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OPINIÃO

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Como Funciona o Mercado dos Combustíveis e o que Pressiona (e Alivia) os Preços?

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Enquanto famílias e empresas são sufocadas pela cada vez maior factura de aquisição dos combustíveis, as gasolineiras reportam perdas de facturação. Também nos chega o aviso de que os próximos tempos nos podem reservar surpresas ainda mais desagradáveis, o que está a fazer aumentar a preocupação de forma generalizada. Há sinais de que o mercado dos combustíveis, tão importante na vida de todos, guarda segredos que poucos conhecem. Nesta edição, a E&M percorre os corredores deste complexo mercado para proporcionar uma melhor compreensão e interpretação das decisões tomadas a este respeito e que acabam por decidir a vida das pessoas

Há algumas sema-

nas, as gasolineiras convocaram a imprensa para protestar contra a fraca capacidade de geração de receitas do sector. As contas feitas na altura pelo presidente da Associação Moçambicana de Empresas Petrolíferas (AMEPETROL), Michel Amade, indicavam, por exemplo, que uma viatura que abasteça em Ressano Garcia e cruze para Komatipoort, na África do Sul, estará a pagar, em Moçambique, 19,89 meticais a menos por litro. O preço justo, segundo a organização, seria o de 26,9 meticais a mais para o diesel. Quanto à gasolina, deviam ser cobrados 19 meticais a mais por litro, sobre os actuais 77,39 meticais, perfazendo 96,39 meticais por litro.

Isto quer dizer que o preço em Moçambique estará desajustado em relação ao que deveria ser o preço real que pudesse gerar lucro face à subida de preços do crude no mercado internacional.

Preços altos para o consumidor, mas baixos para os operadores do mercado: Eis o dilema

Da comparação realizada pela AMEPETROL entre sete países da região, nomeadamente a Tanzânia, Essuatíni, África do Sul, Zâmbia, Zimbabué e Quénia, Moçambique tem os preços mais baixos dos combustíveis. E, apesar de as gasolineiras estarem cientes de que estes valores são elevados para a capacidade financeira dos cidadãos e das empresas, consideram que manter a estrutura actual de preços pode resultar na redução da capacidade de importação de alguns operadores, que já começaram a queixar-se.

O Governo, através do ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, já veio a público admitir que “pode ser que tenhamos de fazer mais um ajustamento para garantir a continuidade do fornecimento dos combustíveis no País”. De facto, em meados de Junho corrente, a Autoridade Reguladora de Energia (ARENE) anunciava a perspectiva, no mesmo mês, de uma nova subida do preço dos combustíveis e produtos derivados, justificada por um “choque externo”. Era mais um golpe para os consumidores, que ainda sentem o peso do ajuste feito em finais de Maio.

O que não se consegue ver

Ricardo Cumbe, secretário-geral da AMEPETROL, organização composta por 30 operadores associados, afirma que a questão da subida do preço dos combustíveis tem sido analisada de forma simplista, ou seja, as pessoas fazem leituras desajustadas da realidade, chegando até a relacionar o que se assiste nos dias que correm ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia. “Mas é uma questão tão complexa que exige um exercício aturado para que se perceber a sua génese”, avisa. O responsável explica que a actividade do sector é coberta por uma legislação e o grande problema é a falta do cumprimento do Decreto n.º 89/2019, de 18 de Novembro, particularmente no que diz respeito ao ajustamento de preços. O ponto crítico é que os produtos petrolíferos importados apresentam custos diversificados e, de acordo com o critério estabelecido no Decreto, estes custos devem estar acomodados na estrutura de preços que é calculada no final de cada mês pela Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), tendo em conta alguns factores que incluem o custo do frete ao qual se adicionam outras taxas, direitos, IVA, o factor cambial, etc.

Deste exercício resulta uma tabela bem definida, que traduz os resultados finais que são obtidos depois da ponderação dos dados dos dois últimos meses em termos de quantidades importadas. A estes, adiciona-se o custo de importação e faz-se uma média ponderada que resulta no preço final. “Acontece que esta média não satisfaz

“As pessoas fazem leituras desajustadas da realidade, chegando até a relacionar o que se assiste ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia"

os operadores”, afirma Ricardo Cumbe. E porquê? A AMEPETROL considera que a média ponderada contradiz a Lei que estabelece a obrigatoriedade de os operadores manterem um stock de combustíveis capaz de cobrir 23 dias de abastecimento do mercado. Ao invés, acomoda uma média que representa 60 dias. “Aqui há um contraste que tem impacto na nossa velocidade de recuperação de um custo real que incorremos para a importação. Porque a estrutura trabalha na base da média e a legislação considera 23 dias”, protesta o secretário-geral da AMEPETROL. O cenário mais confortável, prossegue, está na opção dos 23 dias defendida na Lei. Porquê? “Com as limitações financeiras e a capacidade reduzida para fazer importações, só nos limitamos a trazer encomendas por vezes aquém de uma cobertura de 23 dias. O outro desafio é que, ao usar uma média ponderada, a ARENE acomoda o preço actual a um custo do mês anterior (neste caso, relativamente mais baixo). Então, o factor 'média' nunca nos vai trazer um alinhamento de ponto de vista de timeline, para a recuperação dos custos efectivos”, argumentou Ricardo Cumbe. Mas não é só isso. “Feito o cálculo pelo regulador, existem as premissas mínimas e máximas.

Assim, se a variação de preços for de até 20%, o regulador tem a autonomia de chancelar se a nova estrutura de preços deve ou não ser cumprida pelos operadores. Mas, quando a variação for acima dos 20%, o regulador perde essa autonomia”. É esta última

COMO É FORMADO O PREÇO DO MERCADO?

A estrutura de preços é um documento que contém as várias componentes, desde o preço de compra a que depois se agregam outros custos da cadeia de valor. Essencialmente, o preço de venda ao público resulta da combinação entre o preço base no mercado internacional (o indexante internacional), a variação dos preços nos períodos anteriores (neste caso dois meses), a respectiva correcção das perdas ou ganhos e a correcção cambial (já que a importação é feita em dólares). A estes custos acrescentam-se os que são inerentes à gestão dos portos para receber os navios, o custo de armazenagem, as taxas de inspecção da qualidade, o IVA, entre outras. Recentemente, o Governo decidiu retirar uma parte desses encargos para minimizar o impacto da subida do preço dos combustíveis. Por Lei, sempre que houver uma variação igual ou superior a 3% nos componentes que determinam o preço dos combustíveis, o preço de venda ao público deve ser ajustado. E esta variação é influenciada, essencialmente, pelo indexante internacional e a variação cambial.

situação que ocorreu nos últimos meses, segundo a AMEPETROL. “Quando é assim, o assunto deve ser remetido ao Conselho de Ministros, o que não está a acontecer numa frequência mensal desde o ano passado, conforme estabelece o [decreto] 89/2019, de 18 de Novembro”.Perante esta discordância, os operadores acabam por recorrer a uma opção que designam por 'estrutura de preços nominal'.

Mas, dentro desta opção, o Governo diferencia a estrutura nominal daquela que os operadores identificam como sendo a mais correcta. Dessa diferença resulta uma variação que vai determinar o elemento de compensação. É sobre este valor que incide o montante que o Governo deve às gasolineiras, actualmente avaliado em cerca de 140 milhões de dólares.

“Isso tem vindo a corroer os níveis de tesouraria das empresas desde o ano passado e, quanto mais tentamos continuar a operar, mais nos endividamos porque somos obrigados a recorrer a financiamentos bancários e atraímos taxas de juro altas. Todos estes elementos são a razão das grandes inquietações que temos estado a manifestar junto das autoridades do sector”, esclareceu.

Sinais de negligência

A acrescentar aos factores por detrás das subidas acentuadas do preço dos combustíveis, o representante de um dos operadores do mercado que prefere o anonimato recorda que, de acordo com a Lei, os preços devem ser ajustados e anunciados na terceira semana de cada mês. Mas tal não acontece sempre. Só quando os preços mudam. Quando não variam não há comunicação.

“E não é assim que deveria ser. Mesmo quando os preços se mantiverem inalterados, faria toda a diferença que as autoridades viessem a público explicar a razão dessa manutenção, para criar confiança na comunicação”, defende. Entende, por isso, que “o que está a contribuir para o alvoroço a que se assiste, decorrente da subida de preços, é a falta dos ajustamentos pontuais. É que o Governo, para salvaguardar a protecção social, manteve

A diferença entre o preço cobrado e o que devia ser cobrado é que gera a dívida do Governo para com as importadoras, que se acumula todos os meses

COMO OS COMBUSTÍVEIS CHEGAM AO PAÍS

Os combustíveis consumidos em Moçambique provêm dos mercados do Médio Oriente, Emirados Árabes Unidos, Índia e outros, com dezenas de intervenientes e procedimentos até cá chegar.

O IMOPETRO agrega todas as 30 distribuidoras que estão licenciadas para operar, recolhe as suas necessidades, por exemplo, sobre a previsão das quantidades a vender durante um determinado período (tipicamente seis meses) e a coloca em concurso internacional aberto.

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O concurso segue metodologias internacionais com requisitos rigorosos no que diz respeito à transparência no processo. As empresas apresentam as suas propostas e são sujeitas à triagem técnica para verificar o cumprimento dos requisitos.

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É elaborado um documento que vai para uma entidade do Ministério da Energia e uma entidade multisectorial - a Comissão de Aquisição de Combustíveis Líquidos (CACL) - que validam a proposta de adjudicação, que é divulgada pelo Ministro da Energia.

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O produto é entregue aos portos e as encomendas têm de ser colocadas cerca de um mês e meio antes do fornecimento. O IMOPETRO depois envia para os fornecedores que têm contratos com as refinarias para trazer a mercadoria já pronta para o uso.

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As entidades elegíveis que concorrem para fornecerem ao mercado são geralmente os grandes traders internacionais, tendo em conta que se trata de um concurso com um grau elevado de complexidade.

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As propostas dos candidatos são abertas na presença de todos os interessados, quer as distribuidoras, quer os concorrentes, e são sujeitas a uma análise comercial e técnica por parte do IMOPETRO, assessorada e validada pelos representantes das distribuidoras.

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Para apresentar os preços usam-se indexantes internacionais diferentes para a gasolina e para o diesel. São critérios totalmente transparentes, publicados diariamente pela Bloomberg. Os fornecedores colocam a sua margem de frete sobre esse indexante

FONTE IMOPETRO a expectativa de que os aumentos do preço no mercado internacional eram fenómenos passageiros e que em dois ou três meses normalizar-se-iam. Isso não aconteceu e os preços aumentaram consideravelmente”.

O preço sobe todos os meses desde Setembro do ano passado, excepto em Março deste ano. Mas só agora é que estão a ser repassados ao mercado. Actualmente, o barril de petróleo no mercado internacional tem oscilado entre os 110 e 120 dólares, contra os anteriores 80 dólares (aproximadamente).

Uma face ainda mais oculta: operadores desorganizados

Afinal, nem todos os operadores do mercado têm capacidade técnica e financeira para operarem. A denúncia é feita por uma fonte da E&M que representa uma das empresas petrolíferas de referência do mercado nacional.

Com experiência de vários anos e presença em muitos outros mercados, a fonte confidenciou-nos que um país com a dimensão de Moçambique não precisaria de mais de nove importadores de combustíveis, mas neste momento há 30 importadores licenciados para fazer a importação e distribuição. Angola, por exemplo, com uma dimensão muito maior do que a de Moçambique, tem apenas quatro empresas que fazem a importação. “Isto quer dizer que as empresas que entraram no mercado nos últimos quatro a cinco anos vieram causar perturbação por não terem a dimensão, organização e capacidade financeira para estarem neste negócio acabando por prejudicar toda a cadeia”, denunciou.

Acrescenta, no entanto, que parte destas empresas não têm capacidade financeira porque durante muito tempo adoptaram práticas pouco sustentáveis — como descontos e preços muito reduzidos — para ganharem a quota de mercado, o que até é contra a Lei já que o preço de venda ao público é fixado pelo Governo e não é susceptível de ser alterado. É por isso que, com esta crise, segundo a fonte, das 30 empresas a operarem, cerca de cinco ou seis nunca importaram combustíveis e só sete ou oito estão, efectivamente, a fazer a importação. Também refere que, quando há muitas empresas em situação de insustentabilidade, a banca começa a ter restrições de emissão das garantias bancárias. E qualquer problema com parte dos players assume um carácter sistémico.

O MERCADO DOS COMBUSTÍVEIS EM NÚMEROS

110 a 120$

Preço do barril do petróleo do mercado internacional

1,3 milhão de Toneladas

Quantidade importada anualmente

30

Empresas Importadoras

140 milhões USD

Dívida actual do Estado para com as importadoras

-17% a -20%

Diferença entre o preço cobrado e o real

Por exemplo, os navios chegam e só se aproximam ao porto para descarregar quando tiverem as garantias bancárias devidamente emitidas.

Mas ocorre, muitas vezes, que, ao chegar, o navio se depara com apenas 30% ou 50% das garantias bancárias e fica ao largo durante alguns dias à espera que a empresa consiga completar o requisito. Isto acaba por encarecer o produto, porque cada dia que o navio leva ao largo custa 25 mil dólares. Isto é, os elos mais frágeis da cadeia podem prejudicar todo o processo de abastecimento. Mesmo assim, admite que a forma como funciona o mercado da importação dos combustíveis em Moçambique é “muito boa pelo facto de estar centralizada e permitir a facilidade de negociação de melhores preços com os fornecedores (são compras agregadas de maior dimensão e não cada um a fazê-lo individualmente), além de que permite um maior controlo da qualidade do produto e dos termos de entrega”.

Geralmente, os contratos de importação são celebrados entre os fornecedores e todos os 30 players do mercado, em nome do IMOPETRO, que é o agente de procurement. Os combustíveis são recebidos quase todos os dias nos portos de Maputo, Beira, Nacala e Pemba.

Preços continuarão a subir

Os operadores avisam que, se já em Maio, o legislador havia alertado para o facto de o preço dos combustíveis estar aquém do nível adequado, não se pode esperar facilidades nos meses que se aproximam, visto que as facturas que as gasolineiras estão a receber agora estão em níveis que superam os custos de Abril e Maio. Significa que estão presentes todas as variáveis que determinam o ajustamento dos preços para cima até ao fim deste ano, apesar

Estão presentes todas as variáveis que determinam o ajustamento dos preços para cima até ao fim deste ano, apesar estabilidade cambial

de se verificar uma espécie de sorte ocasionada pela estabilidade cambial que dura há 16 meses.

Entretanto, há divergências de opinião quanto à eficácia de uma eventual intervenção do Estado no alívio dos encargos fiscais dentro da estrutura de preço dos combustíveis. Enquanto a AMEPETROL considera que “há muita gordura por retirar na parte dos impostos”, e que, “estando o País numa situação de crise, o Governo não tem como dar continuidade à gestão deste cenário sem mexer nas partes mais sensíveis, como o IVA e outros impostos e direitos”, outros operadores entendem que a carga fiscal de aproximadamente 5% aplicada sobre os combustíveis não deve ser vista como factor determinante na subida do preço dos mesmos, porque não é excessiva quando comparada à media internacional e à de países como Portugal, onde o peso dos impostos sobre os combustíveis chega à casa dos 60%. No ambiente actual, o facto curioso é que o diesel passou a custar mais do que a gasolina, o que contraria a tendência tradicional. Isto resulta do facto de que, durante a pandemia do covid-19, houve uma redução da produção do diesel, mas, agora com a recuperação das economias, a utilização deste combustível volta a aumentar, mas não é acompanhada pelo aumento da produção, particularmente devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. É que o volume de produção da Rússia já não está a ser abastecidas aos mercados e a pressão sobre os outros players cresceu. E com a oferta a baixar e a procura a crescer, o preço do diesel passou a superar o da gasolina.

Recorde de inflação

A subida do custo dos combustíveis arrasta os preços de todos os outros bens e serviços na economia, a começar pelo custo dos transportes. Em Moçambique, este aumento já se faz sentir e poderá ficar ainda pior nos próximos meses, se se mantiver a previsão dos especialistas.

A consultora Oxford Economics, por exemplo, prevê que a inflação média, este ano, fique acima dos 9%, o valor mais alto desde 2017. Chega a antever uma agitação social devido ao impacto dos preços no sector dos transportes. "Prevemos que a média da inflação anual suba de 5,7% em 2021, para mais de 9%, este ano", referiram os analistas da consultora, citados pela Agência Lusa. Na análise, salientam que "as dificuldades na cadeia de abastecimento global foram agravadas pela série de ciclones tropicais que atingiram o Centro e o Norte do País no princípio do ano, bem como pela guerra em Cabo Delgado" e acrescentam que a subida dos preços afecta desproporcionadamente alguns sectores específicos, como os transportes. Previsões similares já foram divulgadas por outras instituições, incluindo o FMI.

Subsidiar? Sim. Mas não todos…

A primeira ideia defendida pelos operadores é a de que é preciso desmistificar a ideia de que o Governo pode fixar o preço dos combustíveis, porque não há tanta margem para o fazer, na medida em que o principal determinante é o custo do produto no mercado internacional e este está completamente fora do controlo.

Isto é, se o Estado não tiver recursos para subsidiar as gasolineiras, como fazia num passado recente, será preferível deixar que o custo dos combustíveis reflicta o preço real para não onerar o Orçamento do Estado e evitar beneficiar camadas da sociedade que têm capacidade de pagar (incluindo dos países vizinhos). Em lugar disso, deve procurar subsidiar os sectores de actividade económica mais necessitados. A política de subsídios tem sido desencorajada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que defende que, a ser aplicada, deve privilegiar as camadas mais pobres da sociedade para evitar riscos sociais e políticos decorrentes de aumentos globais nos preços de commodities.

Nuno Chitsonzo • Responsável pela Gestão de Empresas Sul-Africanas & Regionais / Empresas Corporate Locais e Empresas Públicas

Aeconomia global está a mudar radicalmente, sobretudo devido aos mais recentes conflitos à escala mundial. Após ter sido afectada pela pandemia, os estrangulamentos das cadeias de suprimento e o salto nos preços, a economia global está prestes a ser assolada por um percurso imprevisível face ao confronto armado nas fronteiras da Europa.

Importa denotar que não estamos a falar de quaisquer economias, mas sim das da região do Mar Negro, há muito conhecidas como o “celeiro da Europa”, e onde as somas percentuais das suas exportações globais de trigo e milho são materialmente necessárias para o Médio Oriente ou África. A Rússia é, sem margem de dúvida, o maior fornecedor de gás para alguns países, facto que, inequivocamente, influencia os indicadores de consumo energético para determinadas economias.

Assim, como qualquer outra commodity, o preço do petróleo varia de acordo com a lei da procura e da oferta. Quando existe um excesso da oferta no mercado, o preço tende a cair; por outro lado, uma restrição na oferta faz com que o preço do barril tendencialmente aumente. No caso da conjuntura actual, o conflito espelhou esta realidade.

Esta situação causou e continua a causar, por consequência, picos vertiginosos nos preços da energia e dos alimentos. Num curto intervalo de três meses levou a que os indicadores financeiros das “sete irmãs” claudicassem e os preços do petróleo aumentassem, como uma consequência de factores exógenos ao preço final dos combustíveis de forma glo-localizada.

Moçambique é parte integrante desta cadeia e, em associação a outros factores que incidem na crescente inflação, sofre com a retracção dos investimentos e consequente desaceleração da economia. Para Moçambique em particular, a alta do petróleo causa sérios desdobramentos

O Impacto dos Preços dos Combustíveis e as Fontes de Energia Alternativas

para a indústria dos combustíveis, transpassando dos mais críticos aspectos inerentes ao facto e transversalmente às diferentes indústrias que perfazem o tecido económico do País.

O aumento do preço do petróleo influencia directamente o preço para o consumidor final, visto que seus derivados fazem parte do grande consumo das famílias. Além disso, podem ter um efeito indirecto sobre os preços para o consumidor final através do aumento dos preços no produtor [o impacto sobre o produto pode ser compensado pela reacção congruente da política monetária] em particular e, no geral, criando repercussões às expectativas de inflação, tal como é o caso do que actualmente se vive. No caso particular de Moçambique, este impacto poderá ser mitigado através da

intervenção – pelo menos no processo e importação dos combustíveis por parte das Oil Market Companies (OMC’s) – do Governo, na medida em que possa rectificar alguns custos estruturantes (muito embora tenha havido alterações na Taxa Sobre Combustível (TSC) nesta última revisão) para a estrutura de preços nos combustíveis e que poderá passar pelo alívio do IVA [cobrado em cascata, isto é, em cada momento que intervém algum rendimento ou incidi-lo somente sobre o IVA do distribuído, instalação central de armazenagem e, por último, no retalhista ou ainda na retirada – Direitos aduaneiros sobre o CIF, como também no preço para instalação de centrais de armazenagem e/ou demurrage fees] para um melhor preço ao consumidor final. Ainda nesta abordagem, e como forma de mi-

Numa perspectiva compensatória com a adopção de soluções menos paliativas, urge alargar a base tributária...

tigar os impactos face aos choques dos preços dos combustíveis, seria a criação de um Fundo de Estabilização (FE) para períodos voláteis da estabilidade do preço do Petróleo [Hedje Funds (por via dos royalties da exportação do Gás Natural)], onde se poderá definir o preço optimizado de importação, sendo que sempre que estiver abaixo do ponto de equilíbrio poderá recorrer-se ao FE com vista a suportar os preços em alta e assim proteger não somente o consumidor, como também garantir o bom funcionamento das empresas e até da própria economia.

Contudo, numa perspectiva compensatória com a adopção de soluções menos paliativas, urge alargar a base tributária para uma melhoria das receitas públicas. Alternativamente, e face à nova problemática mundial sobre os combustíveis fósseis, em linha com o agravamento dos problemas ambientais, as nações vivem um novo paradigma – o da crise energética. Para o caso de Moçambique, em particular, ainda se poderia ponderar criar um incentivo maior para o uso do gás, pelas próprias condições das reservas existentes, em detrimento do petróleo e seus derivados.

O petróleo, o carvão e o xisto atingem a maior cotação de toda a História da Humanidade, e considerando a exploração intensiva destes recursos esgotáveis e os prejuízos ambientais trazidos pelo uso dos mesmos, pressupõe-se um cenário preocupante para este século. Esta é, sem dúvida, uma temática a ser considerada por qualquer entidade decisora, assumindo-se como crítica a procura de fontes de energia alternativas, em especial renováveis e não-poluentes, como a solar, a biomassa, a eólica e a hidroenergia, que, pela sua natureza, são provenientes de ciclos naturais de conversão da radiação solar, a fonte primária de quase toda energia disponível na terra e que, segundo o Atlas de Energias Renováveis de Moçambique (Funae, 2015), são fontes existentes em abundância no nosso País.

“Os Empresários Assumem Uma Postura de Entidade Mais Resiliente”

Perante o sufoco da alta de custos de produção repassada pelos combustíveis, o empresariado procura funcionar como “escudo” para proteger a sociedade, tentando evitar subir o preço dos produtos e serviços que coloca no mercado, segundo Simone Santi, presidente do pelouro dos Recursos Naturais e Energia da CTA

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

Os empresários estão cientes de dias difíceis face à conjuntura interna e internacional. Mas, com poucas margens de acção sobre um fenómeno que é determinado por factores externos, a solução passa por resgatar todas as premissas de estabilização macroeconómica não directamente ligadas ao problema que se nos apresenta já aos olhos, e que incluem os mecanismos de atracção de investimentos.

Preocupante é o facto de estas medidas não serem capazes de gerar impacto imediato. Ainda assim, Simone Santi, presidente do Pelouro dos Recursos Naturais e Energia ao Nível da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, não mostra grandes preocupações quanto a este cenário.

Qual é o peso dos combustíveis na estrutura dos custos das empresas?

Em primeiro lugar, acredito que o preço dos combustíveis afecta mais a população do que as empresas. Em zonas onde há falta de energia, onde são necessários geradores, pode afectar também as empresas. Mas este fenómeno é mundial e na Europa é pior do que em Moçambique, porque aqui o Governo tem tentado manter um preço acessível. Mas não vai ser fácil.

Temos a guerra russo-ucraniana, mas também temos muita especulação. Como sempre, em momentos de crise há algumas empresas que conseguem mais vantagenm. Com certeza, esta crise vai se fazer sentir no sector empresarial, porque é mais um custo onde se perde competitividade, sobretudo em relação às empresas estrangeiras e dos países vizinhos.

Faz menção à perda de competitividade em relação a empresas estrangeiras por projectar que Moçambique possa ser mais afectado do que esses países? Como se explica que este fenómeno, que é global, prejudique mais as empresas nacionais?

Pode afectar mais o nosso país, porque existem cá alguns custos mais altos do que nos países vizinhos. E quando se juntam todos esses custos resulta em encargos relativamente maiores. O sector privado está a discutir muito com o Governo, por exemplo, a respeito dos custos da burocracia e parece que a tendência de redução desses custos está a acontecer. Acredito, também, que a disponibilidade, no médio prazo, de recursos naturais, vai ajudar a baixar o custo da energia e vai favorecer a redução dos custos da actividade empresarial. Mas essa é uma medida de médio prazo.

Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente, como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior. Nesse sentido, eu acho que tem de haver um esforço do Governo e do Banco Central para evitar um impacto negativo deste fenómeno. Há também muitas empresas que estão a esforçar-se para não aumentarem

Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior

os preços de venda mesmo tomando em conta que estão a aumentar os custos empurrados pela elevada factura dos combustíveis. Não aumentam o preço de venda porque, muitas vezes, o mercado não pode responder positivamente. Isto é, o mercado tem cada vez menor poder de compra.

Mas qual é o sector empresarial, ou as empresas, que já manifestam dificuldades decorrentes desta situação?

São as empresas do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup, empresas do ramo dos Transportes e Logística. Se o transporte está mais caro, todas as empresas cuja matéria bruta vem daquele vão ser afectadas, sobretudo as que estão longe dos Portos. A logística afecta todos os sectores. É preciso lembrar que a subida do prelo dos combustíveis, em si, é muito prejudicial à actividade das empresas, mas traz consigo outro mal: a inflação. Esta reduz o poder de compra das pessoas. A inflação pode determinar uma estagnação e isso, claramente, afecta o sector empresarial e também justifica o esforço de se manterem os preços de produtos essenciais, como o pão. Isto sem falar no esforço da política monetária do Banco Central para evitar que o metical perca valor cambial em relação ao dólar, o que agudizaria o custo das importações.

Até que ponto esse esforço das empresas em manter preços de venda de bens e serviços pode ser eficaz numa altura em que enfrentam uma pressão crescente nos custos?

Este é um momento muito atípico porque a maioria dos fenómenos vêm de uma conjuntura internacional. Os empresários devem saber que essa conjuntura é temporária e têm de melhorar a organização interna, evitar os custos de outra parte para evitar per-

der o mercado. Claramente, têm de diminuir a margem do produto, mas, de alguma forma, recuperar os custos, verificar no mercado onde compram qual é o que tem melhores condições. Os empresários são figuras resilientes, estão a gerir uma conjuntura internacional difícil num país que importa muitos produtos. O mercado internacional afecta o interno, por isso, Moçambique tem de investir em produção interna. Se houver possibilidade de de comprar bens e serviços ao nível interno, que comprem. Ainda que a um preço um pouco mais caro.

Então, é esse o esforço conjunto da CTA e do Executivo. É no sentido de valorizar a produção interna…

Sim, valorizar a produção interna, agilizar o Investimento Directo Estrangeiro, baixar a burocracia nos vários concursos públicos, sobretudo no sector da energia e do oil & gas, valorizar os produtos feitos em Moçambique, aumentar instrumentos de controlo para favorecer quem está a produzir localmente. Essas são as políticas que estamos a discutir, sobretudo no sector da energia.

Já a Lei de Electricidade é um passo importante que favorece o desenvolvimento do sector privado independente. Discutimos forma de dar oportunidades às PME para desenvolverem os seus projectos e depois poderem vender ou procurar parceiros. Pedimos ao Governo para agilizar a figura dos Business Developers, que depois procuram financiamento ou parceiros para aumentar a escala de investimento.

Por se tratar de uma abertura para o produtor exportar energia, isso traria ganhos porque os países vizinhos são mercados naturais de Moçambique. Também favoreceria o sector privado no fornecimento de energia e a receita ficaria no País.

Parece que as medidas de concertação entre o sector privado e o Governo não podem trazer impactos imediatos. Refiro-me, por exemplo, à estratégia para devolver o Investimento Directo Estrangeiro à rota de crescimento. O combustível, pelo contrário, está a sufocar no imediato...

Temos de considerar que Moçambique é um dos países africanos que chegou a atrair mais investimento estrangeiro, a maioria vinda dos países europeus. Mas entendo que há uma necessidade de medidas de curto prazo para resolver esta pressão. Entretanto, isso deve significar a realização de reformas de médio e longo prazo, como, por exemplo, a reforma do am-

biente económico e a estabilização do metical a curto prazo, porque a imagem de um país que tem a sua moeda estável tem, também, a curto prazo, vantagens aos olhos dos investidores estrangeiros e locais, uma vez que confere mais confiança e mais valor.

Pelo que percebo, a subida dos custos de produção das empresas inspirou o empresariado a rebuscar saídas não só ligadas ao mercado dos combustíveis. A sua colocação vai muito ao encontro de medidas de estabilização macroeconómica. É isso?

É isso. Porque temos de considerar que, neste momento, estamos a falar de uma crise de conjuntura internacional. Então, o empresariado tem de se adaptar e continuar o seu diálogo com o Governo para melhorar as condições para que o investimento seja mais célere.

O assunto dos combustíveis é complicado porque os preços vêm de fora, o Governo está a fazer de tudo [para minimizar os efeitos], mas com uma capacidade financeira limitada. Isso vai exigir esforços que vão além do olhar fixo na questão dos combustíveis.

As empresas que poderão sair mais prejudicadas pela subida da tarifa dos combustíveis são as do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup e empresas do ramo dos Transportes e Logística...

E se a situação prevalecer pelos próximos seis meses, tal como alertam as gasolineiras? Que futuro e que soluções para a actividade empresarial?

A primeira coisa a considerar é que, no sector privado, entram também as empresas de produção, distribuição, transporte e transformação de combustível. Então, neste momento, a maior dificuldade é que as empresas sejam incentivadas para continuar a alimentar o mercado.

Considerar o preço como o único problema é não considerar uma eventual falta de disponibilidade do mercado. Significa ter uma visão só de agora. Nós temos de considerar a sustentabilidade do sector, que se chama downstream, no médio e no longo prazo. Se um dia não tivermos gasolina, enfrentaremos problemas ainda maiores. Essa é uma situação que devemos evitar. Por isso tem de haver um diálogo permanente entre o Ministério dos Recursos Minerais e Energia e o sector privado.

E esse diálogo está a acontecer?

Está a acontecer todos os dias. Todos estão a mostrar um grande interesse e posso também dizer que o sector empresarial está a mostrar uma grande flexibilidade para aguentar este momento. A energia é um bem essencial, por isso, existe um programa de subsídios para evitar que o custo seja inacessível à população, através da empresa pública Electricidade de Moçambique (EDM), que, entendendo que a sua função não é apenas de lucro, mas também a de protecção, aplica tarifas diferenciadas para as diferentes dimensões de consumidores, protegendo aqueles com menor poder de compra.

Gás Veicular e Biocombustíveis. É Tempo de Resgatar Velhas Ideias

Se daqui em diante a palavra de ordem for deixar o mercado ditar as regras do jogo e ajustar os preços conforme a sua variação no mercado internacional, soluções têm de ser encontradas para aliviar os efeitos da escalada de preços. Algumas já foram ensaiadas e até servem lá fora. Mas, cá, em que pé estão?

Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock

Já a pensar em reduzir os impactos da subida do preço de combustíveis, o País já havia assumido compromissos que, a esta altura, provavelmente, estariam a dar frutos. Visitá-los, agora, pode ajudar a reavivar a memória e a inspirar o seu resgate, conforme sugere o economista Samo Dique, da Confederação das Associações Económicas (CTA), que à E&M sugeriu a retoma do projecto dos biocombustíveis (do qual falaremos mais adiante). Uma das mais importantes alternativas que o País avançou foi a introdução do gás veicular em substituição aos combustíveis líquidos, há 14 anos. Pelo mundo, a experiência mostra que esta solução baixa consideravelmente os custos de transporte em comparação com os combustíveis líquidos; as PME passam a ter acesso a uma ferramenta competitiva, isto é, se estas utilizassem o gás, teriamos menos custos do que o que incorrem ao utilizarem os combustíveis líquidos; O Estado reduz a factura de importação dos combustíveis líquidos, portanto, poupa divisas; e por ser amigo do ambiente, o gás veicular reduz a poluição melhorando a qualidade de vida das pessoas.

A E&M ouviu João das Neves, director-executivo da Autogás, empresa responsável pelo projecto de conversão de viaturas a diesel e a gasolina para passarem a usar o gás, instituído em 2008. Com a calculadora na mão, o responsável quis mostrar o quanto este projecto ajudaria a evitar que o aumento do preço dos combustíveis fosse totalmente repassado ao custo dos transportes. O responsável fez uma simulação que levou à conclusão de que uma viatura particular que ande 100 km por dia, é capaz de poupar até 11 mil meticais por mês, se considerar os preços sugeridos pelas gasolineiras. Referiu que este efeito seria muito maior ainda no transporte público, que é sujeito a uma grande pressão. É que, por ser produzido nos campos de Pande e Temane, em Inhambane, a utilização do gás em veículos automóveis seria a alternativa barata para este problema. Isto já tinha sido estudado. Já é sabido, mas…

O que está a acontecer?

De acordo com João das Neves, em 2008, o plano estratégico preconizava que, em 10 anos, portanto, até 2018, seriam transformadas até 40 mil via-

turas para passarem a funcionar a gás. Nesse período, equacionavam-se 70 postos de abastecimento com cobertura nacional. Mas hoje, o número de utilizadores desta alternativa anda à volta de 3000 mil viaturas e apenas seis postos de abastecimento, sendo que está para breve a abertura do sétimo posto no distrito de Marracuene, todos estes com capacidade acumulada de cerca de 7000 viaturas. Ou seja, além de não se ter verificado a evolução que se esperava, ainda há muita capacidade instalada por explorar.

“Com muita dificuldade e com fundos próprios continuamos a expandir a rede de postos porque a procura continua a crescer”, revelou João das Neves.Apesar disso, defende que “o processo de implementação do gás natural veicular em qualquer país

MUNDO EM AGITAÇÃO

O fenómeno da subida do preço dos combustíveis é global e não afecta apenas os países pobres. São prova disso alguns episódios que marcam a actualidade internacional

REINO UNIDO

O governo britânico solicitou ao órgão regulador de concorrência uma revisão do mercado retalhista de combustíveis para ver se o corte nos impostos está a ser repassado aos consumidores, uma vez que os preços nas bombas atingiram níveis sem precedentes.

BRASIL

Recentemente, o governador Reinaldo Azambuja lamentou “o combustível está caríssimo. O custo de vida aumentou e a inflação corrói os salários. Precisamos de achar alternativas… Precisamos de um fundo de compensação…”

EUA

Num dos distritos do estado de Michigan, um xerife anunciou a redução forçada no patrulhamento do território. A razão é a subida acentuada do peço da gasolina. Segundo o chefe de polícia, o orçamento designado a compra de combustível das viaturas está a acabar.

PORTUGAL

A Associação Empresarial de Penafiel (AEP) enviou uma carta aberta ao primeiro-ministro, António Costa, a reclamar uma intervenção urgente do Governo para travar a escalada de preços e aumento de custo de vida de empresas e famílias.

sempre foi lento. Assim, podemos concluir que o nosso plano estratégico era muito optimista, por isso estamos satisfeitos, embora gostaríamos que fosse mais rápido”.

E para assegurar celeridade, é preciso ir buscar a experiência de outros países, em que o Estado – ao ver o benefício que o projecto pode trazer para as comunidades e até para as empresas e para si próprio (poupando a factura de importação dos combustíveis fósseis) –, incentivou a iniciativa.

Como acelerar a implementação do gás veicular?

João Neves fala de três mecanismos. Primeiro, a isenção das taxas aduaneiras na importação de componentes para a conversão de viaturas, expansão da rede, peças sobressalentes e outros equipamentos; segundo, investimentos do Estado em condições favoráveis para a expansão dos postos de abastecimento a título de fundo perdido tal como fez com o projecto um distrito um banco, para que os bancos abrissem balcões onde não havia cobertura. É que se os postos de abastecimento forem abertos a título comercial poderá haver pontos onde não há consumidores suficientes para justificarem investimentos, além de que o financiamento bancário não seria viável porque não garante retorno imediato e apresenta elevadas taxas de juro (lembrando que instalar um posto de abastecimento custa 1 milhão de dólares); terceiro, é a possibilidade de o Estado subsidiar as conversões. “Noutros países há experiências sobre isso”, afirmou João das Neves.

Na verdade, o projecto de utilização do gás em veículos sempre esteve aos “soluços”. Um dos principais factores levantados é o custo de conversão, que está entre 60 mil e 120 mil meticais. E para mudar este quadro, a Autogás tenta conseguir grandes quantidades de equipamentos de conversão que permitem descontos junto dos fabricantes. Isso permitiria melhorar o processo de conversão em massa e a redução dos custos de mão-de-obra na própria conversão.

Os biocombustíveis

O economista Samo Dique questiona: para quê inventar se temos a possibilidade de observar e aplicar o que os outros já fazem, e fazem com sucesso? Bem, esta é a parte final de uma questão que fez correr muita tinta nos jornais há 11 anos, tempo que apesar de relativamente longo, é tão curto para ter caído em total esquecimento.

Em Agosto de 2011, como que a prever choques petrolíferos com efeitos na escalada de preços dos combustíveis, como o que se experimenta nos dias que correm, o Governo anunciava a obrigatoriedade de, a partir de 2012, passar a ser obrigatória a mistura de biocombustíveis na gasolina e no gasóleo. Nessa altura, o então ministro da Energia, Salvador Namburete, assegurava que o País dispõe de reservas suficientes para garantir que o estipulado no decreto seja cumprido na íntegra. Tal Decreto impunha a adição de biocombustíveis aos combustíveis fósseis numa proporção de 10% de etanol para 90% de gasolina e de 3% de biodiesel para 97% de gasóleo. Estudos da época apontavam para a possibilidade de poupar 22 milhões de dólares dos 500 milhões gastos na importação de combustíveis líquidos. Esse projecto seria alimentado pela produção de quatro açucareiras (Marromeu, Mafambisse, Marragra e Xinavane) que, no seu conjunto, tinham condições para colocar no mercado cerca de 32 milhões de litros gerados a partir do melaço.

“A produção e comercialização de biocombustíveis constitui prioridade do Governo pois vai ajudar a reduzir a factura de importação de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, possibilitar o aproveitamento de culturas energéticas produzidas no país”, acreditava, na altura, o governante. Mas o que se assistiu no terreno é que, nem em 2012 nem nos anos subsequentes a ideia foi materializada, e a explicação para isso nunca chegou a ser pública. A E&M veio a saber do então PCA do Fundo Nacional de Energia, António Saíde (agora vice-ministro dos Recursos Minerais e Energia), que uma série de eventos (na altura não identificou) acabaram por tornar aquela iniciativa inviável. Mas já em 2014, a experiência era aplicada, com sucesso, por 60 países ao redor do mundo entre os quais a Argentina (5% de etanol e 10% de biodiesel), Brasil (25% de etanol e 5% de biodiesel), União Europeia (média de 5% de combustíveis renováveis), China (10% de biocombustíveis), Angola (10% de etanol) e Etiópia (5% de etanol).

E já em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina, não só por razões relacionadas à redução dos custos de aquisição dos combustíveis líquidos, como a favor do equilíbrio ambiental e da saúde pública.

Em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina para reduzir os custos de aquisição dos combustíveis líquidos e pelo equilíbrio ambiental

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