 (chico.gaspar@gmail.com) Colaboradores: Adailton Alves, Alexandre Falcão, Alexandre Mate, Ana Cecília

Expediente

O Movimento propõe ações que possibilitem o desenvolvimento de reflexões sobre o teatro de rua em âmbito nacional, bem como sobre sua relação com a cidade.

São Paulo, 29 de maio de 2006

Contatos:

mtrsaopaulo@gmail.com www.mtrsaopaulo.blogspot.com


Breve histórico do MTR/SP O Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP) nasceu em 2002 por intermédio da união de sete grupos no projeto Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha. Desde então os grupos interessados em debater temas pertinentes às especificidades do teatro de rua têm crescido significativamente. De agosto a setembro de 2003, foi realizado o 1º Seminário de Teatro de Rua com a participação de doze grupos. O Seminário consolidou o Movimento e resultou na I OVERDOSE DE TEATRO DE RUA, em que foram apresentados 15 espetáculos, no dia 03 de novembro de 2003, no boulevard da Av. São João e Vale do Anhangabaú. Mesmo sem qualquer patrocínio ou apoio do poder público ou da iniciativa privada, a ação, marcou o inicio de um processo mobilizatório tanto político quanto artístico. O Movimento realizou em junho de 2004 a II OVERDOSE DE TEATRO DE RUA; em julho do mesmo ano, o 2º Seminário de Teatro de Rua com a participação de pensadores, fazedores e políticos que atuam e pensam o espaço urbano. Ainda em 2004, foi realizado a 1ª temporada de Teatro de Rua de São Paulo, na Praça do Patriarca, objetivando fazer daquele local um espaço permanente para apresentação de espetáculos e também de divulgação da programação do teatro de rua. Desde a realização do 1º Seminário, o MTR/SP realiza encontros em que se tentam estabelecer as bases de uma atuação propositiva em que haja a inserção da manifestação artística no espaço público aberto; a luta por políticas culturais específicas que atendam às necessidades da produção, pesquisa e circulação da arte popular; e formas de ampliar o acesso ao teatro do maior número de pessoas. Em 2006, o Movimento foi a público mais uma vez e realizou a III OVERDOSE DE TEATRO DE RUA e lançou A CARTA ABERTA, de 29 de Maio. A ação exigiu do poder público o lançamento de um edital prometido desde 2004. Ainda neste ano foi realizada, contando com verbas do poder público, a 1ª MOSTRA DE TE-

ATRO DE RUA LINO ROJAS, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. A Mostra homenageou o artista e grande mestre nascido no Peru, mas “brasileiro da Zona Leste” Lino Rojas, fundador do Pombas Urbanas. Na programação do evento foi desenvolvido o seminário Políticas Públicas para o Teatro de Rua, uma exposição fotográfica, batizada Filhos da Rua e a Mostra propriamente dita, com a participação de vinte grupos escolhidos por edital. No encerramento da programação, os grupos realizaram um cortejo pelas ruas do bairro da Cidade Tiradentes. Ainda em 2006, o MTR/SP participou do II Fórum Artístico realizado pela Cooperativa Paulista de Teatro, em que se discutiu política pública, estética e a formação do artista que atua em espaços abertos e não convencionais. Em 2007 o MTR/SP realizou sua IV OVERDOSE DE TEATRO DE RUA com participação de grupos de outras cidades e de outros estados brasileiros. No mesmo ano realizou a 2ª MOSTRA DE TEATRO DE RUA LINO ROJAS, novamente em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. Em 2008, no dia 27 de março - Dia do Teatro, realizou a V OVERDOSE DE TEATRO DE RUA e solicitou: ao poder público municipal ampliação de recursos para o Programa Municipal de Fomento da Atividade Teatral da Cidade de São Paulo; ao poder estadual retomada do Fundo Estadual de Arte e Cultura em âmbito estadual; ao poder federal a criação do Prêmio ao Teatro. Participou com representantes e movimentos de outros estados da criação da Rede Brasileira de Teatro de Rua que já está presente em vinte e um estados. O Movimento de Teatro de Rua conta hoje com a participação de dezenas de fazedores e pensadores do Teatro de Rua, visando, sobretudo, a formação de uma ação cultural que alcance indistintamente o cidadão da metrópole paulistana, de maneira a mobilizar a sociedade para novas formas e relações com o espaço público. x 5


Teatro de rua em discussão O espaço cênico do teatro de rua O teatro de rua ocupa as áreas abertas, como praças, ruas, parques, entre outros, para fazer desses lugares seu espaço cênico. No entanto, esses lugares são dotados de significados, inscrevem parte da história da cidade, portanto, devem ser pensados em toda a sua amplitude para que possam ser bem utilizados. Se cada época teve o seu espaço de representação, devemos nos questionar acerca de qual seria o espaço de nosso século? Amir Haddad (2005) afirma que arquitetura e espetáculos sempre estiveram ideologicamente ligados e que nos últimos trezentos anos essa ligação foi determinada pela classe dominante, através da cena à italiana. Não obstante, a rua não é o espaço da classe dominante, que a tem apenas como escoadouro do capital, sendo um local perigoso, que deve ser evitado. A cidade é portadora de duas dimensões fundamentais: a de mercado e a de centro de decisões políticas, que não podem ser esquecidos ao criarmos a dramaturgia e o espaço cênico de qualquer espetáculo. Se pensarmos na cidade de São Paulo, constataremos que as possibilidades de ocupação com o teatro são muitas, isso por conta de suas próprias características. Aldaíza Sposati adverte que São Paulo é uma cidade em pedaços, fragmentada, dividida (2001), já Heitor Frúgoli Júnior se pergunta se ainda temos uma cidade ou apenas “(...) esferas sociais separadas, que já teriam perdido seus elos e mesmo a capacidade de reatá-los” (1995: p. 106). Ainda que esteja em pedaços ou mesmo que não seja mais cidade, tudo que há nela está carregado de significados e recebem “(...) influências econômicas (industrial e de consumo), comunicativas, associativas e culturais.” (FERRARA, 1993: p. 154) Por tudo isso, precisamos pensar a cidade e como a ocuparemos com o nosso teatro, como criaremos o espaço cênico e como daremos novo significado ao ambiente onde ocorre o espetáculo. 6

Radicalizar a inserção teatral na cidade é fundamental. Já nos anos 1970, o Living Theatre realizava espetáculos dessa ordem, como a performance itinerante Seis Atos Públicos para transformar a Violência em Concórdia, utilizando seis pontos da cidade, cada um representando, em termos simbólicos, o que interessava dentro da história apresentada. Como por exemplo, a adoração de um touro de ouro em frente a uma instituição financeira. Uma crítica mordaz ao capitalismo. Ou O Legado de Caim, um espetáculo composto de “(...) cento e cinqüenta peças separadas que tratam sobre as diferentes funções da cidade” (MIRALLES, 1979: p. 97). Assim, podemos perceber que a cidade em seus fragmentos, pode ser mais do que o espaço da representação, pode ser cenário para a história que se desenrola e, mesmo, a própria dramaturgia. O espaço cênico nos é dado pelo próprio espetáculo e é “(...) concretamente perceptível pelo público na, ou nas cenas, ou ainda [n]os fragmentos de cenas de todas as cenografias imagináveis.” (PAVIS, 1999: p. 133), sendo a primeira instância de valor do espetáculo. Por isso mesmo, devemos refletir sobre os fragmentos da cidade que um espetáculo de rua ocupa, já que os mesmos têm reflexo direto na encenação. André Carreira, com o seu teatro de invasão, propõe que a cidade pode ser uma dramaturgia pulsante, isto é, a cidade e os espaços escolhidos podem direcionar a história. Dessa maneira, precisamos repensar a nossa concepção de espetáculo. Precisamos ver com novos olhos, já que o texto perde o seu papel principal, a visão textocêntrica cai por terra. Para tanto é preciso entender a cidade como um tecido com suas “dinâmicas sociais e culturais”, seus fluxos e contrafluxos e sua textura política e inseri-los no contexto do


espetáculo. O autor propõe o uso espetacular da rua, incorporando na cena os fluxos da rua ou subvertendo-os, “(...) fabricando rupturas dos ritmos cotidianos” (2008: p. 69). Mas “(...) se a cidade é um texto dramático, uma encenação invasora será sempre percebida como uma releitura da cidade” (CARREIRA, 2008: p. 71). Já Ana Carneiro, co-fundadora do Tá Na Rua, afirma que as pesquisas encaminharam o grupo para a concepção cênica em roda. A roda “(...) transforma os atores que nela atuam em fontes irradiadoras que se propagam infinitamente” (2005: p. 123). Além disso, prioriza a horizontalidade na relação entre ator e espectador, sendo, portanto, um espaço privilegiado para a comunhão. No grupo Tá na Rua a utilização do apresentador-narrador faz com que não haja texto escrito, e sim “(...) uma escrita cênica, que se faz na hora, em contato direto com a realidade” (2005: p. 131). Os dois autores referem-se aos riscos de ocupar a cidade por essas duas vias, exigindo uma nova concepção de espetáculo, diferente das formas tradicionais com um texto ou uma história tendo inicio, meio e fim. Para Carreira o espetáculo dentro de suas concepções estaria mais próximo da linguagem cinematográfica; já Carneiro, entende que o jogo com os espectadores, aliado aos fatos narrados, pode ser deflagrador de uma reflexão dos fatos e da “realidade que circunscreve” os mesmos. Ao mesmo tempo, as duas formas de ocupação da rua exigem um ator bem preparado para lidar com os riscos e as dificuldades inerentes as abordagens, um ator com uma grande capacidade de adaptabilidade. Por fim, sabemos que há inúmeras outras possibilidades de ocupação da rua para além das duas formas abordadas, para tanto, faz-se necessário pensar o espaço cênico, para que a própria cidade seja ressignificada. Pois “(...) pensar o espaço, o local dos espetáculos, e associados a isto pensar a dramaturgia, o ator e as suas relações com o espectador é também pensar o mundo.” (HADDAD, 2005: 62) x por Adailton Alves artista e fundador do grupo Buraco d’Oráculo. foto: Augusto Paiva

CARDOSO, Ricardo José Brügger. Inter-relações entre espaço cênico e espaço urbano. In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Espaço e teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008. CARNEIRO, Ana. A rua enquanto espaço privilegiado da relação público/ator: opapel do apresentador-narrador (Tá na Rua – 1981)” In: TELLES, Narciso e CARNEIRO, Ana (Orgs.). Teatro de rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. CARREIRA, André. “Teatro de Invasão: Redefinindo a ordem da cidade” In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Op. cit. _____. Teatro de rua: uma paixão no asfalto. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007. FERRARA, Lucrécia D`Alessio. Olhar periférico: informação, linguagem, percepção ambiental. São Paulo: Edusp, 1993. FRÚGOLI Junior, Heitor. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995. HADDAD, Amir. Espaço. In: TELLES, Narciso e CARNEIRO, Ana (Orgs.). Op.cit. MIRALLES, Alberto. Novos rumos do teatro. Rio de Janeiro: Salvat, 1979. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. SPOSATI, Aldaíza. Cidade em pedaços. São Paulo: Brasiliense, 2001. TEIXEIRA, Adailton Alves. A rua como palco: o teatro de rua em São Paulo, seu público e a imprensa escrita. Monografia: História, Universidade Cruzeiro do Sul, 2008.

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Instantâneos de Rua Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio das fotos. Mas muitos, por meio de fotos, descobriram a beleza. Salvo nessas ocasiões em que a câmera é usada para documentar, ou para observar ritos sociais, o que move as pessoas a tirar fotos é descobrir algo belo. (O nome com que Fox Talbot patenteou a fotografia em 1841 foi calótipo: do grego kalos, belo.) Ninguém exclama: “Como isso é feio! Tenho de fotografá-lo”. Mesmo se alguém o dissesse, significaria o seguinte: ”Acho essa coisa feia... bela”. Susan SONTAG. Sobre Fotografia

A Lenda de Sepé Tiaraju - Teatro União e Olho Vivo (TUOV)

A força e a beleza da imagem impressa em papel jornal, no princípio, foi o que mais me seduziu em meu primeiro contato com a fotografia de teatro. Este primeiro encontro eu tive no início da década de 1980 nas ruas de São Paulo a caminho dos ensaios e da escola de teatro. Meus amigos mostravam-se injuriados ao ver-me recolher jornal velho no chão apenas para apreciar uma foto de um espetáculo. Francamente, eu não resistia, era como o cupim encandeado pela luz. Eu pegava o jornal velho, vencido, que não servia mais nem para “enrolar peixe”, olhava e delirava. E, naquela época, as fotos dos jornais ainda eram em preto e branco – o que me deixava ainda mais fascinado. Um dia eu também fotografarei imagens assim, dizia pra mim mesmo. Os anos passaram, e, eu mesmo fui fotografado como ator em espetáculos e continuei com minha fome de fotografar. A formação em jornalismo me deu a oportunidade de estudar e praticar o ofício desejado. Minha primeira 8

câmera, comprada de segunda mão, foi presenteada por meu pai e deu-me uma sensação de poder que até então nunca havia sentido, a não ser como ator na criação de personagens. O primeiro espetáculo que fotografei foi ainda na escola. Puro prazer e sonho. Cá estou, há cinco anos, na preciosa e tão sonhada tarefa de fotografar as ações do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Anterior ao nascimento da atual Mostra Lino Rojas, como ator, conheci Adailton Alves, Simone Brites, Marcos e Selma Pavanelli que me convidaram para fotografar, em 2004, a Overdose de Teatro de Rua. Percebi nesses jovens atores uma preocupação e um cuidado com a importância em registrar um momento do teatro que praticavam. Eternizar é a palavra correta. Bem, de lá até aqui, fui presenteado com imagens de puro prazer e valor histórico. Pensei: será se esses jovens já haviam lido ou visto algo sobre o trabalho de Aurélio Becherini e B. J. Duarte, dois importantes fotógrafos do


início do século passado que se preocuparam com a transformação da cidade de São Paulo e produziram uma infinidade de fotografias e filmes da metrópole em mutação? Depois descobri que não era nada disso, eles apenas temiam, e continuam temendo, a efemeridade do fazer teatral. Todo teatro é assim, e porque o de rua haveria de ser diferente? Na rua, quem não viu jamais verá. Louvável a preocupação. Olhar futurista, dos fotógrafos e dos jovens atores. É bem provável que a grande maioria só reconheça esse valor daqui há décadas, pois, é lugar comum valorizarmos o passado somente no futuro. O teatro de palco italiano, o chamado teatro convencional, e, em especial, o teatro de rua carecem de um olhar preocupado com a eternização, o registro. É fato de que o MTR (Movimento de Teatro de Rua de São Paulo) está fazendo história, confeccionando instantâneos poéticos nessa cidade árida e carente de riso, de cor, de felicidade. Há uma enfermidade catártica nas administrações dessa cidade que clama por um olhar mais urgente para o artista que vive do teatro de rua. Vejo claramente que o teatro de rua que vem acontecendo na cidade surge das periferias e invade as praças com a força de uma pororoca amazônica. Por que das periferias? Porque é nesse lugar que as pessoas se organizam e discutem a importância das políticas públicas para uma metrópole como a nossa. A comunidade da periferia está cumprindo sua função como cidadãos que se organizam e propõem o novo; a mudança. E é urgente essa mudança. Núcleo Pavanelli (nasceu na Zona Norte), A Brava (Zona Sul), Teatro Popular União e Olho Vivo (Bom Retiro), Buraco d’Oráculo e Pombas Urbanas (ambas na Zona Leste) expelem em verbo e performance suas fomes e desassossegos, sempre desassistidos pelo poder público. Isto apenas para citar alguns coletivos teatrais organizados. E garanto: não fazem feio quando expelem. É uma beleza vê-los e compartilhar suas criações. Evoé, meninos e meninas! É uma juventude muito bem formada e informada e que se preocupa com o ofício e com a importância da rua, com o verdadeiro palco do artista de rua. E foi neste eterno pal-

co que aconteceu o encontro entre gerações e linguagens diferentes. Esses jovens conseguiram dialogar e trazer para a discussão o fazer teatral de importantes representantes do teatro de rua brasileiro, como César Vieira e Amir Haddad. E o diálogo foi sincero, divertido e preocupado com os caminhos do teatro de rua atual. E, obviamente, estava eu lá, abrindo e fechando as cortinas da minha câmera. Há muito que fazer ainda, isso é sabido por todos os articuladores dos coletivos citados e os não citados, pois o caminho é longo e exige suor e perseverança. Mas, já temos mui-

Amir Haddad - 2ª Mostra de Teatro de Rua 2007

tas histórias contadas e registradas, em vídeos e fotografias que falam por si. Os instantâneos realizados por mim, incluindo a Overdose de Teatro de Rua e as manifestações organizadas pelo MTR, fomentaram a criação de uma exposição, a ser lançada ainda em 2009, de nome Teatro de Rua não é brincadeira. O projeto conta com a curadoria de Ricardo Peruchi e possivelmente com a colaboração de outros três fotógrafos convidados para cobrir a última edição da mostra. Em cinco anos de testemunho das peças e manifestações clicadas, podemos e continuaremos fazendo arte e pedindo políticas públicas mais justas e continuadas. A fome do saber não foi e nunca será suprida. Ela é o mote do artista, sem ela não estaríamos contando, para as gerações futuras, o que presenciamos e o que propomos para um novo artista que virá. x por Augusto Paiva fotos: Augusto Paiva 9


Mostra de teatro de rua Lino Rojas Foto: Augusto Paiva

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A Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas nasceu do desejo do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo levar ao conhecimento público os grupos que pesquisam essa linguagem. O objetivo primordial do movimento tem com escopo a criação de novas oportunidades para os criadores de teatro de rua terem apoio institucional e espaço para apresentação de seus espetáculos; para a realização de debates; para a publicação de suas vivências estético-teóricas e exposições, ampliando a reflexão e a troca de experiências para o avanço estético e o aperfeiçoamento das linguagens utilizadas por cada coletivo. A expectativa inicial, totalmente correspondida em todas as edições, foi a de envolver os grupos durante todo período da Mostra reforçando sua identidade, seus elos profissionais e a de oferecer ao público uma programação diversificada e de qualidade, de maneira a contribuir com a difusão e valorização do fazer teatral em espaços públicos abertos. Os seminários e encontros que ocorrem durante a Mostra têm como alvos primordiais unir os fazedores de teatro, principalmente aqueles ligados às manifestações da arte popular. Nesse processo de união, os participantes dos diversos grupos são convidados a desenvolver uma reflexão e troca sobre seu ofício, priorizando, sobretudo, temas concernentes à prática do Teatro de Rua, em seus aspectos e contextos: histórico, social, técnico, estético, organização de grupos, modos de produção e políticas públicas para o teatro. A Mostra caracteriza-se em uma oportunidade de inserir no calendário cultural de São Paulo uma programação cultural diferenciada, que permita a fruição da arte em espaços abertos. Nessa perspectiva, a rua deixa de ser um mero corredor de passagem, para potencializar-se em um espaço de troca entre os sujeitos que a ocupam e as trocas decorrentes das práticas artísticas. Ressignificar os espaços públicos e a vida através da arte é uma necessidade. Retirar, ainda que por um lapso de tempo, os cidadãos de sua correria, permitindo-lhes rir, sonhar e serem críticos e fazer com que a arte seja parte de suas vidas caracteriza-se em um dos alvos primordiais das diversas ações ligadas ao movimento.


1ª Edição (Municipal) – 2006

2ª Edição (Estadual) – 2007

Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP) – em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, apoio da Cooperativa Paulista de Teatro, SPTrans, CET e Funarte – a Mostra ocorreu entre os dias 20 e 25 de Setembro de 2006. A programação, além de vinte apresentações, incluiu um seminário para discussão de políticas públicas, com a presença de Rubens Moura (Secretaria Municipal de Cultura), Hélvio Tamoio (FUNARTE), Ney Piacentini (Cooperativa Paulista de Teatro), César Vieira (Teatro Popular União e Olho Vivo - TUOV) e Ilo Krugli (Teatro Ventoforte), realizado na Galeria Olido. Fez parte da programação a exposição fotográfica de Augusto Paiva, com fotos das ações realizadas pelo MTR/SP, intitulada Filhos da Rua apresentada na Galeria Olido e Centro Cultural Arte em Construção. Os vinte grupos selecionados através de edital foram: Galpão do Clã, Cia. dos Inventivos, Abacirco, Cia. Vate Katarse, Grupo Manifesta de Arte Cômica, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Mamulengo da Folia, Cia. do Miolo, Cia. Raso da Catarina, Circo Navegador, Los Patos, Farândola Trupe, IVO 60, Cia. do Feijão, Cia. Teatral Manicômicos, Algazarra Teatral, Cia. Circo de Trapo, Coletivo Teatral Commune, Buraco d’Oráculo e Tablado de Arruar. Todas as apresentações foram realizadas na Praça do Patriarca de segunda à sexta-feira, atingindo um público estimado de mais de onze mil pessoas. O encerramento da Mostra aconteceu em Cidade Tiradentes, Zona Leste da cidade de São Paulo, com um Grande Cortejo Teatral reunindo vários artistas e a comunidade. A escolha pela Cidade Tiradentes deveu-se ao fato de naquele local Lino Rojas (ver Box) e o Pombas Urbanas desenvolverem um trabalho de formação teatral em sua sede, o Centro Cultural Arte em Construção.

Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo – em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o Ministério da Cultura, a FUNARTE e apoiada pela Cooperativa Paulista de Teatro, SPTrans, CET e pelos Pontos de Cultura: Commune Coletivo Teatral, Instituto Pombas Urbanas e Instituto Tá na Rua – a Mostra ocorreu entre os dias 10 e 15 de dezembro de 2007. A 2ª Mostra homenageou o diretor Amir Haddad, fundador do grupo carioca Tá na Rua, que a mais de duas décadas dedica-se incansavelmente ao teatro de rua. O grupo homenageado apresentou-se na abertura do evento e foi antecedido por um cortejo dos demais grupos participantes, que se deslocou do Teatro Municipal até a Praça do Patriarca. A 2ª Mostra teve edital lançado em âmbito estadual, contemplando vinte grupos que se apresentaram na Praça do Patriarca. Os grupos foram os seguintes: Os Itinerantes, Algazarra Teatral, Cia. do Miolo, Pombas Urbanas, Circo Fractais, Cia. São Jorge de Variedades, Teatro da Pateticidade, Valdeck de Guaranhuns, Companhia Cristal, Circo e Cia., Teatro de Rocokóz, Circo Navegador, Manicômicos Núcleo Brava Companhia, Cia. das Graças, Teatro de Mamulengo da Folia, Cia. Cênica Farândola Trupe, Trupe Olho da Rua, Buraco d’ Oráculo, Cia. Raso da Catarina e Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Teatro. O encerramento, como aquele do ano anterior, uma vez mais aconteceu em Cidade Tiradentes, no Centro Cultural Arte em Construção, na sede do Pombas Urbanas, com um cortejo ainda maior pelas ruas da comunidade e com a apresentação do resultado da formação teatral desenvolvida no local.

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3ª Edição (Nacional) Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo – com o Co-patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; apoio do Ministério da Cultura; da Secretaria de Estado da Cultura e apoio institucional da Cooperativa Paulista de Teatro, Coordenadoria da Juventude da Secretaria de Participação e Parceira do Município de São Paulo, Aprendizes da Capela, Sindicato dos Comerciários, do Shopping Light – a 3ª Mostra homenageou o diretor e dramaturgo César Vieira e o Teatro Popular União e Olho Vivo, na pessoa de Neriney Evaristo Moreira. Como de praxe, foi realizado um cortejo, cuja trajetória foi da Praça do Patriarca até o Vale do Anhangabaú, espaço onde o grupo homenageado esperava a todos para apresentação de espetáculo, abrindo o evento. Os grupos do estado de São Paulo foram selecionados por edital, com curadoria a cargo de Alexandre Mate e Romualdo Bacco. Os grupos de outros estados foram convidados pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. A 3ª Mostra teve a participação de vinte grupos, sendo quinze deles do estado de São Paulo: Brava Companhia, Buraco d`Oráculo, Cia. Baitaclã, Cia. Mamulengo da Folia, Cia. Troada, Circo de Trapo, Circo Nosotros, Circo Ybimarã, Ivo 60, Núcleo Pavanelli, Teatro Popular União e Olho Vivo – grupos sediados na cidade de São Paulo; Circo Teatro Rosa dos Ventos (Presidente Prudente), Sítio do Jeca (Pirassununga), Teatro Fabricantes e Matulão (Assis), Trupe Olho da Rua (Santos); e 05 grupos de outros estados: Grupo de Teatro Kabana (MG), Grupo Nu Escuro (GO), Oigalê (RS) Off-Sina (RJ) e Será o Benidito (RJ). x

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Lino Rojas O diretor Lino Rojas, formado pelo INSAD – Instituto Superior de Arte Dramática (Lima-Peru), dá nome à Mostra em virtude de sua pesquisa e atuação nas ruas da cidade. Foi um dos pioneiros da pesquisa em teatro de rua em São Paulo, já em 1979 atuava com o Grupo Treta, formado por jovens da USP – Universidade de São Paulo. Lino Rojas estudou com renomados diretores e pesquisadores, como Julian Beck, Henrique Buenaventura, Atahulpa de Cioppo, entre outros. Em São Paulo ministrou diversos cursos e desenvolveu muitos projetos importantes, dentre os quais cabe destacar o Semear Asas, desenvolvido em 1989 no bairro de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), que deu origem ao Pombas Urbanas, grupo que dirigiu por quinze anos. Em novembro de 2005, os familiares de Lino Rojas receberam do Ministério da Cultura a medalha de Ordem ao Mérito Cultural, um reconhecimento do governo por sua contribuição à Cultura Brasileira.


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Foto: arquivo Pombas Urbanas


O CIRCO ANDREOTTI E OUTRAS HISTÓRIAS DE RUA Há uns três meses dei um entrevista, ou melhor tive um papo, dividido entre quatro grandes tardes, com o professor Alexandre Mate dentro de sua programação para a defesa de tese, na qual abordou o tema da longa existência dos grupos de teatro União e Olho Vivo e Engenho. Dessa agradável conversa surgiu uma necessidade imperiosa de saber como, onde, quando e por que nasceu esse amor, essa paixão e esse impulso de retorno, redescoberta e reencontro com as raízes da arte popular. Para mim, sem dúvida, o marco inicial apareceu nas ruas de pedras cinzentas que levam a grande praça da Igreja Matriz de Jundiaí. Talvez a primeira lembrança seja das Sextas-Feiras Santas, com suas procissões de cânticos e ladainhas chorosas; enormes velas, com chamas recurvadas pelo vento, fitas e bandeiras roxas misturando-se a xales e lenços azuis desbotados, formando um revolto mar de cabeças, onde navegavam em dourados andores, Jesus, Maria, José e toda uma corte de santas e santos; acompanhados de anjos de asas caídas e petrificadas. Quem sabe, mais do que esses desfiles religiosos, tenham assinalado a minha infância os exercícios diários dos soldados correndo em volta de um velho quartel de infantaria, com o cadenciar gutural de ordens unidas gritadas por paranóicos sargentos: - Um, dois. Um, dois... (Feijão com arroz.) - Três, quatro. Três, quatro. (Feijão no prato...) - Um, dois!!!! Um, dois... Diminuindo, diminuindo... desmilinguindo, à medida que a tropa, exausta, contornava a guarita da sentinela da esquina. E é ainda inesquecível o corso de carros alegóricos e de foliões fantasiados nas terças-feiras “gordas” de Carnaval. E passavam pierrôs e colombinas, abraçados a sacis e marinheiros numa leva alucinante de confetes, 14

serpentinas e lançaperfumes borrifando braços, coxas e seios. O Carnaval era a festa democrática irmanando pobres, ricos, remediados e mendigos num gingar, em zigue-zague, ao som da música. Lourinha, lourinha Dos olhos claros de cristal Desta vez serás a rainha do meu carnaval” Rojões!!!! A chegada dos jogadores do “Paulista”, o time da cidade, recebendo homenagens da população na sacada do Hotel Central, depois da única vitória – por três a um – sobre o Paulistano, clube aristocrata da Capital. Vitória importante porque conquistada no elegante campo do adversário. Rojões!!!! Como esquecer as prostitutas de vestido de chita azul salpicado de bolinhas brancas, dependuradas nas janelas das modestas casinhas da rua do Fulgor. Algumas ensaiando timidamente um trotoir, aventurando-se a sair, ousadas, mostrando brancas pernas na avenida principal. E mais que tudo: o circo!!! A chegada triunfante do circo com seus palhaços, bailarinas, domadores, velhos leões, não menos velhos ursos, equilibristas, trapezistas, mágicos e uma linda amazona negra montada no cavalo de selim de ouro... Enfim o picadeiro coberto de serragem e as lonas com suas bandeiras coloridas ondulando nos mastros. - Olha a pipoca. Amendoim. Algodão doce... E a bandinha atacando furiosa, antigos dobrões cantados em estribilho pelo público. A alegria, a emoção, o prazer num safanão de vida. Tudo isso antes, muito antes, bem antes de um italiano chamado Fellini ter alçado o circo como “a arte das artes”. Nada pode tocar tão fundo a jovens e a velhos, a negros e a brancos, a ladrões e a prostitutas, a saltimbancos, a explorados e a exploradores, a padres e a ateus, a soldados e a santos... Nada mais triste do que a despedida de uma companhia circense de uma cidade


onde ela viveu uma curta temporada. O lúgubre recolher das lonas, caindo em cataratas de pano, num melancólico bater final de asas. Fechando o cortejo o ladrar dos cães, correndo ao lado das carretas, num derradeiro adeus da trupe alegre, doida, insensata e... Feliz. E agora uma pequena história, uma anedota, sempre contada pela mestra Luiza Barreto Leite que define, no entender dela, o que é o artista da rua, o artista do povo. Uma vez chegou a uma pequena vila, um circo. Não era um circo majestoso, mas também não era muito mambembe, um circo médio. Tinha um nome: Gran Circo Família Andreotti. Quem o dirigia era Giorgio Andreotti, o chefe do clã. Duro e justiceiro. Diziam todos e estampava o programa, de papel rosado, das atrações do circo, que a família Andreotti era muito unida. Muito unida era a família Andreotti. Isso era o que corria a boca pequena. Essa era a lenda.

Mas a verdade era bem outra. Não existia nem nunca tinha existido uma família Andreotti. Ela fora inventada para reafirmar a tradição das famílias de circo e para facilitar a publicidade. Na realidade o domador não era casado com a bailarina, o mágico não gostava do palhaço e o anão detestava o equilibrista que, por sua vez, se vangloriava de ter um caso com a mulher barbuda... Todavia, esses atores e atrizes da praça – para manter o mito do circo – fizeram todos acreditarem que era realmente uma família. E um dia, até eles mesmos acreditaram, piamente, que eram verdadeiramente uma família. E isso só aconteceu por que eles acima de tudo eram, de fato, autênticos e suados artistas da rua! x por César Vieira 1 foto: Augusto Paiva

César Vieira é o nome usado em teatro pelo advogado defensor de presos políticos durante a sangrenta ditadura militar brasileira (iniciada em 1964), Idibal Pivetta, fundador e diretor do Teatro Popular União e Olho Vivo. 1

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Rede brasileira de teatro de rua Do contato entre os movimentos estaduais surgiu a necessidade de uma articulação nacional do teatro de rua. Depois de muitas conversas por telefone; e-mails, encontros esporádicos entre alguns artistas militantes, resolveu-se realizar encontros dentro das programações regionais dos Movimentos. Dois encontros foram realizados em 2007. Como o “Brasil nasceu na Bahia”, o primeiro encontro dessa articulação ocorreu em Salvador e o segundo em Recife. Os encontros mostravam já um diferencial e uma vontade de descentralização da região Sudeste.

Foto: Augusto Paiva

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No terceiro encontro, também em Salvador, tirou-se o documento de fundação da Rede Brasileira de Teatro de Rua – RBTR, que pode ser conferido aqui. Só no 4º Encontro, em 2008, os articuladores da RBTR vieram para São Paulo, reunindo-se nos dias 14, 15 e 16 de novembro, na Galeria Olido. Essa foi mais uma realização do MTR/SP com o apoio da SMC e do MINC. O encontro contou com participação de articuladores de dezoito estados. x


Carta da RBTR

Os articuladores dos estados da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Rondônia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, reunidos nos dias 24 e 25 de março de 2008, em Salvador, instituíram a Rede Brasileira de Teatro de Rua. A Rede é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os artistas e grupos pertencentes a ela podem e devem ser seus articuladores para, assim, ampliar e capilarizar, cada vez mais, suas ações e pensamentos. O intercâmbio da RBTR ocorrerá através de fórum virtual, entretanto, toda e qualquer deliberação será feita apenas em reuniões presenciais, sendo que seus membros farão, ao menos, dois encontros por ano. Os coletivos devem organizar-se para enviarem articuladores para os encontros presenciais. O papel de cada integrante é o de ampliar a Rede, através da criação de movimentos regionais de teatro de rua e artes afins, bem como da manutenção dos já existentes, através de reunião constante. A MISSÃO da Rede Brasileira de Teatro de Rua é lutar por políticas públicas de cultura com investimento direto do Estado em todas as instâncias: municípios, estados e União; divulgação do teatro popular de rua e de seus fazedores e agregar o maior número de articuladores por todo país. Os articuladores dos estados supracitados deliberaram no dia 25 de março de 2008 que: •Somos contra a retirada do “Grupo de Teatro Popular Filhos da Rua”, que ocupa uma sala no espaço do “Passeio Público” em Salvador, para desenvolver seu trabalho de pesquisa, ensaios e formação de novos atores-cidadãos; exigimos do poder público, além da permanência do grupo, a manutenção daquele espaço, para seja desenvolvido e melhorado o trabalho cultura e de cidadania que neste momento está parado; •Somos radicalmente contra a proposta de criação da “Lei do Teatro” da APTR – (Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro) apresentado na Comissão de Educação e Cultura do SENADO; •Exigimos representação do teatro de rua no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC); •Exigimos a aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/2003, que vincula para a Cultura, o mínimo de 2% no orçamento da união, 1,5% no orçamento dos Estados e Distrito Federal, 1% no orçamento dos municípios. Salvador, 25 de março de 2008

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Carta do 4º encontro da rede brasileira de teatro de rua

Fotos: Augusto Paiva

A Rede Brasileira de Teatro de Rua criada em março de 2007, em Salvador-BA, é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os artistas-trabalhadores e grupos pertencentes a ela podem e devem ser seus articuladores para, assim, ampliar e capilarizar, cada vez mais, suas ações e pensamentos. O intercâmbio da Rede Brasileira de Teatro de Rua ocorre de forma virtual, entretanto, toda e qualquer deliberação é feita nos encontros presenciais, sendo que seus membros farão, ao menos, dois encontros anuais. Os coletivos devem se organizar para enviarem articuladores para os encontros presenciais. O papel de cada integrante é ampliar a Rede através da criação de movimentos regionais de teatro de rua, bem como da manutenção dos já existentes. A missão da Rede Brasileira de Teatro de Rua é lutar por políticas públicas de cultura com investimento direto do Estado em todas as instâncias: Municípios, Estados e União. E para garantir o acesso aos bens culturais a todos os cidadãos brasileiros a Rede Brasileira de Teatro de Rua tem por objetivo promover também a produção, difusão, formação, regis18

tro, circulação e manutenção de grupos de teatro de rua e de seus fazedores, construindo assim um país mais justo. Os articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua dos estados AC, AM, CE, BA, ES, GO, MA, MG, PA, PE, PR, RJ, RR, RN, RO, RS, SC e SP reunidos nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2008, em São Paulo, no 4º Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, vêm através deste documento, afirmar ações e propostas, exigindo assim: •A representação do teatro de rua, no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC); •A representação do teatro de rua, no Colegiado Setorial; •A aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/03, que vincula para a cultura, o mínimo de 2% no orçamento da União, 1,5% no orçamento dos estados e Distrito Federal e 1% no orçamento dos municípios; •O direito de indicação de representantes de teatro de rua nas comissões dos editais públicos; •A extinção da Lei Rouanet e de qualquer mecanismo de financiamento que utilize a renúncia fiscal, por compreendermos que a utilização da verba pública deve se dar através


do financiamento direto do estado, por meio de programas e editais em forma de prêmios elaborados pelos segmentos organizados da sociedade; •A criação de um programa específico que contemple: produção, circulação, formação, registro, documentação, manutenção e pesquisa para o teatro de rua; •A criação imediata de um edital para a circulação de espetáculos de teatro de rua, constituindo-se assim um circuito nacional de teatro de rua; •Que os espaços públicos (ruas, praças e parques, entre outros), sejam considerados equipamentos culturais e assim contemplados na elaboração de editais de políticas públicas e no Plano Nacional de Cultura; •A extinção de toda e qualquer cobrança de taxas, bem como a desburocratização para as apresentações de teatro de rua garantindo assim o direito de ir e vir e a livre expressão artística conforme nos garante a Constituição Federal Brasileira no artigo 5º;

•A criação de um programa nacional de ocupação de imóveis públicos ociosos, para sediar o trabalho e a pesquisa dos grupos de teatro. O teatro de rua é um símbolo de resistência artística, comunicador e gerador de sentido, além de ser propositor de novas razões no uso dos espaços públicos abertos. Assim, conclamamos a todos os artistas-trabalhadores e a população brasileira para a mobilização nacional da Rede Brasileira de Teatro de Rua, no dia 27 de março de 2009, no intuito de construir políticas públicas para esta arte. São Paulo, 16 de novembro de 2008. Rede Brasileira de Teatro de Rua

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UMA IMPRESSÃO DO ENCON O final de semana dos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2008, em São Paulo, foi muito rico em vários aspectos. Desde o dia 08 daquela semana estava acontecendo a 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Quanta experiência bacana eu pude presenciar. Os caras conseguiram reunir através da internet, do grupo de discussão, uns 100 artistas de teatro de rua. O circo também tava presente. Como em toda Mostra ou Festival, sempre tem alguma atividade extra. E a reunião da Rede Brasileira de Teatro de Rua – RBTR aconteceu nos três últimos dias da Mostra. Os grupos que participavam da Mostra se juntaram a nós e ficou muita gente discutindo política cultural e teatro de rua.

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Fiquei muito impressionado com o poder de articulação da Rede de que faço parte hoje. A RBTR surgiu em março deste ano e, já conseguiu reunir em uma mesma reunião 18 estados da federação para discutirem teatro de rua. Que fique claro, ninguém estava representando nenhum estado. Eles criaram uma dinâmica de funcionamento bem legal. A RBTR não tem hierarquia. É uma rede que funciona de baixo para cima, de dentro para fora, todo mundo diverge, mas conseguem priorizar o teatro de rua. Na sexta, dia 14, foi a abertura, na qual todos os articuladores dos estados, isso mesmo, o termo usado é este: articulador. Qualquer pessoa de qualquer estado pode ser um articulador da rede, é só ir à reunião e entrar na rede virtual de discussão. Não existem representantes. Durante as apresentações pude perceber que a realidade dos outros estados não é muito diferente da realidade do estado de Roraima. A dimensão é que é outra. Quanta vivência interessante. Até mesmo as dúvidas são muito parecidas.


TRO DA RBTR EM SÃO PAULO No final da manhã do sábado recebemos uma ilustre visita. O Amir Haddad, do Grupo Tá Na Rua - RJ. O Amir simplesmente foi ovacionado. Todo mundo de pé, aplaudindo o mestre do teatro de rua, no Brasil. Ele entrou e sentou-se. Depois de um momento de silêncio ele começou a falar. Disse que quando estava no elevador pensava que se ele entrasse ali dentro e não fosse aplaudido seria uma merda. Afinal de contas, ele sabia que era uma figura importante. Dedicou a vida ao teatro de rua e o velho estava ruim. O coração dele está com uma bandeira de trégua. A pressão alta e mesmo assim ele disse isso tudo. Os artistas se emocionaram com a sua fala e foi um momento bem legal. Como um ritual. O Amir falou muita coisa, com um discurso extremamente político. Muito forte mesmo. Fez um alerta de que o mundo está ruindo. Que desde o 11 de Setembro que o mundo começou a despencar e com isso, o teatro de rua tem um papel contemporâneo nessa sociedade em processo de implosão devido ao sistema capitalista. O teatro de rua está mais vivo do que nunca; acredito que essa rede, apesar de nova, já se mostra muito mais articulada do que as outras redes, até mesmo do teatro. Um discurso libertador.

Na parte da tarde continuou o mesmo esquema de apresentações. No domingo, discutimos propostas para serem entregues na parte da tarde para o representante do MINC. A presença do representante do MINC foi fundamental para que a articulação evoluísse. A urgência por mudança fez com que os artistas encontrassem rápidas decisões. E todas bem discutidas, articuladas dentro do grupão. Esse representante veio à reunião no intuito de discutir o Plano Nacional de Cultura, mas acabou por levar um monte de reivindicações pertinentes aos anseios da rede. As questões ditas de governo foram resolvidas com tranqüilidade e sabedoria. A Rede Brasileira de Teatro de Rua sabe bem o que deseja. Então, não foi difícil. Conseguimos terminar o dia com uma carta direcionada ao MINC, que foi feita ali, na hora. Uma comissão muito competente composta por artistas de vários estados se reuniram e integrou as idéias que foram discutidas e sugeridas na reunião maior. Foi show de bola. Além da política cultural discutimos também o fazer. E foi muito importante. Uma troca valiosa de experiências com teatro de rua em diversos estados do Brasil. Um encontro organizado e com uma equipe responsável e pilhada para que tudo corresse bem. Não faltou nada. Até festa teve. É, porque confraternização era a todo momento. A cada almoço; café da manhã; durante a cerveja do boteco, estávamos sempre discutindo teatro de rua, nos articulando bastante e nos conhecendo. Precisamos nos apressar que a Rede Brasileira de Teatro de Rua veio pra ficar e fazer a diferença. Foi muito bom saber que existe muita gente fazendo teatro de rua no país. Que os próximos encontros sejam melhores ainda. E que tenha sempre esse espírito inclusivo que eu senti nesse encontro. Saudades. por Marcelo Perez - Cia. do Lavrado Boa Vista / RR foto: Selma Pavanelli


CRÍTICAS DA 3ª MOSTRA DE TEATRO DE RUA LINO ROJAS

Foto: Augusto Paiva

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Coordenado por Alexandre Mate – pesquisador e professor do Instituto de Artes da UNESP

Leituras críticas dos espetáculos apresentados na 3ª MOSTRA DE TEATRO DE RUA LINO ROJAS, de 08 a 16 de novembro de 2008, na cidade de São Paulo.


I.

Apresentação (...) Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação de lugar (...) o signo do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a cidade. A identidade fornecida por esse lugar é tanto mais simbólica (...) existe somente um pulular de passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimo por uma circulação, uma agitação através das aparências do próprio, um universo de locações frequentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados. Michel de CERTEAU. A invenção do cotidiano.

As análises aqui apresentadas correspondem a um trabalho de exercício crítico e, também, de uma ação documental dos espetáculos selecionados e convidados a participar da 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Os leitores críticos, em sua maioria estudantes de teatro de Universidades públicas, sobretudo do Instituto de Artes da UNESP, aceitaram participar do desafio que tal atividade demandaria. Nesse particular, é preciso destacar: de modo militante e voluntário. Todos os participantes, mesmo repletos de afazeres pessoais – e novembro é um mês de reflexões e de trabalhos escolares precisam ser produzidos – predispuseram-se à tarefa, sem qualquer titubeio. Empenhados e conscientes da importância e necessidade na produção dessa tarefa, o coletivo formado por onze pessoas, ao buscar brechas em suas agendas pessoais, conseguiu cobrir dezessete dos dezenove espetáculos da 3ª Mostra, com vinte e duas análises desenvolvidas. Originalmente, a idéia previa que, se pudesse apresentar pelo menos duas análises de cada espetáculo, mas o ideal esbarrou no real e na vida corrida cotidiana de todos. De qualquer forma, para quem puder ler as análises aqui apresentadas, perceberá que são vários os estilos a partir dos quais os espetáculos foram analisados. De análises mais densas e calcadas em procedimentos clássicos, passando por análises mais calcadas no espetáculo e fenomenológicas, algumas delas são breves crônicas, pequenas pérolas atentas às obras, misturando a cidade, os artistas, os moradores de rua e o teatro. Comum em todas as análises: o respeito ao conjunto de artistas e de espetáculos que se apresentaram nas ruas da cidade. Como participei da seleção dos espetáculos da 3ª Mostra, com o grande parceiro Romualdo Bacco, tão logo o resultado foi apresentado, escrevemos uma carta aos interessados (grupos inscritos) apresentando os critérios adotados para a seleção. Na carta definimos principalmente que: “A

despeito de critérios como qualidade, mérito artístico e cultural serem, em si mesmos, abstratos fez-se a opção, tendo em vista os diferentes ‘brasis’ encontrados nas regiões que compõem a capital paulista, por selecionar espetáculos que atendessem a essa realidade.” Nessa mesma carta, informamos, ainda, que o repertório da 3ª Mostra passaria pelos diferentes tratamentos estéticos: teatro com expedientes do agitprop (sigla para agitação e propaganda). Circo – número de variedades e reprises; recuperação de tradições e trabalho com aparelhos raramente vistos em exibições atuais; e montagem com traços característicos do melodrama. Universo caipira paulista. Kyogen. Cordel. Mamulengo. Commedia dell’arte. Folguedos populares, como o boi. Clown. Por intermédio desse amplo e diverso espectro estético, acreditávamos que o teatro popular, apresentado na rua, tanto no concernente à troca de experiência como no de acessibilidade (geográfica, temática, interpretativa e visual) estaria representado e cumprindo seu papel, na ressignificação do lugar e do transeunte em sua cidade. Assim, de certa forma, o “sucesso” da 3ª Mostra, sobretudo no que diz respeito à alegria que se percebeu nas platéias, nos bairros ou no Vale do Anhangabaú, afiançam e legitimam esta convicção. A vitoriosa disputa simbólica, contra toda sorte de preconceitos e obstáculos, travada pelos artistas populares e fazedores do teatro nas ruas durante nove dias, intervindo diretamente nos espaços urbanos no centro e na periferia se fez. Ao discutir seus procedimentos de trabalho (modos de produção) e os resultados conseguidos, os artistas e grupos participantes da 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas ocuparam os espaços públicos e ganharam mais uma batalha, a demonstração do quão sofisticados são os espetáculos populares. Junto a isso tudo, outra vitória é a documentação, na forma de análises críticas da totalidade dos espetáculos que participaram dessa 3ª Mostra. 23


Foto: Augusto Paiva

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II. Grupos participantes Depois de um cortejo artístico por algumas ruas do centro da cidade, o evento foi aberto com a apresentação do surpreendente Lenda de Sepé Tiaraju de César Vieira, apresentado pelo TUOV – Teatro Popular União e Olho Vivo. No dia seguinte, 09/11, domingo, foram apresentados: Anuário imaginário – um calendário popular. Cia. Baitaclã (SP), no bairro da Lapa. Zona Oeste. Saltimbembe, mambembancos. Grupo Rosa dos Ventos (Presidente Prudente, SP), no bairro Vila Mara. Zona Leste. Histórias da maçã. Teatro Fabrincantes & Matulão (Assis SP), no Jardim Maravilha. Zona Leste. À sombra das nuvens. Cia. Troada (SP). Zona Sul. De segunda a sexta-feira seguinte, sempre no Vale do Anhangabaú, foram apresentados:

Arrumadinho. Trupe Olho da Rua (Santos, SP). Famiglia Milan e o Gran Circo Guaraná com Rolha. Circo Nosotros (SP). ComiCidade. Buraco d’Oráculo (SP). Top! Top! Top! Ivo 60 (SP). O salto. Será o Benidito (RJ). Viva Malasartes! Histórias de um povo de algum lugar. Núcleo Pavanelli (SP). Tu decides 2. Circo Teatro Ybimarã (SP) Esperando na Rodô – Sítio do Jeca. (Pirassununga, SP). A brava. Brava Companhia (SP). A folia no Terreiro do Seu Mané Pacaru. Cia. Mamulengo da Folia (SP). Dupla de dois. Circo de Trapo (SP). Êh! Boi. Grupo Teatro Kabana (MG). O cabra que matou as cabras. Cia. de Teatro Nu Escuro (GO). Café Pequeno da Silva e Psiu. Grupo Off-Sina (RJ). Deus e o Diabo na terra da miséria. Grupo Oigalê (RS).

III. Análises críticas A ordem das análises aqui apresentadas corresponde à programação organizada pela comissão de seleção: Alexandre Mate e Romualdo Bacco e pela equipe de produção: Alessandro Azevedo, Noemia Scaravelli e Rafael Schiesari, coordenada por Selma Pavanelli. 25


III. 1. Anuário imaginário - Um teatro para Brunos e Vinícios

Sentado na lotação, vindo da Barra Funda rumo à Lapa, penso: “Um espetáculo de rua domingo de manhã: será que vai ter público?” Logo me tranqüilizo ao ponderar que o Grupo Bolinho - anfitrião da Cia. Baitaclã na Praça Miguel Dell´Erba – provavelmente sabe do potencial de praticar num lugar e transformá-lo, mesmo que por algumas dezenas de minutos, num espaço prenhe de significados propícios à troca. Desembarco próximo ao Terminal e à Estação da Lapa, que são “abraçados” por pequena área verde, ainda que degradada. Miro a trupe, conhecida minha da deliciosa festa de cultura popular Baitaclã – Danças e Ritmos Brasileiros, liderada pelo ator e diretor Heraldo Firmino e companheiros no galpão-sede do grupo na Zona Sul, próximo ao metrô São Judas. Saio junto ao cortejo inicial, farejando a praça, vendo os casais, os trabalhadores, os passantes, os moradores e todo o movimento que faz daquele local um ponto nevrálgico da zona Oeste da cidade de São Paulo, um ponto de encontro para a cultura popular. Um dos espectadores, o menino Bruno (criança que vive abandonada pelas ruas), que teve negado vários direitos constitucionais básicos, está - como contaram os organizadores do evento - todo animado pra assistir à peça, aguardando na semi-arena. 26

Após o cortejo, surpreendi-me com a metamorfose dos tambores e vozes da festa do Clã na dramaturgia popular apresentada pelo espetáculo Anuário Imaginário. Toda entremeada de cantos, a peça não deixa a “bola cair”, narra, em sonoro cordel, a história dos dias do ano, mas dos dias aproveitados: os dias de festa! No início apresenta-se Arlecchino, um arquétipo de palhaço que vem da commedia dell´arte, este faz-se presente no bumba-meu-boi e tem seu impulso imediato no carnaval histórico. O carnaval é a primeira festividade mostrada pelo grupo, e nele aparece Colombina. Logo depois outro folguedo é apresentado: o reisado. Outro espectador, menino Vinício - vindo com sua mãe Tânia, do Jardim Maracanã, para lá da Freguesia do Ó - dá gargalhadas, enquanto sua mãe canta animada; as canções que lembram sua infância em Barueri. Ao Divino Espírito Santo pede-se licença para entoar preces; trazendo um sagrado tom respeitoso ao espetáculo, quebrando, de forma precisa, o clima cômico da trajetória cênica, até então. O canto sacro em voz feminina é anunciado como aquele que acorda até o cidadão mais desanimado. O menino Bruno, no entanto, negando suas próprias expectativas com relação ao espetáculo, dormiu. Como um autêntico não-


-cidadão, indiferente ao chamamento das atrizes, caiu exausto dos dias e noites vividos na rua. Talvez o coro, se permitido for pelo ritual do Divino, deva ser reforçado pelos representantes do gênero masculino. Talvez a estrutura social, deva mudar radicalmente e não permitir que Brunos durmam em platéias fora de casa. Falta de educação abandonar crianças à sua própria sorte... Mas, e voltando à obra, já que o calendário é imaginário como as horas; chega-se no espetáculo a junho, mês repleto de santos que alimentam as esperanças do povo. A promessa a Santo Antônio é compartilhada com a platéia. O teatro é jogado no coletivo, os atores se bandeiam para platéia: provocam, divertem, perguntam. A música é cantada por tantos da platéia, coroando a canção. O homem vira mulher e a mulher vira homem, e assim se mostra, sendo virada de gênero pela história, revivendo assim o épico na singela cena. O boi, que não pode ser esquecido, passeia por todos os festejos, já que em junho normalmente é brincado, mas também no carnaval e no final do ano pelo Brasil afora tem passado. O danado Baitaclã cativa a todos, o ruído e movimentação do teatro atrai mais de cem pessoas. Não falta público para o teatro em São Paulo! Mas, haja garganta para se fazer ser ouvido por tanta gente! Haja cuidado

com as cordas vocais, muito chá medicinal nelas! A receita da Vó Cacilda já dizia: ressonância e articulação, para manter a tão cara comunicação que se vivenciou no espaço recém-significado. Os dois meninos mencionados continuam por lá. Vinício conta que: só lembrava de teatro quando o circo foi na escola em que estudava! Tânia nunca viu teatro mambembar para os lados do Jardim Maracanã. Só os palhaços no centro de Sampa. Bruno não assistiu ao espetáculo: continua dormindo. A margem está no centro. O centro comercial da Lapa, bairro de classe média, um centro de entroncamento do transporte coletivo. O espaço, que por ser público não é de ninguém, é povoado por muitos zés-ninguém, que festejam a alegria da vida, o princípio da fé e da festa. Um teatro que reúna esse povo - nós, o povo - em procissão e diálogo. Um teatro que possa subverter a ordem opressiva cantando, que possa fazer coro à construção de uma nova sociedade e, ainda acordar os tantos Brunos, é esse o teatro que a cidade mais precisa. Parabéns a esse grupo gauche, pela história, as conquistas e a preciosidade de seu Anuário! x por Alexandre Falcão, artista aprendiz da Escola Livre de Teatro de Santo André; ativista do coletivo “Aliança Libertária Meio Ambiente” – Alma Ambiental, de Itaquera. fotos: Rhadamés Sant’Ana

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III. 2. Anuário Imaginário – Um baita clã festeiro Um belo domingo de sol. Quem passa pela Praça Miguel dell’Erba na Lapa deve sentir-se atraído por uma cantoria alegre, acompanhada de pandeiros e violão, e por belos panos coloridos esvoaçantes pela brisa. É a Cia. Baitaclã que começa seu espetáculo Anuário Imaginário, integrante da 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, organizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Logo ao início, os atores contam e cantam a proposta do espetáculo: um passeio pelas festas populares que marcam o calendário brasileiro. Os dois atores, Heraldo Firmino e Sandro Fontes, transformados eles próprios em bonecos mamulengos, brigam e brincam com as palavras anuário; calendário, folhinha, carnaval, até que um deles vem até o público, fazendo dos espectadores também parte da “briga”, na primeira das muitas interações genuínas com o público. As atrizes Monique Franco e Sabryna Mato Grosso assumem boa parte da cantoria e encantam, com seus simples e belos vestidos bordados de fuxicos. O texto, de autoria de Sabryna Mato Grosso, costura momentos sagrados e cômicos e cumpre belamente a proposta do espetáculo, trazendo o linguajar, as crenças, as músicas e os ritos brasileiros. Arlequino e sua amada Colombina vêm da commedia dell’arte com seu corporal e máscaras típicos, apresentar o começo do passeio, o Bacalhau do Batata, do carnaval de Olinda. Enquanto o coeso elenco salta de festa em festa, mostrando quadrinhas, cordel, simpatias, capoeira, os santos juninos e o ciclo do boi, o público se delicia com cada piada, cada aparição do boi, cada música. A atenção da platéia é total mesmo em momentos opostos entre si, como a hilária cena do forró- altamente cômica, com Sandro Fontes vestido de mulher e Monique de homem: outro elemento emprestado da tradição popular. Outro momento encantador ocorre com a bonita aparição do estandarte do Divino, com seu cântico e tambores. A interação com o público é mesmo o ponto forte do espetáculo, com destaque para a presença de espírito de Monique Franco, que não perde a oportunidade de 28

ajudar o público a rir de si mesmo. Ao final do espetáculo, seu Washington, vendedor ambulante da praça, me chama com um sorriso no rosto, falando alto: “Ô, tem que organizar mais dessas peças aqui para gente, hein? Eu estou aqui todo fim de semana e nunca tem teatro para gente. Mas a gente precisa. É muito bom quando tem, deixa a gente feliz.” Ponto para o MTR/SP, que teve o cuidado de escolher uma praça já meio abandonada, mas de grande fluxo de pessoas que comutam entre a Zona Oeste e a Zona Norte, entre trabalho e casa. Além de vendedores como o Senhor Washington, o público era composto de moradores de rua, casais de namorados, moradores da região e transeuntes que escolheram colocar um pouco de lirismo e boas risadas em sua manhã de domingo. Não é possível saber, mas é possível que alguns daqueles espectadores nunca tivessem tido contato com a cultura popular que é sua. Ou se já haviam ouvido aquelas cantigas ou mesmo experimentado alguma das simpatias, podem não perceber em seu dia-a-dia que parte de sua alma brasileira é composta desses elementos. Como são verdadeiras as palavras de Heraldo Firmino ao fim do espetáculo, segundo o qual: “O maior tesouro de um povo é sua cultura”, todos aqueles que passaram por ali naquela manhã saíram enriquecidos. x por Helena Cardoso, atriz, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP. foto: Rhadamés Sant’Ana


III. 3. Histórias da maçã - Viva a aRte encenada com R Retroflexo!

Eita que o coração do Oeste Paulista pulsa em cadência forte e ritmada! Esse Novo Oeste muito para lá das bandas de Rio Claro, onde a ferrovia iniciou sua romaria. Esse Oeste Novo bem para dentro do cumprido Estado de São Paulo, que é Velho Oeste nas contradições, nos conservadorismos viciados pela cultura massificada que assola também nosso Interior. Extremo Oeste de Tupi Paulista, onde nasci e passei a infância e adolescência. Extremo Oeste de Assis, solo onde germinaram os grupos Matulão & Fabrincantes. O primeiro com oito anos de trajetória cênica em ruas e praças; o segundo com cinco anos perambulando com uma “carruagem” Santana prateada, festejando a cultura nativa pelo Vale do Rio Paranapanema. Dois coletivos independentes formados por artistas autodidatas, que mantêm um foco de resistência cultural, apesar da ausência de políticas públicas para grupos amadores na região. De extremo a extremo, o Interior se viu refletido na Cidade Tiradentes, fronteira final à Leste da cidade de São Paulo, onde o peru passeia em frente aos barracos, talvez interessado na carroça carregada de alfaces, mas, com certeza indiferente à catadora de papelão que faz “a análise macroeconômica da crise do mercado da reciclagem.” Num pedaço dessa populosa região - o Jardim Maravilha - é que tomamos uma tubaína na Toca do Índio, ouvindo o gostoso reg-

gae maranhense gravado num DVD de Suely, a Musa do Som, enquanto se aguardava o início da apresentação do espetáculo Histórias da Maçã, obra com dramaturgia de Elinaldo Meira e Wender Urias, com direção de Sandro de Cássio Dutra. Peça metateatral em que dois grupos de teatro se trombam em um local público e descobrem que estão naquele lugar para contar a mesma história: a de Adão e Eva. Por conta disso, decidem, então, duelar pela simpatia do público, trazendo duas visões distintas do mito cristão da criação do homem. Início do trabalho: os atuantes saem pela rua convidando os moradores a assistir à peça. Encontram um povaréu voltando do culto da Igreja Universal. A menina, de uns oito anos de idade, com uma rosa na mão, pára o ator Sandro e diz: - Aceita Jesus, moço!? - Eu aceito, mas você aceita o teatro?! E o povo, especialmente as crianças, aceitou o teatro e sentou-se para assistir a Adão e Eva ou Eva e Adão, mas sem esquecer que nas histórias de Adão e Eva sempre existem cobra, é claro! Na primeira narrativa, os Fabrincantes assistem os integrantes do Teatro Matulão, contar em prosa caipira, a sua versão da história. Apesar de principiar com um conversê caipira respeitoso, inda que malicioso, logo o ator Ricardo Bagge se traveste de Eva, ganhando risadas da platéia ao expressar com seu corpo 29


e voz o contraponto do tímido Jeca que interpretara até então. Os Fabrincantes assumem o foco e a atriz Meire Alves protagoniza outra inversão do olhar: - Sou mulher forte, negra e digna. Assim dá vida a uma Eva com consciência étnica e de gênero, incomodada com um Adão bobão que fica em casa cozinhando, com seu avental de fuxicos. Esses atores de Assis são e formam um bando de palhaços ousados! Brincam o tempo todo com o público, chamam um de carneiro, outro de burro, sentam no colo deste crítico e levam até latido de pitbull! Trabalho gostoso, em que se sente o prazer de expressar a alegria da cultura popular. De conjugar o sagrado com o profano, de dar vazão a um caro plano: manifestar-se com liberdade e respeitar a integridade do público, que assiste se quiser e na distância que lhe aprouver, e dos atores: que jogam versos no universo, com a simplicidade do Criador. Para encerrar, com três vontades fiquei: a de ver a dramaturgia da história dos Fabrincantes mestiçar-se à do Matulão - potencializando o conflito cômico interpretado; a de ouvir mais dos cantos que de início e de final são entoados; e a de crer que a empoeirada beleza da lavoura roxa e vermelha vai continuar alimentando o trabalho desses arruaceiros! x por Alexandre Falcão, artista aprendiz da Escola Livre de Teatro de Santo André; ativista do coletivo “Aliança Libertária Meio Ambiente” – Alma Ambiental, de Itaquera.

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III. 4. Histórias da maçã - Cabelo de anjo: penas de canário

Ir para a rua lançar perguntas de um jeito divertido e brincalhão. Com direito a presente para a platéia: balas de maçã-verde “afro–disíacas”: bênção doce dos artistas de rua. Foi mesmo Deus quem criou o homem? Ou o ser humano nasceu mesmo foi da safadeza? Será que o homem veio do barro? E a mulher, veio da costela do homem? Histórias da Maçã é um espetáculo que combina com a harmônica (?) anarquia e o caos das ruas. Uma peça cujas imagens duram além do tempo da representação, já que os atores utilizam-se da narrativa e contam com a imaginação dos espectadores para construir e apresentar sua história. O teatro popular, como se sabe, fundamenta-se na participação do público com a obra e seus artistas. Não dá para prever quem vai assistir ao espetáculo. Dessa vez, a maioria foi de crianças, que, com a sua agitação e alegria, desafiavam os atores, em disputa com aquelas, a chamar para si a atenção do público. Cada espectador era vivo e participava à sua maneira, alguns com timidez, só observando; outros quase pedindo para participar diretamente. Mas todos alegres, rindo uns dos outros. E a trupe banhou com novas cores e graça a comunidade por intermédio das bandeirolas do


cenário e dos figurinos - entre eles um avental de fuxico e coletes bordados, concebidos por Amélia de Jesus Oliveira. A apresentação aconteceu domingo, dia 09/11/2008, no distrito de Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo, por ocasião da 3a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. A rua de terra e cascalho tinha nome estrangeiro – Naylor, e sobrenome árvore - de Oliveira, e ficava a aproximadamente 35 km. do marco zero da cidade de São Paulo: a Praça da Sé. Os grupos convidados foram Fabrincantes e Matulão, da cidade de Assis. A proposta era contar duas versões de um mesmo mito: o de Adão e Eva. Os dois grupos revelam que irão competir entre si ao apresentarem diferentes versões da mesma história. O grupo Matulão é o primeiro a apresentar-se e é formado pelos atores Ricardo Bagge e Sandro Dutra (também diretor do espetáculo). Na versão dos dois vaqueiros, que param para descansar e “garram” a falar, do mito de Adão e Eva. Nessa prosa, indagam se o homem teria vindo de Deus ou da caverna? Como vêem uma adolescente de unhas pintadas, afirmam: “Xi, já nasceu de esmalte. Só pode ser coisa de Deus.”

Depois da apresentação do Matulão é a vez do grupo Fabrincantes. Dessa vez, Eva é apresentada como uma mulher forte, negra e digna, interpretada pela atriz Meire Alves. Grande exemplar de mulher forte e decidida. Na versão do grupo, a mulher foi feita à imagem e semelhança de Deus. Adão é interpretado por Wender Urias, que tem grande verve cômica. Depois de terminada a cena, os dois grupos tomam o centro do espaço de representação e cantam uma música. Poderiam ter cantado muito mais de tão gostosa que era a canção! Não há interferência de um grupo na cena do outro. E se eles se provocassem mais? Que debate bom que seria! Ao espectador é prazeroso aceitar com gargalhadas que Eva e Adão tenham sido esculpidos pela saliva dos anjos de peruca de penas amarelas de canário ou ainda pela terra da Av. Naylor de Oliveira. x por Ana Cecília Davids, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro do Instituto de Artes da UNESP e de Jornalismo da PUC-SP. fotos: Joaquim Félix

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III. 5. Saltimbembe mambembancos - Mambembando na Vila Mara Novembro, domingo à tarde, sol forte, Vila Mara - zona do extremo Leste da cidade de São Paulo. Uma praça ao lado da estação de trem Jardim Helena possui algo que chama atenção das famílias e transeuntes daquele lugar: trata-se de uma peça de teatro! Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Presidente Prudente, o Grupo de Circo e Teatro Rosa dos Ventos surgiu a partir da iniciativa de estudantes da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, de buscar novas formas de integração e de troca de experiências com a comunidade. O grupo começou seu trabalho em abril de 1999, e, desde então, mas nada diferente à totalidade de outros, possui como característica sua rotatividade entre os integrantes. A organização interna do grupo se dá de forma dinâmica e autônoma, os integrantes distribuem as tarefas a serem realizadas entre si, o que garante que a forma de criação e concepção artística de seus espetáculos seja coletiva. Atualmente, o grupo está em cartaz com dois espetáculos: Hoje Tem Espetáculo! e Saltimbembe Mambembancos. O último deles integrou a 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. O espetáculo Saltimbembe Mambembancos é guiado por quatro palhaços que, constantemente, convidam o público a participar de seus números. Solicitação esta atendida de modo bastante receptivo. Os atores-palhaços apresentam cenas cômicas intercaladas com números circenses, provocando muitos risos do público. Dentre os números apresentados um deles, por exemplo, promoveu uma competição desleal entre um homem e uma mulher do público. Nessa competição, a mulher sempre saia vencedora devido às condições injustas proporcionadas ao homem pelos palhaços, o que causou grande diversão nos espectadores. As crianças se envolveram e apropriaram-se do espaço no qual o espetáculo acontecia. Invadiram a lona, brincaram com os objetos de cena dos palhaços e respondiam a tudo que lhes era perguntado. A interlocução, ou a troca de experiência com a comunidade foi, de fato, estabelecida. 32

Houve um acontecimento que desviou o foco do espetáculo em determinado momento: em um dos números, os palhaços convidaram um espectador para participar. Este, com vergonha pelo que lhe pudesse acontecer: correu. Um dos palhaços, aproveitando a deixa, correu atrás dele, mas, em determinado momento, o homem caiu. O ator pareceu preocupado, conversou com o homem, que riu da própria situação e respondeu ao ator que estava tudo bem. O espetáculo continuou, mas o palhaço referiu-se ao homem, procurando integrá-lo de forma respeitosa e cômica aos números que se seguiram. Tal acontecimento revela a habilidade de um grupo que sabe lidar com o público e com os, eventuais, acidentes passíveis de acontecer em um espetáculo. Tal jogo de cintura é fundamental, sobretudo, no teatro popular de rua, na medida em que um espetáculo só acontece de verdade por intermédio de um real processo de troca entre os artistas e o público. Bastante relevante também a trilha sonora criada pelo grupo. Ao som de guitarra, pandeiros, bumbo, pratos e outros instrumentos, os diversos números do espetáculo se desenvolviam a partir de uma trilha que criava climas. Nos momentos dos malabarismos, se estabelecia um clima de tensão através do som; quando alguém se dava mal, a trilha apresentava um efeito de “tiração de sarro”; e quando uma pessoa ganhava um número – como foi o caso da competição entre homem e mulher – exaltava-se sonoramente o vencedor. Assim, a trilha possui um papel importante no desenvolvimento do espetáculo: ela acompanha os números e compõe junto com os acontecimentos de cena. A rapidez de pensamento; e a capacidade de improvisar a partir do acontecido coube não somente aos palhaços, mas também aos músicos. O espetáculo encerrou-se ao som da música Anunciação de Alceu Valença, na guitarra! x por Nathália Bonilha Borzilo, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP. foto: Joca Duarte


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III. 6. Saltimbembe, mambembancos - Profissão: mambembe A música podia ser ouvida a metros de distância dali, era o primeiro estímulo convidativo. A quem a curiosidade foi despertada e a vontade de saciá-la mais forte que a indiferença, pôde avistar, em uma praça, uma pequena, mas entusiasmada aglomeração, formada por mulheres e homens, mas, sobretudo, por crianças, que aparentemente assistia a números circenses tradicionais executados por palhaços em uma lona improvisada. Nela, profusão de cores, e no alto, a indicação, em letras garrafais: Circo Teatro Rosa dos Ventos. Essa imagem é uma entre tantas das que povoam o imaginário das pessoas que participaram do primeiro dia de apresentações da 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas – e único com espetáculos em regiões distantes do Centro da cidade. O cenário foi a Praça do Casarão, ponto de encontro, portanto, de socia34

bilidade entre os moradores da região da Vila Mara, na zona leste da capital. Neste espaço, encontra-se um telecentro, um conjunto habitacional, uma estação de trem: Jardim Helena - Vila Mara. No entanto, com o prosseguimento da apresentação, foi possível constatar que “assistir”, termo empregado no início deste texto, não fazia parte da proposta do grupo para o seu público, o que se configurou na principal qualidade do espetáculo Saltimbembe Mambembancos, já que assistir a algo pressupõe uma postura de espectador e não de alguém participante. Fazendo jus à tradição da comédia popular, caracterizada pelo diálogo recorrente com o público durante a apresentação artística, ou seja, uma vivência polifônica e polissêmica, em que a presença do outro é fundamental, os integrantes do grupo Rosa


dos Ventos mostraram grande sensibilidade e habilidade improvisacional para esse exercício de alteridade. Parodiando o público a todo momento, o ponto alto desta interação ocorreu com a contribuição de um casal em um dos números do espetáculo. Uma competição entre uma mulher e um homem convidados a entrar na pequena lona armada. Para isso, vários artifícios cômicos foram utilizados: caminhar com uma colher na boca de modo a equilibrar um ovo, pular com os pés num saco, acertar argolas no braço estendido de um dos palhaços. No entanto, um elemento crucial alterava toda a essência da disputa. Os palhaços criavam situações para que o homem não tivesse qualquer chance de vencer uma prova sequer, trapaceando-o para que o sucesso coubesse à mulher. Inicialmente, uma tentativa de construir um aparente discurso feminista, consciente de que, em diversas situações da realidade objetiva, a mulher é quem é “trapaceada” socialmente, o espetáculo toma um rumo inesperado. Após a óbvia vitória feminina, um dos palhaços, sem qualquer pudor, foge com a mulher para trás do pano vermelho e, ao simular uma cena de sexo às escondidas, peças de roupa passam a voar para fora da lona. Esse momento ilustra o tom que permeia Saltimbembe Mambembancos, o da sátira desprovida de moral que busca sempre a contribuição do público. O caráter de improviso do grupo se mantém até num momento acidental – a abertura para o outro é um embarque para o caos, enquanto espaço de possibilidades, para o universo do desconhecido. À procura de um participante para a próxima cena, um dos palhaços começa a correr alucinadamente atrás de um homem, iniciando uma perseguição que motiva certa tensão. Nisso, o homem escorrega na guia e cai no meio da rua, machucando levemente o pé. O palhaço, então, preocupado, volta para a praça amparando o sobrevivente e o espetáculo prossegue. Em cena, o ator comenta várias vezes sobre o ocorrido, manifestando claramente sua inquietação. Parece querer comunicar a sua atenção com o fato de se saber visitante naquela praça, artista-estrangeiro que respeita os moradores e o local de onde se apresenta.

Outra característica do trabalho está nos elementos da cultura circense, como malabarismos e diferentes números com claves – individuais e em grupo. Quando havia erro – houve alguns –, os artistas reagiam com transparência. Sem esconder a falha, evidenciavam-na pedindo vaias. Mas, quando dos acertos, sem titubear, solicitavam as palmas. A música também surge como um aspecto cênico, comunicando, com onomatopéias sonoras, geralmente uma situação de gozação sobre alguém. O repertório é variado, com rock’n roll e música popular. O Rosa dos Ventos, de Presidente Prudente, interior do Estado de São Paulo, formou-se, em 1999, quando estudantes de diferentes cursos da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) se reuniram para discutir festa e participação popular. De lá para cá, o trabalho dos artistas se divide entre teatro de rua, circo, música e educação. x por Daniela Landin, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, Instituto de Artes – UNESP. Jornalista formada pela Faculdade Casper Líbero. fotos: Joca Duarte

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III. 7. À sombra das nuvens - À sombra das incertezas (...) Adolescente, olha! A vida é nova... A vida é nova e anda nua - vestida apenas com o teu desejo Mário QUINTANA Adolescente O espetáculo cômico derivado da Commedia dell’arte da Cia. Troada apresentado no espaço da Brava Cia., conta a história de Quina, uma menina curiosa que sobe uma escada para saber o que há no final do mundo. Acompanhada pelo amigo Dito, Quina depara-se com vários desafios na jornada: um vendedor da sorte que vende amor e certezas para Dito; o sonho ora pássaro ora sedutor pelo qual se apaixona; o velho morador de um buraco que carrega uma tocha; dois caminhos personificados que se impõem como percursos obrigatórios e soldados revolucionários que se perdem na liderança do grupo. Suas escolhas fora de padrão alteram a linearidade de sua vida. Aos poucos percebe que sua vida é um roteiro de teatro. A Cia. Troada pesquisa e trabalha com teatro cômico, utilizando a máscara como linguagem; uso de técnicas circenses num espaço cênico reduzido. O autor desta obra, Vinícius Torres Machado, que também é o diretor do espetáculo, atua como diretor e músico da peça. Vinícius pesquisa o teatro cômico popular desde 1997 e a linguagem de máscaras desde 2001.

Assim, a trama, em À Sombra das Nuvens, é permeada por intervenções do diretor e do narrador em processo de metalinguagem. Além de um repertório rico de imagens e de simbolismo transmitidos pelas alegorias. Ao longo da apresentação, várias interações junto ao público, majoritariamente de crianças, acontecem e são muito bem recebidas. De uma forma lúdica e bem articulada, o espetáculo vai transmitindo uma bela fábula que trata de uma possível alusão às escolhas feitas ao longo da vida e a coragem de enfrentar os obstáculos para alcançar sonhos que, de tão distantes, às vezes, parece impossível, realizá-los (o pássaro-sonho que Quina persegue e por quem se apaixona). Além das incertezas da chegada, do que se vai encontrar no fim da caminhada e também da percepção de que não se pode ter o controle dos passos futuros (acaso que toma conta da peça), e ainda, perceber que a caminhada é a própria busca: o ir, o buscar, o andar, tornam-se a chave do viver e do encontro consigo mesmo que, na peça, parece se dar por meio da retirada da máscara do rosto de Quina no fim da peça. x por Cláudia Gonçalves, bacharel em Letras pela USP e fotógrafa profissional. fotos: Augusto Paiva

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III. 8. À sombra das nuvens – Quando a utopia encontra um recanto O século XX, entre coisas muito boas, nos legou, infelizmente, a morte de algumas utopias e a vivência de terrores como a guerra. Apesar de momentos de grande descrença que assolaram a humanidade desde então, sempre há um olhar esperançoso para o futuro, que, mesmo sem inocência e já com certa desconfiança, faz com que ainda tentemos alterar o status quo e não nos afundemos em conformismo. Se, adultos, lidamos também com a utopia coletiva, seus malogros e toda sua implicação ideológica, é desde a infância e pelo resto da vida que alimentamos sonhos de realização pessoal e criamos objetivos propulsores para a nossa trajetória. Tratando deste tema, o espetáculo À sombra das nuvens, da Cia. Troada, pode ser recomendado a todas as faixas etárias, ainda que se destine mais diretamente ao público infantil. O texto de Vinicius Torres Machado acompanha a saga da garota Quina em busca de um objetivo utópico, que ela, Ingênua, persegue sem esmorecer a cada obstáculo que encontra. São justamente essas barreiras que acabam sendo o fio condutor da peça, ensejando todos os quadros e peripécias. Estudo sobre os impedimentos que truncam o percur-

so, a trama, aparentemente simples, abarca desde dificuldades alegóricas até outras extremamente concretas, dando conta, em alguma medida, da infinita variedade de problemas que podem aparecer num mundo absolutamente oportunista e competitivo, em que se costuma fazer de tudo para impedir o sucesso alheio. Deste modo, além dos obstáculos naturais – como a gigantesca cratera escura que traga pessoas –, aparecem interesses tanto pessoais quanto coletivos que vão contra os da protagonista. Vemo-la se movendo por vezes com os próprios passos e por outras de forma manipulada, e é esse jogo de forças que define a possibilidade de concretização do sonho. Ao longo da obra, evidencia-se um dos maiores poderes que impedem a protagonista de agir autonomamente: o dramaturgo. Esse jogo metalingüístico propõe uma nova dialética, pois Quina age por vezes contrariando os desígnios do autor da peça, enquanto que por outras ela é apenas massa de manobra da história que vai sendo criada; o que demonstra imensa fé tanto na palavra quanto na cena, pois, como no teatro, ambas se complementam; se acrescentam e até podem se negar. 37


Há, no entanto, uma visão simplista no começo da cena em que se representa a revolução. Uma das mais importantes utopias, senão a primeira, parece ter seu princípio criticado ao ser alegorizada por rebeldes intransigentes que não aceitam opiniões adversas. Dessa forma, seria invalidada por ter, já no cerne de sua concepção inicial, um fator extremamente negativo e contraditório. Em seguida, dentro do mesmo quadro, aparecem as divergências entre os revolucionários quanto à nomeação de um líder, e a incapacidade de concordância acaba por liquidar a sublevação. O que se vê já não é mais a revolução malograda por ser revolução e, sim, uma rebelião, acredita-se que bem intencionada, termina por fracassar ao não saber lidar com os problemas internos. Vê-se, assim, mais um obstáculo à concretização de um objetivo. Não apenas uma elegia louvando o utópico, a peça propõe uma discussão sobre a verdade e sobre os limites. Alcançando-se o objetivo final, o que mais haveria para ser conquistado? Desse modo, relativiza-se até a própria utopia enquanto fim em si mesmo, já que ela pode ser apenas uma nova etapa numa busca incessante, que sempre encontrará problemas por resolver e lugares a se chegar. Não encerrando seus significados no palco e expondo o próprio ato de criação através da figura do dramaturgo, o espetáculo não incorre num erro comum ao teatro infantil: achar que criança é burra. Trata de um tema importante e a princípio familiar a qualquer ser humano, sendo compreensível sem ser simplista ou redutor. É generoso por contemplar de forma inteligente todas as gerações, sem esquecer a sedução do público jovem, utilizando-se dos recursos próprios do teatro de rua, como gagues, inserções musicais e figurinos coloridos, para gerar formalizações atraentes. O espetáculo, dirigido pelo autor do texto, exalta a lucidez e o controle sobre o sonho, para que ele seja perseguido sem que domine o sonhador. Por isso, há quebras que evidenciam a passagem da ingenuidade ao espanto. As interpretações das personagens sonhadoras deixam claros os momentos em que vão se percebendo impedidas de agir, quando descobrem não ser tão fácil a realização de um 38

sonho. São, para isso, amparadas por meias-máscaras versáteis, que, juntamente com a expressão facial, permitem diferentes intenções e estados, desde a felicidade inocente até a preocupação e o medo. As quebras são grandes, pois tudo é feito de modo amplo, para poder competir com a prolixidade visual da rua; e compartilhado com o público, com interlocução constantemente dirigida a este. É necessário ressalvar, entretanto, que, em se tratando de um espetáculo apresentado ao ar livre, onde não há tratamento acústico e a obra está sujeita à interferência de todos os ruídos urbanos, os atores falam baixo demais, tendo sua voz encoberta muitas vezes pelas risadas e pelos comentários das próprias crianças que assistem à montagem. Ainda, no caso específico de À sombra das nuvens, com um texto complexo e tão dependente da boa emissão verbal, o inaudível é uma enorme perda. x por Kiko Rieser, estudante de Direção Teatral da Escola de Comunicações e Artes – USP. foto: Augusto Paiva

III. 9. Arrumadinho – A competição selvagem do mercado A arte crítica tem encontrado cada vez mais, meios e formas de exercer seus objetivos. Desse modo, têm muito em comum, ainda que estilisticamente diferentes, o teatro de revista e o teatro de Brecht. Analisar causas; conseqüências e toda a intrincada rede de funcionamento do capitalismo é a técnica escolhida pelo dramaturgo alemão e por quem mais se interesse pela transposição artística de princípios marxistas e, de um modo geral, da sociologia e da ciência política. Há outra forma mais rudimentar de lançar um olhar crítico para a sociedade, que se constitui através da paródia. Satirizando o objeto de estudo por meio da hipertrofia de seus aspectos negativos, empenha-se no sentido de tornar visível o invisível, o que não é pouco. Em tempos em que a dominação ideológica turva o olhar e es-


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camoteia sua própria ação sobre os indivíduos, usar uma lente de aumento para destacar o que pode não ser aparente já é um esforço louvável. A uma primeira vista, é essa a pretensão do espetáculo Arrumadinho, da Trupe Olho da Rua, ao tratar da competição deliberadamente selvagem do mercado atual. Entretanto, se olharmos com mais acuidade, o espetáculo se apóia na fórmula paródica sem se restringir a ela, propondo algumas analogias e representações simbólicas. Já em seu prólogo, a ironia brinca com a dimensão trágica. Assim como o ritual de imolação do bode, que em grego deu origem à palavra tragédia, há uma espécie de sacrifício alegórico, em que mendigos são radicalmente transformados em vendedores engravatados. Não há transformação gradual, tampouco esboço de vontade por parte das personagens, e o que se vê é um apagamento brutal do indivíduo, imposto em alguma medida. Não há oposição, pois não há consciência crítica sobre o processo, e a própria anuência passiva já tem seus traços de dominação. O tema da obra está simbolicamente introduzido e o que se vê a partir disso é o esforço claro por parte do poder hegemônico em operar essa transformação no máximo número de pessoas possíveis. A figura do palestrante que tenta converter todos em vendedores vinculados à sua empresa; tem o claro tom demagógico e populista dos charlatões que prometem mundos e fundos, e sua antinomia está em Reginaldo Elias, o ingênuo candidato que se deslumbra com a possibilidade de ascensão social. Fica, assim, claro o valor de face da empresa, que propõe que seus empregados se tornem “vencedores”, independentemente de quem sejam os perdedores e dos meios utilizados para que essa suposta vitória se efetive. A ausência de escrúpulos está posta, e a retórica do orador é construída de forma imagética e apelativa, com grande capacidade de sedução. Embora de forma paródica, dada a que todos vejam a franca exposição da artimanha, toda a estratégia de persuasão guarda grandes proporções com a realidade e é assustadora sua capacidade de convencimento.

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O espetáculo detecta com inteligência os pontos em comum entre esse típico charlatanismo e os engodos das culturas de massa. Há analogias com as igrejas que estão mais preocupadas com a arrecadação de fundos do que com o programa religioso, existindo em número cada vez maior e sempre ampliando suas matrizes e filiais, e com os programas televisivos que encobrem seu real objetivo, o ibope, fingindo apelo social através da distribuição de alguns prêmios. São promessas diferentes, todas atrativas ao grande público, que escondem o real objetivo que jamais se volta a terceiros, buscando sempre o benefício próprio. Mesmo com as diferentes estratégias de cada meio, o espetáculo evidencia como o tom do discurso popularesco e o sub tom interesseiro que se esconde por trás são absolutamente iguais em todo prosélito populista.

Ampliando suas dimensões para o trabalho informal e para o subemprego; o espetáculo entende que a competição desleal e interessada a qualquer custo apenas em um fim de sucesso pessoal contaminou todas as esferas do trabalho e, por isso, a exploração não depende de um vínculo empregatício, mas existe também entre iguais, se prejudicando para conseguir sobreviver, submetendo-se não a um patrão, mas ao próprio sistema. Da mesma forma que se anulam princípios idiossincráticos e crenças pessoais para competir no mercado, os camelôs estrangeiros da peça desvanecem a cultura de seu próprio país, vendendo produtos genericamente representantes de sua tradição, descontextualizada e superficialmente. Mais uma vez, o indivíduo se apaga, exercendo seu trabalho com o mesmo mecanismo reificante de funcionamento de uma máquina. x por Kiko Rieser, estudante de Direção Teatro da Escola de Comunicações e Artes – USP. fotos: Augusto Paiva

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III. 10. ComiCidade – O minimalismo chega ao teatro de rua Destas cidades nada restará, exceto o vento que por elas perpassa. Bertolt BRECHT. Do pobre B.B.

Os fortes ventos que açoitavam os banners e o material de cena do grupo Buraco d’Oráculo assim como as escuras e encorpadas nuvens no céu, prenunciavam uma forte chuva que confirmaria: novembro não é o mês mais adequado para se fazer um festival de teatro de rua. Por precaução e através de uma espontânea interatividade, grupo e público deslocaram palco e platéia para debaixo do viaduto, garantindo-se assim o desenrolar do espetáculo, a salvo de chuvas e trovoadas. A peça Comicidade é uma adaptação do grupo e do diretor Paulo de Moraes de quatro cenas do Kyogen, gênero teatral japonês inseparável do teatro Noh (Nô): tem a mesma origem acerca de seiscentos anos atrás e o costume é apresentar essas pequenas cenas cômico-farsescas como números de intervalo da atração principal, que é a representação dramática do Nô. O grupo Buraco d’Oráculo tem dez anos de vida e seu intuito é buscar um teatro que discuta o homem urbano contemporâneo e seus problemas. Curiosamente, o grupo encontrou uma forma de atingir seus objetivos, numa peça com seiscentos anos e de origem rural (conforme informação de Adailton Alves, um dos componentes do grupo). De outra forma, na maleabilidade e na universalidade residem também o encanto e a eterna juventude dessa forma teatral. Desde sua origem, o grupo tem trabalhado com diretores convidados e já encenou cerca de sete espetáculos. Para esta encenação o diretor escolhido foi Paulo de Moraes, remanescente do saudoso e importantíssimo grupo de teatro paulista Ponkã, que trabalhava com a junção de elementos do teatro oriental, sobretudo japonês, a certas particularidades da cultura rural brasileira. O espetáculo de concepção minimalista realiza-se num tablado dividido em três cores: vermelha (área que funciona quase como os 42

bastidores do teatro, onde o ator aguarda para entrar em cena); preta (área de circulação e de entrada e saída de cena); branca (quadrado central, onde se desenvolvem as ações do espetáculo). Completam o dispositivo cênico, quatro tubos, onde os atores fazem a troca do simples e eficiente figurino. Essa disposição geométrica orienta e dirige a visão do espectador. Apesar dessa sofisticação formal, o espetáculo atinge o público (mesmo aquele não acostumado à linguagem teatral), pela fluidez dos diálogos e pela graça, simpatia e espontaneidade do quarteto responsável pelas personagens das quatro cenas. Alinhavando essas cenas, um quinto ator interage com o público, ora como um apresentador de televisão, ora como um pregador evangélico. Uma, certa, timidez interpretativa de Johnny Jhon, que representa esses papéis impede uma maior comunicação com a platéia, o que seria altamente interessante e produtivo para o desenvolvimento do espetáculo. Sendo um espetáculo concebido para apresentações na rua, talvez coubesse uma maior interatividade com a platéia, buscando uma cumplicidade maior com, por exemplo, as feministas que acabam com o machão barbudo, ou com a jovem que domina o ladrão na primeira cena do espetáculo. Os atores, em diversos momentos dirigem-se diretamente ao público. Porém, falta aquela fisgada: que faria alguém tirar o corpo da cadeira e vibrar: “ESTOU COM VOCÊS”. Em tempo: a chuva só chegou nos últimos cinco minutos do espetáculo.... x por José Cetra Filho, pesquisador de teatro. fotos: Augusto Paiva


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III. 11. O salto - O desafio da escuta sensível, no tempo da rua

A santa trindade do teatro de rua, sempre alardeada por Amir Haddad: bêbado, criança e cachorro, se presentificou, misturada à classe artística, na 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas na apresentação do dia 12/11, no Vale do Anhangabaú. A reprise: O Salto do ator André Garcia Alvez, que se preparava em camarim aberto (expediente épico), teve o início modificado, devido à participação do Senhor Antônio Mendes, um morador de rua bêbado que exigia um real para sair de cena, acontecimento comum neste tipo de teatro que busca principalmente uma efetiva troca de experiências com o espectador. De maneira muito engraçada, o palhaço Migué Brugelo Ditoefeito conduziu uma chuva de moedas dos espectadores, do alto do Viaduto do Chá, para pagar Antônio, que, antes de sair, “dividiu” 10% do seu lucro com o palhaço. Essa foi uma das várias interrupções que abrilhantaram a reprise. Antes da entrada, ao colocar o nariz sem qualquer cuidado e ironizando o ato, o ator questiona, numa crítica muito pertinente, à linha de palhaços psicologizados, que exigem diversos rituais para vestir e para tirar o nariz, mas anulam às vezes a crítica política e social, inerente ao arquétipo. Incitando o público a cantar, o palhaço fez entradas com diferentes músicas, animando os espectadores e preparando-os para o grande número: pular três vezes, de olhos vendados, sem tirar os pés do banco. Ao final revela-se que são os pés do banco e não os do palhaço que não seriam tirados. Não cabe aqui discutir apenas dramaturgia (canovaccio neste caso) ou cenário e figurino, mas sim a sensibilidade do artista que, na rua, é obrigado a se adaptar a diversas situações inesperadas. Com um humor que oscilava do Branco ao Augusto, chegando às vezes ao bufão, o palhaço não ignorou nenhuma intervenção da platéia. Porém, cada pequena intervenção transformava-se em outra cena, às vezes forçadamente e por isso talvez o tempo, e aqui 44

falo principalmente do ritmo, ficou alongado, causando certo desinteresse de parte dos espectadores. É indispensável esta troca, e estes desvios só enriquecem o roteiro, mas não sempre. É preciso não perder de vista o tempo cômico que é o limite exato entre o riso e o tédio. O teatro refuncionaliza o lugar da rua em espaço artístico. O artista não pode se esquecer de que é ele que está interferindo na rua e não o contrário. Só digo isso porque estranhei o pedido do palhaço para que alguns trabalhadores, próximo ao local de apresentação, que executavam um serviço, diminuíssem o barulho para não atrapalharem seu “salto”. A escolha dos esquetes foi acertada e a condução de vários deles também. A maquiagem, cenário e figurino eram bons e só ajudaram no jogo. Talvez o maior controle do tempo (cronológico e cômico) e um maior cuidado na interlocução com a platéia, que por uma ou duas vezes foi constrangida pelo ator ao invés de divertir, trariam maior qualidade ao número. x por Natália Siufi, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP. Fundadora e integrante do Grupo Teatral Parlendas. foto: Augusto Paiva


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III. 12. O salto – A sensibilidade de um palhaço

Vale do Anhangabaú, uma tarde de terça-feira, um dia de sol entre nuvens. Na praça extensa, logo abaixo do Viaduto do Chá, um samba tocava alto. Nesse mesmo lugar uma roda de pessoas aguardava para assistir a um espetáculo de rua. “Esse é o meu camarim” o ator dizia ao se maquiar, “na rua mesmo”. O espetáculo foi batizado de um esquete que deu o nome ao próprio espetáculo: O Salto. A promessa do palhaço era de dar três saltos de olhos vendados sem tirar os pés do banco. O que era para ser breve, no fim, teve duração de 1 hora e 15 minutos, o que resultou no esgotamento do riso da platéia. Durante a apresentação, o palhaço não ignorava qualquer reação da platéia, sempre criava um jogo com quem estivesse disposto a brincar. Não lhe faltou, em momento algum, percepção de tudo o que acontecia com a platéia; faltou, porém, algumas vezes sensibilidade de como lidar com elas. É muito delicado falar do outro sem falar de si. Um palhaço, antes de tudo, é aquele que aponta, ou seja, a graça está nele se ridicularizar e não ao outro. Tratando-se de um espetáculo na rua, em pleno horário comercial, no centro de São Paulo, parece que André Garcia Alvez (que também assina o texto e a direção do espetáculo) pouco deu importância aos trabalhadores que estavam logo ao lado exercendo suas funções. 46

O palhaço pediu durante a apresentação, que os mesmo parassem de fazer barulho, pois ele precisava de concentração. Sendo essa atitude uma brincadeira ou não, revela a idéia de que, para ele, a apresentação de seu número fosse mais importante do que o serviço dos trabalhadores. Após inúmeras intervenções, por fim, ele cumpriu sua promessa e deixou claro que o que estava sendo apresentado era um trabalho artístico no qual ele tirava sustento para sua família, portanto, reforçava ao público de contribuir com dinheiro. Aqueles que davam mais dinheiro recebiam brindes: nariz de palhaço, chaveiro e broche. Estratégia bem montada e de bom gosto, mas pecou ao se indignar com aqueles que deram poucas moedas ou nenhuma. No trabalho de palhaço pode-se encontrar, também, uma crítica aos vícios sociais e a diversão para todos. Ele é cruel, não para reforçar valores da hegemonia burguesa e sim para subvertê-la. Ele é sensível não para ser amado e sim para amar ao outro. Ele não causa o riso pelo riso e não aponta, mas questiona. x Juliana Arapiraca, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP. fotos: Augusto Paiva


III. 13. Viva Malasartes! Histórias de um povo de algum lugar – Desconstruindo mitos Infeliz o país que precisa de heróis. Bertolt BRECHT. Galileu Galilei.

Ao desconstruir o mito do herói popular brasileiro Pedro Malasartes destruindo-o e fazendo-o renascer através de outros mitos de caráter universal (Fausto e Fênix, por exemplo), o espetáculo Viva Malasartes! Histórias de um povo de algum lugar; exalta o suposto poder que o povo teria para enfrentar e destruir os poderosos que o exploram. Esse caráter populista, tão em voga nos anos 1960 e 1970, mostra-se, infelizmente nos dias hoje, simplista e um tanto utópico. Se, em muitos momentos, no conteúdo, o espetáculo tem esse caráter ultrapassado e até panfletário, na forma, ele flui e agrada ao público a que se destina. O espetáculo realiza-se em dois planos: o mítico e o cotidiano. As cenas do cotidiano que procuram revelar e denunciar os dramas do homem contemporâneo foram, escritas por vários dramaturgos, a partir de uma oficina coordenada pelo diretor do espetáculo Calixto de Inhamuns (que substituiu Rubéns de Brito, falecido durante o processo de montagem). Essas cenas são intercaladas com as míticas, em que são mostradas a ascensão, a queda e a ressurreição do mito popular. Há um desnível dramatúrgico muito grande entre os dois planos e o espetáculo ressente-se disso, perdendo seu ritmo, cada vez que o público é chamado “de lado”, para ouvir uma das histórias dos dias atuais. Os mitos são suficientemente fortes para mostrar que a barra pesada dos dias de hoje pode ser administrada e até mudada. Em relação ao texto, cabe ainda comentar a estranheza causada pelo uso de certa forma empoada e sofisticada (uso da 2ª pessoa no tratamento, entre outras coisas), utilizada pela defensora do nosso herói Pedro Malasartes. O elenco do espetáculo revela energia e frescor juvenil contagiantes, e só está menos à vontade nas cenas do cotidiano, parecendo não acreditar no que está dizendo. Desta47


que para o simpático e clownesco jovem que interpreta Malasartes, revelando uma habilidade fundamental para um ator de teatro de rua, que é saber interagir com simpatia com as participações nem sempre convenientes do público. O espetáculo se estende por mais de hora e meia, resultando um pouco longo para uma obra de rua. Para quê dois finais, praticamente iguais? O povo enfrenta Mefistófeles para salvar Malasartes através de uma apoteótica batucada, perde a parada e volta com outro mito brasileiro, o Boitatá, para um novo embate de que sai vencedor. O primeiro final é muito mais catártico que o segundo e o espetáculo ganharia muito se terminasse ali. Ressaltem-se ainda os simples e coloridos figurinos, a bela e eficiente trilha sonora e o cuidado com a visibilidade e a audição do público, através do uso de praticáveis e pernas de pau. Este último aspecto é muitas vezes negligenciado por aqueles que fazem teatro de rua, fazendo o público andar de lá para cá admirando a nuca do espectador que está à sua frente e ouvindo fragmentos do que os atores dizem. E viva Malasartes!!! Ainda somos um povo infeliz e precisamos de heróis. x por José Cetra, pesquisador de teatro.

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III. 14. Viva Malasartes! Histórias de um Povo de Algum Lugar – Viva Malasartes! Reabrindo Feridas e Sorrisos Passando embaixo do Viaduto do Chá, no final da tarde do que poderia ser somente mais uma quinta-feira, observava-se uma movimentação especial. Tratava-se dos artistas do Núcleo Pavanelli, que se aqueciam para o espetáculo que ali se iniciaria em breve. No entanto, olhando bem, podia-se constatar que não eram apenas eles que se preparavam, com jogos e vigorosos movimentos. Em meio aos artistas, alguns moradores de rua participavam contentes das atividades, dançando, jogando, movimentando-se pelo espaço que conhecem tanto. Pareciam sentir-se acolhidos por parte do grupo e demonstravam não querer sair dali até o término do espetáculo. Nós, público sentado imóvel e ansioso, observávamos, divertidos e invejosos, o que seria apenas um dos muitos momentos de interação, não apenas efetiva, mas íntima, com a platéia, durante o espetáculo Viva Malasartes! Histórias de um Povo de Algum Lugar. O espetáculo nasceu de discussões coletivas acerca da realidade política e social brasileira, que culminaram na questão da necessidade de heróis por parte de um povo. Para abordar o tema, o grupo optou por duas narrativas paralelas: uma mítica e outra cotidiana. A primeira narrativa mostra a saga do astuto Pedro Malasartes, homem do povo que acaba deixando-se levar pelas maravilhas do consumo e do poder, dados a ele através do uso de um cartão de crédito ilimitado por um emissário dos “Senhores do Mundo”. Esse homem torna-se um suposto herói do povo, povo esse que vive as situações da segunda linha dramatúrgica, a narrativa cotidiana, a qual mostra as difíceis situações de luta diária pela sobrevivência, vividas pelos que esperam a intervenção do “herói” Malasartes. Envolvido em suas agruras, Pedro Malasartes, no entanto, esquece-se dos que dele depende; tão encantado está com as maravilhas proporcionadas pela riqueza. O texto é coletivo e colaborativo, e foi coordenado por Calixto de Inhamuns, também diretor do espetáculo (em substituição a Rubéns de Brito, falecido durante o processo de montagem).


O contato próximo com a platéia permitia que nos sentíssemos ao mesmo tempo conduzidos e livres, numa certa itinerância (processionalidade), para observar as diferentes cenas que brotavam ora aqui ora ali, das mais diversas formas, de maneira que essa movimentação nos manteve vivos e atentos. A história foi abordada por intermédio de um humor que combinava, em doses equilibradas, a ingenuidade e a malícia, atingindo, pelo que se pode constatar, a totalidade do público bastante diverso, presente num espetáculo de rua. Além disso, os atores incluíram de forma tão calorosa os presentes e contaram com tanta fé a sua história, que era comum ver muitos semblantes tomados de doce encantamento, além de momentos preciosos de intervenção de muitos dos espectadores nas ações da peça. Assim, embora a peça tenha resultado um pouco longa para a circunstância, o público não apenas manteve-se no local como aumentou em número desde o início ao fim do espetáculo. As cenas que constituíam o plano paralelo, aquele do cotidiano, dispersavam um pouco a atenção e o público, porque faziam cair o ritmo até então contagiante do espetáculo. Tais esquetes, dramaturgicamente, possuíam um conteúdo mais simplista, e por vezes redundavam em pregões excessivamente didáticos. O público decerto já se sentia impelido à ação ao presenciar tantas situações que provocavam à crítica e à reflexão; não era necessário, e parecia mesmo subestimá-los, que se fosse didático em relação aos problemas e necessidades públicas, que a platéia conhecia tão bem. Também no concernente a essas cenas, não parecia que elas tivessem recebido o mesmo cuidado e vigor que as demais, em relação à visibilidade e à escuta, e no que se referia à interpretação e ao texto. Havia o mito apresentado, um representante dos Senhores do Mundo e uma representante do Povo, personificados vivamente por atores que se apresentavam com pernas de pau. O representante dos Senhores do Mundo, o Palhaço do Sarcasmo, era nada menos do que o próprio demônio – conceito de divertida tendenciosidade; este tinha uma personalidade divertida (além de sarcástica) e linguagem popular. A representante do Povo, ao contrário, apresentava gestos afetados, rigidez estóica e uma fala empolada. Os conceitos confundiam-se um pouco na mente espectadora: afinal,

quem se parecia mais com o povo, quem o alcançava mais? Se os Senhores do Mundo tentam seduzir parecendo-se mais com o Povo, então deve ser porque o Povo busca um líder próximo a ele. Sendo assim, a “entidade” mítica que o simboliza, apresentando-se daquela forma, reúne elementos que provocariam, teoricamente, a rejeição, e não a adesão popular. Creio que pareceria mais coerente se as duas personificações se aproximassem do popular; isso tornaria, aliás, mais difícil para o povo discernir o que é melhor... afinal não é essa uma de nossas grandes dificuldades? Ademais, além da música e da dança contagiantes e dos figurinos, simples, mas belos e funcionais, o Núcleo Pavanelli, através desse trabalho, nos presenteou com belíssimas imagens, tanto em estética quanto em significado. Nos fez crer, decerto como crêem eles, num povo que sempre retorna de suas quedas para lutar melhor quando imbuídos da força de sua própria cultura, reunidos contra um inimigo comum, mostra-nos a comunidade que encontra forças, para salvar a si própria. Na mesma medida em que se torna forte, para a difícil tarefa de abandonar a espera pela salvação vinda de outrem. Ao final do espetáculo, a expressão das pessoas dizia muito mais do que os seus aplausos. Viva Malasartes! Histórias de um Povo de Algum Lugar foi, sem dúvida, um acontecimento intenso e colorido para aqueles transeuntes que não imaginariam, quando acordaram de manhã, que em plena quinta-feira, passando distraídos debaixo de um viaduto, tropeçariam em seu próprio retrato. x por Isabela Penov, estudante de Licenciatura em Artes – Teatro, Instituto de Artes da UNESP. foto: Augusto Paiva

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III. 15. Tu decides 2 – What a wonderful world A Cia. Circo Teatro Ybimarã, que em Tupi significa “terra sem males”, é formada por ex-integrantes do Teatro Ventoforte. Trata-se de um grupo que não teve vínculos com cursos universitários de teatro ou escolas de circo, mas que desenvolve um trabalho de enorme sofisticação, lançando mão de sátiras a modelos eruditos de apresentações circenses e teatrais. Para a 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, o grupo apresentou o espetáculo Tu Decides 2, em que uma companhia de circo estrangeira, a Camaleón (formada por Hernán Hernandez, Hernandez Hernán e Hernandito Hernandito) apresenta a história melodramática do casal Janete e Getulión. Os atores apresentam a trama e é o público quem decide o que acontece com as personagens por meio de uma votação feita com palmas, medidas por uma engenhoca batizada de “parmômetro”, medida por Hernandito (Eliane Weinfurter). Janete e Getulión são tipos sociais bem marcados. O marido, motorista de caminhão, gosta de futebol e faz o tipo machão que ao primeiro enfrentamento se acovarda. A mulher é lavadeira e passadeira, dona de casa, aparentemente submissa ao marido, mas que subverte o papel social a ela conferido através de uma traição, que acontece com a ajuda de um homem da platéia escolhido por ela. Janete trai Getulión e o público decide se o marido descobrirá ou não a traição e se o casal viverá feliz para sempre. O público decide pela traição, pela descoberta do marido e pelo final feliz. Não há texto escrito, somente um roteiro de ações (canovaccio). A apresentação desenvolve-se por intermédio do improviso, que conta inclusive com a participação da platéia. Os atores Fernando Cavalcanti (Janete) e Marllon Chaves (Getulión) interagem com os espectadores em diversos momentos. Janete assedia os homens da platéia, ressaltando algumas das suas peculiaridades, como a barba, a idade ou a camiseta do time de futebol. A escolha é improvisada e o eleito do dia foi 50

um jovem que usava uma camiseta do Corinthians, o que abriu espaço para que várias piadas fossem incluídas ao longo do espetáculo, inclusive por parte de quem assistia. A interpretação dos atores é permeada de gestual exagerado e o trabalho de voz lembra os excessos de sentimentalismo das brigas de telenovelas, em tom de sátira. Tudo é anti-naturalista; desde os figurinos, capas brilhantes dos Hernández sobre roupas de futebol verde aos adereços: o “parmômetro”, um boné de chifres é uma cúpula de abajur, usada para vestir o espectador. A platéia, como é recorrente no teatro de rua, dá seu espetáculo à parte. Na cena de briga, um espectador de aparência semelhante à do presidente Lula, grita: “Bate devagar”, e um hippie de barbicha fica envergonhado quando assediado por Janete. O espetáculo encaixa-se com perfeição no espaço público. O trabalho de voz é poderoso e não fica diminuído pelo ruído do ambiente. O exagero dos gestos leva ao riso. Tu Decides 2 é uma peça dinâmica que atende com maestria à vontade popular. Existe abertura para que os espectadores tenham voz ativa dentro da história, e participem como atuante. Além da diversão, há crítica explícita às companhias estrangeiras de circo e às formas burguesas de teatro, como formas de interpretação dramáticas e a produções recorrentes nos canais abertos de televisão. E tudo isso com trilha sonora de arrasar corações como o final feliz ao som de What a wonderful world, imortalizada por Louis Armstrong. x por Ana Cecília Davids, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP e do curso de Jornalismo, da PUC-SP. fotos: Augusto Paiva


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III. 16. Esperando na Rodô. Sítio do Jeca - Os versos singelos do clown de “Pira” A delícia dos espetáculos de rua é que eles começam de um sopro. Quando menos se espera, alguma coisa acontece em algum confim. É uma surpresa. E o foco vai se criando e o espaço de representação se configurando. Uma personagem, ao longe, começa a caminhar, cumprimentar e a reunir em torno de si pessoas comuns. Ingênuo e aberto. Caipira e clown. O Jeca. Ele vem da roça para a cidade grande. Chega cumprimentando os homens sentados do Vale do Anhangabaú. Homens diversos. Distingue-se de longe somente uma mala e o nariz vermelho, máscara mínima. Dá-lhe coragem! O clown, tão despido de couraças e de olhar livre, frente ao desconhecido. Desfilando poesia tragicômica pelo Vale do Anhangabaú. “Clowmpira”, de Pirassununga, interior de São Paulo. Chegando na rodoviária, cenário da peça Esperando na Rodô, desencontrado de seu primo, de quem só se sabe as palavras lidas em uma carta, Jeca tem de esperar... E o que faz enquanto espera? Come uma banana, liga o rádio e toma aulas de como virar estrela. Vindo de um mundo estranho àquele em que se encontra, por ouvir o rádio e obedecer à voz onipresente que diz como ele deve ser e agir para se tornar estrela, acaba preso por dois policiais. O clowmpira cumpre uma trajetória. Como tantos outros que vêm para a cidade para virarem estrelas, tirarem a roupa por dinheiro ou trabalharem nos buracos das construções, como os tatus. Esperando na rodô é uma das peças presentes na 3a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, e trata-se de uma pesquisa iniciada pelo ator Reinaldo Facchini com o clown e com o caipira, que conhece do seu convívio com a população da cidade de Pirassununga. No cenário, um relógio parado e um banco. Espaço de passagem. Meio de caminho. Em uma placa está escrito Rodoviária. O ponto de encontro de duas vias: a do porvir e a daquela que já não é mais. O Jeca levanta uma placa para se apresentar. Um dos lados, vazio. Ele aponta o vazio, e aponta para si mesmo

naquele espaço em que: “Artista entra mudo e sai pelado.” Quase não há fala. Muitos gestos e os objetos transformam-se com poesia. O Jeca solitário come ao lado do boneco que carrega na mala, réplica de si próprio. Personagem da personagem, no cenário do cenário, em um espetáculo carregado de metateatro. Camadas e mais camadas de sentido armando o destino do Jeca, que depois de ter concluído o curso para virar estrela, fica sem o que fazer. ... E lembra, com ingenuidade, das palavras do primo: “Na capitar, quem tira a roupa ganha dinheiro.”. O clowmpira arma um strip tease e é levado em cana. Havia Jecas na platéia? Não soube de Jecas, mas de um peruano e um catarinense que dividiam uma garrafa de vinho. E de um homem que pedia dois reais: um para comida e outro para a cachaça - peça dentro da peça, e gritava para o Jeca: “Cachaceiro!”, sendo reprimido por outro homem que queria saber da história do clowmpira. Foram muitas vidas juntas, espectadoras de uma peça comovente, bem acabada, singela e profunda. x por Ana Cecília Davids, estudante do curso de Licenciatura em Artes – teatro, do Instituto de Artes da UNESP, e de Jornalismo – PUC-SP. foto: Augusto Paiva

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III. 17. Esperando na Rodô. Sítio do Jeca. Coreografia (do) interior O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. Alberto CAEIRO/Fernando PESSOA. O Tejo é mais belo.

O espetáculo começa e quase ninguém percebe. Cenário montado, música e um palhaço perdido no Vale do Anhangabaú. “Onde?”. Distante de sua “lona-rodoviária”, lá estava ele, escondido na paisagem urbana, entre pombas, transeuntes, moradores de rua, garotos de skate... Propondo seu jogo, lançando a rede, chamando público. E a cada um com o qual interagia, expondo-se como é, figura patética e simplória – expondo-se como somos –, com seu chapéu de palha, seu nariz vermelho, sua roupa singela, seus gestos ridículos, parecia manifestar, tal qual um Carlos Drummond de Andrade, o seguinte enigma, em Procura da poesia: “Trouxeste a chave?”. Mesmo já nos limites espaciais do que seria um palco, na forma de uma semi-arena, o palhaço ainda disputa atenção com o universo multifacetado daquele microcosmo do Centro de São Paulo – ambiente de múltiplas vozes e presenças, a rua, coisa pública. A partir da pantomima do artista em cena, um Senhor, que intervinha com um discurso parcialmente inteligível, espécie de solilóquio próprio, ao ser repreendido por outro, respondeu: “Teatro é bom, eu sei. (pausa) Ó o Jeca Tatu aí. Isso aí é coreografia muda!”, referindo-se à personagem do espetáculo Esperando na Rodô – Sítio do Jeca. Jeca, além do antológico nome do caipira paulista, é, também, aquele com o qual o palhaço do ator Reinaldo Facchini foi batizado. O ator iniciou sua carreira em Pirassununga, no interior do Estado, cidade de origem também de sua personagem. A mala do Jeca permanece aberta durante boa parte da apresentação: um mundo íntimo exposto a todos. Nela, uma piada quase bairrista: um recorte onde se lê “Já tem americano achando que a capital do Brasil é Pirassununga.” A referência ao que 54

é estrangeiro não pararia por aí. Ainda no interior da bagagem deste palhaço, que passa todo o tempo em uma sala de espera de rodoviária, nota-se uma foto de Mazzaropi, um dos palhaços mais singulares da cultura popular: o imortalizador do Jeca no cinema nacional. Com isso, o universo pelo qual o Jeca transita, ganha contornos mais claros. O espetáculo faz parte do projeto “Clownpira”, como define o próprio ator, que compreende uma pesquisa híbrida entre a estética e a poética do clown e a do caipira, numa investigação dos costumes e tradições da população pirassununguense, com atenção especial aos moradores do bairro de Itupeva. Por meio dessa fusão, é possível entender este trabalho de ator a partir da idéia do palhaço duplo. Ou seja, além de um estado de clown, há a proposição da linguagem do caipira, compreendido aqui como um palhaço em essência. A leitura, portanto, da personagem pode ser feita com base no pressuposto de que há um hipercódigo a ser interpretado em suas diferentes camadas de sentido. De um lado, o clown, contrário a toda idéia de acabamento e perfeição. Do outro, o caipira, com sua postura rústica e simples. Igualmente figuras marginais e ineficientes dentro de um contexto hegemônico de mercado e produtividade, são também espontâneas e ingênuas na manifestação de uma lógica particular. Figuras, essencialmente éticas, e ligadas à expressão popular tornam-se cômicas no momento em que assumem a fraqueza e o ridículo humanos. Além disso, a proposta confere ao estudo da linguagem clownesca uma forma à brasileira, no registro de alguém consciente de sua origem. Tal encontro de universos temáticos mostra-se imensamente feliz, ao ampliar a potência de ambos.


Por fim, a alusão à peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, é um desafio divertido. Parece dizer respeito tanto à idéia de que Jeca perdura à espera de um ilusório sucesso na cidade grande, numa chave trágica de entendimento – há um relógio parado em cena, o que intensifica essa sensação –, quanto a uma típica piada de palhaço, que se apropria de referências eruditas para justamente zombar delas. Em determinado momento do espetáculo, Jeca está se exercitando para ganhar a vida na capital como artista/modelo/apresentador. Isso ocorre por meio de um áudio-curso, em que o “professor”, representado apenas por uma voz, ensina de forma unilateral técnicas risíveis ao seu “aluno”. Em um exercício de dança, a voz menciona diversos passos do

balé clássico com nomes em francês, numa sátira ao tom pernóstico daquilo que é pretensamente ilustrado. x por Daniela Landin, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP, jornalista formada pela Faculdade Casper Líbero. foto: Augusto Paiva

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III. 18. A Brava - A Brava venceu!

Na 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas no Anhangabaú, logo após um rápido prólogo, que se encerra num caráter processional, em que o público é conduzido ao real local da cena, após presenciar a “bruxa” Joana acorrentada, a Brava Companhia anunciou (expediente épico) o início oficial de seu espetáculo: A Brava. Valente, intrépida, valorosa, selvagem. Alguns dos significados do dicionário para brava. Palavra, aliás, muito bem escolhida para representar esta Companhia. A mesma palavra escrita pelos atores, nos rostos uns dos outros, no início do espetáculo, quando, de maneira belíssima, concentram-se para entrar em cena. Digo isso porque invadir a rua, espaço de grande competição sonora e visual – e que necessita de uma interlocução constante e sensível com o público para que funcione – já é tarefa ousada. A ousadia se amplia, principalmente, porque os integrantes da Cia. conseguiram esse feito sem abrir mão da qualidade estética e do trabalho de ator: alcançando um grau de originalidade na tão explorada história de Joana d’Arc. Além disso, é preciso ser valente para misturar rock, reggae, rap, ciranda e outros estilos musicais em uma mesma peça, sem “perder a mão”. Ou para fazer inserções cômicas em momentos cruciais da narrativa, como os da execução da personagem principal. Queria ressaltar a excelente performance corporal dos atores que emociona o público, em diversos momentos, apenas com o trabalho das imagens construídas corporalmente. Um destaque para a cena em que Márcio Rodrigues e Ademir de Almeida representam uma evolução histórica da guerra. Passeando por diversos estilos, do pop à cultura popular – possibilidade absolutamente plausível e mesmo fundante no teatro épico – os criadores do espetáculo não “economizam” nas sátiras e críticas, com grande humor, como no nome dos soldados: Mac e Donalds. Do mesmo modo, lançam mão de diversos recursos, sobretudo aqueles ligados 56

ao gestus brechtiano. Em tese, trata-se de um conceito criado por Bertolt Brecht, em que há uma materialização da contradição entre a fala e o gesto do ator. Ex: Quando o rei coloca a coroa e dá um gritinho, fazendo um gesto afeminado, em contradição ao poder e força, representada pela imagem do monarca. As músicas, permanentemente utilizadas, poderiam ser trabalhadas melhor, no concernente ao arranjo e composição das letras. Isso, entretanto, não se problematiza em função da boa conjunção da utilização de todos os outros elementos, como: cenário de objetos ressignificados; figurino de grande impacto visual; iluminação com tochas de fogo em momentos precisos; impecável interpretação, principalmente dos dois atores já mencionados e de Rafaela Carneiro. A atuação menos presente do ator Fábio Resende deve-se, possivelmente, ao fato de ele ser o diretor do espetáculo. Sua participação em cena não impossibilitou o excelente trabalho de orquestração sensível, criativa e de grande ousadia. Trinta e cinco minutos antes de terminar o espetáculo; de acordo com os atores do grupo, cai uma forte chuva. A platéia acompanha os atores e realoca-se embaixo do viaduto do chá. Ao final da peça, com o público bastante entusiasmado, acompanha com palmas a bela música narrativa que encerra a peça afirmando: A Brava venceu! E aqui acrescento: O bom teatro venceu! x por Natália Siufi, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, no Instituto de Artes da UNESP. Fundadora e integrante do Grupo Teatral Parlendas. foto: Augusto Paiva


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III. 19. A Brava

Como era de se esperar a Brava Companhia não se intimidou com a chuva. E, aqueles a quem a água não espantou, assistiram a um espetáculo que conta muito mais do que a saga de Joana d’Arc. A Brava Companhia, cuja origem e sede localizam-se na Zona Sul de São Paulo, possui um trabalho multiplicador e ativo nas zonas periféricas da cidade, e completa neste ano dez anos de existência. Na 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, os integrantes da Cia. mostraram o resultado de mais de um ano de trabalho numa montagem fundamentalmente épica, inspirada na história da corajosa moça francesa que possuía o privilégio de ouvir suas próprias vozes: Joana d’Arc. O trabalho dos atores é vigoroso e instigante, além de conter a prontidão imprescindível ao teatro feito na rua: os atores incluíram todos os imprevistos ocorridos em suas ações cênicas muito criativamente. Dentre os imprevistos incômodos, pode ser citado o forte temporal, que exigiu muito jogo de cintura; dentre os mais encantadores, merece destaque aquele em que uma catadora de lixo, passando casualmente pelo local, completou a música que cantava o rei, interpretado por Márcio Rodrigues. Essa catadora cantou um trecho da ópera Fígaro, e ganhou entusiasmados aplausos da platéia... (Sim, as ruas têm tesouros escondidos!). A interlocução com o público foi efetiva. Tímida, talvez, em alguns momentos em que a troca de experiências poderia ter sido mais íntima e efetiva. A concepção do espetáculo une o pop e o popular, da música aos figurinos. A direção musical - de Fábio Resende, que é também o diretor do espetáculo – é ousada, e mistura diversas referências, de ritmos nordestinos ao rock “pesado”; a execução é dos próprios atores. Os figurinos, belos e funcionais, resolvem com poucos adereços a representação dos signos essenciais à obra, e ganham o seu tom mais brasileiro graças a um minucioso trabalho artesanal. O cenário é também muito funcional, e faz os palácios brilharem mais aos nossos olhos... ao, sucateá-los.

A dramaturgia é coletiva e competente. O riso está sempre presente, mas unido ou seguido sempre do espasmo, do nó na garganta; é o riso que nos guia pela saga, nossa e de Joana, ao mais profundo de nós. Entretanto, algumas das tiradas cômicas não contemplam a totalidade das realidades que se reuniam naquela platéia. Foi possível notar que vários ali presentes sentiram-se perdidos por alguns instantes, simplesmente por não identificar marcas de whisky ou personagens de livros como Onde Está Wally? Felizmente, tais ruídos não foram constantes a ponto de impedir que, para todos: o espetáculo se configurasse, além de tudo, em um acontecimento prazeroso, divertido, crítico. O texto, por seu dinamismo, pega a todos por uma mão sutil, mas fortemente de maneira que torna difícil querer soltar. “A guerra, a luta, a contenda /batalha, briga e discórdia /o inimigo, o veneno /mentira, rei e governo /a praga, a dor, a doença / traição, ódio e inveja /A Brava venceu!” Naquele dia chuvoso e frio, a Brava, da Brava Companhia conseguiu aquecer-nos com um ímpeto de força e coragem diante da inconstância da coroa dos reis. Depois dos aplausos, mesmo em meio aos costumeiros barulhos da cidade, foi possível seguir pelas ruas tal como Joana: escutando vozes preciosas... x por Isabela Penov, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP. foto: Augusto Paiva

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III. 20. A folia no Terreiro do Seu Mané Pacaru – Sol de guarda-chuvas esperando o mamulengo

Na 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, a Cia. Mamulengo da Folia, composta pelo artista Danilo Cavalcante, acompanhada pelo Trio Agrestino, apresentou-se para um público pequeno, mas muito participante. Segundo ele, a Cia. surgiu da preocupação com a extinção do teatro popular de bonecos do nordeste (o mamulengo), uma vez que, segundo o que ele conhece, só existe tal manifestação apenas em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Na platéia, alguns guarda-chuvas abertos para barrar o sol forte. Entre nós, o ator requisitava algum ajudante para tocar triângulo, porque o zabumbeiro e o sanfoneiro estavam sem seu acompanhante. Imprevistos sempre comuns no teatro de rua e que o tornam mais rico no que diz respeito a uma real troca de experiências. O espetáculo começou aí: todos se divertiram ao ver as tentativas dos voluntários de acertar o ritmo com o trio, até que o tocador, enfim, chegasse. O Trio Agrestino (grupo nascido em 1969) animou com forró as lacunas entre as saídas e entradas das personagens, muito bem conduzidas pelo ator. A grande maioria dos bonecos era de luva (alguns montados em animais de madeira) e os outros de haste (articulados). Um único boneco de pano (uma grande cobra) surgiu quase no final do enredo. Os bonecos, muito bem manipulados, dialogavam com a platéia o tempo todo. Impressionante como o artista conseguia desdobrar-se entre os vários bonecos, conduzir a história e ainda perceber, de dentro da barraca, as figuras da platéia com quem podia brincar. Todas as intervenções transformaram-se em mote para piadas improvisadas, muito bem escolhidas. Versatilidade, improviso e generosidade. Características comuns ao artista popular, que tem de estar presente o tempo todo, com atenção e escuta para não deixar o jogo cair ou mesmo esmorecer. Marieta, filha de Seu Mané Pacaru, celebra seu casamento com o vaqueiro Benedito, 60

quando chega o, “coisa ruim”, que tenta impedir a cerimônia. Neste enredo, muitos tipos sociais são apresentados à platéia, recheando a história. Danilo Cavalcante deu conta do recado, com grande maestria, recuperando o espírito e o fazer da cultura popular, numa fábula cheia de críticas e sátiras a esta nossa sociedade. Algumas personagens foram suprimidas, pois o sol estava muito forte e o artista


teve a sensibilidade e a generosidade de perceber e encurtar sua história. Os guarda-chuvas fecharam-se, quentes e aliviados, não os mesmos em uma próxima chuva, e cheios de um gostinho de quero mais. x por Natália Siufi, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, no Instituto de Artes da UNESP. Fundadora e integrante do Grupo Teatral Parlendas. fotos: Augusto Paiva

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III. 21. Dupla de dois - Poesia em ação “É hora de espetáculo, não é para brincar aqui!”, ordena, pela terceira vez, já quase em tom de súplica. Não se trata de um pai ralhando com seu filho, tampouco um irmão mais velho repreendendo o mais novo, apesar de ser uma fala de alguém que detém poder sobre outro. Nesse caso, um poder relativo. No contexto de um espetáculo de palhaços, a origem da fala no imperativo tende a ser a de um clown Branco para um clown Augusto. De fato. 62

Estamos, portanto, diante de um espetáculo de palhaços que segue arquetipicamente uma estrutura que remonta às origens da commedia dell’arte, em que chamava a atenção à presença de dois servos, os zanni, que provocavam um sem-número de situações cômicas, seja por trapalhadas, escatologias ou pelos próprios trejeitos. A dupla que representava esta tradição da comédia popular naquela tarde de quinta-feira, no Centro de São Paulo,


eram os atores Marco Ponce e Erich Santana, da Cia. Circo de Trapo. Erich é o Augusto, bobo e eterno perdedor, emocional e ingênuo. Já Marco nos apresenta o seu Branco, símbolo do patrão e do intelectual, ou seja, daquele que manda e tem as idéias, também chamado de “escada”, por ser o palhaço que alimenta a piada do outro. Lembrando, em termos físicos e de comportamento, a dupla Hardy e Laurel, conhecida por O Gordo e o Magro, Marco está sempre às voltas com as confusões provocadas por seu parceiro, Erich que pensa apenas em se divertir. Nesse sentido, o nome do espetáculo, acertadamente tautológico, faz pleno sentido: Dupla de dois. Deste embate, surgem inúmeras situações cômicas, com destaque para os números musicais. A trilha sonora se mostra marcante desde o início do espetáculo, com a chegada da dupla de palhaços. A idéia é brincar com o pressuposto de que eles viajam mundo afora mostrando suas habilidades – parte do cenário é composto por um suporte com imagens, alteradas de forma propositalmente grosseira, em que os palhaços são vistos, nos mais variados lugares do globo e com diferentes personalidades, como o Dalai Lama, por exemplo. Nesse momento, somos embalados por dois dos maiores clássicos da música francesa – Ne me quitte pas (de Jacques Brel) seguida de Non, je ne regrette rien (de Edith Piaf). Contrastando com o efeito sublime das canções eles: mala nas mãos e emoção caricatural, concebem gestos largos e passionais, com direito a abraços em quem estiver por perto. Este primeiro contato com o público se dá como se os palhaços estivessem chegando de mais uma viagem internacional para um novo espetáculo, mas é também o momento em que se dá o início da relação com o outro, tão cara ao teatro de rua. Outra situação em que há uma busca pelo sublime seguida de sua respectiva quebra ocorre em um número de balé com as mãos. Aqui, não eram os pés que vestiam meias e sapatilhas, mas as mãos de Erich Santana, que produziram “passos”, em uma bela cena. A ruptura se dá com a tentativa ingênua – bem ao sabor do clown – de atribuir um sentido à

imagem, em que Marco ergue placas com dizeres como “graça” ou “tensão”, dependendo da habilidade demonstrada pela “bailarina”. Tudo ao som de uma trilha sonora deliciosamente heterogênea. A partir da primeira dificuldade a ser solucionada pela dupla – hastear a bandeira com o nome da Companhia – ocorrem diversos números circenses, entre acrobacias e malabarismos, musicados por um inusitado repertório, de Ray Charles a Menudos, passando até por Locomia, banda espanhola que fez sucesso em rádios comerciais no início da década de 1990. Com isso, o imaginário do público é acionado, o que repercute, mais uma vez, em efeito cômico. A Cia. Circo de Trapo surgiu como reflexo do desejo em investigar a linguagem do circo, do palhaço e do teatro de rua. Desta pesquisa, resultou seu primeiro trabalho, Um, dois e três, de 2002. Posteriormente, o interesse em pesquisar a literatura infanto-juvenil fez com que os artistas ocupassem a Biblioteca Municipal Paulo Setúbal, localizada na Vila Formosa, bairro da Zona Leste da capital onde, vêm aprofundando estudos na área do teatro popular. x - por Daniela Landin, estudante do curso de Licenciatura em Artes – Teatro, do Instituto de Artes da UNESP, jornalista formada na Faculdade Casper Líbero. foto: Joca Duarte

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III. 22. O cabra que matou as cabras – Castiga o falo que o “Nu Escuro” vem aí Ridendo castigat mores. (expressão atribuída por Paulo Ronai ao poeta) Jean de Sauteuil. Manhã de sol em São Paulo. O bonito e original cenário em tom bege está naturalmente iluminado pelo astro rei. Enquanto isso os jovens astros reis de Goiânia preparam-se para entrar em cena e iluminar ainda mais a bela manhã. Na platéia, habitantes do Vale do Anhangabaú, pessoal ligado ao teatro e uma humilde mãe carregando o seu bebê. Exageros e licenças poéticas à parte foi realmente muito prazeroso assistir ao simpático, mas não isento de problemas, espetáculo. O texto é baseado na farsa medieval A farsa do advogado Pathelin, de autor desconhecido, aclimatada com inserções de elementos da cultura popular brasileira, principalmente daquela nordestina. O espetáculo foi concebido em processo colaborativo, mas quem assina a dramaturgia é o diretor Hélio Fróes. O texto é irregular, tornando-se às vezes emaranhado e cansativo. Há várias interferências musicais que vão desde os folguedos populares até Tim Maia e Tom Zé (a música deste, num momento particularmente engraçado). Esses apartes musicais em algumas situações tornam o espetáculo tímido, fazendo-o perder o ritmo. O Nu Escuro nasce em 1996, com integrantes do extinto Castigando o Falo. A escolha dos nomes denuncia a irreverência e o bom humor do Grupo. Neste espetáculo atuam 4 integrantes do grupo e uma atriz convidada (Eliana Santos), que está menos à vontade e com menor rendimento em cena, apesar de ter feito chorar o grande incentivador de teatro de rua, de Goiânia, Marcos Amaral Lotufo, com o “pum” da personagem apresentado por ela. Os espetáculos são dirigidos por um dos elementos do grupo, neste caso, Hélio Fróes, que não participa como ator. Os atores usam e abusam do grotesco e do escatológico arrancando 64


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gargalhadas da platéia e fazendo-a pensar, confirmando a expressão latina em epígrafe: “Rindo corrige-se os costumes”. Todo o elenco tem bom desempenho, mas cumpre destacar o trabalho primoroso de Abílio Carrascal (o tal do “cabra que matou as cabras”, pivô de toda a trama), com uma brejeirice, uma graça e esgares de olhos dignos dos nossos melhores Oscaritos. Esse é um ator talhado para viver nossos heróis/malandros populares como Macunaíma, Pedro Malasartes, Jeca Tatu e Pe O cenário, construído a partir de cenários e objetos de cena de outros trabalhos, é um espetáculo à parte: o sol que vira lua, os bonecos que surgem em montanhas íngremes ilustrando as histórias da mulher que virou cabra e do homem que virou bode. Melhor de tudo, é a esposa do advogado transando com seu amante (um boneco). Deve ser uma grande diversão assistir ao show que acontece atrás do cenário. 66

O espetáculo, concebido para a rua, deve render muito bem também num palco italiano tradicional. E por falar em teatro de rua foram hilárias as reações dos atores e da platéia primeiramente com o caminhão do lixo. Interessados no espetáculo, que se apresentava; os coletores pararam para assistir ao espetáculo e esqueceram o caminhão ligado... Como o barulho era grande, uma das atrizes, de grande verve histriônica, manda o caminhão tomar naquele lugar com duas letrinhas... Claro, o público vem abaixo. Um pouco depois, aproxima-se o helicóptero do Prefeito, em coro e espontaneamente, vociferam todos: Cai fora, kassab. Quem pode, pode; quem não pode se sacode! x por José Cetra Filho, pesquisador de teatro. fotos: Augusto Paiva


III. 23. Café pequeno da Silva e Psiu - Richa, distribuindo pedaçinhos de amor

A criança olha/ Para o céu azul. Levanta a mãozinha,/ Quer tocar o céu.Não sente a criança/ Que o céu é ilusão:Crê que o não alcança,/ quando o tem na mão. Manuel BANDEIRA. Céu. O Centro Velho de São Paulo parece feito para, o caminhar. Várias ruas somente para pedestres, prédios antigos para contemplar e praças para circular. Em cada parte deste miolo central de São Paulo, coisas interessantes podem acontecer. É o caso, quando nos deparamos com as cadeiras em baixo do Viaduto do Chá. Os passos viciados nos trajetos do dia-a-dia dominam os olhos curiosos dos transeuntes que cruzam o caminho das cadeiras brancas de plástico. Alguns se deixam vencer pelos olhos e, a exemplo de outros curiosos, param e sentam timidamente nas cadeiras. Como o garoto de rua que senta em silêncio, aguardando... O quê? O espetáculo do palha-

ço. Deixando de lado toda a sisudez e precaução que a vida lhe impôs, ele sorri, quem sabe, com sua inocência restaurada, como a criança que verdadeiramente é. Como outros, ele é transformado, pelo palhaço, no centro do espetáculo e aplaudido pelo seu desempenho no palco inventado, sob luz invisível. Assim, Richa (Richard Riguetti), o palhaço do Grupo Off-Sina (algo talvez como: sem destino), espalha, entre os espectadores, pedacinhos de amor, carinho e humanidade. Os adultos riem como crianças que, no fundo também são. E, em uma hora de espetáculo, uma hora a salvo do cotidiano, muitas vezes, duro e envelhecido. Uma hora transformada em esquecimento; sorrisos, gargalhadas e aproximação amorosa. Um encontro marcado com o espetáculo, com o palhaço, com a nossa criança interior. Assim, Petit Cafè é uma encenação circense; com cenas de picadeiro e cheio de improvisos conforme o público e as situações do momento da apresentação. O Palhaço Café Pequeno (Richa) utiliza recursos do teatro, do circo e da música para envolver o público nas ruas onde passa. por Cláudia Gonçalves, bacharel em Letras pela USP, fotógrafa profissional. foto: Augusto Paiva

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III. 24. Deus e o Diabo na terra da miséria – Oigalê: Miséria na cidade paulistana O destino parece subsidiar a realidade com aventuras portadoras de mortíferas ilusões. Como conseqüência, instaura o medo no âmago da vida e golpeia a caixa do desejo com flecha do ressentimento, da raiva, da mesquinharia. E costura com fios invisíveis episódios inesperados, para montar com eles afrescos, mosaicos, ou simples telas sujas pinceladas de caráter, relances de imagens fugazes, logo se tornam esmaecidas.

Grupo Oigalê com sua peça Deus e o Diabo na Terra da Miséria que há nove anos apresenta este trabalho nas ruas de Porto Alegre e, agora, nas ruas de São Paulo com pano de fundo de um Vale do Anhangabaú chuvoso. Trouxe alegria, lembranças e a mensagem de Miséria, tão íntima de alguns que assistiam ao espetáculo, e a possibilidade de mudança... x por Cláudia Gonçalves, bacharel em Letras pela USP, fotógrafa profissional. fotos: Augusto Paiva

Para que desta forma falemos, ante tantas surpresas, do destino, do fado ou, quem sabe, de mistérios e enigmas. Ah, se fôssemos menos distraídos! Nelida PIÑON. Fado. Lá embaixo do Viaduto do Chá e do alto das pernas de pau, Deus e o Diabo condenam Miséria a vagar pelas estradas: seu destino é o mundo. Passa, então, a circular pelas cidades, campos, esquinas e calçadas; impossibilitada de ir tanto para o Paraíso quanto para o Inferno. Esta peça é uma livre adaptação do Capítulo XXI do livro Dom Segundo Sombra de Ricardo Guiraldes, conhecido como Ferreiro e a Morte. O teatro de rua aliado à cultura pampiana, enfocando, neste caso, o contador de causo que vira teatro, trova, rima e música. Assim, os pedestres assistem a este espetáculo e também ao morador de rua que, empolgado, entra em cena dançando e cantando com o Grupo Oigalê. Uma mulher, ao ver a encenação, traz à memória a sua terra natal onde brincava com pernas de pau. Canta com o grupo e ri muito. Lembra da infância e renova a vontade de voltar para sua terra de origem. Esta inusitada apresentação e alguns, igualmente, inusitados espectadores fizeram parte da vida daqueles que pararam para ver o 69


SOBRE OS ESPETテ,ULOS Foto: Augusto Paiva

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Lendas de Sepé Tiarajú – Teatro Popular União e Olho Vivo

A encenação mostra um julgamento ocorrido em 1759. Portugueses e espanhóis julgam os índios guarani, entre os quais Sepé Tiaraju. O acordo feito entre Portugal e Espanha determinava que os habitantes das missões jesuíticas guarani abandonassem suas casas. O espetáculo desdobrase em forma de opereta e revela-se mais atual que nunca nesse início de século XXI. Ficha técnica Coordenação de texto e Direção: César Vieira Músicas e Coordenação Musical: José Maria Giroldo Coordenação de Cenários, Figurinos e Vídeo: Graciela Rodrigues Assistente de figurinos e cenários: Gabriel Presto Coordenação de percussão: Lucas César Colaboradores: Bia Zaterka, Maria Alice Silva e Benedito Gomes Lima Teixeira Atores: Ana Lucia Silva; Cátia Fantin; Cícero Almeida; Douglas Cabral; Elieser Martins; Lucas César; Marisa Dutra; Monique Macedo; Neriney Moreira; Oswaldo Ribeiro; Paloma Siqueira; Saryda Andara; Will Martinez Duração: 60 min. Contato: Tel/fax: 055 11 33311001 / 55794722 e-mail: graro@terra.com.br e-mail: teatropopularolhovivo@uol.com.br

Anuário imaginário, um calendário popular – Cia. Baitaclã

O espetáculo apresenta um passeio pelas tradições populares do Brasil, que ocorrem ao longo do ano e desenvolve-se como um grande festejo, onde o público relembra canções, costumes e tradições. Ficha técnica Direção: Heraldo Firmino Atores: Heraldo Firmino; Monique Franco; Sabryna Mato Grosso e-mail: ciabaitacla@ciabaitacla.com.br

Saltimbembe Mambembancos – Grupo Rosa dos Ventos (Presidente Prudente – SP)

O espetáculo é composto por música ao vivo e desenvolvido por meio de números de variedades apresentados por quatro palhaços. A proposta objetiva a diversão e a participação popular. São palhaços grotescos, semelhantes a bastiões e bufões na forma de se relacionarem com o público. O resultado é a festa em que os charivari,(balbúrdia, desordem, confusão) desenvolvem-se no universo do circo. Ficha técnica Criação e Direção: Rosa dos Ventos Atores: Tiago Munhoz, Gabriel Mungo, Felipe Madureira, Fernando Àvila e-mail: circoteatrorosadosventos@yahoo.com.br

Histórias da Maçã – Teatro Fabrincantes & Matulão (Assis – SP)

Dois grupos de teatro disputam uma praça. Além de compartilharem o mesmo público, os integrantes dos dois grupos surpreendem-se quando, se dão conta que encenam a mesma história, cujo tema central é a criação do mundo. Duelam pela simpatia da platéia e por meio disso revelam um paraíso de gargalhadas. Ficha técnica Texto: Elinaldo Meira e Wender Urias Direção: Sandro de Cássio Dutra Atores: Meire Alves, Ricardo Bagge, Sandro de Cássio Dutra e Wender Urias da Cruz e-mail: wenderu@yahoo.com.br

Arrumadinho - Trupe Olho da Rua (Santos – SP)

O espetáculo conta a história da menina Quina que sobe uma escada para conhecer o fim que não pode ser visto. Um espetáculo de rua que se utiliza de máscaras para contar sua história.

A partir de um cortejo profético e anunciador, seis gerentes de vendas e suas respectivas visões de mundo e de mercado apresentam-se à plateia. Por meio de um intenso jogo com o público, as personagens provocam, criticam e questionam o homem moderno e o estado de pateticidade a que chegou, em relação ao trabalho e ao sonho de prosperidade. Arrumadinho da Trupe Olho da Rua ao transitar com expedientes épicos corresponde a uma revista urbana, uma brincadeira de pular corda ou uma ode denunciante às indústrias farmacêuticas.

Ficha técnica Direção: Vinícius Torres Machado Atores: Elisa Rossin, Beto de Souza, Fernanda Faria, Carlos Gomes, Thaís Rangel e Vinícius Torres Machado e-mail: cgomes1979@gmail.com

Ficha técnica Direção – Zeca Sampaio. Atores – Alan Plocki, Caio Martinez, João Paulo Pires, Juliana Pellin, Raquel Rollo e-mail: trupeolhodarua@gmail.com

A sombra das nuvens – Cia. Troada

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Circonosotros – Família Milan e o Gran Circo Guaraná com Rolha

Resultado de uma longa pesquisa de tradições circenses do século XIX e início do XX, o espetáculo apresenta ao público, números e aparelhos já não mais utilizados pelos circos tradicionais. Toda a ambientação do espetáculo completa-se por intermédio do figurino e da música. Ficha técnica Direção: Marcelo Milan Atores: Sandra Saraiva e Marcelo Milan e-mail: circonosotros@hotmail.com

ComiCidade – Buraco d`Oráculo

O espetáculo apresenta-se por meio de uma seqüência de quatro curtas histórias adaptadas da comedia clássica japonesa, denominada Kyogem. As histórias, retiradas de ações cotidianas e conhecidas de todos, passam-se nos dias de hoje em uma cidade qualquer. Ficha técnica Direção e adaptação: Paulo de Moraes Atores: Adailton Alves, Edson Paulo, Lu Coelho, Johnny John e Selma Pavanelli (atriz convidada) e-mail: buracodoraculo@yahoo.com.br

Top! Top! Top! - Ivo 60

O grupo paulistano pesquisa a linguagem de quadrinhos do importante cartunista e militante político Henfil, trazendo suas antológicas personagens das tirinhas do papel para as ruas. O espetáculo desenvolve-se a partir de diversas cenas, acompanhadas de música ao vivo e dança. Ficha técnica Direção: Pedro Granato Atores: Ana Flávia Chrispiniano, Felipe Sant’Angelo, Marina Leite, Pedro Felício e-mail: felipao@uol.com.br

O salto – Será o Benidito (RJ)

O Palhaço Migué Bruguelo Ditoefeito, personagem que tem no seu nome a síntese do espírito e malemolência do Brasil, depois de apresentar-se à plateia, promete que irá dar três saltos, de olhos vendados, sem tirar o pé do banco. Mas até que cumpra o prometido, tudo pode acontecer. Ficha técnica Texto/Direção/Cenário/Encenação - André Garcia Alvez e-mail: seraobenedito@seraobenedito.com.br 72

Dupla de dois – Circo de trapo

Dois palhaços viajam pelo mundo apresentando números de acrobacias, malabarismo e balé, embalados por músicas de “ícones” mundiais como Ray Charles, Jacques Brel, Edith Piaf e Menudos. Ficha técnica Direção: Cia. Circo de Trapo Elenco: Marco Ponce e Erich Santana e-mail: producao@circodetrapo.com.br

Viva Malasartes! Histórias de um povo de algum lugar - Núcleo Pavanelli Duas histórias paralelas e (in) dependentes ocorrem em dois planos: um mundo mítico, ritualístico e o outro cotidiano (real). No mundo mítico a personagem da história é Pedro Malasartes, esperto e astuto. No mundo cotidiano e real, o povo criador de Malasartes, enfrenta tempos difíceis. Ficha técnica Direção e dramaturgia: Calixto de Inhamuns Atores: Anderson Areias, Danilo Caputo, Dany Ivan, Edward Diniz, Francisco Júlio, Harley Nóbrega, Ioneis Lima, Kelly Laser, Lena Silva, Lucas Branco, Marcos Pavanelli, Mariana Paudarco, Misael Alves , Paulo Dantas e Rimenna Procópio. e-mail: simonepavanelli@yahoo.com.br

Esperando na rodô – Sítio do Jeca (Pirassununga)

A proposta desenvolve-se por meio de uma pesquisa que em se compara a essência do clown à do caipira. Desse modo, Jeca é apresentado por meio do universo caipira e algumas de suas tradições em uma rodoviária. Ficha técnica Direção: Marco Pavani Ator e Palhaço: Reinaldo Facchini e-mail: reinaldojeca@hotmail.com


O cabra que matou as cabras - Cia. de Teatro Nu Escuro (GO) Adaptada de farsa de anônimo medieval, um advogado vigarista, que sobrevive dando pequenos golpes em seus clientes, acaba por envolver-se em um caso de assassinatos de cabras e bodes. Uma trama cheia de traições, trapaças e reviravoltas.

A folia no Terreiro de Seu Mané Pacaru – Cia. Mamulengo da Folia

Seu Mané Pacaru celebra o casamento de sua filha Marieta com o vaqueiro Benedito. Para o acontecimento, uma grande festa será realizada. E eis que o conflito se estabelece quando o “coisa ruim”, o “fut” como é chamado o diabo, invade a festa impedindo o casamento e obrigando Marieta a casar-se com ele. Ficha técnica Confecção de bonecos, roteiro, atuação e direção: Danilo Cavalcante Músicos acompanhantes: Trio Agrestino. e-mail: mamulengo_canhotinho@yahoo.com.br

Tu decides 2 - Circo Teatro Ybimarã

O Circo Teatro Ybimarã apresenta um espetáculo sem texto definido, mas pautado em um roteiro improvisacional. A peça desenvolve-se no universo de pequenas companhias circenses que caminhavam, até um passado recente, pelo País. Ficha técnica Criação e direção: O Elenco Atores: Eliane Weinfurter, Fernando Cavalcanti e Marllon Chaves e-mail: elianesantos26@gmail.com

Êh! Boi - Grupo Teatro Kabana (MG)

Êh! Boi leva para a rua a brincadeira do boi, por meio de figurino colorido, e pelo burlesco, convida à participação espontânea da plateia. Esta, desavisada, percebe-se integrante de um espetáculo popular ao formar uma orquestra de tacos que, em cortejo, acaba por desfilar pelas ruas.

Ficha técnica Direção e Dramaturgia: Hélio Fróes Atores: Abílio Carrascal, Adriana Brito, Eliana Santos, Izabela Nascente e Lázaro Tuim e-mail: heliofroes@gmail.com

Café Pequeno da Silva e Psiu - Grupo Off-Sina (RJ) Café Pequeno da Silva e Psiu, ao tomar o palhaço como protagonista do circo, mostra-o como um cidadão comum, que enfrenta os problemas do cotidiano à sua maneira, por meio de situações caóticas, com uma enorme persistência e bom humor. Cheio de habilidades, o palhaço apresenta números de malabares, mágica, manipulação de boneco, música e poesia. Ficha técnica Direção: Lílian Moraes Texto e Atuação: Richard Riguetti e-mail: richardriguetti@yahoo.com.br

Deus e o Diabo na Terra de Miséria Grupo Oigalê (RS)

Livre adaptação do Capítulo XXI do livro Dom Segundo Sombra de Ricardo Guiraldes, a peça utiliza-se de diversos recursos do teatro de rua mesclados à cultura dos pampas gaúchos. Deus e o Diabo; é um “causo” que vira teatro, trova, rima e música. Uma farsa gaudéria que conta como a Miséria espalhou-se pelo mundo. Ficha técnica Adaptação e direção: Hamilton Leite Atores: Giancarlo Carlomagno, Hamilton Leite, Ilson Fonseca, Janaina Mello, Vera Parenza e-mail: oigale@terra.com.br

Ficha técnica Direção: Mauro Xavier Brincantes: Rubens Xavier, Pedro Delgado, Nélida Prado, Geovanne Sássa, Léo Ladeira, Mauro Xavier. e-mail: gtkabana@terra.com.br 73


Famiglia Milan e o Gran Circo Guaranรก com Rolha :: Foto Augusto Paiva


Top! Top! Top! - Ivo 60 :: Foto Augusto Paiva


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