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que abalou a UFCA
A ocupação de 2016 na UFCA em consequência da “PEC do Teto” motivou rupturas e causou conflitos entre estudantes e professores num dos momentos mais tensos da instituição desde a sua criação como campus.
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Ocupa O Ufca
Aocupação começou primeiro no campus do Crato e depois se estendeu ao campus Juazeiro. As demais sedes da instituiçãoFamed (Barbalha) e Instituto de Formação de Educadores (Brejo Santo) e Curso de História (Icó) não aderiram ao movimento. O conflito maior se deu no campus de Juazeiro - de um lado alunos ocuparam a universidade; enquanto outra parte posicionou-se contrária, o mesmo ocorrendo com o corpo docente.
Tudo começou com um dos primeiros atos do presidente Michel Temer que, ao assumir o cargo em agosto de 2016, levou ao congresso uma ocupação da Reitoria da Universidade regional do Cariri (URCA). Na Universidade Federal do Cariri (UFCA), o processo de ocupação se estabeleceu inicialmente no campus Crato, em 07 de novembro de 2016.
No Crato
Em 04 de novembro de 2016, o Centro Acadêmico do curso de agronomia convocou uma assembleia estudantil para pautar a questão. De acordo com Tiago Barroso, à época estudante e integrante do Centro Acadêmico 12 de outubro, a decisão ocorreu por aclamação, sofrendo, naquele realizadas in loco, e que ficariam prejudicadas diante da PEC 55”.
A sede do curso de agronomia foi ocupada por cerca de quarenta estudantes. No dia seguinte ao ato concretizado, segunda-feira, 08 de novembro de 2016, começou a repercussão: fotos e relatos afirmavam que haviam bloqueios que impedindo a entrada no campus Crato da UFCA. Mas, os ocupantes asseguravam que o acesso era livre e que atividades de pesquisa e os laboratórios seguiriam funcionando normalmente; tratava-se somente de uma paralisia das aulas.
Apreensão
A ocupação no Crato despertou os ânimos no campus de Juazeiro do Norte da UFCA, principal centro da instituição. Estudantes contrários ao processo de ocupação que vinha sendo realizado, especialmente do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) mostravam-se extremamente apreensivos, pois percebiam que o segundo local a ser ocupado seria a sede juazeirense.
Tal apreensão se configurava, ainda, devido ao processo de consulta que vinha ocorrendo. Os centros acadêmicos que se encontravam consolidados consultavam seus cursos por meio de assembléias, buscando definir apoio ou desaprovação à proposta de ocupação. Nos cursos sem centro ccadêmico, deliberou-se em reunião do Conselho de Entidades de Base (CEB) que a consulta se daria por meio de votação. Integrantes destes cursos responsabilizaram-se por organizar e apurar os dados.
O processo de ocupação nasceu como necessidade, pois os estudantes estavam acompanhando o cenário nacional, e a votação da PEC iria afetar, especialmente, as universidades em expansão, caso da UFCA individual de cada curso. Ou seja, cada curso contava com um voto, podendo ser favorável ou contrário a ocupação do campus Juazeiro. Um total de nove cursos participaram do processo.
Logo, para a aprovação da ocupação era necessário que, ao menos, cinco cursos votassem favoravelmente, fato que ocorreu. Os cursos de jornalismo, filosofia bacharelado, filosofia licenciatura, design de produto, biblioteconomia e administração pública foram favoráveis. Os curso de engenharia civil, engenharia de materiais e administração de empresas se posicisionaram contra.
Proposta de Emenda Constitucional (PEC), para limitar os gastos públicos por um período de vinte anos.
A PEC foi amplamente questionada pelos movimentos sociais e entidades representativas da sociedade civil, gerando uma série de protestos em âmbito nacional. O movimento mais marcante e reverberante foi o processo de ocupação que tomou centenas de instituições de ensino, secundaristas e superiores.
O movimento teve início no dia 03 de outubro de 2016, no estado do Paraná e rapidamente se expandiu para todo o Brasil. Em 25 de outubro desembarcou no Cariri, com a momento, poucas contestações. “Nós vimos a necessidade de chamar a comunidade acadêmica para debater, principalmente os discentes, por isso realizamos um debate e uma assembléia. Ao final, foi deliberado, pela maioria dos estudantes, por aclamação, que a ocupação ocorreria.”
Ele diz ainda que “o processo de ocupação nasceu como necessidade, pois os estudantes estavam acompanhando o cenário nacional, e a votação da PEC iria afetar, especialmente, as universidades em expansão, caso da UFCA. O nosso campus tinha muitas obras e nós identificamos que, além disso, nosso ensino seria colocado em xeque, pois temos muitas aulas com caráter de visita técnica, que devem ser
Cabe pontuar que o resultado final não se daria pelo volume de votos totais, mas sim pela posição
Diante do resultado e de uma mobilização que se formava, além de greve deflagrada pelos servidores técnicos administrativos, em nove de novembro daquele ano, um grupo de estudantes, durante o turno da noite, passou pelas salas de aula convidando os discentes para um sarau como preparação para a ocupação, iniciada no dia seguinte.
Na iminência da ocupação, ainda na noite do dia nove, ocorreu uma grave discussão provocada por um estudante do curso de filosofia (depois expulso da UFCA). Ele se apresentou como ex-policial militar e agrediu diretamente dois outros discentes da instituição, um estudante, também do curso de filosofia, e uma de jornalismo (eles preferiram ficar no anonimato). O fato causou confusão durante a noite, a polícia foi chamada à instituição e a queixa de agressão foi registrada. Quer dizer, a ocupação se iniciava em meio a conflitos.
O acontecimento não afastou os estudantes dispostos a ocupar a sede da UFCA em Juazeiro. Cerca de sessenta discentes de vários cursos dormiram nas dependências da Universidade. Em um ambiente agora tranquilo, os ocupantes conversavam e debatiam assuntos políticos.
Rodrigo Manfredine, discente do curso de filosofia, lembrou da primeira noite da ocupação: “Nós fizemos uma assembleia para encaminhar algumas coisas. Por exemplo, quem ficaria na comissão de segurança, comissão de alimentação, quem ficaria na comissão financeira, na político pedagógica, que iria organizar as atividades diárias da ocupação. Prezávamos pela horizontalidade”, afirmou.
Pelo olhar de quem ocupa
A noite do dia dez rapidamente passou, diante do volume de atividades dos estudantes. O nascer do sol no horizonte cobriu os novos prédios em construção. Os ocupantes se organizavam nos espaços da instituição. Eram 6h da manhã, e os que dormiam acordaram; aqueles que não conseguiram dormir, seguiram então o caminho da cantina, ávidos por café. Se preparavam então para o embate que viria em seguida, certamente esperado.
A primeira hora de ocupação passou rapidamente. Às 07h30 ouvia-se o barulho dos ônibus: outros estudantes começaram a chegar, esperando que fosse apenas um dia comum. Mas encontraram alguns portões de acesso aos blocos de aula fechados, cadeados expostos. Aos poucos o volume de estudantes e professores crescia; chegavam e incrédulos ficavam.
Cada vez mais estudantes chegavam, se concentravam na escada que dá acesso ao bloco “B” e em frente ao bloco “A”. Os ocupantes se organizaram rapidamente, olharam atentamente tudo que se desenvolvia em volta deles. E se concentraram à frente do bloco “C”, estratégico pela sua centralidade.
O tempo seguia seu passo, por voltas das 08h30 da manhã os ocupantes entoaram, em uma só voz, palavras que convocavam os demais discentes a unir-se a eles, chamando-os para adotar a bandeira defendida. Segundo Cauê Henrique, estudantes de Jornalismo, bandeira de defesa da educação pública e contra a PEC 55 que iria impor retrocessos drásticos à universidade.
Os gritos dos ocupantes repercutia nos demais estudantes, primordialmente, discentes dos cursos de engenharia civil e engenharia de materiais. Estes, a cada grito se entreolhavam, poucos aceitavam o modo de luta delineado; a maioria estava descontente com a situação, alegava que a ocupação deveria ocorrer apenas com quem concordasse, não como imposição a todos.
Os ocupantes, nesta primeira manhã de ocupação, organizaram um painel para expor como teria ocorrido o processo decisório até o ato em vigência. A atividade ocorreu na entrada da instituição e os estudantes que discordavam recusaram-se a participar. Alegaram que preferiam resguardar-se, pois discordavam do processo e do ato como um todo.
Naquela manhã se instaurava na Universidade Federal do Cariri um clima tenso; a todo momento havia a preocupação de evitar confrontos diretos entre os grupos, questão apontada pelas professoras Silvana Alcântara e Camila Prado. Existia um certo ar de medo pairando, alguns estudantes e professores sentiam como se a universidade estivesse sendo saqueada, tirada deles. Olhares fortes escrutinaram o ambiente. Professores limpavam suas salas e saiam com computadores e diversos outros itens.
O clima tornou-se mais ameno somente após a definição que haveria abertura de uma linha de diálogo, entre ocupantes e não ocupantes, buscando definir um meio termo que pudesse agradar a todos em alguma medida. Representantes docentes e discentes dos cursos do Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) sentaram-se juntos aos representantes da ocupação, foram diversas reuniões, privadas e públicas.
A proposta defendida por aqueles que se apresentavam contrários ao movimento defendia a possibilidade de aulas normais em três dias da semana, além do comprometimento dos discentes do CCT integrarem a programação da ocupação nos dias sem aula. A proposta foi amplamente debatida, porém, rejeitada pelos ocupantes. Rodrigo Manfredine destaca que a ocupação se propunha a outros modos de aula, menos tradicionais e sem, necessariamente, estar preso a sala de aula. Aulas sobre política, universidade, sobre o impacto da PEC no cotidiano de todos. Ainda neste sentido Camila Prado aponta que haviam reiterados convites para que todos os discentes participassem do movimento, integrandose e dialogando.
Camila lembra, também, o rompimento com as aulas tradicionais, o que permitiu o enriquecimento do saber, e a conversa com saberes e atividades periféricas, como grupos de skate e perna de pau que estiveram presentes e realizaram oficinas. A professora Silvana Alcântara, pontua que o interrompimento do processo de aprendizagem em sala de aula trouxe prejuízos aos discentes, que passaram muito tempo longe do conteúdo, dificultando a retomada da aprendizagem ao final de toda a trajetória de ocupação.
A ocupação produziu um largo grupo de atividades, debates, aulas públicas, exibições de filmes, assembleias, além da discussão da PEC 55. Diversas destas atividades passaram por
Os estudantes se deram conta da relevância que tem, como promotores de debate. A posição do discente é mais revolucionária que a do professor e do técnico... o estudante pode promover transformações reais, pedagógicas, de conteúdos a serem estudados e do ponto de vista político, também questionamentos, entre elas, a exibição do filme ‘Batismo de Sangue’, do diretor Helvécio Ratton, sobre a ditadura civil militar brasileira.
No dia seguinte a exibição, foi matéria em diversos sites locais e rádios que o grupo de ocupação usava do espaço e dos bens universitários para assistir a filmes pornográficos, isso porque o filme conta com cenas de sexo e nudez. Cauê Henrique, afirma que este foi apenas “um dos ataques”. Segundo o discente de jornalismo, pessoas chegavam durante a noite causando incômodos a eles, além de pessoas alheias a ocupação que estariam dormindo sem autorização nas dependências da UFCA. Cecília Santos, discente de administração pública lembra, também, que não raramente pessoas bêbadas chegavam na Universidade e buscavam atentar contra o grupo ocupante.
Os professores
No ato da ocupação, os servidores técnicos já haviam deflagrado greve, contudo, professores seguiam sem uma definição firme a esse respeito. De acordo com a professora Silvana Alcântara, teria sido realizada uma consulta pelo sindicato de classe, na qual os professores rejeitaram a proposta de greve. Porém, após a negativa inicial, a professora pontua que tiveram início os movimentos, por ela denominados, de invasão. Além de uma forte pressão de um grupo específico para que fosse realizada uma assembleia livre, desconsiderando a primeira consulta. No entanto, Camila Prado lembra que o momento exigia que se fizesse algo. “Uma greve realmente proativa, sem esvaziamento”, diz.
Duas semanas se passaram, e uma nova assembleia docente foi marcada. Os membros do sindicato chegaram, montaram o equipamento, colocaram o lanche sobre a mesa. Aos poucos o miniauditório ficou lotado por professores, técnicos, estudantes. O clima era tenso, ambos os lados articulavam por sua vitória. Via-se um tácito campo de batalha, cuja a arma era a retórica.
A assembleia começa com falas exaltadas. Todos se posicionaram, disseram a que e porque vieram. A reunião se estendeu; havia muito a ser dito. Ora falava-se a favor da ocupação e da greve, ora ia-se contra tudo isso. Ora aplauso, ora vaia. O agora miniauditório Bárbara Pereira de Alencar vivia um momento marcante de sua história. Roberto Ramos, professor e à época Pró-Reitor de Gestão de Pessoas, diz que era necessário que os professores se manifestassem, pois duas das categorias da Universidade já estavam paradas e era impossível fingir que havia normalidade.
No momento da votação, ânimos exacerbados, alunos atentos e professores ávidos. Cada voto contava; tinha peso e importância. Os braços levantaram-se, começou a contagem. Um professor à frente questiona outro que está ao fundo, diz: “você é professor substituto”, e ouve: “sou tão professor quanto você”. Braços ainda erguidos, de ocupação da UFCA; Roberto Ramos, à época atuava como Pró-Reitor de Gestão de Pessoas, diz que a gestão da universidade era sensível as pautas que culminaram com a ação dos estudantes; Camila Prado, professora do curso de Filosofia, percebe a ocupação como um ato necessário e produtor de aprendizados; Rodrigo Manfredine, discente do curso de Filosofia, figura emblemática do período em destaque, atuou na organização pregressa e durante a ocupação; Tiago Barroso, estudante de Agronomia, em 2016, trata-se de uma liderança fundamental para as ações ocorridas no campus Crato-CE; Cauê Henrique, estudante de Jornalismo, participante da ocupação; Cecília do Santos, discente de Administração Pública, participante da ocupação.
Dezembro 2019
Ocupa O Ufca
estudantes favoráveis e contrários torcem por um posicionamento, professores ansiosos. Abaixaramse as mãos, somou-se tudo rapidamente, estava, naquele momento, definindo que os professores entravam em greve.
Ministério Público
Entretanto, tal fator não acalmou por completo as animosidades do processo. Estudantes e professores, cada um a seu posto, agia, articulava segundo suas diretrizes e pensamentos. Silvana pontua que o CCT definiu que ficaria ao lado de seus discentes, independente do que definissem, se apoiassem o ato, também o fariam. Porém, como isso não ocorreu, ela conta que os discentes os procuraram e pediram ajuda. Discentes e professores buscaram apoio junto ao Ministério Público Federal (MPF), pediram orientações sobre que atitudes tomar, buscando encontrar um método de ação.
Seguindo esta linha, o MPF recomendou que a Universidade Federal do Cariri tomasse situação fática que demande qualquer ação judicial de reintegração de posse.”
A declaração da Reitoria aumentou, ainda mais, as dúvidas quanto ao posicionamento da gestão universitária. A isso, Roberto Ramos, responde que a Instituição estava ciente da situação que se desenrolava em todo o país, e que buscava agir dentro da Universidade como mediadora dos conflitos.
Relata, também, que não eram raros os depoimentos de pessoas que falavam na possibilidade de ações mais enérgicas. Por isso, segundo ele, a gestão estava tão atenta. Lembra, ainda, que havia uma certa simpatia pelos motivos que levaram a ocupação, o protagonismo estudantil, ocupação dos espaços. Mas aponta, também, que existiam grandes discordâncias no grupo de gestão, causando embates discursivos internos.
Todos os professores, estudantes, favoráveis ou contrários ao movimento, relatam que durante todo o processo pairou uma nuvem densa sobre a UFCA. Pois devido a animosidade, havia sempre estudantes parados, olhavam uma universidade que era a mesma e era outra, transformada por todos. Uns sorriam, outros estavam indignados com o cadeiraço produzido: os ocupantes haviam tirado e limpado todas as cadeiras das salas de aula, colocando-as no pátio. Nas paredes, sobre o corrimão da escada, lia-se um poema sobre resistência.
Ao entrar na UFCA, em 14 de dezembro, uma faixa gritante dizia: chega de violência. Ela ficou como marca permanente na arquitetura e na memória, durante mais de um ano esteve lá. Mas há sempre algo que fica, que marca, para além da poesia pintada, ou da faixa que se esconde.
Roberto Ramos diz que fica a politização dos estudantes, a certeza de que os discentes da UFCA não estão aquém do país, daquilo que chama a atenção da opinião pública.
Rodrigo Manfredine afirma que ficou o sentimento de pertencimento, de enxergar a universidade como uma casa, uma extensão de si mesmo. Fala, ainda, que as instituições de ensino superior devem transcender qualquer lógica utilitarista, de vir assistir aula e ir embora.
Camila Prado lembra da criação de laços entre os próprios estudantes, integrando-os, fala de um espírito de ocupação que leva a universidade para além dos muros que a ela são postos. Camila elabora, também, que a ocupação trouxe ao estudante a ciência de sua relevância, pontuando que a posição dos estudantes é revolucionária, pois transcende a revolução proposta pelo técnico e pelo professor.
Contudo, a lembrança apresenta-se de muitos modos, sob muitas visões. Para a professora Silvana, o que fica da ocupação cabe em uma palavra, ‘prejuízo’. Ela diz: “Quando eu cheguei e vi salas pichadas, cadeiras quebradas, então ficou um prejuízo sim para Universidade. O que eu olho é que o movimento de invasão foi de prejuízo para Universidade e para os alunos no CCT, que foram os que mais tentaram negociar alguma forma de permanecer estudando. Para mim a palavra que resume é prejuízo.” atitudes para reintegração de posse. O procurador Celso Leal afirmou que “em um Estado democrático de direito, os estudantes têm integral direito de protestar contra atos do governo, porém, não podem invadir o espaço público e suspender as aulas de forma discricionária.”
Atualmente, quase quatro anos decorreram do movimento de ocupações. As ideias se assentaram, o tempo passou. Hoje, a UFCA segue seu caminho de normalidade, uma normalidade nova, diferente daquela que vigorava antes. Cursos como as Engenharias Civil e de Materiais, e Administração de Empresas resolveram fundar seus Centros Acadêmicos. Aqueles que já estavam ativos conseguiram consolidar ciclos de renovação, ampliando assim o número de instituições estudantis de base, fator que permite uma maior pluralidade de ideias e debates. Hoje, vê-se muitas coisas, dentre elas, a necessidade de olhar o que precedeu o presente, olhar o passado e a sua densidade.
Ao receber tal recomendação, a Reitoria da UFCA respondeu da seguinte forma: “o movimento caracteriza-se pela ocupação do pátio central da instituição. Com a realização de debates e atividades culturais, não obstruindo o perfeito funcionamento da Universidade, não havendo um certo receio que um dos lados efetuassem atos mais radicais.
Contudo, mesmo diante das controvérsias que se instalaram, das dúvidas, das questões com, e sem resposta, a ocupação trilhou seu caminho, deixou marcas em uma instituição ainda jovem.
Em 13 de dezembro era votada no congresso nacional a PEC do teto de gastos; foi aprovada. Em 14 de dezembro se encerrava a ocupação. Pouco mais de um mês após seu início, chegava ao fim. Os ônibus paravam, estudantes desciam, parecia que a cena de 10 de novembro se repetia,
A densidade do retrovisor
Olhar pelo retrovisor é sempre algo convidativo, pois é necessário olhar para trás para tentar entender aquilo que ocorre no presente. O Cariri cearense é rico; de maneiras múltiplas se mostra e se descobre. Apresenta-se culturalmente como construtor de marcas de expressividade e de determinada maneira demarca modos de resistência e debate, sendo estes modos aceitos ou questionados.
Neste olhar ao retrovisor, percebese que os processos de ocupação insurgem como maneiras de ação, de defesa de bandeiras, atividades, como uma forma de lutar contra algo que se impõe. Em 2003, acontece a primeira ocupação do Cariri em uma instituição de ensino superior, segundo a professora Zuleide Queiroz. Esta ocupação ocorreu na Universidade Regional do Cariri (URCA), e tinha entre suas principais motivações a nomeação do André Herzog para a Reitoria da instituição, além de reivindicações que buscavam melhores condições estruturais e equipamentos para os espaços da universidade.
A ocupação se estendeu então por vinte e um dias, conseguindo unir muitos entes da comunidade acadêmica, professores, técnicos administrativos e estudantes. Os ocupantes saíram somente após reintegração de posse, realizada com auxílio do Batalhão de choque da Polícia Militar.
Seguindo a linha histórica do tempo, dez anos após a primeira ocupação, em 2013, a Câmara Municipal de Juazeiro do Norte-CE foi surpreendida com uma ocupação popular. Tal fato veio em resposta ao escândalo da “Farra das Vassouras”, que ficou nacionalmente conhecido, pois referiase a uma compra monumental de materiais de limpeza. Entre as pautas estava, ainda, um decreto recém aprovado que reduzia
Notas de uma assembleia
a remuneração de professores em 40%,, além do reajuste salarial que havia sido direcionado ao prefeito, seu vice, vereadores e secretários municipais.
A Câmara ficou interditada durante pouco mais de uma semana, produzindo um vácuo na prefeitura, pois o então gestor, Raimundo Macêdo, havia sido afastado do cargo e o vice-prefeito não conseguiu tomar posse antes da ocupação. Ressaltase, porém, que isso não trouxe prejuízo aos serviços da cidade, e a ocupação acabou depois da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que estabeleceu prazos para cumprimento das pautas do movimento ocupante.
Em 2014, voltamos a presenciar ocupações em setores educacionais, neste caso no Centec Fatec Cariri. Membros de todas as classes se uniram e fecharam o acesso a instituição, alegando que era imprescindível que fossem realizadas reformas nos prédios, além da compra de materiais de laboratório e atualização de softwares aplicados em diversas disciplinas. Estudantes e professores explanavam tais necessidades como fundamentais para o melhoramento das aulas que, segundo ambos, estavam sofrendo graves prejuízos. Não existem dados específicos sobre a extensão do ato, mas sabe-se que ele resultou em diversas ações propositivas que culminaram com ganhos positivos a instituição.
Após este pequeno preâmbulo, chegamos ao ano de 2016, marcante para todo o país, por um conjunto de fatos e atos. Dentre estes destaca-se o impeachment da então presidente, Dilma Rousseff e, no segundo semestre, o corpo de movimentos de ocupação que se espalhou por todas as regiões do país. (Paulo Junior)
Logo após assembleia de professores decretando paralisação em apoio aos estudantes e técnicos, o professor José Anderson Sandes publicou, no dia 19 de novembro de 2016, na lista de e-mail Diálogos, um breve relato sobre o tenso processo. Leia abaixo.
Professores a favor com o mesmo discurso, no mesmo diapasão, só mudou a forma. Da urgência do professor Ricardo Salmito, passando pela necessidade de uma revolução mundial da professora Maria Luíza, até várias afirmativas e validações, algumas em tom mais brando, outras nem tanto, sobre a necessidade da greve diante da PEC e da paralisação dos nossos alunos e técnicos.
Professores contrários não se manifestaram. Medo? Prudência? Cautela? Aversão ao clima de assembleísmo? Falta de argumentos?
Professor Leonardo de Almeida Monteiro, presidente da ADUFC, chegou a colocar, mas não aprofundou, que a assembléia desrespeitava o plebiscito já realizado nos dias 31 de outubro e primeiro de novembro, quando 913 professores votaram contra e 666 a favor da greve por tempo indeterminado.
Outras falas tentaram explicar, mas não foram também concludentes sobre a questão. Talvez pelo curto tempo para cada, três minutos. Houve manobra do Sindicato? Existiram falhas da ADUFC durante a realização do pleito? A manobra por uma greve por tempo determinado é legal, mas não moral?
Seguiram-se mais algumas explicações sobre o mesmo tema - a importância e a necessidade de nova consulta. Também não concluídas, possivelmente pelo pouco tempo de fala, três minutos. Professor chegou a avaliar que, caso fosse decidido pela greve por tempo determinado, o placar deveria ser mais extenso, para não mostrar divisão entre professores. O placar foi apertado: 290 a favor, 190 contra. Divisão clara.
Depois da fala da professora Beatriz Furtado, elogiando a reitoria da UFC que, em nota, apoiou os estudantes em greve, uma pergunta: por que a reitoria da UFCA não fez o mesmo?
Logo após o anúncio da votação, os professores do CCT da UFCA, contrários à paralisação, saíram em peso, reclamando do resultado. Alguns afirmaram que continuariam com as suas aulas.
Um professor das engenharias cutucou outro das Humanas: “isso aí que vocês fizeram não tem valor”.
Membros importantes da reitoria comemoraram resultado com grande alegria, batendo palmas e vivas. Poderiam ter sido mais sóbrios diante de um cenário de divisão de professores. (José Anderson Sandes)
Ela vive entre suas criações na calçada de uma casa simples no bairro Tiradentes. São bonecos grandes e pequenos e uma variedade de produtos artesanais. Conheça a história da artesã Vilani Borges.
Quempassa pela rua Martiniano Santana, no bairro Tiradentes, em Juazeiro do Norte, não pode deixar de notar que em meio às pequenas casas de portão e janela simples, como é comum nos bairros periféricos, existe uma pequena placa escrita à mão “Bazar e Artezanato”, na casa de número 74, onde dona Vilani mora sozinha. Aos 67 anos de idade, ela entende a arte de confeccionar bonecas de pano como uma forma de se manter entretida diariamente.
Ela expõe as bonecas na sua calçada, logo nas primeiras horas da manhã. Fica ali sentada costurando seus panos e escutando o programa do Padre Reginaldo Manzotti pelo rádio. Observa o movimento da rua, as crianças que passam para a escola acompanhados de seus pais, os carros apressados e as pessoas com seus dramas diários. Ali, a artesã consolida seu processo de trabalho - confeccionando novas bonecas -, uma criação que suplementa sua fonte de renda.
Arte da Costura
Quando veio morar em Juazeiro do Norte, em 1972, Vilani Borges da Costa deixava um Iguatu devastado por uma enchente que destruiu a eram pessoas de verdade. Logo, imaginou o pior: um velório na casa da artesã. Ao se aproximar da casa, percebeu melhor os bonecos e riu da situação. Dona Vilani achou muito engraçado e deu graças a Deus, eram apenas suas bonecas, e não seu funeral.
Além dos bonecos, ela confecciona tapetes de fuxico, bichinhos de pelúcia para encostar nas portas de casa, tapetes de retalho, guardadores de sacola e bonecas pequenas, que também compõem o seu catálogo. Embora bonecas sejam vistas como um brinquedo, geralmente a arte de Dona Vilani tem um destino diferente: a decoração.
Por exemplo, o mês de Junho traz consigo as festas juninas e as bonecas de dona Vilani ganham uma atenção especial nesse período. Ela conta que são compradas em maior número, nessa época do ano, principalmente por escolas para enfeitarem os arraiais das crianças. Em geral, os colégios compram duas bonecas grandes: um homem e uma mulher e montam um cenário composto por um casal caipira.
Os preços também são variados e se encaixam nos diversos orçamentos da clientela. As bonecas
Os bonecos grandes eu não vou mais fazer, não. Eu vivo doente né? Mas não vou parar, não. Deus me livre Paro não porque eu não sei estar sem fazer nada não, meu filho
Vila Neuma, localidade onde morava com seus familiares. Como em um êxodo rural, sua família veio para Juazeiro, uma cidade maior, em busca de melhores oportunidades de vida. Desde então, já morou em dois bairros da cidade: no João Cabral, primeiramente, e agora no Tiradentes.
Dona Vilani usa a calçada da casa para expor sua arte como em uma vitrine. Além disso, sua casa também funciona como um brechó popular. São peças doadas pela comunidade, embaladas em sacolas lotadas - roupas, sapatos, chinelos, principalmente. E muitos retalhos para ela confeccionar suas bonecas e outros produtos artesanais. Tudo é vendido a preços acessíveis.
Os bonecos de pano têm o tamanho de uma pessoa e, sem dúvida, são os que mais chamam a atenção dos que passam pela calçada de dona Vilani. Muitos se tornaram seus fregueses. Em meio à risadas, ela lembra de uma mulher que se espantou pela presença dos bonecos em sua calçada. Como vinha distraída, acreditou, num primeiro momento, que os bonecos nos bancos pequenas variam entre 5 a 10 reais, um presente diferenciado para crianças. Já os bonecos grandes, devido à sua dificuldade de fabricação e a suas diferentes finalidades, encontram-se numa faixa de preço bem maior, entre 150 a 180 reais. No mais, tudo é barato. Os encostos de porta custam 5 reais e os guardadores de sacola, 15.
A calçada da casa da artesã já consolidou-se como um ponto de vendas. Por isso, dona Vilani teve a ideia de vender também produtos variados a fim de aumentar a renda. “E tem lambedor pra vender também, fiz ontem pra vender, e tem tempo que aqui tem doce de gergelim, doce de mamão, tudo que eu faço e boto aqui na porta e vende tudo” - disse ela, apontando para três garrafas do mel artesanal expostas em uma mesinha vizinho a ela.
Processo artístico
Costurar não é algo fácil. A arte de confeccionar objetos através de pano requer tempo e muita
Dona Vilani
dedicação. De maneira geral, a atividade é passada através da família, geralmente de pais para filhos. Porém, com Dona Vilani isso foi diferente. A artesã fala com muito orgulho que tudo que ela sabe fazer hoje, aprendeu sozinha, apenas observando outras pessoas trabalharem. Ninguém pegou na sua mão, pôs a agulha e lhe guiou entre os panos.
Com apenas seus olhos atentos nas mulheres que faziam costura, a artista desenvolveu seu trabalho. “De primeiro eu fazia só tapete. Mas aí agora é tapete, é boneca, é bonecão, é tartaruga, é almofadinha de escorar porta, é sofazinho, é cobra de tapar brecha de porta.
A confecção dos bonecos veio mais tardiamente, mas também desenvolveu-se com independência de ensinamentos. Ela conta que uma vez, assistindo um programa na televisão no canal da TV Diário, viu bonecos de pano serem exibidos por artista de Fortaleza e aquilo a inspirou. Fascinada pelo tamanho e pela beleza deles, Dona Vilani enxergou ali uma oportunidade de expandir sua arte e seu trabalho.
“Foi na TV Diário, mas não da Garra das Patrulhas, não. Foi um programa que o homem saiu fazendo uma apresentação com bonecos. Não sei se foi num programa de brega, parece que foi, no Programa do Silvino Neto. Aí eu vi os bonecos e eu olhei bem olhado e disse: eu vou fazer boneco grande, e fiz, eu fiz e tô fazendo!”
Dona Vilani, ainda muito feliz por falar de sua eficiência, diz que certa vez, sua vizinha a mostrou um pequeno sofá de encostar portas - desses que se vê nas casas das pessoas. E para ela, perceber aquilo foi o suficiente. A beleza a encantou, a inspiração bateu na porta e, o mais rápido que pôde, suas mãos começaram a costurar. E foi um sucesso. Todo mundo que passava se encantava com a arte simplista da senhora e não resistia em levar uma lembrancinha daquelas para sua casa.
O processo artístico da confecção é trabalhoso. E torna-se ainda mais complicado quando estamos tratando de uma senhora que faz tudo sozinha. Dona Vilani conta que os grandes bonecos de pano, os que geralmente atraem mais a atenção dos passantes, demoram cercas de três dias para serem finalizados e, devido ao seu tamanho, necessitam que ela fique em pé ao lado da mesa da cozinha, onde eles são costurados de maneira bem dedicada.
De origem simples, e dependente de uma aposentadoria pequena que é rapidamente destinada à quitação de dívidas e contas mensais, a artesã agradece as pessoas que doam roupas e tecidos afins. Segundo ela, em um mês com muitas doações, seu único investimento para comprar materiais é destinado a adquirir a tinta para pintar os olhos e as bocas das bonecas e as diferentes linhas e agulhas que ela usa. E isso, para ela, é um dos fatores que mais a incentiva financeiramente para continuar seu artesanato.
Fé e Esperança
Além de sua arte, a religião também está muito presente no dia a dia de Dona Vilani. Ao entrar em sua casa duas coisas são facilmente perceptíveis logo no primeiro cômodo: as bonecas de pano e os itens religiosos. Estátuas de santos feitas de gesso, uma grande bíblia com um terço ao seu redor estão localizados em uma espécie de altar na sala de estar. Nas paredes, crucifixos de Jesus Cristo, quadros da Virgem Maria, do Padre Cícero e de alguns papas da Igreja Católica dão vida àquele cômodo.
Durante a entrevista, a artesã escutava um programa católico, atividade que tem como um hábito. Típico das senhoras nordestinas, Dona Vilani anda com um rosário no pescoço, utilizando-o como colar. Quando questionada sobre Deus, seus olhos se arregalaram com um certo espanto, como se a ousadia de ao menos cogitar fazer essa pergunta tornava o questionamento algo estúpido, pois nas entrelinhas de sua fé, a importância de Deus é inquestionável.
Desvalorização e dificuldades
A fala de Dona Vilani carrega um ar de felicidade que só as pessoas mais simples conseguem expressar. Apesar das dificuldades de ser uma mulher idosa que mora sozinha e tenta vender sua arte por conta própria, ela não desanima no dia a dia e leva toda a conversa com um tom bem humorado.
Pela idade um pouco avançada, problemas de saúde já a afetam. Ela reclama da artrose a aponta para os seus pés que estão cobertos por um pomada branca cuja finalidade é diminuir a dor. A sua visão, conforme conta, também apresenta sinais falhos. Como Dona Vilani é uma senhora bem simples, que não usufrui de um grande aporte financeiro, a dependência da saúde pública para o tratamento das mazelas causadas pelo tempo se torna um processo demorado.
Ela explica que o posto de saúde do Bairro Tiradentes está sem médico para atender no momento, então resta esperar a chegada de um profissional da saúde qualificado para examinála ou procurar o Hospital Tasso Ribeiro Jereissati - popularmente conhecido como Estefânio, próximo ao shopping Cariri Garden e bastante distante da sua casa.
Devido à necessidade de precisão no ato de costurar, o fato de estar ficando “ceguinha, ceguinha mesmo” - como ela fala - dificulta a costura das peças. Somado a isso, as bonecas de tamanho real tornam-se, conforme sua artrose vai piorando, quase impossíveis de serem feitas, por demandarem um certo esforço físico durante o tempo de costura, que pode levar até três dias para ser finalizado.
Sobressaindo as limitações físicas impostas pelo tempo, Dona Vilani diz que a coisa que mais a desmotiva a continuar seu trabalho artístico vem da desvalorização do artesanato. Ela fala que, ao longo de seus quase 40 anos como artesã, nenhum órgão governamental ligado à cultura ou a arte sequer soube da sua existência ou tampouco procurou saber.
Além disso, a desvalorização do preço de seu trabalho é bastante desmotivador. Trabalhos como a confecção de tapetes, que levam dias para serem finalizados, custam quantias pequenas, chegando ao máximo a 20 reais. Apesar do preço já ser baixo, as pessoas ainda pedem desconto e acham que o preço pedido originalmente é alto demais. Essa prática, sem dúvidas, é totalmente desprovida do reconhecimento do esforço da artesã e da qualidade de seu trabalho.
O ano de 2019 também não foi fácil para a venda das bonecas, especialmente na época junina. Nos anos anteriores, Dona Vilani vendeu no mínimo duas bonecas grandes para os festejos de São João e São Pedro. Esse ano, infelizmente, nenhuma boneca foi vendida. O preço, que originalmente rodeava a faixa dos 160 reais, caiu para 50, mas ainda não foram vendidos.
Pra mim Deus é tudo na minha vida, tudo. Jesus e Maria pra mim é tudo. Se não fosse, se eu não botasse Deus em prática e tivesse atenção a Jesus, como é que eu vivia, meu irmão?
A culpa, segundo ela, está no governo. Ela diz que o povo pobre está sem dinheiro, diferente dos ricos que passam bem. O governo, então, através de um olhar desatento à população mais pobre, e consequentemente à população artesã, sucateia as expressões artísticas que carregam no seu íntimo o que mais é verdade no povo brasileiro: a simplicidade de fazer as coisas com amor.
Memórias Kariri