Revista Parlatório - Edição 01

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Ano I . Edição nº1 . Março/2018

Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia

Direito e Democracia


Expediente Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia - OAB/RN Ano I, Edição nº 1, Março/2018 ISSN... A reprodução total ou parcial desta publicação é permitida sempre que for citada a fonte. As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores. EDITORA CHEFE Maura Marjorie Gomes Nogueira

DIRETORIA DA OAB/RN Presidente: Paulo de Souza Coutinho Filho Vice-Presidente: Marisa Rodrigues de Almeida Diógenes Secretário-Geral: Kaleb Campos Freire Secretária-Geral Adjunta: Priscila Coelho da Fonseca Barreto Diretor-Tesoureiro: Carlos Alberto Marques Júnior

DIRETORIA DA ESA/-RN

CONSELHO EDITORIAL Djamiro Ferreira Acipreste Sobrinho Fábio Fidelis de Oliveira Marcelo Mauricio da Silva Marco Aurélio de Medeiros Jordão Rebeca Câmara Alves Úrsula Bezerra e Silva Lira COORDENAÇÃO TÉCNICA Marcelo Mauricio da Silva PROJETO GRÁFICO, CAPA E DIAGRAMAÇÃO Gustavo Ribeiro Marketing da OAB/RN

Diretora Geral: Marília Almeida Mascena Diretor Tesoureiro: Flaviano da Gama Fernandes Diretor de Ensino: Olavo Fernandes Maia Neto Diretor de Pós-Graduação: Alexandre Alberto da Câmara Silva Diretora da Revista/Editora: Maura Marjorie Gomes Nogueira Diretor de Gestão, Prática Profissional e Residência Jurídica: João Paulo dos Santos Melo Diretora de Cursos Presenciais: Monalissa Dantas Alves da Silva Diretor de Cursos Telepresenciais e pela Internet de Aperfeiçoamento: Cássio Leandro de Queiroz Rodrigues Diretor de Conferências, Congressos e demais eventos: Antonino Pio Cavalcanti de Albuquerque Sobrinho Diretor de Integração: Fabio Luiz Lima Saraiva Diretor de Cursos de Extensão em Direito Digital e PJE: Hallrison Souza Dantas

Rua Barão de Serra Branca, s/n – Candelária – CEP 59065-550 Natal, Rio Grande do Norte, Brasil


Índice 06. Prefácio Marília Almeida Mascena e Paulo de Souza Coutinho Filho

08. 20. O Presidencialismo Brasileiro no Contexto da Crise Política e a Fragilidade da Democracia Nacional Mariana de Siqueira A Abertura Democrática do Supremo Tribunal Federal: A Influência da Audiência Pública no Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3510

Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave e Daniela Vaz Campos

46. A Democracia Representativa

e a Revogação dos Mandatos em Curso Abraão Luiz Filgueira Lopes

07. Editorial Conselho Editorial Direitos e Democracia Marcos José de Castro Guerra

28. Pactuar a Segurança para Redução da Violência Marcos Dionísio Medeiros Caldas

30. 66. A Evolução da Moralidade Jurídica:

Da Instituição Como Princípio até a Efetivação com as Normas de Compliance Mayara dos Santos da Silva

80. Quem Tem Medo do STF? Estudo Acerca da Racionalização dos Poderes do Pretório Excelso Jodilson Iron Gomes de Medeiros 54. Aspectos da Democracia Segundo a Doutrina Social da Igreja: Um Estudo em Homenagem ao Jurista Otto Guerra Silvério Alves da Silva Filho

94. A Responsabilidade Civil do Estado

Pela Morosidade na Prestação Jurisdicional Priscila Franco

102. Poder(?) de Tributar:

Uma Breve Análise Sobre Justiça Tributária e Estado Democrático de Direito Jaciel Neto


Prefácio Advogados(as), A Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Norte, criada através da Resolução nº 003/91, em 14/11/1991, tem a missão de fomentar projetos que promovam a capacitação técnica dos operadores do direito, oportunizando o aperfeiçoamento profissional dos advogados inseridos na Seccional Potiguar, através de cursos e capacitações que levam ao aprimoramento e difusão de conhecimentos. Imbuídos desse espírito, a advocacia potiguar conta agora com mais um espaço para sua produção jurídico-literária: Revista Parlatório, cujo nome não poderia ser mais simpático e apropriado. Afinal, um parlatório é um local para conversas, onde podemos trocar ideias, informações, gerar conhecimento e travar saudáveis discussões. Diante do atual cenário nacional, a temática de Direito e Democracia não poderia ter se mostrado mais acertada, posto que são admiráveis criações humanas cuja efetividade depende de conhecimento e de sua defesa intransigente. Os artigos que compõem a revista estão sob assinatura de notórios profissionais e diante de sua grande qualidade, enriquecem nosso acervo institucional, constituindo reconhecido material de exame para a comunidade jurídica. Fica o registro de agradecimento e reconhecimento à toda equipe da revista, que através de sua editora chefe, conselho editorial, coordenação técnica e diagramação, suporte digital e gráfico e colaboradores, dedicaram seu tempo e competência para entregar à advocacia potiguar um trabalho de excelência. A Escola Superior de Advocacia mantém sua inquietação no propósito de ser um local onde os advogados norte-rio-grandenses possam buscar informação, habilitação, edificação e socialização. Sendo também agora palco de produções jurídicas, que contribuem de forma sólida como uma importante fonte de pesquisa acadêmica e profissional. Boa leitura! Marília Almeida Mascena Diretora Geral da ESA/RN Paulo de Souza Coutinho Filho Presidente da OAB/RN

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A advocacia potiguar conta agora com mais um espaço para sua produção jurídico-literária: Revista Parlatório, cujo nome não poderia ser mais simpático e apropriado. Afinal, um parlatório é um local para conversas, onde podemos trocar ideias, informações, gerar conhecimento e travar saudáveis discussões.


Editorial A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em sua seccional norte-rio-grandense, ciente de seu compromisso com os esforços científicos de aprimoramento do fazer advocatício também em suas progressões acadêmicas e culturais retoma, através dos esforços empreendidos pela Escola Superior de Advocacia, a produção periódica com a alvissareira concretização da Revista Parlatório. O nome, na evocação das mais caras tradições, relaciona os púlpitos nos quais a oratória de tantos advogados soube dignificar a liberdade, como em um altar erguido com a lágrima e o sangue das gerações que nos antecederam. As lições dos mestres, as expressões dos causídicos, a reflexão dos doutrinadores, a fala lançada às democráticas assembleias, como hino, ou aos despóticos ouvidos, como grito: em todos os lances o poder da palavra, gládio e escudo pelos que não tem voz ou vez. E assim, tomando a edição inaugural sob o signo das esperanças do presente e dos caminhos já trilhados é que contamos, além dos autores selecionados a partir do edital oportunamente lançado, com os

advogados que aqui comparecem em pontuais contribuições. A presença dos artigos “A Democracia Representativa e a revogação dos mandados em curso”, “A responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional”, “A Evolução da moralidade jurídica: da instituição como princípio até a efetivação com as normas de compliance” e “Poder (?) de tributar: uma breve análise sobre a justiça tributária e estado democrático de direito” desenvolve, com notável desenvoltura, a conexão entre o ideal democrático e variados ramos da experiência jurídica. Noutro ângulo, na apresentação de significativas elaborações textuais, os doutores Marcos Guerra, Mariana Siqueira, Ana Beatriz Presgrave e Silvério Alves representam as vozes da academia e da militância forense no debate sobre o tema da edição inaugural: Direito e Democracia. Nesse mesmo sentido, em referência à memória de lutas empreendidas na defesa do ideal democrático, a recordação dos advogados Otto de Brito Guerra e Marcos Dionísio Medeiros Caldas completam

a lição da teoria conjugada à esfera prática, tão ao gosto da contundente defesa da liberdade dos perseguidos políticos exercida pelo Prof. Otto e da militância na seara dos direitos humanos, testemunhada por Dionísio. Desse último homenageado ainda juntamos, como memória de sua inesquecível atuação, o escrito intitulado “Pactuar a segurança para reduzir a violência”. Felizes pela oportunidade de lançarmos mais um elemento bibliográfico à andaimaria da Escola Superior de Advocacia em sua missão de fomento aos quadros renovadores da reflexão jurídica potiguar, entregamos, esperançosos, a primeira edição de um democrático PARLATÓRIO. Com a palavra, os advogados... Maura Marjorie Gomes Nogueira Editora Chefe Djamiro Ferreira Acipreste Sobrinho Fábio Fidelis de Oliveira Marcelo Mauricio da Silva Marco Aurélio de Medeiros Jordão Rebeca Câmara Alves Úrsula Bezerra Lira Membros do Conselho Editorial

O nome, na evocação das mais caras tradições, relaciona os púlpitos nos quais a oratória de tantos advogados soube dignificar a liberdade, como em um altar erguido com a lágrima e o sangue das gerações que nos antecederam. Parlatório

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Marcos José de Castro Guerra

Artigo

Advogado. Ex-professor de Direito Internacional. Foi Vice-Presidente da OAB/RN, com múltiplas atuações na área de Educação e Cooperação internacional. Correio eletrônico: marcosguerra@oab-rn.org.br

Direito e democracia “It is said that no one truly knows a nation until one has been inside its jails. A nation should not be judged by how it treats its highest citizens, but its lowest ones.” NELSON ROLIHLAHLA MANDELA

1. Título I dos Princípios Fundamentais. Artigo 1º. Fundamentos da República Federativa, Estado democrático de direito: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político… Objetivos Fundamentais -Artigo 3º. I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação... Direitos Sociais: Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 2. Betinho, Herbert José de Souza - Democracia e Cidadania, in Democracia Viva, No. 28, 2006 IBASE, RJ.

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Somente um novo pacto poderia modificar nossa Constituição quanto aos “Princípios Fundamentais”, aos “Direitos e Garantias fundamentais, individuais e coletivos”, e ao que nela foram denominados “Direitos Sociais”. Pretendemos aqui levantar questões quanto à estreita relação entre DIREITO E DEMOCRACIA, e incentivar debates que nos permitam uma atuação consequente na defesa dos Direitos ameaçados na crise política e econômica que atravessamos. Dentre os que militam em prol da Justiça, cabe-nos, aos Advogados, um papel preponderante. Por dispor de grande liberdade e capacidade de iniciativa. Por identificar com clareza iniciativas que violam Direitos e ameaçam a própria Democracia. E por dispor dos conhecimentos profissionais que nos permitem e ao mesmo tempo nos obrigam a atuar de forma crítica e combativa. Para Nelson Mandela, conhecemos uma nação identificando como trata seus prisioneiros. Não a minoria de privilegiados, mas os que têm pouco ou nada. Nossa Constituição de 1988 talvez não tenha o melhor formato, mas seguramente representa o melhor consenso, obtido em momento crítico. Ela determina direitos e deveres constitucionais, e nos impõe regras democráticas, republicanas e federativas1.

É fruto de um verdadeiro pacto político-social e econômico, construído laboriosamente por lideranças políticas e partidárias, com atuante participação da sociedade civil – incluindo militares e entidades religiosas. Cabe-nos a tarefa de consolidar e aperfeiçoar o que na época foi definido como fruto da redemocratização. Não podemos desfigurá-la, e muito menos violentar princípios e objetivos claramente explicitados. A Constituição Federal de 1988 garante com extrema precisão que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição” e estabelece ainda que os 3 poderes (independentes e harmônicos) atuarão com vistas a construir, garantir e promover ações claramente definidas. Nesta verdadeira crise política, dispomos de um sólido referencial. E podemos ter clareza sobre uma tarefa comum. Divididos, esquecemos as lições do incansável Betinho, em um estudo sobre “Democracia e Cidadania”2, e em toda sua militância na qual repetia “quem tem fome tem pressa!!!”. Como sempre lembrou, “só a participação cidadã muda um país”. E para cimentar tais mudanças, elencou cinco princípios: Igualdade, Diversidade, Participação, Solidariedade e Liberdade. Ao definir cidadania, escreve com clareza:


Cidadania é a consciência de direitos democráticos, é a prática de quem está ajudando a construir os valores e as práticas democráticas. No Brasil, cidadania é fundamentalmente a luta contra a exclusão social e a miséria e mobilização concreta pela mudança do cotidiano e das estruturas que beneficiam uns e ignoram milhões de outros. E querer mudar a realidade a partir da ação com os outros, da elaboração de propostas, da crítica, da solidariedade e da indignação com o que ocorre entre nós3. Divididos e manipulados, não podemos cooperar para “democratizar a democracia”, no sentido estudado pelo cientista Boaventura de Sousa Santos4. Vivemos numa democracia sequestrada, o que gera descrença de uma grande maioria desmobilizada. Descrença resultante da exclusão política e social, da trivialização da participação em atividades de fachada que chamavam a decidir sobre coisas cada vez menos importantes. Descobrem que não participavam do poder efetivo, mas de “Missas Republicanas” segundo consagrada expressão de Mitterrand, como grandes Conferencias Nacionais, Assembleias, Congressos, Manifestos, Notas Públicas. E que as decisões principais, que têm efetivamente consequência na vida da maioria eram tomadas em outras instancias. Descobrem ainda quem são os grandes beneficiários. De forma consciente e maquiavélica, minorias que se apoderaram do poder em nome da proteção dos interesses de poucos privilegiados, ou de uma pseudohegemonia, fazem

todo o possível para dividir aqueles que se unidos estivessem poderiam ameaça-las. Em detrimento da grande maioria, forjam uma “democracia de baixa intensidade”, sequestrada por forças econômicas poderosas imunes a qualquer transparência e sem passar pelo crivo de uma avaliação democrática. Constatamos um divórcio entre o parlamento e a sociedade, e que os 3 poderes tentam reduzir a participação cidadã exclusivamente ao voto – limitado a cada 4 anos. Atuam muitas vezes como se estivessem a exercer um “poder drone” – como militares de grandes potências que manipulam controles eletrônicos a milhares de quilômetros de suas vítimas, para bombardear indiscriminadamente seus adversários. Pouco lhes importam os custos paralelos que atingem populações civis, principalmente crianças e mulheres. Atuam como se ignorassem as consequências de decisões que trazem graves prejuízos para a grande maioria, principalmente para os mais frágeis. Agem protegidos por uma falsa impunidade e sem

nenhum risco pessoal. Ao manipular seus drones, alguns de nossos políticos e gestores, esquecem as promessas feitas nas campanhas eleitorais. A partir das quais analistas chegaram a identificar algumas vezes o que ficou conhecido como estelionato eleitoral. Governantes e parlamentares agem como se não estivessem vinculados pela Constituição, e pelos compromissos assumidos em campanha. Hoje vemos que ações consideradas prioritárias não tiveram a dimensão e o alcance necessários, nem resultados concretos e irreversíveis. Entre outros fatores pela falta de vontade política e de coragem de enfrentar reformas estruturais. Importantes Programas de Governo puderam ser facilmente esvaziados, já que não foram constituídos como Políticas Públicas de Estado, que tivessem sua continuidade garantida. 3. Betinho – Poder do Cidadão –www.conversascombetinho.org.br/com_a_palavra/cidadania_fome.htm 4. Boaventura de Sousa Santos, org - Democratizar a democracia - os caminhos da democracia participativa - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.

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As principais características do modernismo liberal não se coadunam com nosso pacto vigente sob a Constituição Cidadã. De início, deve obedecer “ao mercado” (sic), reduzir drasticamente gastos sociais e subsídios governamentais, desregulamentar o mercado de trabalho, penalizar trabalhadores e aposentados com arrocho salarial, romper uma aliança histórica com sindicatos de trabalhadores e incentivar privatizações, entre outras medidas. 8 . Parlatório

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2. UM NOVO CONTRATO SOCIAL Ao invés de aperfeiçoar o Contrato Social vigente, e de executar políticas que finalmente atendam plenamente ao dispositivo Constitucional, vemos ao contrário nos últimos meses uma tentativa não dissimulada de tentar impor um novo modelo, agora obedecendo ao que ficou conhecido em 1989 como “Consenso de Washington”, que reintroduz opções políticas da antiga “comissão trilateral” criada por Rockfeller em 1973. Do famoso “Consenso” ficaram medidas de ajuste macroeconômico impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, que aplicadas recentemente na Europa resultaram em grave crise econômica e política com prejuízos para países concretos, e principalmente para a maioria da população de gregos, portugueses, italianos, e até de países com economia mais sólida como a Inglaterra, a França e a Alemanha. Medidas comprovadamente ineficazes e impopulares, que para serem implantadas muitas vezes exigiram divulgar como verdadeiras informações falsas ou incompletas. Fato que mais uma vez enseja denúncia sobre a sua ilegitimidade diante das garantias constitucionais. Já presentes nas últimas décadas, acentuam-se mais particularmente a partir do início de 2015 as pressões para introduzir o conhecido “neoliberalismo”, também chamado de modernismo ou conservantismo liberal, defendido entre outros pelo Ministro Meirelles. O qual continua coerente em sua missão confiada pelos Bancos, desde quando deixou a direção mundial do BankBoston e aceitou o convite para dirigir o Banco Central

(de 2003 a 2010). Vale salientar que na época exigiu e obteve o “status” de Ministro de Estado, que lhe dava maior liberdade e preponderância. As principais características do modernismo liberal não se coadunam com nosso pacto vigente sob a Constituição Cidadã. De início, deve obedecer “ao mercado” (sic), reduzir drasticamente gastos sociais e subsídios governamentais – sob a alegação de “saúde fiscal”, desregulamentar o mercado de trabalho, penalizar trabalhadores e aposentados com arrocho salarial, romper uma aliança histórica com sindicatos de trabalhadores e incentivar privatizações, entre outras medidas. São itens que poderiam até vir a ser discutidos para integrar um novo Pacto. Mas não podem ser impostos de forma unilateral e apressada. Algumas medidas são forçadas literalmente “por decreto”, forma antidemocrática que a sociedade critica há tempo. Entre outros, por duas vezes o Planalto tentou entregar a Reserva Nacional do Cobre (RENCA), ignorando direitos da população local e riscos ambientais, e decidindo unilateralmente sobre minerais estratégicos, em contradição com dispositivos constitucionais, como o Art. 225 E o fez novamente através de malogrados Decretos (9.142 e 9.147, agosto de 2017) sobre os quais foi preciso recuar, o último tendo seus efeitos suspensos por um curto período. Vejamos a seguir algumas das propostas que merecem análise sobre sua constitucionalidade, e que podem ser objeto de luta pelos Direitos e pela Democracia.


3. A REFORMA DA PREVIDÊNCIA A propaganda governamental divulga insistentemente que a Seguridade Social é deficitária, e gasta mais que arrecada. Com a ajuda da grande imprensa o Planalto esconde que se apropria de 30% das somas arrecadadas e vinculadas constitucionalmente para Previdência Social, Saúde e Educação. E que obteve recentemente no Congresso aprovação para aumentar o desvio de 20% para 30%, e garantir sua prorrogação até 2023. Se fosse deficitária, como abocanhar e desviar 30%? Conforme notícia o próprio Senado, “a principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado”. Naturalmente algumas decisões impostas à sociedade enfrentam dificuldades no Congresso, com formas de pressão que violam a autonomia dos 3 poderes. É exemplar o que se passa em relação à Previdência, que tem clara previsão Constitucional, quanto à sua abrangência (Art. 194)5 e seu financiamento (Art. 195)6, em Capitulo sobre a Seguridade Social, no Título VIII – sobre a Ordem Social. Ou seja, a Constituição vincula, mas Governantes atropelam a Constituição com o beneplácito do Parlamento e o silêncio da Justiça. Através de um desvio legalizado, a DRU (Desvinculação de Receitas da União), maneja recursos que são reorientados para o pagamento de juros da dívida pública, que nunca foi auditada, contrariando mais uma vez o que manda a Constituição. Já ve-

tada pela então Presidente Dilma em 2015, a auditoria prevista na LDO de 2018, acaba de ser novamente vetada pelo Presidente Temer. A propaganda governamental esconde também, por razões inconfessáveis, uma dívida de sonegadores que supera R$ 426 Bilhões. E o Governo continua a contratar devedores, desrespeitando clara determinação Constitucional do § 3º do Art. 1957 de nossa Constituição. Ainda, estudos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional vinculam a 115 Deputados e 14 Senadores dívidas em aberto num total de R$ 946 milhões, sem que os devedores se declarem impedidos de votar a MP 783, que tramita igualmente em regime de urgência. Ela foi apelidada de “Pacote de Bondades”, ao criar um novo programa de refinanciamento das dívidas que serão parceladas em 14 anos, “inclusive objeto de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, em discussão administrativa ou judicial, ou ainda provenientes de lançamento de ofício efetuados após a publicação da Medida Provisória” (Sic). Uma Carta Aberta sobre a Reforma da Previdência8 publicada em janeiro de 2017 pela OAB e mais de 200 entidades “exige a devida transparência” sobre os dados da Seguridade Social, e “a suspensão da tramitação da PEC 287/2016, até que se discuta democraticamente com a sociedade no sentido de construir alternativas... impedindo o retrocesso de direitos sociais”.

A propaganda governamental esconde também, por razões inconfessáveis, uma dívida de sonegadores que supera R$ 426 Bilhões.

5. Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade E equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. 6. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais... § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. 7. § 3º. – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder publico nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. 8. http://s.oab.org.br/arquivos/2017/02/carta‐aberta‐sobre‐a‐reforma‐da‐previdencia‐5.PDF

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4. REFORMA TRABALHISTA

Decisões tomadas sem as devidas ponderações sobre seus impactos na sociedade podem vir a causar danos irreparáveis sobre aqueles que são o principal motivo de existência de nosso Estado Democrático de Direito, o cidadão.

9. ADI 5.766, da PGR, MS 34989.

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Além da pressa em implantar sem maior diálogo suas reformas, como a do sistema educativo, encontramos a mesma metodologia aplicada no que ficou conhecido como Reforma Trabalhista. A OAB marcou posição contra o modo como esta Reforma vinha sendo feita. Em nota do 1º de Maio deste ano, denuncia o ritmo forçado, que assimilamos mais acima ao bombardeamento dos drones. Em Regime de Tramitação de Urgência, o projeto enviado pelo Executivo em fins de Dezembro de 2016 teve sua Redação Final aprovada pela Câmara de Deputados em Abril de 2017. Encaminhada ao Senado, foi aprovada em 11 de Julho, e sancionada pelo Presidente da República em 13 de Julho. Vale retomar trechos da Nota de 1º de Maio de 2017: A OAB reafirma seu compromisso de atuar com empenho e destemor na defesa da Constituição Federal, do Estado Democrático de Direito e da sociedade... As propostas de alterações na legislação trabalhista e na Previdência Social, hoje em andamento no Congresso Nacional, não podem ser debatidas de forma açodada... Decisões tomadas sem as devidas ponderações sobre seus impactos na sociedade podem vir a causar danos irreparáveis sobre aqueles que são o principal motivo de existência de nosso Estado Democrático de Direito, o cidadão... Num momento em que são tantos os percalços enfrentados pelas instituições, cabe ao Congresso Nacional preservar direitos e garan-

tias sociais, especialmente quando a sociedade sofre os efeitos da crise econômica, com o avanço do desemprego. Modernizar a legislação trabalhista não pode, sob hipótese alguma, ser pretexto para que se imponham prejuízos irreparáveis aos trabalhadores e trabalhadoras de nosso país. Pressa e desacertos que justificaram ações no STF9. Há um MS de Senadores contra a tramitação da reforma, recusado pela Presidente do Tribunal, conforme Jurisprudência da Corte, por ser “incabível a judicialização de atos de natureza interna corporis praticados nas Casas Parlamentares”. E uma ADI da PGR em defesa dos direitos, e da própria Constituição, incluindo medida cautelar – a partir da qual o Ministro Luis Roberto Barroso já pediu esclarecimentos sobre a possibilidade de violação de garantias constitucionais de amplo acesso à jurisdição e a assistência judiciaria integral aos necessitados. Por sua vez, a ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, decidiu que: o questionamento à aberração imposta deva ser feito ponto a ponto no STF, e não por meio de uma ADIN”. E ainda, “atacar pontos de inconstitucionalidade no STF mais patentes e permitir que a jurisprudência dos tribunais da justiça do trabalho construa a melhor interpretação desse texto, de acordo com os princípios constitucionais e que regem o direito do trabalho.


5. DESPESAS REPRESADAS X DÍVIDA PÚBLICA Problema crônico no Brasil, a dívida pública gera controvérsias, por sua dimensão e pelo fato de ser mantida como uma verdadeira caixa preta sobre a qual não há transparência, já que os últimos Presidentes vetaram uma auditoria com participação da sociedade civil. Vale lembrar que em 2005, houve um resgate antecipado ao FMI, a quem se pagava juros inferiores a 4% ao ano. Desde então o Governo paga juros de mercado, e os bancos se tornam mais ricos. A dívida representa em Dezembro de 2016 nada menos que 69,5 % do PIB10. E 45% do orçamento são reservados aos juros e amortização da dívida, graças aos desvios acima mencionados, através do artifício legal chamado DRU. Enquanto isto o Planalto e alguns parlamentares apressam-se a impor medidas sem negociar um novo Pacto Social. Quase sempre em tempo recorde. Dentre outras, a recen-

te Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos (PEC 55/2016 e 241/2016, Emenda 95/2016) que autoriza limitar o gasto público primário e praticamente congelar por 20 anos os recursos de setores protegidos constitucionalmente como saúde e educação. Tudo beneficiando ainda do silêncio da Justiça, apesar de ajuizamento de ações pela AJUFE, a ANAMATRA e a DPU, além do PT, do PSOL, Federações e Confederações de trabalhadores11. Trata-se de emenda controvertida também porque retira do Parlamento suas atribuições relacionadas com o orçamento. Como resultado, ficaram limitadas “as aplicações em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino”. Confirmando a subserviência, as restrições não se aplicam a “gastos com a dívida pública e despesas com aumento de capital de empresas”.

Em 2005, houve um resgate antecipado ao FMI, a quem se pagava juros inferiores a 4% ao ano. Desde então o Governo paga juros de mercado, e os bancos se tornam mais ricos. A dívida representa em Dezembro de 2016 nada menos que 69,5 % do PIB. 10. Dívida pública brasileira – mensuração, composição, evolução e sustentabilidade – josué alfredo pellegrini – senado federal – Fev. 11. ADIs 5.715, 5.734, 5.633, 5.643, 5.658 e 5.680.

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6. DESIGUALDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA E “NOVOS POBRES”

Para 2017 o Banco Mundial estima um aumento da população vivendo na miséria. Teríamos entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de “novos pobres” vítimas da ruptura do Contrato Social – político e econômico.

12. Tributação e distribuição de renda no Brasil – Sergio Wulff Gobetti e Rodrigo Orair www.ipcundp. org/pub/port/WP136PT_tributacao_e_distribuicao_de_renda_no_Brasil_novas_evidencias_a_partir_das_declaracoes_tribut arias_das_pessoas.pdf 13. https://nacoesunidas.org/wp‐content/uploads/2017/02/NovosPobresBrasil_Portuguese.pdf

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Embora tenha se acentuado a desigualdade, não é de hoje que a concentração de renda tem sido favorecida, assim como os extraordinários e inexplicáveis ganhos do sistema financeiro. Sabe-se que o Brasil é o grande paraíso dos Bancos, segmento que se apropria dos maiores lucros. Conforme noticia a revista Exame, considerando “apenas o lucro atribuído a acionistas controladores, os bancos são os campeões entre as empresas com maiores lucros no primeiro trimestre de 2017”. O fato é que 0,5 % da população ativa, com renda acima de 40 SM mensais (R$ 325.000 anuais) concentra 30% da renda total e 43 % de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros, como revela recente estudo do IPEA, de autoria de Sergio W. Gobetti e Rodrigo Otavio Orair. A concentração de renda brasileira “supera qualquer outro país com informações disponíveis...” O décimo mais rico apropria-se de metade da renda das famílias brasileiras (52 %), o centésimo mais rico algo próximo a um quarto (23,2 %), e o mi-

lésimo mais rico chega a um décimo (10,6 %) de toda a renda, índices que ultrapassam os limites considerados toleráveis para as sociedades democráticas, segundo Piketty12. A linha de pobreza foi estipulada em R$ 140,00 per capita e por mês, e somaria 20, 8 milhões de brasileiros, além dos 9,30 milhões classificados como de pobreza extrema. Enquanto isto, 23,4 % da população ativa vive com menos de 1 salário mínimo. Fatos que nos levam a refletir sobre as disposições constitucionais relativas à dignidade e à igualdade. Para 2017 o Banco Mundial estima um aumento da população vivendo na miséria. Teríamos entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de “novos pobres”13 vítimas da ruptura do Contrato Social – político e econômico acima referido. Segundo o estudo, “em média, esses brasileiros têm menos de 40 anos, moram nas zonas urbanas, concluíram pelo menos o Ensino Médio e estavam empregados em 2015, sobretudo no setor de serviços”.


7. POLÍTICAS PÚBLICAS: DIREITOS SONEGADOS, EDUCAÇÃO BÁSICA E CONSCIENTIZAÇÃO Voltando à afirmação do Mandela, falham as políticas públicas não somente nas prisões, uma das maiores vergonhas nacionais. Aos desprivilegiados cabem precários serviços essenciais, negam-se direitos sociais e políticos assegurados na constituição. E aponta-se a privatização como solução mágica. Ultimamente, retiram-se garantias e proteção nas relações laborais, na oferta de empregos e oportunidades de inclusão efetiva. Alguns poucos acumulam privilégios, e a grande maioria se vê afastada dos resultados concretos da atividade econômica, assim como da participação política. Neste artigo não nos cabe fazer mais uma lista dos direitos sonegados. Ao contrário, falta publicidade a uma lista dos direitos garantidos em nossa Constituição, e aqueles assegurados por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Para que sejam conhecidos e reivindicados, necessitaríamos de transparência, facilidade de acesso à administração e à Justiça, e isto não é desejado efetivamente, fica no discurso político da maioria dos candidatos e dos partidos, assim como de administradores e gestores. Para que não sejam conhecidos todos estes direitos, ações educativas que já foram chamadas de conscientização, foram criminalizadas como “politização”, e não foram retomadas desde a chamada “redemocratização”. Assim, uma forma de paternalismo conseguiu impedir um nível desejado de consciência política. Discursos políticos e uma mídia invasora e anestesiante escondem a compara-

ção entre as migalhas doadas à população marginalizada e as fortunas entregues ao sistema financeiro e bancário, numa espiral de endividamento desde o início dos anos 2000. A mesma espiral que sistematizou e ampliou o assalto aos cofres públicos, desviando somas fabulosas, que resultam na precariedade de serviços acima mencionada. Desvios sem precedentes, em sua maioria ainda sem punição nem transparência, que na origem revelam escárnio e falta de pudor, na tentativa de manter-se no poder, ou manter seus partidos, num sistema político-partidário cada vez mais insatisfatório. Estamos diante de uma debacle, termo pouco conhecido, mas dicionarizado. Com partidos esvaziados, sem programas consistentes, e com grande número de políticos do executivo e do legislativo sob suspeita. As eleições de 2018 parecem comprometidas. Executivo e parte do Legislativo parecem conspirar para criminalizar os políticos, e a política. Um vácuo lhes ajudaria a manter-se no poder, prorrogar seus mandatos. Uma descrença e desinteresse contribuiriam para que possam impunemente fazer as reformas que desejam (política, tributária, trabalhista, liberdade da imprensa, e toda a agenda acima indicada) em detrimento do nosso atual Pacto social-político e econômico. Impressiona a pressa e a abrangência da pauta. Em poucos meses, tenta-se fazer apressadamente, sem consulta à sociedade, o que normalmente exige tempo, clareza, transparência, consultas, debates, concertação e procura de consenso.

Aqui cabe aos Advogados em primeira linha, juntamente com Promotores e Juízes, pelas razões indicadas no início do artigo, uma participação efetiva ao lado de todos os brasileiros que desejam lutar para aperfeiçoar e consolidar nossa Democracia. Com diálogo aberto, corrigindo eventuais desacertos da Constituição em vigor, mas sem perder o principal, todo o conjunto de direitos por ela assegurados e elencados de forma explícita. OUTROS TANTOS DIREITOS A PRESERVAR Múltiplos outros direitos garantidos pela nossa Constituição de 1988 restam a preservar, aperfeiçoar, consolidar, tornar mais acessíveis, garantir. Já mencionamos que de forma deliberada, desde a redemocratização, não se retomou o trabalho de educação popular interrompido brutalmente pela Ditadura em 1964. Não houve – e parece não haver ainda interesse em implantar políticas públicas que estimulem conhecer seus direitos, viabilizar o potencial de crianças, jovens e adultos marginalizados pela democracia incompleta na qual vivemos, que é magnânima com uma minoria e avarenta com a grande maioria – em particular aqueles das camadas mais pobres. A conscientização e a educação política, conforme Paulo Freire, parecem ser percebidos pelos poderosos como algo que ameaça sua continuidade no poder. Fica mais fácil implantar políticas assistencialistas, provisórias, dependendo do Governo. E não política de Estado, com continuidade assegurada. Parlatório

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Na maior parte dos países o chamado leque salarial é naturalmente de 1 a 7, o topo da Administração percebendo remunerações 7 vezes superior à base. No Brasil temos um leque que ultrapassa o inimaginável: remunerações que representam mais de 50 vezes a remuneração básica. 14 . Parlatório

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Nas últimas décadas a prioridade foi criar programas e políticas assistencialistas, programas compensatórios. Que geram dependência, e gratidão, muitas vezes superficial e inconsciente. A qual não permite identificar a precariedade da ajuda, as ameaças aos seus próprios direitos. E sobretudo evita estimular níveis de consciência crítica – no sentido definido pelo saudoso educador. Nem o fato concreto de que os mesmos Governos que os assistem com migalhas, direcionam somas fabulosas para o sistema financeiro, além da corrupção agora mais visível e que começa a ser quantificada. Vejamos alguns direitos constitucionais ameaçados, que poderiam fazer parte de uma agenda. De uma lista de prioridades que seria assumida por grupos e pessoas com maior sensibilidade e maior qualificação para cada área, numa ação coletiva e multidisciplinar. Atividades que permitiriam uma ação transformadora na qual podem destacar-se Advogados, dos mais antigos aos mais jovens, e estudantes de Direito, em parceria com associações e entidades da sociedade civil. A listagem não é exaustiva, nem a ordem de sua apresentação significa prioridades. 1. Desde a redemocratização cobra-se uma reforma do antigo Estatuto do Estrangeiro, elaborado em 1980, na vigência do AI-5 e inspirado na conhecida “Doutrina da Segurança Nacional”. Assunto que representa uma das lacunas da própria Constituição de 1988. Desde o Governo de Sarney, não se deu prioridade, apesar de múltiplos projetos de reforma.

Uma primorosa Lei da Migração, foi finalmente aprovada pelo Congresso em Abril de 2017 e enviada à Presidência, no mês seguinte. O projeto que teve origem no Senado e foi aprovado também na Câmara de Deputados, foi contemplado com 30 vetos. Um inestimável desperdício. Os vetos desfiguraram a laboriosa construção parlamentar, amplamente discutida com a sociedade, cuja coerência e alcance a transformaram numa das mais avançadas leis hoje disponíveis sobre o assunto. Sem os vetos, poderia ter sido sancionada perante o corpo diplomático, e comunidades de estrangeiros aqui residentes, com participação direta do novo Secretário Geral da ONU. Com os vetos, não houve maiores menções. Evidenciou vergonhosa e imerecida discrição. 2. Quanto aos Salários, desde o Salário Mínimo até os mais altos salários na função pública, muito resta a fazer, e muito temos a temer. De um lado o risco de achatar ainda mais a base da pirâmide, vista a lógica implacável do novo modelo econômico que tenta impor-se sem ouvir a sociedade. Do outro a impune elevação de salários nababescos, e vantagens cumulativas, que lembram a antiga expressão “O céu é o limite”. Estudos, análise, transparência, poderão nos conduzir a aperfeiçoar esta questão, numa democracia que recomenda solidariedade e mais igualdade. Na maior parte dos países o chamado leque salarial é naturalmente de 1 a 7, o topo da Administração percebendo remunerações 7 vezes superior à base. No Brasil temos um leque que ultrapassa o inimaginável: remunerações que re-


presentam mais de 50 vezes a remuneração básica. a) Aqui teríamos uma primeira prioridade, um primeiro item para um novo Pacto Social. Propostas devem ser criadas, e já circula uma delas: a renúncia, por uns 10 anos, quando dos aumentos salariais que tentam corrigir a inflação ou remunerar produtividade. Os do topo aceitariam que se aplique a totalidade do novo índice para os salários da base, e “apenas um décimo” aos salários do topo da pirâmide. Por exemplo, num improvável aumento de 10% para o próximo salário mínimo, este passaria de R$ 937,00 para R$ 1.370,00. Uma diferença de R$ 93,70 Já os que recebem R$ 50.000,00, aceitariam “apenas um décimo”. Na mesma proporção, o novo salário seria R$ 50.550,00, e a diferença de R$ 550,00. Ao longo de um certo período, progressivamente, se chegaria a um leque salarial menos desigual. b) Uma outra prioridade, que parece inadiável. Respeitar o chamado “teto constitucional”, constantemente desmoralizado por práticas criativas, recurso a privilégios, visão corporativa, e até decisões judiciais. Seria necessário novamente um Pacto? Uma renúncia de direitos, para evitar insegurança jurídica e pesadas ações futuras contra o Estado? Ou simplesmente, um Pacto moral para fazer valer efetivamente o disposto no Art. 37, XI, da Constituição Federal? c) No setor privado, um esforço particular parece necessário. Em plena economia globalizada, aplicamos salários básicos e até mesmo algu-

mas obrigações trabalhistas que comparativamente favorecem as empresas brasileiras e as distanciam dos custos da concorrência. Onde a real competitividade de nossas empresas, que vendem quase sempre mais caro seus produtos similares aos europeus ou norte-americanos, os quais pagam salários, bens e serviços num outro nível de custos e remuneração? Não duvidemos que o novo modelo de pacto originado no Consenso de Washington, que se pretende importar e impor, fará o impossível para esconder números e fatos, e apresentar versões que não correspondem a toda a verdade. 3. As políticas fiscais podem vir a ser um outro ponto de debate e construção laboriosa. O novo modelo pretende implantar os mesmos arrochos que geraram crises profundas entre “gregos e troianos”, já mencionados no início. Respeitando a Constituição, cabe sim ao Estado um papel de solidariedade para com os mais necessitados. É o sentido do Pacto em vigor, que se traduz em nossa Constituição. É o sentido da democracia

que construímos, pela qual lutamos. 4. Privatizar as políticas sociais, desconhecendo a dignidade e os Direitos Humanos, deveria estar fora do programa. Mas é um dos itens sobre os quais teremos provavelmente as maiores dificuldades. 5. Visto o anuncio das 57 privatizações anunciadas, inclusive da Casa da Moeda e da Eletrobrás, temos uma longa lista que necessita aprofundamento. Começando por identificar a natureza de cada uma delas, e como aplicar os princípios constitucionais e do Pacto social-econômico e político vigente, sabendo que não é impossível que um rolo compressor venha mais uma vez com imposições de prazo e de forma. Podemos esperar, entretanto que não haverá mais clima para difundir dados enganosos, e também para tentar novamente fazer de cada privatização uma forma já manjada de enriquecimento ilícito, de transferência de recursos públicos para apadrinhados. Ou de recursos subvencionados oriundos do BNDES, do FAT ou outras fontes conhecidas. Parlatório

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Existem propostas renovadoras, até mesmo a possibilidade de aceitar “candidatos sem partido”.

6. Finalmente a chamada Reforma Política é um dos maiores desafios. E será necessário debater sobre o financiamento das campanhas eleitorais, a necessária renovação dos partidos e dos seus candidatos, a limitação do número de mandatos, e uma longa lista que responda aos anseios da sociedade e às exigências da democracia. Sem criminalizar a política, nem os partidos, parece evidente que existem rejeições, tentativas de queimar candidaturas por antecipação, divisões artificiais do eleitorado para fidelizar sem discutir o essencial, e outras artimanhas de experientes marqueteiros, publicitários, dirigentes de partidos e outras “cobras criadas”. Se impõe um novo formato de

campanha eleitoral, sem artificialismos e custos elevados. Sem recurso às possibilidades cruzadas de desvios de dinheiro, com verdadeira transparência na origem dos financiamentos, e em seus montantes – entre outros itens. Existem propostas renovadoras, até mesmo a possibilidade de aceitar “candidatos sem partido”14 – que seriam asseguradas pelo Art. 23 e 29 do Pacto de San José da Costa Rica, dentre todas as formas que devem ser implantadas para renovar e identificar candidatos mais próximos dos anseios e necessidades do povo e da sociedade. Felizmente temos políticos experientes e comprometidos que poderão oxigenar as alternativas a propor.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5633/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2016. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5112200>. Acesso em: 21 set. 2017.

14. ARE 1.054.490.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5643/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5119673>. Acesso em: 21 set. 2017.

jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5208032> Acesso em: 21 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5658/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5132872>. Acesso em: 21 set. 2017.

GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. O. Tributação e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das pessoas físicas. Working Paper, Brasília, n. 136, fev. 2016. Disponível em: <http://www. ipc-undp.org/pub/port/WP136PT_Tributacao_e_distribuicao_da_renda_no_Brasil_novas_evidencias_a_ partir_das_declaracoes_tributarias_das_pessoas.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5680/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5157574>. Acesso em: 21 set. 2017.

OAB e entidades divulgam carta aberta sobre a reforma da previdência. OAB, Brasília, fev. 2017. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/54702/oab-e-entidades-divulgam-carta-aberta-sobre-a-reforma-da-previdencia>. Acesso em: 21 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5715/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5203351>. Acesso em: 21 set. 2017.

PELLEGRINI, J. A. Dívida Pública Brasileira: Mensuração, composição, evolução e sustentabilidade. Senado Federal: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, Brasília, n. 226, fev. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/ td226>. Acesso em: 19 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5734/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5215453>. Acesso em: 21 set. 2017. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 5766/DF. Relator: Ministro Roberto Barroso, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus. br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5250582>. Acesso em: 21 set. 2017. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança nº 34989/DF. Relator: Ministra Rosa Weber, 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/ verProcessoAndamento.asp?incidente=5223639> Acesso em: 21 set. 2017. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário com agravo nº 1054490/RJ. Relator: Ministro Roberto Barroso, 2017. Disponível em: <http://www.stf.

SANTOS, B. S. (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. SOUZA, Herbert José de (BETINHO) - Democracia e Cidadania. Democracia Viva, Rio de Janeiro, n. 28, ago/ set. 2005. Disponível em: <ttp://smeduquedecaxias.rj. gov.br/nead/Biblioteca/Forma%C3%A7%C3%A3o%20 Continuada/Direitos%20Humanos/dv28_especial_ibasenet.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. SOUZA, Herbert José de (BETINHO) - Poder do cidadão. Café com Sociologia. Disponível em: <http://cafecomsociologia.com/2010/06/poder-do-cidadao-texto-de-herbet-de.html>. Acesso em: 19 set. 2017. WORLD BANK GROUP. Salvaguardas contra a reversão dos ganhos sociais durante a crise econômica no brasil. Washington, 2017. 19 p. Parlatório

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Mariana de Siqueira

Artigo

Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Direito Público pela UFPE. Correio eletrônico: marianadesiqueira@gmail.com

O Presidencialismo Brasileiro no Contexto da Crise Política e a Fragilidade da Democracia Nacional INTRODUÇÃO Nos últimos anos tem sido usual a menção à existência de uma crise política ou democrática nacional. Os sentimentos coletivos dominantes são o da descrença nas atuações do Legislativo e do Executivo e o da incapacidade de seus membros em resolverem os problemas institucionais e sociais brasileiros.

1. BAUMAN, Zigmunt. Bauman examina crise da internet e da política. Disponível em: https://outraspalavras.net/posts/bauman-examina-crise-da-internet-e-da-politica/ Acesso em 18 de setembro de 2017.

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Como resultado dessa desesperança compartilhada, a participação política dos cidadãos nas eleições tem caído, bem como tem sido incrementada a ideia de antipolítica (o que é político é visto como algo ruim, como errado e como elemento que para nada serve). Há uma demanda por novos nomes capazes de solucionar a conjuntura posta. Nomes, de preferência, não ligados historicamente ao que se rotula como político. Nos dizeres de Bauman, a sociedade parece esperar por “homens de pulso” aptos a realizarem o que os políticos, o Estado Nação e os instrumentos democráticos tradicionais são incapazes de fazer1. A crise democrática atual é, nos dizeres de Bauman, a crise do Estado Nação, cuja criação e ideias basilares não foram estruturadas a partir de um mundo interconectado e globalizado. Um candidato à chefia de Executivo, em sua campanha,

tende a prometer fazeres com foco nos interesses do país que irá gerir e, uma vez eleito, dificilmente cumprirá com o prometido, pois administrará um país que deve satisfação não só aos seus sujeitos internos, mas também ao mercado financeiro internacional. Como resultado dessa soma, os problemas perduram, assim como a descrença da população nas habilidades dos instrumentos tradicionais de exercício do poder para resolução de seus problemas mais basilares. No caso brasileiro, a crise do Estado é acentuada pelas peculiaridades de seu presidencialismo. É justamente esse o ponto de análise do presente artigo. Observando a crise democrática atual, o texto se propõe a analisar o presidencialismo nacional e seus principais dilemas. Para isso, faz descrição de trechos do direito constitucional positivo ligados ao assunto, bem como abordagem crítica interdisciplinar do tema.


2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ATUAL PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO O texto original da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 adotou o presidencialismo como sistema de governo, de modo a concentrar na chefia do executivo as funções de chefia do estado e de chefia de governo. A inspiração estadunidense vivida pelos autores da Constituição republicana de 1891 foi mantida décadas depois pelo constituinte de 1988. O presidencialismo é habitualmente definido como modelo de sistema de governo que reúne nas mãos de um só sujeito as funções de chefiar o Estado e de governar, a ele competirá, por exemplo, a representação da unidade estatal, o dever de proteger a continuidade do Estado, a estruturação das políticas do Estado e a execução de sua administração cotidiana. É importante mencionar, especialmente no atual contexto de crise e de reflexão sobre mudanças na estrutura política nacional, que a adoção do presidencialismo pelos membros componentes da Assembleia Constituinte brasileira de 1988 não foi palco de unanimidade. Relatos históricos apontam a existência de um forte bloco defensor da positivação constitucional do parlamenta-

rismo. Inspirados na experiência de alguns países europeus, alguns dos constituintes, especialmente no início dos trabalhos da Assembléia, tentaram aprovar o parlamentarismo no Brasil. Há quem diga, inclusive, que a atual existência de medidas provisórias no texto da Constituição é verdadeiro reflexo remanescente das lutas travadas pelo bloco constituinte defensor do parlamentarismo2. O parlamentarismo é tradicionalmente conceituado como sistema político que se opõe ao presidencialismo, derivando essa oposição precipuamente do fato de o parlamentarismo não viabilizar a concentração das funções de chefia de estado e de chefia de governo nas mãos de um só indivíduo. No parlamentarismo é usual que a chefia de governo fique a cargo do primeiro ministro ou de um membro do parlamento e que a chefia de estado seja exercida pelo monarca ou presidente, as variações existirão conforme o exato modelo de parlamentarismo adotado pelo país3. O Brasil, a despeito da polêmica travada na constituinte de 1988, não viveu em sua história constitucional reiteradas experiências parlamentaristas, muito pelo contrário, com o

“A atual existência de medidas provisórias no texto da Constituição é verdadeiro reflexo remanescente das lutas travadas pelo bloco constituinte defensor do parlamentarismo” SENADOR PEDRO SIMON (PMDB-RS)

fim do Império e a adoção da República, o país entrou no universo presidencialista e dele não mais se afastou4. De todo modo, diante das discussões iniciais realizadas na Constituinte e da ausência de consenso quanto à adoção do presidencialismo, o texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trouxe em seu art. 2º a previsão de um plebiscito popular futuro para a confirmação das escolhas constitucionais realizadas quanto à forma de governo e ao sistema de governo. Tal plebiscito foi executado no dia 7 de setembro de 1993 e confirmou a escolha realizada anos antes pela Assembléia Constituinte. Dados disponibilizados no sítio eletrônico da justiça eleitoral demonstram a vitória numérica maciça da força da tradição. No âmbito da forma de governo, a República venceu com o percentual de 66,26% dos votos e, no que tange ao sistema de governo, o presidencialismo saiu vitorioso com o percentual de 55,67% dos votos5.

2. Neste sentido: “Além da criação do PSDB e do plebiscito de 1993, outro fruto do debate em torno do parlamentarismo na Constituinte teria sido a instituição das medidas provisórias . É o que observa o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que, à época, governava o estado do Rio Grande do Sul.” Disponível em: http://www12.senado. leg.br/noticias/materias/2008/09/25/na-constituinte-tentativa-de-adocao-do-parlamentarismo-fracassou Acesso em 18 de setembro de 2017. 3. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2011. p. 699 4. É oportuno mencionar a existência do Parlamentarismo às avessas no período imperial. O modelo é de tal maneira rotulado pela existência do poder moderador que mitigava sobremaneira o poder do parlamento. Para saber mais ler: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 362 - 364 5. Disponível em:www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/ plebiscito-de-1993. Acesso em 18 de setembro de 2017.

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O impeachment é a mais emblemática forma de responsabilização presidencial, especialmente diante do resultado possível de afastamento definitivo do cargo daquele que foi eleito para ocupá-lo por lapso temporal definido na Constituição.

6. FERNANDES, Florestan. O presidencialismo imperial. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/ bdsf/bitstream/handle/id/118975/20_31OUT88%20 -%200013.pdf?sequence=3 Acesso em 18 de setembro de 2017. 7. BITTENCOURT, Fernando Moutinho Ramalho. Relações executivo-legislativo no presidencialismo de coalizão: um quadro de referência para estudos de orçamento e controle. Senado: 2012. p. 14-15.

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3. BREVE PANORAMA DO EXECUTIVO FEDERAL A PARTIR DO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUAS VIVÊNCIAS Confirmada em plebiscito a adoção do presidencialismo, passados aproximados 29 anos da publicação do texto de 1988, é possível reunir de modo breve algumas características basilares do presidencialismo brasileiro positivado. No Brasil, a chefia do Executivo federal é exercida pelo Presidente da República com o auxílio dos Ministros de Estado, as suas competências constitucionais são múltiplas e variadas, cabendo ao Presidente, por exemplo, propor projeto de emenda à Constituição, editar medidas provisórias, propor iniciativa de leis ordinárias e complementares, indicar os nomes de ministros para cargos em tribunais superiores, indicar os nomes de dirigentes de agências reguladoras, exercer a direção superior da administração federal, manter relações com estados estrangeiros, celebrar tratados internacionais, dentre outras inúmeras atividades, estando as suas atribuições privativas escritas de modo claro no art. 84 da Constituição Federal. Diante do que se encontra redigido no texto constitucional, o Presidente, recebedor de múltiplas tarefas, é devedor também de satisfações sobre os seus fazeres e abstenções. As inúmeras atuações presidenciais se sujeitam à controle e fiscalização, podendo ser efetuada a responsabilização do Presidente em caso de descumprimento dos deveres constitucionais que lhe são direcionados. O impeachment é a mais emblemática forma de responsabilização presidencial, especialmente diante do

resultado possível de afastamento definitivo do cargo daquele que foi eleito para ocupá-lo por lapso temporal definido na Constituição. Ainda no que diz respeito ao direito constitucional positivo, convém mencionar a possibilidade de reeleição presidencial. Tal hipótese não foi prevista no texto original constituinte, sendo fruto de emenda constitucional posterior. No mês de junho de 2017, foram completados 20 anos da aprovação dessa emenda. Hoje, portanto, é possível a reeleição presidencial para mais um mandato subsequente. Saindo do direito positivo e adentrando em análise crítica de ordem interdisciplinar, é possível dizer que o Brasil, seguindo a linha de muitos dos países latino-americanos, personifica e pessoaliza a gestão pública de modo bastante forte. O Presidente da República é a própria personificação do poder. Nesse sentido, o modo de exercício das atribuições do Executivo brasileiro é rotulado criticamente por alguns de seus estudiosos como “presidencialismo imperial”6. Como consequência do exposto, a agenda política do Congresso é fortemente influenciada pela pauta presidencial7. Em contrapartida à adoção de um “presidencialismo imperial” tipicamente estadunidense, o Brasil possui um modelo legislativo pluripartidário e um sistema de representação proporcional para a composição da Câmara dos Deputados. Tais fatos, em conjunto, geram uma dependência da Chefia do Executivo com rela-


ção ao Legislativo. Para a implementação de muitas das suas promessas de campanha, o Executivo depende da obtenção de maioria no Legislativo. Aí está a “jabuticaba” presidencial ou o dilema institucional, como

disse Sérgio Abranches há alguns anos8. A conjugação de tais fatores e a não adoção do parlamentarismo é peculiaridade Tupiniquim. Sobre ela e suas consequências discorre o tópico a seguir.

4. O PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO É DE COALIZÃO? O QUE ISSO SIGNIFICA? Sérgio Abranches, em artigo publicado em 1988 e denominado “Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”9, realizou cuidadosa análise da realidade nacional e fez conjecturas sobre o porvir no contexto da redemocratização brasileira. Em suas palavras, a conjugação dos itens peculiares nacionais produz um tipo ímpar de práticas políticas realizadas para a produção de maiorias (coalizões). No que diz respeito às coalizões, ele explica: A formação de coalizões envolve três momentos típicos. Primeiro, a constituição da aliança eleitoral, que requer negociação em torno de diretivas programáticas mínimas, usualmente amplas e pouco específicas, e de princípios a serem obedecidos na formação do governo, após a vitória eleitoral. Segundo, a constituição do governo, no qual predomina a disputa por cargos e compromissos relativos a um programa mínimo de governo, ainda bastante genérico. Finalmente, a transformação da aliança em coalizão efetivamente governante, quando emerge, com toda força, o problema da formulação da agenda real de políticas, positiva e substantiva, e das con-

dições de sua implementação. É o trânsito entre o segundo e o terceiro momentos que está no caminho crítico da consolidação da coalizão e que determina as condições fundamentais de sua continuidade. A formação do governo, a elaboração de seu programa de ação e do calendário negociado de eventos têm impacto direto sobre a estabilidade futura10.

“A formação do governo, a elaboração de seu programa de ação e do calendário negociado de eventos têm impacto direto sobre a estabilidade futura.” SÉRGIO ABRANCHES

Sobre as peculiaridades de nosso presidencialismo, diz Abranches: É nas combinações mais frequentes entre características institucionais, e não em sua presença isolada, que a lógica e a especificidade de cada modelo emergem. É também aí que se revela a natureza do regime até agora praticado no Brasil. Não existe, nas liberais-democracias mais estáveis, um só exemplo de associação entre representação proporcional, multipartidarismo e presidencialismo11. Com a coalizão para a obtenção das maiorias no Congresso, o governo objetiva garantir estabilidade para realizar as reformas que considera necessárias e impedir aquelas que sejam contrárias ao seu projeto

8. ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 5 - 34. 9. ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 5 - 34. 10. ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 27-28. 11. ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 19.

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De 1926 até hoje, dentre 25 presidentes da República, apenas 5 foram eleitos pelo voto popular e permaneceram no posto até o fim.

12. BITTENCOURT, Fernando Moutinho Ramalho. Relações executivo-legislativo no presidencialismo de coalizão: um quadro de referência para estudos de orçamento e controle. Senado: 2012. p. 17. 13. GARGARELLA, Roberto. Constitucionalismo latino-americano: a necessidade prioritária de uma reforma política. RIBAS, Luiz Otávio (org.) Constituinte exclusiva. Um outro sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014. p. 13 – 26. 14. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/ so-5-presidentes-eleitos-completaram-o-mandato-em-90-anos/ Acesso em 18 de setembro de 2017.

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político. As práticas políticas para a conquista dessas maiorias acabam por envolver a oferta de cargos políticos, cargos em comissão, verbas para os entes federados de origem dos parlamentares, além de ilícitos penais, atos de improbidade e outras formas de corrupção12. Como tal modalidade de acordo não é formal, como a pauta a ele inerente oscila, este modelo fomenta, de tempos em tempos, as tensões entre Legislativo e Executivo, especialmente num contexto de reeleições. Considerando as reeleições, a dependência do Executivo para com o Legislativo aumenta e o “preço” do apoio político também. Diante da personificação do poder na figura forte do Presidente, é para ele que se direcionam as tensões do modelo e suas consequências. O recente processo de Impeachment deixou clara a conformação do presidencialismo de coalizão no Brasil e o modo de operacionalização prática dos acordos. O controle do Executivo pelo Le-

gislativo, ressalte-se, é algo positivo, a dependência do Executivo para com o Legislativo não é sinônimo necessário de crise. O controle visa produzir equilíbrio e, em tese, é visto como algo positivo para a democracia. Os problemas em tal contexto nascem não do controle lícito e coerente com o direito positivado, mas sim a partir das práticas cotidianas efetivadas em desrespeito a preceitos éticos basilares e ao próprio direito positivo. Há, portanto, uma notável fragilidade nas democracias que assentam as suas bases na pessoa do chefe do executivo. Em tais realidades, a perspectiva democrática tende a se fragilizar durante os processos de divergência entre o Executivo e o Legislativo13. A história presidencial (ou vice-presidencial) do Brasil reforça bem as ideias expostas. De 1926 até hoje, dentre 25 presidentes da República, apenas 5 foram eleitos pelo voto popular e permaneceram no posto até o fim: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula, FHC e Dilma em seu primeiro mandato14.


5. O CONTROLE POLÍTICO DA COALISÃO E O JUDICIÁRIO Sérgio Abranches, no texto aqui já mencionado, expôs a necessidade de ser criado, na Constituição que viria a ser publicada, órgão capaz de controlar essas distorções, essas interferências indevidas, para além dos checks and balances tradicionais. A ideia era de algo diferente. Ele falava em um controle político de tal conjuntura, a exemplo do que acontece no exterior15. O texto constitucional, todavia, não adotou expressamente tal diretriz. Como resultado disso, hoje é possível notar um protagonismo do Judiciário no controle do Legislativo e Executivo. No caso brasileiro, diante da inafastabilidade da jurisdição prevista na Constituição, esse papel se reforça. No âmbito do tema da coa-

lizão, no entanto, não parece ter sido dado ao Judiciário pelo constituinte o papel explícito e habitual de decidir politicamente os conflitos entre Legislativo e Executivo. De todo modo, as polêmicas e dúvidas estruturadas ao redor das relações entre Legislativo e Executivo acabam batendo às portas do Supremo Tribunal Federal e é nessa seara que se vê fortalecido o atual debate sobre a “crise institucional” entre o Judiciário e o Legislativo. Sem dúvidas, o Judiciário possui papel fundamental para garantir o funcionamento das democracias contemporâneas, no entanto, o modo como tem executado as suas atribuições fomenta críticas das mais diversas, havendo quem diga que o Judiciário corresponde ao poder

moderador da atualidade por ignorar os mecanismos típicos dos freios e contrapesos16. O Judiciário acaba aparecendo como o Hércules contemporâneo com “doze trabalhos” árduos a realizar. Esse panorama foi previsto pelos estudiosos da conjuntura, porém não é tido como desejável de modo permanente, especialmente pelo desequilíbrio que representa. O que se nota diante do quadro brasileiro é que o Judiciário sozinho, a despeito das eventuais decisões que profere, não é capaz de controlar o dilema institucional nacional. Fica pendente, portanto, o questionamento: O que fazer para solucionar o que hoje já constatamos como indesejável numa perspectiva de democracia equilibrada?

6. COMO RESOLVER ESSE DILEMA DEMOCRÁTICO? Atentando para as crises políticas que se revelam periodicamente no país, são inúmeras as ideias de mudança sugeridas, há os que desejam a volta da monarquia, os que defendem o retorno da ditadura, os que querem o parlamentarismo como caminho da salvação e os que sustentam a necessidade de manutenção do presidencialismo, porém com modificações estruturais profundas. Aqui, pela contemporaneidade do debate, irei me ater ao tema da mudança através da realização de uma “constituinte soberana, parcial e exclusiva”17. Dalmo de Abreu Dallari, em livro destinado ao tema Constituição e

Constituinte, expõe: Se a crise tiver como um de suas causas a inadequação da Constituição, nem assim se deve abrir mão da prática constitucional. A solução, caso não possa ser encontrada na Constituição vigente, será a revisão desta ou então a convocação de uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição. É indispensável, entretanto, que não se admita um vazio constitucional, um intervalo em constituição durante o qual o povo fique sujeito a um poder arbitrário e absoluto18.

15. ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 31. 16. Nesse sentido ver: PINTO, Luís Costa. Judiciário quer ser Poder Moderador; STF já ignora freios e contrapesos. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/ justica/judiciario-quer-ser-poder-moderador-stf-ja-ignora-freios-e-contrapesos/ Acesso em 18 de setembro de 2017. 17. A expressão aparece entre aspas por corresponder em exatidão ao termo utilizado pelo movimento que defende tal procedimento. 18. DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São Paulo: Saraiva, 2010. p.70.

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Os políticos são vistos como vilões, o Estado como o responsável pelas desigualdades, o sentimento é o de que a corrupção compensa e de que o voto não faz diferença.

19. SAMPAY apud GARGARELLA, Roberto. Constitucionalismo latino-americano: a necessidade prioritária de uma reforma política. RIBAS, Luiz Otávio (org.) Constituinte exclusiva. Um outro sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014. p. 26. 20. SAMPAY apud GARGARELLA, Roberto. Constitucionalismo latino-americano: a necessidade prioritária de uma reforma política. RIBAS, Luiz Otávio (org.) Constituinte exclusiva. Um outro sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014. p. 26.

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Para o autor, portanto, em tempos de crise, é sim possível cogitar mudança constituinte, mesmo diante da insegurança que isso possa vir a representar. Analisando a história de reformas constitucionais do texto de 1988, é possível concluir que o redesenho institucional nacional não é novidade de 2017. O argumento da ingovernabilidade motivou (e ainda motiva) mudanças textuais substanciais no passado. Tivemos uma sutil revisão do texto constitucional que acabou por motivar o nada sutil movimento posterior de reformas. No Governo FHC foram 35 emendas constitucionais, no Governo Lula 28 emendas, no Governo Dilma 24 e no Governo Temer, até a data de finalização deste texto, 3 emendas. Sem sombra de dúvidas, o calcanhar de Aquiles da CF de 1988 reside na previsão de um presidencialismo imperial e de coalizão. As crises dele advindas e o argumento da “ingovernabilidade” são os constantes motivadores de mudanças textuais constitucionais. Analisando o caso argentino, Sampay expõe que o calcanhar de Aquiles da reforma constitucional de Perón foi a manutenção de um presidencialismo forte, centralizado e personalizado no Executivo. Ele só se manteve no poder enquanto foi conveniente para as oligarquias. “A Constituição morreu igual a Aquiles, em uma idade precoce, em mãos de seu inimigo”19. Justamente por isso, aponta forte na atualidade o argumento da reforma política. Onde o poder presidencial é o único guardião do poder popular, o

povo dificilmente será respeitado e escutado. Sem mudanças na organização básica do poder a promoção de reformas sociais através da consagração de novos direitos termina por não funcionar20. O hiperpresidencialismo, como afirma Gargarella, afoga o empoderamento popular prometido pelas novas constituições (ROBERTO GARGARELLA, p. 24). As crises estruturadas acabam por fomentar o sentimento de antipolítica e com esse sentimento as perdas democráticas se fazem enormes. Os políticos são vistos como vilões, o Estado como o responsável pelas desigualdades, o sentimento é o de que a corrupção compensa e de que o voto não faz diferença. Sobre o futuro, diante da diminuição global do índice de participação popular nas eleições, começam a nascer teorias pós democráticas que refletem sobre a democracia sem povo. No geral, os analistas da conjuntura tendem a ver esse vácuo democrático como transitório. O que dele virá não se sabe. O resultado certamente será consequência das escolhas do presente e, como de costume, tal revelado pela história, as oligarquias tradicionais não farão as escolhas necessárias para a reformulação das estruturas. Como operacionalizar reformas? Como assegurar as mudanças que são demandadas em nome da estabilidade democrática, do fim da corrupção e do término do desequilíbrio entre os poderes? Como garantir que isso ocorra quando se sabe do mo-


dus operandi habitual do legislativo? Ele fará essas reformas via emenda constitucional? E os retrocessos que podem vir daí? É exatamente no contexto de tais temores, que alguns defendem a “constituinte soberana, parcial e exclusiva”. Ela seria parcial por proteger o núcleo essencial da atual constituição, exclusiva por ser destinada apenas às modificações pontuais do texto constitucional apontadas como essenciais e soberana por ser formada por sujeitos eleitos pelo voto popular com capacidade de instituir regras novas. Quem seria esses sujeitos? Na proposta defendida pelo movimento, visando impedir mais do mesmo, se defende que os candidatos a membros constituinte sejam novos nomes não ocupantes de mandatos no Le-

gislativo e que fiquem impedidos por determinado lapso temporal à novas candidaturas políticas. Será a constituinte feita? Caso realizada, será efetuada com segurança e em defesa real das instituições democráticas? Essas são perguntas que subsistem sem respostas precisas e que acabam por gerar temores e oposições à ideia em si. PARA ONDE IRÁ O LEVIATÃ? BREVES CONCLUSÕES A partir dos dizeres de Gramsci, é possível dizer que estamos numa fase de interregno. Quando o velho morre e o novo não nasce, segundo Gramsci, neste interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos. A democracia representativa tradicional e o modelo presidencial

brasileiros são focos de crises, vistos como insuficientes e como necessários objetos de mudanças e aperfeiçoamentos. Estamos no espeço entre o reconhecimento da possível morte do tradicional e das incertezas quanto ao novo que virá. É preciso conter os fenômenos trágicos que queira se estruturar por hora e racionalizar as mudanças do agora. Não é possível prever o futuro absolutamente, há espaços para reformulações sábias, populares, eficientes. Minimizar os poderes das oligarquias tradicionais, equilibrar as competências, reduzir privilégios históricos. O que sabe, ainda que pendentes dúvidas a respeito de como proceder, é que é preciso retirar da República a ser moldada os resquícios de Império que nela subsistem.

REFERÊNCIAS ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1. 1988. p. 5 – 34.

FERNANDES, Florestan. O presidencialismo imperial. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/118975/20_31OUT88%20-%200013.pdf?sequence=3 Acesso em 18 de setembro de 2017.

BAUMAN, Zigmunt. Bauman examina crise da internet e da política. Disponível em: https://outraspalavras. net/posts/bauman-examina-crise-da-internet-e-da-politica/ Acesso em 18 de setembro de 2017.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2011.

BITTENCOURT, Fernando Moutinho Ramalho. Relações executivo-legislativo no presidencialismo de coalizão: um quadro de referência para estudos de orçamento e controle. Senado: 2012. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006.

PINTO, Luís Costa. Judiciário quer ser Poder Moderador; STF já ignora freios e contrapesos. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/justica/judiciario-quer-ser-poder-moderador-stf-ja-ignora-freios-e-contrapesos/ Acesso em 18 de setembro de 2017. RIBAS, Luiz Otávio (org.) Constituinte exclusiva. Um outro sistema político é possível. São Paulo: Expressão Popular, 2014.

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Marcos Dionísio Medeiros Caldas

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Foi advogado e assessor jurídico do Estado. Defensor dos Direitos Humanos e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Dedicou a sua existência a construção de uma sociedade mais equitativa e justa.

Pactuar a Segurança para Redução 1 da Violência …e a Promoção dos Direitos Humanos em Territórios Comunitários. Sem desmerecer os temas propostos, o grande tema ausente no pacto levantado pela Presidenta Dilma foi a Segurança Pública. Nenhuma Democracia se sustenta com mais de 53000 homicídios por ano, em sua maioria esmagadora, condenados também a mais absoluta impunidade. Claro que também notei a ausência da regulação da Mídia. No tocante a Segurança, sem maiores atropelos, bastava dar continuidade à I CONSEG (Conferência Nacional de Segurança Pública), depurar as polícias, abrir caminho para o fim da desmilitarização e criar um arrojado programa de redução de homicídios que vai criando fossos demográficos na população e serial killers por estímulo da ausência estatal.

1. Texto publicado em homenagem póstuma ao autor que faleceu precocemente no dia 11 de fevereiro de 2017.

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Neste pacto, poderia vir embutido a criação dos Conselhos Estaduais de Segurança Pública, fortalecimento das Ouvidorias de Polícia e criação de uma carreira de Investigação Interna para proteger o policial lotado nas Corregedorias que também seriam aperfeiçoadas. Também deveria constar um amplo exercício de qualificação e requalificação contínua dos policiais, sobretudo, para a defesa da Cidadania. A partir das discussões no Conselho Estadual de Segurança e Defesa Social, poder-se-ia subdividir o estado em núcleos territórios comunitários com a participação de representantes do Judiciário, Ministério Público, Universidades e Serviços de Saúde, Educação, Limpeza e Iluminação Pública e Cultura, dentre outras, que fixariam metas para redução da violência, atenção às vítimas da violência, combate aos preconceitos e demais ações de promoção dos Direitos Humanos, avaliadas e corrigidas periodicamente. Igualmente deveria contemplar política de Seguro para a família dos policiais mortos em função ou em decorrências desta. Penso também que a proposta de

Desarmamento teria que ser mais arrojada, com a inteligência debelando o fluxo de armas de fogo para as mãos de jovens e demais delinquentes, inclusive, gratificando o policial por cada Arma de Fogo apreendida. Forçosamente teria que constar deste pacto, a recomposição dos plantéis das polícias e instituições o que passaria pela imediata convocação dos policiais civis já formados, convocação de PMs e Agentes Penitenciários para cursarem a Academia e a realização de concursos para os Bombeiros e ITEP Para termos uma ideia do tamanho do problema na Insegurança Pública no RN, hoje, nos aproximamos rapidamente de 800 homicídios e já em julho, estaremos perigosamente próximos do número de homicídios de 2012 que foi 940. No meio do caminho da Copa do Mundo em Natal, além dos buracos literais e figurados que querem fazer na Av. Roberto Freire, há um corredor da morte de São Gonçalo até Ponta Negra, passando por Igapó, Bom Pastor, Quintas, Cidade da Esperança, D. Rosado e Lagoa Nova. Apesar de não está elencado nos temas do pacto, pode e deve ser incluído.


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Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

Artigo

Doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP.

Daniela Vaz Campos Graduada em Direito pela UFRN. Advogada.

A Abertura Democrática do STF:

A Influência da Audiência Pública no Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510 INTRODUÇÃO O Supremo Tribunal Federal (STF), no desempenho de sua função, depara-se com grandes julgamentos, envolvendo preceitos constitucionais que repercutem diretamente na vida dos cidadãos brasileiros. Neste sentido, sob uma perspectiva democrática, destaca-se a importância de o Poder Judiciário brasileiro se abrir para uma maior deliberação e participação da sociedade civil, estimulando a comunicação entre estes dois atores sociais, de modo a direcionar o STF para uma maior abertura do processo de interpretação constitucional. A escolha da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 para análise se deu em razão de o tema discutido em seu bojo envolver elementos que extrapolam o âmbito do direito, dizendo respeito a outras áreas do conhecimento humano, tais como: religião, biologia, filosofia,

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economia, entre outros. A ADI 3510 questiona a constitucionalidade em bloco do art. 5º e parágrafos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), que permite a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento para fins de pesquisa e terapia. Diante de matéria tão complexa, que envolve outros segmentos que não o jurídico, dos quais os ministros do STF não detêm os conhecimentos técnicos necessários, mostrou-se necessária a realização da primeira audiência pública da história da Suprema Corte brasileira. Em abril de 2007 se deu a oitiva de especialistas e experts no assunto, uma vez que seria indispensável a reunião do maior número possível de elementos técnicos, visando uma


decisão que levasse em conta os diversos aspectos envolvidos. Dessa forma, pretende-se demonstrar o aproveitamento da audiência pública e sua influência no voto dos ministros, fazendo uso das informações veiculadas na audiência, bem como da sua transcrição oficial na sessão relativa a ADI 35101. Além disso, utiliza-se dos votos dos ministros no julgamento da citada ação, todos obtidos no site do Tribunal. Assim, foram selecionados dentre os argumentos defendidos pelos ministros aqueles que teriam um mínimo de correspondência com o discurso desenvolvido pelos especialistas na audiência pública e os que se mostraram mais relevantes em relação à definição do início da vida humana, seja de modo a adotá-los, contrariá-los ou mesmo ignorá-los. Neste sentido, salienta-se a presença de citações de períodos integrais das exposições dos especialistas, bem como dos posicionamentos defendi-

dos por cada ministro. O presente trabalho tem caráter descritivo, não possuindo a intenção de determinar como falsos ou verdadeiros os dados expostos pelos especialistas e levados ao conhecimento geral por meio do evento realizado. O objetivo é averiguar o uso da audiência pública na fundamentação da decisão, bem como a compatibilidade entre o posicionamento dos magistrados sobre o tema e os argumentos sustentados no evento, na tentativa de demonstrar até que ponto os ministros foram influenciados em seu julgamento. A análise descritiva de cada um dos votos e das falas realizadas na audiência pública não será explicitada, dada a impossibilidade decorrente do tamanho do presente trabalho. Assim, será feito apenas o cotejamento das ideias lançadas nos votos e nas falas da audiência pública, de modo a demonstrar a efetiva utilidade da realização da audiência pública.

A ADI 3510 questiona a constitucionalidade em bloco do art. 5º e parágrafos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança).

1. Todas as referências aos votos dos Ministros e às falas da audiência pública foram extraídas do site do STF, incluindo a transcrição da audiência pública. Brasília, DF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2299631>. Acesso em 03 de abril de 2014 e em 01 de junho de 2017.

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A tese sustentada na ação proposta pelo então Procurador Geral da República (PGR) foi alicerçada sob a ótica da teoria concepcionista, ou seja, “vida humana acontece na, e a partir da fecundação”. 2. A ADI 3510 E A LEI DE BIOSSEGURANÇA (LEI N. 11.105/2005)

2. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.

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Na ADI 3510 foi discutida pelo STF a constitucionalidade da Lei n. 11.105/2005, que tem como ponto fulcral a pesquisa com células-tronco envolvendo embriões humanos. Para tanto, foram abordados temas como a conceituação jurídica das células-tronco embrionárias, a legitimidade das pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, a proteção constitucional do direito à vida, a descaracterização do aborto em caso de pesquisa com células-tronco, dentre outros. A referida legislação, ao autorizar o uso de células-tronco de embriões humanos, possibilitou aos cientistas brasileiros equipararem suas pesquisas àquelas já desenvolvidas em países estrangeiros, tornando o estudo da cura de doenças degenerativas ainda mais promissor em nosso país. O art. 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança, todavia, foi criticado e se tornou fonte de questionamentos nos aspectos bioético, moral, jurídico e até religioso. As pesquisas com células-tronco embrionárias geraram muita polêmica à época, de forma que diversos setores da sociedade civil se mobilizaram e se manifestaram sobre o tema. Do ponto de vista jurídico, a

principal discussão se dá em relação à natureza do embrião: seria ele objeto ou sujeito de direito. A tese sustentada na ação proposta pelo então Procurador Geral da República (PGR) foi alicerçada sob a ótica da teoria concepcionista, ou seja, “vida humana acontece na, e a partir da fecundação”. Partindo de tal premissa, alegou que a legislação em tela, ao permitir a realização de pesquisas com os embriões supranumerários, violaria os preceitos constitucionais que consagram o direito à vida (art. 5°, caput) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III)2. Dessa maneira, sob uma ótica puramente biológica, tal pesquisa se tornaria impossível, visto ser inequívoca a condição de seres vivos desses embriões. O ministro relator da ADI 3510, Carlos Ayres Britto, designou a realização de audiência pública, sobretudo pela obscuridade do tema envolvido no dispositivo que teve sua constitucionalidade impugnada, tendo como escopo elucidar o conceito de vida, e, especialmente, o momento em que ocorre seu início, trazendo a conhecimento geral o posicionamento sobre o tema de diversos especialistas.


3. A DEMOCRACIA DELIBERATIVA, A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A AUDIÊNCIA PÚBLICA O modelo de democracia representativa consiste, em síntese, no exercício do poder político por parte da população através dos seus representantes eleitos. Neste modelo de democracia, aos representantes, legitimados pela soberania popular através do voto, são delegados poderes de atuar e tomar decisões em nome de seus eleitores. Ocorre que o modelo de democracia representativa vem passando por uma crise generalizada. Além do descontentamento da população com os políticos, constata-se que não há real participação da sociedade civil na administração e tomada de decisão de seus governantes, figurando como mera espectadora frente a seus atos. Assim, percebe-se que a existência de uma ordem política democrática não garante aos cidadãos que eles se mantenham sempre sob o amparo da democracia. Neste contexto, surge um novo modelo de democracia, que não tem seu papel reduzido à simples figura do voto. Chamada de democracia participativa ou deliberativa3, busca trazer a sociedade civil para o debate político, construindo um espaço público de deliberação, no qual os cidadãos têm a possibilidade de participar de decisões relevantes para toda sociedade. Dessa forma, a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão legitimaria o processo democrático participativo. A democracia participativa, sob a perspectiva de Jürgen Habermas, surge como alternativa ao modelo representativo, tendo como escopo a

existência de um processo comunicativo exercido por cidadãos na esfera pública, de modo a conferir legitimidade às discussões políticas, como um novo modelo de justificação de poder e tomada de decisão política4. Assim, os órgãos jurisdicionais que fazem parte do discurso argumentativo com os cidadãos se veem obrigados a considerar o produto desta argumentação nas razões que fundamentam suas decisões, pois são elas o verdadeiro resultado de um processo de construção de uma democracia deliberativa frente à jurisdição5. No sistema brasileiro, o STF é o órgão máximo do Poder Judiciário e responsável por realizar – em último ou único grau - o controle de constitucionalidade das normas. Esse controle visa garantir a supremacia e a defesa das normas constitucionais frente a possíveis usurpações, devendo ser compreendido como a verificação de compatibilidade de leis ou atos normativos em relação a uma Constituição6. Partindo desse pressuposto, na democracia deliberativa harbemasiana, legitima-se a existência de um tribunal constitucional que irá atuar como guardião da Constituição e da vontade soberana do povo, levando em consideração as possíveis deturpações que podem vir a ocorrer na elaboração de normas pelo Poder Legislativo7. A ministra Ellen Gracie destaca a relevância da audiência pública no que diz respeito à abertura do Tribunal à comunidade científica, que possibilita a angariação de conhe-

3. “Essa forma especial de governo constitui-se como um modelo ou ideal de justificação do exercício do poder político pautado no debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação. Diferente da democracia representativa, caracterizada por conferir a legitimidade do processo decisório ao resultado eleitoral, onde a participação do cidadão se encerraria no voto, a democracia deliberativa propugna que a legitimidade das decisões políticas deriva de processos de discussão que, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da tolerância, da igualdade participativa, da autonomia e do bem-comum, conferem um reordenamento na lógica de poder tradicional.” (QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Jurisdição constitucional, 2011, p. 12) 4. Deslocando esta concepção para o âmbito do Poder Judiciário, Ricardo Tinoco de Góes afirma que “deve-se sim institucionalizar espaços de participação para a discussão tematizada de situações conflitivas e dissensos sobre valores, mas de modo a manter a espontaneidade e o autonomismo que se põem na base de toda e qualquer tentativa legitima de alcançar o consenso. A institucionalização que vem à tona é a que viabiliza concretamente a atuação da cidadania já durante os processos decisórios de tomada de decisão, tornando-a como quer Habermas, ativa, dinâmica, mobilizada e vigilante sem, contudo, substituir do poder decisório os órgãos jurisdicionais a tanto competentes. (...) O que pela interlocução se adiciona é a obrigatória observância do debate antes da decisão, mas não aquele debate endoprocessual, filiado aos supostos interesses da cidadania, hipoteticamente ideados na toada de uma representação processual ditada pela legalidade. A tônica agora é outra, pois o debate se dá sob a égide dos princípios do discurso e da democracia e, por isso, tem que ser amplo, isto é, acessível a todos e participativo, no sentido de dispor sobre iguais condições de atuação da universalidade dos interessados e concernidos. (GÓES, Ricardo Tinoco de. Democracia deliberativa e jurisdição: a legitimidade da decisão judicial a partir e para além da teoria de J. Habermas. Curitiba: Juruá Editora, 2013, p. 223). 5. GÓES, Ricardo Tinoco de. Democracia deliberativa e jurisdição: a legitimidade da decisão judicial a partir e para além da teoria de J. Habermas. Curitiba: Juruá Editora, 2013, p. 231. 6. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 5. ed. Salvador: Juspodium, 2013, p. 1065. 7. “Somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito. Partindo dessa compreensão democrática, é possível encontrar um sentido para as competências do tribunal constitucional, que corresponde à intenção da divisão de poderes no interior do Estado de direito: o tribunal constitucional deve proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos cidadãos. (...) Por isso, o tribunal constitucional precisa examinar os conteúdos de normas controvertidas especialmente no contexto dos pressupostos comunicativos e condições procedimentais do processo da legislação democrático.” (HABERMAS, Jurgen. Teoria de la acción comunicativa: racionalidad de La acción y racionalización social. Madrid: Taurus Humanidades, 2003, p. 326 apud BUZINGNANI, Ana Carolina Silveira. A ética do discurso e a audiência pública: Legitimação da norma jurisdicional. 2011. 147 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito Negocial, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011, p. 92).

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No Brasil, a audiência pública também objetiva o fornecimento de informações e esclarecimentos relativos a temas de extrema complexidade, nos quais os membros de nosso Tribunal Constitucional não têm o conhecimento técnico para julgá-los adequadamente.

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cimento na tentativa de resolução de um caso que envolve matéria tão complexa8, acreditando que a realização deste evento ofereceria ganho de legitimidade técnica à decisão da Suprema Corte. Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes entende que a realização da audiência se justifica por ser uma maneira de outorgar ao STF o caráter democrático que se faz essencial na consumação das tarefas que ultrapassam o âmbito jurídico, englobando outros segmentos como a moral, a política e a religião, que há muito tempo vêm sendo discutidas sem que se chegue a um consenso. Acredita que esta abertura faz do Tribunal um espaço democrático, auferindo legitimidade democrática a suas decisões. Segundo seu entendimento, este evento se configura como “um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas”9. O ministro Carlos Ayres Britto, relator desta ação e precursor da realização da primeira audiência pú-

blica da história da Suprema Corte brasileira, faz referência à democracia participativa em seu discurso de abertura do evento10. No Brasil, a audiência pública, em sede de controle de constitucionalidade concentrado, também objetiva o fornecimento de informações e esclarecimentos relativos a temas de extrema complexidade, nos quais os membros de nosso Tribunal Constitucional não têm o conhecimento técnico para julgá-los adequadamente. Como instrumento de democratização deliberativa, a audiência abre as portas para que a sociedade civil possa participar do julgamento de ações de relevância social, além de possibilitar o acesso dos magistrados a convicções e opiniões diversas acerca do tema em destaque, conferindo maior legitimidade às suas decisões, aproximando-as da vontade popular. Dessa forma, salienta-se que apesar de a audiência pública não ter o poder de vincular suas decisões, muitas vezes observa-se a possibilidade de quem venham a influenciar no julgamento dos membros do Tribunal.


4. AUDIÊNCIA PÚBLICA NA ADI 3510 O Supremo Tribunal Federal realizou a primeira Audiência Pública de sua história em 24 de abril de 2007, com o objetivo de esclarecer o conceito do início da vida. Devido à grande complexidade do tema, que envolve a delimitação do âmbito de proteção do direito à vida, conceito extremamente técnico, juntamente ao fato de as informações contidas nos autos não serem suficientes para motivar uma decisão, a primeira consulta pública da história do STF reuniu variados especialistas, convidados a apresentar suas convicções em relação ao tema em destaque. Momento histórico que, entretanto, não contou com o comparecimento da maioria dos ministros do Tribunal, estando presentes na abertura da sessão apenas o ministro relator, Carlos Ayres Britto, a Presidente do STF à época, Ellen Gracie, e os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes. Porém, somente o relator da ação e o ministro Joaquim Barbosa se mantiveram presentes durante toda a audiência. Além dos quatro ministros citados, Ricardo Lewandowski, segundo informação dada pelo ministro relator, acompanhou de São Paulo a audiência pública por transmissões ao vivo de rádio e televisão11. Ao todo, vinte e dois especialistas trouxeram ao evento suas contribuições técnicas relacionadas às suas áreas de atuação acadêmica e profissional. Ambos os blocos, mesmo que com ideias antagônicas, contaram com a presença de geneticistas, pesquisadores, professores e médicos, os quais foram indicados pela Procura-

doria Geral da República, Mesa do Congresso Nacional, Presidência da República, e pelos interessados. Além disso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos (CDH), o Movimento em Prol da Vida (MOVITAE) e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS) atuaram na audiência pública como amici curiae. No que diz respeito à exposição dos palestrantes, a audiência foi divida em dois blocos, com o intuito de possibilitar uma maior qualidade na exposição das opiniões, tendo como propósito ouvir dois grupos distintos, cada um com onze integrantes. Com base científica e grande autonomia para definir o conteúdo de cada apresentação, os especialistas evidenciaram posições contrárias sobre o uso de embriões humanos congelados e pesquisas com células-tronco embrionárias, além de seus entendimentos sobre o início da vida humana. No turno da manhã, cada um dos blocos desfrutou de metade do tempo disponível. Sendo assim, um sorteio definiu qual seria a ordem de apresentação, determinando que o grupo a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias iniciasse as exposições. Ao final da apresentação deste grupo, aquele que se opunha às pesquisas pôde também tecer suas considerações sobre o tema. O turno da tarde foi divido da mesma forma, contudo, quem ficou por último para exposição do turno matutino, iniciou a exposição no turno vespertino12.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos (CDH), o Movimento em Prol da Vida (MOVITAE) e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS) atuaram na audiência pública como amici curiae.

11. Transcrição da audiência pública, p. 137. 12. Transcrição da audiência pública, p. 3-4.

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13. Transcrição da audiência pública, p. 3. 14. Pós-doutora em biologia genética pela USP, presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano. 15. Farmacêutica, doutora pelo Centro de Genoma de Nova Iorque, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da PUC-RS E presidente do Instituto de Pesquisa com Célula-Tronco. 16. Neurocientista e pesquisadora-chefe da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação e diretora da sociedade mundial de neurologia. 17. PhD, professor da UFRJ, pesquisador do Scripps Research Institute (Califórnia - EUA) e presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências. 18. Professora titular de Biofísica e Fisiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 19. Coordenador da Divisão de Medicina Óssea da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e Coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea da USP. 20. Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz/Bahia e coordenador científico do Hospital São Rafael. 21. Professora associada do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP. 22. Vice-presidente da Federação das Sociedades de Biologia Experimental e professor de fisiologia da Unifesp. 23. Médico, doutor em Ciências Biológicas pela UFRJ. Coordenador de pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e professor visitante do Albert Einstein College of Medicine, EUA. 24. Antropóloga pela UnB, diretora da ANIS. 25. Professora-adjunta do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB). 26. Professora-adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 27. Pesquisadora em biologia molecular da Universidade de Bauru e presidente do Instituto de Pesquisa com células-tronco (IPCTRON). 28. Médica e professora da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESPE/ EPM). 29. Médico cirurgião-plástico, pesquisador e mestre em cirurgia pela UFSP, colaborador de pesquisa com células-tronco pela USC de Baurú. 30. Médico psiquiatra, mestre em psicologia e professor de psicopatologia forense, medicina legal e criminologia.

Destaca-se que o ministro relator, que presidiu a audiência, deixou claro que a alternância entre os blocos de expositores não teve como objetivo desencadear um debate ou oposição de ideias13. Com o fim de evitar que se estabelecesse um confronto entre os expositores, o ministro teve que ser categórico em alguns momentos, intervindo nas exposições, por entender que alguns especialistas estariam contrapondo argumentos e ideias de seus colegas. Ademais, estabeleceu que os palestrantes não adentrassem na seara jurídica que envolve o tema, pois os debates jurídicos iriam acontecer em outro momento do julgamento. Integravam o bloco a favor da constitucionalidade da Lei de Biossegurança, isto é, a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias

humanas, os seguintes especialistas: Mayana Zatz14, Patrícia Pranke15, Lúcia Braga16, Stevens Rehen17, Rosália Mendes Otero18, Júlio César Voltarelli19, Ricardo Ribeiro dos Santos20, Lygia Pereira21, Luiz Eugênio de Moraes Mello22, Antonio Carlos Campos de Carvalho23 e Débora Diniz24. Fizeram parte do outro bloco, aquele que pugnava pela procedência da ADI 3510, e consequentemente, pela declaração de inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, os especialistas a seguir: Lenise Aparecida Martins Garcia25, Claudia Maria de Castro Batista26, Lílian Piñero-Eça27, Alice Teixeira Ferreira28, Marcelo Vaccari Mazetti29, Antônio José Eça30, Elisabeth Kipman Cerqueira31, Rodolfo Nunes32, Herbert Praxedes33, Dalton Luiz de Paula Ramos34 e Rogério Pazzeti35.

31. Médica especialista em ginecologia e obstretrícia. 32. Mestre e doutor em cirurgia geral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 33. Professor emérito da Faculdade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do comitê de ética em pesquisa – UFF. 34. Professor de bioética da Universidade de São Paulo. 35. Graduado em Biologia pela Universidade Mackenzie e doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.

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“O ministro relator, que presidiu a audiência, deixou claro que a alternância entre os blocos de expositores não teve como objetivo desencadear um debate ou oposição de ideias”


Salienta-se que destes vinte e dois especialistas, quatro não constavam da lista de convidados, da relação apresentada pela Procuradoria da República na petição inicial, nem do requerimento apresentado pela CNBB. São eles: Lúcia Willadino Braga e Júlio Voltarelli, favoráveis às pesquisas e Marcelo Vaccari e Antonio José Eça, contrários às pesquisas36. Depois de feita a divisão dos expositores em dois blocos antagônicos, deu-se a fase da oitiva dos depoimentos dos especialistas con-

vidados, que fundamentaram suas opiniões em argumentos técnicos e científicos, dentro do limite de tempo estabelecido para cada um. Muito embora tenham os especialistas apresentado seus conhecimentos acerca das células-tronco e das terapias que podem decorrer de pesquisas as envolvendo, além de outros temas originados desta questão, serão expostas aqui apenas suas opiniões em relação ao conceito de vida e ao momento de seu início, uma vez que esse é o tema central do presente trabalho.

5. JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3510 Após a exposição dos especialistas na audiência pública realizada em 24 de abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal agendou para o dia 5 de março de 2008 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510, a qual, conforme já exposto acima, pugna pela declaração de inconstitucionalidade do art. 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança, objetivando a não permissão da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. Falaram pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República; pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o professor Ives Gandra da Silva Martins; pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli; pelo requerido Congresso Nacional, o Dr. Leonardo Mundim; pelo amicus curiae Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos (CDH), o Dr. Oscar Vilhena Vieira; e, pelo amicus

curiae Movimento em Prol da Vida (MOVITAE) e Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS), o professor Luís Roberto Barroso. Após as sustentações orais, nesta mesma data, o processo foi suspenso. Todavia, votaram o ministro relator Carlos Britto e a ministra Ellen Gracie, os quais julgaram a ação improcedente. No dia 28 de maio de 2008, retomou-se o julgamento da ADI 3510 com os votos do ministro Joaquim Barbosa e da Ministra Cármem Lúcia, que também votaram pela improcedência da ação. Os ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, por sua vez, julgaram-na parcialmente procedente. Já os ministros Eros Grau e Cezar Peluso optaram pela improcedência da ação com ressalvas. Prosseguindo o julgamento, no dia 29 de maio de 2008, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello proferiram seus votos, ambos consi-

36. LIMA, Rafael Scavone Bellem de. A Audiência Pública realizada na ADI 3510-0: A organização e o aproveitamento da primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal. 2008. 79 f. Monografia (Especialização) - Trabalho de conclusão do curso da Escola de Formação apresentado a Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2008, p. 22.

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derando improcedente a ação. O ministro Gilmar Mendes se posicionou de forma favorável às pesquisas, porém com restrições. Por fim, o STF, por maioria e nos termos do relator, julgou improcedente a referida ação, vencidos, parcialmente, em diferentes extensões, os ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Graus, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Destarte, em síntese, seis dos

onze ministros que compõem o pleno do Tribunal optaram pela total improcedência da ADI 3510, decisão que permitiu o uso de embriões humanos para pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias. Contrariando a tese defendida pela Procuradoria-Geral da República, o STF entendeu que tais pesquisas não violam os direitos à vida e à dignidade da pessoa humana, preceitos garantidos pela Constituição Federal.

6. ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O CONTEÚDO EXPOSTO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA E OS ARGUMENTOS UTILIZADOS NOS VOTOS DOS MINISTROS

37. Voto do Min. Eros Grau, p. 2. 38. “É necessário sopitarmos as expansões de infalibilidade de quem substitui a razão científica por inesgotável fé na Ciência, transformando-a em expressão de fanatismo religioso. Nem seria preciso, no exercício da prudência que nos cabe, levantarmos o véu que algo oculta sob o discurso que se diz ser científico. Quais interesses aí se manifestam, na escala que vai das patentes até o biopoder? Há um tom críptico nessas expansões [e faço uso aqui do vocábulo com toda a sua carga de ambiguidade] que cumpre afastarmos. A amplitude do mercado no âmbito do qual tais interesses predominam referiu-se há pouco o Ministro Ricardo Lewandowski. Não nos iludamos: levantado o véu, o que há sob ele --- não obstante, é verdade, as melhores intenções de grande número dos que acompanham este julgamento --- é o mercado.” (Voto do Min. Eros Grau, p. 2-3)

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Analisando-se os votos dos ministros e o conteúdo das falas na audiência pública, constata-se que por muitas vezes os ministros do STF lançam mão de argumentos similares àqueles apresentados pelos especialistas na audiência pública realizada por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510 para justificar seus votos, indicando uma conexão real entre estes discursos. Ressalta-se que a despeito de alguns ministros entenderem pela importância da realização deste evento, outros optaram por não referenciarem em seus votos as considerações tecidas na audiência pública, de forma que alguns deles não recorreram explicitamente aos argumentos apresentados pelos especialistas como forma de fundamentar seu julgamento. Conforme se analisou, os ministros Eros Grau, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa não se utilizaram de forma expressa de nenhuma das considerações tecidas

pelos especialistas no conteúdo de seus votos. Eros Grau parece ter sido o mais radical dentre os ministros que optaram por não usar os argumentos dos especialistas para fundamentação de seus votos, aparentando reduzir a relevância dos argumentos científicos expostos pelos especialistas convocados. Em determinado momento de seu voto, o ministro afirma que os cientistas muitas vezes se portam de forma arrogante, dando a entender que consideram ignorantes aqueles que não são da área, afirmando que “alguns dos que assumem o lugar de quem fala e diz pela Ciência são portadores de mais certezas do que os líderes religiosos mais conspícuos”37. Além disso, alega que muitos cientistas teriam mais interesses econômicos em relação às pesquisas com células-tronco embrionárias, do que propriamente intenções de proteger a vida humana38. Todavia, a despeito de alguns ministros não fazerem referência ao


conteúdo evidenciado na audiência, algumas vezes até considerando-as irrelevantes, será demonstrado que os argumentos ali utilizados possivelmente motivaram o voto de cada um deles. Dessa forma, o aproveitamento deste evento no julgamento da ADI 3510 não pode ser restringido somente aos momentos em que foram mencionadas expressamente as considerações tecidas pelos especialistas. Serão apresentadas a seguir as principais considerações utilizadas pelos ministros que se encontram em consonância com o que foi exposto pelos especialistas na audiência pública acerca do início da vida humana, questão central do presente trabalho e da ADI 351039. A definição de um marco para o início da vida como condição necessária para a apreciação da referida ação, conforme alegado na petição inicial, não se verificou de forma unânime. As ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia e os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, não consideraram imprescindível tal definição, chegando até a considerá-la inoportuna e inútil para a análise do caso em questão, qual seja a utilização das células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. A escolha por não estabelecer um momento definido para o início da vida com a justificativa de não ser essencial para a discussão travada, no âmbito da audiência pública, pode ser observada nas declarações prestadas pelos especialistas Patrícia Pranke, Stevens Rehen, Julio Cesar Voltarelli, Lygia Pereira, Luiz Eugênio Mello e Débora Diniz. Destaca-

-se que todos os palestrantes citados integram o bloco a favor das pesquisas com células-tronco. Dentre os ministros do STF que participaram do julgamento da ADI 3510, Carlos Ayres Britto e Menezes Direito40 elegeram a teoria concepcionista, a qual adota a fecundação do óvulo pelo espermatozoide para delimitar o início da vida humana. A teoria citada acima pode ser encontrada nas considerações da maioria dos especialistas que se posicionaram contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, ao defender a tese de que a fecundação daria início a vida, sendo este o principal motivo para que a Lei de Biossegurança fosse declarada inconstitucional. Cita-se os nomes de Lenise Aparecida Garcia, Cláudia Maria Batista, Marcelo Vaccari, Antonio José Eça, Elizabeth Cerqueira, Rodolfo Nunes, Dalton Ramos e Rogério Pazzetti, que se posicionaram neste sentido. A teoria da nidação, que estabelece que o início da vida se dá no momento de implantação do embrião no útero materno, foi defendida de forma explicita pelos especialistas Mayana Zatz, e Antonio Carlos Carvalho, pertencentes ao bloco a favor das pesquisas. Destaca-se que Ricardo Ribeiro e Luiz Eugenio Melo, conforme depreende-se do acima exposto, também se manifestaram a favor desta ideia, contudo de forma não tão explicita como os outros especialistas41. Conforme se observa, no julgamento da referida ação, parte dos ministros também se posicionou a favor desta teoria para indicar o momento de início da vida huma-

A teoria da nidação, que estabelece que o início da vida se dá no momento de implantação do embrião no útero materno, foi defendida de forma explicita pelos especialistas Mayana Zatz, e Antonio Carlos Carvalho, pertencentes ao bloco a favor das pesquisas.

39. O argumento trazido na inicial pelo então Procurador-Geral da República é o de que a vida humana começa a partir do momento da fecundação. 40. Ressalta-se que o ministro Menezes Direito, apesar de optar pela teoria da concepção, em determinado momento do seu voto, demonstra acreditar que estabelecer, por convenção, um marco para o início da vida não passaria de uma escolha arbitrária. 41. Patricia Pranke, embora adote a teoria das primeiras atividades cerebrais, acredita na essencialidade de o embrião ser transferido para o útero materno para que possa se desenvolver e sobreviver.

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...a teoria da concepção aplicar-se-ia ao caso de a fecundação ocorrer de forma natural, contudo, ocorrendo artificialmente, a teoria a ser adotada seria a da nidação... na, caso das ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia, que o fizeram de forma expressa. É possível identificar referência à teoria da nidação no voto do ministro Cezar Peluso e até mesmo no do ministro Eros Grau, que afirmou não se valer dos argumentos expostos pelos especialistas, utilizando-se da teoria mencionada de forma a justificar a não existência de vida nos embriões congelados tratados pela Lei de Biossegurança. Por sua vez, o ministro Marco Aurélio, ao condicionar a existência de vida à gestação, também faz opção por esta teoria. Salienta-se que o ministro relator Ayres Britto, ainda que tenha adotado a teoria concepcionista para o início da vida, em determinado momento de seu voto, demonstra seu entendimento pela necessidade de que haja uma relação entre a mulher e o embrião para que seja gerada uma vida no caso dos embriões fecundados in vitro, o que demonstra confusão em seu discurso. Neste sentido, também cabe destacar argumento semelhante sustentado pelo especialista Ricardo Ribeiro, ao entender que a teoria da concepção aplicar-se-ia ao caso de a fecundação ocorrer de forma natural, contudo, ocorrendo artificialmente, a teoria a ser adotada seria a da nidação, pois, neste caso, só existiria vida após a implantação do embrião no útero materno.

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Já o ministro Celso de Mello, utilizando-se tanto da teoria da nidação como da teoria das primeiras atividades cerebrais, justifica a não existência de vida nos embriões criopreservados. O ministro Ayres Britto, a despeito de já ter elegido as teorias da concepção e da nidação para justificar o surgimento da vida, ao tratar do tema da anencefalia em um momento posterior de seu voto, menciona a teoria das primeiras atividades cerebrais, alegando que, para o direito, a função cerebral estabeleceria se o ser possuiria vida ou não, afirmando que os embriões congelados a que se refere a Lei de Biossegurança não possuem tal função. Já o ministro Celso de Mello faz uso desta teoria, de forma a justificar a não existência de vida nos embriões criopreservados, malgrado tenha se utilizado também da teoria da nidação para o mesmo fim. Percebe-se, conforme exposto acima, que este entendimento tem respaldo no posicionamento sustentado pelos especialistas Patrícia Pranke, que defende o início da vida no momento de formação do sistema nervoso, e Luiz Eugênio Melo, que a despeito de adotar a teoria da nidação, faz referência à teoria das primeiras atividades cerebrais, citando a ANVISA no que diz respeito ao início da formação da estrutura que dará origem ao sistema nervoso, que ocorre no dé-

cimo quarto dia após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Ainda em relação à teoria das primeiras atividades cerebrais, os palestrantes Antônio José Eça e Dalton Ramos, ambos contrários à realização das pesquisas com células-tronco embrionárias, contestaram-na na audiência pública, alegando que existe vida humana mesmo antes do marco das duas semanas que delimita a formação do cérebro do embrião. Esta opinião encontra-se identificada nos votos dos ministros Menezes Direito e Cezar Peluso. Malgrado a maioria dos especialistas e ministros tenham elegido uma das três teorias acima para determinar o momento de início da vida, existem aqueles que entendem que a vida é um processo contínuo de desenvolvimento, ou seja, um ciclo, e não um evento delimitado no tempo. Na audiência pública, fizeram opção por esta ideia os experts Lenise Garcia, Claudia Maria Batista, Antônio José Eça e Elizabeth Cerqueira, todos palestrantes do bloco contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, que defendem que o início desse ciclo se dá no momento da concepção. Este entendimento encontra-se identificado nos votos dos ministros Menezes Direito e Marco Aurélio. Além deles, o ministro Ricardo Lewandowski cogita que tal possibilidade pode ser verdadeira.


O ministro Eros Grau também faz uso desta ideia para justificar a não existência de vida nos embriões criopreservados, estabelecendo que estes embriões não se equiparam a um ser em processo de desenvolvimento vital, em um útero, isto é, o embrião versado na Lei de Biossegurança encontra-se paralisado, à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo. O ministro Cezar Peluso parece estar de acordo com Eros Grau, ao entender que a situação dos embriões congelados só é equiparável à de etapa inicial de um processo que se suspendeu ou interrompeu. Ainda em relação ao início da vida, a antropóloga Débora Diniz, na audiência pública, cogitou a possibilidade de que poderia haver influência e implicações jurídicas diretas em relação à situação do aborto a depender do posicionamento adotado pela Suprema Corte no julgamento da ADI 3510. Contudo não é o que se observa de acordo com o que foi apresentado pelos ministros. Carlos Ayres

Britto, Cármen Lúcia, Eros Grau, Cezar Peluso e Marco Aurélio reforçam expressamente distinções entre as pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto, depreendendo-se que não houve qualquer alteração no que diz respeito à sua situação jurídica. Constata-se que tal posicionamento encontra suporte, na audiência pública, na declaração de Mayana Zatz, que é, inclusive, citada pelos ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto em seus votos. Os ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski adotam a concepção de que o embrião humano, havendo fecundação, já é considerado ser humano, defendendo a ideia de que as células embrionárias, mesmo no estágio pré-implantacional, apresentam uma inegável natureza humana. Cezar Peluso parece concordar com os ministros supracitados, já que apesar de alegar que somente nas pessoas já nascidas encontra-se a presença de vida, tanto aquelas como os embriões congelados possuem atributos humanos.

Os ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski adotam a concepção de que o embrião humano, havendo fecundação, já é considerado ser humano, defendendo a ideia de que as células embrionárias, mesmo no estágio pré-implantacional, apresentam uma inegável natureza humana. Parlatório

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“...no procedimento de fertilização in vitro, o embrião formado nada mais seria do que um “aglomerado de células”, que só poderia originar um ser humano ao ser transferido para o útero materno”. RICARDO RIBEIRO

42. Ressalta-se que esta declaração foi contestada por Rogério Pazzeti na própria audiência pública. 43. O termo “pré-embrião” também pode ser observado na fala de Lenise Garcia, fazendo uso deste, porém, de forma a não concordar com que ele é empregado por alguns cientistas.

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Esta ideia parece encontrar respaldo no que foi dito na audiência pela professora Claudia Maria Batista, que afirma que seriamos humanos desde o momento da concepção, todos já pertencendo à espécie homo sapiens a partir deste instante. O pesquisador Ricardo Ribeiro, ao defender a teoria da nidação, aduz que, no procedimento de fertilização in vitro, o embrião formado nada mais seria do que um “aglomerado de células”, que só poderia originar um ser humano ao ser transferido para o útero materno42. Seu entendimento aparenta influenciar a ministra Ellen Gracie, que cita a Lei Britânica, a qual atesta que antes do décimo quarto dia após a fecundação existiria apenas uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização do óvulo. Na audiência pública, Julio César Voltarelli, um dos especialistas que defendem a realização das pesquisas com células-tronco embrionárias, limita-se a atestar que, em relação às pesquisas, faz-se mais relevante levar em consideração a vida dos pacientes que esperam pela cura de suas

doenças do que o próprio debate sobre o início da vida. Este comportamento pode ser observado também no voto do ministro relator, que a despeito de ter escolhido um determinado momento para o início da vida, aduz que seria mais importante do que a discussão sobre quando se inicia a vida humana, salvar as vidas dos inúmeros enfermos que possivelmente se beneficiarão com a realização destas pesquisas, entendendo ser fundamental a liberação da utilização dos embriões criopreservados para o estudo. O uso da expressão “pré-embrião” é identificado na fala do especialista Luiz Eugênio Melo43, que diferencia o pré-embrião excedente da técnica de fertilização in vitro daquele transferido para o útero materno, acreditando que este momento de transferência seria o marco para a humanização do ser. Este termo também está presente no voto da ministra Ellen Gracie, que afirma que se o pré-embrião não for introduzido no útero materno, não poderá ser classificado como pessoa.


O entendimento do ministro Joaquim Barbosa, de que a escolha do momento para o início da vida depende da convicção pessoal de cada pessoa, devendo ser respeitada a esfera íntima de suas crenças, parece encontrar semelhança com a ideia do pesquisador Stevens Rehen, que enfatiza ser o início da vida uma questão insolúvel, posto que sua definição envolve critérios que nada têm a ver com ciência, tais como religião, cultura e momento histórico da sociedade. Cabe ainda ressaltar que alguns ministros se posicionam pela dissociação entre a definição do início da vida e o início de sua proteção jurídica. Este entendimento, incitado pelo ministro relator, defende que a tutela

jurídica da vida no ordenamento jurídico não coincide, obrigatoriamente, com o seu início. Por este motivo, apesar de ter feito escolha pela teoria concepcionista para delimitar o marco inicial da vida, entende que esta opção não desencadeia sua proteção jurídica desde o instante em que ocorre a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Ademais, destaca-se que existem ainda aqueles ministros que consideram não ser de cabimento do Poder Judiciário a discussão sobre o tema. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, o Judiciário não teria as ferramentas necessárias para o debate, entendimento bastante similar ao da ministra Carmem Lúcia,

que, em seu voto, alega não competir ao Supremo estabelecer conceitos que não estejam presentes na Constituição, entendendo que cabe ao Poder Legislativo a opção de incluir no ordenamento jurídico brasileiro um dos diversos momentos propostos pela ciência para o início da vida humana. Cabe esclarecer que a dissociação entre a definição do início da vida e o início de sua proteção, bem como a perspectiva de que não caberia ao Poder Judiciário tal definição, não encontram amparo em nenhuma das considerações tecidas na audiência pública, uma vez que aos especialistas foi alertado que não deveriam adentrar na seara jurídica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho se propôs a demonstrar de que forma a Suprema Corte brasileira foi influenciada no seu posicionamento em relação ao início da vida humana pelo conhecimento científico apresentado em audiência pública. Esta análise se deu com base no evento ocorrido no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510, que versa sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas provenientes dos embriões excedentes congelados das clínicas de fertilização in vitro, bem como nos votos dos ministros do STF. Ao limitar seu tema à abordagem do momento em que ocorre o início da vida humana, o presente trabalho expôs as considerações tecidas pelos especialistas na audiência, bem como os argumentos utilizados pelos ministros relativamente ao tema.

Por fim, foram exibidos aqueles entendimentos que mostraram correspondência com o discurso desenvolvido pelos especialistas, de forma a demonstrar o aproveitamento dos conteúdos expostos na decisão proferida pelo Tribunal sobre o início da vida humana. Diante disto, não se pode negar que os conhecimentos técnicos trazidos pelos especialistas induziram de forma efetiva a visão dos ministros. Ao confrontar os posicionamentos sustentados pelos ministros com os argumentos apresentados na audiência, percebe-se que encontram pleno amparo nos depoimentos prestados. Constata-se a presença de muitas passagens da audiência pública inclusive no voto daqueles ministros que não fizeram referência expressa ao conteúdo proveniente do evento. Parlatório

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A ADI nº 3510 versa sobre as pesquisas com célulastronco embrionárias humanas provenientes dos embriões excedentes congelados das clínicas de fertilização in vitro Sobretudo, destaca-se o voto do ministro Eros Grau, que a despeito de reduzir a relevância dos argumentos científicos, utilizou-se de umas das teorias expostas pelos especialistas para justificar a não existência de vida nos embriões congelados tratados pela Lei de Biossegurança. Dessa forma, percebe-se que apesar de parte dos ministros não recorrer explicitamente aos argumentos apresentados pelos especialistas como forma de fundamentar seus votos, as considerações ali tecidas de fato influenciaram o julgamento de cada um deles, seja de forma direta, com expressa citação e referência às falas dos especialistas, seja de forma indireta, como ocorreu com o ministro Eros Grau. No que concerne à utilização de argumentos científicos como forma de fundamentar decisões judiciais, é possível conferir no caso em estudo a preferência pelas teorias científicas sobre outras formas de conhecimento humano, malgrado tenha se constatado que a ciência é por si só incapaz de definir com precisão um marco para o início da vida humana. Logo, não se defende a posição de que a ciência seja excluída da apreciação do STF nos casos pertinentes, mas simplesmente que não se converta no único critério utilizado para uma decisão acertada. Dentre as teorias apresentadas pelos cientistas, infere-se que aquela que foi defendida por mais vezes pe-

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los ministros condiciona a implantação do embrião no útero materno para que a vida humana tenha início, qual seja a teoria da nidação. Cabe aqui frisar novamente que esta e todas as outras teorias são aceitas da mesma forma pela biologia e pela medicina. Assim, questiona-se por qual motivo essa foi justamente a preferida dos ministros. Talvez porque ela possa coexistir sem empecilhos com as pesquisas com células-tronco embrionárias, já que não implicaria na morte de seres humanos, visto que para a teoria da nidação ainda não existiria vida nos embriões crioconservados. Em relação à realização de audiências públicas como instrumento de democratização deliberativa, com a abertura do STF para que a sociedade civil possa participar do julgamento de ações de relevância social, apesar de conferir maior legitimidade às decisões da Suprema Corte, ainda não se pode concluir de forma inequívoca que as audiências públicas funcionem efetivamente como uma esfera pública de participação e deliberação. Por derradeiro, baseado ainda no julgamento da ADI 3510, verifica-se que uma das maiores dificuldades ao se analisar uma decisão colegiada do STF consiste em saber quais os fundamentos que a sustentam, pois cada um dos que participaram de sua formação fundamentou seu voto em uma razão diferente, o que reduz o grau de certeza e coerência decisória.


REFERÊNCIAS BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510: Transcrição da audiência pública. Brasília, DF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2299631>. Acesso em: 02 abr. 2014. ______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/ verPdfPaginado.asp?id=611723&tipo=AC&descricao=Inteiro Teor ADI / 3510>. Acesso em: 01 jun. 2017. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 5. ed. Salvador: Juspodium, 2013. GÓES, Ricardo Tinoco de. Democracia deliberativa e jurisdição: a legitimidade da decisão judicial a partir e para além da teoria de J. Habermas. Curitiba: Juruá Editora, 2013. HABERMAS, Jurgen. Teoria de la acción comunicativa: racionalidad de La acción y racionalización social. Madrid: Taurus Humanidades, 2003 apud BUZINGNANI, Ana Carolina Silveira. A ética do discurso e a audiência pública: Legitimação da norma jurisdicional. 2011. 147 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito Negocial, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.uel.br/document/?view=vtls000169862>. Acesso em: 15 abr. 2014. LIMA, Rafael Scavone Bellem de. A Audiência Pública realizada na ADI 3510-0: A organização e o aproveitamento da primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal. 2008. 79 f. Monografia (Especialização) - Trabalho de conclusão do curso da Escola de Formação apresentado a Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2008. QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Jurisdição Constitucional Participativa. Revista Internacional de Direito e Cidadania , v. 11, 2011.

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Abraão Luiz Filgueira Lopes

Artigo

Professor do Centro Universitário do Rio Grande do Norte/UNI-RN. Advogado. Correio eletrônico: abraao.lopes@rrc.adv.br

A Democracia Representativa e a Revogação dos Mandatos em Curso RESUMO Analisa a forma como a democracia contemporânea se implementa, vislumbrando-a como essencialmente representativa. Tem por objetivos analisar a fundamentação conceitual da democracia representativa, bem como as suas repercussões, notadamente no cenário brasileiro. Para tanto, emprega o método dedutivo, partindo de revisão bibliográfica da doutrina constitucional e eleitoral, em especial periódicos preocupados com o problema contemporâneo da representação. Conclui que, na democracia representativa brasileira, o eleitor não possui instrumentos de exigibilidade para as decisões tomadas por seus representantes, que, podem, assim, ser contrárias aos desígnios do povo. Além disso, constata que o modelo democrático brasileiro não contempla a revogação dos mandatos em curso, o que credita ao processo de redemocratização do país, a exigir maior segurança no exercício dos mandatos. Palavras-chave: Democracia. Representação. Revogação.

INTRODUÇÃO A democracia é condição necessária de qualquer Estado Constitucional. Não há Constituição sem democracia, que exsurge, pois, como o sistema de governo próprio e necessário ao Estado Constitucional, do que decorre a ideia do Estado Democrático de Direito. Nas sociedades contemporâneas, a democracia precisa ser exercida de forma indireta, através da escolha,

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pelo eleitor, de representantes eleitos. Quer dizer, ao invés de o próprio eleitor tomar as decisões políticas, ele escolhe um terceiro para decidir em seu lugar, o que cria um natural distanciamento do povo das decisões políticas. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo inicial investigar a forma como a democracia contemporânea se realiza, além da própria


fundamentação doutrinária da chamada democracia representativa. Para tanto, parte de revisão bibliográfica na qual aplicado o método dedutivo, tudo com o objetivo de revelar, ao final as repercussões

da democracia representativa, notadamente quanto à possibilidade do recall no Brasil, que consiste na revogação dos mandatos em curso, a exemplo do que acontece em países como os Estados Unidos.

2. A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA COMO EXPRESSÃO DA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA Nas sociedades contemporâneas, o exercício das faculdades do governo por representantes é uma necessidade face à complexidade da rede social, que frequentemente vincula a ação de pessoas e instituições num determinado local a processos que se dão em muitos outros locais e instituições, sendo que, no entanto, nenhuma pessoa pode estar presente em todos os organismos deliberativos cujas decisões potencialmente afetam a sua vida, mormente porque esses são numerosos e muito dispersos (YOUNG, 2006). A esse modelo de democracia, baseado na representação, dá-se o nome de democracia indireta. Por democracia indireta, entende-se aquela por intermédio da qual o povo, não podendo exercer pessoal e diretamente as faculdades do governo, elege representantes para fazê-lo em seu lugar, os quais serão investidos de mandatos, que, a exemplo do que ocorre no contrato civil, significam a outorga de poderes a outrem (o outorgado) para, em nome do outorgante, praticar determinados atos, vale dizer, deliberar os rumos do Estado e do governo. É por isso que os eleitos exercem mandatos eletivos, não mandados, expressão esta que, em sentido jurídico, remete à ordem, comando.

Essa visão contratualista da representação encerra a chamada teoria jurídica da representação, que dá ensejo a uma relação entre representante e representado baseada numa lógica individualista e não-política, na medida em que supõe que os eleitores julgam as qualidades pessoais dos candidatos, ao invés de seus projetos e ideias políticas (URBINATI, 2006). Com isso, o ideal coletivo fica relegado a segundo plano, na medida em que a relação do Estado com a sociedade é deixada ao juízo do representante, que exerce o seu mandato com plena liberdade, o que está na base da opção constitucional brasileira pela vedação à revogação dos mandatos em curso, o chamado recall. A predileção pela lógica jurídica da representação, observe-se, é uma marca do governo representativo liberal, cuja ampla disseminação nas sociedades ocidentais fez com que essa forma de pensar a representação hoje esteja arraigada em democracias como a brasileira. O perigo da teoria jurídica da representação, contudo, está em reduzir a participação popular na democracia a um mínimo procedimental, a eleição (URBINATI, 2006). Em reação ao modelo jurídico de representação, apresenta-se a

O perigo da teoria jurídica da representação, contudo, está em reduzir a participação popular na democracia a um mínimo procedimental, a eleição. Parlatório

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chamada teoria política da representação, que defende a ativação de uma corrente comunicativa entre a sociedade política e a civil, de modo a restabelecer o liame entre o individual e o coletivo, tudo num contexto no qual múltiplas fontes de informação e variadas formas de comunicação tornam os cidadãos elementos ativos da democracia. Com isso, a mídia, os movimentos sociais e os partidos políticos darão o tom da representação em uma sociedade democrática, tornando o social político (URBINATI, 2006). Com efeito, mesmo numa democracia essencialmente indireta, é possível criar mecanismos que propiciem uma participação mais ativa do povo, via ativação de instrumentos de deliberação coletiva, como, aliás, têm realizado alguns parlamentos brasileiros, com audiências públicas e outras formas de consultas populares. Outrossim, a reação da teoria política da representação frente à predileção por uma lógica contratualista do fenômeno da representação gera uma preocupação

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recente com a contemplação, pelas Constituições democráticas contemporâneas, de instrumentos de democracia direta, que autorizem uma participação efetiva e sem intermediários do cidadão na tomada de decisões, notadamente quando nada assegura, no contexto da representação, que a vontade do eleitor determinará as decisões do representante no exercício do poder. Isso tudo exsurge ainda mais relevante num cenário de crise de representatividade, que decorre, em grande medida, do próprio sistema representativo, afinal a atuação dos representantes geralmente não atende aos interesses dos representados, notadamente porque, após a eleição desses representantes, ocorre um distanciamento entre a vontade popular e a vontade do mandatário. E o problema se aprofunda na medida em que o eleitor está desprovido de instrumentos para exigir a implementação das medidas e propostas por que os mandatos foram outorgados, ou, mesmo, de um modo geral, para retomar antecipadamente o mandato.

A crise de representação, então, dá azo a um círculo vicioso, ao acentuar o desinteresse geral pelo poder político, que, por sua vez, aumenta a crise de legitimidade do poder. E isso porque o indivíduo dotado de liberdade democrática escolhe não participar da formação do poder político. Tamanho é o distanciamento entre o representante e o representado, que mais contemporaneamente se tem falado na chamada democracia delegativa, termo cunhado por Guillermo O´Donnell, segundo o qual a democracia, sobretudo na América Latina, atualmente se caracteriza por uma enorme distância entre representantes e representados (O’DONNELL, 1991). Numa democracia delegativa, o Chefe do Executivo é autorizado a governar o país da forma como lhe parecer mais conveniente, possuindo ampla liberdade de agir, dentro do limite da lei, sempre com a garantia de exercer o poder até o fim de seu mandato, justamente em razão da ausência do instrumento do recall. Nessas democracias, os candidatos vencedores se apresentam como estando acima de todas as partes, isto é, os partidos políticos e dos interesses organizados (STRECK, MORAIS, 2009, p. 118). A esperança fica por conta do novo ambiente discursivo-democrático surgido com a internet e as redes sociais, espaço no qual o aprofundamento das discussões políticas pode conduzir a um amadurecimento democrático do povo e, possivelmente, a um maior envolvimento com a tomada de decisões relevantes do Estado.


3. PRINCÍPIO DA LIBERDADE PARA O EXERCÍCIO DOS MANDATOS E A PROIBIÇÃO DO RECALL O princípio da liberdade para o exercício dos mandatos exsurge como verdadeiro corolário da democracia representativa. De fato, na democracia representativa, o povo é alçado à posição preponderante de eleitor de seus representantes, que, por sua vez, no exercício dos mandatos, exercerão as faculdades do governo. Maurice Hauriou (1927), então, ensina que o representante é autônomo e, como tal, deve ser livre para tomar as suas decisões e, no contexto de um órgão de deliberação coletiva – como a Câmara de Vereadores, a Assembleia Legislativa, a Câmara de Deputados e o Senado Federal -, expressar os seus votos a fim de que, terminada a discussão, possa aderir à determinação mais razoável, que não necessariamente estará harmônica com o desejo do eleitor. Não à toa, afirma-se que o povo, ao escolher seus representantes, delegando-lhes o poder, não dispõe de garantia jurídica (ou de qualquer natureza) que os obrigue a executar sua vontade (CALIMAN, 2005), de sorte que a titularidade do mandato eletivo é do mandatário, tanto jurídica, como politicamente, o que lhe autoriza atuar livremente, sem imposição de ter que agir segundo as instruções do eleitorado ou do partido (SALGADO, 2010). Em contraponto a essa concepção, todavia, Walber de Moura Agra

e Carlos Mario da Silva Veloso (2009, p. 90) defendem que: O mandato eletivo não pertence ao candidato eleito porque ele não é detentor de parcela da soberania popular, podendo transformá-la em propriedade sua. O poder que advém do povo não pode ser apropriado de forma privatística. O candidato foi eleito para honrar determinado programa partidário, perdendo esse múnus quando se afasta do compromisso assumido. Certo é, entretanto, que ainda hoje tem prevalecido o entendimento de que o exercente do mandato goza de liberdade, o que, inclusive, foi contemplado, mesmo implicitamente, pela Constituição brasileira de 1988, que, à falta de norma em sentido diverso, acabou por impor, por ora, a impossibilidade de revogação do mandato e a proibição do mandato imperativo. Isso revela a predileção do constituinte brasileiro por uma teoria eminentemente contratualista da representação, o que, no final das contas, conduz a um maior prestígio à liberdade dos mandatários em detrimento de uma maior reserva de poder por parte do eleitor. Pois bem. A proibição do mandato imperativo decorre da independência do representante eleito

em relação ao representado, significando, ainda, que o mandatário não está sujeito à vontade do mandante (MARTINS, 2008). Bernard Manin (2006, p. 119), então, bem resume por que as democracias contemporâneas, mesmo agora mais preocupadas com a criação de instrumentos que preservem a soberania popular, usualmente não dispõem de mecanismo que obriguem determinadas posturas ou decisões do mandatário: (...) existem boas razões para as instituições democráticas não ter mecanismos para obrigar a obediência ao mandato. Nós escolhemos políticas que representam nossos interesses ou candidatos que nos representam como pessoas, mas queremos que os governantes sejam capazes de governar. Em consequência, embora preferíssemos que os governantes se mantivessem presos às suas promessas, a democracia não contém mecanismos institucionais para assegurar que nossas escolhas sejam respeitadas. (...) as instituições devem permitir lidar com mudanças de condições. Nenhuma plataforma eleitoral pode especificar a priori o que o governo deveria fazer em cada estado contingente de coisas; os governos precisam ter alguma flexibilidade para enfrentar mu-

“O candidato foi eleito para honrar determinado programa partidário, perdendo esse múnus quando se afasta do compromisso assumido.” Parlatório

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danças circunstâncias. Se os cidadãos esperam que as condições devem mudar e os governos são representativos, não vão amarrar os governos e as instituições.

1. Não coincidentemente, ao compartilharem o mesmo processo recente de redemocratização, os demais países sul-americanos - à exceção da Venezuela, cujo artigo 72 institui o chamado “referendo revocatório” – não contemplam em suas constituições a possibilidade de revogação dos mandatos em curso.

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Já a revogação dos mandatos eletivos em curso, que mais interessa ao presente artigo, é consagrada pela expressão em inglês recall – cuja melhor acepção no português é revogação – e realiza-se por meio de nova convocação dos eleitores às urnas, desta feita, para decidirem se o mandato do representante eleito será ou não abreviado. Trata-se, do ponto de vista objetivo, de dispositivo da democracia que autoriza aos eleitores a destituição e substituição de uma autoridade pública (CRONIN, 1999); e, do ponto de vista subjetivo, representa o direito de um determinado número de eleitores requerer a imediata remoção de um governante, graças à manutenção pelo povo do maior controle possível sobre os mandatários eleitos (MUNRO, 1949). Em sentido análogo, a doutrina brasileira define o recall como o direito atribuído ao povo de suprimir os efeitos dos mandatos de seus representantes (TEIXEIRA, 1991), a exsurgir como verdadeiro direito de arrependimento conferido aos cidadãos. Trata-se de técnica que ganhou notoriedade no ano de 2003, quando os eleitores do estado norte-americano da Califórnia resolveram retomar o mandato do governador então eleito, decidindo, pois, que ele não poderia concluir o mandato. Na mesma oportunidade, além de destituir o governador Gray Davis, o eleitor californiano acabou elegendo o ator

Arnold Schwarzenegger para o cargo de governador. Diferentemente dos Estados Unidos, a Constituição brasileira não contempla a possibilidade de abreviação dos mandatos eletivos através da revogação dos poderes antes conferidos, via eleições, pelo eleitor. Isso se dá em razão de os agentes políticos serem eleitos para um mandato com prazo certo e determinado, o que exsurge como verdadeira conquista da democracia, ao assegurar que ocupantes de posições políticas (ou militares) de destaque também não exararão determinações voltadas à cessação abrupta dos mandatos1. Com efeito, ressalvada a possibilidade de cassação do mandato por alguma inconformidade legal, a revogação do mandato por ato de vontade de quem quer que seja não é admitida no ordenamento jurídico brasileiro, de sorte que, a exceção aquela condenação, o mandatário cumprirá o mandato em sua inteireza. Essa temporariedade dos mandatos, por sinal, é uma garantia da democracia não apenas para os candidatos, mas também para os eleitores: para o candidato, porque o representante eleito tem a garantia de que, salvo processo legal de cassação, estará investido no cargo público; para o eleitor, porque vê legitimada a sua expectativa de que o representante democraticamente escolhido não será afastado por quem quer que seja, salvo se praticada alguma irregularidade. Enfim, a temporariedade dos mandatos eletivos é uma conquista da democracia – especialmente num país que viveu décadas de ditadura –, a impedir que um representante legi-


timamente eleito seja destituído pela variação das conveniências políticas. Diante dessas razões, a ordem constitucional brasileira não dispõe de instrumento que confira aos eleitores a possibilidade de revogação dos mandatos eletivos em curso, devendo o cidadão, em caso de insatisfação com os representantes eleitos, aguardar uma nova eleição para, só então, fazer opção por outro candidato. Isso só seria mudado caso instituído o recall mediante emenda constitucional, o que não encontraria obstáculos nas cláusulas pétreas definidas no art. 60, § 4º, da Constituição, a despeito de aqui se reputar legítimas as razões constitucionais por que não contemplado tal instrumento no texto original da Carta de 1988. Enquanto não editada emenda constitucional com esse objeto, resta atualmente a possibilidade de cassação do mandato por infrações político-administrativas, ou mesmo por infrações eleitorais que viciem os votos obtidos pelo então candidato, cassação essa possível de ocorrer mesmo depois de eleito. No primeiro

caso, marcado pela prática de crime de responsabilidade, pode o mandatário ser cassado num processo de impeachment. Já no segundo caso, a prática de determinadas condutas em campanha eleitoral pode comprometer a legitimidade da eleição do representante, cabendo a Justiça Eleitoral, nesse caso, cassar o diploma do candidato, isto é, o ato que certifica sua vitória nas urnas e autoriza a investidura no cargo eletivo. Interessante notar, a par disso, que há experiência constitucional sulamericana de recall na Venezuela, onde os artigos 72 e 233 da Constituição autorizam a revogação dos mandatos em curso em relação a todos os cargos ocupados por voto popular, desde que tenha transcorrido pelo menos metade do mandato, com o requerimento de pelo menos 20% do eleitorado da respectiva circunscrição eleitoral. Na prática, em 2004, lançou-se mão da revisão popular na Venezuela, processo que conduziu, porém, à permanência de Hugo Chávez na presidência do país.

A prática de determinadas condutas em campanha eleitoral pode comprometer a legitimidade da eleição do representante, cabendo a Justiça Eleitoral, nesse caso, cassar o diploma do candidato, isto é, o ato que certifica sua vitória nas urnas e autoriza a investidura no cargo eletivo.

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A proibição do mandato imperativo significa a liberdade do representante eleito pelo voto popular na tomada das decisões, quando não é obrigado a atender aos desígnios dos eleitores, que, por sua vez, não dispõem de instrumento jurídico ou mesmo político para exigir essa ou aquela decisão. 50 . Parlatório

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CONCLUSÃO A complexidade das sociedades contemporâneas impõe um afastamento natural do povo das decisões políticas, que não poderão ser diretamente tomadas pelo cidadão. Em vez disso, os eleitores elegerão representantes, que, no curso de mandatos eletivos, serão responsáveis pelas decisões políticas. A isso dá-se o nome de democracia indireta ou representativa. Conceitualmente, a representação é explicada pela sedimentada teoria contratualista, que reforça o distanciamento do povo das decisões ao dar ensejo ao princípio da liberdade para exercício dos mandatos, que tem como corolários a proibição do mandato imperativo e a proibição da revogação dos mandatos em curso. A proibição do mandato imperativo significa a liberdade do representante eleito pelo voto popular na tomada das decisões, quando não é obrigado a atender aos desígnios dos eleitores, que, por sua vez, não dispõem de instrumento jurídico ou

mesmo político para exigir essa ou aquela decisão. Já a proibição da revogação dos mandatos em curso implica a impossibilidade de abreviação dos mandatos eletivos outorgados aos representantes, ainda que haja ampla insatisfação do corpo de eleitores. Constatou-se, então, que a vedação existente no Brasil em relação à revogação dos mandatos em curso, popularmente conhecida como recall como resultado também do processo de redemocratização, que fez com que o constituinte tivesse uma especial preocupação com a preservação do direito dos eleitos de concluírem o mandato obtido nas urnas, sem possibilidade de agentes externos lhe retirarem do exercício do poder. Assim é que somente irregularidades praticadas pelo representante poderão implicar a cassação do mandato. Isso pelo menos até que seja estabelecida a possibilidade do recall no Brasil, algo que demandaria a sua instituição por emenda constitucional.


REFERÊNCIAS CALIMAN, Auro Augusto. Mandato parlamentar: aquisição e perda antecipada. São Paulo: Editora Atlas, 2005. CRONIN, Thomas E. Direct democracy: the politics of the initiative, referendum and recall. Cambridge MA: Havard University, 1999. HAURIOU, Maurice. Principios de Derecho Público y Constitucional. 2. Ed. Tradução: Carlos Ruiz del Castillo. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1927. MANIN. Bernard. Et. al. Eleições e representação. In Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Nº 67. São Paulo. 2006, p. 67-105. MARTINS, Manuel Meirinho, Representação política, eleições e sistemas eleitorais – uma introdução. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, 2008. MUNRO, William Bennett. The government of the Utinet States: national, state and local. 5 ed. New York: The MacMillan Company, 1949. O’DONNELL, Guillermo. Democracia delegativa? Novos Estudos CEBRAP N° 31, outubro 1991 pp. 25-40. Disponível em: < http://uenf.br/cch/lesce/files/2013/08/Texto-2.pdf >. Acesso em: 11 SET 2017. SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 2010. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Curso de Doutorado em Direito do Estado, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2001. STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 7.ed. Porto Alegre: do Advogado. 2009. TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de direito constitucional. Texto revisto e atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense, 1991. URBINATI, Nadia. O que torna a representação democrática? In Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Nº 67. São Paulo. 2006, p. 191-228. VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009. YOUNG, Iris Marion. Representação política, identidade e minorias. In Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Nº 67. São Paulo. 2006, p. 139-190.

REPRESENTATIVE DEMOCRACY AND THE RECALL ABSTRACT Analyzes how contemporary democracy is implemented, seeing it as essentially representative. The objectives are to analyze the conceptual basis of representative democracy, as well as its repercussions, notably in the brazilian scenario. For that, it uses the deductive method, starting from a bibliographical revision of the constitutional and electoral doctrine, especially periodicals concerned with the contemporary problem of representation. Concludes that, in brazilian representative democracy, the voter does not have instruments of enforceability for the decisions made by his representatives, which may thus be contrary to the designs of the people. In addition, it notes that the BRAZILIAN democratic model does not contemplate the recall, which credits the process of redemocratization of the country, to demand greater security in the exercise of the mandates. Keywords: Democracy. Representation. Recall. Parlatório

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Silvério Alves da Silva Filho

Artigo

Advogado. Pós-graduando lato sensu em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte/UNI-RN. Correio eletrônico: silverio_sasf@hotmail.com

Aspectos da Democracia Segundo a Doutrina Social da Igreja: Um Estudo em Homenagem ao Jurista Otto Guerra

RESUMO Em homenagem ao jurista Otto Guerra, aborda-se, em artigo científico, pelo uso de revisão bibliográfica, como a Igreja Católica, mediante sua doutrina social, trata alguns dos diversos aspectos concernentes à democracia. Neste ínterim, analisa-se, também, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da sua atuação, tanto durante o regime militar quanto contemporaneamente, contribuiu e continua contribuindo para o fortalecimento do pensamento democrático nacional. Por fim, utilizando-se do método de análise dedutivo, conclui-se que a Doutrina Social da Igreja tem forte apreço pelo sistema democrático, defendendo seu resguardo e fortalecimento, seja através de documentos pontifícios e apostólicos, seja através de atuações concretas, como no caso da CNBB. Palavras-Chave: Otto Guerra. Democracia. Doutrina Social da Igreja. CNBB.

INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como iluminação a figura do professor e advogado potiguar Otto de Britto Guerra, intelectual que caminhou por distintas áreas do saber, tais como a exemplo do Direito, do serviço social, do jornalismo, história e sociologia do semiárido, Doutrina Social da Igreja Católica etc. Na vida acadêmica, Guerra foi, desde 1955, um dos primeiros pro-

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fessores civilistas da antiga Faculdade de Direito Estadual (em Natal); concorreu para a idealização da Escola de Serviço Social, em 1945, e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1957; contribuiu, diretamente para a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, chegando a ser vice-reitor da instituição; integrou e promoveu diversas entidades culturais, dentre as quais


O pensamento aqui exposto pretende buscar o diálogo com os ensinamentos disponibilizados na referida doutrina, a fim de fomentar um debate saudável, sem fundamentalismos. a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e o Conselho Estadual de Cultura; seguindo na linha do seu pai, o Desembargador Felipe Guerra, publicou diversos estudos, entre livros e artigos, sobre as mais distintas problemáticas do semiárido nordestino, notadamente sobre as secas e suas consequências; na seara jornalística, colaborou com vários periódicos estaduais e nacionais, tendo sido diretor e redator-chefe do jornal “A Ordem”, da Arquidiocese de Natal; acerca da doutrina social católica, compreendeu-a singularmente, ao ponto de ter sido convidado para participar como Conselheiro do Concílio do Vaticano II, em Roma. Sobre sua vida e sua obra, foram lançados alguns livros, dos quais podemos citar “Memória Viva de Otto de Brito Guerra”, organizado por Tarcísio Gurgel, e “Otto Guerra: Bibliografia e uma Visão do Semi-Árido”, de Ridelci Medeiros, Cláudio A. P. Galvão e Terezinha de Q. Aranha. Doutra ponta, recentemente, por

meio de investigações concretizadas pelo do Grupo Filosofia, Direito e Sociedade, formado por professores e alunos do Centro Universitário do Rio Grande do Norte, realizaram-se algumas pesquisas relacionadas à sua obra, tal como estudos acerca da açudagem no semiárido e das questões do meio ambiente e do direito fundamental à água na Doutrina Social da Igreja. Fruto dessas e de outras investigações, será lançado, ainda este ano, o livro “Otto Guerra: Garimpo de Ideias e Reflexões”, organizado pelos professores Fábio Fidelis de Oliveira e Marcelo Maurício da Silva. Pois bem, o presente artigo, uma homenagem ao citado intelectual, buscará investigar como a Doutrina Social da Igreja Católica aborda assuntos relacionados ao jogo democrático, tais como os princípios do bem comum e da subsidiariedade, a importância do respeito aos direitos humanos, os valores, as instituições e a participação do povo na democracia. Abordar-se-á, ainda, como a

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contribuiu, em diversas ocasiões, para o fortalecimento da democracia brasileira, inclusive em colaboração com a Ordem dos Advogados do Brasil. Para tanto, utilizou-se de revisão bibliográfica, do método de análise dedutivo e de uma investigação qualitativa, tudo isto feito em face de documentos oficiais da Igreja e de informações públicas, com o propósito de compreender como a perspectiva social do catolicismo encara tais temáticas, na teoria e na prática, esta aqui estudada por meio da atuação da CNBB. Por fim, faz-se mister esclarecer que o pensamento aqui exposto não terá o ânimo de exaurir as discussões acerca o tema, nem de impor o modo de encarar a realidade trazida por certo ente religioso. Ao revés disto, pretende-se buscar o diálogo com os ensinamentos disponibilizados na referida doutrina, a fim de fomentar um debate saudável, sem fundamentalismos. Parlatório

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2. A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA Dentre os campos de trabalhado produzidos pelo catolicismo, interessa-nos, aqui, a investigação sobre a sua doutrina social, formada pelas orientações dadas pela Igreja Católica sobre os temas sociais mais variados, direcionadas não só aos cristãos, mas a “todos os homens de boa vontade”, em busca de um bem comum e do desenvolvimento integral de todas as pessoas (JOÃO XXXIII, 1963, nº 162 e 65). Analisando esta área, muito bem estudada e divulgada pelo jurista Otto Guerra (GALVÃO, 2012, p. 11), constata-se que a Igreja já disponibilizava, desde os cristãos primitivos, doutrina que trazia em si alguma repercussão na seara social. Não obstante, há certo consenso que essas propostas, à época diluídas, tornaram-se mais enfáticas e organizadas a partir da encíclica Rerum Norarum, a “carta magna” da doutrina social católica (CAMACHO LARAÑA, 1995, p. 11), escrita pelo papa Leão XIII, em 1891, sobre as dificuldades sofridas pelo operariado daquela época. Desde então, consoante as circunstâncias sociais, econômicas e políticas foram se modificando, a Doutrina Social da Igreja foi sendo atualizada. Analisando a abordagem singular levada a efeito por João XXIII na encíclica Mater et Magistra, de 1961, Camacho Laraña (2011, p. 2) assevera que o mundo mudou muito deste então e “a Doutrina Social da Igreja reflete essa mudança: não trata hoje os mesmos temas que em 1961, nem os trata da

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mesma maneira”. Interessante comentar o fato de que algumas confluências pertinentes podem ser encontradas entre Direito e Doutrina Social da Igreja, dentre as quais talvez uma das mais importantes tenha acontecido no direito laboral. Nesse ínterim, o então Ministro do Tribunal Superior do Trabalho José Ajuricaba da Costa e Silva chegou a arrematar que o direito trabalhista “está impregnado desta doutrina, pois sendo uma solução de compromisso entre o capitalismo e o socialismo, repele a luta de classe e o predomínio de uma sobre a outra” (1992, p. 52). Prosseguindo, o citado jurista assevera: “O Direito do Trabalho pode, pois, ser considerado como a Doutrina Social da Igreja transformada em direito positivo” (1992, p. 53). Tantas outras confluências poderiam trazidas aqui, tais como as reflexões sobre Direito Internacional ocorrias na encíclica Populorum Progressio; a fundamentação da função social da propriedade

constante na Mater et Magistra; a defesa da observância dos direitos humanos em âmbito internacional consubstanciado na Pacem in Terris; ou, ainda, a abordagem feita pelo atual Papa, Francisco, acerca da ecologia e do direito ambiental, dando-lhe uma perspectiva integral e paradigmática, por meio da encíclica Laudato Si’. Ressaltando o peso de alguns destes pontos para a análise de questões sociais em todo o mundo, indagava Otto Guerra: E quem pode, mesmo não sendo católico, negar a repercussão mundial de encíclicas como a “Rerum Novarum” de Leão XIII, da “Quadragesimo Anno”, de Pio XI, da “Summi Pontificatus”, de Pio XII, para falar somente destas? (GUERRA, 195-?, n.p.) Pois bem, é nesse ramo do catolicismo que buscaremos investigar como a Igreja trata alguns aspectos relacionados à democracia.


3. ALGUNS ELEMENTOS DA DEMOCRACIA NA PERSPECTIVA SOCIAL CATÓLICA Quando analisamos os documentos da Doutrina Social Católica, percebemos que esta encara com simpatia o sistema democrático, aqui entendido como aquele que assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade tanto de escolher e controlar os governantes, quanto de substituí-los, pacificamente, quando se fizer oportuno. A democracia, nessa perspectiva, não pode favorecer a formação de grupos restritos de governantes, que

usurpam o poder do Estado a favor de seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. Por isso, sua ocorrência só é verdadeiramente possível num Estado de Direito, constituído sobre uma efetiva concepção de pessoa humana, num ambiente onde existam subsídios suficientes à promoção dos indivíduos, por meio da educação e da formação de verdadeiros valores, e ao resguardo de instituições que assegurem a participação popular e o sistema de corresponsabilidade (JOÃO PAULO II, 1991, n.º 46).

3.1. DA DEMOCRACIA SEGUNDO A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA Segundo o pensamento social católico, a democracia não é o apenas a consequência de um respeito formal a determinações, mas é o fruto de consciente aceitação dos preceitos que inspiram os procedimentos democráticos: a dignidade humana, o acolhimento dos direitos humanos, o tratamento do bem comum como finalidade e critério de regulação da vida pública. Enfim, “se não há um consenso geral sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade” (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”, 2004, n.º 407). Nessa perspectiva, o relativismo ético surge como ameaça aos sistemas democráticos, pois instiga a descrença na existência de um critério objetivo e universal para estabelecer o fundamento e a correta hierarquia dos valores democráticos. Isto porque se não existe nenhuma verdade

última que guie e oriente a ação política, então as ideias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como podemos compreender pelos exemplos históricos (JOÃO PAULO II, 1991, n.º 46). Exsurge, portanto, a necessidade de um Estado Democrático de Direito, concebido sob uma ordem moral objetiva e racional, com instituições sólidas e perenes, reconhecendo-se, ademais, a importância da tripartição e dos “pesos e contrapesos” entre os Poderes. É preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no seu justo limite, devendo serem soberanas a Constituição e a lei, e não a vontade arbitrária dos homens (Ibidem, n. 44).

“...se não há um consenso geral sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade.” Parlatório

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No Estado Democrático de Direito, o agentes com responsabilidades políticas devem valorizar a dimensão moral da representação, consistindo esta no empenho de compartilhar o destino do povo e em procurar um desfecho razoável para as problemáticas sociais. Deste modo, a autoridade política responsável deve ser desempenhada por meio do auxílio de valores que possibilitem o exercício do função com ânimo de serviço (JOÃO PAULO II, 1988, n.º 42). Esta busca por valores morais objetivos que guiem a atuação do poder público procura evitar uma das deformações mais graves do

sistema democrático, a saber: a corrupção política (Idem, 1987, n.º 44). Isto porque a corrupção é desleal aos valores morais e às normas da justiça social; tende a impossibilitar um funcionamento apropriado do Estado, influenciando, de modo negativo, no relacionamento entre governo e governado; introduz um receio cada vez maior no que concerne à política e aos seus representantes, proporcionando o enfraquecimento das instituições e dificultando a realização do bem comum de todos os cidadãos. Quando eivadas de corrupção, as posturas políticas resguardam os fins restritos de quantos

possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”, 2004, n.º 411). Por isso, o poder público, em qualquer grau, possui o dever de servir o cidadão. Aqueles que detêm cargos públicos devem buscar uma igualitária aplicação da Constituição e da lei, além de zelar e pela transparência em todos os atos da administração pública, para que, posto a serviço dos cidadãos, o Estado se comporte como gestor dos bens do povo, administrando-os lícita e moralmente (JOÃO PAULO II, 1998, n.º 05).

3.2. DO RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Um sistema democrático só pode alcançar a sua plena atuação quando cada pessoa e cada povo tiver acesso aos bens primários, tais como vida, alimentação, água, saúde, instrução, trabalho e certeza dos direitos

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Um sistema democrático só pode alcançar a sua plena atuação quando cada pessoa e cada povo tiver acesso aos bens primários, tais como vida, alimentação, água, saúde, instrução, trabalho e certeza dos direitos, por meio de um ordenamento das relações internas e internacionais que proporcione a cada um a possibilidade de participar do “jogo democrático” (BENTO XVI, 2006). Nesta perspectiva, aduz-se que a origem dos direitos do ser humano deve ser procurada na dignidade que pertence a cada pessoa (PAULO VI, 1965, n.º 27), sendo tal dignidade conatural à vida humana e igual em homem. Por isso, tais direitos são universais, invioláveis e inalienáveis (JOÃO XXIII, 1963, n.º 9). Universais, uma vez que estão presentes em todas as pessoas, independentemente de tempo, lugar ou sujeito; invioláveis, porquanto

intrínsecos à pessoa humana e à sua dignidade; inalienáveis, pois ninguém pode, de modo legítimo, privar destes direitos outrem, seja ele quem for, caso contrário estar-se-ia a violentar a sua própria natureza. A sua tutela cabe tanto ao poder público quanto à sociedade civil, devendo ser efetivada não em razão de cada direito singularmente considerado, mas no seu conjunto, porquanto uma proteção parcial traduzir-se-ia em uma espécie de não reconhecimento da igualitária dignidade existente entre esses direitos. A indivisibilidade, assim como a universalidade, a inviolabilidade e a inalienabilidade, surge como característica distintiva, devendo o poder público, num Estado Democrático, promover, integralmente, todas as categorias de direitos humanos, a fim de garantir o pleno respeito a cada um deles.


...os governos devem interpretar o bem comum não apenas as posições da maioria, mas também no ponto de vista do bem efetivo de todos os membros da sociedade civil. 3.3. A BUSCA PELO BEM COMUM A efetivação do bem comum, “razão de ser dos poderes públicos” (JOÃO XXIII, 1963, n.º 54), sem dúvidas, é um dos princípios fundamentais que devem guiar um Estado democrático, cuja busca deriva da dignidade e da igualdade de todas as pessoas (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”, 2004, n.º 164). Para tanto, bem comum pode ser conceituado como sendo o “conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana” (JOÃO XXIII, 1963, n.º 58) ou, ainda, como “conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição” (PAULO VI, n. 26, 1965). As exigências do bem comum se originam das condições sociais de cada tempo e estão deveras conectadas com o respeito e com a promoção das pessoas humanas de seus di-

reitos fundamentais (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.º 1907). Tais exigências são concernentes, antes de tudo, à busca da paz, a organização razoável dos poderes estatais, a uma ordem jurídica sólida, à proteção do meio ambiente, à prestação de serviços indispensáveis às pessoas, tais como alimentação, morada, trabalho, educação, saúde e transporte. Para alcançar essas exigências, demanda-se a colaboração não apenas do Estado, mas de todos os membros da sociedade: ninguém está dispensado de colaborar, de acordo com suas possibilidades. Assim, cabe ao Estado garantir a coesão, unidade e organização à sociedade civil. Por meio das instituições políticas, torna-se mais fácil o acesso das pessoas aos bens necessários (materiais, culturais, morais e espirituais), que possibilitem uma vida digna. Por isso, cabe ao governo de cada país a missão de adequar com justiça os diferentes interesses setoriais,

sendo esta uma das funções mais delicadas do poder público, por ter que proceder a uma correta conciliação dos bens particulares de grupos e indivíduos. Deve-se ter em mente, ainda, que os governos devem interpretar o bem comum não apenas as posições da maioria, mas também no ponto de vista do bem efetivo de todos os membros da sociedade civil, inclusive os da minoria. Por fim, saliente-se que, na perspectiva social católica, Deus é a finalidade última de todas as criaturas, de modo que não se pode olvidar da característica transcendente do bem comum, que ultrapassa, mas também dá cumprimento, à sua perspectiva histórica (JOÃO PAULO II, 1991, n.º 41). Deste modo, uma visão estritamente histórica e materialista terminaria por compreender o bem comum como simples bem-estar econômico, destituído de toda a sua finalidade transcendente, da sua mais determinante razão de ser. Parlatório

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“Estado deve presar pela liberdade e proteger o vigor das estruturas sociais intermediárias, como a família, as associações civis, as entidades culturais e econômicas, não sendo recomendado a sua intervenção na sociedade, senão quando ‘verdadeiramente o exijam motivos evidentes do bem comum’” 58 . Parlatório

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3.4. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE Segundo o princípio da subsidiariedade, presente já na Rerum Novarum de Leão XIII e realçado na Quadragesimo Anno de Pio XI (1931, n.º 05), o Estado deve presar pela liberdade e proteger o vigor das estruturas sociais intermediárias, como a família, as associações civis, as entidades culturais e econômicas, não sendo recomendado a sua intervenção na sociedade, senão quando “verdadeiramente o exijam motivos evidentes do bem comum” (JOÃO XXIII, 1961, n.º 116). Deve-se salvaguardar a sociedade civil, compreendida enquanto conjunto de relações entre os sujeitos e entidades intermediárias, que ocorre em virtude da “subjetividade criativa do cidadão” (JOÃO PAULO II, 1988, n.º15). Assim, princípio da subsidiariedade pode ser encarado tanto num sentido positivo quanto num negativo. Em sua perspectiva positiva, assevera que o Estado deve auxiliar as entidades intermediárias da sociedade civil com apoio econômico, institucional e legislativo; em sua

perspectiva negativa, impõe ao Estado a abstenção de tudo o que, de fato, limite o espaço das células sociais menores e fundamentais. Segundo o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, são relativos à atuação do princípio da subsidiariedade: a salvaguarda e a promoção efetiva do primado da pessoa e da família; a valorização das associações e das organizações intermediárias; a articulação pluralista da sociedade e a representação das suas forças vitais; a proteção dos direitos humanos e das minorias; a descentralização da burocracia e da administração; o equilíbrio entre o âmbito público e o privado, com o consequente reconhecimento da função social do privado. (2004, n.º 187). Saliente-se, por fim, que a correta compreensão do bem comum, a proteção da dignidade da pessoa humana, assim como suas implicações sociais, deveram ser considerados como critério de discernimento no que concerne à aplicação desse princípio.


3.5. DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA DEMOCRACIA A participação na vida pública é, ao mesmo tempo, uma das maiores aspirações cidadãs e um dos pilares de todos os sistemas democráticos. Sendo uma das mais importantes garantias da perenidade democrática, demanda que os diversos sujeitos da sociedade civil sejam informados, escutados e envolvidos neste processo (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”,

2004, n.º 190). Deve-se buscar a superação dos fatores culturais, jurídicos e sociais que dificultam, ou até impossibilitam, uma participação solidária dos cidadãos no destino da sociedade. Para tanto, faz-se mister a promoção educativa dos valores cívicos, com a finalidade de aproximar os sujeitos sociais do apreço e das regras da democracia.

Por isso, deve-se evitar práticas que tragam consigo, ainda que subsidiariamente, resquícios de autoritarismos políticos, não bastando que a participação popular seja garantida na Constituição e na lei, sendo necessário que ocorra de modo efetivo e que goze da possibilidade de influenciar materialmente nos rumos das políticas públicas.

4. DOUTRINA SOCIAL NA PRÁTICA: A ATUAÇÃO DA CNBB EM DEFESA DA DEMOCRACIA 4.1. AÇÕES DURANTE O REGIME MILITAR BRASILEIRO A Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB) foi criada em 1952 com o objetivo de coordenar e subsidiar as atividades de orientação religiosa, de condutas beneficentes e filantrópicas, e da atuação social da Igreja Católica em todo o território brasileiro. Durante o regime militar brasileiro, que durou de 1964 a 1985, foi principalmente por meio da CNBB que Igreja Católica realizou questionamentos e denúncias sobre as práticas repressoras do governo. Com a intensificação da repressão, Igreja mudou drasticamente sua postura tradicional de neutralidade para uma estratégia de militância em favor dos direitos humanos e da igualdade social. Como consequência, enfrentou dificuldades crescentes em sua relação com o Estado (CARLOS, 2008, p. 175). Especialmente a partir do ano de 1969, ganhavam destaque as denúncias feitas pela CNBB contra a tortura. O Documento Pastoral de

Brasília, mensagem emitida pela Assembleia Geral do órgão, ocorrida em Brasília em 1970, condenou veementemente a tortura e o terrorismo, este sendo apresentado, também, como uma forma de tortura contra o povo. Foram criticadas, especialmente, as torturas realizadas pelas “forças da ordem” em face de terroristas ou pretensos terroristas (SOUZA, 2009, p. 331). Na seara política, todas estas questões acabavam por gerar um certo atrito entre Igreja e o governo militar. Por meio dos boletins da CNBB, expedidos especialmente a partir de 1972, começou-se a veicular contestações acerca da diminuição dos poderes legislativos e da necessidade de se retornar às liberdades democráticas e constitucionais. Partindo-se de seus valores espirituais e morais, a Igreja ia reforçando o debate acerca de tais questões, tendo como critério norteador o conceito de dignidade da pessoa humana (Ibidem, p 344).

A atuação da CNBB na defesa da democracia durante o regime militar teve como base uma sólida cooperação com outras instituições civis, destacando-se aqui a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como fruto dessa parceria, surgiu, dentre outras, a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, tendo sido aprovado o projeto que a estabelecia em 22 de agosto de 1979. Outra intervenção importante da CNBB, em parceria com a OAB e outras instituições civis, foi a luta pelas eleições diretas. Como resultado da pressão realizada por essas entidades e pelo povo, a demanda conseguiu ser posta em pauta no Congresso. Mesmo não tendo sido auferido êxito imediato, já que Emenda Dante de Oliveira, que estabelecia eleições diretas para presidente da República no Brasil, foi rejeitada, o país veio a se redemocratizar logo depois, com a eleição indireta de Tancredo Neves, em 1985. Parlatório

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4.2. ALGUMAS AÇÕES CONTEMPORÂNEAS Atualmente, a CNBB continua a emitir posicionamentos e a praticar ações concretas referentes à democracia. Em 2015, por exemplo, afirmando ser dever da Igreja cooperar com a sociedade para construir o bem comum, a CNBB reuniu 1,5 milhões de assinaturas, requerendo a feitura de uma reforma política democrática no país. Defendeu-se, na oportunidade, a participação de todos os setores da sociedade (BRASIL 247, 2015). Avaliando a crise pela qual o Brasil passava em 2016, às vésperas do impeachment de Dilma Roussef, afirmou que era inadmissível a conduta dos partidos políticos de alimentar a crise econômica por meio do agravamento deliberado da crise política. Asseverou que o momento não era de acirrar os ânimos, mas sim de prosseguir ao exercício do diálogo. Aduziu ainda a necessidade de se respeitar as manifestações

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democráticas, que deveriam ser pacíficas e em prol do bem comum (CNBB, 2016). Mais recentemente, já em 2017, pronunciou-se sobre a Reforma da Previdência, proposta pelo agora Presidente da República Michel Temer. Na ocasião, na qual se posicionou contra a reforma, afirmou que os direitos sociais no Brasil haviam sido conquistados com intensa participação democrática e que qualquer ameaça a eles merecia imediato repúdio. Defendeu uma reforma que presasse pela inclusão, que buscasse uma auditoria da dívida pública, a taxação de rendimentos das instituições financeiras e a identificação e cobrança efetiva dos devedores da Previdência (CNBB, 2017a). Em maio deste ano, diante do grave momento político pelo qual o país passava mais uma vez, a CNBB emitiu nova nota, na qual analisava que o Estado democrático de direito,

reconquistado com forte participação popular após o regime de exceção, corria riscos na medida em que cresciam o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes constituídos, cujas práticas haviam se distanciado enormemente dos interesses da população. Seria necessária uma profunda reforma política no sistema brasileiro. O descrédito crescente na política poderia propiciar o surgimento de “salvadores da pátria” que, substituindo a confiança que deveria ser depositada nas instituições, traria consigo a grave ameaça do autoritarismo (CNBB, 2017b). À medida que as contingências sociais vão se modificando, a CNBB vai prestando a sua colaboração, não com o intuito de exaurir as discussões, mas de buscar o diálogo com as outras entidades da sociedade e do Estado, à procura de soluções que enfatizem o resguardo e a promoção da democracia.


CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo, uma homenagem ao jurista Otto Guerra, apresentou uma breve investigação acerca do modo como a Doutrina Social da Igreja Católica analisa alguns aspectos concernentes à democracia. Percebeu-se que o estudo desta doutrina faz-se pertinente, primeiro porque os conceitos por ela expostos são, de fato, favoráveis à implementação de um governo democrático, que vise o respeito pelos direitos fundamentais e que preze pela participação popular na definição das políticas públicas; segundo porque

esta doutrina, por meio, principalmente, da atuação do laicato e, aqui no Brasil, da CNBB, tende a fornecer um “impulso” a mais para a efetivação de tais valores. Constatou-se, ainda, que as importantes ações da CNBB durante o regime militar brasileiro e após a redemocratização, atuando em defesa dos valores democráticos, como o respeito aos direitos humanos, o combate à tortura e a luta pela anistia, pelas eleições diretas e por uma reforma política, contribuíram para o fortalecimento do pensamento democrático nacional.

...as importantes ações da CNBB durante o regime militar brasileiro e após a redemocratização contribuíram para o fortalecimento do pensamento democrático nacional.

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ASPECTS OF DEMOCRACY ACCORDING TO THE SOCIAL DOCTRINE OF THE CHURCH: A STUDY IN HOMAGE TO THE JURIST OTTO GUERRA ABSTRACT In honor of the jurist Otto Guerra, a scientific article deals with the use of bibliographical revision, as the Catholic Church, through its social doctrine, addresses some of the various aspects concerning democracy. In the meantime, it is also analyzed how the National Confederation of Bishops of Brazil (CNBB), through its activities as during the military regime as at the current time, contributed and continues to contribute to the strengthening of national democratic thought. Finally, using the method of deductive analysis, it is concluded that the Social Doctrine of the Church has a strong appreciation for the democratic system, defending its protection and strengthening, whether through pontifical and apostolic documents, or through concrete actions, as in Case of the CNBB. Keywords: Otto Guerra. Democracy. Social Doctrine of the Church. CNBB. Parlatório

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Mayara dos Santos da Silva Advogada inscrita na OAB/RN.

A Evolução da Moralidade Jurídica:

da Instituição como Princípio até a Efetivação com as Normas de Compliance RESUMO O presente artigo trata do surgimento da moralidade jurídica, da sua instituição como princípio administrativo na CRFB de 1988, e analisa de quais formas esse princípio se impõe no ordenamento jurídico. Demonstra a partir de então, quais maneiras de fiscalizar a moralidade jurídica propagaram-se no meio público por intermédio dos institutos jurídicos, dos mecanismos de cobrança e fiscalização e também no meio privado, a partir da gestão ética e das regras de compliance. Palavras-chave: Moralidade. Ética. Fiscalização. Compliance.

INTRODUÇÃO Este artigo tem como intuito tratar da problemática acerca da moralidade jurídica, desde as primeiras discussões brasileiras sobre o tema, passando por sua instituição como princípio administrativo na CRFB de 1988, na qual a moralidade passou a elencar o caput do art. 37 da Carta Magna. Analisando o que ocorreu com o princípio da moralidade nestes 27 anos de Constituição Cidadã, poderemos demonstrar onde ele foi disseminado e de quais formas se efetiva, seja no âmbito público ou privado. No primeiro capítulo, de forma sucinta, demonstraremos o que se entende por moralidade, discorren-

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do acerca da dimensão desse termo no Brasil antes de 1988, passando, só então, a analisar o marco que se instituiu ao colocar-se a moralidade como princípio administrativo de obediência pelos três poderes. A partir dessa explanação, no segundo capítulo, iremos elencar a legislação na qual se pode verificar a disseminação do princípio da moralidade de forma intrínseca ou extrínseca, textos estes, em sua maioria, elaborados após o advento da CRFB de 1988. No terceiro capítulo, iremos demonstrar de que forma a moralidade jurídica está presente através da gestão ética, seja no setor público ou privado, e quais são as características


que este tipo de gestão deve ter para se propagar. No quarto capítulo, iremos conceituar a governança corporativa, que consiste em uma forma de efetivação da moralidade jurídica no âmbito privado. Um de seus objetivos é demonstrar que através de boas práticas de governança as empresas podem se desenvolver de forma ética. Já no quinto capítulo iremos tratar das normas de compliance, termo novo no Brasil, mais conhecido no âmbito privado, que consiste em todo o conjunto de normatização necessária para o desenvolvimento da empresa de forma ética. Por fim, na conclusão, poderemos retomar alguns pontos elencados durante o artigo e constatar as mudanças identificadas, de como a moralidade jurídica modificou as necessidades no âmbito público e privado. Considerando que, nessa seara, existem poucas obras acadêmicas, busca-se, a partir desse trabalho, problematizar: quais mudanças ocorreram a partir da criação dos institutos que retratam a moralidade? Os objetivos do presente trabalho consistem em identificar o surgi-

mento do princípio da moralidade; observar quais mecanismos de efetivação foram estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro com base no princípio da moralidade; e verificar se houve um aumento desses mecanismos. Como justificativa de ser, o trabalho tem o intuito de demonstrar o surgimento da moralidade e observar quais mecanismos proporcionam, ou não, a efetivação desse princípio, seja no âmbito público ou no âmbito privado. Sua relevância organizacional (teórica ou finalidade) consiste exatamente em avaliar de que forma essa efetivação ocorre, se é ou não satisfatória no contexto brasileiro atual, ou seja, busca-se saber se há efetividade da norma no plano fático. Nesta pesquisa, a metodologia implantada consiste, de forma geral, em uma análise qualitativa. Os dados serão coletados de forma predominantemente bibliográfica, analisando- se a perspectiva histórica e o aperfeiçoamento dos institutos a partir da ordem cronológica dos acontecimentos.

O trabalho tem o intuito de demonstrar o surgimento da moralidade e observar quais mecanismos proporcionam, ou não, a efetivação desse princípio, seja no âmbito público ou no âmbito privado.

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2. O PRINCÍPIO DA MORALIDADE A palavra “moral” decorre do latim moralis e há séculos referia-se apenas aos costumes. As primeiras discussões que remontam à palavra moralidade são trazidas da Grécia, mais precisamente com Aristóteles, porém, esta não era uma moralidade tal como a que entendemos hoje, pois estava mais atrelada às relações entre as pessoas no cotidiano da polis e ao comportamento psíquico humano. Séculos depois, Henri Welter e Lacharrière desenvolveram, cada um em seu tempo, o início do conceito de moralidade jurídica que existe hoje. Eles acreditavam que a moralidade jurídica era fundamental para a boa administração, já que poderia disciplinar o poder discricionário do gestor, porém suas ideias só ganharam um desenvolvimento maior na contemporaneidade. A moralidade administrativa contemporânea difere da moralidade comum, pois aquela está relacionada à ideia de boa administração, da éti-

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ca, da probidade, enquanto que esta difere o bem do mal, o aceito do inaceitável, e varia de acordo com cada sociedade, cada tempo histórico e com cada cultura de forma que, o que para alguns é totalmente aceitável, para outros é repudiado. No Brasil, a moralidade desenvolve-se de forma positivada e inicialmente voltada para o viés jurídico e público apenas no século XX, sendo evidenciada pelo Decreto-Lei n° 3.240, editado em 1941, que já trazia previsão de normas para pessoas que cometessem crimes aos quais convergissem em prejuízos à Fazenda Pública (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 181). A partir desse recorte histórico da década de 40, a observância para com a moralidade jurídica foi se ampliando e se aperfeiçoando. É importante destacar que este termo “moralidade jurídica” é relativo, e varia conforme a sociedade e o momento no qual se analisa. Assim, essa ampliação e aperfei-


çoamento do tema sofreram uma estagnação no período ditatorial brasileiro. No entanto, quando a sociedade brasileira se reorganizou politicamente e construiu a Carta Magna de 1988, o tema moralidade jurídica tornou-se princípio do direito administrativo, elencado no caput do art. 37, concretizando uma tendência jurídica, que se traduz na busca por uma gestão ética, proba, transparente, eficaz, de exercício pleno e livre de corrupção. Desta forma, de acordo com o administrativista Garcia (2002), entende-se que os atos administrativos devem atender a Lei e também à moralidade administrativa, de forma a conjugar uma harmonia entre a situação prática, o interesse do cidadão e o ato praticado pelo gestor. Nesse passo, analisa-se todo um contexto para aferir se o equilíbrio desses fatores gera a moralidade jurídica almejada. A moralidade pode ser encontrada na Constituição Federal de forma explícita em dois dispositivos: no art. 5°, LXXIII, que trata da legitimidade para propor ação popular, cujo escopo é repelir ato lesivo à moralidade administrativa; e no art. 37, caput, que elenca expressamente a moralidade como um princípio da Administração Pública, sendo possível, a partir da exploração dessa última vertente, observar a disseminação de leis que tratam de moralidade. Atualmente, os princípios vêm ganhando um espaço maior no cenário jurídico brasileiro. Pode-se perceber que eles não servem apenas para fundamentar decisões genéricas. Hoje já existem diversas sanções, sejam elas penais, adminis-

trativas ou cíveis, que decorrem dos princípios implícitos e explícitos na Constituição. Uma outra acepção, no que tange aos princípios, é a da aplicação da ponderação. Esse instituto é demasiadamente utilizado pelos nossos juízes, gestores, administradores e por todos que detêm o poder de decisão. A ponderação consiste em escolher, em cada caso concreto, a decisão que se adéque melhor, seja ela para atender a anseios da sociedade ou para resolver uma lide em particular. Contudo, o grande pesar dessa acepção, é que a ponderação não é feita, muitas vezes, de forma isonômica, no intento de garantir a transparência da ação, pois se de um lado existem anseios, e o juiz ou administrador opta por ponderar, ele não pode fazê-lo sem critérios. É preciso, acima de tudo, demonstrar os critérios que utiliza para resolver os conflitos de forma que haja uma aplicação transparente, justa e precisa, dando assim publicidade, eficiência e eficácia à decisão. Como já mencionado, o princípio da moralidade foi positivado na Constituição Brasileira, porém isso ainda não era o suficiente para sua efetiva aplicação. Era necessário disseminar a moralidade em todo o âmbito jurídico, permeando nosso sistema através de leis, decretos, portarias, códigos, práticas, normas e regras. Somente com a capilarização do princípio da moralidade no ordenamento jurídico estaríamos todos em busca do mesmo propósito, uma gestão pública e privada alinhada e com o mesmo intuito: dirimir a corrupção do nosso país.

É preciso, acima de tudo, demonstrar os critérios que utiliza para resolver os conflitos de forma que haja uma aplicação transparente, justa e precisa, dando assim publicidade, eficiência e eficácia à decisão. Parlatório

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3. DISSEMINAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. 68 . Parlatório

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Após o marco que ocorreu com a implementação do princípio da moralidade na Constituição Federal de 1988, era preciso disseminar esse princípio de forma que ele se solidificasse no ordenamento jurídico e adquirisse eficiência e eficácia. Ao longo desses 27 anos de Constituição Cidadã, percebe-se que o termo moralidade está a cada dia mais presente no ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível confirmar esse raciocínio a partir da jurisprudência dos tribunais superiores, das sanções aplicadas em decorrência da falta de moralidade no âmbito jurídico, e também a partir do momento político que o Brasil vivencia, no qual os cidadãos estão construindo uma participação política mais forte, aspecto que pode ser observado a partir das manifestações recorrentes no país, principalmente no que tange ao combate à corrupção. Tendo em vista tal viés, percebe-se que atualmente as pessoas estão extremamente conectadas ao que ocorre no país, se tomarmos como parâmetro algumas décadas atrás. Entretanto, na maioria das vezes, não se busca os meios jurídicos para se propagar o descontentamento, e sim, a internet e as mídias sociais. Como se pode perceber, são essas as ferramentas da era digital, que proporcionam a propagação de opiniões diversas, de manifestações e, também, a disseminação da opinião popular de forma nunca vista em outras épocas. O cidadão comum possui ao seu alcance diversas ferramentas jurídicas de resguardar diversos direi-

tos, que, por vezes, até desconhece. Muitas dessas ferramentas foram legitimadas pela própria Constituição Federal para buscar coibir a corrupção e efetivar a moralidade jurídica. Infelizmente, esses mecanismos não são de conhecimento de todos, e ainda são pouco aplicados. A título de exemplo, podemos citar a ação popular como um expressivo instrumento de combate ao descumprimento da moralidade. Assim, é possível identificar a existência de diversas ferramentas para o cidadão buscar a efetivação da moralidade administrativa, existindo, além dessas formas coercitivas, que deverão ser utilizadas quando essa moralidade jurídica não for observada. Quando isso ocorre, tornam-se cabíveis os meios coercitivos que o direito elencou para atuar no caso concreto, ou seja, formas impositivas, por diversas vezes, encontradas na seara penal, para sancionar aqueles que não atentarem para a moralidade administrativa. Dentre as formas indicativas e coercitivas, podemos destacar: a Lei de Improbidade Administrativa, a Súmula Vinculante n° 13, a Lei de Licitações, a Lei do Abuso de Poder, a Lei Anticorrupção, a corrupção ativa e passiva tipificada no Código Penal e o Código de Ética do servidor público federal. Os atos de improbidade estão elencados na Lei n° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa ou simplesmente – LIA). Conforme o entendimento de Alexandre de Mo-


raes (2007, p. 11), “a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos por improbidade administrativa depende de prévia previsão legal das condutas ilícitas”. A LIA possui três artigos principais, que estão divididos de acordo com suas consequências. O art. 9° trata das vantagens que geram enriquecimento ilícito; o art. 10 trata dos atos que restam prejuízo ao erário; e o art. 11, dos atos que atentam contra a administração pública. Assim, de uma forma abrangente, a Lei de Improbidade Administrativa visa combater atos que afrontem à moralidade, principalmente no âmbito público. Já a Súmula Vinculante n° 13 do STF, conhecida como Súmula do nepotismo, visa erradicar essa prática tão comum no funcionalismo público, como elucida o próprio portal do STF1: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Em razão da mencionada súmula, a disposição dos cargos públicos en-

tre algumas famílias tornou-se mais dificultosa, visto que a sociedade já não aceita mais essa prática abusiva e desleal dos detentores do poder. No que tange à Lei de Licitações, podemos observar o art. 3°, que aduz: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Diante do exposto, só é possível haver uma licitação, se esta observar os princípios administrativos elencados no art. 37 da Constituição Federal de 1988, em conjunto com os princípios específicos da licitação. A Lei n° 4898/65 (Lei do Abuso de Poder) retrata, desde a década de 1960, a propagação da responsabilidade administrativa, civil e penal para aqueles que abusarem de sua autoridade, seja para com outro servidor público ou para com os cidadãos em geral. Uma das temáticas mais recentes sobre o assunto é a Lei n° 12846/13, mais conhecida como Lei Anticorrupção ou LAC, que modificou as estruturas de atuação, tanto dos entes públicos quanto privados, principalmente no que tange ao combate a corrupção.

1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante no 13. Diário Oficial da União. Brasília, 29 ago. 2008. p. 1 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menusumario.asp?sumula=1227>. Acesso em: 15 nov. 2015.

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A LAC foi um importante instrumento demarcatório, haja vista que, a partir dela, as empresas privadas poderão ser responsabilizadas de forma objetiva se praticarem atos lesivos contra a administração pública nacional e estrangeira. Além disso, é possível observar que as empresas estão buscando se adequar, criando códigos de conduta, aperfeiçoando as práticas de governança corporativa, montando equipes direcionadas ao desenvolvimento das normas de compliance, e, consequentemente, estão visando proteger seu capital de práticas ilíci-

tas para evitar futuras sanções. O termo moralidade sofreu uma grande disseminação desde a Constituição Federal de 1988, efetivou-se e tomou forma em vários aspectos da sociedade brasileira. Dentre eles, podemos destacar que, no setor público, através das legislações criadas desde a promulgação da Constituição até os dias atuais, surgiu um sentimento de busca pela gestão ética, proba, eficiente e eficaz, visando abolir a morosidade do setor público brasileiro através de condutas revestidas de ética e que enxergam o cidadão como um cliente final.

4. GESTÃO ÉTICA

A ética possui um conceito abrangente que tem o poder de permear todos os aspectos da vida humana, perpassando pelas relações interpessoais, pelo serviço público e pelas organizações privadas. 70 . Parlatório

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A ética possui um conceito abrangente que tem o poder de permear todos os aspectos da vida humana, perpassando pelas relações interpessoais, pelo serviço público e pelas organizações privadas. De acordo com as ideias propostas por Nash (1993), a ética nos negócios estuda, de modo mais específico, o contexto próprio do mercado corporativo e suas implicações morais. Quando analisamos a ética como conceito, podemos concluir que não é possível classificar uma organização como completamente ética ou antiética, pois esses são conceitos que são construídos todos os dias e podem mudar com apenas uma ação ou omissão. A partir da explanação do autor Robert Srour (2005), verifica-se que a moralidade administrativa - composto fundamental da gestão ética consiste em um conglomerado composto por códigos de padronização,

sistemas de normas simbólicas e ferramentas de reprodução social unidas a discursos abrangentes que são disseminados pela gestão para a formação da conduta da coletividade. A gestão ética possui alguns objetivos a serem atingidos, dentre os quais podemos destacar: a maior consciência das questões éticas no ambiente de trabalho, a coerência na aplicação das possíveis soluções, e principalmente, a prevenção de desastres éticos, que podem comprometer definitivamente a imagem de uma organização. Para se concretizarem, esses objetivos básicos necessitam de aderência do alto escalão da empresa, além de treinamentos abrangentes, que possam contribuir para a rotina de todos os envolvidos. A gestão ética traduz-se em um alvo almejado, entretanto, diversas vezes não é isso que ocorre e então se faz necessário recorrer aos órgãos e entidades competentes, que pos-


suem função investigativa e podem auxiliar na busca por ações ou omissões antiéticas. Alguns exemplos disso são as Comissões de ética, a Corregedoria-Geral da União, as Corregedorias específicas, as comissões de sindicância ou de inquérito administrativo, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, as Comissões Parlamentares de Inquérito, dentre outros. O Poder Legislativo e o Judiciário também são alvos de atuação da gestão ética. O disposto no art. 116 da Lei n° 8112/90, especificamente nos doze incisos ali contidos, elenca extensivamente os deveres do servidor, valorando implicitamente atitudes éticas. Apesar do exposto, não podemos elencar a gestão ética como um objetivo exclusivo do setor público. Atualmente, ela também consiste em um desafio aos gestores privados. Para eles, o desafio gira em torno de conciliar os interesses dos acionistas, a realidade do mercado, o ambiente dos negócios e a conduta

humana, fazendo com que todos esses fatores se alinhem de forma congruente, com um denominador em comum, a ética. Segundo Alvarez et al (2008, p. 38): O respeito ao processo ético resultará em maior respeito pela organização interna e externamente, aumentando sua credibilidade e integridade. Ética e integridade são essenciais no mercado global, por que empresas percebidas como éticas podem recrutar e reter os melhores empregados e estabelecer relações de longo prazo com vendedores, compradores, investidores etc. Além do mais, empresas éticas podem suscitar respeito, reduzindo a pressão de ativistas e da mídia, protegendo sua reputação. Com efeito, as exigências éticas consistem em uma demanda crescente do mercado privado, o que tem levado milhares de empresas a desenvolverem códigos de ética, práti-

cas de governança corporativa e programas de compliance, objetivando a transparência e a responsabilidade social. Dessa forma, gestão ética, governança corporativa e compliance devem estar sempre juntas em uma empresa. Faz-se necessário unir estes conceitos de forma que contenham os princípios e valores que guiam a organização. Por outro lado, podemos observar que o grande desafio imposto ao gestor contemporâneo traduz-se em como lidar com os diversos indivíduos em suas singularidades, já que o comportamento ético deve traduzir-se em cada um apesar de suas particularidades. Diante do exposto, é possível identificar a forma como o princípio da moralidade se disseminou no ordenamento jurídico, construindo bases para uma gestão ética, principalmente na área pública, criando, também, alicerces na área privada que se disseminaram com a gestão ética, as práticas de governança corporativa e as normas de compliance. Parlatório

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5. GOVERNANÇA CORPORATIVA De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, a Governança Corporativa consiste em um sistema que busca integrar, através de um relacionamento ético, os proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. Para Valmor Slomski et al (2008, p. 3), governança corporativa “é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, em que, através de mecanismos específicos, gestores e proprietários procuram assegurar o bom desempenho da empresa para aumento de sua riqueza”. Segundo o entendimento de Elísio Serafim et al (2010), a movimentação em prol da governança corporativa foi uma resposta aos abusos de dirigentes de grandes empresas, desencadeados no contexto dos escândalos da década de 1980 nos Estados Unidos, quando foram descobertos esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de recursos em grandes empresas norte-americanas. Esses conflitos fizeram com que as empresas e as partes interessadas no negócio procurassem desenvolver mecanismos de maior acompanhamento e controle, principalmente por parte dos reais administradores do negócio. Tal necessidade é recorrente em diversos tipos de empresas, pois os interesses dos acionistas nem sempre estão alinhados às possibilidades dos administradores de fato. É preciso uma convergência entre interesses e possibilidades para desenvolver um

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trabalho único, revestido de ética. De acordo com Rodrigues e Mendes (2004, p. 114): A governança corporativa deve atender basicamente ao interesse dos acionistas, em compatibilização com os interesses dos empregados, clientes, fornecedores, credores e da comunidade em que opera a empresa. Sua operação envolve os grupos de poder vinculados à condução dos negócios, supervisiona e monitora o desempenho dos executivos, garantindo a capacidade desses profissionais prestar contas de seus atos aos acionistas e a outros agentes interessados na empresa. O termo Governança Corporativa é recente no Brasil e ganhou força com a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, que, em síntese, é um instituto criado para disseminar boas práticas de governança entre as empresas, adaptando-as às mudanças que ocorrem no mercado de trabalho. É possível aplicar as boas práticas de governança em empresas de qualquer porte, entretanto, a realidade brasileira demonstra que na maioria das vezes, apenas as empresas de grande porte possuem uma equipe que trata, exclusivamente, de governança corporativa, de forma que esta esteja sempre alinhada aos objetivos da organização. Na tentativa de disseminar as boas práticas de governança corporativa entre o maior número de inte-

ressados, o IBGC criou o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, que vem se atualizando constantemente na busca pela excelência. De acordo com o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, os princípios básicos que regem, responsáveis pela longevidade das empresas, são transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa. Podemos conceituar os princípios acima mencionados da seguinte maneira: transparência consiste em repassar às partes interessadas (os sócios) toda informação que for requisitada por estes e, além disso, todas as informações que sejam necessárias, não apenas as requisitadas; equidade traduz a ideia de igualdade entre as partes interessadas, o que se converge diversas vezes pelas políticas anti-discriminatórias elencadas também nos códigos de conduta das empresas; já quando tratamos de accountability, podemos elencar os meios de prestação de contas, não apenas no âmbito financeiro, mas prestação de contas da atuação em si; a responsabilidade corporativa é verificada pelo comportamento de zelo para com a organização, a partir do sentimento e da atitude de buscar a longevidade da empresa. Assim, entende-se que a governança corporativa consiste em mais um meio de buscar aplicar no âmbito privado a gestão ética, baseada na moralidade, que, unida às normas de compliance, tornam a empresa preparada para atuar de forma ética em todas as situações.


6. NORMAS DE COMPLIANCE Segundo o Michael Pereira Lira (2013), o termo compliance tem origem do inglês “to comply” que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou pedido, em resumo significa “estar em conformidade”. A corrupção é um problema global que atinge desde os países subdesenvolvidos até as grandes potências, passando, portanto, a ser uma preocupação maior na esfera internacional. Em vista disso, os Estados Unidos editaram uma Lei conhecida como FCPA (Foreign Corrupt Practices Act of 1977), que gerou repercussão em todo o mundo. A Inglaterra, por sua vez, também editou uma Lei sobre o assunto, que ficou conhecida como UK Bribery Act of 2010. No Brasil, apesar de o princípio da moralidade ter sido instituído na Constituição Federal de 1988, apenas em 2013 o país editou uma Lei especificamente para tratar da corrupção. A Lei no 12.846/13, mais conhecida como Lei anticorrupção ou LAC, pressionou órgãos públicos e principalmente organizações privadas na busca da gestão proba. Devemos lembrar que a corrupção, seja no âmbito público ou no privado, tem um custo alto para o país. Ela subtrai recursos que deveriam alcançar projetos sociais, construção de escolas, hospitais, políticas habitacionais, dentre tantas outras necessidades da população. A Lei anticorrupção traz para o âmbito jurídico aspectos e reflexos inéditos no âmbito empresarial. Uma das principais inovações é a responsabilidade objetiva, civil e adminis-

trativa da pessoa jurídica, conforme demonstrado no art. 2° da Lei no 12.846/13: “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativos e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”. A inovação trazida pela Lei anticorrupção é que, antes se penalizava apenas a pessoa física, ou seja, o sócio ou administrador, e a partir da responsabilidade atribuída à pessoa jurídica, o cenário muda e as empresas reorganizam-se para prevenir a corrupção através das normas de compliance. Atualmente, as empresas privadas

investem em gestão dos riscos, o que diminui a probabilidade de fraudes internas e gera um ambiente ético e seguro para as organizações. De acordo com Renato Almeida dos Santos (2011), “compliance é compreender a natureza e a dinâmica da fraude e da corrupção nas organizações”. Assim, podemos inferir que independentemente do ramo de atuação, é do interesse de toda organização legal cumprir as exigências a fim de preservar sua relação com investidores, com outras organizações, com o governo, e com os stakeholders, preservando, assim, sua imagem perante a sociedade e, principalmente, seu capital.

“compliance é compreender a natureza e a dinâmica da fraude e da corrupção nas organizações” RENATO ALMEIDA DOS SANTOS Parlatório

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Além disso, a implantação de programas de compliance que, por um lado geram um gasto, por outro tornam-se um diferencial, pois, quando a empresa investe em ética em suas interações, ela reafirma seus valores e pode se tornar mais atrativa para o mercado. De acordo com Driscoll et al (1998, p. 37):

Programas de ética e compliance estão estritamente interligados, pois baseiamse em valores e responsabilidades morais, procurando incentivar o cumprimento e a conformidade das leis e das políticas internas, o que por sua vez tende a culminar no fortalecimento da cultura ética da organização. 74 . Parlatório

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Programas de ética e compliance estão estritamente interligados, pois baseiam-se em valores e responsabilidades morais, procurando incentivar o cumprimento e a conformidade das leis e das políticas internas, o que por sua vez tende a culminar no fortalecimento da cultura ética da organização. Nos moldes atuais, os programas de ética e compliance devem conter os valores da organização, o seu código de conduta, treinamentos, canais de denúncias e esclarecimentos para os colaboradores, comitês de ética, auditorias internas e externas de ética e compliance, políticas internas e externas que visem dirimir os danos. Dessa forma, as normas de compliance visam como um todo analisar aspectos da vida empresarial e dos meios que a circundam. Alguns exemplos desses aspectos são a corrupção, a proteção dos ativos da empresa, a regulação setorial, a qualidade dos produtos, o relacionamento com os terceiros (partes interessadas), a proteção de informações confidenciais, os conflitos de interesse, a divulgação de informações privilegiadas, os aspectos ambientais, os crimes de lavagem de dinheiro e colarinho branco, a doação em cam-

panhas políticas, a sonegação fiscal, as fraudes, dentre outras práticas. De acordo com a Fundação Nacional da Qualidade, citada na obra de Alexandre Carrasco et al (2011): Os programas de compliance têm como foco a adoção dos mais elevados padrões de ética e conduta na organização, por meio da educação dos funcionários em todos os níveis. Sabe-se, porém, que os riscos de desvios com práticas de fraudes e outros tipos de conduta irregular não são causados apenas pelo comportamento inadequado dos empregados. Os terceiros que atuam em nome da empresa ou mesmo sócios de alguma espécie também têm grande potencial de provocar danos irreparáveis à sua imagem e reputação. Por isso um dos assuntos que vêm sendo debatidos atualmente é a importância e a conveniência de as organizações que já implantaram seus programas de compliance e de ética (...) exigirem que seus fornecedores, agentes e terceiros contratados se submetam também a essas regras. Dessa forma, observamos que, no decorres do tempo, houve uma evolução e crescimento do princípio da moralidade, que se iniciou com a sua positivação na Constituição Federal de 1988, seguida de sua disseminação no ordenamento jurídico e consequente busca pela gestão ética nas searas pública e privada, apresentando significativos avanços, seja com o desenvolvimento de legislação pertinente à temática ou com a criação de práticas de governança, ética e compliance.


CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de todo o exposto ao longo do artigo, podemos concluir que a moralidade consistia em um tema pouco discutido no Brasil, mas que, a partir da década de 40, ainda de forma discreta, foi se expandindo. É importante ressaltar que, durante a época ditatorial, pouco se falou em moralidade, haja vista o período conturbado o qual o Brasil atravessou. Entretanto, foi a partir desse período conturbado que criamos as bases e a necessidade do clamor por moralidade. As pessoas estavam mais conscientes e dispostas a lutar por uma sociedade mais balizada através da moralidade. Com o advento da Constituição Federal, o termo moralidade foi elencado no art. 37 como princípio básico do direito administrativo, com reflexos em diversos outros artigos da Constituição e posteriormente elencado em normas especificas. A partir do momento em que os nossos constituintes originários elencaram o termo moralidade como um princípio do Direito Administrativo, isso se tornou um marco. Uma nova forma de tratar termos como moralidade e ética se implantou a partir da necessidade de balizar os atos da gestão. Com o passar dos anos, o termo moralidade foi se consolidando em diversas áreas da sociedade, principalmente no âmbito administrativo e jurídico, e então podemos começar a falar no termo moralidade jurídica, que consistiu nas bases morais aplicadas ao mundo jurídico, o que gera, eminentemente, reflexos em diversas áreas da nossa sociedade.

A moralidade jurídica se disseminou através de normas que, como regra mandamental, fizeram com que a moralidade seja observada e respeitada. Como exemplo desse tipo de legislação observamos a Lei de improbidade administrativa, a Lei de licitações, a Súmula Vinculante n°13, a Lei anticorrupção, a corrupção ativa e passiva e o Código de Ética do Servidor Público Federal. Dessa forma, observamos qual foi a importância de todo esse rol de legislação imposto ao longo desses 27 anos de Constituição Cidadã. A partir dela o Brasil pôde dar os primeiros passos na busca pela gestão ética, estabelecendo normas que sancionam aqueles que não atentarem para com a moralidade jurídica. Importante ressaltar que esse desenvolvimento não refletiu apenas no âmbito público, mas também no âmbito privado. A partir do momento que em se tornou obrigatória a observação à moralidade em diversas legislações, em especial na Lei anticorrupção, as empresas privadas convergiram seus esforços para se adequar ao novo cenário, desenvol-

vendo códigos de conduta, aplicando boas práticas de governança corporativa e desenvolvendo normas de compliance. No âmbito privado a grande mudança foi a atribuição da responsabilidade objetiva à empresa e não apenas aos seus sócios ou administradores. A partir de então, empresas que têm buscado desenvolver programas pautados na ética, nas boas práticas de governança e em compliance são mais bem vistas por investidores, por outras empresas e por seus próprios funcionários. Investir em desenvolvimento ético apenas confirma a importância que toda essa legislação causou no mundo jurídico e empresarial. Hoje tão importante quanto estar atento ao mercado privado, é também estar atento às formas de minimizar os desastres éticos e a corrupção empresarial. Assim, conclui-se que, nessa cadeia cronológica, a importância da instituição da moralidade como princípio refletiu em todo o ordenamento, causando uma busca por um desenvolvimento mais ético, sustentável e livre da corrupção. Parlatório

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THE EVOLUTION OF LEGAL MORALITY: THE INSTITUTION AS A PRINCIPLE TO THE EFFECTIVE COMPLIANCE WITH STANDARDS ABSTRACT This article deals with the emergence of legal morality of their institution as a management principle in 1988 CRFB, and analyzes of what forms this principle is imposed by the legal system. It shows from then, what ways to review the legal morality is propagated through the public through the legal institutes, collection and control mechanisms as well as in the private environment, from the ethical management and compliance rules. Keywords: Morality. Ethics. Supervision. Compliance. Parlatório

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Artigo

Jodilson Iron Gomes de Medeiros Advogado inscrito na OAB/RN.

Quem Tem Medo do STF? Estudo Acerca da Racionalização dos Poderes do Pretório Excelso RESUMO Atualmente muito tem se discutido sobre as razões do patente aumento do número de causas que são judicializadas. A quantidade de processos representa as inúmeras relações sociais que requerem uma resposta do Judiciário e, graças ao modelo institucional estabelecido nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muitas questões poderão ser postas em juízo. Diante disto, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal assume papel de preponderância na guarda e interpretação da Constituição, sobretudo se considerarmos que ele, enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário, será convidado a dar o parecer final sobre estas questões, tendo as suas decisões meritórias nas ações de controle concentrado efeitos vinculantes e eficácia erga omnes. Neste sentido, partindo-se de uma pesquisa bibliográfica o presente artigo propõe-se a responder: De que modo a Corte Suprema poderá agir sem contrariar os comandos constitucionais? O presente ensaio discorrerá a respeito dos fenômenos da judicialização e do ativismo judicial, ressaltando a modalidade negativa deste ao analisar os votos dos ministros ao indeferirem os pedidos cautelares das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44. Visa-se incitar o debate acerca dos deveres e competências que o Pretório Excelso possui enquanto intérprete do Texto Magno, sugerindo ainda algumas técnicas a serem executadas para que haja a racionalização da sua atuação. Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Judicialização das questões políticas e relações sociais. Ativismo judicial. Supremo Tribunal Federal.

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INTRODUÇÃO Atualmente muito tem se discutido sobre as razões que dão ensejo ao vertiginoso aumento do número de causas judiciais no Brasil, entretanto, é fácil constatarmos que tal fenômeno é decorrência direta das determinações trazidas no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A Constituição Cidadã, atenta aos anseios sociais, prevê um extenso rol de diretos, tratando-os de maneira pormenorizada e estabelecendo diversos mecanismos para que estes sejam devidamente garantidos. O Poder Judiciário assume papel de protagonista na defesa e efetivação de direitos que são estabelecidos constitucionalmente, mormente diante da omissão e inércia praticadas pelos poderes Executivo e Legislativo de todas as esferas. Diante disto, caberá ao Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão protetor do texto constitucional, estabelecer o sentido e alcance das normas constitucionais, sempre velando pela sua aplicação nas relações sociais que são trazidas à sua análise. Neste passo, assim como Carl Schmitt1, os indivíduos mais atentos

questionam-se e preocupam-se com os limites dos poderes do Pretório Excelso, pois, por tratar-se de órgão de cúpula do Poder Judiciário e cujas decisões nas ações do controle concentrado possuem efeitos vinculantes e eficácia erga omnes, não possui qualquer mecanismo de controle sobre seus posicionamentos. O presente artigo discorrerá a respeito dos fenômenos da judicialização e do ativismo judicial, estes decorrentes dos anseios e necessidades sociais em todo o mundo. Além disso, tratará a respeito das competências e deveres do STF enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário e guardião do Texto Magno, analisando de que maneira a Corte Suprema olvida-se de sua responsabilidade enquanto defensora da Carta Política ao indeferir os pedidos liminares nas ADCS 43 e 44 e, agindo como legisladora positiva e desempenhando o ativismo judicial de maneira prejudicial, dá novo sentido a garantia constitucional da presunção de não culpabilidade. Ao final, visa-se incitar o debate e propor algumas técnicas para que o Supremo Tribunal Federal possa racionalizar a sua atuação.

O Poder Judiciário assume papel de protagonista na defesa e efetivação de direitos que são estabelecidos constitucionalmente, mormente diante da omissão e inércia praticadas pelos poderes Executivo e Legislativo de todas as esferas.

1. Em sua obra “Der Hüter der Verfassung. Tübingen: Mohr, 1931. P. 7, Carl Schmitt, ressalta a seguinte preocupação: “o guardião da Constituição torna-se facilmente seu Senhor”.

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2. JUDICIALIZAÇÃO DAS QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS Segundo dados extraídos da Revista “Justiça em números”2, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano de 2016, hodiernamente o Brasil conta com cerca de 102 milhões de processos, os quais, sem sombras de dúvidas, evidenciam a crescente judicialização das inúmeras relações que se estabelecem no seio da sociedade. Do mesmo modo, estes números também representam a intensa necessidade que os indivíduos possuem de ter os seus direitos que são estabelecidos constitucionalmente devidamente efetivados através de uma decisão judicial – sejam os direitos que se referem à liberdade, personalidade e propriedade, até aqueles que dizem respeito ao direito de ter um meio ambiente saudável, aos direitos trabalhistas, previdenciários, dentre outros. O processo de judicialização foi conceituado pelo cientista político estadunidense Chester Neal Tate (TATE; VALINDER, 1995) o qual entende que o fenômeno sig-

2. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília: CNJ, 2016. Anual. 404 f:il. I Poder Judiciário - estatística - Brasil. II Administração pública - estatística - Brasil. p. 42.

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nificaria o deslocamento da esfera de decisão de alguns aspectos que inicialmente caberiam aos poderes Legislativo e Executivo para o setor de atuação do Judiciário. O fenômeno da judicialização das questões políticas e relações sociais é uma tendência mundial, possuindo como marco propulsor as previsões trazidas nas Constituições de Portugal de 1976 e da Espanha de 1978, tendo tal tendência sido potencializada no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BARROSO, 2012, p. 2). Estas Constituições, distintamente das constituições liberais, são desconfiadas do legislador. Por consequência, preferem indicar qual caminho deverá ser tomado para que haja a implementação dos direitos fundamentais, relegando aos Poderes Legislativo e Executivo somente a função de execução da vontade do constituinte originário. Neste sentido, é entregue ao Poder Judiciário a função princi-

pal de guarda da Carta Maior, possuindo o Supremo Tribunal Federal papel de preponderância neste desiderato. Como destacado por Luís Roberto Barroso, no Brasil grande parte da judicialização é reflexo do sistema institucional previsto em nossa Carta Política, que é manifestamente ambiciosa e analítica, prevendo pormenorizadamente diversos assuntos, os quais, graças ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto nos termos do art. 5º, inciso XXXV do Texto Magno, poderão ter suas questões correlatas postas em juízo. Some-se a isto a ocorrência de inúmeras exigências da sociedade e do descaso do Estado, este manifesto na inércia e na omissão dos poderes Legislativo e Executivo para com os direitos dos cidadãos, os quais são obrigados a recorrerem ao Poder Judiciário para que possam ter seus direitos realizados e assim exercer a democracia (NELSON; DE MEDEIROS, 2015, p. 14).


2.1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO Como demonstrado, a crescente judicialização das relações sociais deve-se em grande parte ao perfil institucional adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois esta, símbolo da mudança democrática brasileira, conscientiza as pessoas dos seus próprios direitos e lhes garante instrumentos para efetivá-los sem que seja exigida prévia regulamentação legislativa para tanto. Para que isto ocorra, são atribuídas diversas prerrogativas aos magistrados, o que faz com que o Poder Judiciário transmute-se em um verdadeiro poder político, estando habilitado para fazer valer a Constituição e as leis, inclusive quando em confronto com os outros poderes (BARROSO, 2012, p. 2). Cumpre aqui fazer a distinção entre os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial, sempre mencionados quando se discute sobre as razões do acentuado aumento do número de causas judiciais. Inicialmente, impende esclarecer que se atribui a Arthur Schlesinger o mérito de ter cunhado a expressão “ativismo judicial”, pois em 1947 ele publicou na revista “Fortune” o artigo “The Supreme Court: 1947” através do qual analisou o comportamento dos juízes frente às ações judiciais, diferenciando-os entre os “ativistas” (activists) e “passivistas” (self-restrain) ou “campeões da resistividade judicial” (champions of judicial restraint). Para Arthur Schlensinger os primeiros teriam como característica o fato de inserirem em suas decisões as próprias noções de bem comum, ao passo que os passivistas buscavam preservar em

seus juízos a margem de conformação do legislador valorizando uma maior deferência judicial (NELSON; DE MEDEIROS, 2015, p. 14). Diferentemente da judicialização, que no Brasil vem em manifesta expansão pós Constituição Federal de 1988, tendo como fundamento a ordem constitucional de afirmação dos direitos fundamentais, nas palavras de Luís Roberto Barroso o ativismo judicial pode ser encarado como uma atitude, um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, alargando seu sentido e alcance. E o doutrinador segue afirmando que o ativismo judicial geralmente ocorre diante de situações de retenção do Poder Legislativo, do deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, o que faz com que as demandas sociais não sejam atendidas de maneira efetiva (BARROSO, Op., cit., p. 2). Em que pese atualmente inexistir um consenso doutrinário e jurisprudencial sobre a conceituação do termo ativismo judicial, diante da velocidade das transformações e aceleração da vida, que requerem a constante e célere efetivação dos direitos, verificamos que este é um fenômeno necessário, fonte de realização democrática. Tal afirmativa pode ser corroborada sobretudo se considerarmos a evidente e sofrida omissão dos poderes Legislativo e Executivo para com os direitos dos indivíduos, oferecendo-lhes políticas públicas pouco eficazes. Consigne-se que o texto constitucional de 1988, por tratar pormenorizadamente de diversos assuntos,

“...o ativismo judicial pode ser encarado como uma atitude, um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, alargando seu sentido e alcance; geralmente ocorre diante de situações de retenção do Poder Legislativo, do deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, o que faz com que as demandas sociais não sejam atendidas de maneira efetiva.

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aliado a progressiva centralização de poderes no STF, aponta para uma mudança no equilíbrio no sistema de separação de poderes no Brasil, convidando-nos a encontrar o “ponto de equilíbrio” entre a atuação do poder judiciário e o espaço da legislação, ambos necessários para o desenvolvimento da sociedade. A referida preocupação foi trazida por Luís Roberto Barroso, que com maestria nos alerta: “[...] a importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua” (BARROSO, Op., cit., p. 9). Registre-se que a judicialização e o ativismo judicial compreendem assuntos como a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir sobre de-

terminadas matérias. Caberá a lei, observados os valores, fins e processo legislativo estabelecidos constitucionalmente, escolher entre os diferentes cenários que são inerentes as sociedades pluralistas, sempre respeitando os comandos trazidos no bojo do estatuto constitucional. Nesta perspectiva, caberá ao Supremo Tribunal Federal ser deferente para com as decisões tomadas pelos outros poderes, agindo com parcimônia ao analisá-las, fazendo valer nas decisões dos poderes Legislativo e Executivo, e principalmente nas suas, a vontade dos constituintes originários encartada nos comandos constitucionais. Ao cumprirem a sua função os ministros do Supremo Tribunal Federal deverão considerar que o Brasil constitui um Estado Democrático de Direito, guiado pelos preceitos constitucionais, possuindo

dentre os seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. No que concerne a este fundamento, cumpre registrar que nas palavras do eminente professor Walter Nunes a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da moralidade democrática e deverá ser respeitada independentemente do momento sociopolítico em que se viva, pois servirá para afastar qualquer tratamento mais rigoroso por parte dos indivíduos que acreditam que esta seria a única maneira de descobrir a verdade ou mesmo punir o agente (SILVA JÚNIOR, 2005, p. 374). A seguir serão abordadas as atribuições que foram conferidas ao Supremo Tribunal Federal através da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, levando-se em consideração o seu papel enquanto garantidor e efetivador dos direitos fundamentais estabelecidos através do texto constitucional.

3. O PAPEL DO STF ENQUANTO DEFENSOR E INTÉRPRETE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – DE GUARDIÃO AO CONSTANTE RECEIO DE TORNAR-SE SENHOR DA CARTA POLÍTICA Criado após a proclamação da República, o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, representando um tribunal de jurisdição nacional, com as suas funções estabelecidas nos termos do art. 102 do Texto Magno. Segundo o dispositivo legal em comento, o STF disporá de competência originária, prevista no art. 102, I; e recursal, a qual abarca os recursos ordinário, previsto nos termos do art. 102, II; e extraordinário, atribuição trazida no art. 102, III do texto constitucional.

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Ressalte-se que após as alterações trazidas pela Emenda Constitucional 45/2004, conhecida como a emenda responsável pela reforma do Judiciário, o texto da Carta Política passou a prever no artigo 102, § 2º que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Logicamente, ainda que aja estritamente nas situações previstas constitucionalmente, caberá ao intérprete do Texto Magno valer-se do seu intelecto para preencher a lacuna jurídica existente, haja vista que embora a Constituição de 1988 tenha antecipado a situação que exige a aplicação de seu texto, ela não estabelece de que modo à utilização ocorrerá, diferenciando-se de acordo com a situação real analisada.


A título de ilustração, cumpre mencionar que mesmo para Hans Kelsen, tido como o pai do positivismo, a norma jurídica poderia ser encarada como uma “moldura que deveria ser preenchida durante o processo hermenêutico, pois contêm diversos espaços em branco” (KELSEN, 1999 apud TEIXEIRA, 2012). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assim como todas as leis, realiza-se através da atividade intelectual do intérprete, todavia, a sua interpretação diferencia-se das demais normas, pois o seu texto, dado o seu caráter eminentemente político e modelo institucional adotado, conta com conceitos e categorias jurídicas de elevado grau de generalidade e abstração, o que por vezes ocasiona a intromissão do Judiciário em competências que inicialmente são atribuídas aos poderes Legislativo e Executivo. Como mencionado pelo Ministro Celso de Mello ao citar Francisco Campos em seu discurso proferido em nome do Supremo Tribunal Fe-

deral na solenidade de posse do Ministro Gilmar Mendes, ocorrido na Presidência da Suprema Corte do Brasil, em 23.04.2008, verifica-se que “A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la (...). Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte”3. Isto posta, constata-se que caberá ao Judiciário criar o direito diante da análise do caso concreto, pois conforme mencionado por Ávila (2008, apud NELSON; DE MEDEIROS, 2015 p. 17) “o intérprete não só constrói, mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso linguístico e construídos na comunidade do discurso”. Desta forma, é de fácil comprovação a importância que a criação jurídica pela via da interpretação do texto constitucional assume, a qual sempre deverá ter como parâmetro a realidade social vigente e a incessante busca pela realização dos direitos fundamentais.

“A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la (...). Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte” MINISTRO CELSO DE MELLO, CITANDO FRANCISCO CAMPOS

3. Disponível em: <www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoCM.pdf>. Acesso em 04 de novembro de 2016.

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“A dinamicidade dos processos sociais se reflete sobre a constituição, de modo que as inovações vivenciadas ao interno da sociedade são influenciadas pela disciplina jurídica, mas também se refletem sobre o Direito, mesmo sobre aquele préexistente” JUSTEN FILHO

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Por tais razões, o Supremo Tribunal Federal não tem mais voltadas para si apenas as atenções de especialistas e operadores do Direito, passando os seus julgados a fazerem parte do cotidiano de todos os cidadãos. A cada julgamento proferido pelo STF, os quais são amplamente televisionados através da “TV Justiça” e divulgados pela Internet, os indivíduos vão se habituando (e esperando) que delicadas questões sociais sejam decididas pela Corte Suprema. Ao cumprirem o seu desiderato os ministros do Supremo Tribunal Federal deverão estar cônscios de que, diferentemente do que foi afirmado por Lassalle, a Constituição de um país é bem mais que um pedaço de papel cuja capacidade de regular e de motivar está limitada aos fatores reais de poder, estes entendidos como as decisões decorrentes dos poderes políticos. Como bem ressaltado por Konrad Hesse (HESSE; traduzido por Gilmar Ferreira Mendes. 1991. P. 25/26), a Constituição é determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não devendo ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca em caso de eventual conflito. E o referido jurista segue afirmando que todos os interesses passageiros, ainda quando realizados, não conseguem compensar o imensurável ganho decorrente do demonstrado respeito ao texto constitucional, mormente naquelas situações em que a sua observância manifesta-se incômoda. Ademais, caberá aos intérpretes da Constituição, no caso em análise, aos Ministros do Supremo Tribu-

nal Federal, estabelecerem a ligação entre o Texto Magno e a realidade social, principalmente diante da relação de interdependência entre os comandos constitucionais e a situação em que a sociedade se encontra. O estabelecimento do aludido elo se faz necessário para que os ministros possam formular as suas decisões, haja vista que a força normativa da Constituição relaciona-se com a força das questões sociais que são trazidas ao seu julgamento e requerem ser normatizadas (NELSON; DE MEDEIROS, 2015, p. 2). Ao tratar sobre a conexão existente entre a dinâmica social e a constitucional, Justen Filho (JUSTEN FILHO, 2002 p. 9), afirma: (...) há um fenômeno de interação entre o meio social e a constituição, com efeitos reflexos e permanentes. Uma constituição influencia e determina a organização social, mas a sociedade também vivencia as normas constitucionais (que produz) de modos variáveis e dinâmicos. Por isso, o texto constitucional comporta diferentes interpretações e, ao longo da trajetória de um povo, vão-se alterando as concepções jurídicas acerca do significado e extensão das normas (e, mesmo, princípios) constitucionais. A dinamicidade dos processos sociais se reflete sobre a constituição, de modo que as inovações vivenciadas ao interno da sociedade são influenciadas pela disciplina jurídica, mas também se refletem sobre o Direito, mesmo sobre aquele pré-existente (JUSTEN FILHO, 2002, p. 9).


Para Justen Filho toda Constituição poderia ser encarada como uma soma de princípios e regras cuja extensão e conteúdo possuem natureza dinâmica. E quanto à necessidade do permanente diálogo entre as realidades sociais e constitucionais o referido jurista aduz que “se a constituição permanecesse inalterada, cristalizada segundo a conformação do momento original, haveria uma dissociação entre direito e sociedade, que não é apenas indesejável, mas é impossível” (JUSTEN FILHO p. 9). Ressalte-se que, ao julgarem, os Ministros deverão inocularem em suas decisões os ideais e objetivos trazidos constitucionalmente, sem que olvidem o que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa para a nossa sociedade. Ao tratar sobre as funções atribuídas a Constituição de 1988 Luís Roberto Barroso afirma: Por essa razão, a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, as-

segurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos (BARROSO, 2012. p. 6). Luís Roberto Barroso segue discorrendo sobre a função do Supremo Tribunal Federal enquanto guardião e intérprete do texto constitucional, alertando-nos para o seguinte aspecto: E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios – não de

política – e de razão pública – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas ou concepções religiosas (ibidem). A afirmação acima corrobora a inarredável necessidade de os Ministros do Pretório Excelso atuarem respeitando os ideais e comandos constitucionais e decidirem levando em consideração o que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa para a nossa sociedade, haja vista que ela retorna a um modelo político jurídico focado na democracia, promovendo a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Agir de maneira diversa, afastando ou até mesmo reformulando os comandos constitucionais sem considerar as retromencionadas funções atribuídas a Constituição de 1988 e a realidade vigente na sociedade, seria contrariar o Texto Magno e abandonar o seu papel de guardião da Carta Política (DIMOULIS; LUNARDI, [s.n] p. 3 e 4). Parlatório

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4. ANÁLISE DO INDEFERIMENTO DOS PEDIDOS CAUTELARES FORMULADOS NAS ADC’S 43 E 44 – A MUTILAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE

4. Nas palavras do eminente professor Walter Nunes, em sua obra “Teoria constitucional do processo penal: limitações fundamentais ao exercício do direito de punir no sistema jurídico brasileiro”, p. 500 e ss., a previsão do princípio da presunção de não culpabilidade entre os direitos fundamentais é uma das inovações trazidas no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, para ele, a escolha pelos constituintes originários para a utilização desta terminologia é digna de encômios, haja vista que se houvesse sido acolhido o termo “princípio da presunção de inocência”, haveria a inviabilidade de todo o sistema processual, sobretudo no que concerne às medidas de natureza cautelar. Em seu entender, caso os constituintes originários tivessem preferido o termo “princípio da presunção de inocência”, para iniciar-se um processo a prova quanto à culpabilidade do agente deveria ser idêntica àquela que dá a certeza material. Com base nestas considerações o ilustre mestre afirma que o nome correto é o da presunção de não culpabilidade, haja vista que ele vigora, com toda a sua essência, quando o juiz, com o seu pronunciamento, pode firmar a culpabilidade do acusado. 5. Assad, Thathyana Weinfurter. Do aniversário ao epitáfio: a Constituição e o STF – Disponível em: <http://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/392429576/do-aniversario-ao-epitafio-a-constituicao-e-o-stf ?utm_medium=email&utm_source=email-notification> Acesso em 07 de novembro de 2016.

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Este artigo analisará de que maneira o Pretório Excelso, através dos seus Ministros, decidiu pela alteração da interpretação do comando constitucional que prevê o princípio da presunção de não culpabilidade4, tendo este sido o entendimento proferido na decisão que indefere os pedidos liminares das ações declaratórias de constitucionalidade de números 43 e 44. As referidas ADCS’s foram ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), e em ambas, busca-se declarar que a aplicação do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), cuja redação foi dada pela lei 12.403/2011, está em plena consonância com o texto constitucional, haja vista que a Constituição da República Federativa do Brasil ao tratar no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em especial dos direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece em seu artigo 5º, LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esclareça-se que trânsito em julgado pode ser encarado como o esgotamento de vias recursais, entretanto, não quer dizer que todo o réu utilizará de todos os recursos previstos, mas terá o direito subjetivo de fazer uso de todos eles, vez que são trazidos legalmente. Isto posto, verifica-se que segundo os comandos constitucionais, somente será consi-

derado culpado aquele que tem em seu desfavor uma sentença, ou até mesmo acórdão, condenatória (o) após o trânsito em julgado5. Apesar da clareza do comando constitucional em apreciação, o qual dispõe que a prisão somente deverá ocorrer em situações excepcionais ou posteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória, no dia 05/10/2016 o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, 6 a 5, indeferiu os pedidos cautelares formulados nas ADCS 43 e 44, tendo mantido o entendimento já proferido pela Corte em fevereiro do ano de 2016, permitindo a possibilidade de prisão após uma condenação por colegiado de segunda instância. Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que qualquer indivíduo poderá começar a cumprir a pena desde que tenha sido condenado por um tribunal de Justiça ou por um Tribunal Regional Federal (TRF), ainda que disponha de recursos pendentes de apreciação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no próprio Pretório Excelso. Em que pese à clareza do texto constitucional ao prever que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII da CRFB/88), o que não abre espaço para quaisquer tipos de dúvidas, ao indeferir os pedidos cautelares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 e permitir a execução antecipada da pena depois da confirmação da condenação por


uma decisão de segundo grau, o Supremo Tribunal Federal realiza uma superinterpretação da norma, impondo a sua vontade enquanto intérprete do Texto Magno. Com a decisão adotada, não só políticos sem foro privilegiado, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) poderão vir a ser impactados com o novo entendimento imposto pelo Supremo Tribunal Federal. Todos aqueles que dependem da retificação de sentença proferida na instância de primeiro grau estarão sujeitos, em um só momento, a lidarem com a lentidão do sistema judiciário; a falência do sistema carcerário brasileiro – em iminente colapso; e a descrença na segurança jurídica – por que não nos dizer próprios comandos constitucionais. Ao decidir desta maneira a Suprema Corte desconsidera a semelhança, ou melhor, a reprodução do comando constitucional que prevê o

princípio da não culpabilidade previsto de forma diversa, porém com o mesmo sentido, nos termos do artigo 283 do Código de Processo Penal, objeto das ADCS 43 e 44. Diante da situação narrada verifica-se que o Pretório Excelso afirma o que a Constituição não diz, contrariando o texto constitucional e assumindo a posição de constituinte originário. Esta atitude é um exemplo claro de ativismo judicial, haja vista que os Ministros decidiram, cedendo às pressões midiáticas e populares, contrariar o texto constitucional e dar novo significado ao direito fundamental e ao princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, trazidos nos termos do art. 5º, inciso LVII, CRFB/1988. Desta forma questiona-se: Como o STF poderá cumprir o seu desiderato sem imiscuir-se nas funções dos demais poderes? Como poderá agir sem contrariar o próprio texto constitucional?

Os ministros da Corte Suprema, assim como os demais julgadores, são pessoas que possuem uma história, memórias, sentimentos, orientações ideológicas, morais e políticas, sofrendo influências destes fatores para que possam formular as suas opiniões e posicionamentos.

5. RACIONALIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENQUANTO INTÉRPRETE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Como mencionado no decorrer do presente texto, caberá ao intérprete do Texto Magno, valendo-se da abstração e generalidade dos princípios constitucionais, agir com o intuito de defender as garantias e direitos fundamentais assegurados a todos os indivíduos, mesmo que para isso seja necessário interpretar de maneira contrária o que é estabelecido através da legislação ordinária. Do mesmo modo, também deverá considerar que atualmente a Constituição funciona como uma es-

pécie de “filtro” para a interpretação de todos os demais ramos jurídicos, tendo os direitos fundamentais especial importância nesta ação, vez que compõem a essência da força normativa da própria Constituição. Não se pode esquecer que os ministros da Corte Suprema, assim como os demais julgadores, são pessoas que possuem uma história, memórias, sentimentos, orientações ideológicas, morais e políticas, sofrendo influências destes fatores para que possam formular as suas opini-

ões e posicionamentos. Ocorre que por tratar-se de um órgão técnico, o Supremo Tribunal Federal deverá decidir as questões que lhe são trazidas não só considerando-se a realidade vigente, mas também deverá, e principalmente, levar em consideração que também é responsável pela efetivação dos direitos fundamentais que são trazidos no bojo do texto constitucional, por mais que este posicionamento de certo modo contrarie os desejos de quem possui a maioria dos votos. Parlatório

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Ao julgar, a Corte Suprema deverá considerar que é dotada de poder representativo, agindo em nome do povo e, por esta razão, deve satisfações à sociedade. Os ministros devem sempre ponderar em quais situações deverão agir como legisladores positivos, pois agir deste modo, por si só, gera instabilidade institucional e, por consequência, insegurança jurídica. Para que haja a racionalização das atividades do Supremo Tribunal Federal enquanto intérprete do Texto Magno, ao decidirem os ministros deverão evocar as garantias constitucionais que lhes foram outorgadas, representadas na vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, as quais lhes possibilitam decidirem de acordo com o que estabelece a Constituição sem que se sintam pressionados pela mídia e pelos clamores de parte da sociedade e sem que julguem objetivando fins específicos de um determinado grupo. Neste caso, ceder à pressão popular seria encetar um ativismo judicial nocivo aos termos constitucionais e as próprias garantias dos indivíduos, pois em nome da vontade popular se negariam direitos que lhes são inerentes, tendo como intento apenas a satisfação de interesses de determinado grupo social. Tal atitude foge por completo da racionalidade jurídica esperada do Pretório Excelso. Ao discorrer sobre a prejudicialidade desta forma de ativismo judicial Anderson Vichinkeski Teixeira aduz: Diante disso, a forma mais nociva de ativismo judicial é aquela que

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vincula o julgador a um setor ou setores sociais específicos, em detrimento de indivíduos cujos interesses se encontram juridicamente protegidos, os quais teriam no Judiciário o espaço derradeiro para a sua proteção. Não se confunda essa prática com julgar influenciado por orientações pessoais, pois, conforme já falamos, qualquer indivíduo possui preferências políticas, religiosas e morais (bem como sexuais, gastronômicas, enológicas, etc.), mas isso não impede que a decisão esteja em plena conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Isso parece algo pacífico e sem maiores complicações. A nocividade maior do ativismo judicial ocorre quando a decisão judicial tem um fim político e depende da negação à tutela de interesses legítimos de alguma parte da ação, fundamentando-se em argumentos que transcendem a racionalidade jurídica (TEIXEIRA, 2012 p. 48). Ao decidirem, os ministros deverão estar cônscios de que a sua atividade enquanto intérpretes da Constituição não se limita a darem respostas a um caso concreto mas, principalmente considerando-se as características das decisões definitivas de mérito nas ações do controle concentrado, as quais segundo os comandos do art. 102, § 2º possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante, considerarem os impactos que seus entendimentos produzirão na realidade, bem como se a decisão servirá de instrumento para a proteção dos direitos fundamentais trazidos no texto constitucional.

Ressaltando os cuidados que deverão ser tomados por todos os magistrados, no caso em análise pelos ministros do Pretório Excelso, Luís Roberto Barroso aduz: O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça. Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público (...) Em suma: o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em autolimitação espontânea, antes eleva do que diminui. Ressalte-se que consoante o sistema democrático no qual estamos inseridos a criação de novas regras deverá ser exercida por órgãos representativos, sujeitos a mecanismos de controle popular. Ao criar regras e não proteger as existentes, a Corte Suprema será cobrada pelas consequências de seus atos, porém, por tratar-se de órgão de cúpula do Poder Judiciário, não existem instrumentos institucionais para que estas cobranças sejam realizadas (BARROSO, 2012). Diante da ausência de mecanismos institucionais eficazes a serem utilizados na cobrança e controle dos atos do Pretório Excelso, é patente a urgente necessidade que


este órgão possui de racionalizar a sua atuação. Isto ocorrerá quando a Suprema Corte conscientizar-se de sua própria capacidade institucional, considerando que existem algumas questões que são melhores decididas pelos outros poderes; considerar as garantias institucionais que lhe

são outorgadas, haja vista que sendo dotado de poder representativo, deverá satisfação a toda a sociedade e não apenas a uma parcela dela; e, por fim, estar cônscio de que as consequências das suas decisões ultrapassam o caso concreto apreciado, refletindo na vida de toda a população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Graças ao modelo institucional estabelecido nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o atual sistema Judiciário tem de lidar com um número cada vez maior de processos, os quais refletem a necessidade que os indivíduos tem de verem seus direitos garantidos, sobretudo diante da omissão e inércia dos Poderes Legislativo e Executivo. Tem-se assim o mecanismo através do qual o Poder Judiciário transmuta-se em um verdadeiro poder político, haja vista que este, enquanto guardião do texto constitucional, deverá zelar pela sua aplicação e respeito pela sociedade e pelos próprios poderes. Processo diverso e experimentado especialmente após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o ativismo judicial fora entendido por Luís Roberto Barroso como uma atitude, um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, alargando seu sentido e alcance a fim de satisfazer as demandas sociais que são negligenciadas diante da omissão dos poderes Legislativo e Executivo para com os direitos dos indivíduos. Por tratar-se de órgão de cúpu-

la do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal tem o seu papel intensificado, convidando-nos a encontrar o “ponto de equilíbrio” entre a atuação deste poder e o espaço da legislação, ambos necessários para o desenvolvimento da sociedade. Caberá ao Pretório Excelso ser deferente para com as decisões adotadas pelos demais poderes, fazendo valer nestas e nas suas próprias deliberações a vontade dos constituintes originários, sobretudo sem olvidar que o Brasil constitui-se de um Estado Democrático de Direito, possuindo dentre os seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Como ressaltado pelo Ministro Celso de Mello, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se em permanente confecção nos tribunais responsáveis pela sua aplicação, cabendo ao Judiciário criar o direito diante da análise do caso concreto, tendo como parâmetro a realidade social vigente e a incessante busca pela realização dos direitos fundamentais estabelecidos no texto constitucional. Deste modo, verifica-se que caberá aos intérpretes da Constituição, no caso em apreço, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, estabe-

O Supremo Tribunal Federal tem o seu papel intensificado, convidando-nos a encontrar o “ponto de equilíbrio” entre a atuação deste poder e o espaço da legislação, ambos necessários para o desenvolvimento da sociedade. Parlatório

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lecerem a ligação existente entre o Texto Magno e a realidade social, cônscios de que os benefícios decorrentes da sujeição a interesses passageiros são por diversas vezes menores que as benesses advindas do respeito ao texto constitucional. Ao agir reformulando ou afastando comandos constitucionais, desconsiderando as funções atribuídas a Magna Carta, o Supremo Tribunal Federal através dos seus ministros, contraria o Texto Magno e abandona o papel de guardião da Carta Política. Tal atitude fora adotada ao indeferir os pedidos cautelares formulados nas ADC’S 43 e 44, pois o Pretório Excelso, através dos seus Ministros, decidiu pela alteração da interpretação do comando constitucional que

prevê o princípio da presunção de não culpabilidade tendo entendido que qualquer indivíduo poderá começar a cumprir a pena desde que tenha sido condenado por um tribunal de Justiça ou por um Tribunal Regional Federal (TRF), ainda que disponha de recursos pendentes de apreciação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no próprio Supremo Tribunal Federal. Configura-se assim uma super interpretação da norma, desconsiderando a semelhança, ou melhor, a reprodução do comando constitucional que prevê o princípio da não culpabilidade previsto de forma diversa, porém com o mesmo sentido, nos termos do artigo 283 do Código de Processo Penal, objeto das ADCS 43 e 44.

Diante de todos os argumentos e referências trazidas percebe-se a imperiosa necessidade de o Supremo Tribunal Federal decidir as questões que lhe são trazidas não só considerando a realidade vigente, mas também, e principalmente, conscientizar-se de sua própria capacidade institucional, considerando que existem situações que poderão ser melhor decididas por outros poderes; considerar as garantias institucionais que lhe são outorgadas, haja vista que sendo dotado de poder representativo, deverá satisfação a toda a sociedade e não apenas a uma parte dela; e, por fim, estar cônscio de que as consequências das suas decisões ultrapassam o caso concreto submetido à sua análise, gerando efeitos na vida de toda a população.

REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Rio de Janeiro: Thesis. vol. 5, nº. 1, 2012. BRASIL, Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 16 de outubro de 2016. ____. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <hhtp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 de outubro de 2016. ____. Código de Processo Penal. Decreto-lei n. 3.689, 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/ Del3689.htm>. Acesso em: 20 out. 2016. ____. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 21 out. 2016. ____. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 126.292- São Paulo.

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Relator Min. Teori Zavascki. Brasília, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246. Acesso em: 18 out. 2016. ____. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Marco Aurélio. 05 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4986065>. Acesso em: 21 out. 2016. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília: CNJ, 2016. Anual. 404 f:il. I Poder Judiciário - estatística - Brasil. II Administração pública - estatística - Brasil. Lembcke, Oliver W. Der Hüter der Verfassung. Tübingen: Mohr, 1931. P. 7. DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Gasparetto. Ativismo e autocontenção judicial no controle de Constitucionalidade [s.n]. MELLO, Celso de. Discurso proferido na solenidade de posse do ministro Carlos Ayres Britto na Presidência do Supremo Tribunal Federal. Supremo Tribunal Federal, 2012. Disponível em: <www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoCM.pdf>. Acesso em 16 de setembro de 2017. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Traduzido por Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 9. KELSEN, Hans (1999 apud TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. São Paulo: Revista GV, 2012). NELSON, Rocco Antônio Rangel Rosso; DE MEDEIROS, Jackson Tavares da Silva. Reflexões sobre o ativismo judicial. In: UERJ. Revista da Faculdade de Direito. Rio de Janeiro: RFD, n. 27, 2015. SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Teoria constitucional do processo penal: limitações fundamentais ao exercício do direito de punir no sistema jurídico brasileiro. Recife (PE), 2005. TATE, Chester Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial Power: the judicialization of politics. In: ______ (Orgs.). The global expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, 1995. VIEIRA, Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia, São Paulo: Revista GV, 2012.

ABSTRACT Acctually, it has been so discussed about the reasons for the patent increase in the number of cases that are judicialized. The number of trials represents the numerous of social relations that requires a response from the Judiciary and due to the institutional model established by the Federal Constitution, a lot of issues can be brought to Justice. In view of this, the Federal Supreme Court assumes a preponderance role in the protection and interpretation of the Constitution, especially if we consider that it, as the main part of the Judiciary, will be invited to give the final opinion on these issues, having its meritorious decisions in the actions of concentrated control binding effects and effectiveness erga omnes. Thus, starting from a bibliographical research, this article proposes to respond to: How the Supreme Court can act without contradicting the constitutional commands? This research also will discuss about the phenomena of judicialization and judicial activism, emphasizing the negative modality of this when analyzing the votes of the ministers in rejecting the precautionary measures of the Constitutional Declaratory Actions 43 and 44. It is intended to stimulate the debate about the duties and competences that the Court possesses as interpreter of the Federal Constitution, suggesting some techniques to be executed in order to rationalize its performance. Keywords: Federal Constitution. Judicialization. Judicial Activism. Federal Supreme Court. Parlatório

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Priscila Franco Advogada inscrita na OAB/RN.

A Responsabilidade Civil do Estado pela Morosidade na Prestação Jurisdicional RESUMO A situação atual em que se encontram os órgãos de prestação jurisdicional no país é preocupante, por tamanha precariedade. Ao final, da longa jornada judiciária, muitos conseguem obter decisões terminativas favoráveis, porém não mais efetivas. Precisamos estabelecer de forma mais rígida o alcance da responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional, assim como, o ideal de justiça no ambiente do Estado Democrático de Direito. Palavras-Chave: Responsabilidade Civil do Estado. Poder Judiciário. Efetividade.

INTRODUÇÃO A possibilidade de responsabilização do Estado pelo descumprimento, ou deficiente cumprimento dessa tarefa que lhe compete funda-se em princípios basilares do Direito: princípio da razoável duração do processo; princípio da legalidade; princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da celeridade processual; princípio do devido processo legal; princípio do contraditório e da ampla defesa; princípio da inafastabilidade do acesso à justiça e o princípio da eficiência. O tema em questão objetiva esclarecer, de forma sucinta, o funciona-

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mento do Poder Judiciário na prestação jurisdicional, a sua efetividade e os prejuízos causados aos jurisdicionados pela morosidade na Justiça. É preciso atribuir ao Estado a responsabilização civil por essa demora na prestação jurisdicional, assim como, exigir a efetividade dos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal, cuja implementação depende de reformas essenciais e urgentes no Poder Judiciário. Almejar a reparatória contra o Estado seria uma forma de forçá-lo a implementar melhorias no Poder Judiciário.


O reflexo da morosidade da justiça gera um sentimento de revolta na sociedade, a lentidão no julgamento dos processos acarreta num verdadeiro descrédito da população perante a instituição judiciária, por não ver concretizado em tempo hábil a resolução dos conflitos. O simples fato de a Constituição Federal preceituar, no seu art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, não tem sido uma garantia de uma rápida e efetiva prestação jurisdicional tão almejada por aqueles que a todo instante procuram o Judiciário. Considerando, ainda, que a Emenda Constitucional nº. 45/2004

incluiu como direito fundamental do cidadão a “razoável duração do processo”, mister se faz tracejar a possível responsabilização do ente estatal pela demora na entrega da prestação jurisdicional. A responsabilização do Estado em face desse problema deve ser vista como uma metodologia capaz de educar este ente federativo para que se crie uma cultura onde a eficiência e eficácia da prestação jurisdicional seja uma prioridade, e somente assim, as injustiças serão sanadas dignamente; Importante compreender que falar em lapso temporal dentro desse contexto, é falar também em dignidade da pessoa humana.

2. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL A razoável duração do processo e a celeridade processual, como princípios constitucionais, foram acrescentadas a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, em seu artigo 5º, pelo inciso LXXVIII, por meio da Emenda Constitucional – EC, n.45, promulgada em 08 de dezembro de 2004. A prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo já vinha prevista, como garantia fundamental do indivíduo, no próprio texto constitucional e nos artigos 8º e 25, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. As clausulas due processo of law já estavam embutidas na Constituição Federal, no art. 5º, inc. LIV, da CRFB e no princípio da eficiência, previsto no art. 37.

Contudo, o constituinte brasileiro, seguindo a tendência mundial de consagrar, explicitamente, os reclamos sociais, resolveu editar enunciado normativo expresso para evitar quaisquer dúvidas quanto à sua aplicabilidade e legalidade. É a combinação dos direitos de acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal e da eficiência que se alude à forma instrumental mais adequada, com a finalidade da prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado. Cabe ao Estado o dever de implementar os meios necessários à prestação jurisdicional, como forma de dar a maior efetividade possível à norma constitucional. Nossos Tribunais estão adotando a tese de que o direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se

Cabe ao Estado o dever de implementar os meios necessários à prestação jurisdicional, como forma de dar a maior efetividade possível à norma constitucional. Parlatório

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Na década de 1990 foram criadas dezenas de leis, com intuito de dar maior celeridade na solução dos conflitos levados ao Judiciário. As inovações mais importantes foram: 1) à possibilidade de antecipar o julgamento da lide; 2) a adoção da citação postal; 3) a adoção da audiência preliminar para conciliação e saneamento do processo; 4) a ampliação; 5) o advento dos Juizados Especiais; 6) a adoção da Arbitragem, entre outras. 94 . Parlatório

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como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do due process of law. Ademais, Já existem, em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional, de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios. É relevante considerar que, a EC nº 45/2004, trouxe mecanismos de celeridade, transparência e controle de qualidade da atividade jurisdicional. Como por exemplo: a vedação de férias coletivas, a distribuição imediata dos processos, a possibilidade de delegação aos servidores do Judiciário, para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter

decisório, a necessidade de demonstração expressa de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para fins de conhecimento do recurso extraordinário, a instalação da justiça itinerante, as súmulas vinculantes e as impeditivas de recursos, entre outros. Todavia, a citada Emenda, trouxe ínfimos instrumentos processuais capazes de conceder maior celeridade na tramitação dos processos, não influindo de forma significativa na redução da morosidade da Justiça brasileira. Sendo assim, não é possível, sequer, dispor sobre um Estado Democrático de Direito, sem assegurar aos constituintes os direitos existenciais da prestação jurisdicional efetiva e digna.

3. RESUMO DE INSTRUMENTOS CAPAZES DE CONTRIBUIR PARA UM JUDICIÁRIO MAIS CÉLERE Atualmente, no Brasil, existem mais de 90 milhões de processos em tramitação, sendo considerada uma das Justiças mais lentas. No final do século XX, as críticas à qualidade da prestação jurisdicional se perpetuaram nas sociedades. Em virtude disso, a celeridade processual foi havida como indispensável e, dentre os deveres do juiz foi solenemente inserido no antigo Código de Processo Civil Brasileiro - CPC, velar pela rápida solução do litígio e de denegar toda diligência “inútil” ou “meramente protelatória” (artigo 130). Com o novo CPC, temos uma expectativa muito grande de que os mecanismos introduzidos nele

tragam um melhoramento nesse sentido e façam com que as ideias plantadas sobre esse tema no código anterior evoluam fazendo com que a Justiça atue de forma mais rápida. Na década de 1990 foram criadas dezenas de leis, com intuito de dar maior celeridade na solução dos conflitos levados ao Judiciário. As inovações mais importantes foram: 1) à possibilidade de antecipar o julgamento da lide; 2) a adoção da citação postal; 3) a adoção da audiência preliminar para conciliação e saneamento do processo; 4) a ampliação; 5) o advento dos Juizados Especiais; 6) a adoção da Arbitragem, entre outras. Nos últimos anos diversos tribu-


nais tem se empenhado em realizar cada vez mais mutirões, na tentativa de reduzir o excesso das chamadas demandas de massa (contencioso cível/ consumidor). Contudo, o resultado ainda não é suficiente para se vislumbrar uma prestação jurisdicional efetiva e digna. O legislativo brasileiro criou a Lei n. 11.419/2006, que regulamenta a informatização do processo judicial (os então denominados autos virtuais), estabelecendo a possibilidade de

utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição. Impõe-se, assim, o dever de frisar que a própria lei define os principais termos para a implementação da informatização do processo judicial. Na era da informatização, surge ainda outro meio capaz de contri-

buir para um judiciário mais célere, que é a divulgação responsável de propaganda negativa das empresas que mais desrespeitam os Direitos dos Consumidores, o que no caso o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi um dos pioneiros, divulgando lista com as pessoas jurídicas mais acionadas. E, por via de consequência, forçando essas más fornecedoras a se organizarem e buscarem soluções mais céleres nas resoluções dos conflitos.

4. A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAR CIVILMENTE O ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Ultrapassadas as primeiras teorias quanto à responsabilidade civil do Estado, o direito do mundo moderno passou a utilizar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, isto é, independentemente de culpa o Estado responderá pelos atos em que seus agentes, nessa qualidade causarem, incidindo para tanto em práticas de atos lícitos ou não, cabendo, porém, ao lesado comprovar a relação causal entre o fato e o dano. A responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos é objetiva, com fulcro no artigo 37, §6º, da CRFB, tendo como alicerce a teoria do risco administrativo. Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência de determinados requisitos: ocorrência de dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. O mais importante, no que tange

à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, são os devidos pressupostos, que tem este o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhe foram causados. Com relação à possibilidade de responsabilizar civilmente o Estado pela morosidade na prestação jurisdicional, com base no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CRFB há grande discussão doutrinária. Para alguns juristas, se a violação decorrer de falha no serviço judiciário ou em paralisações injustificadas do processo, o Estado está sujeito à responsabilidade objetiva, insculpida no artigo 37, §6º, da CRFB. Outros, contudo, adotam a teoria da irresponsabilidade do Estado, quando o assunto é tratar da morosidade na prestação jurisdicional. A Constituição de 1988 fortaleceu de forma aparente a corrente doutrinária que defende a responsabilidade ampla do Estado por atos judiciais, fundada na teoria do risco administrativo. Essa ideia sustenta a aplicabilidade do artigo 37, §6º, pois

o serviço judiciário é uma espécie do gênero serviço público do Estado e o juiz, na qualidade de prestador deste serviço, é um agente público, que atua em nome do Estado. A prestação jurisdicional é um serviço público essencial e que por isso, não existe motivo para escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência judiciária ou do péssimo funcionamento da Justiça Brasileira, sem que tal posição ofenda a soberania do Poder Judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa julgada. Se, no curso de seu funcionamento, a administração pública vier a prejudicar o jurisdicionado, faz-se necessário à reparação do dano causado ao este, sob pena de macular todo o processo desempenhando na prestação do respectivo serviço público. Logo, a responsabilidade do Estado segue a lógica da socialização do risco, na medida em que toda ação exercida em nome do Estado ou de uma coletividade pública engaja a responsabilidade do patrimônio administrativo. Parlatório

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Há quem entenda que pouco a pouco vai perdendo terreno a tese da irresponsabilidade, para surgir em seu lugar o princípio de que o particular tem direito a ser indenizado, toda vez que sofra um prejuízo em consequência do funcionamento do serviço público. Dessa forma, cabe registrar que em alguns países da Europa admite-se a responsabilidade do Estado, quando do mau funcionamento do Poder Judiciário resultar danos aos jurisdicionados. Como exemplo cita-se o art. 121, da Constituição Espanhola de 197811: “Los daños causados por erro judicial, así como los que Sean consecuencia del funcionamiento anormal de la Administración de Justicia, darán derecho a uma indemnización a cargo del Estado, conforme a la ley”. Mesmo entendimento adotado na Itália (Lei n. 117/1988), na

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França (Leis n. 72-620/1972 e 7943/1979), na Alemanha, na Polônia e Portugal. Este último, inclusive, já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com sede em Estrasburgo, em pelo menos seis casos, por ter demorado além do tempo razoável na entrega da prestação jurisdicional. 13 Em 25 de setembro de 2010, noticiou-se pelo sítio eletrônico “Consultor Jurídico”, que a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados da Itália, começava a analisar Projeto de Lei conhecido como “Projeto de Lei do Processo Breve”, que prevê prazo determinado para que um processo comece e termine se não pela condenação ou absolvição, pelo arquivamento dos autos, quando extrapolado o tempo determinado na lei, para sua duração. Salienta-se que inúmeras são as posições doutrinárias e até juris-

prudenciais com relação à matéria, tanto no direito nacional, quanto no direito comparado. Restando a todos os interpretes da ciência jurídica, apenas o dever de refletir sobre a matéria ora apresentada. De certo, é dever do Estado à prestação jurisdicional efetiva, o que se dará se observados os princípios fundamentais tanto debatidos neste trabalho, como o da razoável duração do processo e da celeridade processual e o que assegura o acesso à justiça. Portanto, deve dirigir a responsabilidade pela morosidade na prestação jurisdicional ao Estado, sendo este quem deve se responsabilizar pelos incontáveis danos causados aos jurisdicionados pela demora na prestação deste serviço público, devendo indenizar os prejuízos causados tendo como fundamento o disposto no art. 37, § 6º, da Carta Maior.


5. MECANISMOS PARA SANAR A PROBLEMÁTICA DA DEMORA O novo Código de Processo Civil veio recheado de possibilidades de conciliação, mediação e arbitragem, ou seja, um rol de possibilidades para sanar a problemática da demora, contudo, não basta um dizer que não quer conciliar, é preciso marcar a audiência visando esse objetivo. Pode parecer ser inútil realizar uma audiência, já sabendo que não haverá acordo, mas o objetivo é incentivar a conciliação e mudar a mentalidade das partes em relação

ao processo. Inclusive, o não comparecimento a esta audiência resulta em multa, com previsão no art. 334, § 8º do CPC/15, ou seja, trata-se de crime contra a dignidade da justiça. Outro mecanismo que deve ser utilizado para sanar o problema é a aplicação da justiça restaurativa, baseada num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade

afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções dos traumas e perdas causados pelo crime. A justiça restaurativa tende a ser um excelente mecanismo ao tocante diminuir o tempo do processo e dentre suas diversas modalidades podemos destacar a mediação, reuniões coletivas abertas à participação de pessoas da família e da comunidade e círculos decisórios.

Preventivo porque certamente o Estado tomará medidas de sancionar o problema antes que aquilo se torne um caos para ele, além de que, um Estado da Federação tomaria outro como exemplo (efeitos pedagógicos) e traçariam medidas preventivas. Com a constatação de que a superação dos obstáculos para proporcionar ao jurisdicionado brasileiro integral proteção de seus direitos e garantias fundamentais é um grande desafio, alguns meios devem ser estudados na tentativa de sanar todo o caos judicial. Sendo assim, o novo Código de Processo Civil tem um papel muito importante nessa perspectiva. A primeira grande mudança no Código de Processo Civil é o fim da divisão de procedimentos. O Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 272, dividia o procedimento comum em ordinário e sumário; mas com o novo Código de Processo Civil de 2015, o procedimento sumário deixou de

O Estado definitivamente deve ser responsabilizado pelo lapso temporal não razoável para o desfecho de cada lide que adentra o judiciário. A responsabilização é um mecanismo pedagógico, punitivo e preventivo.

CONCLUSÃO Sem grandes esforços concluímos que o Estado definitivamente deve ser responsabilizado pelo lapso temporal não razoável para o desfecho de cada lide que adentra o judiciário. A responsabilização é um mecanismo pedagógico, punitivo e preventivo. Pedagógico porque sendo aplicada essa responsabilização Estatal com rigor uma nova cultura judicial surge de modo, que o tempo passa ser visto como um requisito de emprego da justiça propriamente dita. Punitivo, porque se é do Estado o dever de zelar pela sociedade, a morosidade judicial configura-se um verdadeiro atentado contra a dignidade humana das partes da lide, como também, a dignidade da própria sociedade, e que, portanto, a reparação recai como uma sanção, podendo ser encarada até certo ponto como uma maneira de promover uma justiça restaurativa em face da problemática.

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existir, aplicando-se, somente o procedimento comum, nos termos do art. 318 do novo CPC. Nesse passo, o Novo Código de Processo Civil criou mecanismos visando promover a conciliação entre os litigantes, institucionalizando a mediação nos processos judiciais, na busca da solução de conflitos existentes. Uma das principais mudanças sugere a ampla instigação a autocomposição, em que todos os Tribunais deverão criar centros judiciários de solução consensual, objetivando a realização de sessões e audiências de conciliação e mediação. Essa prática sugere a coexistência com outros meios extrajudiciais, através de órgãos institucionais, realizadas por intermédio de profissionais independentes. É preciso maior atenção dos juristas e especialmente da Administração Pública, pois é está última quem detêm o poder/dever de garantir aos jurisdicionados o mais amplo acesso à Justiça, de modo a tornar a prestação jurisdicional efetiva, se aproximando ao máximo das expectativas e anseios da sociedade por uma real justiça. No âmbito do Poder Judiciário, é necessário investimento em equipamentos, qualificação de funcionários, criação de mais Varas e Juizados, mais certames públicos para a inclusão de novos funcionários, estagiários e magistrados. Muito interessante seria uma especialização do Judiciário Estadual, criando-se Varas e Juizados especializados por matérias, a fim de tentar suprir o excesso de processos repetitivos de massa que vêm surgindo ao longo dos últimos 20 (vinte) anos; desde a criação da Lei n. 8.078/90,

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que regulamentou a Proteção e Defesa do Consumidor; o que hoje, já se fala em um aumento de pelo menos 60% nas demandas judiciais, apenas sob a ótica da relação de consumo. No âmbito do Poder Executivo, o Estado necessita adotar medidas emergenciais ao ponto de permitir, por exemplo, a resolução de um conflito, pela via administrativa, uma reestruturação nas Agências Reguladoras e Fiscalizadoras, atribuindo a essas a efetividade em suas ações, o que quase não se vê atualmente. Já no âmbito do Poder Legislativo, o Estado deve adotar uma celeridade na aprovação da legislação que visa ampliar o modelo atual de proteção aos direitos e garantias fundamentais. Presume-se, portanto que o Estado estabelece o mais breve possível instrumentos realmente capazes de contribuir para um avanço na prestação jurisdicional, convertendo a sua imagem atual a um modelo que mais se aproxima ao de uma Justiça justa, efetiva e digna, porém, caso não sendo suficientes todos esses esforços, chegará o dia em que o Estado deverá ser responsabilizado civilmente pela morosidade na prestação jurisdicional. Somente com a responsabilização do Estado passaremos observar soluções pedagógicas, punitivas e preventivas para o razoável tempo de duração do processo. Por fim, cabe reiterar a lembrança que ofertar um lapso temporal para o desfecho da lide é dar dignidade não somente as partes do processo, mas a toda sociedade, e em caso de omissão ou até mesmo falência Estatal nessa prestação a responsabilização deste representa um grito de justiça em tempos obscuros.


REFERÊNCIAS ABDALLA, Alexandre Miguel Rezende. A Celeridade no Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Responsabilidade Objetiva do Estado pela Morosidade da Justiça. São Paulo: Copola, 1999. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 715/DF. Rel. Min. Celso de Mello. Disponível em: . Acesso em: 03 de maio de 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal Pet 4556 AgR / DF – Distrito Federal. Rel.: Min. EROS GRAU. Julgamento: 25/06/2009. Tribunal Pleno. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 14 de dez. de 2015. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. II, 19. ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 35. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas S.A., 2017. DI PIETRO, Maria Syvia Zane. Direito Administrativo. 28 ed. – Atlas: 2017. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 35 ed. – Malhereiros Editores: 2017. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 5º ed; São Paulo: Método, 2017. STRECK, Lênio. A concepção cênica das salas de audiências e o problema dos paradoxos. Disponível em: <http://enk.com.br/lenio/artigos/>. Acesso em: 14 de Fevereiro de 2016.

ABSTRACT The current situation of the jurisdictional organs in the country is worrisome, because of such precariousness. At the end of the long judicial journey, many are able to obtain favorable, but no longer effective, termination decisions. We need to establish more rigidly the scope of civil liability of the State for the slowness of judicial provision, as well as the ideal of justice in the environment of the Democratic State of Law. Keywords: State Liability. Poder Judiciary. Effectiveness. Parlatório

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Artigo

Jaciel Neto

Advogado inscrito na OAB/RN.

Poder(?) de Tributar:

Uma Breve Análise sobre Justiça Tributária e Estado Democrático de Direito

RESUMO Tributação, poder de tributar, justiça tributária e Estado Democrático de Direito são elementos de um todo que devem estar em constante e permanente harmonização. Em uma sociedade justa e organizada, é difícil analisar ou estudar um termo dentre os acima mencionados sem fazer a correlação com os demais, de modo que, na falta de um, faltará plenitude na justiça e, consequentemente na sociedade justa e no Estado Democrático. Assim, tem com objetivo o presente trabalho, fazer uma breve análise sobre a definição de justiça, trazendo o termo para ser visto sob a ótica da tributação e do poder de tributar do Estado, sendo possível, desse modo, ligá-los ao conceito e estrutura de um Estado Democrático de Direito, para que ao final possa ser percebido que os termos descritos no início desse resumo não podem ser vistos de maneira isolada. Para tanto, foi utilizado para a confecção do presente trabalho a pesquisa bibliográfica qualitativa dentre alguns autores nacionais e estrangeiros, de modo que se buscou estudar livros doutrinários, artigos científicos e pesquisas na rede mundial de computadores. Portanto, a partir das pesquisas e estudos realizados, percebeu-se que a real justiça tributária, principalmente no que atine a realidade brasileira, ainda está aquém do ideal e do visto em outros países. Ainda, foi possível observar que em um Estado Democrático de Direito, os órgãos e os entes federativos, possuem competências tributárias, contudo, estas não se traduzem em poder de tributar absoluto em si mesmo. PALAVRAS-CHAVE: Estado Democrático de Direito. Poder de tributar. Justiça tributária. Evolução histórica. INTRODUÇÃO Justiça Tributária é um termo que há 25 anos, desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, vem se tentando alcançar em sua plenitude. Porém, o que se tem percebido claramente é que apenas há, desde então, tentativas

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frustradas de se alcançar tal objetivo. Não é de se olvidar a evolução histórica que se deu no Brasil e no mundo frente às lutas de classes tão importantes ocorridas. Não fossem tais transformações, talvez o país ainda estivesse acorrentado às amarras de


um governo submisso aos comandos europeus ainda remanescentes da época da colonização. Felizmente a situação mudou e a história cuidou em registrar tal mudança. Os fatos geradores dos tributos, nesse compasso, se justificam na medida em que, constitucionalmente falando, se comprometem com o valor de Justiça, objeto este tão almejado pelo Estado Democrático de Direito, devendo os mesmos estrita e obrigatória observância aos indicativos da capacidade econômica, desse modo, fazendo valer os predicados do princípio da capacidade contributiva esculpido na Carta Maior de 1988. O Ius Imperi verificado nos tempos antigo da sociedade e do Estado, chegou a justificar durante muitos anos as ilegalidades, desproporcionalidades e irracionalidades que eram cometidas perante a população nas épocas mais remotas. O “poder” de tributar nem sempre refletiu um motivo justo e ideal para a criação, cobrança e arrecadação dos tributos. Nessa toada, fazendo um breve apanhado conceitual, juntamente

com as aplicações teóricas e evolução histórica, é que se faz uma análise primeiramente da Justiça Tributária, utilizando-se, para tanto, as ilações da professora doutora Inessa da Mota Linhares Vasconcelos (2012), onde se mostra a impossibilidade de se analisar a Justiça Tributária apenas com base se si mesma ou com base em ramos específicos do Direito, considerando que, uma vez sendo feita a justiça tributária no seio da sociedade, se estará, acima de tudo, corroborando para a concretização da Justiça na acepção de sua palavra, nesse ponto, servindo de auxílio, são os estudos de Rawls (1997) e Irapuã Beltrão (2014). Ainda, analisando o tema da justiça tributária frente ao Estado Democrático de Direito, é de bom alvitre mencionar o fato de como este evoluiu até que se firmasse na maior parte do mundo. A questão da justeza na tributação influencia verdadeiramente uma sociedade no que tange a consecução e concretização dos postulados democráticos, sendo impensável nos dias atuais, analisar um sem o outro.

O “poder” de tributar nem sempre refletiu um motivo justo e ideal para a criação, cobrança e arrecadação dos tributos.

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2. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, APLICAÇÕES E EVOLUÇÃO HISTÓRICA FRENTE A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS

A única coisa que nos permite aceitar uma teoria errônea é a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. 102 . Parlatório

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Como em todo conceito aberto da ciência jurídica, analisar o termo justiça tributária é tarefa que se faz de maneira não tão simples e direta. Usualmente, quando se ouve ou se fala do vocábulo justiça em seu mais estrito senso, logo vem na mentalidade de cada um os sentidos como os de isonomia, equidade, direitos igualitários, dignidade da pessoa humana, dentre outras expressões. Quanto ao tema Justiça Tributária este não podia se dar de modo diferente, vez que também guarda íntima correlação com os termos supracitados, tendo, ainda, como um plus de destaque, os ditames do princípio da capacidade contributiva e o princípio da vedação ao confisco, sempre tomando por base a Carta Maior do país, refletindo inevitavelmente no princípio da dignidade da pessoa humana. Para embasar tais palavras tem-se: A noção do que venha a ser justiça tributária passa inelutavelmente pela discussão mais geral do que seja a justiça. Do ponto de vista conceitual, isso implica difícil e quiçá intransponível obstáculo epistemológico que impede que sejam estabelecidos os contornos desse objeto cognoscente, cuja essência é irrevelável ao conhecimento comum (VASCONCELOS, 2012, p. 73). Portanto, como descrito acima, a função de delinear e conceituar os termos justiça, bem como justiça tributária, são obstáculos epistemológicos de difícil transposição que

não se esgotam em simples estudos ou conhecimentos sobre o assunto, ao contrário, está em constante mutação fazendo companhia a toda mudança de conhecimento que existe sobre o assunto. Asseverando: De fato, a concepção de justiça é variável no tempo e no espaço, como sucede com o bem-estar social. Apesar de relativa, não há como se negar que essa concepção encerra um mínimo de significação. A grande e difícil questão é, pois, firmar um conceito mínimo do que venha a ser justiça (VASCONCELOS, 2012, p. 73). Ainda na tentativa de trazer um pouco da conceituação de justiça, de destaque são as palavras Rawls (1997, p. 3) “A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento”. Desse modo, tratar a justiça como preceito maior de uma sociedade enquanto instituição organizada é dizer que aquela encontra-se em posição sempre de mais destaque, posto que é a base de uma organização civilizada. Portanto numa sociedade justa as liberdades de cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociação política ou ao cálculo de interesses sociais. A única coisa que nos permite aceitar uma teoria errônea é a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável


somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis (RAWLS, 1997, p. 4). Induvidoso falar que, a recente constitucionalização dos direitos no Brasil tornou a questão da justiça ainda mais evidente, trazendo a baila todas as questões sobre o poder de tributar do Estado e a forma como tal atividade é cumprida, para que não seja ferida a isonomia e a capacidade contributiva de todos aqueles que sofrem com a incidência das normas tributárias. Assim sendo, a observância ao estrito cumprimento do princípio da legalidade, a neutralidade estatal, no que tange a não invasão à vida privada e financeira dos contribuintes pelo estado e a observação do princípio da capacidade contributiva, são de grande importância para que assim não sejam feridos todos os preceitos constitucionais colocados atualmente em patamar de maior relevância para a aplicação das leis equitativamente, fazendo elo com o seguinte: Não se pode olvidar que a noção da justiça como equidade está no cerne da concepção contemporânea de justiça tributária. Assim, de que modo deve o Estado impor a seus súditos o pagamento de tributos? Que tributos e hipóteses de incidência? Qual alíquota é justa para garantir um bom desempenho financeiro da máquina tributária, sem impor ao contribuinte ônus insuportável? Questões desta dimensão sinalizam para a presen-

ça da ideia de justiça na formulação de qualquer política tributária (VASCONCELOS, 2012, p. 79).

butárias, que se enseja o alcance da justiça social. (VASCONCELOS, 2012, p. 80).

Dessa maneira, para que se possa alcançar justiça em seus mais alargados termos, imperioso que se passe pela justiça também na tributação, evitando, assim, o aumento das diferenças sociais, os entraves no desenvolvimento econômico do país e tudo mais aquilo que de certa maneira impede a concretização dos ideais almejados pela Carta Magna de 1988. Para ratificar ainda mais tal entendimento, tem-se as seguintes palavras:

Indispensável tomar como base toda a evolução e historicidade que se deu no país em tempos mais antigos. Marcado pela desigualdade de maneira forte e pela má distribuição das rendas, necessário se faz correlacionar tais fatos com a ciência das finanças e também com o próprio direito tributário, imbricando com o conceito maior de justiça dos tempos modernos e assim tratando o poder de tributar e a maneira do Estado se gerir financeiramente de forma mais justa. Dessa forma, passou-se a considerar mais o lado da capacidade contributiva, fazendo com que aqueles que mais possuem possam contribuir mais, de modo que os que menos possuem, contribuam menos. Nessa evolução da ciência financeira e do direito tributário, foi possível perceber uma maior distribuição das riquezas e das rendas, de

[…] a justiça na tributação é o caminho para que se chegue à justiça social, com a superação das abissais diferenças que entravam o desenvolvimento nacional. Dessa forma, é com a concretização da justiça tributária, princípio estruturante do sistema jurídico-tributário e de hermenêutica fundamental para a aplicação das normas jurídico-tri-

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maneira tal que, os ramos do direito acima mencionados começaram a ser vistos não apenas meramente eficientes, para serem, a partir de então, vistos sob uma ótica mais justa, sem, no entanto, refugar a eficiência. Então, observa-se que as leis e os sistemas não bastam almejarem a eficiência a qualquer custo, tem que ser, no mesmo compasso, justos, para que assim se possa alcançar, primeira e basicamente a justiça social. Nas palavras de Irapuã Beltrão: Não apenas os pensadores da atividade financeira destacam essa necessidade. Na nova virada testemunhada no último quartel do século passado, muito se recuperou dos instrumentos das finanças para implementação da justiça social, promovendo uma melhoria nas condições de gerais com redistribuição das riquezas da coletividade para além do sentido puramente de eficiência econômica (BELTRÃO, 2014, p. 106).

As leis e os sistemas não bastam almejarem a eficiência a qualquer custo, tem que ser justos, para que se possa alcançar, primeira e basicamente a justiça social. 104 . Parlatório

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Acompanhando tal evolução, se faz de bom alvitre esclarecer que a Carta de 1988 foi no mesmo sentido da evolução dos estudos das finanças e dos tributos justos, uma vez que se começou a perceber uma onda internacional com relação ao amadurecimento do sentido de justiça. É como se pode observar nos artigos 3º e 43 da Constituição da República Federativa do Brasil em que é posto todo um modelo responsável pela garantia do estado social e do bem estar social. No entanto, este bem estar social, não é alcançado de fácil maneira com uma política fiscal e tributária apenas eficiente e econômico, há que se tomar atenção quanto à justificação das normas de redistribuição, pois na doutrina econômica, o postulado da justiça tributária está ligado a justiça redistributiva, porém, este termo ainda há que ser mais profundamente analisado, uma vez que se pode alcançá-lo tanto no sentido da redistribuição das capacidades contributivas, como na realocação da aplicação das rendas,

sendo estas ultimas aplicadas da melhor maneira possível para que se possa verificar um bom remanejamento das riquezas. Destacando: Em razão dos valores assegurados ou reconhecidos na Constituição, a atividade financeira pública não pode ser, de forma exclusiva, ponderada na visão econômica, especialmente em razão do princípio da diferença apresentado por Rawls, permitindo o atingimento da melhor adequação e resultados sociais - como, no exemplo citado pelo próprio autor estadunidense, quanto as despesas e financiamento da educação. (BELTRÃO, 2014, p. 107) Assim, considerando os postulados da política fiscal, poderá se alcançar a destacada justiça tributária não só com a simples criação de tributos em si, fazendo do estado um exímio caçador de dinheiro para galgar eficiência econômica, mas,


também, buscando formas extrafiscais para se chegar a uma política fiscal e tributária justas. Daí porque o legislador, e, consequentemente, o Estado, devem observância aos princípios constitucionais para se colocar em prática os escopos de justiça e bem estar social impregnados na Constituição uma vez que a justiça tributária, bem como a doutrina pátria liga-se com o sentido de redistribuição das riquezas. Vejamos o seguinte ensinamento:

disponibilidade destes para a diminuição das diferenças, tal qual conste dos princípios fundamentais da Carta Constitucional de 1988 e largamente reconhecido na interpretação da efetividade material do ordenamento fundamental, devendo estrita observância do legislador. Continuando de maneira clara, destaca como se deve agir todo o ordenamento fiscal frente aos comandos constitucionais postos no art. 3º da Constituição da República:

a justiça fiscal, especial dimensão da justiça política, é a nosso ver, a que oferece a melhor instrumental para a redistribuição de rendas, com a adjudicação de parcelas da riqueza nacional a indivíduos concretos. Abrange simultaneamente a justiça orçamentária, a tributária e a financeira (TORRES, 2005, p. 113-114).

Mesmo o sistema econômico nacional foge àquela visão estática de acolher os valores constitucionais, projetando-se para o futuro com o acolhimento das demandas sociais (BELTRÃO, 2014, p. 109).

Ainda: a máxima na justiça tributária está vinculado ao postulado de Direito na igualdade fiscal e inclui imposição uniforme segundo a capacidade contributiva econômica. Justiça fiscal em sentido estrito é a execução sistematicamente consequente da igualdade tributária e dos princípios, que concretizam o princípio da igualdade (TIPKE, 2008, p. 394). Efetivamente falando, a questão de uma política tributária/fiscal justa é principalmente fazer com que a tributação gere os melhores recursos do ponto de vista de uma realização racional e econômica, permitindo a

De tal modo, a política financeira e tributária do Estado vai mais além do que simplesmente produção de leis e mandamentos. Se não for observado os proclames constitucionais desde a criação até o alcance das exações tributárias dificilmente se poderá afirmar que foi atingido o objetivo do bem estar social através da redistribuição das rendas e das riquezas e assim alcançado a justiça tributária. Para tanto tem-se o seguinte: Para que a justiça fiscal, por outro lado, seja realizada de modo efetivo, o conteúdo da economicidade deve lhe emprestar os predicados para que todas as tomadas de decisões tributárias – inclusive na fase legislativa – sejam dadas a partir da avaliação dos meios empregados diante das finalidades a serem atingidas (BELTRÃO, 2014, p. 110).

Como se vem observando na sociedade atual, desde as manifestações de junho/julho de 2013, a pressão vinda daquele meio nada mais é que o entendimento que veio se formando em seu interior no sentido de cobrar efetivas e enérgicas ações para que sejam observados os interesses da maioria e não de apenas determinados setores pelo legislador brasileiro. Portanto, da análise do termo justiça tributária, inevitavelmente se observa, também, a análise dos princípios fundamentais e constitucionais trazidos no bojo da vigente Constituição Federal, mais especificamente o princípio da capacidade contributiva, princípio da isonomia, da neutralização do Estado e dentre outros trazidos anteriormente. Assim: A justiça, tal como uma espécie de tentáculos, há de alcançar aqueles menos desprovidos de recursos, sejam materiais ou intelectuais, reconhecendo aquele estado de diferença amplamente suscitada pela moderna teoria do direito. A gestão tributária e a política fiscal decorrente deve se prestar a equacionar, isonomicamente, os agente sociais de acordo com a sua capacidade contributiva para que se dê, de forma plena, a justiça (BELTRÃO, 2014, p. 110). Fica claro o modo como a sociedade responde e anseia pela justiça no seu termo mais amplo, bem como também, a justiça tributária, indo para as ruas e exigindo dos representantes legais que atuem de modo para que efetive e coloquem em prática este tão importante tema que é a justiça. Parlatório

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3. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PODER(?) DE TRIBUTAR

A medida da tributação é a capacidade contributiva, em uma ocasião em que todos têm o dever de contribuir, contudo, cada um dentro de suas capacidades para tal, sem fazer do poder de tributar do Estado, uma razão para a generalidade, vindo a gerar injustiça tributária no seio de uma sociedade que deve ser igualmente justa. 106 . Parlatório

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Ser capaz para contribuir com o Estado através de seus tributos instituídos não significa trabalhar, auferir renda e acumular riqueza, para, por conseguinte, aquele ficar com a maior parte do inteiro. Tanto é que, se for feita uma rápida visitação histórica das mais importantes revoluções e transformações acontecidas nos tempos antigos no centro europeu como na França e Inglaterra, por exemplo, se perceberá que, a injustiça quanto ao tanto que era dado ao Estado e quanto ao tanto que se tinha a título de retorno - praticamente nada naquela época havia de retorno para a sociedade - sempre esteve como plano de fundo, ou seja, a injustiça tributária, consequentemente a social, sempre serviu de força motriz para as principais transformações nas sociedades. Mudança significativa começou a se operar com a Carta Magna de 1.215 do Rei João Sem Terra. Assim sendo, a medida da tributação é a capacidade contributiva, em uma ocasião em que todos têm o dever de contribuir, contudo, cada um dentro de suas capacidades para tal, sem fazer do poder de tributar do Estado, uma razão para a generalidade, vindo a gerar injustiça tributária no seio de uma sociedade que deve ser igualmente justa. A manifestação de riqueza nem sempre se correlaciona com a manifestação de capacidade contributiva. Algumas vezes, a manifestação de riqueza de certos contribuintes significam apenas valores suficientes para a sobrevivência do ser, desse modo, podendo vir a não serem tributados

sem que haja ofensa ao princípio da isonomia. Desta feita, justiça fiscal, por meio da observância da capacidade contributiva, seria a capacidade econômica somada a todos os valores de proteção do interesse público garantidos pela Constituição, seria a qualificação da capacidade econômica tendo como critério basilar todos os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Mãe de 1988 para que, desse modo, se faça possível viver em uma sociedade mais justa e igualitária. Continuando na análise da justiça tributária inserida no ordenamento jurídico brasileiro e, por conseguinte, fazendo uma correlação com o Estado Democrático de Direito, vê-se que, o sistema tributário organizado e posto como hoje está, foi possível graças a evolução dos estudos no século XIX e, também, a evolução do direito financeiro, fatos estes ligados ao surgimento do Estado Democrático de Direito. Nesse passo, é onde surge todo o sistema de princípios que regem o direito tributário, passando este de estudo meramente econômico para estudo jurídico e consequentemente de justiça. Bem descrito nos estudos a seguir: [...] a construção de um pensamento sistemático do direito tributário somente foi possível graças ao surgimento do Estado de Direito e às pesquisas jurídicos-administrativas havidas ao longo de todo o século XIX, ao que adicionamos a contribuição da Doutrina da Ciência das Finanças, naquilo


que pode ser assimilado ao Sistema Tributário. Desse encontro exsurgem as bases do sistema de princípios, conceitos e de relações peculiares do direito tributário que conhecemos na atualidade. E foram necessários mais de cem anos de evolução e aperfeiçoamento para libertar os tributos da economia e a estes conferir um exaustivo rigor de juridicidade (TÔRRES, 2011, p. 300). Originariamente entendia-se o sistema tributário apenas sob os aspectos econômicos e empíricos, fato este que passou a ser mudado com o surgimento do Estado Democrático de Direito, onde se começou a analisar o sistema tributário sob o enfoque jurídico. Um primeiro entendimento metódico sobre o sistema tributário nasceu com os estudos de Adolf Wagner onde o mesmo dizia que: sistema tributário significa a indicação dos princípios econômicos e jurídicos a serem seguidos, os critérios de justiça tributária e o princípio da diferenciação do sistema tributário, que serviria de distinção dos tributos segundo os fatos representativos de capacidade contributiva. (1990, apud TÔRRES, 2011, p. 302) A partir de então, tendo em vista todos os princípios existentes no ordenamento jurídico o princípio da segurança jurídica foi considerado como um implícito do Estado de Direito, consagrado como expressão de certeza jurídica, podendo se afirmar que o Sistema Tributário deve ser

concebido como um permanente esforço de concretização do conteúdo essencial do princípio da segurança jurídica, servindo este como mais uma maneira de se alcançar a justiça tributária. Ao seguir na evolução dos tempos e dos estudos, já pelo meio do século XX, passou-se a perceber de forma mais contundente que o princípio da segurança jurídica e o sistema tributário organizado se encontravam diretamente ligados com o Estado Democrático de Direito, indo mais além, passando a entendê-los não somente ligados ao Estado Democrático em si, mas, também, ao princípio da garantia da legalidade tributária, de forma que as leis tributárias muito mais que trazerem em sua essência apenas os fatos e as obrigações jurídicas, devem assegurar uma tributação justa e condigna com a realidade do Estado, especialmente devendo atenção maior aos ditames da isonomia e capacidade contributiva. Em vista disso, percebe-se que

as garantias e direitos fundamentais trazidos na Carta Maior de 1988, e o ordenamento dos sistemas tributários vieram para corroborar com o sentido de Constituição Material. A conformação das normas à simples legalidade começou a não bastar mais para fundamentar a tributação e o asseguramento da segurança jurídica. Considerando tal fato, as constituições e suas correspondentes normas garantistas passaram a ganhar mais destaque como forma de justificar todo o arcabouço tributário, ficando dessa maneira os legisladores vinculados e devendo obrigatória observância aos mandamentos constitucionais. Assim sendo, é por meio da segurança jurídica garantidora dos princípios constitucionais que se tem comprometimento com a concretização da realização de um real Estado Democrático de Direito, tendo como fator basilar o sistema tributário ligado intimamente com os valores, garantias e direitos fundamentais defendidos na Constituição Parlatório

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A tributação projeta-se como forma de relação constitucional democrática. [...] será a partir da Constituição posta, exclusivamente, como plexo de poderes que investirão o Estado como sujeito da ordem interestatal, que se poderá falar, com legitimidade, de uma verdadeira soberania estatal como somatório de todas as competências, internamente. 108 . Parlatório

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Federal, garantindo, assim, justiça funcional aos valores constitucionais tão importantes. Um Estado Democrático de Direito e um sistema tributário justo, demonstram a capacidade que os estudos sobre o assunto tiveram de desligar a ideia de que o tributo se mostrava como desenho do Ius Imperi do Estado, em que se fundamentava a tributação das pessoas unicamente no poder de tributar daquele sem, contudo, observar o poder-dever de concretizar os comandos garantistas trazidos em todo o bojo da Constituição, de proteção dos direitos e liberdades individuais dos contribuintes quanto a suas reais possibilidades frente as normas e obrigações tributárias. No novo modelo de constitucionalismo dos tempos atuais, a realização e permanente otimização dos princípios constitucionais se mostra como uma das características principais, senão a principal. Portanto, o exame e observância da segurança jurídica impõe o dever de definir seu conteúdo, alcance e efeitos do Sistema Tributário Constitucional, para que se seja possível uma definição básica de suas competências e objetivos. A partir da nascença e confirmação cada vez mais emergente do Estado Constitucional de Direito, começa a entrar em cena, fazendo como contra peso a tal soberania estatal, os limites e princípios do poder de tributar. Os primeiros, de modo objetivo, mostrando o alcance do poder estatal na sua atividade legislativa e executiva quanto aos tributos, sendo assim, tratados como real limite de obrigatória atenção e observância

pelo Estado. Já os segundos, possuindo um papel mais demonstrativo de como deve ser exercido o poder de tributar, se caracterizando como um conjunto de regras a serem seguidas pelo Estado quando da criação e administração das obrigações tributárias. Assim, hoje, a tributação se liga com a relação constitucional tributária, devendo o poder de tributar ser compreendido como o somatório de todas as competências, na medida em que estas são a expressão do poder no qual a soberania se torna reflexo, segundo entendimento: Na atualidade, como dito, a tributação projeta-se como forma de relação constitucional democrática. [...] será a partir da Constituição posta, exclusivamente, como plexo de poderes que investirão o Estado como sujeito da ordem interestatal, que se poderá falar, com legitimidade, de uma verdadeira soberania estatal como somatório de todas as competências, internamente (TÔRRES, p. 307 e 309). O estudo é, de certa forma, espinhoso, pois trata-se de falar de um assunto sensível no que tange a um Estado Democrático de Direito e suas garantias fundamentais de justiça, além de que, os tributos e suas obrigações, mexem com uma parte melindrosa dos contribuintes, o bolso. Quando se detêm para fazer uma análise mais crítica da situação atual do Brasil, logo se percebe que o problema não está na carga tributária por si só. Em sendo assim, países mais desenvolvidos da Europa teriam enfrentado maiores e mais graves dificuldades que o Brasil, uma vez que


lá, como por exemplo, na Dinamarca, Suécia, França e Itália, encontra-se cargas tributária maiores do que a brasileira. Enquanto se tem uma carga tributária brasileira nos atuais 35%, a Dinamarca possui 45,2% e não por isso se percebe a tamanha dificuldade em se pagar impostos lá do que aqui, pelo motivo de que existe uma real e concreta redistribuição de tais valores pagos a título de impostos para toda a população, de modo que quem mais ostenta condições de pagar impostos, contribui com aqueles que menos têm, fazendo com que toda a sociedade seja beneficiada, do mais pobre ao mais rico, com saúde, educação, segurança e mais outros benefícios garantidos a todos e de ótima qualidade. Tais fatos causa uma incógnita ainda sem resolução, no sentido de que, será que o Brasil se encontra realmente libertado daquele estado Soberano dos tempos antigos que ins-

tituía e cobrava impostos no seu ius imperi? Muito pouco se vê no que atine ao retorno dos valores pagos à título de tributos no Brasil. Quem ganha ou possui mais paga menos, quem menos possui capacidade contributiva pena com os serviços públicos precários do país e assim vai criando um sentimento negativo com relação ao dever de pagar impostos, ficando este a mercê da sonegação pois não há um real e concreto retorno em bem-estar aos cidadãos. Portanto, o que mais se percebe no Brasil hoje é, falta de planejamento tributário a médio e longo prazo, má gestão do dinheiro público, mínimo retorno do valor dos impostos para os serviços básicos, não taxação dos indivíduos de acordo com suas capacidades contributivas e uma política tributária que almeja tão somente a entrada de dinheiro nos cofres públicos, fazendo dessa situação um círculo vicioso sem perspectivas de mudanças. Parlatório

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CONCLUSÃO Os escritos tratados ao longo do desenvolvimento deste trabalho demonstram o tamanho da importância que carrega o fato de um Estado apresentar bons números de arrecadação e fiscalização fiscal, assim como se apresentar como justo tanto em suas atividades mais habituais, como no processo de tributação. A população em geral não vê o retorno daquilo que é pago à título de imposto e nesse contexto passa a alimentar um sentimento de que sonegar, evadir ou simplesmente não pagar impostos é tido como “direito” adquirido. Ora, jamais uma nação dita democrática de direito albergaria normas que fossem no sentido daqueles pensamentos. Tributos existem e, acima deles, existe o dever fundamental de pagá-los. O pagamento de impostos é o preço que se paga para se dispor de uma sociedade assente na liberdade,

de um lado, e num mínimo de solidariedade, do outro. Os cidadãos de uma nação ao mesmo tempo em que são livres são responsáveis pela comunidade em que vivem. Assim sendo, o limite da tributação é igualmente alcançado com o limite do poder de tributar que carrega o Estado, este se mostrando como um garantidor de direitos, não podendo invadir a esfera do mínimo existencial dos contribuintes, nem muito menos adentrar tanto ao ponto de se caracterizar um verdadeiro confisco. Tributação é termo intimamente ligado à efetivação. Efetivação de todo o Estado Social Democrático de Direito. Promover ações para conscientizar a população da educação, solidariedade fiscal e, acima de tudo, fiscalização da gestão do dinheiro público é de suma importância, ainda mais se tratando de Brasil

onde o retorno para o povo de tudo aquilo que se arrecada é vergonhoso. As garantias e direitos fundamentais do homem não há como serem efetiva e eficazmente confirmados onde não haja fluxo orçamentário para tanto. No entanto, este fluxo, uma vez devendo ser solidariamente compartilhado e financiado por toda a população de uma sociedade, não pode estar sujeito a desproporcionalidades por parte do Estado somente em nome do poder de tributar que o mesmo carrega. Portanto, incontestável dizer, que a grande parcela da população brasileira é necessitada das prestações estatais, cumprindo este o seu dever igualitário e distributivo, utilizando para tanto, a justiça na tributação. Os direitos sociais é fator de nivelamento da sociedade, deixando o princípio da isonomia menos abstrato e amenizando as injustiças sociais.

REFERÊNCIAS BELTRÃO, Irapuã. A política tributária para a realização do princípio da justiça. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 39, p. 95-115, abr. 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 16 jul. 2016. O Globo, De 30 países, Brasil é o que oferece menor retorno dos impostos ao cidadão. Disponível em: <http://www.ibpt.com.br/noticia/2260/De-30-paises-Brasil-e-o-que-oferece-menor-retorno-dos-impostos-ao-cidadao> Acesso em: 31 jul. 2016. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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TIPKE, Klaus. Direito Tributário. 18ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. V. I. TIPKE, Klaus: YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: valores e princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. _____. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. VASCONCELOS, Inessa da Mota Linhares. Efetivação da justiça tributária: a constitucionalidade da dedução de despesas com medicamentos adquiridos pelo contribuinte da base de cálculo do IRPF. 2012. Tese (doutorado). Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2012. VIEGAS, Viviane Nery. Justiça fiscal e igualdade tributária: a busca de um enfoque filosófico para a tensão entre poder de tributar e direito de tributar frente à modernidade tardia no Brasil. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, vol. 7, n. 7, p. 66-89, jan./jun. 2010. WAGNER, Adolf. La scienza, 1990. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 302.

POWER(?) TO TAX: A BRIEF ANALYSIS ABOUT TAX JUSTICE AND DEMOCRATIC RULE OF LAW ABSTRACT Taxation, power to tax, tax justice and democratic rule of law are elements of a whole that must be constant and permanent harmonization. In a fair and organized society, it is difficult to analyze or study a term from the above without making the correlation with the other, so that, in the absence of one, it will lack the fullness of justice and consequently in the fair society and the State Democratic. So, the present study aims, to make a brief analysis of the definition of justice, bringing the term to be seen from the perspective of taxation and taxing power of the state, and you can thus connect them to the concept and structure of a democratic state, so that the end can be seen that the terms described at the beginning of this summary can not be seen in isolation. Thus, it was used for the preparation of this work the qualitative literature among some national and foreign authors, so we tried to study the doctrinal books, scientific articles and research on the world wide web. Therefore, from the research and studies, it was realized that the real tax justice, especially regarding brazilian reality, still falls short of the ideal and seen in other countries. Still, it was observed that in a democratic state of law, the agencies and the federal entities, have tax powers, however, these do not translate into absolute power to tax itself. KEYWORDS: Democratic State of Law. Power to tax. Tax Justice. Historic evolution. Parlatório

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