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LÁ FORA
EM UM ANO, SÓ 23,6% DO APOIO ÀS EMPRESAS ANGOLANAS FOI DESEMBOLSADO
Apenas 23,6% dos 760 milhões de dólares norte-americanos, valor do pacote de apoio financeiro às empresas do sector primário, no âmbito das medidas de alívio aos efeitos da Covid-19, foi disponibilizado
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Texto Ladislau Francisco • Fotografia D.R
Acovid-19 levou a que os Estados em todo o mundo adoptassem medidas para aliviar os seus efeitos na economia, em geral, e nas empresas, em particular. Em Angola, o Executivo aprovou, por meio do Decreto Presidencial n.º 98/20, de 9 de Abril, o pacote de 488 mil milhões de kwanzas, cerca de 760 milhões de dólares norte-americanos, distribuídos entre o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (FADA), Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) e Fundo Activo de Capital de Risco (FACRA), a fim de assegurar o apoio financeiro para a manutenção mínima dos níveis de actividade das micro, pequenas e médias empresas. Entretanto, até Novembro de 2020, quase seis meses depois de se ter tornado público o plano de alívio económico, tinham sido desembolsados somente cerca de 115,61 mil milhões Akz (kwanzas) do total aprovado, cerca de 23,6% do valor. Na região da SADC, a África do Sul, conforme publicou o jornal português “Observador”, definiu um pacote parecido, com cerca de 50 mil milhões de rands, equivalentes a mais de três mil milhões de dólares norte-americanos, cerca de quatro vezes superior ao de Angola, e vai ser usado não apenas para ajudar as empresas, mas também para fazer algum investimento na saúde. O Governo sul-africano vai contratar quadros em falta, pelo menos dois mil funcionários, e criar também um fundo de investimentos em infra-estruturas no valor de 400 mil milhões de rands (cerca de 28 mil milhões de dólares). Para Nuno Fernandes, presidente da Associação Angolana das Empresas de Publicidade e Marketing, essa medida do Governo sul-africano justifica-se, pois “ainda que em recessão, tem uma robustez diferente da nossa”. Essa opinião é, de resto, partilhada por José Severino, presidente da Associação Industrial de Angola, que justificou que os valores são proporcionais ao mercado dos dois países. “Só que o nosso ainda vivia e vive consequências gravosas de uma crise que já vem de trás”, reforçou. Em Angola, além das medidas puramente económicas, o Decreto apontou para medidas de alívio fiscal, como o alargamento do período de declaração de impostos por cerca de três meses e crédito fiscal de 12 meses para as empresas, sobre o valor do IVA a pagar na importação de bens de capital e de matéria-prima que sejam utilizados para a produção de bens da cesta básica. Mas não se ficou por aí. Adoptaram-se, igualmente, medidas de alívio no imposto acoplado aos salários, IRT, per-
Falta fiscalização Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 20-G/2020, que tem o mesmo ou muito parecido fundamento que o Decreto Presidencial n.º 98/20, de 9 de Abril, define a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I. P., e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional, Competitividade e Internacionalização como instituições responsáveis por controlar e garantir que os recursos sejam utilizados de acordo com os seus objectivos. O Decreto angolano, por sua vez, não indica nenhuma instituição para controlar e garantir que os recursos sejam gastos de acordo com os objectivos, uma lacuna que pode ser fatal numa realidade como a nossa, segundo fontes contactadas pela E&M. É que as empresas deixaram de pagar, por cerca de três meses, os 3% do ordenado que normalmente são transferidos para a Segurança Social, para que fossem devolvidos aos trabalhadores. Entretanto, afirmaram fontes, a probabilidade de ter havido incumprimento nesse domínio é elevada. Na Europa, a estratégia foi diferente, além dos pacotes de crédito, abriu-se a porta do lay-off, que consiste na redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho efectuada por iniciativa das empresas, durante determinado tempo, devido a motivos de mercado, motivos estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afec-
mitindo a alteração temporária do pagamento por parte das empresas da contribuição para a Segurança Social (8% do total da folha salarial), que devia ser paga logo no segundo trimestre de 2020 para pagamento em seis parcelas mensais, durante os meses de Julho a Dezembro de 2020, sem formação de juros. Com o olhar nas famílias, o Estado permitiu que os 3% do ordenado que normalmente são transferidos pelas empresas para a Segurança Social fossem devolvidos aos trabalhadores, aumentando assim, por pelo menos três meses, a renda dos trabalhadores. tado gravemente a actividade normal da empresa. Para fontes da Economia & Mercado, a não-adopção do lay-off em Angola foi um erro. Questionados sobre se tais medidas ajudariam, Nuno Fernandes e José Severino foram ambos unânimes nas respostas. “Claro que ajudaria as empresas. Os empresários no nosso país ficaram entregues a si próprios e ao cumprimento de obrigações que apenas tornaram menos viáveis os seus negócios. Há pouco para distribuir e a situação piora quando o pouco é deficientemente usado”, disse Nuno Fernandes. Já José Severino defendeu ser estranho não se ter usado tal ferramenta, ainda que num modelo mais soft que o europeu ou sul-africano, e que o facto de não ter sido usado um lay-off, “ainda que mais soft, abriu espaço para a descapitalização impiedosa das empresas e que, por esse mesmo motivo, muitas delas hoje padecem sem fundos para trabalhar e nem mesmo fundo de maneio. Uma verdadeira tragédia”, finalizou o responsável.
Medidas pouco claras para as pequenas empresas Apesar de ser um pacote essencialmente dirigido às empresas, Barnabé Manuel, membro da organização da conferência sobre “Evolução das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME)”, afirmou, em entrevista à Lusa, que as medidas de alívio económico não são muito claras para as pequenas empresas. Na mesma toada, Nuno Fernandes e José Severino, mais que acharem pouco claras as medidas, consideraram a ajuda em si insuficiente para verdadeiramente salvar as empresas. “Essa ajuda está muito longe das necessidades e assim as insolvências são diárias!”, comentou José Severino, presidente da AIA. O responsável reforçou que o Executivo tem agora despesas emergenciais, sobretudo com a Saúde, e precisa de alargar a base tributária com impostos ou taxas, por exemplo, no álcool e açúcar. Mas lembrou que não pode, o Executivo, estar constantemente a insistir na taxação do álcool, o que, para si, é inaceitável, uma vez que existem mais sectores como o ambiental, em que se deve, por exemplo, taxar a utilização de plástico. Nuno Fernandes segue a mesma linha de pensamento e defende que o número crescente de empresas que fecham e suspendem a sua actividade mostra a insuficiência da ajuda. E chama a atenção para os erros que ainda vão sendo cometidos, embora já haja melhores referências de gestão. Nuno Fernandes explica que a Associação Angolana das Empresas de Publicidade e Marketing, instituição que dirige, tem pelo menos 50 associados e enfrenta agora uma situação de extrema dificuldade, sendo que facturou cerca de 15 biliões de kwanzas. “Parece bom, mas, se recuarmos para 2014, essa facturação correspondia a menos de um terço das empresas associadas. O investimento médio em publicidade em 2014 rondava os 450 milhões de dólares. Já em 2020 caiu consideravelmente para menos de 50 milhões”.