12 minute read

soCIeDaDe

Next Article
MeGaFone

MeGaFone

figura do mês

É preciso melhorar a cadeia de produção agrícola

Advertisement

Victória paulo PCA da BMM

o surgimento da Bolsa de Mercadorias de Moçambique (BMM), em 2012, procurava responder aos principais desafios do sector agrícola. Das elevadas perdas pós-colheita à falta de financiamento no sector, mas essencialmente a estabelecer uma ponte entre os produtores e os diversos mercados de compra e venda. Depois de anos em que a ligação com produtores de todo o país foi sendo ampliada através de acções de sensibilização e da criação de uma rede de silos de armazenagem de produtos agrícolas, fala-se agora da criação de uma plataforma de gestão da produção depositada a nível nacional, que permita melhorar a comercialização dos produtos agrícolas de forma digital, aberta a ‘traders’ de todo o mundo. Victória Paulo, recém- -empossada PCA da BMM, fala à E&M sobre os objectivos do seu mandato.

Qual é, hoje, a importância da BMM para a agricultura?

Somos uma instituição pública criada pela necessidade de repensar o país em termos de organização do mercado e das transacções comerciais no sector agrícola. Era importante que o mercado se organizasse para que os intervenientes estivessem todos mais próximos, através de uma plataforma comum. O objectivo essencial da BMM é elevar a qualidade de vida daqueles que intervêm no processo produtivo, através da facilitação da comercialização de grãos secos (milho, feijões, arroz, castanha e gergelim) não fechando a porta, no futuro, à negociação de outras commodities como o gás ou as pedras preciosas.

A BMM detém a gestão de um complexo de silos onde é feita a armazenagem das diversas produções a nível nacional. Este sistema já está a funcionar na plenitude? Com certeza. A Bolsa recebeu do Governo sete complexos de silos (entre 2014 e 2015). A BMM actua entre o produtor e o comprador, estabelecendo o preço dos diversos produtos armazenados. Queremos desenvolver o nível de confiança entre as partes que intervêm no processo e melhorar a cadeia de produção agrícola. O valor de armazenamento para o milho não é igual ao dos feijões, por exemplo. Isso depende de período em que o produto vai ficar em stock, que, no máximo, vai até seis meses. Neste período, a Bolsa tenta encontrar um mercado para o produto armazenado.

Qual é a vantagem do uso dessas infraestruturas para os produtores?

É conseguir agregar produção de vários produtores, acumulando stock e ganhando

cv

curriculum vitae

Victória Paulo foi Delegada Provincial de Cabo Delgado do extinto Centro de Promoção de investimento (CPi) e é, desde agosto de 2018, PCa da BMM, substituindo antónio grispos, que liderou instituição desde 2014.

BMM

‘leverage’ ao nível dos preços. Com volume, conseguimos ter melhores preços de negociação, o que beneficia, em última análise, os próprios produtores ao nível do preço e do escoamento da produção. O preço é negociado em conjunto, em leilões, ou através da plataforma de negociação ou ‘trading digital’ que queremos introduzir este ano. Estamos seriamente a trabalhar nesse sentido.

Em que fase está o processo?

Estamos a iniciar o cadastramento de todos os complexos de silos, bem como dos stocks, neste sistema online. Isto já não é um sonho apenas, mas um objectivo que tem de ser real devido às necessidades do país. Precisamos de catapultar o nível de vida social dos 70% dos moçambicanos que estão na agricultura.

No passado, falou-se na possibilidade de se incluir o carvão mineral e o gás natural no portefólio de produtos transaccionados via BMM. Será assim?

O rubi, por exemplo, é transaccionado em Singapura e podemos tender a criar as condições na BMM para que Moçambique passe a ser, também, uma plataforma de compra e venda de outras commodities determinantes para a economia nacional.

Quais são as outras prioridades definidas para o seu mandato à frente da BMM? Gostaria que toda a legislação de operações da BMM fosse aprovada. Temos ainda a proposta da revisão do Estatuto Orgânico, o Regulamento Geral das Operações da Bolsa, do Sistema de Armazenamento com Certificado de Depósito, o Regulamento de Corretores da BMM, o Código de Ética dos Funcionários e Operadores e a aprovação das taxas dos serviços para as PME. Tudo isto precisa de ser aprovado pelo Ministério da Indústria e Comércio e pelo Conselho de Ministros. Estamos a trabalhar para aumentar o espectro da nossa presença na ligação com outras Bolsas e queremos continuar a estar nas províncias e a explicar o papel decisivo da BMM. Queremos que os Governos provinciais percebam a nossa existência e olhem para a Bolsa como o mecanismo regulador do mercado agrícola, tornando-o mais eficiente, transparente e padronizado, e com preços justos e competitivos a favor do pequeno agricultor.

texto Pedro Cativelos & Hermenegildo langa FotograFia Jay garrido

Potenciar a cadeia de valor agrícola “Queremos desenvolver o nível de confiança entre as partes que intervêm no processo produtivo”

sociedade

sucata

a rainha da economia informal

Um negócio que passa despercebido aos olhos de muitos, não entra nas contas da macro-economia, mas que garante um precioso rendimento a milhares de famílias. No entanto, a verdade é que a sucata é, hoje, a nova rainha da actividade informal

a par dos veículos motorizados, o trânsito nas estradas da capital é também feito de veículos sobre duas rodas, empurrados por homens, mais ou menos jovens, que vão anunciando disponibilidade para comprar artigos em ferro, velho já. Baterias obsoletas, metal enferrujado e aço desusado, são geralmente os mais procurados. “Sucata é todo o material ferroso e não ferroso, susceptível de reciclagem”. É esta a definição do presidente da Associação dos Sucateiros de Moçambique (ASSUMO), Rui Paulino, entrevistado pela E&M. Em torno disto, há toda uma indústria, mais ou menos formal. Não se sabe quanta gente movimenta a actividade, mas serão, certamente milhares de moçambicanos, por todo o país, num negócio que é simples de descrever: a matéria-prima, o ferro velho, é comprada por sucateiros, nos bairros e na periferia, e posteriormente transportado até às fundições onde é revendido, e pago a peso. Curiosa, ou nem por isso, é a inexistência de um quadro tributário específico para o efeito, constituindo um negócio que passa quase despercebido à Autoridade Tributária – a sucata ferrosa não transformada está isenta de IVA e somente após a sua transformação é sujeita ao pagamento dos 17%. Não se sabe, ao certo, quanto pode render aos cofres do Estado, mas haverá matéria colectável significativa, a avaliar pela quantidade de pessoas e dinheiro que movimenta.

o negócio A sucata é, a este respeito, apelativa por uma questão simples, relacionada com os custos. Em comparação com a produção a partir do minério de ferro, o processo de reciclagem do aço, por exemplo, necessita de menos 74% de energia, 90% de insumos virgens e menos 40% de água. E mais: segundo as Nações Unidas, “o uso do material reciclado, sobretudo a sucata ferrosa, apresenta vantagens em relação a matérias-primas virgens na produção de ferro e aço, reduzindo cerca de 58% da emissão de gás carbónico (CO²)”. Embora Moçambique seja um país ainda com fracos índices de industrialização, nota-se uma crescente busca por ferro-velho, dada a necessidade das usinas produtoras de materiais de ferro obter um melhor aproveitamento de todos os produtos e subprodutos gerados na cadeia produtiva. Estes envolvem empresas e singulares informais que, essencialmente, se dedicam à recolha, separação, processamento e comercialização de sucatas, tanto

sociedade

O camiNhO da sUcata

O trajecto das sucatas no país compreende, de uma forma geral, três dimensões. Da compra informal, nas ruas de bairros limítrofes das grandes cidades, à pré-transformação nas sucatarias, e, por fim, acaba na transformação para a produção de novos materiais, nas fundições

como é que chegam…

É uma actividade com uma abrangência vertical que se inicia com a recolha do material (colectadores de sucatas) através de carrinhas de mão (txovas). Estes recolhem diariamente nos bairros tudo que é material reciclável, ou seja, material ferroso e não ferroso.

… para onde vão…

Depois de ‘apanhadas’, as sucatas são encaminhadas para as diferentes sucatarias espalhadas por Maputo e Matola. É aqui que se inicia o processo de separação e selecção de tudo que é material ferroso e não ferroso para a sua pré-transformação.

… e como regressam ao mercado

FInalizado o processo de prétransformação, as sucatas são transportadas para as fundições (grande maioria), e outras (10%) seguem logo para exportação. Nas fundições, elas são recicladas em novos objectos de consumo, como panelas e varões para construção civil. Algumas são até transformadas em objectos de arte, ainda nas sucatarias.

no mercado interno como no externo. Não admira que a sucata atraia muita gente porque, na verdade, é um segmento rentável nos quatro cantos do Mundo. A título de exemplo, os Estados Unidos de América (EUA) é apontado pelo Observatório da Complexidade Económica (The Observatory of Economic Complexity – OEC) como o maior exportador de sucata de ferro no mundo, e representa um ramo de actividade avaliado em 3,23 mil milhões de dólares por ano. É seguido pela Alemanha e o Japão onde o negócio das sucatas movimenta 2,74 e 2,31 mil milhões, respectivamente. Do lado inverso estão os maiores importadores do mundo, sendo que a primeira posição é ocupada pela Turquia, que compra 3,69 mil milhões de dólares de sucatas por ano, seguida pela Índia com 2,2 mil milhões, Bélgica e China que gastam 2,1 e 1,81 mil milhões de dólares, respectivamente.

mercado garantido Ao contrário de muitos produtos nacionais, a sucata tem mercado garantido dentro e fora do país (uma fatia de mercado dominada maioritariamente por chineses). Segundo Rui Paulino, gestor da Limetal Vulcano, uma sucateira que trabalha com alumínio, cobre, bronze, chapas, ferro fundido e aço, o mercado “mostra uma predominância para as fundições talhadas para o aço macio, usado na produção de varões de construção civil. Depois, alumínio, cobre, bronze e chumbo são aproveitados pelas fundições para a produção de peças em grandes quantidades, como são os casos de panelas, que são abastecidas aos grandes compradores nacionais (o Ministério da Defesa, o Instituto de Prisões e alguns hospitais do país)”, explica. Para a ASSUMO, a saúde do mercado de sucatas “é boa e recomenda-se”, graças à grande procura de matéria-prima barata por parte das fundições nacionais para assegurar o fornecimento de um mercado que procura, cada vez mais, substituir as importações. No entanto, Rui Paulino reconhece que, ainda falta regulação ao mercado. “A existência de fundições que se mostram incapazes de responder positivamente aos desafios, que têm fraco poder de compra e, muitas vezes, acabam não honrando os seus compromissos com os abastecedores de sucata é um problema bem real”, diz. Um dos serviços que a associação acredita poder ser uma “mais-valia” económica para o país, é a ampliação de fundições recicladoras que não sejam apenas de ferro, uma vez que existem outros tipos de sucata como, por exemplo, tubos de material de construção, chapas, veios, vigas e outras variedades, com valor de mercado considerável e actualmente subaproveitadas. No entanto, a percepção de lucratividade não é transversal a todos os operadores. E há mesmo quem esteja a somar prejuízos e já cogite abandonar a actividade. Caso do gestor Fausto Miguel, da empresa Miguel Sucatas, que lamenta a “quebra de rentabilidade do negócio a que se vai assistindo com o passar do tempo.” O sucateiro revela que, actualmente, “a margem é muito pequena, quando comparada com os custos de operação e de estrutura da empresa.” E lamenta as “poucas regras de funcionamento neste

a paisagem urbana foi invadida por um fenómeno novo nos últimos anos. homens empurrando txovas contendo artigos aparentemente sem qualquer utilidade. mas, afinal, há um negócio rentável por detrás de toda esta actividade

negócio”, uma vez que, prossegue, “noutros países, a sucata é subsidiada, os municípios ajudam os sucateiros e há isenções, porque acabamos também por prestar um serviço público, como é a reciclagem. Mas, no nosso contexto, a actividade virou apenas uma forma de ganhar dinheiro e cada um faz o que lhe apetece”, considera.

Pão para centenas de famílias Um dos grandes players do mercado é a Vulcano Sucatas, detida por Egas Francisco, que sem pejo em afirmá-lo, considera a sua empresa “uma gigante na área da sucataria”, diz, com alguma graça na voz. Emprega mais de 130 trabalhadores sem incluir os que estão afectos à fábrica de sucataria, um empreendimento paralelo, que faz o processamento do material. De acordo com o presidente da Associação dos Sucateiros, existem neste momento 12 empresas filiadas na agremiação (seis das quais, na grande Maputo). “Já tivemos mais de 20, mas, devido à entrada dos chineses no mercado, muitas acabariam por falir, principalmente as pequenas e médias empresas colectoras de sucatas que foram engolidas pela procura desregrada dos nossos ‘amigos’ orientais”, explica. O ferro e o aço são as traves-mestras da rentabilidade porque são, igualmente, os mais solicitados no mercado. Os dados fornecidos pela ASSUMO à E&M, indicam que, diariamente, as fundições nacionais são abastecidas com 30 toneladas de sucata, o que, num cálculo rápido, nos leva às 10 mil toneladas de sucata processadas anualmente no país, uma parte, exportada. “Só no ano passado foram vendidas cerca de mil toneladas de sucatas para a África do Sul”, sublinha o presidente da Associação dos Sucateiros de Moçambique (ASSUMO), Rui Paulino.

“há operadores desonestos” Ainda assim, a Munguambe Sucatas denuncia o que chama de “falta de vontade e de honestidade”, em alguns operadores da indústria sucateira nacional, visto que não cumprem as regras estabelecidas no mercado, ou seja: qualquer revendedor de sucata somente pode abastecer as fundições certificadas para o efeito o que, na voz do seu proprietário, João Munguambe, permite que não haja vandalização de infra-estruturas públicas (como recentemente circulou na redes sociais, em que se mostravam imagens de sucateiros informais a retirar ferro da nova ponte Maputo-Katembe). Havendo cumprimento das regras temos mais condições para que as sucatarias estejam preparadas para reciclar e transformar a matéria-prima localmente, de forma legal, sem recorrer ao mercado externo e evitando o contrabando que acaba por lesar as empresas nacionais”, explica.

chineses ofuscam pequenos sucateiros De acordo com Jorge Cossa, proprietário da empresa Ferro & Aço Sucatas, a entrada de operadores chineses no mercado veio “desestabilizar e ofuscar os pequenos sucateiros que deixaram de ter condições mínimas para a compra de sucatas devido ao preço elevado praticado pelos chineses, insustentável para as fundições nacionais. Na verdade, os chineses compram tudo, até latas de alumínio misturadas com plásticos e ferros, porque aquilo não é para ser aproveitado como sucata mas para tapar o contrabando de cá para lá. Como a fiscalização não funciona, é isto que está a acontecer”, alerta Egas Francisco.

This article is from: